estudo etnobotânico no parque estadual da serra furada

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE
CURSO DE FARMÁCIA
VANESSA DARÓS DE LUCA
ESTUDO ETNOBOTÂNICO NO PARQUE ESTADUAL DA SERRA FURADASC
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2010.
2
VANESSA DARÓS DE LUCA
ESTUDO ETNOBOTÂNICO NO PARQUE ESTADUAL DA SERRA FURADASC
Trabalho de conclusão de curso, apresentado para o curso
de Farmácia da Universidade do Extremo Sul Catarinense,
UNESC.
Orientadora: Profª. Drª. Patrícia de Aguiar Amaral
CRICIÚMA, NOVEMBRO DE 2010
3
VANESSA DARÓS DE LUCA
ESTUDO ETNOBOTÂNICO NO PARQUE ESTADUAL DA SERRA FURADASC
Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado pela Banca
Examinadora para obtenção do grau de Farmacêutica
Generalista do Curso de Farmácia da Universidade do
Extremo Sul Catarinense, UNESC.
CRICIÚMA, 26 DE NOVEMBRO DE 2010
BANCA EXAMINADORA
Profª Patrícia Aguiar Amaral – UNESC
Orientadora
Profª Vanilde Zanette – UNESC
Examinadora
Profª Simone Gnoato - UNESC
Examinadora
4
Estudo etnobotânico no Parque Estadual da Serra Furada-SC
Vanessa D. De Luca1, Patrícia A. Amaral2*
1
Acadêmica do Curso de Farmácia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
2
Professora do Curso de Farmácia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
1,2
UNESC, Av. Universitária n 1105, Bairro: Universitário, CEP: 88806-000, Criciúma - SC,
Brasil.
*[email protected]
RESUMO: “Estudo etnobotânico no Parque Estadual da Serra Furada-SC”. Estudos
etnobotânicos proporcionam o repasse de informações populares sobre plantas medicinais,
resgatando este conhecimento e contribuindo para a valorização da medicina popular. O
objetivo deste estudo foi realizar um levantamento etnobotânico na região do Parque
Estadual da Serra Furada/SC (PESF), uma vez que a comunidade próxima ao parque utiliza
plantas medicinais para fins terapêuticos. Foram realizadas visitas domiciliares aos
entrevistados moradores no entorno do PESF, aplicou-se um questionário/entrevista,
coletando-se o maior número de informações possíveis sobre o uso, por parte do
entrevistado, de determinada planta, para posterior identificação e coleta de informações
bibliográficas. Entrevistaram-se cinco moradores, uma amostra representativa se comparada
à quantidade de moradias presente na mesma localidade. Houve o relato de cinco
preparações utilizando plantas medicinais: um decocto com Sambucus australis Cham. &
Schltd. e Cymbopogon citratus (DC.) Stapf em conjunto; um xarope com Ruta graveolens L.;
um preparado com Croton macrobothys Baill.; um decocto com Cuphea; e uma infusão com
Plantago major L.. Foram levantadas informações sobre essas plantas em banco de dados
científico e comparadas com as informações populares. Os dados obtidos neste estudo
podem servir como suporte para elaboração de outros trabalhos etnofarmacológicos e
biológicos.
Palavras-chaves: Plantas medicinais; Mata Atlântica; Uso popular.
5
Abstract: Ethnobotanical studies provide the transmition of popular information about
medicinal plants, rescuing this knowledge and contributing to the enhancement of folk
medicine. The objective of this study was to conduct a ethnobotanical survey in the region of
PESF, since the community next to the park uses medicinal plants for therapeutic purposes.
Were conducted home visits to surrounding residents interviewed PESF, applied a
questionnaire/interview, collecting the most information possible about use of a certain plant,
for later identification and collection of bibliographic information. Interviewed five residents, a
representative sample when compared to the amount of villas present in the same location.
There were five reporting using herbal preparations: a decoct with Sambucus australis Cham.
& Schltd. and Cymbopogon citratus (DC.) Stapf together; a syrup with Ruta graveolens L.; a
prepared with Croton macrobothys Baill.; a decoct with Cuphea; and an infusion with
Plantago major L.. The information obtained through this study could serve as support for the
preparation of future etnofarmacologicals work in PESF.
