CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ALFREDO MONTEIRO DE SOUSA UMA ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA-CE FORTALEZA 2013 ALFREDO MONTEIRO DE SOUSA UMA ANÀLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA-CE Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Rodrigues Alves. . FORTALEZA 2013 Maria Elaene ALFREDO MONTEIRO DE SOUSA UMA ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM FORTALEZA-CE Monografia apresentada como prérequisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense - FAC, tendo sido aprovado pela Banca Examinadora. Data da aprovação:___/___/___ BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________ Prof.ª Ms. Maria Elaene Rodrigues Alves (Orientadora) Faculdade Cearense ______________________________________________________ Prof.ª Dra. Aurineida Maria Cunha Universidade Estadual do Ceará ______________________________________________________ Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel Faculdade Cearense Dedico este trabalho aos homens e mulheres que habitam nas ruas, à minha família e aos amigos e amigas que de forma direta ou indireta contribuíram para sua realização. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus, por me conceder o dom da vida e que na sua infinita misericórdia não me deixou desistir no meio do caminho diante de tantos desafios que foram superados. A toda minha família, de modo particular aos meus pais Jonas e Efigênia, que mesmo estando longe me deram apoio, dedicação e força com suas orações, contribuindo para que eu superasse os obstáculos. Aos missionários combonianos que me proporcionaram a oportunidade de acessar o ensino superior. Agradeço de modo particular aos irmãos da comunidade de Fortaleza, Pe. Gustavo, Pe. Marcos, Pe. Justino, Pe. Juan e Pe. Alessio, por terem me compreendido e me incentivado durante este percurso acadêmico. Aos colegas com que iniciamos o Curso juntos e que, por algum motivo, não poderão continuar, e àquelas que perceberam que não se identificavam com o Serviço Social. Eu não poderia deixar de mencionar as companheiras de estudo da turma 2010.1 (manhã); juntos passamos por momentos de alegrias, tristezas, tensões, reconhecimento, decepções, vitórias e debates. Momentos estes que me fizeram crescer como pessoa e como futuro profissional e ficaram registrados nos anais de minha vida. A você Áurea Gomes, Emilie Kluwen, Ana Berly, Sumara Frota, Natália Onofre, Lorena Maria, Luciane Cosme, Cristiane Magalhães, Cícera Vieira, Claudiana Lima, Elizandra Carvalho, Liliane Severiano, Liziane Amora, Débora Rebouças, Andréa Ferraz e Ana Neila. A vocês só tenho a dizer muito obrigado por percorrermos este caminho juntos. Às queridas e inesquecíveis amigas da turma 2010.1 (noite), Fabrícia Maria, Natália Rolim e Diana Soares, pelas altas discussões e momentos de construção coletiva dos trabalhos acadêmicos. Obrigado pela bela parceria. A nossa tríade Fabíola Souza e Mirna Luciana, que juntos tivemos altas reflexões filosóficas, não somente no mundo das ideias, e sim no mundo da vida real, proporcionando-me um amadurecimento gradual, além de iniciar a construção coletiva no Movimento Estudantil de Serviço Social (MESS). À querida Ana Caroline, pelo companheirismo, carinho e pela construção coletiva que iniciamos no MESS. Você será uma grandiosa Assistente Social. Às ilustres e agradáveis da turma 2010.2 (manhã), Mariane de Sales, Natália Lopes, Jéssica Uchôa, Mariane Guimarães e Mayara Paiva. Obrigado pelas suaves discussões e alegrias que juntos vivemos neste curto tempo. As grandes companheiras de pesquisa de campo sobre a População em Situação de Rua Emanuele Moreno e Emanuela Sales. Não esquecerei as divergências de ideias que confluíram para o nosso êxito, dos momentos de angústia e de crise sobre a aproximação com o cotidiano dos sujeitos da pesquisa. Não poderia deixar de registrar meus agradecimentos ao corpo docente da Faculdade Cearense, de modo particular a Mônica Duarte, Maria Elia, Renato Ângelo, Mário Henrique, Eveline Alves, Rubia Cristina, Aniele Brilhante, Joelma Freitas, Hamilton Teixeira e Lenha Aparecida. A vocês só tenho a agradecer a imensurável contribuição neste percurso da aprendizagem acadêmica que levarei para além dos muros da Faculdade. A professora Maria Elaene, que gentilmente se disponibilizou ser a minha orientadora e me ajudou a ter um olhar mais detalhado e crítico sobre a população em situação de rua, bem como me auxiliando nos momentos de angústia no decorrer deste trabalho. Às professoras Valney Rocha e Aurineida Maria Cunha por aceitarem participar da Banca Examinadora. Às minhas inesquecíveis supervisoras de campo Ana Renata da Hora e Erlania Lima. Obrigado por me ajudarem com muita paciência a fazer a mediação entre as dimensões teóricas e a prática profissional no campo de estágio supervisionado. Às colegas de estágio Jocasta Barbosa, Vinelia Braga, Ana Paula, Lucilene e Isabela Maria, por me proporcionarem discussões críticas e amadurecidas sobre a prática profissional do assistente social. Aos sujeitos da pesquisa que se dispuseram livremente a conceder informações para este trabalho. À Pastoral do Povo da Rua, com sua pedagogia simples e acolhedora que prioriza a essência da pessoa humana tendo um olhar crítico diante da realidade de tantas violações de direitos da população em situação de rua. Às minhas queridas amigas Leidiane Macedo e Keliane Macedo, que mesmo estando distante geograficamente estiveram sempre presentes, me acompanhando, degrau por degrau, me apoiando e dando forças, principalmente, nos dias de fadiga e estresse. “Diz-se violento o rio que tudo arrasta, mas não se dizem violentas as margens que o oprimem”. Bertolt Brecht RESUMO O presente estudo consiste em apresentar uma análise sobre as Políticas Públicas para a População em Situação de Rua e seus desafios na materialização da Política Nacional da População em Situação de Rua, em Fortaleza-CE. Nosso objetivo foi compreender como o fenômeno população em situação de rua foi constituído historicamente e quais as suas configurações na contemporaneidade, elencando suas principais características e partindo do pressuposto de que este fenômeno é uma expressão da questão social inerente ao desenvolvimento capitalista. Contextualizando o surgimento das cidades e como se dá os conflitos de classe nesse âmbito, o trabalho apresenta também uma breve análise das políticas sociais, identificando que políticas públicas são direcionadas a esta população atualmente, enfatizando a Política Nacional para a População em Situação de Rua, e como se dá a sua concretização na conjuntura atual. Objetivou-se compreender qual a percepção que estas pessoas têm sobre as políticas públicas, bem como levantar um perfil socioeconômico e identificar quais as políticas públicas existentes em Fortaleza direcionadas a população em situação de rua. Para alcançar tais objetivos, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, documental e, posteriormente, a pesquisa de campo, cujo método de análise foi o materialismo histórico dialético, sendo realizada por meio de entrevistas semiestruturadas. A pesquisa configura-se de caráter qualitativo. O cenário da pesquisa foi à Casa Do povo Da Rua Dom Luciano Mendes. Na pesquisa podemos observar que poucos entrevistados conhecem as políticas públicas em Fortaleza e, consequentemente, não as acessaram. Analisamos que as políticas existentes são insuficientes para o número que aumenta diuturnamente da população em situação de rua. Ressaltamos que a mais conhecida é a política de Assistência Social, por isso, nos detemos mais na abordagem sobre a mesma. Palavras-Chave: População em Situação de Rua. Cidade. Políticas Sociais. ABSTRACT The present study is to present an analysis on government policies for the homeless population and its challenges in the realization of the national population policy situation in Fortaleza - Ce Street. Our goal is to understand how the phenomenon of population living on the street outside historically constituted and what its settings in contemporary, listing its main characteristics and assuming that this phenomenon is an expression of social issues inherent in capitalist develop ment. Contextualizing the emergence of cities and as the class conflict in this context , the paper also presents a brief analysis of social policies identifying which public policies are directed toward this population currently emphasizing the national policy for the people on the streets and how if its implementation in the current conjuncture . The objective is to understand the perception that these people have about public policies, raise a socioeconomic profile and identify which existing public policies in Fortaleza directed to the homeless population. To achieve these goals a bibliographical, documentary research and later fieldwork was conducted, the method of analysis was the dialectical historical materialism, being conducted through semi-structured interviews. The research sets up a qualitative character. The setting of the research was to house the people of Rua Dom Luciano Mendes. In the survey we can see that few respondents know the policies in Fortaleza and also did not have access. What is to analyze the existing policies that are insignificant to the number of people on the street that is most known is the policy of social welfare, so we stop over in approach. Key words: Population Living on the Street. City. Social Policies. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAPS - Caixa de Aposentaria e Pensão CENTROP - Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua CF - Constituição Federal CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil EAN - Espaço de Acolhimento Noturno IAPS - Instituto de Aposentadoria e Pensão LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social MDS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MNPR - Movimento Nacional da População em Situação de Rua ONU - Organização das Nações Unidas PIB - Produto Interno Bruto PNAS - Política Nacional de Assistência Social PNPSR - Política Nacional para a População em Situação de Rua PSE - Política Social Especial SEMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social SEA - Serviço Especializado de Abordagem de Rua SETRAS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Combate à Fome SMS - Secretaria Municipal de Saúde STDS - Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social SUAS - Sistema Único de Assistência Social VLT - Veículo Leve sobre Trilhos SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 1 O CAMINHO QUE NOS APROXIMOU DA REALIDADE DOS SUJEITOS ........ 13 1.1 Percurso Metodológico ..................................................................................... 13 1.2 O Cenário da Pesquisa ..................................................................................... 19 1.3 O perfil dos sujeitos entrevistados .................................................................... 20 2 AS CIDADES E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ................................ 25 2.1 Contextualização das cidades .......................................................................... 25 2.2 A cidade de Fortaleza: alguns aspectos de sua história ................................... 29 2.3 População em Situação de Rua: quem são e quais suas características? ....... 33 3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA ........... 41 3.1 Uma análise das Políticas Públicas .................................................................. 41 3.2 A Política Nacional para a População em Situação de Rua e os desafios para sua concretização ..................................................................................................... 49 3.3 Os desafios na materialização das Políticas Públicas para a População em Situação de Rua em Fortaleza .................................................................................. 53 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 60 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 63 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como principal objetivo fazer uma análise sobre a população em situação de rua, considerando seus aspectos sócio-históricos, configurações e características, especialmente na contemporaneidade, fazendo uma relação com o espaço urbano, considerando que este é o lugar onde vive e sobrevive o público alvo de nossa pesquisa. Analisamos a cidade como palco do desenvolvimento capitalista, onde se efetivam as desigualdades sociais inerentes a esse modelo de desenvolvimento econômico, e identificando, ainda, o surgimento e construção das políticas sociais e políticas públicas direcionadas àqueles que estão em situação de extrema pobreza, como é o caso da população em situação de rua, bem como os desafios para a concretização das políticas públicas conquistadas por meio da luta coletiva destas classes. O interesse de pesquisar sobre este público deu-se no ano de 2009, ao iniciar um trabalho voluntário como agente da Pastoral do Povo da Rua (PPR), em Fortaleza. Posteriormente, em 2011, edificavam-se as primeiras bases da pesquisa científica com um projeto de pesquisa intitulado “Pessoas em situação de rua e a exclusão social”. Havia também a vontade de sair do senso comum e fazer uma pesquisa sobre o público alvo das ações da Pastoral de Rua, e foi a partir de então que adentramos neste universo que antes era desconhecido. O objetivo geral deste trabalho é compreender qual o entendimento da população em situação de rua sobre as políticas públicas voltadas para esse segmento, em Fortaleza. Já os objetivos específicos são: identificar as políticas públicas existentes na referida cidade direcionada a estes indivíduos; levantar o perfil socioeconômico; e verificar qual o entendimento dos sujeitos pesquisados sobre as políticas públicas. As categorias de análises que escolhemos para o estudo foram as seguintes: cidade, políticas sociais e população em situação de rua, que por sua vez estão distribuídas nos três capítulos que compõem este trabalho. No capítulo I, intitulado “O caminho que nos aproximou da realidade dos sujeitos”, tratamos do percurso metodológico, das motivações que impulsionaram este trabalho e dos instrumentais de coleta de dados que foram utilizados, bem como da aproximação com o objeto da pesquisa, o cenário e, por fim, o perfil dos 12 sujeitos pesquisados. No capítulo II, tendo como título “As cidades e a população em situação de rua”, abordamos a constituição das cidades e os aspectos referentes a este espaço urbano como lócus do desenvolvimento capitalista, bem como a relação com a população de rua. Em seguida, mencionamos aspectos históricos das expressões da questão social no contexto cearense, relatando alguns aspectos referentes à cidade de Fortaleza e de sua formação sócio-histórica, destacando o desenvolvimento econômico e político. Por fim, falamos detalhadamente sobre a população em situação de rua, seu surgimento e suas características. Já no capítulo III, intitulado “As políticas públicas e a população em situação de rua”, analisamos as políticas sociais como resposta do Estado às diversas expressões da questão social e mencionamos suas características, configurações e trajetória, além de frisarmos como esta política tem se constituído e se caracterizado no contexto brasileiro. Tratamos ainda da política pública direcionada a esta população, que é a Política Nacional para a População em Situação de Rua e os desafios para sua concretização a nível nacional e em Fortaleza. Por fim, nas considerações finais, fazemos uma análise, de forma rápida, de todo o trabalho, no aspecto conceitual e de alguns achados da pesquisa que contribuíram para que possamos aprofundar nossos conhecimentos e para fazermos intervenções em um futuro profissional e militante em relação a esse grupo, que por sinal, é muito heterogêneo e vivem muitos estigmas por parte da sociedade e do Estado. Em relação às políticas públicas, temos consciência dos limites destas na cidade de Fortaleza e dos desafios na materialização da Política Nacional da População em Situação de Rua. 13 1 1.1 O CAMINHO QUE NOS APROXIMOU DA REALIDADE DOS SUJEITOS Percurso Metodológico A cada dia, nas grandes e médias cidades do Brasil, percebemos o aumento constante de pessoas que utilizam o espaço das ruas como moradia, ou que retiram dela o seu sustento. A população em situação de rua está inserida entre os grupos que se encontram em condições de extrema pobreza e que ao longo da história estiveram invisíveis aos olhos do Estado, no que se refere à garantia de direitos, e, por muitas vezes, tratados por meio da repressão ou simplesmente deixados de lado. Ao lançar um olhar sobre a sociedade, visualizamos