08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS NO DEBATE SOBRE A INTEGRAÇÃO REGIONAL DO MERCOSUL Lucia Cortes da Costa1 RESUMO A pesquisa “As concepções de Estado e Políticas Sociais presente na produção do Serviço Social no contexto da integração regional”, desenvolvida com financiamento do CNPq, no período de março de 2008 a fevereiro de 2011. O objetivo central foi refletir sobre a concepção de Estado e políticas sociais nos debates produzidos sobre o processo de integração regional do Mercosul, considerando a produção de autores do serviço social. Como objetivo específico buscou-se: identificar a repercussão da integração regional do Mercosul no debate do Serviço Social; identificar a produção de autores do serviço social relacionados à temática do Mercosul. Os dados foram obtidos através de pesquisa documental e bibliográfica sobre a temática. Palavras-chave: Mercosul, políticas sociais, cidadania e direitos. ABSTRACT The research “the Social conceptions of State and Politics present in the production of the Social Work in the context of the regional integration”, developed with financing of the CNPq, in the period of March of 2008 the February of 2011. The central objective was to reflect on the conception of State and social politics in the debates produced on the process of regional integration of the Mercosul, considering the production of authors of the social work. As objective specific one searched: to identify the repercussion of the regional integration of the Mercosul in the debate of the Social Work; to identify the production of related authors of the social service to the thematic one of the Mercosul. The data had been gotten through bibliographical documentary research and on the thematic one. Keywords: Mercosul, social politics, citizenship and rights. 1 Doutora em Serviço Social pela PUC – SP (2000), docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa – Paraná. Endereço: Rua Manoel Ferreira Pinto, 258, ap. 53, Ponta Grossa – Paraná, CEP 84010660. e-mail [email protected] 1 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 INTRODUÇÃO O processo de globalização envolve diferentes esferas, a internacionalização da produção, do consumo e do setor financeiro e também a organização de estratégias governamentais para minorar os efeitos que tal processo coloca para os diferentes países inseridos na economia mundial. O Mercosul surge após o fracasso de iniciativas anteriores de integração dos Estados na América Latina e foi forjado num contexto em que os Estados Unidos da América do Norte buscavam firmar a ALCA – Área de Livre Comércio das Américas – como forma de integração na região, o que apresentava sérios riscos para os países em desenvolvimento. Assim, a partir das negociações entre Brasil e Argentina, na década de 1980, o Mercosul foi criado em 1991 através do Tratado de Assunção. Inicialmente o processo de integração do Mercosul deu destaque aos temas comerciais, relegando os temas sociais e a participação da sociedade civil. Como um projeto elaborado pelos governos da região, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o Mercosul não revelou uma iniciativa de segmentos da sociedade civil desses países. Dessa forma o tema do Mercosul passou a ser duramente questionado pelos intelectuais, sindicatos e organizações da sociedade civil. Somente em 1994, através do Protocolo de Ouro Preto o Mercosul adquire personalidade jurídica de direito internacional e estabelece sua estrutura com o seu órgão decisório - Conselho Mercado Comum, o órgão executivo – Grupo Mercado Comum e os demais espaços institucionais, tais como a Secretaria Administrativa. Foi a partir da mobilização de setores críticos ao caráter não democrático do Mercosul que surgiu o Fórum Consultivo Econômico e Social, espaço para os representantes dos trabalhadores e dos empresários, em caráter consultivo, atuarem no Mercosul. Surgem então os SubGrupos de Trabalho, Reuniões Especializadas de Ministros, Comitê Técnico, Grupos Ad Hoc, Comissão Sociolaboral. O Mercosul também passou a contar com um Tribunal Arbitral Permanente, o Parlamento do Mercosul, Fundo de Convergência Estrutural – FOCEM, demonstrando um processo contínuo de desenvolvimento de suas estruturas institucionais. Ao analisar os avanços na consolidação do MERCOSUL, colocou-se o debate sobre o sistema de proteção social nos países da região. Partindo dessa discussão, coloca-se a indagação sobre quais as concepções de Estado e de políticas