História da Música Gospel por Daniel Latorre Este artigo apresenta e ilustra o surgimento do Gospel. Hoje a musica Gospel engloba varias influências. Mesmo com diferenças entre estilos de Gospel, a essência e a intenção devem permanecer a mesma. Apesar da Origem Norte Americana, há diversos aspectos na historia da música Gospel semelhantes com a musica do Brasil. A Cultura Brasileira teve diferentes rumos, porém constam de mesma origem e formas. A religião empregada desde a colonização do Brasil. A Predominância da Igreja Católica era maior devido aos colonos Portugueses e Espanhóis. Foi eficaz na disseminação da cultura escrava e nativa, talvez pela experiência mais antiga na conquista de outros territórios. Interessante observar que outras religiões européias, como a Católica, acabaram ajustando seus ritos e formas de pregação – principalmente na musica e na participação da congregação - com base na revolução que a Igreja Gospel Americana conquistou, com muita luta, na primeira metade do século XX. Mapa do tráfico de Escravos na Américas “Boas Notícias” A palavra Gospel em resumo significa: “Boas Noticias”. O Gospel é mencionado no Novo e Velho Testamento. Apesar de simples, tem significado profundo; são os anúncios que Deus nos proporciona para seguirmos nosso caminho através da fé e sabedoria divina. “O remédio de Deus” entre outros significados. Muitas outras interpretações podem ser formuladas dentro do conceito de “Boa Notícia”. Fato de discussão entre os pastores até hoje. Em exemplo da complexidade da palavra esta a afirmação do Diácono Whrite a respeito: “Jesus era uma boa noticia ao mesmo tempo em que ela a trazia para os que necessitavam”. A Música Gospel que conhecemos hoje é uma forma de música com profundas raízes na tradição dos escravos AfroAmericanos assim como nas musicas Africanas tradicionais. Suas fundações vieram dentro de um enorme choque cultural que, de uma maneira sofrida porem criativa, agregou a cultura Africana com as tradições Européias. Os escravos e as Origens do Gospel. O intenso tráfico de escravos que povoou o continente Americano, não trouxe apenas mão-de-obra; também trouxe uma nova e rica cultura, que veio moldar a sociedade e a historia da América, resultando, dentre outros aspectos, diversas formas de musica como o jazz, Blues e o Gospel. Os escravos vinham de diversas partes da África, especialmente de três áreas: A primeira, era a Costa do Marfim, ocupados hoje pelo Senegal, Guiné e etc. Esta área era fortemente influenciada pela região islâmica. Musicalmente caracterizada pela presença de longas linhas melódicas, cantos ornamentados e instrumentos de corda. A segunda área era a floresta tropical; região hoje dos paises Ganza e Nigéria. Esta trouxe ritmos Escolha dos escravos, Jacques Bnoit, 1839 complexos e instrumentos grandes de percussão. A terceira é o Congo, região da Angola, que é caracterizada pela música vocal polifônica separada em solista e grupo vocal. Cada um destes componentes trazia mais do que música. Dança, canto e dramatização eram parte na cultura e crenças Africanas. Lá havia uma música apropriada para cada momento das atividades tanto em sociedade quanto individual. Uma das formas mais importantes eram os Ritmos. O uso da percussão era também uma forma de comunicação entre diferentes vilarejos e usada em performances ritualísticas de celebração junto da dança e do canto. A música Africana é caracterizada por complexos póli-rítmos (dois ou mais ritmos diferentes, quando sobrepostos criam uma única batida musical) com uma batida forte. Diferente da música ocidental que é dividida em compassos rítmicos, esta segue um sistema aonde os ritmos vão sendo improvisados e alterados. O conjunto destas características musicais provia bases para a criação de Coro e acompanhamento, conceito de cantor Solista e o estilo cativante, dançante e empolgante incorporadas na música Gospel. Um forte exemplo esta numas das principais características da musica africana onde se encontrava um improviso melódico e textual entre o coro e o solista. O solista canta uma frase que é repetida ou respondida pelo grupo; freqüentemente o grupo era apoiado por comentários em voz alta vindos da audiência. A Religião Ocidental e o Spirituals Houve muitas tentativas de destruir a cultura dos escravos, misturando tribos e introduzindo os escravos a uma nova cultura. As maiorias dos escravos foram levados para todo centro e sul dos Estados Unidos para trabalharem, entre outras atividades, nas plantações. O escravo não trazia nada para o novo continente exceto suas lembranças. Uma das únicas coisas que todos os escravos tinha em comum eram a música. A principio, os escravos eram proibidos de praticar