uma Política industrial Para o brasil

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Uma Política Industrial
para o Brasil
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Os
marcos históricos do desenvolvimento
industrial brasileiro são o ponto de partida para
reflexões sobre os desafios enfrentados pela
indústria brasileira nos tempos atuais, assim
como as projeções sobre o futuro da indústria
como elemento fundamental para a sustentação
do desenvolvimento do país a longo prazo.
O
artigo faz, também, um balanço da política
industrial, tecnológica e de comércio exterior
dos últimos anos no
A
Brasil.
indústria brasileira: breve histórico
O
desenvolvimento industrial brasileiro possui marcos históricos bem definidos e pontuados por políticas voltadas
para a implantação de empresas estatais, planos econômi-
cos, grandes subsídios e criação e expansão da indústria de base.
A partir da década de 1940 constata-se de maneira mais evidente um esforço do Estado em prol do processo de industrialização no
país. A indústria de base adquire vigor com a criação da Companhia
Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, nos inícios dos
anos 1940. Na década de 1950, a instituição do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico - BNDE, posteriormente BNDES, e da Petrobras aportaram apoio marcante ao desenvolvimento industrial ainda
emergente. Conferiu-se atenção, nessa década, aos setores de energia e
transportes, construindo-se, assim, a infra-estrutura necessária para a
expansão do parque industrial brasileiro. A inauguração de pólo auto13
mobilístico e de eletrodoméstico no interior paulista deu início à instalação de uma base industrial de produtos de consumo durável.
A segunda metade da década de 1960 no Brasil assiste ao início do
regime militar, que empreendeu uma série de reformas sob o ponto de
vista econômico. Durante o período, o Brasil passou por um chamado 杜
ilagre econômico, época de grande desenvolvimento, representado pelo
crescimento recorde do PIB de até 12% ao ano, com crescimento de
18% ao ano do setor industrial. Na busca de transformar o país numa
potência emergente e com a disponibilidade externa de capital, foram
feitos pesados investimentos em infra-estrutura, indústria de base, indústria de transformação, de bens de capital, de bens duráveis e na
agroindústria.
As políticas industriais brasileiras até os anos 1970 tiveram pelo
menos duas características distintas daquelas de vários países europeus
e asiáticos (particularmente Japão e Coréia do Sul). Primeiro, a abertura
para a atração de investimento estrangeiro: várias cadeias de produção
passaram a ter empresas multinacionais em sua coordenação. A infraestrutura e vários projetos do Estado foram financiados com recursos externos. Segundo, a industrialização baseada em substituição de
importações, sem plano estratégico para exportar e nacionalizar suas
empresas.
Com o fim do milagre econômico, representado pela primeira crise
internacional do petróleo (1973), o mundo foi abalado por uma forte
recessão e pelo aumento da taxa de juros, que, além de reduzir a oferta
de crédito, colocou a dívida externa brasileira em um patamar crítico. Nesse cenário, o Brasil passou por um processo de desaceleração
industrial. O país ainda sofreria os efeitos do endividamento externo
significativo, do crescimento negativo do PIB e dos altos índices inflacionários. Constituiu-se, assim, um cenário sombrio, caracterizado
pela chamada stagflação, uma combinação de estagnação da atividade
econômica aliada à inflação de preços.
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O restabelecimento da democracia do Brasil foi acompanhado por
vários planos econômicos, que tinham por objetivo acabar com a inflação e criar condições favoráveis para um desenvolvimento sustentado.
Os anos 1990 no Brasil ainda foram marcados pela abertura econômica,
promovida pela redução drástica das alíquotas dos impostos de importação e pela desregulamentação da economia.
Na história recente, uma série de mudanças foi adotada com o objetivo de adaptar o país à nova realidade da economia mundial. Desregulamentação de mercados, flexibilização das regras de contratação de
mão-de-obra e fim do monopólio estatal nas áreas de petróleo, energia,
siderurgia, telecomunicações e transporte foram algumas das medidas
de adaptação. O controle da inflação foi um resultado positivo obtido
nesse processo. A indústria, contudo, sofria de maneira acentuada os
impactos da forte concorrência internacional e se ressentia da ausência
de políticas públicas voltadas à atividade produtiva no país.
Depósito industrial
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A
indústria brasileira na atualidade e os desafios
de uma política industrial
Se as economias mundiais forem colocadas numa escala de concorrência, a indústria brasileira estaria posicionada num espectro intermediário dessa disputa competitiva. Na parte inferior dessa escala,
estaria a concorrência baseada em baixos custos, e na parte superior
a competição caracterizada por inovação e diferenciação de produto.
Ocorre que os países localizados nos dois extremos dessa escala estão
se movendo para ocupar o espaço das posições intermediárias, e existe
a possibilidade real de que os países localizados nesse intervalo do sistema percam espaço na economia global.