que esta também vem desenvolvendo ações de cunho assistencialista, filantrópico e, inclusive, de caráter religioso, desconsiderando os direitos sociais inscritos nos marcos legais direcionados a este público. Diante deste quadro, faz-se necessário a realização de pesquisas que venham a possibilitar conhecer detalhadamente o contexto onde se inserem estas pessoas, bem como os fatores que determinam tal situação. O meu primeiro contato com pessoas em situação de rua ocorreu no ano de 2009, quando iniciei um trabalho voluntário como agente da Pastoral do Povo da Rua, em Fortaleza. Como missionário, inicialmente recebi a proposta para uma experiência de seis meses em uma delegacia de polícia civil, junto aos detentos, no município de Maracanaú, na promoção e defesa dos direitos humanos, e, paralelamente junto aos moradores de rua na Pastoral do Povo da Rua. Como no ano anterior já havia realizado um trabalho no sistema penitenciário na cidade de São Luís, no Maranhão, na evangelização e promoção dos direitos humanos, então optei por conhecer mais de perto esta outra realidade, agora junto à população em situação de rua da capital cearense. A partir desse contato direto com o público, algo me inquietou, e sempre ao sair no final de tarde da casa de acolhida Dom Luciano Mendes, e ao voltar pra casa, me questionava: O que eles pensam sobre as condições em que vivem? Existe alguma política pública direcionada a eles em Fortaleza? Quais as dificuldades de viver na rua? Quais vínculos eles mantêm com suas famílias? Recordo um dia em que eu estava esperando o ônibus para voltar para casa, quando, de repente, avistei um senhor que vivia em situação de rua, que era 14 deficiente físico, e pedia esmolas às pessoas que ali estavam no ponto de ônibus. Então, ele se aproximou de mim estendendo a mão e pediu uma moeda; falei que não tinha e ele abre um sorriso largo e diz “tem problema não, irmão, só a sua atenção vale mais que uma moeda”. Aquela frase curta, mas carregada de significado, só aguçou minha curiosidade em saber mais das condições de vida daquele homem e de tantos outros que vivem nessas condições. E não basta dar somente uma moeda ou alimentação para a população em situação de rua, pois é preciso conhecer sobre seu cotidiano, bem como forjar espaços de discussão e efetivação de seus direitos. Dessa forma, serão concretizadas as políticas públicas direcionadas a esta população, que historicamente foi tratada com estigmas tanto pela sociedade civil, como pelo poder público, sendo, muitas vezes, tratados pelo viés da caridade religiosa, preconceito ou tutela do Estado, sem considerar essas pessoas como sujeitos de direitos. Nessa trajetória de trabalho como agente da Pastoral do Povo da Rua, observamos que as pessoas, de um modo geral, têm imagens e percepções estereotipadas sobre esses sujeitos, principalmente as propagadas pela mídia e reforçadas pelo senso comum que apreendem uma imagem daqueles que habitam as ruas como sendo “vagabundos”, analfabetos, mendigos, drogados ou loucos. Assim, tiram conclusões equivocadas sem conhecer os fatores e as consequências que os levaram a morar na rua e como se caracteriza o seu cotidiano. Nasce daí a vontade de realizar uma pesquisa científica com a população em situação de rua motivada principalmente pela curiosidade de conhecê-los melhor, bem como de tornar visível alguns aspectos relacionados às políticas públicas direcionadas a estes indivíduos. Quando cursava o 4º semestre do curso de Serviço Social, na Faculdade Cearense, no ano de 2011, na disciplina de Pesquisa em Serviço Social II já iniciei as primeiras bases desta pesquisa com um projeto de pesquisa intitulado “Pessoas em situação de rua e exclusão social”. Aproveitando o ensejo, que a elaboração do projeto era exigência da ementa desta disciplina, iniciei o estudo cientifico sobre esta população que é descartada pela sociedade do consumo. Por entender que a pesquisa é algo em construção e que este trabalho é algo inicial, temos consciência que mesmo com todos os limites, esta pesquisa irá contribuir em mostrar a problemática enfrentada por essa população pobre e que vive à margem dos seus direitos na sociedade capitalista. 15 Toda aproximação investigativa passa pela identificação do pesquisador com o público que irá ser pesquisado, ou seja, é necessário apaixonar-se constantemente para conhecer um universo permeado de encontros, desencontros, crenças, valores e formas de viver diferentes daquela do mundo em que o pesquisador está inserido. Nesse sentido, Minayo (2011) ao escrever sobre o objeto e os aspectos que permeiam a pesquisa em Ciências Sociais, afirma que: O objeto das ciências sociais é histórico. Isto significa que cada sociedade humana existe e se constrói num determinado espaço e se organiza de forma particular e diferente de outras. Por sua vez, todas as que vivenciam a mesma época histórica tem alguns traços comuns, dado o fato de que vivemos num mundo marcado pelo influxo das comunicações. Igualmente, as sociedades vivem o presente marcado por seu passado e é com tais determinações que se constrói seu futuro, numa dialética constante entre o que está dado e o que é fruto de seu protagonismo (MINAYO, 2011, p. 12). A metodologia permite nos aproximarmos com rigor e de forma criteriosa do objeto de nossa investigação, para assim poder conhecer e desvelar aquilo que está subjacente nas entrelinhas da realidade. Neste sentido, a metodologia: [...] inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade) (MINAYO, 2011, p. 14). O método escolhido para compreender e analisar a realidade complexa e contraditória foi o materialismo histórico dialético, pois este nos dá elementos para compreensão da realidade que está em constante movimento e transformação nesta relação entre homem e sociedade, além de permitir compreender a totalidade que permeia esta relação teoria e prática, segundo Minayo (2011, p. 24): Enquanto método, propõe a abordagem dialética que teoricamente faria um desempate entre o positivismo e o compreensivismo, pois junta a proposta de analisar os contextos históricos, as determinações socioeconômicas dos fenômenos, as relações sociais de produção e de dominação com a compreensão das representações sociais. A dialética trabalha com a valorização das quantidades e da qualidade, com as contradições intrínsecas as ações e realizações humanas, e com o movimento perene entre parte e todo e interioridade e exterioridade dos fenômenos. Portanto, o método de análise escolhido nos permite ter uma visão do todo que compõe as particularidades da formação do tecido social, onde estão inseridos os sujeitos da pesquisa. 16 No tocante à natureza da pesquisa, esta se configura como qualitativa. Este tipo de pesquisa, nas Ciências Sociais, como diz Minayo (2011), trabalha com um conjunto de realidades humanas que não é possível quantificar, ou seja, são valores, crenças, sentimentos, atitudes, relações sociais, enfim, trabalha-se com tudo aquilo que compõe as histórias da vida humana. Optamos por realizar a pesquisa qualitativa, pois pretendíamos dar mais relevância às histórias de vida dos sujeitos da pesquisa e a esse conjunto que compõe as relações humanas neste campo. Entendemos que estes aspectos não podem ser quantificados, pois são, antes de tudo, dimensões não mensuráveis ou que não podem ser medidas por gráficos ou tabelas. Para conhecer melhor o objeto estudado, como em toda pesquisa, realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental, para desta forma ter acesso ao que outros estudiosos desta área já pesquisaram e escreveram sobre este grupo populacional, bem como permitir o acesso à pesquisas censitárias, leis e outros documentos referentes ao objeto pesquisado. Sobre o primeiro tipo de pesquisa, como define Barros e Lehfeld (1990, p. 340), “a pesquisa bibliográfica é de grande eficácia ao pesquisador porque ela permite obter conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras, internet, videotecas etc.”, ou seja, a pesquisa bibliográfica nos permite ter acesso a um material que já passou por rigorosa análise científica, e podemos afirmar que é um material que já foi lapidado. Já a pesquisa documental se “caracteriza por ser um material que não passou ainda por um tratamento analítico ou que ainda pode ser reelaborado de acordo com os objetivos da pesquisa‟‟(GIL, 2008, p. 46). Tendo acessado livros, documentos e outras fontes de pesquisa referentes à população em situação de rua, é chegado o grande momento de ir a campo, de ir ao encontro dos sujeitos da pesquisa por meio da pesquisa de campo. Sobre este método de coleta de dados, Minayo (2011, p. 61) define que: O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada 1 1 Ver anexo p. 76. 17 com 14 perguntas abertas e fechadas. Durante a realização das entrevistas enfrentamos alguns desafios, como a transitoriedade e inconstância próprias do público que vive nas ruas e que se caracterizam como pessoas nômades. Por exemplo: algumas vezes marcamos entrevistas com algumas pessoas, e chegando o dia marcado, estas não compareciam, pois tinham ido para outro logradouro distante da Casa do Povo da Rua, por motivo de trabalho ou por conflitos pessoais, que os obrigava a migrar para outros pontos da cidade. Outro aspecto que destacamos, é o fato de ter adentrado em um mundo desconhecido daquele que nos é familiar, possibilitando desmistificar símbolos, comportamentos e a própria cultura da população em situação de rua. Este método de coleta de dados permite ao pesquisador deixar o entrevistado à vontade para responder às perguntas, podendo também fazer perguntas auxiliares caso seja necessário. Sobre este aspecto, Minayo (2011, p. 64) enfatiza suas características e objetivos afirmando que a: Entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador. Ela tem o objetivo de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes, com vistas este objetivo. Dessa forma, a entrevista possibilita conhecer detalhadamente os sujeitos da pesquisa e o ambiente onde são construídas suas histórias de vida. A pesquisa de campo teve como lócus a Casa do Povo, localizada na Rua Dom Luciano Mendes. Ao todo foram entrevistadas 10 pessoas, sendo que nove entrevistas foram realizadas no turno da tarde e uma no período noturno. Ressaltamos que as entrevistas na Casa foram realizadas conforme o horário de atendimento deste espaço de acolhida, ou seja, entre 14:00 e 17:00 horas. Escolhemos este espaço como lócus da pesquisa por ser uma instituição que atende a população em situação de rua, tendo um reconhecimento na cidade, por parte dos sujeitos pesquisados, além da nossa experiência, e por esta Instituição facilitar o acesso aos sujeitos de nossa pesquisa. A casa recebe, no máximo, 50 pessoas por dia. Inicialmente, delimitamos dez por cento desse total para serem entrevistados, que seriam, no caso, cinco entrevistas a serem realizadas. No decorrer da pesquisa, resolvemos ampliar para dez entrevistas, devido a objetividade das respostas, sendo que alguns ficavam 18 inquietos. Então, resolvemos ampliar mais a quantidade de entrevistados para garantir uma pesquisa com maior profundidade. Assim, selecionamos os seguintes critérios: frequentar a Casa do Povo da Rua Dom Luciano Mendes; ser maior de 18 anos de idade; estar a mais de um ano nas ruas; já ter tido acesso a alguma política pública no período que está em situação de rua; e, também, quem nunca acessou nenhuma política pública. Ressaltamos que todas as entrevistas foram autorizadas por eles, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando o uso das informações pra fins desta pesquisa científica. Durante o período de aproximação e ao convidá-los para participar da pesquisa, foram muitas as respostas; alguns até aceitavam participar, mas quando eram informados de que a entrevista seria gravada em aparelho de áudio, logo desistiam; outros, ao serem convidados, imediatamente verbalizavam “vai cair dinheiro no meu bolso? Se for cair, eu participo”. É compreensível tal discurso, considerando o contexto econômico e as relações da sociedade capitalista que são permeadas por disputas e competições, aliada a situação em que a população de rua se encontra. Muitas vezes, alguns externam esses tipos de relações, por também fazerem parte desse contexto, de forma mais profunda, de disputa, desconfiança, relações de trocas, favores ou “barganha”. Ao iniciar a pesquisa de campo, senti um grande dilema e uma dificuldade em distinguir a postura de agente de pastoral do povo da rua e pesquisador da população em situação de rua. Neste sentido, minha orientadora contribuiu de forma a me direcionar e fazer-me refletir na condução da pesquisa de campo, e também nas indicações de leituras referentes à população em situação de rua. Esse dilema foi difícil, mas consegui me afastar um pouco da postura de educador e adentrar na pesquisa de forma crítica e comprometido com a realidade colocada pelos entrevistados. Ressaltamos que o acesso aos sujeitos pesquisados não foi difícil, contudo a dificuldade encontrada neste percurso foi que estes, por muitas vezes, se recusavam em participar das entrevistas. Entendemos que pesquisar esse segmento sempre será algo desafiador por serem sujeitos heterogêneos e que o tempo deles é diferente do nosso, no sentido das suas necessidades humanas e sociais, e exigem destes serem mais pragmáticos em alguns momentos. 19 1.2 O Cenário da Pesquisa O cenário escolhido como lócus para realização da pesquisa foi a Casa do Povo da Rua Dom Luciano Mendes, localizada à rua Coronel Ferraz, nº222, Centro. O espaço está ligado a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Fortaleza. A Casa é um local de acolhimento com atividades diárias de lazer, exibição de filmes, momentos celebrativos, cursos, formação política, humana e religiosa. Aberta das 14h às 17h, de segunda a sexta, também atende às necessidades básicas como banho, lavagem de roupa e espaço para descanso temporário. O maior objetivo é ser um ponto de referência e oferecer auxílio para que essas pessoas encontrem documentos perdidos e recebam orientação jurídica, caso necessitem, bem como encaminhamento para retirada de documentos oficiais. Sua fundação se deu em junho de 2008. A casa dispõe em seu espaço físico, de uma secretaria, uma sala para atendimento individual, uma cozinha, banheiros masculinos e femininos, pias para lavagem de roupa, além de uma sala para reuniões e outras atividades. A Pastoral do Povo da Rua está articulada nacionalmente com as pastorais sociais, órgão vinculado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por meio da comissão para o serviço da caridade, da justiça e da paz, sendo um de seus objetivos ser presença na sociedade, desenvolvendo ações junto às pessoas em situação de rua, às crianças em situação de risco, sem terra, sem teto, mulheres marginalizadas, às populações negras, junto aos presidiários, aos pescadores, dentre outros grupos onde desenvolve sua missão (CNBB, 2008). Podemos perceber que a PPR tem metodologia, objetivos e estratégias próprias direcionadas ao público que se encontra nas ruas, como mencionado a seguir: A nossa metodologia de ação deve possibilitar que eles intervenham e tornem-se sujeitos de sua própria transformação. Nesse sentido, quanto mais grupos conquistarem seus espaços políticos, falarem com sua voz e forem reconhecidos como sujeitos de diretos e deveres, mais estaremos revertendo os processos de exclusão e apresentando as bases para a criação de novas relações e, consequentemente, para a construção de uma sociedade solidaria e participativa, como tanto almejamos (PASTORAL DO POVO DA RUA, 2003, p. 50). Seus objetivos consistem em transformar as situações de exclusão em projeto de vida para todos, por meio da aproximação, respeitando e reconhecendo 20 seus direitos, historicamente violados, e assim restabelecer a dignidade de ser humano, reconhecendo-os na sua individualidade com autonomia de pensamento e ação (PASTORAL DO POVO DA RUA, 2003). Em Fortaleza, a Instituição, por meio da formação política, visa promover o protagonismo desses sujeitos, além de torná-los conhecedores dos direitos sociais e individuais, bem como tornar conhecida a política nacional para esta população. Para isso, a Pastoral estabelece parcerias com outras entidades e especificamente com o poder público municipal, Defensoria Pública do Estado, Ministério Público Estadual, Secretaria de Justiça Estadual, Centro de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua, Movimento Nacional da População em Situação de Rua, dentre outros. A Casa do Povo da Rua Dom Luciano Mendes é para a população em situação de rua um espaço de acolhida, descanso, e porque não dizer de refúgio, pois é ali, que nas tardes quentes desta cidade, essas pessoas encontram um espaço para banho e para um momento de lazer por meio de jogos ou filmes. A casa também é para eles um ponto de referência quando carecem fazer algum procedimento que necessita comprovar residência, receber ou fazer ligações para seus familiares, ou como ponto de referência quando estes viajam a trabalho ou para o lazer. 