sociais 2 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 podem ser identificadas na produção teórica sobre o Mercosul. A agenda do Mercosul passou então a receber novas demandas, após um período no qual houve aumento do comércio na região2 o tema da proteção social finalmente foi inserido nas decisões do bloco. O Acordo de Seguridade Social do Mercosul, de 1997, e a Declaração Sóciolaboral, de 1998, evidenciaram que a integração regional não poderia acontecer apenas sob o aspecto comercial. Em 2000 surge a Carta Social do Mercosul e em 2003 o Programa de Fortalecimento do Mercosul Social e a Reunião de Córdoba em 2006 com a Agenda Social (DRAIBE, 2007). O Serviço Social esteve atento ao processo de integração regional do Mercosul e as possíveis repercussões para a formação e exercício profissional na região, bem como, sobre a agenda de debates e decisões, os riscos que a estratégia de integração centrada nos aspectos comerciais coloca para os trabalhadores. Dessa forma, a pesquisa buscou apreender o debate do serviço social sobre o Mercosul, identificar os autores envolvidos com o tema e as suas contribuições teóricas. O DEBATE SOBRE A INTEGRAÇÃO REGIONAL: O MERCOSUL O Mercosul surge como estratégia defensiva dos países do Cone Sul diante do desafio da globalização, em que a ALCA era apresentada pelos Estados Unidos da América do Norte como a única forma de inserção da América Latina na economia internacional. (COSTA, 2006; COSTA, 2010) O contexto histórico no qual se deu a criação do Mercosul, em 1991, coincide com o crescimento das idéias neoliberais nos países integrantes do bloco. Essa questão foi identificada nas análises sobre o processo de integral regional, conforme Simionatto (2000, p.11-12): [...] verifica-se que, nos países do Mercosul, os governos, a partir da conciliação de interesses entre setores nacionais e internacionais, principalmente no campo econômico (Rizzotto, 2000), têm, cada vez mais, incorporado às agendas dos Estados nacionais as determinações da política supranacionais, particularmente nas reformas da chamada primeira geração. Simionatto (2004) analisa a reforma do Estado nos países do Mercosul, 2 Conforme POCHMANN (2000) sobre o comércio no Mercosul nos anos iniciais de sua criação. 3 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 identificando uma agenda de caráter neoliberal com a redução do Estado e ampliação das esferas mercantis na vida social. As medidas de reforma estrutural, adotadas pelo Estado dos países integrantes do Mercosul, guardam semelhanças com as idéias políticas de caráter neoliberal. As políticas neoliberais impactam na área social especialmente devido à redução da atuação do Estado na esfera social e ao favorecimento da lógica mercantil, o que eleva os níveis de desigualdade e reduz os processos de inclusão social das camadas mais empobrecidas da sociedade. Em relação à reforma do Estado no Uruguai, a discussão apresentada por Mônica de Martino, Elizabeth Ortega e Silvia Lema (2007) aponta que a reforma da administração pública com a modernização institucional, ocorrida em 1995, foi inspirada nas idéias liberais e no modelo gerencial. Na Argentina a discussão da reforma neoliberal é apresentada, entre outros, por Estela Grassi (2006) e Susana Cazzaniga (2007). No Paraguai, Simionatto aponta que “as primeiras medidas de ajuste adotadas pelo governo entre 1989 e 1993 estavam destinadas a promover o equilíbrio macroeconômico do país” (2004, p. 33) Considerando aspectos da reforma do Estado nos países do Mercosul, podese afirmar que houve uma sintonia de medidas adotadas, na redução de gastos com funcionalismo, reforma da administração pública, privatizações, abertura econômica e redução das políticas sociais. Tais medidas foram analisadas na reforma do Estado no Brasil, conforme COSTA (2006). Foi nesse contexto de redefinição do papel do Estado nacional, sob forte influência de idéias liberais, que o Mercosul foi criado. Analisando a formação do Mercosul, conforme Behring (2004, p. 174) o Serviço Social foi convocado “[…] para uma incorporação definitiva desses temas na agenda político-profissional, seja pela participação do CFESS, desde 1995, no Comitê de Organizações Profissionais de Serviço Social do Mercosul, seja ainda por fóruns de formação profissional [....]”