Em outras palavras, a indústria brasileira está ameaçada “por baixo” pela concorrência de empresas radicadas em países de baixos salários e piores condições de trabalho (longas jornadas, poucos direitos
trabalhistas, poucos direitos sindicais), que buscam a liderança em custos e concorrem via preços baixos. E parte dessas empresas, particularmente as radicadas em países asiáticos, vem procurando associar baixos
custos com inovação, pressionando “por baixo”, procurando mover-se
para cima. A fatia superior do espectro competitivo é aquela dominada
por empresas inovadoras, localizadas especialmente em países de alta
renda, altos salários e melhores condições de trabalho. São empresas
que buscam criar novas necessidades de consumo, abrindo mercados e
auferindo preços-prêmio por sua liderança. Parte dessas empresas tem
procurado reduzir custos, seja alocando a produção física em países de
salários mais baixos, seja terceirizando parte da produção, seja racionalizando suas atividades nos próprios países centrais.
Partindo dessa visão de presente da indústria brasileira, a visão
de futuro adotada pelo país é a da saída “por cima”, por meio da indução da mudança do patamar competitivo da indústria pela inovação e
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diferenciação de produtos e serviços, com inserção e reconhecimento
nos principais mercados do mundo. Essa visão é intimamente associada
com inovação tecnológica, com inserção positiva na sociedade do conhecimento - o que inclui educação em todos os níveis, inclusão digital, desenvolvimento científico e tecnológico, com maior protagonismo
no comércio exterior nos segmentos de maior intensidade tecnológica,
com internacionalização de empresas brasileiras, com disputa pela liderança em desenvolvimento de produtos de base nano e biotecnológica, com liderança de empresas brasileiras na tecnologia e no comércio
de biocombustíveis. O fortalecimento e a expansão da base industrial
brasileira e o aumento da capacidade inovadora das empresas da base
industrial brasileira promovem a sustentação do crescimento. E de um
novo tipo de crescimento.
A Política Industrial, Tecnológica
Exterior brasileira
e de
Comércio
A política industrial brasileira foi definida num contexto de um
novo paradigma de relacionamento Estado-Sociedade, no qual o agente
público procurou criar um ambiente de negócios favorável ao investimento produtivo, cabendo ao agente privado identificar oportunidades
e realizar investimentos.
Lançada em março de 2004, a chamada Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) tem características singulares e se
distingue claramente das políticas até então vigentes. Objetiva ampliar
a eficiência e a competitividade da empresa nacional e inseri-la internacionalmente, criando empregos e elevando a renda. Paralelamente
à definição de uma política industrial para o país, criou-se a Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI, incumbida de promo17
Detalhe
de indústria
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ver a referida política, além do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Industrial - CNDI, composto por ministros de Estado e representantes
da sociedade civil, que em conjunto definem as estratégias que orientam a execução da política industrial do país. Trata-se da institucionalidade necessária para criar a sinergia que articule o setor público e a
iniciativa privada em prol do desenvolvimento industrial.
Uma síntese da iniciativa brasileira para a indústria está no seu
próprio título: política industrial e tecnológica e de comércio exterior,
ou seja, relaciona desenvolvimento da indústria (aumento da modernidade e produtividade) com inovação tecnológica e competitividade
internacional. Busca incentivar a mudança do patamar competitivo
da indústria brasileira rumo à inovação e diferenciação e inovação de
produtos. Trata-se de uma política em consonância com as principais
tendências internacionais no assunto, voltada ao desenvolvimento tecnológico, e em estrita conformidade com todos os acordos internacionais firmados pelo Brasil, como aqueles no âmbito da Organização
Internacional do Comércio (OMC).
As diretrizes estabelecidas estão articuladas em três eixos complementares:
1) linhas de ação horizontais para todos os setores econômicos,
voltadas para inovação e desenvolvimento tecnológico, inserção externa, modernização industrial (incluindo pequenas e
médias empresas e arranjos produtivos locais), aprimoramento
do ambiente institucional e estímulo ao investimento.
2) linhas verticais para quatro setores identificados como estratégicos para o desenvolvimento da economia brasileira e para
uma maior inserção do país no comércio mundial: semicondutores; software; bens de capital; fármacos e medicamentos.
3) atividades portadoras de futuro: biotecnologia; nanotecnologia;
biomassa e energias renováveis.
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Um balanço da Política Industrial, Tecnológica
de Comércio Exterior - 2004 e 2005
e
A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior PITCE provocou uma reengenharia institucional, restabelecendo os instrumentos necessários para alavancar o desenvolvimento da indústria
de maneira eficiente e sustentada. Também possibilitou a agilização de
instrumentos importantes para a indústria, como a Lei de Inovação. Por
quatro anos fora da pauta do Congresso Nacional, foi votada e aprovada em tempo recorde e regulamentada em outubro de 2005. A Lei é
organizada em torno de três eixos: a constituição de ambiente propício
a parcerias estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e
empresas; o estímulo à participação de institutos de ciência e tecnologia no processo de inovação; e o estímulo à inovação na empresa.
