Migração, ocupação do território e urbanização no Centro

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Migração, ocupação do território e urbanização no Centro-Oeste e em Goiás
Luís Tôrres Barros
Em minha apresentação, procederei, em linhas gerais, a uma reconstrução histórica da dinâmica migratória
envolvida no processo recente de ocupação do território e urbanização da região Centro-Oeste e, em particular, do
estado de Goiás.
Inicialmente, desenvolve-se uma breve discussão com respeito ao padrão bipolar de redistribuição
populacional que, segundo Martine (1994), marcou a sociedade brasileira nos cinqüenta anos compreendidos entre as
décadas de 1930 e 1980, sendo composto, de um lado, pela migração rural-urbana dirigida aos núcleos dinâmicos da
economia urbano-industrial em expansão (Sudeste, sobretudo) e, de outro, pela migração rural-rural rumo à grande
fronteira do país (Centro-Oeste e Amazônia).
Procuram-se deixar claras as conexões que prendem ambos os movimentos migratórios referidos, em especial
o segundo, de especial interesse para a apresentação, à dinâmica espacial do desenvolvimento capitalista brasileiro
durante o século XX. Assim, à luz do processo de expansão do mercado interno no Brasil, demonstra-se, com base nas
formulações de Sawyer (1984), que a fronteira, durante um primeiro período, correspondente à fase de substituição de
importações, representou um espaço que, se abarcado pelo mercado de consumo e de produtos primários, praticamente
não se articulou ao mercado de terras e de trabalho, restritos ainda a um perímetro menor, em outros termos e de
maneira simplificada, ao Centro-Sul.
A fronteira colocou-se, então, como um espaço social alternativo para o contingente migratório que para lá
dirigiu, espaço por onde se expandiram frentes de subsistência ou camponesas, resultando não em expropriação e
proletarização, como verificado no movimento migratório rural-urbano dirigido ao Sudeste, mas antes em apropriação
de meios de produção, especialmente a terra.
Num segundo período, correspondente à fase de desenvolvimento dependente e associado, em função da
continuidade e intensificação do processo de acumulação de capital em curso nos pólos dinâmicos da economia urbanoindustrial brasileira, torna-se possível a entrada de empresas na fronteira. Como conseqüência, o mercado de terras
expande-se até coincidir com os limites do mercado de consumo e produtos primários. O mercado de trabalho, por sua
vez, expande-se também, mas de maneira mais acanhada.
Dessa maneira, às frentes de subsistência, responsáveis pela absorção da população imigrante rural, e às frentes
de pecuária extensiva e rudimentar, herança do século XIX no Centro-Oeste, sobrepõem-se três novas frentes na
fronteira. Trata-se das frentes de agricultura comercial, de pecuária tecnificada e especulativas, que, juntas, redefinem
um espaço que até então havia se colocado como alternativa para uma população excedente que não podia ser absorvida
na faixa litorânea brasileira nem pelo campo, em função de fatores de estagnação no Nordeste e de mudança no Sul,
nem pela produção capitalista industrial do Sudeste. (Sawyer, 1984; Guimarães e Leme, 1997; Singer, 1973).
Desenvolvido um referencial analítico mínimo, parte-se para a abordagem de um dos espaços da grande
fronteira brasileira, qual seja, o Centro-Oeste, objeto primeiro da apresentação. O foco passa a recair sobre as relações
que aí se estabeleceram entre imigração, ocupação do território e urbanização. Debruça-se sobre o processo que,
envolvendo estes três fenômenos, realiza as determinações gerais discutidas anteriormente, tendo em vista tanto o
período correspondente à fase de substituição de importações quanto o referido à fase de desenvolvimento associado e
dependente, quando ocorre a moderna incorporação produtiva da região (frentes de agricultura comercial e de pecuária
tecnificada) e avançam sobre ela frentes especulativas.
Inicia-se a reconstrução histórica, assim, com a abordagem do projeto federal de interiorização do Governo
Vargas, conhecido como “marcha para o oeste”, e de um de seus marcos mais significativos, qual seja, a construção de
Goiânia, além dos projetos de colonização de Ceres, em Goiás, e de Dourados, no Mato Grosso do Sul.
Prosseguindo, demonstra-se como o projeto em tela ganha sobrevida durante a década de 1950, em especial,
com o Governo JK, quando, em decorrência dos vultosos investimentos em infra-estrutura de transportes, energia e
comunicações e da construção de Brasília, ápice da diretriz interiorizante, diminuem sensivelmente os impedimentos até
então existentes para uma moderna incorporação produtiva da fronteira centroestina.
A partir do final da década de 1960/ início da década de 1970, inaugura-se a modernização agropecuária no
Centro-Oeste, que conta com apoio decisivo dos incentivos governamentais. Tal processo evolui de forma desigual no
espaço da região: primeiro na sua porção sul – Goiás e Mato Grosso do Sul, depois na sua porção norte – Tocantins e
Mato Grosso. Desestabilizam-se, assim, as formas prévias de ocupação, que se constituíram a partir das citadas frentes
camponesas, havendo reorientação significativa dos fluxos migratórios, que se destinam para áreas ainda não
consolidadas da fronteira, mais distantes, bem como, em função do rápido esvaziamento da população rural, para as
capitais e demais centros urbanos emergentes.
Ao fim, desenvolvem-se considerações sobre o caso particular de Goiás, um dos estados do espaço
centroestino. Debruça-se sobre as realidades de suas duas aglomerações urbanas – a Região Metropolitana de Goiânia e
o Entorno de Brasília, procurando compreendê-las à luz do processo maior de transformações ocorridas na região como
um todo. Ao mesmo tempo, demonstra-se que este estado, diferentemente dos outros do Centro-Oeste, ainda se constitui
como área de absorção migratória, em função, principalmente, das trocas populacionais com o Distrito Federal, que
expande sua periferia rumo aos municípios goianos vizinhos. Ademais, demonstra-se que Goiás, mais do que Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, marca-se por significativa movimentação populacional intra-estadual, tendo a
aglomeração urbana de Goiânia como a grande receptora dos fluxos e as microrregiões de Anápolis, Porangatu, MeiaPonte e Sudoeste de Goiás como áreas de circulação migratória.
Referências bibliográficas utilizadas para o resumo:
SAWYER, D. R. Fluxo e refluxo da fronteira agrícola no Brasil: ensaio de interpretação estrutural e espacial. Revista
Brasileira de Estudos de População, São Paulo, ABEP, v.1, n.1/2, p.3-33, jan./dez.1984.
MARTINE, G. Estado, economia e mobilidade geográfica: retrospectiva e perspectivas para o fim do século. Revista
Brasileira de Estudos de População, Campinas, ABEP, v.11, n.1/p.41-60, 1994.
GUIMARÃES, E. N.; LEME, H. J. de C. Caracterização histórica e configuração espacial da estrutura produtiva do
Centro-Oeste. Textos NEPO 33, Campinas, NEPO-UNICAMP, 1997.
SINGER, Paul. Migrações Internas: considerações teóricas sobre seu estudo. Economia política da urbanização. São
Paulo, Brasiliense, CEBRAP/1973.
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