. Assim, compreender esse processo histórico de transformações políticas e econômicas com a formação dos blocos regionais é um desafio para o Serviço Social. A análise dos impactos que esse processo coloca nas relações sociais, com novas demandas e questões sociais é fundamental para a intervenção crítica do serviço social nesse debate. Freire (2001) coloca o Mercosul como uma estratégia regional para inserção dos países membros na economia globalizada. 4 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 [...] o Mercosul representa o degrau intermediário entre cada um de seus países membros e o mundo da globalização, [...] anteparo regional aos excessos da exposição ilimitada às forças do livre mercado internacional. (FREIRE, 2001) A análise de Behring (2004, p. 175) sobre a formação do Mercosul evidencia a atualidade da critica marxista sobre a dinâmica da sociedade capitalista. O “Manifesto Comunista” e o “18 Brumário” são citados como guias para compreender as transformações societárias em curso. A mundialização é compreendida seguindo a análise de Chesnais (1996) e Mandel (1982), como uma “ […] reação burguesa à crise do capital desencadeada a partir de finais dos anos 1960”. Behring analisa a formação do Mercosul em relação à estratégia Americana da ALCA: Os países-membros do Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – vêm defendendo, nas rodadas de negociação em desenvolvimento desde 1994 (Miami), um processo gradual de abertura, cuja consolidação se daria, a princípio, em 2005. As iniciais dificuldades internas americanas para a negociação da ALCA poderiam ter favorecido a consolidação do Mercosul, já que atrasaram o cronograma em curso. No entanto, não foi o que se viu: a crise Argentina e as relações dos países com os demais blocos, inclusive com os EUA não geraram uma vontade política de dar maior consistência ao Mercosul para além das relações comerciais, que avançaram visivelmente. (2004, p. 177). O processo de formação da “tríade”, conforme Chesnais (1996) é apresentado na análise de Behring (2004), considerando as diferenças na formação dos blocos dos países da União Européia, da Ásia e Japão e na América do Norte com o NAFTA. Quanto ao Mercosul, ressalta as desigualdades entre os países integrantes do bloco, nos aspectos econômicos e populacionais, dando destaque à posição do Brasil. Em um claro descrédito sobre as possibilidades do Mercosul diante do peso da economia norte-americana, a autora questiona: “[…] se o Mercosul não se constitui gravitando em torno de uma grande potência econômica mundial, teria alguma chance de consolidação no contexto da mundialização? Seria ele o „rato que ruge‟?” ( 2004, p. 183). Como parâmetros para pensar “as possibilidades e limites do Mercosul”, Behring (2004, p. 184) aponta: a formação do bloco ocorreu num contexto de ajuste neoliberal; o Mercosul é um bloco periférico diante das grandes economias mundiais; existem condições externas desfavoráveis para uma autonomia do Mercosul; há novos desafios geopolíticos no contexto de concorrência internacional; há disparidade econômica que torna pouco atraente o Mercosul nas relações comerciais; o contexto é de protecionismo e incertezas; há debilitamento dos projetos nacionais nos países do 5 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Mercosul e perda da capacidade do Estado articular a economia; prática de um regionalismo aberto com perdas para os trabalhadores num ambiente de maior concorrência. Na sua conclusão sobre o Mercosul afirma: Portanto, diante destes parâmetros, embora o rumo não esteja definido, as possibilidades de que o Mercosul seja um caminho para uma alternativa mais autônoma, ainda que seja indiscutível seu sucesso estritamente comercial, são extremamente precárias e anos-luz do sonho latino-americano de Simon Bolívar, e ainda do de Che Guevara, especialmente se este processo não sofrer a interferência dos trabalhadores e demais movimentos sociais e populares. (BEHRING, 2004, p. 186) Mendes, Dal Pra e Mioto (2007, p. 166) ressaltam que inicialmente o processo de integração foi centrado no aspecto econômico, conforme segue: Em geral, processos de integração regional surgem com objetivos econômicos, e no MERCOSUL o privilegiamento quase único dessa dimensão faz com que o acordo careça da dimensão social. Mesmo que esta não seja sua finalidade, o Tratado de Assunção faz referência ao desenvolvimento com justiça social. Conforme POCHMANN (2000), houve avanço no comércio na região, mas persistem as disputas entre os países integrantes do bloco, especialmente entre Brasil e Argentina. Dessa forma, as disputas pelos benefícios do comércio na região