suas músicas ou tocar instrumentos de percussão. Eles o faziam em segredo, escondidos durante a noite, após trabalhar na plantação, ou longe dos ouvidos dos seus donos. Negros cantando na colheita de algodão, 1885 Com o tempo muitos donos de escravos perceberam que eles trabalhavam melhor se os deixassem cantar durante suas atividades, e acabaram permitindo sua música. Estas canções -chamadas de “canções de trabalho” serviam inicialmente para aliviar o sofrimento causado pelo árduo trabalho sob o sol castigante, abusos, discriminação e toda a forma de opressão da sociedade. Conforme o tempo foi passando os escravos foram sendo cada vez mais integrados ao novo mundo. Como resultado do choque cultural, eles começaram a mesclar suas heranças musicais africanas com suas novas influências Européias. Esta mistura mudaria mais tarde o cenário musical no mundo. A religião Cristã, a Língua inglesa e a tradição da igreja Anglo-Saxônica formaram um novo tipo de crença e esperança. salvação no campo de arroz, 1865 Os Spirituals Partituras Originais do Spirituals Deep River1915 Quanto mais catequizados eles eram, mais religiosa eram suas musicas. As “canções de trabalho” originaram os Spirituals. Tinham o mesmo aspecto, porém com conteúdo bíblico. As mensagens Cristãs assim como passagens da Bíblia mostravam grande semelhança com a vida dos escravos. Eles se identificavam com passagens como a de Moisés e o povo de Israel. Assim como outros ensinamentos da Bíblia, a libertação do Povo para a terra prometida por Deus inspirava os escravos e suas canções. Em exemplo esta a canção Deep River, que mostra como os escravos oprimidos sonhavam com uma vida melhor: "Deep river, my home is over Jordan, Deep river, Lord, I want to cross over into campground, Oh, don’t you want to go to that gospel feast, That promised land where all is peace? O don’t you want to go to that Promised Land where all is peace?" “Rio profundo, minha casa esta alem do Jordão. Rio profundo, Senhor, Quer atravessar os campos, Oh, você não quer ir para aquele paraíso? Aquela terra prometida onde tudo é paz?” Alguns Spirituals eram criados durante o trabalho nos campos, outros durante os trabalhos serviçais ou à noite após o árduo dia de trabalho quando os escravos se encontravam. Centenas de escravos se juntavam à noite durante estes encontros para ouvir as pregações da palavra de Deus. Algumas vezes um pastor negro viajava espalhando a palavra entre os escravos. Os cultos eram diferentes dos tradicionais cultos dos brancos naquela época. A congregação era barulhenta, ativa, e ficava todo tempo respondendo aos comentários do pastor com “Amem, Sim Isso Mesmo, Certamente, Rezai-vos, Sim Senhor!” Etc. O pastor dava o sermão de uma forma rítmica e exaltada. Quanto mais empolgados eram os comentários, mais inspirado ficava o sermão. Eventualmente o pastor ou algum membro da congregação começava a cantar palavras do sermão ou versos da Bíblia. Instantaneamente outros membros da congregação se emocionavam e se envolviam. Logo todos estavam cantando e dançando. ilustração de partitura da pregação aos domingos Qualquer instrumento que estivesse à mão era usado na música. Assim nascia um Spirituals. Algumas canções eram esquecidas no dia seguinte e outras eram passadas de geração para geração. Como exemplo estão as cançõesGo Down Moses, Down by the Riverside, Go Tell it on the Mountain, Swing Low Sweet Chariot, Joshua Fit the Battle of Jericho. Etc. O Surgimento da Musica Gospel A base do tradicional Gospel Americano veio dos Spirituals, que descendia diretamente do formato Africano de pergunta e resposta entre o solista e a congregação. Musicalmente, os Spirituals misturaram os hinos ocidentais e as raízes musicais da África. Estas influências se transformaram em um rico pote de possibilidades musicais. Basicamente, os escravos improvisavam entre os antigos hinos mudando as canções de acordo com suas necessidades e propósitos. Criavam novas e diferentes canções sobre os antigos hinos clássicos. Ilustração sobre os encontros e sermões, 1849 A tradição da adoração da musica continuava, os significados do contexto bíblicos iam cada vez mais além da musica. Conforme as palavras de um pastor negro da igreja pentecostal: “As palavras podem ser relevantes. A congregação quer ouvir coisas relacionadas com as situações da vida real. Eles querem adorar o que é vibrante e entusiasmaste. Se uma igreja conseguir dar sua mensagem, sua música, seus princípios; as pessoas responderão”. Por um longo período os Spirituals foram considerados pelos brancos como “Inúteis canções de Negros”. A cultura Afro-Americana tinha pouca atenção. Com a abolição da escravatura em 1865, os negros tiveram