1.3 O perfil dos sujeitos entrevistados Sobre o perfil dos sujeitos entrevistados, no instrumental utilizado para coleta de dados, consta o nome completo dos sujeitos da pesquisa. Para preservar a identidade dos mesmos, decidimos utilizar nomes de ruas e avenidas do centro de Fortaleza para se referir a eles quando formos citar suas falas no decorrer da análise das informações obtidas, pois as ruas citadas são lugares que eles transitam ou até mesmo dormem durante o dia ou à noite. Portanto, há certa identificação dos sujeitos com estes espaços. Dito de outro modo, as ruas são um: [...] dos principais espaços públicos, não é simplesmente um lugar de passagem e circulação. É, também, o lugar do encontro, do movimento, da mistura como teatro espontâneo. É neste contexto de situações e relações, que os diferentes usos do solo urbano se intensificam, marcando o desenvolvimento da cidade [...] (ALVES, 2013, p. 46). 21 Percebemos ainda, que o espaço das ruas, se olharmos de forma minuciosa, transmite muitos significados, inclusive o de segregação social, de desenvolvimento das desigualdades sociais, sendo este o espaço onde essas pessoas têm os seus encontros e desencontros com as possibilidades de vida e de morte, por meio de oportunidades oferecidas ou estando expostos a todo e qualquer tipo de violência. As ruas e avenidas escolhidas foram as seguintes: Major Facundo, Floriano Peixoto, Coronel Ferraz, Pedro Pereira, Guilherme Rocha, Pedro I, General Sampaio, e as avenidas Tristão Gonçalves, Duque de Caxias e Santos Dumont. No roteiro da entrevista semiestruturada foram abordados os seguintes aspectos: dados pessoais, sobre a situação de rua, políticas públicas, serviços ofertados a este segmento da população, sobre os motivos que lhes levaram às ruas, bem como qual o tratamento dado tanto pelo Estado como pela sociedade. Optamos por fazer as análises a partir das falas dos sujeitos entrevistados no decorrer de todo o trabalho, a começar pelo capítulo I, e não reservar tais informações somente ao final do capítulo III, como já visto em trabalhos desta natureza. Apresentamos a seguir o perfil dos sujeitos entrevistados. Guilherme Rocha Solteiro, tem 35 anos de idade e é natural do município de Pacajus, no Ceará. É do sexo masculino, declarou-se heterossexual, é de cor parda, e cursou até a 2ª série do ensino fundamental. Trabalhava como ajudante de pedreiro e atualmente exerce a função de guardador de carros, de onde obtém sua renda. Não tem filhos e está na rua há oito anos. O motivo pelo qual foi para rua, refere-se a desavenças familiares e ao uso de substâncias psicoativas. Floriano Peixoto Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, de cor branca, tem 50 anos de idade, e é natural de Fortaleza. Estudou até a 7ª série do ensino fundamental e tem um filho. É garçom, mas atualmente está desempregado, afirmando que se afastou por conta do uso de substâncias psicoativas. Está na rua há cinco anos e afirmou que o principal motivo de sair de casa foi devido à desavença familiar. 22 Coronel Ferraz Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, de cor morena, tem 39 anos de idade, tem o ensino fundamental completo, e é natural de Palmácia, Ceará. Sua profissão é zelador, contudo, atualmente, está desempregado e sua renda provém do programa Bolsa família. Tem um filho e está na rua há oito anos. Guilherme Rocha Solteiro, tem 32 anos de idade, é do sexo masculino, declarou-se heterossexual, e é natural de Fortaleza. Cursou até a 8ª série do ensino fundamental e sua profissão é de serralheiro e soldador. Tem uma filha e vive na rua há um ano, afirmando que está em situação de rua por desavença com vizinhos. Pedro I Solteiro, do sexo masculino, declarou ser heterossexual, de cor morena, cursou ate a 8ª série do ensino fundamental, tem 38 anos de idade, e é natural de Fortaleza. Sua profissão é pintor-letrista, tem cinco filhos e está na rua desde sua infância, afirmando ser morador de rua. General Sampaio Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, tem 26 anos de idade, é de cor morena, cursou até a 8ª série do ensino fundamental, é natural de Fortaleza. Está desempregado, não tem filhos, e afirmou que está em situação de rua há um ano. Pedro Pereira Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, tem 64 anos de idade, é de cor morena, natural de Fortaleza. Sua ocupação era segurança e cobrador de ônibus, contudo, não exerce mais nenhuma destas profissões. Não tem filhos e há cinco anos vive na rua. Afirma que um dos motivos de ir para a rua foi o uso de bebida alcoólica. 23 Tristão Gonçalves Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual e de cor parda, têm o ensino fundamental completo, 40 anos de idade, e é natural de Fortaleza. Exerce a função de “flanelinha”, e gerou três filhos. Atua como militante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua no estado do Ceará, e iniciou sua militância em defesa dos direitos da população em situação de rua no ano de 2010. Já frequentou espaços públicos ligados a Prefeitura Municipal de Fortaleza que executam a política nacional. Está há 19 anos na rua. Negou-se a falar por quais motivos está na rua, apenas disse que foi por problemas familiares. Duque de Caxias Solteiro, do sexo masculino, declarou ser heterossexual, cursou o ensino médio completo, têm 54 anos de idade, é natural de Fortaleza. Exerce a função de manobrista, têm um filho, e o motivo de ter ido para a rua foi por causa da morte de sua genitora. Santos Dumont Solteiro, do sexo masculino, declarou-se heterossexual, cursou até a 5ª série do ensino fundamental, tem 57 anos de idade, e é natural de Fortaleza. Sua profissão é servente, tem um filho, e vive na rua há mais de quinze anos; afirma que o motivo de ter ido para a rua foi desavença familiar. Entendemos que para a compreensão detalhada do objeto de estudo é necessário delimitar um recorte desta complexa realidade onde este trabalho se encontra, portanto, faz-se necessário eleger algumas categorias que compõem este cenário social. As categorias que escolhemos a partir do recorte de estudo “População em situação de rua: uma análise sobre as políticas públicas voltadas para esse segmento em Fortaleza, Ceará”, ora exposto, foram: cidade, população em situação de rua, e, por último, políticas sociais. As categorias foram analisadas nos capítulos I e II, na cronologia que segue o texto, onde fazemos, também, a análise conjunta da fala dos sujeitos da pesquisa. As perguntas de partida que orientam o nosso trabalho foram: Quais as políticas públicas ofertadas à população em situação de rua em Fortaleza? Quais as 24 dificuldades de viver na rua? O que pensam estas pessoas sobre as políticas sociais? Quais as políticas eles acessam? Foi a partir destas indagações que conduzimos este trabalho, tentando responder, no decorrer das análises, tanto com teoria, como relacionando com as informações coletadas na pesquisa de campo. A seguir, abordamos a categoria cidade como um lugar próprio do desenvolvimento capitalista e de segregação das classes sociais. Posteriormente, falamos das configurações e constituição da população em situação de rua e qual é o tratamento dado a estas pessoas historicamente. 25 2 2.1 AS CIDADES E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Contextualização das cidades Para compreender o fenômeno denominado população em situação de rua, faz-se necessário primeiro entender como foi constituído o lugar onde vivem e sobrevivem estas pessoas. Portanto, faremos uma breve contextualização e caracterização da cidade em seus diversos períodos históricos, levando em consideração o direito de habitar no espaço urbano. O nascimento e a formação das cidades não acontecem de forma harmonizada, pois são, principalmente, um lugar de disputas e tensões em seus diversos níveis, e desde sua gênese a cidade tem se caracterizado por ser um espaço de constantes conflitos. Desta forma, infere-se que desde sua formação, a cidade se caracteriza por ser um espaço de permanente disputa, e de acordo com Harvey (2013, p. 29), “as cidades sempre foram lugares de desenvolvimento geográficos desiguais”, e porque não dizer, um palco de disputas políticas e econômicas com interesses diversos. Segundo o mesmo autor, esta forma desigual de desenvolvimento do espaço urbano, consequentemente causa conflitos sociais, fazendo deste ambiente um lugar que não está em harmonia e que convive historicamente com certas tensões. Neste espaço citadino de tensões, historicamente vive e sobrevive a população em situação de rua, que para uma parte da sociedade, é vista como aqueles que incomodam ou “enfeiam” as ruas da cidade. Desta forma, usa-se da força policial ou de segurança privada para expulsá-los, e neste sentido, expomos a fala de um dos sujeitos da pesquisa que, ao falar como é a vivência na rua, assim verbaliza: [...] a gente tem a dificuldade até de ficar numa praça [...] que não pode ficar numa praça que, às vezes, a polícia bota pra correr. Até pra dormir numa calçada a noite o vigia das lojas vem e bota a gente pra correr das calçadas. Então, é muito difícil, por isso que a gente não vive, a gente sobrevive nas ruas [...] (TRISTÃO GONÇALVES, 49 anos). Percebemos desta forma, que a maneira de tratamento dada àqueles que ocupam ou permanecem no espaço urbano é a repressão, seja ela física ou até mesmo pela higienização social. Sabemos que atos como este acontecem 26 cotidianamente com estas pessoas Brasil afora: assassinatos em série, expulsão com jatos de água, pessoas de rua sendo queimadas vivas em vias urbanas. Estas ações representam uma ideia quase que predominante de caráter moralista, que aponta que estas pessoas não devem ocupar o espaço urbano que é publico, pois podem representar uma ameaça à ordem, afinal, estão fora do padrão como consumidores do mercado social vigente. É a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial, que a cidade começa a ter a configuração de espaço de conflitos e disputa, pois é nesse espaço que se dá a acumulação capitalista por meio da força de trabalho, gerando, assim, os conflitos entre as diversas classes que aí habitam. Pois é a partir do capitalismo que a cidade se torna um lugar de extrema importância como território de desenvolvimento das forças produtivas. De acordo com Cunha (2008, p. 66), a formação e a configuração das cidades no desenvolvimento capitalista industrial, se destaca por ser um lócus privilegiado para o desenvolvimento das forças produtivas. Também das relações entre as classes e da propriedade, sendo neste espaço geográfico que o capital busca estruturar uma economia eminentemente urbana, sendo nele mesmo que acontece a concretização das desigualdades sociais, pois não há uma homogeneidade das relações sociais entre capital e trabalho e sim a separação de classes, onde uma detém dos meios de produção e a outra da força de trabalho. Decorrente destas relações antagônicas e de desigualdades entre classes, podemos perceber a partir da fala dos sujeitos, que em sua extrema situação de pobreza, eles assim denominam esta visão social da acumulação por um pequeno grupo, enquanto outros não têm ao menos como custear as necessidades básicas. Segue a opinião de um entrevistado: “a população de rua, pra falar a verdade, não vive, vegeta, porque o povo da alta sociedade trata eles como porco, cachorro como animal, (...) não trata a gente como gente (...)” (SANTOS DUMMONT, 57 anos). A cidade se caracteriza por ser um espaço de concretização das relações sociais capitalistas e das relações sociais entre pessoas, um espaço de ideologias em constante confronto, onde se encontra um vasto mercado para consumidores, comerciantes, setores da economia de bem e serviços. Outro olhar sobre a cidade, é que esta é vista por muitos como o lugar de desenvolvimento onde há melhores condições de vida. 27 Na contemporaneidade, a cidade tem dimensões bem complexas e se apresenta como afirma Dias (1999) apud Maciel (2004, p.18): [...] uma teia complexa dialética construída cotidianamente a partir dos lugares, símbolos, culturas, historicidades, temporalidades e espacialidade, sonhos, pesadelos e utopias, individualidades e coletividades, realismo e misticismo, 'razão técnica' e pensamento mágico, analfabetismo e comunicação via Internet. Essa teia é produzida, em macro escala, pela tensão contínua entre os trabalhadores e os proprietários do capital, e pela ação de todos sobre o meio ambiente natural e construído. A nível micro, o espaço urbano é construído por uma infinidade de redes de interesses 'tribais', lado a lado com redes de solidariedade e convivialidade. Portanto, a cidade, é esse emaranhado de relações complexas e contraditórias, sendo ao mesmo tempo dinâmica, e que vai se tornando um corpo funcional. De acordo com Mumford (1998), é reduzido aplicar uma única definição isolada para abarcar toda a constituição das cidades, desde seu nascimento até seu mais complexo desenvolvimento em suas diversas fases, pois não há um conceito fechado que se aplique à complexidade das cidades. O processo de transformação do espaço urbano em um palco de disputas por diversos interesses, a partir da fase do capital industrial, faz com que este espaço que historicamente é catalisador de conflitos, tenha suas características especificas em cada período e lugar. No contexto brasileiro, é preciso destacar que o processo de urbanização não acontece de forma desvinculada das mudanças socioeconômicas e políticas que ocorrem em cada período histórico a nível global. Para Pinheiro (2007), este processo se divide em, pelo menos, três momentos, para ocupar e organizar o espaço urbano que acompanham as transformações de organização da economia e da política. No período colonial, a função primordial da cidade era de ser um centro de controle administrativo e ideológico da colônia, pelo qual se propagava o poder colonizador. Com a industrialização, a cidade é estruturada como espaço de produção e comercialização de produtos e mão de obra, bem como das migrações do campo para a cidade. É a partir de então que se torna nítida a segregação de classes no território urbano, pois não havia planejamento urbano para alocar essa população que era atraída para os centros urbanos, sendo este abrupto processo próprio do 28 desenvolvimento capitalista. Posteriormente, com a globalização e flexibilização do capital, a ocupação do espaço não se dá mais pelo movimento rural-urbano, mas sim pelo movimento urbano-urbano, ou seja, a aglomeração de pessoas que vivem, em sua maior parte, nas grandes metrópoles do país, desta forma, sem planejamento, as metrópoles no processo de urbanização se apresentam como um lugar de desigualdade social. Em sua grande maioria, as metrópoles brasileiras não foram planejadas de forma racional para abarcar as massas que acorrem a esse lugar de desenvolvimento, vendo-o como uma oportunidade de ascensão social e de melhores condições de vida. Em decorrência disso, haverá a ocupação deste espaço de forma desordenada, gerando, assim, demandas a partir das necessidades humanas, agora no contexto de um aglomerado urbano e, consequentemente, uma precarização das condições de vida. Em outras palavras: A cidade é, portanto, enquanto ligada as forças produtivas, a sede desse vasto processo contraditório. Ela absorve campo e contribui para a destruição da natureza; destrói, ela também, suas próprias condições de existência e deve restabelecê-las de uma maneira sistemática (LEFEBVRE, 1999, apud CUNHA, 2008, p. 66). É neste espaço de disputas antagônicas e a partir das necessidades humanas, que emerge o debate sobre o direito à cidade, onde todos tenham acesso e possam usufruir dos espaços de forma justa e democrática. Nesse sentido, afirma Soares (2007 p. 02) que “os grandes monopólios financeiros e industriais formam blocos de poder que influenciam de forma decisiva as políticas dos estados nacionais, principalmente através das orientações das agências multilaterais, dentre elas o Banco Mundial”. Inferimos, portanto, que a partir dessas políticas internacionais, os estados nacionais perdem a autonomia, inclusive no que se refere à elaboração de políticas sociais que atendam aos princípios democráticos de cada nação passando, assim, a serem condicionadas aos ditames de órgãos internacionais. Nesta perspectiva do direito de habitar o espaço urbano e da defesa dos direitos humanos, como está impresso nos princípios da PNPSR, que estabelece diretrizes para a responsabilização de todo e qualquer ato de violência tendo a população em situação de rua como público alvo, o tipo de cena que descreve a 29 seguir um dos entrevistados, é comum no cotidiano desta população. Eis a descrição: [...] não foi comigo não, o policial sabe que é morador de rua os cara mete a “chibata”, como eu vi na praça dos leões; faz uns dois meses, viu, aí o cara não tava fazendo nada, só porque era morador de rua, meteu o cassetete, aí, discriminação, o cara não tava fazendo nada [...] (CORONEL FERRAZ, 39 anos). De acordo com Junior (2005), o direito à cidade aparece como condição para uma convivência justa, humana e democrática, pois o modelo citadino na contemporaneidade se edifica de forma a degradar e desvalorizar o meio ambiente, privatizando os espaços públicos, e gerando, dessa forma, exclusão e segregação social no espaço urbano, pois não há planejamento urbano e sim aligeirados processos de urbanização. No Brasil, é de grande relevância a construção coletiva de várias organizações de caráter não governamental, movimentos sociais, pesquisadores e associação de profissionais que têm defendido uma plataforma de reforma urbana, (um conjunto de estratégias), a partir da Constituição Federal de 1988, tendo como objetivo primordial o direito à cidade. O intuito é de modificar e construir uma reforma urbana que venha a amenizar a segregação, discriminação e desigualdade social, e adotar o direito à cidade como direito fundamental humano, possibilitando, desta forma, a participação popular no planejamento e gestão das cidades. No subtítulo seguinte, falaremos sobre alguns aspectos que compõem a cidade de Fortaleza. 