ainda é um dos fatores que dificulta o avanço do Mercosul, especialmente na posição dos sócios com maiores dificuldades de beneficiarem-se da integração, o Uruguai e o Paraguai. GIAMBIAGI e BARENBOIM (2005) defenderam um processo de integração diferenciado entre Brasil e Argentina, com maior dinamismo e, um processo mais lento nos casos do Uruguai e Paraguai, assim haveria duas velocidades no processo de integração. O protecionismo ainda é um problema dentro do Mercosul, que pode ser aferido nas disputas comerciais entre os países do bloco, especialmente o Brasil e a Argentina, na busca de parceiros externos que inviabiliza o estabelecimento de políticas comuns – especialmente na Tarifa Externa Comum (TEC) – fazendo surgir mecanismos paralelos, como acordos bilaterais entre os países-membros do Mercosul e demais parceiros externos ao bloco. (COSTA, 2007, p. 23) O caráter elitizado do Mercosul, restrito às esferas governamentais foi objeto de crítica em várias análises sobre o processo de integração. Simionatto (2004) e (2009)3 discute a participação da sociedade civil no Mercosul, apontando o caráter limitado do processo democrático no bloco regional. ³ Trabalho apresentado no evento Democracia e Proteção Social no Mercosul, UEPG, 18 e 19 de junho de 2009, Ivete Simionatto e Lílian da Silva Domingues. “Sociedade civil e participação democrática: análise e perspectivas de uma contra-hegemonia no âmbito do MERCOSUL”. 6 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Raichelis e Wanderley (2004, p. 26) analisando a participação da sociedade civil no Mercosul, descrevem a posição de diferentes segmentos da sociedade, como os trabalhadores, os empresários, a esfera universitária, indicando o déficit democrático no processo de formação do bloco. Quanto à posição dos trabalhadores afirmam que: Determinadas iniciativas em curso na região indicam que há um movimento crescente de discussão e de participação ativa de múltiplos setores sociais da sociedade civil, na construção da integração regional pretendida. Inicialmente, pode ser destacado o Movimento pela Integração dos Povos do Cone Sul da América Latina, que reúne entidades sindicais, populares, de pesquisa e de assessoria, mantendo uma posição crítica ao Mercosul, entendido apenas como mercado comercial, e buscando uma integração mais completa das sociedades envolvidas. Freitas (2007), na analise sobre o Governo Lula, aponta avanços especialmente em relação à política externa e econômica voltadas para a integração regional. Seguindo as proposições de Almeida (2003), Freitas (2007) coloca que: [...] do ponto de vista do conteúdo, a diplomacia do governo Lula apresenta postura mais assertiva, mais enfática em torno da chamada defesa da soberania nacional e dos interesses nacionais, assim como na busca por alianças privilegiadas no Sul, com ênfase nos processos de integração da América do Sul e do Mercosul, com reforço consequente desse último no plano político. (2007, p. 160). Freitas (2007, p. 161) ressalta a estratégia do governo Lula de “[…] buscar maior cooperação e integração com os países similares (outras potências médias) e vizinhos regionais”, afirma que o investimento político do governo Lula no Mercosul é uma reação frente ao projeto estadunidense de implantar a ALCA. O pronunciamento de Lula, após as eleições de 2002, evidencia a importância do Mercosul, conforme segue: [...] buscando construir uma cultura de paz entre as nações, aprofundando a integração econômica e comercial entre os países, resgatando e ampliando o Mercosul como instrumento de integração regional e implementando uma negociação soberana frente à proposta da ALCA”. (LULA, 2002, apud Freitas, 2007, p. 164) Freitas descreve os avanços do Mercosul, a criação de espaços institucionais dos Grupos de trabalho e do Parlamento Mercosul, a defesa de benefícios para os cidadãos do Mercosul. Na sua apresentação sobre o processo de construção do Mercosul afirma esse ser resultado da “ […] decisão política soberana de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai” (2007, p. 162). Quanto aos objetivos do Mercosul afirma: 7 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Criado com o objetivo claro de ser um mercado unificado e significar a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países integrantes, o Mercosul, ao longo dos anos, teve de voltar-se para questões trabalhistas e sociais, pois a livre circulação exige dos países envolvidos políticas e instituições focadas