O MENINO E O BÚZIO era um menino que procurava e procurava e procurava e sempre achava uma saída ou uma entrada pra outra charada. se cada ida era uma volta para a chegada, cada chegada já emendava noutra partida. ele era inteligente (desde antes de nascerem os dentes) ele era muito vivo (desde antes de perder o umbigo) ele era muito ativo (desde antes, um pingo de gente) ele era diferente (desde antes de largar o bico). vem daí que veio um dia em que ele andava andava, andava no quintal da casa dele que ficava lá no alto da montanha do planalto onde lá não tinha lago, oceano, nem um rio escorria por ali no quintal da casa dele ele ouvia um barulho um barulho não, ruído, um assopro feito o vento varrendo a água do mar. o som das águas do mar! o som das ondas! do mar! mas o menino sabia (já que era bem sabido) que era impossível ouvir (mesmo assim pequenininho feito a ponta de um espinho) que era impossível ouvir dali o ruído do mar. então o que é que será? então o que é que será? será a televisão, o rádio ou será que será só um disco na vitrola, seria uma gravação? não é não, não e não não e não, não é não. será um poço brotando, um rio subterrâneo, será goteira sem chuva torneira ou água da rua? não e não, não é não não é não, não e não. então o que é que será? e seja o que for, onde está? o menino procurava aguçando os ouvidos onde é que é que estava que ninguém não encontrava este assombro escondido. perto da pedra da grama? dentro do oco do tronco? preso no alto das folhas? bem, bem no fundo do bolso? vem desde dentro da casa? brota daquele buraco? e quem tá vendo uma poça? deve estar na minha cara debaixo do meu nariz peraí, ouvi mais alto! deve ser mais por ali no cantinho desse muro olha só, o som tá forte cada vez mais cada vez mais passo a passo cada passo cada vez mais um vez mais cada mais um passo – ACHEI! achei! o menino achou num canto num cantinho de um recanto um pequeno caracol de onde vinha o zumbido ruído que era do mar e ficou meio intrigado quando o colocou no ouvido e soou forte e bonito todo mar, todos os mares que poderiam soar. foi então que ele notou que aquela em sua mão não era ela só de caracol e, sim senhor, uma concha de búzio feito as lá do litoral. mas como é que pode esse búzio mesmo ele sendo marinho guardar por dentro tão vivo o som salgado do mar? eu queria ser mindinho pra poder entrar na concha e descobrir o encoberto. eu ia bem devagar subindo pela espiral ia indo pelo túnel feito escada caracol e ficando cada vez mais pequeno, menorzinho na medida que a concha fosse ficando estreita até chegar lá no fim. oh parece que eu tô vendo o final do caminho do búzio tô chegando e tô ouvindo ainda o ruído do mar, mais uma volta e quem sabe?... mas que tremenda zoada e aqui não vejo é nada não tem nem um pingo d'água só um vento se batendo de um lado pra outro querendo, querendo sair e ele faz tanto barulho que eu acho que eu é que vou me embora logo daqui. o vento se agita tanto que tá me despenteando o vento faz tanta zoeira que tá me deixando surdo. eu vou é saindo correndo e aos poucos vou crescendo... ei, tô de novo ouvindo aquele ruído do mar! ei, não é mar não é só o vento que entrou e ficou preso lá dentro imitando o som de quando era vento livre e manso brisa leve alisando o oceano criando as ondas raspando as pedras levando os barcos... ou será que foi a concha que, com saudade do mar, perdida aqui na montanha prendeu por dentro o vento pra lembrar do seu lugar? e quem será que trouxe que trouxe esse búzio praquí? será que quem foi que trouxe tinha saudade do mar e trouxe a concha pra cá pra ela, prendendo o vento, e o vento se debatendo fizesse o ruído do mar? ou será que tinha um bicho que morava lá no búzio e a concha e o vento resolveram em segredo fazer o bicho lembrar o ruído lá do mar? ou será que.......(rhrh roooooonco rhrhrh...) o menino adormeceu com o búzio no ouvido pensando no vento, no mar, nos búzios, nos bichos das conchas, nas pedras, na areia, nas ondas... o menino procurava, procurava e procurava mais respostas enquanto sonhava. mas ele, no fundo, bem sabe: quem faz o ruído da concha não é o mar nem o vento nem qualquer outro elemento nem nada que ali se esconda. quem faz o ruído do mar é quem sonha, é quem sonha! marco valença.