2.2 A cidade de Fortaleza: alguns aspectos de sua história As mudanças ocorridas no espaço urbano brasileiro também estão presentes no Estado do Ceará e especificamente na cidade metrópole de Fortaleza. O Estado do Ceará, como parte integrante do semiárido nordestino, que abrange a maior parte de sua área geográfica, durante ao longo da história sofre as consequências da escassez de chuvas nos períodos de secas, obrigando o sertanejo a sair de sua terra e ir em busca de melhores condições de vida, sendo, portanto, a cidade de Fortaleza um dos destinos mais procurados pelos chamados retirantes advindos do interior do Estado. Contudo, a inconstância das chuvas não se tornaria um entrave para a convivência no semiárido, se as relações políticas 30 levassem em consideração as manifestações climáticas. De acordo com Neves (2007, p. 77), até meados do século XIX, a instabilidade das chuvas no sertão não se configurava como um grave problema para aqueles que habitavam ali, bem como para as elites que dominavam politicamente e economicamente o sertão cearense; era suportável. Predominava nesse contexto, a criação de gado e a agricultura de subsistência, tendo uma profunda relação paternalista dos fazendeiros ou donos de terras. No entanto, na segunda metade do século XIX, dois acontecimentos foram marcantes para que esse quadro socioeconômico fosse transformado. Primeiro, foi a valorização das terras como um bem econômico, e o segundo, o forte aumento da cultura do algodão por todo o Estado, fazendo com que houvesse o povoamento e a ocupação do território além de uma vasta produção desse produto. Com isso, a proteção paternalista se tornou insuficiente, se compararmos o crescente número dos que se encontravam nesta situação. Portanto, é a partir do ano de 1877 que se considera o chamado polígono das secas como um problema de grande relevância social, se caracterizando como uma expressão da questão social e não podendo mais ser ignorado tanto pelo Estado, como pela sociedade civil cearense. O trato, a partir de então, com as consequências das secas e daqueles que fugiam do sertão para sobreviver é diverso, vai desde a repressão à segregação. É a partir desses acontecimentos que podemos compreender o acelerado processo de urbanização da cidade de Fortaleza e onde foram morar aqueles que acorriam à cidade para se refugiar das consequências da estiagem. Segundo Cunha (2008, p. 68), “essas pessoas, em sua maioria, eram vaqueiros, pequenos proprietários, pequenos comerciantes falidos, indigentes homens, mulheres e crianças” que viajam rumo à Fortaleza a pé ou de trem, como afirma Farias (2009, p. 263), “o caminho dos trilhos se torna uma referência para o migrante sertanejo”. Dessa forma, sair daquele lugar de escassez era, para muitos, sair em busca da salvação de sua própria vida ou de seus familiares. Contudo, paralelo a isso, as elites fortalezenses ao ouvir a notícia de que retirantes se dirigiam à cidade, imediatamente pressionaram as autoridades políticas para tomar providências. É a partir dai que se criam lugares de segregação e isolamento destes marginalizados, ou seja, os campos de concentração que se caracterizavam como um acampamento murado ou cercado de arame farpado, onde 31 eram “depositados” os flagelados da seca. Alguns campos de concentração tinham uma mínima estrutura como: posto médico, cozinha, barbearia, banheiros, capela e casebres divididos em pavilhões para homens solteiros, viúvas e famílias. Ainda haviam oficinas (carpintaria, olaria e alfaiataria), pois era uma preocupação das autoridades evitar a ociosidade. Posteriormente, aqueles que tivessem um bom desempenho seriam convocados a trabalhar em obras do Governo (FARIAS, 2009). Essa realidade, especificamente dos campos de concentração, demonstra as marcas da desigualdade que faz parte da história desta cidade e denuncia o modo como eram tratadas uma das expressões da questão social. Posteriormente, na década de 1940, houve a busca pelo aformoseamento da cidade, e para isso, foram realizadas diversas obras de reestruturação, como a pavimentação de vias, instalação de rede telefônica, construção de espaços de lazer, construção de cinemas, iluminação pública, bem como a reforma na Praça do Ferreira, dentre outras. Com as mudanças, principalmente no centro da cidade, as elites migram para locais mais afastados, dando início aos bairros como Jacarecanga, Benfica, Praia de Iracema e, posteriormente, Aldeota (CUNHA, 2008, p. 68). Concomitantemente, surgiam as primeiras favelas; ora, se a cidade não oferecia condições de infraestrutura aos moradores onde todos pudessem ter moradias dignas, só restava àqueles que chegavam ocupar as dunas, manguezais e margens de rios para fincar moradia (SILVA, 2005 apud CUNHA, 2008, p. 68). Fortaleza é conhecida por muitos, inclusive, divulgada pela indústria do turismo como a cidade das belas praias, de belezas naturais exuberantes, conhecida também por seus diversos cartões postais, como a Praça do Ferreira, o Centro de Arte e Cultura Dragão do Mar, o Teatro José de Alencar, a Ponte Metálica, a Catedral Metropolitana, dentre muitos outros; ou por sua culinária diversificada, pela hospitalidade de seu povo, sendo esta uma característica do povo cearense. Outro ponto de referência de Fortaleza é esta ser atribuída como a “capital do humor”. Contudo, essa é apenas uma amostra superficial da capital cearense, há o outro lado da história, desde sua formação, enquanto cidade denuncia outras realidades. Percebe-se que se torna cada vez mais visível a segregação espacial entre classes, tornando notável o crescimento populacional de forma desordenada, seguido das desigualdades sociais. Em outras palavras, assim denomina-se: 32 A cidade revela em seu território as contradições próprias das relações capital trabalho manifestas em lutas e nas relações políticas entre as forças que controlam o governo central e o governo local, de modo particular, nas condições de vida das classes sociais (CUNHA, 2008, p. 68). Os conflitos existentes na cidade nascem, portanto, da relação antagônica entre capital e trabalho, dos diversos projetos ideológicos em jogo, sendo a classe trabalhadora aquela que está na ponta dessas relações e sofre os seus impactos de forma excludente. Se o crescimento urbano abrupto e desordenado não é sinônimo de desenvolvimento econômico e social, isso se torna visível com o preocupante quadro das desigualdades sociais presente na cidade de Fortaleza. Neste sentido, a Organização das Nações Unidas (ONU) em seu relatório sobre as cidades latinoamericanas, em estudo realizado no ano de 2012, constatou que a cidade de Fortaleza é a segunda cidade com maior desigualdade do Brasil, ficando atrás apenas de Goiânia. Entre as trinta e sete cidades pesquisadas, é a que tem a menor representação do Produto Interno Bruto (PIB) municipal, se comparado com o PIB nacional, além de estar entre as oito cidades do país que apresentam o menor PIB (MAIA, 2012). Paralelamente a isso, as gestões administrativas (Municipal e Estadual) têm destinado maiores investimentos para as grandes obras e projetos voltados para mega eventos, como a Copa do Mundo de Futebol, sendo vendida uma imagem mercadológica da cidade. Constrói-se uma cidade para “turista ver”, e nesse sentido, ações estratégicas são desenvolvidas com campanhas de divulgação, reestruturação dos principais pontos turísticos, bem como a elaboração de uma política de apoio ao turista como elemento desenvolvimentista (CUNHA, 2013, p. 02). Podemos mencionar também, as grandes obras que vêm sendo construídas na cidade, tendo em vista o mega evento da Copa do Mundo de Futebol. Obras como a reforma da Arena Castelão, a construção de túneis e viadutos, a construção de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), dentre outras. Estas obras, em sua maior parte, recebem investimentos dos cofres públicos, e junto a isso, ouve-se o discurso que as obras irão melhorar a mobilização urbana. Contudo, acompanhado a estas vem a violação de direitos relacionados à moradia, como é o caso das famílias que moram da Parangaba ao Mucuripe, por onde irá correr o VLT; 33 pelo menos 1.500 famílias estão sendo ameaçadas de remoção (CUNHA, 2013, p. 05). De forma nítida, vê-se que remoções e despejos são violações de direitos correntes em mega eventos desta natureza, como já aconteceu em países que já sediaram o mundial de futebol. Nesse sentido: No plano das imagens, é a cidade que está no centro da cena, a cidade tornada sujeito que, em determinadas circunstâncias, transforma os próprios cidadãos em meros figurantes, atores secundários de seu roteiro (SANCHEZ, 2003, p. 538). Em outros termos, as pessoas são tratadas sem importância, onde seus direitos são negados, violados e, muitas vezes, aquele que deveria garantir esses direitos conquistados por meio de luta, usa o militarismo para combater qualquer manifestação que se posicione contra a ordem. 2.3 População em Situação de Rua: quem são e quais suas características? O fenômeno denominado nos dias atuais como população em situação de rua, foi constituído historicamente tendo suas particularidades específicas em cada contexto histórico, considerando a sua formação socioeconômica, política e social, bem como as suas complexidades. Para Bursrztyn (2003) “viver no meio da rua” não é um fenômeno novo, contudo, remonta o início da formação das cidades industriais no contexto europeu. É tanto, que a literatura científica e romancista da época já se preocupava em mencionar em seus textos sobre esta população que vivia ou utilizava o espaço urbano como moradia ou como espaço para desempenhar seus ofícios. Citamos o caso da obra “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, o romancista Charles Dickens, e do pensamento político de Marx e Engels. Para Simões Júnior (1992), desde a antiguidade já haviam pessoas que habitavam as ruas e viviam de pedir esmolas. Com o advento do capitalismo e seu desenvolvimento industrial e urbano, os trabalhadores que antes desenvolviam ofícios como artesãos ou camponeses, e ainda os pequenos proprietários de terra, agora somente dispõem da sua força de trabalho para vender. Havia também outras pessoas que estavam na condição de marginais, mendigos, ou ainda os que não 34 serviam ou não estavam aptos para o mercado de trabalho industrial, porque não se encaixavam nos padrões e exigências do novo sistema econômico, passando, desta forma, a viver da caridade pública, e pertencentes ao que Marx denomina de exército industrial de reserva. Este assim se caracteriza por ser: [...] uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa. Ela proporciona às suas mutáveis necessidades de valorização o material humano sempre pronto para ser explorado, independente dos limites do verdadeiro acréscimo populacional (MARX, 1996, p. 262-263). É essa parte de trabalhadores que mesmo estando disponível como reserva, posteriormente não conseguirá acessar novamente o mercado de trabalho industrial, passando a viver na condição de mendicantes e até mesmo em situação de rua. Outra categoria que aqui elencamos para identificar aqueles que se encontravam nesta condição, é o lumpemproletariado, o termo que para Marx (1996), abarcaria aquela parte de trabalhadores livres que nunca conseguiram sua ascensão da condição lumpenproletária de acessar o mercado emergente de trabalho industrial, e dentre estes, estariam os ex-escravos, plebeus, saltimbancos, presidiários libertos, mendigos, enfim, toda uma horda de desintegrados da sociedade (MARX e ENGELS, 2001). Já o termo pauperismo, refere-se à lei geral da acumulação capitalista, ou seja, está diretamente imbricado com a própria estrutura de desenvolvimento do sistema capitalista em sua fase industrial, onde a concentração de riquezas nas mãos de poucos faz com que a classe trabalhadora seja submetida a um situação de pobreza extrema. Nas palavras do próprio Karl Marx (1996, p. 273), assim o denomina: O pauperismo constitui o asilo para inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção está incluída na produção da superpopulação relativa, sua necessidade na necessidade dela, e ambos constituem uma condição de existência da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza. 35 Observa-se, portanto, que mesmo com o crescimento da riqueza socialmente produzida e com um moderno desenvolvimento das forças produtivas, nesta fase específica do capitalismo, a distribuição de renda não se dá de forma homogênea, conforme as necessidades humanas, pois na sua gênese, esta forma de sociabilidade não contempla tais necessidades. Ao passo que se desenvolvia o modo de produção capitalista, aumentavam as disparidades entre aqueles que detinham os meios de produção inseridos nos processos de geração de riquezas, bem como na sua distribuição, dentre os que apenas tinham a sua força de trabalho para sobreviver; sendo que estes últimos não tinham acesso aos postos de trabalho, ficando assim relegados aos cuidados do poder público por meio da assistência social, da filantropia oferecida por entidades religiosa, e pela caridade privada. Nesse sentido, não é diferente o que denuncia a realidade nos dias de hoje no trato direcionado a esta população, embora já se tenha nos marcos legais, políticas públicas que garantem, ao menos, os “mínimos sociais”. A realidade mostra que em Fortaleza, a maioria dos espaços frequentados por moradores de rua em busca de alguma assistência são de instituições ligadas a sociedade civil, onde se desenvolvem um trabalho de cunho caritativo, religioso e assistencialista. Ao mencionar as instituições que frequentam assim os entrevistados verbalizam: Frequento lá na Irmã Inês, na casa da sopa [...]