no mesmo objeto e de maneiras parecidas. (2007, p. 163) Freitas enumera as decisões tomadas no Mercosul, voltadas para os trabalhadores, especialmente a Declaração Sociolaboral (1998). Ao contrário de ressaltar as desigualdades entre os países que integram o Mercosul, Freitas, numa perspectiva analítica que difere da apresentada por Behring (2004) e Costa (2007), (2010), reforça as semelhanças históricas. Os países que hoje integram o Mercosul possuem tradição política semelhante, compartilham semelhanças econômicas quanto a sua inserção no contexto internacional, bem como semelhanças políticas em face de um passado recente dos regimes militares que os sujeitaram por décadas. […] O crescimento institucional do Mercosul envolve a solidificação das autodeterminações nacionais, ainda que deva necessariamente compartilhar decisões públicas. Demanda sacrifícios recíprocos entre iguais ou os mais ou menos iguais compensarem-se imediatamente com o fortalecimento de todos os países-membros, em face do desafio e da prepotência dos altamente desiguais. (FREITAS, 2007, p. 168-169). Simionatto e Nogueira (2004)4 citam a importância do Mercosul a partir do governo Lula, conforme segue: A posição atual dos Presidentes do Brasil e da Argentina que, quando destacam a importância do Mercosul, afirmam que a integração deve ser feita em benefício de suas populações, apoiando a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável voltado para o crescimento, a justiça social e a dignidade da pessoa humana e fundado nos princípios de participação e transparência e na ética. (Presidência da República, 2003). Consta da mesma declaração que a inclusão social é um objetivo central de seus Governos e que a cooperação em políticas públicas na área social e a promoção de parcerias nas áreas educacional, cultural, científica e tecnológica foram identificadas pelos Presidentes como instrumentos para alcançar aquele objetivo. (Presidência da República, 2003). ESTADO E POLÍTICAS SOCIAIS NO MERCOSUL A partir dos dados coletados na pesquisa pudemos identificar no debate sobre Estado e políticas sociais no Mercosul a centralidade da discussão sobre cidadania. A cidadania é analisada como condição ou limite para o acesso aos direitos sociais e 4 XVIII Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. La cuestión Social y la formación proifesional en Trabajo Social en el contexto de las nuevas relaciones de poder y la diversidad latinoamericana. San José, Costa Rica, 2004 8 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 como vínculo, dado pela nacionalidade, de pertencimento ao Estado. Em razão do envolvimento de questões sobre fronteiras, migrações de população entre os países, a nacionalidade é um parâmetro para a análise da cidadania como critério de inclusão ou não no acesso às políticas sociais. A cidadania estabelece o vínculo jurídico do indivíduo com o Estado e organiza as relações de pertencimento na sociedade estabelecendo os critérios para definir quem é nacional ou estrangeiro. A pessoa que não tem a nacionalidade pode ser considerada estrangeira ou naturalizada, segundo a legislação de cada Estado, pois há casos em que se separa nacionalidade de cidadania. Um aspecto relevante que foi identificado na pesquisa é a relação entre nacionalidade e cidadania e os critérios adotados pelos Estados do bloco. Nos países do Mercosul é peculiar a legislação do Uruguai, o tema da nacionalidade é inserido na Constituição do país, adota-se o critério do jus solis e jus sanguinis, mas conforme demonstra Jimenez de Arechaga, apud Del‟Olmo ( 2004, p. 388): Em nosso país se pode ser cidadão sem ser nacional. O cidadão legal, que em outros países se chama naturalizado, tem o direito de cidadania, pode votar e ser eleito, mas não é nacional do país. Ou seja, é um cidadão, sem ser nacional. A aquisição da cidadania só confere direitos políticos, mas não atribui a qualidade de nacional. O estrangeiro cidadanizado continua sendo estrangeiro. Ainda, segundo Del‟ Olmo (2004), na Argentina também se adota os critérios do Jus solis e Jus sanguinis, o assunto é tratado em leis ordinárias e não na Constituição e tem como peculiaridade a exigência do tempo de apenas 2 anos de residência no país para a naturalização. No caso do Paraguai a nacionalidade consta no texto constitucional de 1992, adota o jus solis e jus sanguinis, conforme os critérios definidos em lei. Uma peculiaridade da lei Paraguaia é o reconhecimento como nato da criança cujos