Keywords: Medicinal plants; Atlantic florest; Popular usage.
INTRODUÇÃO
Na pré-história, há provas arqueológicas de que as plantas medicinais eram
empregadas regularmente pelas pessoas. Em várias culturas antigas, produtos botânicos
eram utilizados para satisfazer finalidades curativas (Halberstein, 2005). Desde épocas
distantes, os seres humanos utilizam recursos naturais para sua sobrevivência. Após a
instalação da comunidade em determinada região a utilização de plantas medicinais na
prática da medicina popular era inevitável, resultando no acúmulo de conhecimentos
empíricos sobre a ação medicinal dos vegetais (Souza, 2005).
Em geral, as comunidades passam seus conhecimentos através de informações
não registradas, trocadas por indivíduos, e tal procedimento pode proporcionar o repasse de
informações de forma equivocada ou alterada. Portanto, ao resgatar este conhecimento e
suas técnicas terapêuticas tem-se uma maneira de deixar registrado um modo de
aprendizado informal que pode vir a contribuir para uma melhor valorização da medicina
popular, e como conseqüência gerar informações sobre a saúde da comunidade local (Pilla
6
et al., 2006). Esses registros podem ainda ser utilizados no desenvolvimento de
medicamentos a base de plantas medicinais, ou servir de norte para a investigação científica
farmacológica, e ainda no desenvolvimento de novos fármacos.
As plantas utilizadas medicinalmente quase sempre têm posição predominante e
significativa no que tange as investigações etnobotânicas de uma região ou grupo étnico
(Pasa et al., 2005). A pesquisa com plantas medicinais consiste em estudo multidisciplinar e
interdisciplinar, que abrange a interpretação do conhecimento, do significado cultural e do
manejo dos usos tradicionais de elementos da flora (Guimarães, 2008). E para tanto, este
conceito define o estudo etnobotânico, que compreende o estudo das sociedades passadas
e presentes, e suas interações ecológicas, evolutivas, genéticas, simbólicas e culturais com
as plantas (Peixoto et al., 2004).
Com isso, o levantamento etnobotânico se aplica ao estudo das plantas
medicinais a partir de seu emprego por uma dada população, além de constituir um aparato
útil na elaboração de estudos farmacológicos e fitoquímicos por já estarem consagradas pelo
uso contínuo na comunidade (Amorozo, 1996, apud Vila Verde et al., 2003). Justificando-se
assim o aprofundamento deste estudo nas mais diversas regiões do Brasil, onde se faça
possível e viável o levantamento etnobotânico, identificando-se a flora abrangente utilizada
medicinalmente pela população.
Nessa perspectiva o presente trabalho será composto por um acervo de
informações sobre a medicina popular da região do Parque Estadual da Serra Furada
(PESF) de Santa Catarina (SC). O parque foi criado em 20 de junho de 1980, abrange os
municípios de Orleans e Grão-Pará, tem uma área de 1.329 hectares. Sua vegetação é
predominantemente de Floresta Atlântica, cortada por diversos córregos, apresentando um
relevo extremamente acidentado (Fatma, 2010). Tais características oferecem ao parque
grande potencial turístico.
Com o intuito de promover ações concretas através de trabalhos na comunidade
para a prevenção, promoção e recuperação da saúde, algumas pesquisas foram realizados
na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) em forma de trabalhos de conclusão
de curso, dentre eles estudou-se as plantas medicinais: Pluchea sagittalis (“quitoco”) (Borba,
2006); Adiantum capillus-veneris L. (“avenca”) (Pirola, 2006); Leonotis nepetifolia (“cordãode-frade”) (Coelho, 2007); Coronopus didymus (“mastruço”) (Santos, 2007); Bidens pilosa
(“picão-preto”) (Matos, 2009).
7
Observa-se a necessidade da continuidade desses trabalhos não só em nível
regional, mas também em todo o Brasil, uma vez que o país possui uma das floras mais ricas
do globo terrestre, servindo como fonte competitiva em relação aos outros países. Boa parte
dessa flora ainda é desconhecida quimicamente, podendo assim revelar-se novas
oportunidades de cura comprovada, bem como o uso seguro dessa vegetação pelas
populações que usufruem medicinalmente da biodiversidade brasileira (Bôas e Gadelha,
2007).