. Eles são sempre educado, às vezes são rígido, às vezes eu até acho bom, porque que se não vira a casa da mãe Joana [...] (GUILHERME ROCHA, 35 anos). [...] eu procuro os espaços não governamentais, eu sou muito desacreditado no assunto de procurar, de recorrer às instituições governamentais, tanto do Estado como da Prefeitura (PEDRO I, 38 anos). Por um lado, percebemos uma insuficiência das políticas públicas estatais em abarcar todas as demandas desta população, e por outro ângulo, vê-se uma forte comoção e um sentimento de compaixão da sociedade civil em atender por meio da caridade e da filantropia algumas necessidades imediatas que seriam de responsabilidade do Estado, em vez de unir-se a estes sujeitos tomando para si suas bandeiras de luta em uma empreitada constante pela efetivação das políticas sociais que já foram inscritas nos marcos legais. Diante desse quadro, observa-se a presença impressa do terceiro setor que assim nestes termos: 36 [...] aponta-se a transferência dos serviços sociais para a sociedade civil, sob o discurso ideológico da “autonomia”, “solidariedade”, “parceria” e “democracia”, enquanto elementos que aglutinam sujeitos diferenciados. No entanto, vem se operando a despolitização das demandas sociais, ao mesmo tempo em que desresponsabiliza o Estado e responsabiliza os sujeitos sociais pelas respostas às suas necessidades sociais (ALENCAR, 2009, p. 8). Desta forma o acesso a moradia em espaço privado se torna cada vez mais difícil, pois a renda que obtinham era insuficiente até mesmo para as necessidades imediatas. Tais condições de vida obrigam estas pessoas a utilizar os espaços públicos, ou seja, a rua, como domicílio ou como ambiente de sobrevivência. Estes ainda são vistos como uma ameaça na medida em que são considerados como uma possibilidade de perigo a segurança e a ordem social. Nesse sentido, visualizamos as diversas formas de reação da sociedade que vai desde a caridade, repressão à indiferença, não querendo admitir que naquelas condições está um cidadão como qualquer outro inserido no padrão de sociedade predominante, ou seja, a forma de sociabilidade capitalista. Aqui, mencionamos a partir do olhar dos sujeitos o que acontece em seu cotidiano: A sociedade fica esquisita, né? Ainda tem muita gente de coração bom, gente que ainda olha e se sensibiliza com a situação; mas enquanto para outros, você parece que não existe, só você mesmo sentindo na pele isso (PEDRO I, 38 anos). [...] a sociedade vê a população de rua não como necessitado, mas eu acredito, como marginal, [...] não generalizando toda a sociedade, mas a maioria vê como viciados, como marginal que não pode ter oportunidade pra nada. Só de tá ali [...] a sociedade por inteiro tenta ajudar, né? [...] Desenvolver o país pra que essas pessoas tenha direito garantido, muitas vezes, [...] você vai passando numa rua, vai ver a pessoa, só porque você tá desarrumado, aquela pessoa pega e atravessa a rua, vai pro outro lado; ou então, quando a pessoa vê um morador de rua, vai e pede pra o policial ou um guarda de loja acompanhar até passar, pois pensa que a gente é ladrão (TRISTÃO GONÇALVES, 40 anos). Ao mesmo tempo em que o sistema capitalista vai se desenvolvendo e se consolidando, vai também produzindo desigualdades sociais de forma avassaladora, além de produzir um exército industrial de reserva que não estão incluídos no ciclo de produção de mercadorias. Dessa forma, a exclusão social está relacionada diretamente com aspectos econômicos, e aqueles que não conseguem acessar o mercado de trabalho ficam à margem e na condição de sobrantes. A população em 37 situação de rua é um dos segmentos que vivencia esse processo, seja de forma cíclica ou permanente. A este aspecto, Bursrztyn (2003, p. 28) afirma que: Populações empobrecidas vêm sendo empurradas no rumo da exclusão, na medida em que enveredamos por uma lógica econômica que é capaz de propiciar um incremento notável da produção, paralelamente a uma brutal redução do emprego e de trabalho humano. Nesse sentido algumas categorias de trabalhadores são jogadas no desemprego e, passado algum tempo, podem torna-se desnecessários ao circuito econômico, configurando custos (gastos em políticas sociais) e riscos (de segurança) para os que ainda estão engajados. Podemos perceber que estes indivíduos, diante de um sistema de desenvolvimento econômico que tem como principais fundamentos o lucro e a concentração de renda nas mãos de um grupo reduzido, encontram-se em uma condição de “excluídos”, e mesmo estando em condições normais para o trabalho, acabam por não acessarem os meios de produção e, consequentemente, são lançados na situação de extrema pobreza. Em primeiro lugar, ressaltamos que são vários os fatores considerados para identificar as características relacionadas à população em situação de rua. Um aspecto predominante nesse grupo populacional é a sua heterogeneidade. Sendo assim, deriva, portanto, várias denominações que se referem às pessoas que vivem nas ruas, ou seja, há várias formas de entender. No entanto, o conceito que abordamos neste trabalho é o de população em situação de rua. Como destaca Silva (2009, p. 91): O fenômeno social população em situação de rua constitui uma síntese de múltiplas determinações, cujas características, mesmo com variações históricas, o tornam um elemento de extraordinária relevância na composição da pobreza nas sociedades capitalistas. Em outras palavras, a autora afirma que esse fenômeno social é constituído por um conjunto de determinações que têm suas características próprias em cada contexto sócio-histórico e geográfico, fazendo parte de um grupo populacional que vivencia a pobreza extrema na sociedade capitalista. Destaca-se que nos estudos contemporâneos sobre este grupo, a heterogeneidade é uma das características que mais tem se apresentado, mostrando assim, que essas pessoas têm trajetórias de vida diferenciadas com diversos interesses, vínculos ou ainda perfis socioeconômicos divergentes. A parcial 38 conclusão que se chega, é que não há um único perfil, mas sim perfis. Concomitantemente, sobressaem como características específicas predominantes deste grupo: os vínculos familiares fragilizados ou interrompidos; a pobreza extrema e, consequentemente, a falta de moradia convencional e regular; bem como a utilização da rua como espaço de moradia, de onde advém o sustento de forma temporária ou permanente (SILVA, 2009). Assim, de acordo com a pesquisa de campo realizada que apresentamos neste trabalho, podemos identificar que dos dez entrevistados, sete mencionaram o rompimento dos vínculos familiares como motivo para estar morando ou estar em situação de rua. Contudo, são identificados outros motivos que iremos mencionar posteriormente. Reproduzimos a seguir um destes relatos: Moradia mesmo, meus pais faleceram, eu morava com meu irmão, aí ele ficava com “piadazinha”: “essa casa aqui vai ser dos meus filhos”. Aí fui me aborrecendo e saí pra evitar. Tenho 07 irmãos, mas eu morava na casa da minha mãe com meu irmão, só um deles. Aí ela morreu, eu abandonei e ele queria ficar com a casa (FLORIANO PEIXOTO, 50 anos). Percebemos, portanto, que mesmo sendo um grupo heterogêneo há características que se destacam em estudos realizados sobre o grupo populacional. Em sintonia com as características já mencionadas, Costa (2005, p. 05) afirma que: [...] a população em situação de rua é um grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que tem em comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento a sociedade formal. São homens, mulheres, famílias inteiras, grupos que têm em sua trajetória a referência de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas, seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço afetivo, fazendo com que aos poucos fossem perdendo perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia. Os termos comumente utilizados nos estudos e pesquisas referentes a este público aparecem como: pessoas em situação de rua, morador de rua, e, por último, População em Situação de Rua. Como já descrito anteriormente, nos deteremos aqui em discorrer sobre a última definição, considerando que este termo tem dimensões mais abrangentes e as outras denominações fazem parte do grupo macro denominado população em situação de rua. 39 Vieira, Bezerra e Rosa (1994) consideram três momentos importantes para identificar a relação destas pessoas com a rua, sendo os seguintes: “as pessoas que ficam nas ruas” de forma circunstancial, e nesse caso, alguns motivos são identificados, como o desemprego ou por estarem migrando à procura deste, e consequentemente, por estarem no ambiente da rua e expostos a todo tipo de violência, frequentam espaços que, normalmente, são movimentados, como rodoviárias, albergues ou outros locais de grande movimentação. Tem também “as pessoas que estão na rua”, ou seja, aquelas pessoas que já consideram o espaço da rua como um lugar possível de habitar e começam a construir relações com aqueles que já vivem no ambiente urbano, passando a fazer trabalhos informais para adquirir alguma renda para prover seu sustento. Por último, “as pessoas que são da rua”, estes, por já estarem na rua há um longo período, consequentemente sofrem o desgaste físico e mental decorrente também do uso de drogas lícitas ou ilícitas, e da alimentação precária, bem como estão expostos a todo tipo de violência. Percebemos que mesmo alguns se considerando em situação de rua, ao passar do tempo podem se tornar moradores de rua, ao se acomodarem a esse cotidiano ou até mesmo por não terem oportunidade de sair desta situação. Sobre este aspecto, Guilherme Rocha (35 anos) afirma: Eu me considero morador de rua porque [...] eu me considerava em situação de rua, mas do jeito que eu vivo, acho que já sou morador de rua. Já faz algum tempo que eu tô na rua, certo? Num consegui sair dela ainda, então quer dizer que sou morador de rua. [...] não sei, mas [...] sou muito dependente químico, sou muito “drogueiro”. Ao nosso entender, assim como a autora, na rua não habita somente o “morador de rua”, mas são vários atores que utilizam este espaço para sua sobrevivência, necessitando, assim, de uma definição mais abrangente. Daí a escolha pelo termo população em situação de rua, pois compreendemos que este é mais abrangente para se referir a este grupo populacional que vive e sobrevive nas ruas. Em consonância com esta definição, assim também a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua considera que são múltiplos os grupos de pessoas que vivem ou estão na rua, e dentre estes estão: imigrantes, desempregados, egressos dos sistemas penitenciário ou psiquiátrico, dentre muitos 40 outros que compõem esse grupo populacional (BRASIL, 2008). No marco legal que institui a PNPSR, assim literalmente expressa o artigo 1º, parágrafo único: Para fins deste decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (LEI 7053, 2009). Desta forma, percebe-se, portanto, que a definição população em situação de rua é de caráter mais abrangente que as outras determinações consideradas anteriormente. O fenômeno presente nas grandes cidades brasileiras torna visível a desigualdade social que historicamente faz parte da essência desta sociedade, estruturada a partir dos moldes socioeconômicos do capitalismo. Nessa perspectiva, o fenômeno está presente desde o início da formação das cidades brasileiras (CARVALHO, 2002). Historicamente, as pessoas que vivem nesta situação foram tratadas como “vadios” e “vagabundos”, sendo vistas como pessoas que ameaçavam a ordem pública, tanto pelo Estado, como pela sociedade, indo desde a caridade, repressão à omissão (BURSTYN, 2003). Em nossos dias, esse tratamento não se diferencia muito daquele de tempos passados, pois hoje predomina mais a caridade do que a efetivação de políticas públicas que possibilitem a mudança da condição de vida das pessoas que habitam ou que estão nas ruas. Contudo, relacionado às políticas sociais, houve um avanço no que se refere às legislações que possam garantir o acesso destas pessoas às políticas sociais. Consideramos que o Movimento Nacional para a População em Situação de Rua tem uma importante contribuição para tais conquistas. Foi necessária uma mobilização coletiva, por meio de uma articulação entre outros movimentos, que junto à população em situação de rua articularam um trabalho voltado para sua garantia de direitos. É sobre tais políticas públicas direcionadas a este segmento que trataremos no capítulo seguinte. 41 3 3.1 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA Uma análise das Políticas Públicas Neste capítulo, faremos uma breve análise sobre a política pública, delineando como foi constituída historicamente e especificamente no Brasil. Mencionaremos ainda, a política nacional para a população em situação de rua e os seus desafios para ser concretizada, e, por fim, trataremos da sua concretização de seus desafios na sua materialização no município de Fortaleza. A desigualdade é uma marca ainda profundamente arraigada em nossa sociedade, que impõe a população em situação de rua uma condição de inferioridade, preconceito e subalternidade. Implementar políticas públicas que visem essas pessoas serem incluídas em nossa sociedade é um grande desafio. Outro ponto, é que essas políticas sejam capazes de alterar essa situação e não tratem a população em situação de rua como “coitadinhos”, e nem com políticas de assistencialismo ou “de favor”. Nesse sentido, requer um reconhecimento dessas pessoas como sujeitos de direitos, sendo, portanto, um desafio a ser colocado na ordem do dia. De acordo com Alves e Viana (2008, p. 17): Por políticas públicas compreendemos as respostas do Estado frente às demandas da sociedade que, de forma propositiva ou não, expõe suas necessidades e expressa seu poder de pressão no sentido de publicizar tais necessidades. As políticas públicas que resultam dessa relação entre Estado e sociedade civil devem ser entendidas como processos sociais, de caráter histórico, contínuo e inacabado, constituídos por sujeitos cuja ação é responsável pela ampliação das políticas sociais. Em distintos momentos históricos, a configuração desses sujeitos e as relações que desenvolvem entre si se modificam, alterando dinâmicas na sociedade civil e no âmbito do poder público. Como sujeitos de pressão e ação com capacidade para provocar mudanças sociais, com vistas à garantia de direitos e igualdade social, podemos ressaltar a atuação dos movimentos sociais em suas diversas vertentes, dos sindicatos, dos partidos políticos etc. A política pública não pode ser confundida com política estatal ou de governo, e muito menos com a iniciativa privada, mesmo que, para a sua realização, ela requeira a participação do Estado, dos governos e da sociedade, e atinja grupos particulares e indivíduos. Essa concepção contraria a ideia corrente de que a política 42 pública, para ser duradoura e sobreviva a diferentes mandatos governamentais, deva se transformar em política de Estado, por oposição à política de Governo. Desde os primórdios, a política, na essência de seu termo, se caracteriza por ser uma relação desigual entres pessoas diferentes, e porque não afirmar, desiguais, com a tentativa de amenizar essas disparidades. Nesse sentido, afirma Arendt (1998, p. 21) que “a política trata da convivência entre diferentes”, e, dessa forma, surge para mediar os conflitos entre homens e mulheres que se organizam para buscar objetivos comuns. Caso contrário, se estabeleceria um caos, à medida que todos buscassem seus interesses e objetivos particulares. Portanto, a política não é própria da natureza do homem, mas é imposta pela convivência em sociedade (PEREIRA, 2009). Trata-se, portanto, de um modo de organização política onde predomina o interesse comum da vontade popular, e não da vontade e imposição dos que governam. Dito de outro modo, uma marca específica das políticas públicas é o caráter de que é uma política de todos, pois o termo pública não se remete ao fato de ser estatal. Essa intervenção do Estado e da sociedade possui algumas características bem específicas, como veremos a seguir: a) Constitui um marco ou linha de orientação para a ação pública, sob a responsabilidade de uma autoridade também pública (um organismo que aloca e administra bens públicos, como saúde, educação, assistência, entre outros), sob o controle da sociedade. b) Visa concretizar direitos sociais conquistados pela sociedade e incorporados nas leis. [...] os direitos sociais declarados e garantidos em leis são, de regra, conquistas públicas, as quais, por sua vez, operacionalizam-se por meio de programas, projetos e serviços [...]