Untitled - marco valença

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O
MENINO
E
O
BÚZIO
era um menino
que procurava
e procurava e procurava
e sempre achava
uma saída
ou uma entrada
pra outra charada.
se cada ida
era uma volta
para a chegada,
cada chegada
já emendava
noutra partida.
ele era inteligente
(desde antes de nascerem os dentes)
ele era muito vivo
(desde antes de perder o umbigo)
ele era muito ativo
(desde antes, um pingo de gente)
ele era diferente
(desde antes de largar o bico).
vem daí
que veio um dia
em que ele andava
andava, andava
no quintal da casa dele
que ficava lá no alto
da montanha do planalto
onde lá não tinha lago,
oceano, nem um rio
escorria por ali
no quintal da casa dele
ele ouvia um barulho
um barulho não, ruído,
um assopro feito o vento
varrendo a água do mar.
o som das águas do mar!
o som das ondas!
do mar!
mas o menino sabia
(já que era bem sabido)
que era impossível ouvir
(mesmo assim pequenininho
feito a ponta de um espinho)
que era impossível ouvir
dali
o ruído do mar.
então o que é que será?
então o que é que será?
será a televisão,
o rádio ou será que será
só um disco na vitrola,
seria uma gravação?
não é não, não e não
não e não, não é não.
será um poço brotando,
um rio subterrâneo,
será goteira sem chuva
torneira ou água da rua?
não e não, não é não
não é não, não e não.
então o que é que será?
e seja o que for, onde está?
o menino procurava
aguçando os ouvidos
onde é que é que estava
que ninguém não encontrava
este assombro escondido.
perto da pedra da grama?
dentro do oco do tronco?
preso no alto das folhas?
bem, bem no fundo do bolso?
vem desde dentro da casa?
brota daquele buraco?
e quem tá vendo uma poça?
deve estar na minha cara
debaixo do meu nariz
peraí, ouvi mais alto!
deve ser mais por ali
no cantinho desse muro
olha só, o som tá forte
cada vez mais cada vez mais passo a passo
cada passo cada vez mais um vez
mais cada mais um passo –
ACHEI!
achei!
o menino achou num canto
num cantinho de um recanto
um pequeno caracol
de onde vinha o zumbido
ruído que era do mar
e ficou meio intrigado
quando o colocou no ouvido
e soou forte e bonito
todo mar, todos os mares
que poderiam soar.
foi então que ele notou
que aquela em sua mão
não era ela só de caracol
e, sim senhor, uma concha
de búzio
feito as lá do litoral.
mas como é que pode esse búzio
mesmo ele sendo marinho
guardar por dentro tão vivo
o som salgado do mar?
eu queria ser mindinho
pra poder entrar na concha
e descobrir o encoberto.
eu ia bem devagar
subindo pela espiral
ia indo pelo túnel
feito escada caracol
e ficando cada vez
mais pequeno, menorzinho
na medida que a concha
fosse ficando estreita
até chegar lá no fim.
oh parece que eu tô vendo
o final do caminho do búzio
tô chegando e tô ouvindo
ainda o ruído do mar,
mais uma volta e quem sabe?...
mas que tremenda zoada
e aqui não vejo é nada
não tem nem um pingo d'água
só um vento se batendo
de um lado pra outro
querendo, querendo sair
e ele faz tanto barulho
que eu acho que eu é que vou
me embora logo daqui.
o vento se agita tanto
que tá me despenteando
o vento faz tanta zoeira
que tá me deixando surdo.
eu vou é saindo correndo
e aos poucos vou crescendo...
ei, tô de novo ouvindo
aquele ruído do mar!
ei, não é mar não
é só o vento
que entrou e ficou preso
lá dentro
imitando o som de quando
era vento livre e manso
brisa leve alisando o oceano
criando as ondas
raspando as pedras
levando os barcos...
ou será que foi a concha
que, com saudade do mar,
perdida aqui na montanha
prendeu por dentro o vento
pra lembrar do seu lugar?
e quem será que trouxe
que trouxe esse búzio praquí?
será que quem foi que trouxe
tinha saudade do mar
e trouxe a concha pra cá
pra ela, prendendo o vento,
e o vento se debatendo
fizesse o ruído do mar?
ou será que tinha um bicho
que morava lá no búzio
e a concha e o vento
resolveram em segredo
fazer o bicho lembrar
o ruído lá do mar?
ou será que.......(rhrh roooooonco rhrhrh...)
o menino adormeceu
com o búzio no ouvido
pensando no vento, no mar,
nos búzios, nos bichos das conchas,
nas pedras, na areia, nas ondas...
o menino procurava,
procurava e procurava
mais respostas
enquanto sonhava.
mas ele, no fundo, bem sabe:
quem faz o ruído da concha
não é o mar nem o vento
nem qualquer outro elemento
nem nada que ali se esconda.
quem faz o ruído do mar
é quem sonha,
é quem sonha!
marco valença.
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