Para tanto, este trabalho propôs-se a realizar um levantamento etnobotânico na
região do PESF, uma vez que a comunidade próxima ao parque utiliza plantas medicinais
para fins terapêuticos. É fundamental o estudo destas espécies, não só para caracterização
química dos metabólitos secundários, mas também no intuito de levantar informações
seguras na utilização das mesmas, oferecendo desta forma uma resposta da academia para
a comunidade, desempenhando assim o papel pelo qual a Universidade foi idealizada.
METODOLOGIA
Este trabalho compreendeu uma pesquisa descritiva/qualitativa (Barbetta, 2004),
através de levantamento de dados sobre as plantas utilizadas na região do PESF, bem como
informações etnobotânicas das plantas medicinais utilizadas popularmente por esta
comunidade. O presente trabalho foi previamente julgado e aprovado pelo comitê de Ética e
em Pesquisa (CEP), da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), sob o número
de protocolo 186/2010.
Localização da área de estudo
A pesquisa foi realizada no entorno do PESF, situado numa região de Floresta
Atlântica, fazendo parte do município de Orleans e Grão-Pará (SC). O PESF foi escolhido
para o trabalho por ser um parque de grande extensão territorial, ainda pouco estudado, e
por este estudo compor parte de um projeto maior sobre o PESF que ainda está em
desenvolvimento (edital de grupo 135/2009/UNESC), na mesma região. A população
8
entrevistada pertence à parte territorial de entorno do parque que está compreendida dentro
do Município de Grão Pará/SC.
Coleta e processamento de dados
No primeiro momento buscou-se conhecer o líder da comunidade, o atual prefeito,
juntamente com a secretária de turismo, que então indicaram as famílias que residem no
entorno do PESF, seguindo o método bola de neve, onde um morador amplamente
conhecido pela comunidade é o contato inicial, e o mesmo vem a apresentar ao pesquisador
a outros informantes locais que se disponibilizaram a realizar a entrevista, e assim um
entrevistado indica o outro sucessivamente (Bailey, 1994). Após apresentadas às famílias,
retornou-se em outras datas à localidade para aplicação do questionário/entrevista, com
perguntas abertas e fechadas. Participaram da pesquisa os moradores que estavam em suas
residências no momento da entrevista e que aceitaram colaborar de acordo com o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido do Participante (TCLE) (Resolução nº 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde).
Portanto se o objetivo específico foi avaliar o mais rápido e eficientemente
possível a utilização de espécies, para fins medicinais, e tratando-se de uma comunidade
que não possui muitas famílias, foi importante selecionar os informantes mais habilitados
neste tipo de conhecimento, para que a pesquisa pudesse realmente demonstrar a realidade
etnobotânica do PESF, contando com entrevistados que possuem conhecimento sobre os
aspectos que envolvem a pesquisa.
O questionário foi respondido no momento da entrevista, logo após a assinatura
do termo (TCLE) por parte do entrevistado, contendo dados pessoais e sobre a planta, desde
o cultivo até a forma de uso e indicação.
Deste modo foram entrevistados cinco moradores, que representaram cinco
famílias da região no entorno do PESF, e com os resultados obtidos da aplicação do
questionário/entrevista, os dados foram organizados em formato de texto, bem como em
tabela analisada e comentada com base nas informações compiladas e em literaturas com
informações científicas. Tais informações científicas foram encontradas em sites de buscas
de artigos publicados sobre o assunto, sendo eles o SciELO, PubMed e ScienceDirect, além
do acervo bibliográfico pertencente à biblioteca da UNESC.
9
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em pleno século XXI, percebe-se que a urbanização das cidades e a migração da
população rural para a área urbana, que já vem ocorrendo há tempos, levam à perda do
conhecimento empírico sobre as plantas medicinais. Isso ocorre em função do
distanciamento das plantas, pois nas áreas urbanas os quintais e jardins são cada vez
menos freqüentes, ou ainda pela falta de interesse no aprendizado de suas propriedades, as
novas gerações parecem estar perdendo este conhecimento, acumulado pelos seus
antepassados (Junior, 2008).