. c) Guia-se pelo princípio do interesse comum, ou público, e da soberania popular, e não do interesse particular e da soberania dos governantes. d) Deve visar à satisfação das necessidades sociais e não da rentabilidade econômica privada, [...] das necessidades do capital (PEREIRA, 2009, p. 95-96). Em síntese, a política se direciona a execução de direitos sociais atendendo às demandas reais da sociedade, tendo como objetivo fundamental, a intervenção para mudar a realidade concreta, sendo desta forma planejada, avaliada e direcionada pela coletividade, agregando, ainda, a correlação de forças que se dá nesse campo. Segundo Granemann (2009), só se pode considerar a existência de 43 políticas sociais a partir da fase do capitalismo, em seu estágio industrial, onde predomina a propriedade privada e o trabalho livre. Sendo a partir dessa relação que emergem duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado. É interessante perceber a cronologia histórica que segue este processo nas diversas fases do capitalismo, em seu estágio concorrencial com a predominância das ideias liberais, as quais preconizavam que o mercado econômico deveria regular as relações sociais e a igualdade de oportunidades entre todos. Cabia ao Estado não intervir na economia, pois era o mercado que resolveria todos os desníveis neste âmbito. Contudo, isso era apenas uma ideologia, pois o Estado, desde a instituição do capitalismo, esteve a serviço de grupos da burguesia que detêm a sua direção. O Estado, nessa etapa, somente entrava em cena em alguns momentos específicos para “proteger a propriedade privada; agir em situações emergenciais; formar e controlar efetivos de defesa e repressão, os exércitos” (NETTO,1992 apud GRANEMANN, 2009, p. 12). Nessa fase específica, o Estado não desenvolvia políticas sociais, pois sua estrutura e atuação estavam voltadas para o controle, sobretudo para manter a ordem. Já na fase do capitalismo monopolista, ocorreram significativas intervenções no âmbito social. O Estado, que antes não intervia na economia, agora realizava ações, inclusive pela necessidade de preservação da expansão do modo de produção capitalista a nível mundial. Essa intervenção que articula ações econômicas e políticas é um campo onde se delineia e se edifica as políticas sociais (GRANEMANN, 2009). Podemos perceber que o Estado nessa fase de desenvolvimento, muda seu tratamento, pelo menos de forma parcial, com a classe trabalhadora, fazendo intervenções por meio das políticas sociais. Contudo, isso não se deve somente a iniciativa da classe dominante, mas, sobretudo, ás reivindicações e à luta organizada dos trabalhadores. Vale destacar a luta da classe trabalhadora, que teve um papel fundamental em tensionar essa nova ordem social. As primeiras iniciativas de políticas sociais só podem ser compreendidas como continuidade do Estado liberal para o Estado social. Contudo, não houve mudanças no que se refere a estrutura do sistema capitalista. Mudanças ocorreram apenas na estrutura do Estado, que incorporou aspectos socialdemocrata em um contexto econômico novo, ganhando 44 uma dimensão de caráter social, investindo mais em políticas sociais (BEHRING, 2011). A participação da classe trabalhadora foi fundamental para essa mudança histórica. Nesses termos: A mobilização e organização da classe trabalhadora foram determinantes para a mudança da natureza do estado liberal no final do século XIX e início do século XX. Pautada na luta pela emancipação humana, na socialização da riqueza e na instituição de uma sociabilidade não capitalista, a classe trabalhadora conseguiu assegurar importantes conquistas na dimensão dos direitos políticos, como direito de voto, de organização em sindicatos e partidos, livre expressão e manifestação (BARBALET, 1989 APUD BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 63-64). Desta forma a luta da classe trabalhadora contribuiu significativamente para alargar os direitos sociais e colocar em questão a função do Estado no sistema capitalista. Em relação à população em situação de rua, a realidade é bem complexa, mas percebemos que existem lutas e mobilizações no sentido do reconhecimento por parte da sociedade e Estado, em relação às políticas públicas para esse segmento. Há, portanto, certa tensão que se constrói entre essas classes com disparidades econômicas exorbitantes. A fala a seguir retrata este aspecto: “[...] e se souberem de alguma coisa, „ah, ele está em situação de rua, vamos ajudar‟. „Morador de rua? Você é louco rapaz? São ladrões, são viciado em tóxicos‟. Loucura, a onda é esta [...]” (DUQUE DE CAXIAS, 54 anos). A este respeito, podemos mencionar as reivindicações da população em situação de rua no que se refere à luta coletiva por políticas publicas, bem como a sua organização política por meio do movimento nacional da população em situação de rua (MNPR). Então, citamos a fala de um dos sujeitos entrevistados: [...] Tomei conhecimento quando eu tava no centro, aí, lá teve uma votação pra umas pessoas pra ter uma pessoa que representasse a população em situação de rua, lá no dia. Aí, então, os meninos votaram pra mim, pra que eu fosse representante deles, aí nesse mesmo dia eu fui convidado pra ser representante deles. Aí eu fui na Pastoral, foi que o pessoal me levaram pra conhecer o MNPR, e lá foi que eu tive conhecimento, [...] estudei a política nacional, tenho conhecimento da política municipal, e agora da estadual. Eu fui ter conhecimento assim, tudo começou com esse processo, né? Eu tava lá, teve essa votação, eu fui convidado pra ser representante e me capacitei. Aí conheci as políticas públicas (TRISTÃO GONÇALVES, 40 anos). 45 Assim, a organização política da população em situação de rua permite um melhor conhecimento dos direitos sociais e individuais, bem como a oportunidade de forjar espaços de diálogo e debate para a concretização de políticas publicas. Podemos neste ponto fazer um paralelo com as políticas sociais que a população em situação de rua tem conquistado por meio da luta coletiva organizada, e um novo tratamento que o Estado vem assumindo com esse público, como analisamos nesta fala a seguir: [...] Já tenho participado de algumas reivindicações do movimento população de rua, conseguimos algumas coisas, mas foi pouco. Por exemplo, o aluguel social, que é benefício do Governo Federal, que passa para o morador de rua no valor de R$ 350,00 reais, pra ele não ficar na rua, pra ele ficar em um canto locado e prestar conta todos os meses com o recibo do condomínio e com o síndico, pra provar que aquela pessoa está realmente morando e não está gastando o dinheiro com outra coisa (PEDRO I, 38 anos). Visualizamos dessa forma, que há uma mobilização coletiva desta população que a cada dia cresce, com o objetivo de reivindicar políticas públicas, como é o caso do benefício eventual aluguel social2. Vale salientar, que essa mudança administrativa do Estado, a partir do Welfare State, não é mérito ou benevolência da classe dominante ou uma estratégia para manter a hegemonia do sistema, mas tal mudança se deve, também, a organização coletiva da classe trabalhadora, que se posicionaram como agentes de conquistas sociais. Este episódio se configura, sobretudo, como um conflito entre classes (PEREIRA,1998). As políticas sociais e a elaboração de proteção social se configuram como uma resposta às mais diversas expressões da questão social e sua concretização se dá de forma fragmentada e setorializada (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). Sendo que a questão social é parte constitutiva do sistema capitalista, e nestes termos ela se expressa: Considerando que está subjacente às suas manifestações concretas, o processo de acumulação do capital, produzindo e reproduzindo com a 2 O aluguel social é um benefício de caráter eventual, previsto na Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Estes são direcionados aos cidadãos e às famílias em decorrência de morte, nascimento, calamidades públicas e situação de vulnerabilidade temporária (PNAS, 2004, p. 64). 46 operação da lei do valor, cuja contra face é a subsunção do trabalho pelo capital, desigualdade social, o crescimento da pauperização absoluta e relativa e a luta de classes [...]. A questão social, nessa perspectiva, é expressão das contradições inerentes ao capitalismo (BEHRING e SANTOS, 2009, p. 271). Em outros termos, a questão social é objeto de intervenção do Estado capitalista, como afirma Iamamoto (2001, p. 16-7), esta se constitui como um: [...] conjunto das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção contraposto a apropriação privada da própria atividade humana - o trabalho, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do „trabalhador livre‟, que depende da venda de sua força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades vitais. A questão social expressa, portanto, disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade cível e o poder estatal. As políticas sociais são uma resposta do Estado às expressões da questão social. Nesse sentido, essas políticas passam pela correlação de forças no embate político entre classes sociais. O referencial teórico para a compreensão nesses termos refere-se à teoria social crítica de Marx, pois estas não possuem apenas um caráter de redistribuição de renda ou de riqueza, mas atende, sobretudo, às necessidades do capital e de sua reprodução, e, para muitos, significa uma questão de sobrevivência para a reprodução da força de trabalho (BEHRING, 2009). No que se refere às políticas públicas no contexto brasileiro, seu surgimento e desenvolvimento devem ser considerados a partir de suas particularidades históricas, que nestas terras aconteceram, e que têm fatores determinantes no sistema de proteção social atual. A formação do sistema capitalista ocorreu de forma diferenciada daquela dos países considerados do capitalismo central, portanto, pode-se considerar que o Brasil é um país que se encontrava na periferia do mundo capitalista (BEHRING;BOSCHETTI, 2011). A economia e a sociedade brasileira, desde sua colonização, no entendimento de Behring & Boschetti (2011), tendem a se organizar para fora, com uma certa dependência do mercado mundial, sendo a partir da instituição do Estado nacional com a Proclamação da Independência, que se rompe parcialmente a dominação burguesa agrária do pais. Essas políticas econômicas têm forte influência até mesmo no 47 entendimento sobre a cidadania, e nesse sentido: [...] esse movimento é marcado pela ausência de compromisso com qualquer defesa mais contundente das elites econômicas políticas, o que é uma marca indelével da nossa formação, fato que é fundamental para pensar a configuração da política social no Brasil (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 75). Destaca-se, portanto que a “democracia” apenas era válida para a classe dominante e que esta utilizava a máquina do Estado para suprir seus interesses individuais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). O Estado brasileiro é edificado sobre o liberalismo formal, ao menos na teoria, pois na prática predomina o patrimonialismo, para assim respaldar os interesses e privilégios das classes dominantes. É nesse pano de fundo que se desenvolvem as políticas sociais brasileiras, e com ela as suas contradições e particularidades, próprias de uma sociedade fundada no patriarcalismo, na “política do favor” e do “merecimento”. As primeiras iniciativas de políticas públicas no Brasil se dão na primeira metade do século XX, em um país que começava a sua industrialização. É a partir de então que se iniciam, também, as primeiras lutas da classe trabalhadora e, posteriormente, as primeiras legislações trabalhistas. Contudo, isso não se dá de forma harmônica, mas se configura como uma correlação de força entre classes. Este conflito contribui significativamente para a conquista dos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, sendo estas as principais bandeiras de luta da classe trabalhadora. Posteriormente, algumas iniciativas de proteção social, como a Lei Eloy Chaves, que impunha a obrigatoriedade de criar caixas de aposentadoria e pensão (CAPS) que estavam articuladas com os IAPS (Instituto de Aposentadoria e Pensão): era um modelo previdenciário social que se iniciava no Brasil. Vale destacar que essa relação entre Estado e sociedade civil é profundamente marcada pelo “favor”, clientelismo, tutela e assistencialismo que percorre também as políticas sociais. Essa configuração tem uma gradual mudança com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). É com a Carta Magna que é instituída no país a Seguridade Social, com o tripé Previdência Social, Saúde e Assistência Social, explícita no artigo 194, nestes 48 termos: “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativas dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde a previdência e a assistencial social” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2011a, p. 129). A seguridade social, nos países capitalistas, se constitui tendo como referencial sempre a organização social do trabalho, que, geralmente, seguem dois modelos. Um é o de Otton Von Bismarck, da Alemanha, no qual o trabalhador deveria contribuir previamente, ou seja, tinha um caráter contributivo e o seu financiamento era feito por empregados e empregadores. Outro modelo de seguro social implantado foi o modelo de Beveridge, formulado na Inglaterra no ano de 1942, sendo este modelo adotado pelo Welfare State, se opondo aquele anterior, e que se caracterizava por ser universal e direcionado a todos os cidadãos sem necessitar de contribuição prévia; contudo, garantia os mínimos sociais. A seguridade social brasileira incorporou características dos dois modelos de seguro social, como bem afirma Boschetti (2009, p. 01), “ao restringir a previdência aos trabalhadores contribuintes, universalizar a saúde e limitar a assistência social a quem dela necessitar”. Interessa-nos aqui nos determos sobre a política de assistência social, sendo esta uma das políticas acessadas pela população em situação de rua. Reiteramos que no Brasil, a política nacional direcionada a este público está, sobretudo, no âmbito da assistência, tendo o MDS como órgão que direciona e financia esta política. Ao longo da historia, a assistência foi executada por grupos religiosos, humanitários e políticos, com forte caráter de benesse e permeado de interesses baseado na troca e no favor, deixando aqueles que recebiam tais “migalhas” em uma situação de dependência, subalternidade, sem assim promover sua autonomia, ou seja, não passava de um mero assistencialismo. Diferentemente dessa prática social, a assistência social como política pública de direito, assim se constitui: “direito de cidadania e, portanto, dever do Estado. Como responsabilidade do Estado, a assistência social perde o caráter de seletividade e transforma-se em princípio universal” (SOUZA, 2009, p. 84). O marco legal da assistência social como política pública de direito no Brasil vem com a Constituição Federal de 1988. Somente a partir daí que é instituída a concepção de uma política não contributiva e universal, tendo como objetivo viabilizar o acesso a outras políticas sociais para desta forma garantir o exercício da 49 cidadania (SOUZA, 2009). No entanto, somente em 1993 é homologada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (Lei nº 8.742/1993) que irá regulamentar os artigos 203 e 204 da CF. Muitos são os desafios que se colocam para a verdadeira concretização desta Lei, a começar pelo desconhecimento, tanto dos gestores como dos usuários da assistência social, e, por muitas vezes, com práticas conservadoras de caráter assistencialista, de benesse e de favoritismo (SOUZA, 2009). A política de assistência social ganha reestruturação com a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), no ano de 1994, tendo como marco as deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, em que se percebeu a necessidade de criar um padrão com um sistema de serviços assistenciais, assim denominados de proteção básica e proteção especial, subdividido em média e alta complexidade (SOUZA, 2009). Destacamos que é na Proteção Social Especial (PSE) que estão inseridos os serviços direcionados à população em situação de rua, onde trataremos a seguir, bem como os seus desafios para ser concretizada. 3.2 A Política Nacional para a População em Situação de Rua e os desafios para sua concretização Sabe-se que o trato dado a população em situação de rua no Brasil, historicamente, foi permeado pelo assistencialismo, caridade e pela tutela, tanto pela sociedade civil, como também pelo Estado, além dos vários estigmas que estas pessoas vêm sofrendo por morarem nas ruas ou utilizarem esse espaço como meio de sobrevivência. Sobre o aspecto da estigmatização, sempre foi algo que esta população sofreu, sendo vista por parte da sociedade como um perigo ou ameaça à ordem social. Mencionamos então, o relato que trata deste aspecto: Vê a pessoa diferente, né? O cara vai passando aqui do lado, todo sujo assim, né? Pensa que a gente vai assaltar, né? O pessoal tem é medo do “nego”, principalmente mulher, né? Fica segurando a bolsa. Vai passando, aí o pessoal pensa que a gente vai assaltar ó, só que a gente não vai, né? (GENERAL SAMPAIO, 26 anos). Essa realidade começa a mudar gradualmente a partir da década de 1990, quando a população em situação de rua, com apoio de movimentos sociais e 50 instituições religiosas, inicia sua organização política com o intuito de reivindicar políticas sociais e direitos civis historicamente negados e violados. Não obstante, muito ainda pode e deve ser realizado. Neste contexto, um novo direcionamento e relação com a população em situação de rua se inicia, como assim acontece. [...] As instituições de apoio e ajuda a população em situação de rua direcionam-se para afirmação do acesso desta população ao direito humano à vida e à dignidade. Estas instituições buscaram ainda, superar o caráter assistencialista e repressor da ação junto as pessoas em situação de rua com a introdução, no trabalho cotidiano, de um novo trato metodológico que priorizava a organização e o protagonismo como instrumento de resgate de direitos de cidadania das pessoas em situação de rua (BRASIL, 2011b, p. 15). Dessas iniciativas, nasceu uma rede articulada na construção de políticas publicas direcionada para a população em situação de rua, tornando visível uma realidade social que não se podia mais tolerar. No ano de 2005, são edificadas as bases da Política Nacional para a População em Situação de Rua, a partir do I Encontro Nacional da População em Situação de Rua, planejado e realizado pela Secretaria de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Este encontro tinha como objetivos definir estratégias para a elaboração de políticas públicas direcionadas a esse público. No ano seguinte, é instituído por decreto o grupo de trabalho interministerial para a elaboração de estudos e preparação de propostas para a articulação de políticas públicas voltadas para a população em situação de rua (BRASIL, 2011b). A consolidação, no que se refere ao marco legal, se dá com o decreto de Lei presidencial nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua tendo a intersetorialidade como elo que direciona toda sua estrutura. Os princípios da PNPSR são os seguintes: I - respeito à dignidade da pessoa humana; II - direito à convivência familiar e comunitária; III - valorização e respeito à vida e à cidadania; IV atendimento humanizado e universalizado; V - respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência (BRASIL, 2009). Tais princípios direcionam as ações para gestão, atendimento, avaliação, e monitoramento da PNPSR, com o intuito de assegurar direitos historicamente negados a esta parte da população que está em situação de vulnerabilidade social. 