melhores condições para praticar suas religiões e conseqüentemente sua música. (ilustração chapel.jpg – ) Sermões eram pregados em grandes encontros nas imediações das novas cidades da América do Norte. As comunidades negras pentecostais das Igrejas se multiplicavam. No começo do século XX, com o aumento do numero de igrejas negras no sul da América do Norte, os escravos levaram suas músicas e Spirituals enchendoas com inspiradas Ritos. Ao lado das instituições nacionais organizadas, os guetos de negros tinham igrejas independentes como Atlanta's Highway e Hedges Fire Baptized ou Chicago's Widow's Mite Holiness. A igreja negra se tornou escola de musica, formando talentosos músicos e levado o desenvolvimento da musica Americana um passo adiante. O que conhecemos hoje como MÚSICA GOSPEL surgiu com os Spirituals praticados dentro igreja negra. partitura original de Musica Gospel Durante as décadas seguintes, ao final Guerra Civil americana, os brancos começaram a perceber a importância dos Spirituals, este formato de musica começou a ganhar reconhecimento entre as pessoas fora das comunidades Afro-Americanas. As igrejas negras pentecostais do sul promoveram uma lenta, mas firme transformação da musica. Os passos definitivos para a chamada Música Gospel se deram com a grande migração para as cidades do norte como Chicago e Nova York logo após a 1a Guerra Mundial. típicas capelas gospel do começo do século XX Thomas Dorsey, o pai da música Gospel. O formato dos Spirituals então evoluíram na Musica Gospel. Da mesma forma que surgiu os Spirituals surgiram o Jazz e o blues. Estes estilos mais tarde seriam incorporados na música gospel, deixando-a com o formato mais parecido com o que é encontrado hoje. Thomas Dorsey teve papel fundamental na criação e disseminação da musica Gospel. Thomas, nascido em 1899, filho de pastor Batista; aprendeu piano com sua mãe. Graduou-se na Escola de Arranjo e Composição de Chicago em meados de 1920. Começou a tocar piano em bares e em bandas de jazz usando o nome George Tom. Logo se destacou pela sua criatividade e dedicação, compôs e gravou músicas que viraram hits na época; e em 1928 havia escrito mais de 460 canções de Rythm and Blues e Jazz. No Ano seguinte resolveu se dedicar ao Senhor, incorporando os elementos do Blues e Spirituals nos hinos cristãos. Thomas Dorsey ao Piano A mistura, a qual denominou Gospel, fez instantâneo sucesso cujo apelo rompia barreiras raciais. Desencorajado e desacreditado em seus esforços para publicar e vender suas músicas através das editoras que relutavam em publicar musica negra, Dorsey foi o primeiro editor independente da musica Gospel criando a Casa Dorsey de Músicaem Chicago no ano de 1932. Pouco tempo antes ele havia formado a Convenção Nacional de Coros e Corais Gospel. Sua mais famosa musica foi “Precious Lord, Take my Hand”. Um sucesso nacional em ambos círculos raciais. Porém, as Igrejas conservadoras demoraram em aceitar esta mistura que originava o Gospel. Nem tanto pela duvidosa reputação do blues, mas principalmente pela excitação que a música Gospel trazia para a congregação. Surgiu então um conflito entre duas visões sobre o papel da igreja na sociedade Afro-Americana. Um segmento via uma instituição com uma cultura Afro-americana distinta; o outro via a igreja como meio no qual os Afro-Americanos assimilariam em primeiro plano a Cristandade. No entanto o tradicional cedeu devido à aceitação e impressionante resposta da congregação ao novo Gospel, achando assim espaço para o novo e o antigo. Os ritos tradicionais eram mantidos e intercalados com as músicas. Mais tarde, Thomas foi um dos primeiros negros a ganhar prêmios por suas composições.. Entre as décadas de 1900 à1930, a música Gospel estava atribuída às mudanças sociais que aconteciam nos EUA. Muitos negros do sul começavam a mudar para outras partes dos EUA levando com eles o Gospel, que era sua forma de expressão. O órgão Hammond e a Musica Gospel Famoso Grupo Vocal: Sweet Singers of the Sunny South 1923 Havia uma forte demanda pela musica gospel também como forma de entretenimento. Após a Segunda Guerra Mundial os negros começaram a comprar discos fazendo surgir um novo mercado. Apenas ao final da Década de 40 é que o famoso órgão HAMMOND foi introduzido nas igrejas. A primeira igreja a ter um órgão Hammond foi a First Church of Deliverance; fundada em 1929 em Ilinois, Chicago; pelo Reverendo Clarence H. Cobbs foi a primeira congregação devidamente organizada. Também uma das primeiras igrejas negras a transmitir sermões e música Gospel através do radio. Esta igreja teve grande importância no firmamento da musica Gospel. Nela, Kenneth Morris, outro importante nome na editoração das musicas