A Lei de Biossegurança constitui outro exemplo de medida relacionada à política industrial e também representa um avanço importante nesse contexto. Regulamentada em novembro de 2005, a Lei
cria normas de segurança e mecanismos de fiscalização para todas as
atividades relacionadas aos Organismos Geneticamente Modificados,
reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e cria o
Conselho Nacional de Biossegurança, além de permitir pesquisas com
células-tronco embrionárias.
Cabe destacar a introdução, a partir de 2004, de um novo modelo
de gestão integrada dos Fundos Setoriais, que se constitui em mecanismo inovador de estímulo ao fortalecimento do sistema de C&T nacional. O novo modelo, a ser consolidado na regulamentação definitiva do
Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
permitiu integrar grande parte dos investimentos dos Fundos por meio
de ações transversais alinhadas com as prioridades do Governo, evitando a duplicidade ou dispersão de iniciativas e assegurando maior
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transparência e eficiência na execução dos recursos. A estruturação do
novo modelo de gestão dos Fundos Setoriais permitiu focar na política
industrial mais de 60% dos recursos disponíveis para novos investimentos dos Fundos, em 2004 e 2005. Agrega-se a isto os créditos reembolsáveis estendidos a empresas pela Finep para fomentar atividades de
P&D. O novo modelo de gestão aumentou a eficiência na execução dos
recursos dos Fundos, atingindo a marca de aproximadamente 99% de
execução dos recursos disponíveis em 2004 e em 2005. De modo geral,
a execução dos recursos do FNDCT – compostos, fundamentalmente,
por recursos dos Fundos Setoriais – aumentou de R$ 343 milhões, em
2002, para R$ 628 milhões, em 2004, atingindo em torno de R$ 800
milhões, em 2005.
Outro número relevante vem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES: a carteira do para investimentos
em projetos nas linhas prioritárias e estratégicas da PITCE soma cerca
de R$ 4,4 bilhões.
Em prazo recorde, apenas seis meses após a publicação da Lei que
a instituiu, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial já estava consolidada, articulando e promovendo as ações previstas na política industrial. Em parceria com entidades representativas da iniciativa
privada, a ABDI definiu e trabalha em dois eixos estratégicos de ação:
o Aumento da Capacidade Inovadora das Empresas e o Fortalecimento
e Expansão da Base Industrial Brasileira. Para cada um dos eixos há
um Macroprograma Mobilizador, com ações ou iniciativas capazes de
explorar o potencial industrial nacional. Nesse sentido, foram criados
os macroprogramas Indústria Forte, para que a indústria possa mudar
o seu patamar competitivo; e o Inova Brasil, para mobilizar as empresas, as universidades, os institutos de pesquisa e desenvolvimento
tecnológico, as entidades empresariais, sindicatos de trabalhadores e
os diversos órgãos de Estado e da sociedade civil com o intuito de
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aumentar a capacidade de inovação da economia industrial brasileira,
amplificando as ações que cada ente já realiza e incentivando outros a
se engajarem no processo.
Perspectivas
para o futuro
A PITCE é certamente uma grande iniciativa no conjunto das políticas públicas recentes do Brasil. Baseia-se num modelo articulado de
medidas e instrumentos que buscam o aumento da eficiência produtiva,
com a elevação do padrão de competitividade da indústria brasileira.
Voltada para o futuro, seu foco principal está na inovação. A mudança
estrutural da economia brasileira, com a incorporação dos mercados
externos nas estratégias das empresas, é outro aspecto sinérgico com
a política industrial: estimulada por ela, a disputa em mercados mais
exigentes e diferenciados tende a oxigenar todo o tecido industrial brasileiro.
Neste cenário, está em curso a construção da Iniciativa Nacional
para Inovação, sob a coordenação do CNDI e com execução da ABDI,
cujo objetivo é promover uma ampla mobilização nacional envolvendo empresas, universidades, institutos de P&D tecnológicos, entidades
empresariais, sindicatos de trabalhadores, órgãos de Estados e da sociedade civil para aumentar a capacidade de inovação na indústria brasileira, por meio da construção coletiva de uma estratégia de longo prazo
em temas horizontais e verticais.
A política industrial brasileira é, de fato, uma política de Estado,
um elemento fundamental para a sustentação do crescimento de longo prazo. É preciso, contudo, ter em mente que a transformação da
indústria é obra da própria indústria. Cabe ao Estado indicar, apoiar
e incentivar tal processo, criando as condições favoráveis para o de22
senvolvimento da capacidade produtiva do país. Assim, é fundamental
o estreitamento do diálogo entre o Estado e a iniciativa privada, bem
como a integração das ações governamentais com as do setor produtivo, da comunidade científica e tecnológica e dos trabalhadores. O
cenário que se esboça a partir das iniciativas em curso é não apenas
promissor, mas também já vem demonstrando resultados concretos à
sociedade brasileira.
Alessandro Teixeira
Presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)
www.abdi.com.br
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