Durante a pesquisa realizada no PESF, além das pessoas entrevistadas e que
muito contribuíram para a elaboração deste estudo, percebeu-se que hoje, naquela região já
se encontram muitas famílias que perderam o hábito de utilizar as plantas medicinais, e
como conseqüência, o conhecimento que possuíam, perdeu-se no tempo. Outro aspecto que
contribuiu para este distanciamento das plantas foi o acesso ao medicamento que
atualmente ainda é difícil, mas comparado à alguns anos anteriores esse procedimento
tornou-se mais popular.
Os moradores
Das cinco famílias entrevistadas, representadas por um homem e quatro
mulheres, com idades que variaram entre 37 e 80 anos, demonstrou que a pesquisa possui
informações de mais de uma geração. Todos os entrevistados não possuíam mais do que os
primeiros anos do ensino fundamental (1ª à 4ª série), evidenciando baixa escolaridade em
comunidades rurais, onde a distância e o transporte até as escolas eram e ainda são
condições limitantes para a continuidade dos estudos.
Todos os participantes da entrevista nasceram em comunidades próximas ao
PESF, onde também constituíram família e residem atualmente. Todos são casados e
possuem um ou mais filhos.
Embora não seja grande o número de entrevistados, trata-se de uma amostra
significativa quando em comparação à quantidade de moradias situadas em todo o trajeto no
entorno do PESF, mais precisamente ao que pertence ao município de Grão-Pará (SC), local
onde foi realizada a pesquisa. A quantidade de entrevistados então passa a ter
10
representatividade no âmbito em que se engloba este estudo, que busca relatar o uso
popular de plantas medicinais das famílias pertencentes à região de entorno do PESF.
Em cada visita realizada, foi coletada uma amostra da planta citada pelo
entrevistado. Posteriormente esse exemplar botânico foi encaminhado ao Herbário Pe. Dr.
Raulino Reitz (CRI) da UNESC, onde foram identificados e conhecidos os nomes científicos,
para realização da busca bibliográfica.
As visitas
O primeiro morador visitado foi bastante acolhedor e explicou como fazia o uso do
Sambucus australis (Sabugueiro), em combinação com outra erva Cymbopogon citratus
(Cana-cidreira). Este morador relatou que conhecia as plantas e que as adquiria no próprio
quintal de casa, sem maiores cuidados com o cultivo. Com a junção das duas plantas o
morador prepara um “punhado/por planta das folhas frescas em cerca de 1L de água em
uma caneca esmaltada”, recipiente utilizado para o preparo do decocto. O preparo é
realizado a 100 ºC, por cerca de 15 minutos, sendo que a posologia para um adulto seria de
3 xícaras, e para criança a metade, quando houvesse os sintomas de friagem ou resfriado.
Não foram encontrados estudos que apresentassem a ação conjunta das duas plantas. No
entanto já é constatada a ação de Sambucus australis para combater os sintomas descritos
pelo entrevistado, além de sarampo, catapora, infecção (Gomes et al., 2001), sinusite, tosse,
problemas respiratórios, ação antiinflamatória, diurética, anti-séptica e cicatrizante (Ferreira
et al., 2005, apud, Clemes et al., 2008). Além de relatos que a planta é aplicada para tratar
inflamação, queimaduras, dores e doenças reumáticas (Guarrera et al., 2005). Não foram
encontrados relatos científicos que indicassem o poder de Cymbopogon citratus contra
friagem ou resfriado, no entanto alguns estudos laboratoriais indicam atividade antidiarréica
(Tangpu e Yadav, 2006), anti-hipertensiva (Singi et al., 2005; Moreira et al., 2010),
anticonvulsivante (Silva et al., 2010), antiinflamatória (Tiwari et al., 2010), além de alguns
estudos mais recentes indicarem que preparações da planta agem contra o vetor da malária
(Karunamoorthi e Ilango, 2010) e leishmania (Santin et al., 2009).