pais sejam desconhecidos, mas que se encontre em território nacional. Define também em lei os critérios para a naturalização do estrangeiro. No caso brasileiro a Constituição Federal de 1988, art. 12, estabelece os critérios para “ser brasileiro” nato ou naturalizado e as hipóteses nas quais se aplica o jus solis ou jus sanguinis, considerando ainda a legislação ordinária sobre o tema e o Estatuto do Estrangeiro. O debate sobre o acesso aos serviços de saúde nas regiões de fronteira, especialmente nas discussões que foram fomentadas pela pesquisa coordenada por 9 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Vera Maria Ribeiro Nogueira5, e pela parceria da PUCRS com o Ministério da Saúde – o COLSAT – Mercosul, coordenado por Jussara Mendes, o conceito de cidadania é central para a análise do acesso da população aos serviços públicos. A análise dessa categoria e o debate sobre as implicações que o status de cidadania coloca como barreira no acesso aos serviços públicos para os não nacionais foram apresentados em várias publicações: Nogueira; Simionatto (2004), (2006), (2007); Nogueira (2004); Nogueira, Dal Pra; Fermiano (2007); Mendes; Correia (2007); Dal Pra; Mendes (2007); Silva; Nogueira (2008); (2009); Mioto e Dal Pra (2007). Nogueira (2004) apresenta uma análise na qual relaciona direitos sociais e cidadania, trazendo o debate conceitual sobre cidadania nas diferentes perspectivas teóricas: a liberal, socialista e a democrática. Aponta os limites do conceito liberal de cidadania e da divisão formal das suas dimensões entre os direitos civis, políticos e sociais, conforme estabeleceu Thomas Marshall (1967). A autora argumenta sobre a articulação do conceito de cidadania às condições reais de existência, as relações econômicas e sociais que incidem nos fenômenos jurídicos e políticos. Apresenta o debate de autores contemporâneos sobre cidadania e, conclui que: Os direitos sociais e o direito à saúde são pensados no interior das políticas socais, as quais são apreendidas, como as políticas econômicas, como estritamente vinculadas aos processos de acumulação capitalista, em seu estágio monopolista. Essa afirmação ratifica posição anterior, de que os direitos unicamente podem ser analisados e estudados como produtos do desenvolvimento histórico, marcados por desigualdades e contradições entre os continentes, entre os países e no interior de cada país, em seus aspectos regionais e locais. (NOGUEIRA, 2004, p. 25). Nogueira e Silva (2008) discutem o conceito de cidadania social e os limites para o acesso aos direitos sociais, especialmente à saúde, nas regiões de fronteiras do Mercosul, partindo dos dados que apontam para o crescimento no movimento migratório nas décadas de 1980 e 1990 na região do cone sul. As autoras discutem os direitos sociais no contexto da globalização e do ideário neoliberal que reduz a capacidade dos Estados na efetivação desses direitos. Focando a discussão nas faixas de fronteiras analisam as diversas formas de reconhecimento e institucionalização da cidadania, jus solis e jus sanguinis – e as conseqüências para acesso aos direitos sociais. Constata-se, atualmente, o alargamento do conceito de cidadania, tanto a 5 Direito à saúde: concepções da população residente na linha da fronteira Mercosul. 10 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 partir da conquista de novos horizontes e da emergência de novos atores sociais, como em decorrência dos processos de globalização em curso, que sinalizam para a construção de uma nova reorganização jurídico-institucional, tendo como fundamento os blocos econômicos. Entretanto, a expansão da cidadania em termos econômicos é prevalente, distanciando-se das pretensões de uma cidadania social ou integral. (NOGUEIRA; SILVA, 2008, p. 158). As autoras citadas relacionam os direitos sociais e a expansão da atuação do Estado capitalista, o qual assume gradativamente parte dos riscos da vida social. Quanto ao direito à saúde, afirma-se que é preciso considerar duas perspectivas para sua análise, uma relacionada à expansão dos direitos econômicos e do papel do Estado e outra, a mercantilização das necessidades de saúde, na qual o mercado é o garantidor do acesso aos serviços de saúde. [...] a materialidade do direito à saúde não pode ser isolada das relações econômicas que lhe dão sustentabilidade via políticas sociais, desempenhando o Estado um papel crucial na sua implementação favorecendo a cidadania social. [...] sendo o direito