gospel, revolucionou ao introduzir o órgão Hammond na musica Gospel. Nela o piano e o órgão tocavam juntos, criando o acompanhamento ideal: o órgão sustentava os tons enquanto o outro atuava ritmicamente. Estes foram os únicos instrumentos que acompanhavam o Gospel servindo de padrão para todas as outras Igrejas até a década de 70. A Música Gospel mostra o estilo exuberante de expressão física e vocal que caracteriza, além das canções, todas as atividades e encontros entre membros da congregação - Batista, Pentecostal entre outras. No começo do século 20, o estilo de canto usando vibrato era acompanhado apenas por palmas.Logo violões e banjos foram adicionados como base melódica para os cantores e pequenos corais. Assim como os Spirituals foram implementados com os hinos e estilos paralelos como o blues, a instrumentação passou a ter um papel maior. O Piano foi um instrumento importante, por servir de base de estudo e de pratica dos corais, se tornou o principal acompanhamento durante a década de 30. Na década de 40, a música gospel passou por mais uma mudança. Foi neste período que os grupos musicais gospel se organizaram e excursionaram pelos EUA. Grupo Gospel: The Southland Singers 1938 O Hammond foi escolhido na época também por ser um instrumento alternativo e novo. Enquanto as igrejas Anglo-Americanas tinham apenas o piano ou o órgão de tubos, a igreja Afro-Americana desenvolvia uma identidade musical maior usando este então novo instrumento tão exuberante, excitante e vibrante quanto o Gospel. Não demorou muito para o órgão Hammond ser uma referencia do estilo. Reverendo Cobbs e a feast Church of Deliverance órgão Hammond B3 com Caixa Leslie 122 ao fundo, no púlpito da Igreja A Constante Evolução Famosa soprano negra; Dorothy Maynor Durante a década de 50, vários pastores e grupos se tornaram famosos, gravando discos Gospel e excursionando pelo país. O talento dos interpretes Gospel chegavam à TV americana, festivais de jazz e casa de shows. Os cantores Gospel inspiraram os cantores de Rock n’ Roll exemlpo de Elvis Presley, Little Richard e Jerry Lee Lewis. Mesmo com o racismo o publico branco começava a consumir a musica negra Gospel, mesmo que fosse como forma de entretenimento apenas. Artistas como Aretha Franklin, Sam Cooke (do Soul Stirrers), Ray Charles, James Brown, Marvin Gaye, usavam de sua vivência do Gospel para criar novos estilos. Muitos destes novos estilos escandalizaram comunidades religiosas que observavam o uso comercial da musica Gospel com letras agressivas e conotações sexuais. Elvis inspirado pela musica Gospel leva o estilo para o Rock n ’Roll O Gospel Mudou mais ainda durante a década de 70 e 80 com o uso do sintetizador e a tecnologia. Outros estilos como hip-hop, Rock e até mesmo a musica erudita européia realimentaram o Gospel. Mesmo assim permanecem em muitos momentos os princípios e formatos vindo do Spirituals e do Blues. Assim como o Gospel absorveu outros estilos, estilos musicais foram criados através deles. Ainda hoje há uma fome do publico em ouvir musica Gospel independente da cultura popular. Ainda há muito que se fazer na musica Cristã que junte o espírito e o corpo, não importando a ideologia da elevação espiritual. O que caracteriza o Gospel hoje é conseguir unir em uma única forma a o céu e a terra, a razão e a fé; política e religião. E o Melhor, expressar através do Gospel a totalidade da experiência entre corpo e Alma. Famosos coro desde a década de 60: The Morgan Singers Referências: Epstein, Dena J "Sinful tunes & Spirituals" (Chicago, University of Illinois Press 1977); Heilbut, Antony "The Gospel Sound; Good New & Bad Times"; (New York, Limelight Editions 1997); Warren Sims, Gwendolin "Ev’ry time I feel the Spirit"; (New York, Henry Holt Company 1997);Southern, Eileen "The Music of Black Americans; A History" (New York, W.W. Norton & Company Inc, 1983) Daniel Latorre: Pianista e Organista. Iniciou sua carreira ainda adolescente tocando em bares de São Paulo. Teve como Professor o organista Gospel/Blues americano Deacon Jones (Baby Huey, John Lee Hooker, Freddie King, entre outros). Já tocou com nomes internacionais como Ian Paice (Deep Purple); e com nomes nacionais como, Sepultura, Edgar Scandurra, Paralamas do Sucesso, Beto Lee, Lee Marcucci, Luiz Carline (Tutti-Frutti), Frejat, entre muitos outros. Especializou-se em tocar Jazz, Blues, Rock e Gospel nos famosos órgãos Hammond. Hoje é endorse da Hammond no Brasil, participando de projetos como Andréas Kisser Brasil Rock Stars, Paulo Zinner Rockestra e agora com este novo projeto Hammond Grooves. Latorre é o endorse brasileiro da marca Hammond. Daniel Latorre (2005). Publicado na revista Palco Gospel ano 1 no. 5