51 Seus objetivos assim se constituem: I - assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda; II - garantir a formação e capacitação permanente de profissionais e gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e intergovernamentais direcionadas às pessoas em situação de rua; III - instituir a contagem oficial da população em situação de rua; IV - produzir, sistematizar e disseminar dados e indicadores sociais, econômicos e culturais sobre a rede existente de cobertura de serviços públicos à população em situação de rua; V desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, ética e solidariedade entre a população em situação de rua e os demais grupos sociais, de modo a resguardar a observância aos direitos humanos; VI - incentivar a pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos sobre a população em situação de rua, contemplando a diversidade humana em toda a sua amplitude étnico-racial, sexual, de gênero e geracional, nas diversas áreas do conhecimento; VII implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua; VIII - incentivar a criação, divulgação e disponibilização de canais de comunicação para o recebimento de denúncias de violência contra a população em situação de rua, bem como de sugestões para o aperfeiçoamento e melhoria das políticas públicas voltadas para este segmento; IX - proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica; X - criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema Único de Saúde para qualificar a oferta de serviços; XI - adotar padrão básico de qualidade, segurança e conforto na estruturação e reestruturação dos serviços de acolhimento temporários, de acordo com o disposto no art. 8º; XII implementar centros de referência especializados para atendimento da população em situação de rua, no âmbito da proteção social especial do Sistema Único de Assistência Social; XIII - implementar ações de segurança alimentar e nutricional suficientes para proporcionar acesso permanente à alimentação pela população em situação de rua à alimentação, com qualidade; e XIV - disponibilizar programas de qualificação profissional para as pessoas em situação de rua, com o objetivo de propiciar o seu acesso ao mercado de trabalho (BRASIL, 2009). Percebe-se, portanto, que os objetivos da política nacional estão se concretizando, mas de forma parcial e insuficiente para atender a demanda crescente da população em situação de rua. A elaboração e implementação intersetorial de políticas públicas para a população em situação de rua é, sem dúvida, um reconhecimento das lutas históricas aos direitos daqueles que vivem nas ruas, pois o estágio de desenvolvimento econômico que já atingiu o país é incompatível com a situação de pobreza extrema em que se encontram estes indivíduos (BRASIL, 2011b). Contudo, a conquista no marco legal de políticas sociais não significa automaticamente a sua concretização na prática, pois alguns desafios surgem para 52 sua efetivação, sendo eles apresentados a seguir. A estigmatização social historicamente direcionada a estas pessoas, inclusive pelo poder público, contribui para a impossibilidade de acesso às políticas públicas e à construção de um projeto de vida para sair da situação de rua (BRASIL, 2011b). Outro desafio que se apresenta é a concretização da intersetorialidade, como preconiza a política. Nestes termos: A Política Nacional para a População em Situação de Rua (2009) enfoca a intersetorialidade como uma estratégia de negociação permanente para o desenvolvimento de serviços, programas projetos e benefícios que atendam aos direitos humanos das pessoas em situação de rua nas diversas políticas públicas, de modo a formar uma rede que assegure a efetividade e a qualidade de atenção ofertada (BRASIL, 2011b, p. 18). E por último, se coloca como obstáculo ou desafio para a concretização, a falta de conhecimento, tanto da população em geral como da população em situação de rua, sobre a política nacional e porque não dizer, o desconhecimento até de gestores e profissionais que atuam nesta área. A este respeito, já preconizado na Lei 7.053/2009, que estabelece diretrizes no que se refere à organização política da população em situação de rua afirmando que deve haver o incentivo a esta organização política, bem como a sua partição em instâncias de controle social, no monitoramento, implementação e avaliação de políticas públicas e que o Estado deve promover a autonomia destes cidadãos. Esta promoção pode oferecer um maior conhecimento das políticas direcionadas a esta população. Contudo, no relato a seguir, constatamos o contrário. [...] não adianta falar em políticas públicas pra população de rua, se a população de rua não está vivendo aquelas políticas públicas, se os direitos estão sendo violados, estão sendo negados nas instituições governamentais. Políticas públicas é o que o morador menos fala entre si, eu acho que deveriam estudar como enfiar isso na cabeça da gente, porque até o prezado momento, políticas públicas pra nós não está representando nada. [...] já vi assistentes sociais que não têm um pingo de experiência ali, de estar executando aquele cargo, colocada por conhecimento “ah, eu te conheço, tem uma vaguinha aqui pra enquadrar você”, sem nunca ter feito um curso de capacitação pra saber lidar como assistente social, com o morador de rua quando ele vier conversar com ela. Não tem um preparamento, o morador de rua fica que nem “bola de basquete”, ele fica jogando de um pra outro, e o morador de rua acaba desistindo daquela situação (PEDRO I, 38 anos). No que se refere à capacitação de profissionais, a já referida Lei também 53 preconiza que deve acontecer a capacitação permanente para profissionais que estão inseridos em instituições que executam as políticas públicas direcionadas à população em situação de rua. 3.3 Os desafios na materialização das Políticas Públicas para a População em Situação de Rua em Fortaleza De acordo com as leituras bibliográficas, pesquisas documentais, jornais, dentre outras fontes consultadas, podemos inferir que as políticas sociais com mais ações, projetos e programas voltados para a população em situação de rua, é a política pública de assistência. Podemos fazer esta constatação ainda, a partir das falas dos sujeitos da pesquisa que, ao serem indagados sobre as políticas públicas direcionadas a eles, apontam outros serviços que são executados pontualmente, como por exemplo: o consultório de rua3 e o aluguel social4. Sobre este aspecto, reproduzimos aqui a fala de um dos sujeitos: Não, atende não, porque tem muito morador na rua sofrido, doente; tem gente que anda caxingando, outros com febre, dor de cabeça. É muita gente sofredor, e aquela Kombi ninguém vê mais, sumiu aquela Kombi que passa pro povo da rua, que é da saúde (FLORIANO PEIXOTO, 50 anos). Deixa a desejar em muitas coisas, mas a gente não pode fazer nada [...]. Eu entrei no Bolsa Família já tá com quase três meses e num vi resultado não [...] (GUILHERME ROCHA, 35 anos). 3 Os Consultórios de Rua constituem uma modalidade de atendimento extramuros dirigida aos usuários de drogas, que vivem em condições de maior vulnerabilidade social e distanciados da rede de serviços de saúde e intersetorial. São dispositivos clínico-comunitários que ofertam cuidados em saúde aos usuários em seus próprios contextos de vida, adaptados para as especificidades de uma população complexa. Promovem a acessibilidade a serviços da rede institucionalizada, a assistência integral e a promoção de laços sociais para os usuários em situação de exclusão social, possibilitando um espaço concreto do exercício de direitos e cidadania. Sua estrutura de funcionamento conta com uma equipe volante mínima com formação multidisciplinar constituída por profissionais da saúde mental, da atenção básica, de pelo menos um profissional da assistência social, sendo estes: médico, assistente social, psicólogo, outros profissionais de nível superior, redutores de danos, técnicos de enfermagem e educadores sociais. Além desses, eventualmente, poderá contar com oficineiros que possam, estrategicamente, desenvolver atividades de arteexpressão. Para o desenvolvimento de suas atividades necessita de carro tipo “perua” (van), usado para fazer o deslocamento da equipe profissional e dos materiais necessários à realização das ações. O carro, além de transportar a equipe e os insumos, tem a função de se constituir como referência para os usuários (BRASILIA, 2010). 4 O aluguel social é executado pela Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (HABITAFOR), em parceria com a Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate a Fome (Setra), a partir do Decreto Lei Municipal nº0222/11, que institui o programa de locação social em Fortaleza. Sobre a definição de aluguel social, ver o item 3.1 deste capítulo, seguido da fala dos sujeitos. 54 Podemos perceber a partir desta fala, a presença de algumas doenças que a população em situação de rua é acometida neste ambiente urbano e a necessidade de uma política de saúde que direcione ações articuladas em rede para este segmento. A Kombi a que se refere o entrevistado é o veículo utilizado pela equipe multidisciplinar do consultório de rua, que realiza as abordagens a este público, sobretudo no período noturno. O consultório de rua está sobre a coordenação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Constatamos que na realidade, a implantação da política de assistência social, como estabelece os marcos legais do SUAS, no município de Fortaleza, é recente. Seu início se deu no ano de 2005, quando foi criada pela primeira vez a Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS). Com a criação de uma secretaria específica para gerenciar a assistência social, a partir do viés de política pública como direito de todos e dever do Estado, se ultrapassa o caráter assistencialista historicamente presente neste âmbito, como assinala Alves e Campos (2012, p. 14): Criar a primeira Secretaria de Assistência Social foi um fato histórico, por ser uma decisão política que se contrapõe às relações clientelistas e “politiqueiras” antes existentes no campo da assistência social. [...] A criação da SEMAS coincide, portanto, com os avanços nacionais que a assistência social vem tendo no âmbito federal, quando se instituiu o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). É a partir do estabelecimento da assistência social como direito de todos e dever do Estado, com a Lei orgânica da assistência social (LOAS) que podemos pensar em políticas públicas para a população em situação de rua no município de Fortaleza. Essa construção se dá no âmbito municipal articulado com grupos, movimentos sociais e representantes da população de rua, e ocorre no ano de 2008 quando acontece o seminário Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua, onde se tinha como objetivo debater junto com representantes do MDS a implantação de políticas públicas direcionadas a população em situação de rua, onde foi também apresentada a Política Municipal Intersetorial para População de Rua (LIMA, 2008). 55 Com a instituição da SEMAS5, foram criados os equipamentos sociais para atender as demandas referente aos direitos da população em situação de rua, edificados sempre nos paramentos do SUAS. Iniciava, portanto, uma rede de equipamentos geridos e coordenados pela própria SEMAS, para efetivar direitos desta população que, historicamente fora tratada como escória da sociedade, pela primeira vez em Fortaleza, são tratados como sujeitos de direitos. Inicialmente, foi criado o Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (CENTROPOP). Este compõe um conjunto de projetos, programas e serviços que contribuem para a superação e para a saída destas pessoas da rua. A instituição também providencia encaminhamentos de documentação oficial, cadastros em programas sociais, atividades socioeducativas, e artísticas. Outro equipamento criado foi o Espaço de Acolhimento Noturno (EAN), que tem a função de acolher as pessoas em situação de rua para pernoite e ainda oferta atividades socioeducativas, artísticas, lúdicas, culturais e socioassistenciais6. Há também a casa de passagem Elizabete de Almeida Lopes que oferece acolhimento temporário para pessoas que tenham seus direitos violados ou estejam em situação de risco social. Para compor esse quadro da área da assistência social, tem ainda o Serviço Especializado de Abordagem (SEA) de rua; este atua nos pontos da cidade onde se encontra a população em situação de rua por meio de abordagem, informando sobre os serviços socioassistenciais que são oferecidos a esta população, além de fazer articulação com outros serviços da rede com o intuito de suprir as demandas imediatas identificadas pela equipe de abordagem. Todos esses serviços socioassistenciais estão inseridos na modalidade da PSE, definida pela PNAS que compõe o SUAS: A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medida socioeducativa, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (BRASIL, 2004). 5 A partir de 2013 foi alterada sua configuração para Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SETRA), pela atual gestão municipal. 6 Todas as informações referentes aos equipamentos socioassistenciais coordenados pela SETRA foram retirados do site: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/servicos/cidadao/assistencia-socialsemas/populacao-em-situacao-de-rua>. Acesso em: 08 jan. 2014. 