à saúde tratado no plano individual e o mercado o garantidor de sua fruição. (2008, p. 159 – 160). Ao analisar a formação dos blocos regionais, especificamente o Mercosul, as autoras apontam para dinâmica de ampliação das esferas estatais e da sociedade civil na busca da garantia e defesa dos direitos no plano internacional. Descrevem a situação dos “brasiguaios”, população migrante nas fronteiras do Brasil e Paraguai, e das suas estratégias para o acesso aos serviços de saúde no Brasil. São pessoas que vivem desta forma, cotidianamente, a exclusão nas políticas públicas tanto de um lado quanto de outro, sendo catalogados pelos habitantes dos dois países de apátridas. [...]. A condição de apátridas remete aos brasiguaios uma situação de indivíduo sem pátria, portanto sem direito à tutela e proteção do Estado. Tal ocorre porque face à legislação brasileira todo indivíduo é nacional ou estrangeiro, pois o povo está unido ao Estado pelo vínculo da nacionalidade de forma que esta representa um vínculo jurídico que designa quais são as pessoas que fazem parte da sociedade política estatal. (NOGUEIRA; SILVA, 2008, p. 166). Para Max Weber os elementos definidores do Estado moderno ocidental são: a delimitação do território – bases das fronteiras do país, do sistema de poder – o exercício da soberania e da constituição do povo por todos que, através de um vínculo jurídico com o Estado, tem o status de cidadão. Dessa forma pode-se considerar que, após o século XIX, houve a territorialização dos direitos com a definição da cidadania a partir da nacionalidade. As recentes transformações na sociedade capitalista indicam o esgotamento dessa clássica definição dos elementos do Estado, apontadas por Max Weber. 11 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Com a internacionalização da economia, nas esferas comercial, produtiva e financeira, os Estados nacionais se vêem diante do desafio dos fluxos migratórios, do deslocamento da população entre as fronteiras dos países. A partir da mobilidade dos investimentos que transformou a economia mundial, torna-se mais evidente os problemas com a migração de pessoas. Os Estados nacionais não deixam de ter centralidade nesse processo, mas as mudanças sociais indicam que é cada vez mais importante coordenar ações nos espaços internacionais, tanto nas questões econômicas quanto na área social. Nas bibliografias consultadas é recorrente a análise do modelo de proteção social relacionado ao caráter liberal do conceito de cidadania e a fragilidade da atuação do Estado na região do Mercosul na garantia do acesso/fruição aos direitos sociais. O modelo de proteção social que historicamente se colocou na região não é universal, as políticas sociais são fragmentadas e surgem em governos autoritários. O modelo de proteção social brasileiro, implantado no período de 1930 a 1980 evidencia um caráter excludente e segmentado, no qual a população mais pobre foi excluída da proteção social. A proteção social era definida a partir da situação de formalização do contrato de trabalho num país que sempre registrou elevado numero de trabalhadores no setor informal. A partir da Constituição de 1988 o Brasil avança na busca de ampliar o sistema de proteção social, no entanto, ainda não há universalização da proteção previdenciária que segue o modelo contributivo, os critérios de acesso aos benefícios assistenciais são rígidos e focalizados e há deficiente atendimento às demandas na área da saúde e educação, apesar do registro de avanços nos indicadores sociais do país. O modelo uruguaio com maior cobertura se distancia da experiência do Paraguai, a pior situação de proteção social na região. Na Argentina um modelo centrado especialmente na oferta de educação pública convivendo com sistema de previdência que devido à crise econômica vivida na década de 1980 não incluía grande parte dos trabalhadores e que na década de 1990, a proteção social assume um caráter focalizado e assistencialista. O contexto da globalização com difusão das idéias neoliberais, simultâneo à formação do Mercosul, é ressaltado pelos diferentes autores, na análise sobre fatores que condicionam a precariedade do modelo de proteção social vigente nos países do bloco e da dificuldade de avançar na integração nos aspectos sociais. Wanderley (2002); Raichelis e Wanderley (2004); Simionatto (2004); Nogueira (2004); Nogueira e Silva (2008); Behring (2004); Mendes, Dal Pra e Mioto (2007); Draibe (2007), 12 