No mesmo dia, a segunda pessoa a ser entrevistada, respondeu ao
questionário/entrevista, relatando que conhecia e que já tinha feito tanto o uso, quanto o
preparo da Ruta graveolens (Arruda) para mulheres que apresentam “recaída” após o parto.
11
Segundo o relato, faz-se um xarope, com um “punhado das folhas da planta ainda verde, um
copo de cachaça e uma colher de açúcar”. Coloca-se fogo sob o preparado, quando o fogo
consumir todo o álcool e apagar, filtra-se o conteúdo e então se ingere ainda quente, de
preferência à noite antes de dormir, como dose única. Associações de Ruta graveolens com
a sua indicação nesta pesquisa não foram encontradas em literatura científica, no entanto,
em um estudo in vitro, há relatos da ação antineoplásica desta planta contra algumas
linhagens celulares (Varamini et al., 2009), além de um potencial efeito antiarrítmico no
tratamento de taquicardia ventricular aguda in vivo (Khori et al., 2008).
Em outra data, visitou-se uma senhora agricultora que apresentou no
questionário/entrevista o seu conhecimento sobre a planta Croton macrobothys (Sangue-dedraco), utilizada para dores gengivais. Utilizando-se do látex cor-de-sangue proveniente do
caule da árvore, junto com vinho ou cerveja preta, é então preparado um líquido para
massagear a gengiva. Esse procedimento deve ser feito uma vez por dia com uma colher do
preparado, durante três dias. A entrevistada descreveu que já havia realizado tal prática,
depois de ter extraído praticamente todos os dentes da boca, e ainda assim não obteve
resultados satisfatórios, suas dores na gengiva persistiam, apenas depois de utilizar a
preparação citada suas dores cessaram. Poucos foram os dados encontrados em literatura
científica sobre a espécie citada, portanto as atividades aqui mencionadas são referentes ao
gênero Croton, cujo uso popular contra câncer, problemas digestivos, diabetes, feridas
externas, febre, inflamação, malária e dores (Salatino et al., 2007), além de estudos
científicos relatando atividade antioxidante (Morais et al., 2006), analgésica e antipirética
(Okokon e Nwafor, 2010).
Numa próxima visita, entrevistou-se uma senhora também agricultora relatando
sua experiência no uso da planta do gênero Cuphea (Sete-Sangria), como agente antihipertensivo. Com um punhado da planta (utilizam-se todas as partes) e uma xícara de água,
faz-se a preparação de um decocto, o qual deve ser tomado na dosagem de uma xícara, três
vezes ao dia. A dificuldade de identificar a espécie desse gênero, aliada à amostra coletada
para a identificação, não possibilitou a correta identificação botânica em nível específico,
dificultando o levantamento bibliográfico. Portanto a busca foi realizada com base no gênero
Cuphea. Alguns dados sobre este gênero foram encontrados em literatura científica, tais
como: atividade antidiarreica (Calzada, 2005), antitumoral (Avila et al., 2004) e antioxidante
(Schuldt et al., 2004), todos testes in vitro. Mencionam-se ainda, sobre este gênero algumas
12
indicações como: aterosclerose, hipertensão arterial, palpitações do coração, doenças
venéreas, reumatismo, afecções da pele e febres intermitentes (Teske e Trentini, 1997).
Na última visita realizada, a entrevistada apresentou no questionário/entrevista
seu conhecimento sobre a utilização de Plantago major (Tansagem). Ela que também é
agricultora, explicou que utiliza a planta no combate à febre, através da preparação de um
infuso com quatro folhas da planta e um copo de água. A posologia não foi determinada, pois
dependendo do caso, o infuso é administrado até cessar a febre. Em estudos realizados
relatam a ação contra o estado febril pela planta, além de aliviar dores, ser purgativa e
cicatrizante (Samuelsen, 2000; Mota et al., 2008). A atividade antiestafilocócica (Freitas et
al., 2002) e antifúngica (Pargas et al., 1996) para esta espécie também é mencionada.
Os levantados na entrevista, juntamente com as informações obtidas na
bibliografia, são apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1: Comparação entre o uso das espécies citadas pela população do PESF e
informações em literatura científica.
