RESUMO EXPANDIDO ANPOCS Ser Xavante, morar e estudar na cidade Natália Araújo de Oliveira Introdução A presença de indígenas nas cidades é uma realidade em grandes centros urbanos e em cidades do interior. E esta presença diversas vezes é vista sob ótica da perda étnica, no qual os indígenas estes são postos como homens não evoluídos e que por isso deveriam estar na mata e lá permanecer. Todavia, o que se percebe é que os indígenas, ao migraram para as cidades buscando reconhecimento, estudo, direitos e cidadania, estão reafirmando sua identidade indígena. Este tema, indígenas no espaço urbano, já foi estudado por diferentes autores (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1968; ROMANO, 1982; LAZARIN, 1981; FÍGOLI, 1982; PENTEADO, 1980, PONTE, 2009; MELO, 2009; SOUZA, 2009, LASMAR, 2005; PALADINO, 2006), que buscaram compreender como é ser índio e morar na cidade. E, buscando dar uma contribuição neste sentido, o presente trabalho objetiva estudar o indígena da etnia Xavante residente no município de Nova Xavantina1, cidade do interior de Mato Grosso, com o intuito de compreender a identidade Xavante após a mudança para a cidade, tendo como enfoque a exploração desta temática no contexto escolar. Metodologia A fim de alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa utilizou-se da etnografia, tendo como técnica para a coleta de dados a observação participante, além de entrevistas semiestruturadas, entrevistas de grupo focal, diálogos informais e análise de documentos e registros em arquivos. A observação participante foi realizada em duas escolas estaduais de ensino regular da cidade. Resultados e discussão Inicialmente é preciso destacar que os Xavante, ao migrarem para a cidade com o objetivo de estudar, procuram obter conhecimentos acerca do “mundo dos brancos” a fim de aplicá-los em seu grupo. Assim, a pesquisa mostrou que a escola, como instituição do “mundo branco”, ocupa simbolicamente lugar de destaque por possibilitar a obtenção de conhecimentos externos, que são incorporados e socializados internamente. Desta maneira, há grande valorização da educação escolar por parte dos Xavante assim como há ênfase na formação, sob orientação dos mais velhos, de jovens preparados intelectualmente para interlocução com os não-índios. Sair da aldeia, para o Xavante, implica um deslocamento espacial temporário, visto que o objetivo maior é voltar para a aldeia e aplicar o conhecimento apreendido com a sociedade Nova Xavantina, localizada a 650 km da capital do Estado – Cuiabá, possui 19.643 habitantes, segundo dados do Censo 2010 (IBGE, 2011). 1 não indígena. Assim, essa mudança não resulta em perda de vínculos com o grupo de parentesco. Tal resultado assemelha-se ao encontrado por Paladino (2006) junto ao Ticuna e por Ponte (2009) ao estudar diferentes etnias em Belém. A formação escolar para os Xavante no espaço citadino é visto como um período de luta e sofrimento, que deve ser enfrentado afim de proporcionar conhecimento ao Xavante. Este sofrimento é compartilhado pelo indígena estudante e também por sua família, visto que muitas mães que migram para acompanhar seus filhos comentam que ser necessária força de vontade para permanecer no espaço citadino, em virtude da sua diferença perante a aldeia, principalmente no que se refere a liberdade e ao contato com a natureza. Os Xavante destacaram que se acostumaram a morar na cidade, porém a aldeia é a preferida, visto que o retorno a aldeia é uma volta às origens, é um momento em que as energias são renovadas e as tradições reforçadas, o que é realizado em momentos de rituais das aldeias assim como nas férias escolares. Esse regresso à aldeia simboliza um retorno à própria cultura, uma afirmação da sua identidade indígena. Conclusões Os valores Xavante na cidade, na constante interação com o não índio, costumam ser reafirmados, ou seja, falar em perda de identidade étnica referindo a migração indígena para a cidade é dar voz aos preceitos que julgam os indígenas como não evoluídos. Além disso, os Xavante sabem utilizar-se dos conhecimentos aprendidos no contexto não indígena citadino em prol de sua etnia e usam este espaço como local de luta por seus direitos. Logo, pode-se dizer que os Xavante buscam compreender a sociedade envolvente a partir de sua própria perspectiva e assim incorporam o sistema mundial ao seu próprio mundo, ou, como diria Sahlins (1997), indigenizam a modernidade. Referências Bibliográficas CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Urbanização e tribalismo: a integração dos índios Terêna numa sociedade de classes. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. FÍGOLI, L. Identidad Etnica y Regional. 1982. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Universidade de Brasília, Brasília, 1982. LASMAR, C. De Volta ao Lago do Leite: gênero e transformação no Alto Rio Negro. São Paulo: UNESP, 2005. LAZARIN, M. A. A descida do Rio Purus. 1981. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Universidade de Brasília, Brasília, 1981. MELO, J. G. Identidades fluídas: ser e perceber-se como Baré (Aruak) na Manaus Contemporânea. 2009. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. PALADINO, M. Estudar e experimentar na cidade: trajetórias sociais, escolarização e experiência urbana entre “Jovens” indígenas Ticuna, Amazonas. 2006. Tese (Doutorado em Antropologia) - Programa de Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2006. PENTEADO, Y. M. B. A condição urbana: estudo de dois casos de inserção do índio na vida cotidiana. 1980. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Universidade de Brasília, Brasília, 1980. PONTE, L. A. S. X. A população indígena da cidade de Belém, Pará: alguns modos de sociabilidade. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 4, n. 2, p. 261-275, 2009. ROMANO, J. O. Indios proletarios en Manaus. 1982. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Universidade de Brasília, Brasília, 1982. SAHLINS, M. O “Pessimismo Sentimental” e a Experiência Etnográfica: Por que a cultura não é um “objeto” em vias de extinção (Parte I). Mana: estudos de Antropologia Social, v.3, n.1, p. 103-150, 1997. SOUZA, A. H. C. de. População indígena de Boa Vista/RR: uma análise sócio-econômica. 2009. Dissertação (Mestrado em Economia) – Programa de Pós Graduação em Economia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2009.