56 Portanto, a PSE contempla aqueles cidadãos e cidadãs que tiveram os vínculos familiares interrompidos ou estão fragilizados, como é o caso da população em situação de rua. Atualmente, os serviços socioassistenciais que compõem a rede outrora mencionada, destinados a população em situação de Rua em Fortaleza, são compostos por dois Centropop, pela casa de passagem Elizabete de Almeida Mota e pelo SEA, além de ações pontuais como o consultório de rua e o aluguel social. Paralelamente a essa construção de políticas públicas como direito constitucional, vê-se também uma forte atuação da sociedade civil por meio do terceiro setor e da filantropia. Historicamente, a sociedade civil se “compadeceu” em ajudar, por meio de ações caritativas e assistencialistas, as classes pauperizadas, e entre estas, está à população em situação de rua. Em Fortaleza são inúmeras as instituições que desenvolvem algum trabalho assistencialista e caritativo junto a esta população, e aqui destacamos ações de algumas delas. Compõem esse quadro o Refeitório São Vicente de Paulo, o Albergue Shalom de Promoção Humana, a Pastoral do Povo da Rua, o Grupo Espírita com a Casa da Sopa, a Toca de Assis masculina e feminina, dentre outros. O refeitório São Vicente de Paulo tem como principais objetivos: [...] estimular o resgate de sua cidadania. Além da evangelização, são oferecidos: higienização – os frequentadores podem tomar banho no local, um lanche, formação profissional, incentivo para retornar à família, alfabetização, assistência médica com os voluntários da Sociedade Médica São Lucas, e almoço (AGÊNCIA DA BOA NOTÍCIA, 2012). O Albergue Shalom tem como principais atividades encontros de formação humana e espiritual, acompanhamento pessoal, atividades ocupacionais, grupo de oração, grupo dos doze passos, grupo de recaídas e grupo de recitação do terço. Preocupa-se ainda com a reinserção no mercado de trabalho. Para isso, são feitas parcerias com a Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) e com instituições particulares, a fim de oferecer cursos de capacitação por meio de oficinas profissionalizantes (AMOR FILIAL, 2013). Outra instituição que também oferece este tipo de assistência à população em situação de rua é a Pastoral do Povo da Rua, vinculada a Arquidiocese de Fortaleza. Seu principal objetivo é a promoção humana destas 57 pessoas por meio de orientação sociojurídica, encaminhamento para retirada de documentação oficial, bem como encontros para discutir políticas públicas; oficinas de música, exibição de filmes seguido de debate. Também são ofertados retiros espirituais, celebração eucarística e passeios (FÉLIX, 2009). A pastoral também trabalha em articulação com o Movimento Nacional da População em Situação de Rua, com o Centro de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua, bem como a outros órgãos a nível nacional e local, que atuam na construção, execução e monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Percebemos neste cenário, a atuação do terceiro setor, com a concessão do Estado quando delega à sociedade civil a execução de serviços que, em tese, seriam de sua responsabilidade. Assim, esta relação entre Estado e terceiro setor pode ser compreendida, segundo Montaño (1999, p. 27): A parceria entre Estado e o „terceiro setor‟ tem a clara função ideológica de encobrir o fundo, a essência do fenômeno, ser parte da estratégia de reestruturação do capital, a fetichezá-lo em „transferência‟, levando a população a um enfrentamento/aceitação deste processo dentro dos níveis de conflitividade institucional aceitáveis para a manutenção do sistema, e ainda mais, para manutenção da atual estratégia do capital e seu projeto hegemônico: o neoliberalismo. O estado no contexto neoliberal se configura como mínimo e a serviço das classes dominantes. Faleiros (2000, p. 27) assinala a configuração do Estado nestes termos: O estado, ao aparecer como consensual, vem esvaziar as lutas de classes e controlar os movimentos sociais, concedendo certos mínimos históricos exigidos pelas classes subalternas depois de muita pressão por parte destas últimas, o que mostra seu compromisso com as classes dominantes. Mencionamos como exemplo deste quadro o cenário de Fortaleza, onde há o início de uma estrutura socioassistencial e os serviços ainda são insuficientes para atender a demanda da população em situação de rua, mostrando, assim, a ausência de políticas públicas que possam atingir toda esta população. Mesmo já tendo uma moldura desta política no município de Fortaleza, muito ainda falta ser concretizado que esteja consonante com os princípios e diretrizes da PNPSR. Elencamos alguns desafios que se apresentam para a abrangência desse leque de direitos. 58 A dimensão do trabalho articulado por meio da intersetorialidade das políticas públicas, como preconiza o artigo 10º da Lei 7.053/2009. A dificuldade de acompanhamento e monitoramento de concretização da política nacional como instituída nos marcos legais. E por último, o desconhecimento da sociedade como um todo da política nacional e também da própria população em situação de rua. Podemos constatar que para sua concretização, é fundamental que este público conheça e se aprofunde, por meio de formação, a respeito do que preconiza os marcos legais da política nacional, sendo de caráter dos entes que aderirem à política, tendo a responsabilidade de dar “sugestões” para o aperfeiçoamento e melhoria das políticas sociais voltadas para esse segmento. Paralelo a isso, assim falam os sujeitos da pesquisa sobre a concretização e a divulgação desta referida política: Falta muita coisa pra chegar até nós, mais trabalho de conscientização da Prefeitura, pra gente poder entender melhor essas políticas. Como te falei, é a questão da desorganização dos cargos públicos, da Prefeitura que não funciona (PEDRO I, 38 anos). Diante desse quadro, no contexto de Fortaleza verificamos que ao mesmo tempo em que houve um avanço na concretização das políticas públicas direcionadas à população em situação de rua, avançou também o número de instituições ligadas ao terceiro setor por meio de instituições religiosas. Essa realidade se comprova Na configuração do Estado mínimo no tocante às políticas sociais no contexto neoliberal. Dito de outra forma acontece uma contrarreforma quanto ao papel do Estado em relação ao financiamento e execução das políticas sociais, como afirma Behring (2008, p. 31), “é a reforma do Estado orientada para o mercado [...] tendo em vista ampliar/assegurar a rentabilidade do capital”. Nesse sentido, visualizamos que o Estado se preocupa mais em investir nas áreas econômicas (no mercado) do que nas políticas sociais direcionadas aos que estão em situação de extrema pobreza. Enfatizando sua postura, mencionamos 59 a fala dos sujeitos da pesquisa relacionadas ao tratamento do Estado segundo a visão dos usuários: Eu acho que o Estado vê a gente como as últimas pessoas do mundo que não merece sabe o quê? Um cuidado de pessoa mais humana, sempre vê a gente como bicho, não sei [...]. Que a gente tá ali porque quer, porque quer ser vagabundo [...] (GUILHERME ROCHA, 35 anos). A partir deste depoimento, percebe-se certa ausência do Estado no que se refere a um olhar mais humanizado direcionado as políticas públicas, que possam contribuir para a superação de extrema pobreza da população em situação de rua. Contudo, sabemos que a organização política é fundamental para reivindicar direitos que já estão estabelecidos constitucionalmente e que devem ser concretizados. Em nossas análises, pudemos verificar que o acesso às políticas públicas nem sempre oportunizam a superação da situação de rua. Contudo, em alguns casos, estas pessoas conseguem emergir dessa situação com o apoio de entidades ligadas ao terceiro setor ou com apoio da própria família. A efetivação das políticas públicas, se não passar pelo conhecimento das condições socioeconômicas dos usuários, serão meramente ações paliativas que apenas reproduzem um ciclo de tutela estatal e dependência dos “mínimos sociais” aos usuários. Portanto, faz-se necessário a realização de pesquisas comprometidas em conhecer e valorizar as singularidades dos sujeitos de direitos, neste caso, a população em situação de rua, bem como a capacitação permanente de profissionais que tenham compromisso ético com os princípios do que estabelece os marcos legais das políticas de assistência social, como direito de todos e dever do Estado. Enfatiza-se que é necessária uma articulação tanto do poder público, como da sociedade civil, com o intuito de sanar as contradições que outrora se apresentam na concretização da Política Nacional para a População em Situação de Rua. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer desta breve análise e pesquisa do tema a que nos propomos, consideramos alguns pontos e achados durante o percurso percorrido que descrevemos. Ao adentrarmos no estudo do tema por meio da literatura referente à formação do fenômeno denominado população em situação de rua, identificamos que este se constitui como uma expressão da questão social inerente ao desenvolvimento do sistema capitalista em sua fase industrial. Podemos conhecer com mais detalhes os fatores condicionantes que lhes levam às ruas, os aspectos socioeconômicos, culturais e sociais que contribuíram para que estes indivíduos fossem viver “no meio da rua” ou utilizar-se deste espaço para retirar seu sustento, e, assim, nos dar elementos para conhecer e entender a conjuntura social que historicamente estes estão vivendo. Dessa forma, nos permitiu sair do senso comum, das conclusões equivocadas ao que se refere à população em situação de rua, pois se conhecemos detalhadamente a sua formação sócio-histórica, teremos elementos suficientes que nos permitirá travar uma discussão mais madura e que se aproxime da realidade dos sujeitos da pesquisa, bem como na busca de efetivação de políticas públicas que transformem esta realidade, considerando-os sujeitos de sua história e de direitos. A história nos mostra que a conquista no marco legal das políticas públicas não significa imediatamente a sua concretização. Contudo, é necessária a luta coletiva organizada dos sujeitos sociais para que esta venha a ser efetivada e não se torne letra morta nas instâncias estatais de caráter público. Essa efetivação das políticas públicas não acontece somente por iniciativas dos gestores governamentais. No entanto, é fruto da luta coletiva da população em situação de rua por meio de sua organização política e de movimentos sociais que militam junto a esse público, com o intuito de que seus direitos sejam garantidos na prática. Foi possível perceber que a população em situação de rua tem sua própria cultura, ou seja, seu modo específico de viver e de se relacionar. Um dos objetivos da pesquisa era identificar quais as políticas públicas existentes em Fortaleza direcionadas à população em situação de rua, bem como 61 saber o que estes sujeitos entendem sobre as políticas públicas. Para isso, realizamos a pesquisa bibliográfica e documental e, posteriormente, a pesquisa de campo, para dessa forma, alcançar os objetivos propostos. Outro objetivo era levantar um perfil socioeconômico dos sujeitos entrevistados. Frisamos que todos os objetivos da pesquisa foram alcançados, abrindo, assim, caminhos para futuras pesquisas sobre esta temática. A partir das informações coletadas por meio das entrevistas semiestruturadas e ao analisarmos a fala dos sujeitos da pesquisa, pudemos perceber que, embora já havendo uma rede de equipamentos que executam políticas públicas em consonância ao que estabelece a política PNPSR, direcionadas a estas pessoas, o serviço ofertado não atende a grande demanda que cresce a cada dia. Identificamos que boa parte dos entrevistados nesta pesquisa, total ou parcialmente, desconhece a existência da política nacional e, ao menos frequentaram ou frequentam os equipamentos que executam a política em Fortaleza. De acordo com a Política Nacional para Inclusão Social das Pessoas em Situação de Rua e com o que ela preconiza que esta deve ser implementada por meio de adesão dos três entes federados (União, Estado e Município). Isso mostra que no Estado do Ceará não existe política para a população em situação de rua, materializada por parte dos três entes federados, no caso do estado do Ceará, essa política é inexistente. Em Fortaleza, somente o Município vem executando parte desta política, e surgiu na gestão passada da antiga Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) que foi extinta em 2013, sendo criada a Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome e a Assistência Social (SETRAS), que continua com alguns serviços. Atualmente, a rede é composta por dois CentrosPop, a Casa de passagem e o atendimento de abordagem de rua. Em relação ao levantamento realizado em 2013 pela SETRA, constatou-se que, atualmente, vivem nas ruas de Fortaleza mais de 4.500 pessoas, enquanto os equipamentos somente abrigam 140 pessoas, ou seja, tal oferta não responde a crescente demanda. Atualmente, o Estado vem investindo mais em áreas que são rentáveis economicamente para o capital, portanto, os recursos destinados a assistência social são mínimos, sendo insuficientes para atender a demanda dos usuários. Assistimos em Fortaleza o investimento por parte do Estado em grandes obras 62 específicas para o mega evento que é aguardado com grande euforia, a Copa do Mundo de Futebol, tendo esta cidade como subsede, e dessa forma, a atenção das políticas públicas são deixadas para último plano. Sabemos que não é nenhum favor ou benesse do Estado garantir a prática destes direitos historicamente negados a esta população, mas é antes um dever, como preconiza a Carta Magna de 1988, no que se refere à garantia e efetivação dos direitos sociais. Nesse sentido, podemos perceber que a cidade de Fortaleza anda muito distante no que diz e preconiza a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Podemos constatar que não se estrutura política para a população em situação de rua só em uma secretaria, falta compromisso por parte das demais secretarias na implementação de políticas públicas para esse segmento. Podemos concluir a partir das falas dos entrevistados, que há aqueles que estão em situação de rua, e assim se declaram, e outros que se consideram moradores de rua. Dessa forma, percebemos a relação da teoria com a prática que escrevemos anteriormente neste trabalho. Contudo, afirmamos que o tempo de apenas cinco meses para a elaboração da pesquisa foi pouco para amadurecer o pensamento referente a alguns conceitos aplicados a partir de autores que tratam deste tema. Consideramos que este trabalho foi, apenas, uma parte do que posteriormente pode ser aprofundado, analisando-se outros fatores referentes a esta crescente população em situação de rua. 63 REFERÊNCIAS AGÊNCIA DA BOA NOTÍCIA. Refeitório São Vicente de Paulo, no Benfica, distribui pão e amor ao próximo. 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Ou está em situação de rua? 3) Como é a vivência na rua? Há dificuldades? 3. Sobre as Políticas Públicas 1) Você conhece a Política Nacional para População em Situação de Rua? 2) O que são políticas públicas para você?(Ex: saúde, habitação, educação). Quais você acessa? 68 3) Você frequenta algum espaço de instituições públicas, para a população em situação de rua em Fortaleza? Quais? 4) Os serviços ofertados atendem as necessidades da população de rua? Por quê? 5) Você recebe algum benefício do governo? Quais? 4. Questão Social 1) Como o Estado lhe vê? Qual o tratamento dado à população em situação de rua? 2) Como a sociedade lhe vê? E como lhe trata? 3) Como você percebe as políticas públicas oferecidas pelo município de Fortaleza? 69 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Convidamos o (a) Sr (a) para participar da Pesquisa “Pessoas em situação de rua: a ótica do usuário sobre as políticas publicas”, sob execução dos (as) pesquisador (as) Maria Elaene Rodrigues Alves e Alfredo Monteiro de Sousa (responsável) e (participante), a qual pretende identificar o que pensam os moradores de rua acolhidos pela Casa do Povo da Rua Dom Luciano Mendes, sobre as políticas públicas voltadas para esse seguimento em Fortaleza. Sua participação é voluntária e se dará por meio de entrevista, que consiste em respostas as perguntas apresentadas ao Sr(a). Pelo pesquisador. A entrevista será realizada Na casa do povo da Rua Dom Luciano Mendes, com duração aproximada de 30 dias, no dia previamente marcado, de acordo com a sua disponibilidade. Os depoimentos desta entrevista serão gravados com seu consentimento. Não há riscos decorrentes da sua participação e o(a) Sr.(a) possui a liberdade de retirar sua permissão a qualquer momento, seja antes ou depois da coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa e nem ao seu atendimento ou trabalho na Instituição. Se o (a) Sr (a) aceitar participar, estará contribuindo para análise de como as pessoas em situação de rua percebem o acesso, garantia e concretização dos direitos sociais e se estes atendem as suas necessidades. Ressaltamos que tem o direito de ser mantido (a) atualizado (a) sobre os resultados parciais da pesquisa. Esclarecemos que, ao concluir a pesquisa, serão comunicado os resultados finais. Não há despesas pessoais para o (a) participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será paga pelo orçamento da pesquisa. Os pesquisadores assumem o compromisso de utilizar os dados somente para esta pesquisa. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo. Em qualquer etapa do estudo, poderá contatar os pesquisadores para o esclarecimento de dúvidas ou para retirar o consentimento de utilização dos dados coletados com a entrevista: Maria Elaene Rodrigues Alves, fone: número; e Alfredo Monteiro de Sousa, pelo fone: 3225-0641. 70 Caso tenha alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, também pode entrar em contato com cite qual a Instituição endereço e o e-mail. Faculdade Cearense Localizada na Avenida João Pessoa, nº3884. Bairro: Damas Cep: 60425-682 Fone: 3201-7000 Consentimento Pós–Informação Eu,___________________________________________________________,fui informado sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar do projeto, sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Este documento é emitido em duas vias que serão ambas assinadas por mim e pelo pesquisador, ficando uma via com cada um de nós. ________________________________________ Assinatura do Participante ________________________________________ Assinatura do Pesquisador Responsável Data: ___/ ___/ ____