Planta
Uso Popular
PESF
Sambucus
Combate
australis Cham. e sintomas de
Schltdl.
friagem ou
(Sabugueiro)
resfriado.
Cymbopogon
citratus
(DC.)
Stapf
(Cana-cidreira)
Combate
sintomas de
friagem ou
resfriado.
Uso popular literatura
Informação
de
literatura científica
Combate
sintomas
de: NE*
resfriado,
sarampo,
catapora, infecção (Gomes
et al., 2001), sinusite, tosse,
problemas
respiratórios,
ação
antiinflamatória,
diurética,
anti-séptica,
cicatrizante (Ferreira et al.,
2005, apud, Clemes et al.,
2008), tratar inflamação,
queimaduras,
dores
e
doenças
reumáticas
(Guarrera et al., 2005).
NE*
Atividade antidiarréica
(Tangpu
e
Yadav,
2006); anti-hipertensivo
(Singi et al., 2005;
Moreira et al., 2010);
anticonvulsivante (Silva
et
al.,
2010);
13
Ruta graveolens Combate
L.
recaída após o
(Arruda)
parto.
NE*
Croton
(Sangue-dedraco)
Combate dores
gengivais.
Cuphea sp.
(Sete Sangria)
Agente antihipertensiva.
Plantago major L.
(Tansagem)
Combate a
febre.
Contra câncer, problemas
digestivos, diabetes, feridas
externas, febre, inflamação,
malária e dores (Salatino et
al., 2007)
Contra
aterosclerose,
hipertensão
arterial,
palpitações do coração,
doenças
venéreas,
reumatismo, afecções da
pele e febres intermitentes
(Teske e Trentini, 1997).
Alivio da febre, dores,
purgativa,
cicatrizante
(Samuelsen, 2000; Mota et
al., 2008).
antiinflamatório (Tiwari
et al., 2010).
Ação
antineoplásica
(Varamini et al., 2009);
antiarrítmica (Khori et
al., 2008).
Atividade antioxidante
(Morais et al., 2006),
analgésica e antipirética
(Okokon
e
Nwafor,
2010).
Atividade antidiarreica
(Calzada,
2005),
antitumoral (Avila et al.,
2004) e antioxidante
(Schuldt et al., 2004)
Antiestafilocócica
(Freitas et al., 2002);
antifúngica (Pargas et
al., 1996).
Legenda: NE* (não encontrado)
Dos cinco entrevistados, apenas um cultiva a planta relatada, evidenciando a
facilidade para os demais moradores de obterem suas plantas medicinais no próprio PESF,
não tendo a necessidade de cultivá-las, como se o PESF fosse o seu quintal. Outra
característica que se pode constatar na entrevista foi o modo como os entrevistados
adquiriram seus conhecimentos sobre plantas medicinais, onde a maioria deles recebeu tais
sabedorias de gerações anteriores, de seus pais e avós, sendo que apenas um dos
entrevistados relatou fazer uso de livros sobre o assunto e freqüentar palestras sobre o tema,
da pastoral da saúde de sua região.
14
CONCLUSÃO
Com a realização desta pesquisa, foi possível registrar um número significativo de
usos populares de plantas medicinais nas localidades de entorno ao PESF, revelando que os
poucos moradores detentores do conhecimento popular sobre plantas medicinais, preservam
seu saber através da prática contínua, e adquirem sua matéria-prima da própria flora do
Parque Estadual da Serra Furada (PESF).
O levantamento bibliográfico evidenciou que alguns relatos dos usos populares
são citados também na literatura científica. No entanto para outros casos não foi encontrado
referência suficiente em bibliografia, passando assim a ser mais uma oportunidade de estudo
posterior com base nos relatos obtidos. No caso das seis plantas citadas, para Cuphea sp. e
a espécie Croton macrobothys não foram encontradas informações científicas específicas,
demonstrando a importância de se dar continuidade a este trabalho.
As informações obtidas neste estudo podem servir como suporte para educação
ambiental, valorizando a biodiversidade do PESF, além de fornecer subsídios para o estudo
etnofarmacológico e investigação das atividades terapêuticas mencionadas pela população
desta região.
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