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Simionatto e Nogueira (2007) entre outros. O Mercosul estabelece como meta a formação de um mercado comum com ampla liberdade para circulação de pessoas, e para assegurar os direitos dos cidadãos do Mercosul, o Acordo Multilateral de Seguridade Social (1997) e a Declaração Sociolaboral (1998) já estabelecem normas que impedem a discriminação do trabalhador em razão da nacionalidade. Devido ao caráter intergovernamental do Mercosul há necessidade de internalizar as decisões, o que resulta num complexo sistema que envolve os espaços parlamentares de cada Estado nacional para adoção de medidas já decididas no espaço regional. Esse caráter intergovernamental torna moroso o processo de efetivação das decisões do Mercosul. Unificação das políticas sociais e, de modo mais ambicioso, a criação de uma cidadania social comunitária, apoiada em direitos e sistemas comuns de proteção social, têm sido crescentemente propostos como horizonte e metas do MERCOSUL social por parte dos atores-chave que militam no processo de sua fundação, sejam representantes de governos dos países membros, sejam as organizações da sociedade civil. Ninguém duvida de que, ante tais objetivos, nos encontramos ainda a enormes distâncias. (DRAIBE, 2007, p. 175). A formação dos blocos regionais não pode se consolidar ignorando as demandas por proteção social, o que coloca sob questionamento a alocação dos direitos sociais para os cidadãos definidos pela nacionalidade. Como incluir no acesso aos direitos sociais os migrantes, estrangeiros ou apátridas? Esse questionamento aparece nas pesquisas sobre o Mercosul. Conforme análise de Simionatto e Nogueira (2006, p. 204): Os impactos do ajuste no conjunto dos países do Mercosul, ocorridos nas ultimas décadas, com perdas consideráveis nas formas de proteção social construídas em períodos anteriores e na retração das políticas sociais públicas, tornaram mais crítica a situação de pobreza e desigualdade. Os indicadores apontam o crescimento dos segmentos populacionais situados na faixa de extrema pobreza, que é agravada pela precarização das relações de trabalho, pelo desemprego, pelo número expressivo de jovens sem esperanças futuras e pela participação de crianças e mulheres no mercado de trabalho para ajudar na renda doméstica. A alteração de fatores demográficos, como o envelhecimento da população e o aumento dos índices de natalidade, vêm ocasionando novas demandas para o setor saúde. Tais aspectos ampliaram, significativamente, a demanda sobre a seguridade social pública. Para Jaeger Junior (2004, p. 362), a livre circulação de trabalhadores no Mercosul ainda é um desafio, pois é preciso eliminar todos os tipos de restrições à mobilidade das pessoas no bloco regional e garantir tratamento igualitário entre nacionais e não nacionais especialmente em relação à busca de emprego, direito a 13 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 estabelecimento e a procura por melhor qualidade de vida em igualdade de condições aos nacionais. Para consolidar a fase de mercado comum é necessária a harmonização da legislação previdenciária, trabalhista, bem como avançar na coordenação de políticas na área da educação, saúde e assistência social. Dessa forma, além da vontade política declarada nas diferentes esferas decisórias do Mercosul, como nas Reuniões de Ministros, nas Cúpulas e reuniões de chefes de Estado, é preciso construir instituições adequadas aos objetivos da agenda de integração ampla. Conforme análise de Draibe (2007) há um descompasso entre os objetivos do Mercosul e as estratégias para efetivar uma agenda social, conforme segue: [...] o MERCOSUL opera com uma estratégia maximalista da dimensão social, referida aos objetivos da integração, mas ao mesmo tempo, com uma estratégia minimalista de políticas sociais, uma vez que abdica de trazer para o campo da integração social o debate e a proposição de modelos de desenvolvimento econômico e social que pudessem sustentar, mais adequadamente, um efetivo processo de constituição de uma cidadania social nova e coesa. (DRAIBE, 2007, p. 179). A autora ainda questiona qual o modelo de integração das políticas sociais na região. O horizonte da “Agenda Social” seria definido pela harmonização da legislação social ou pela unificação dos modelos de proteção social? DRAIBE (2007) em sua análise propõe como desafio para os países da região a articulação das políticas sociais e com as políticas econômicas. De seu ponto de vista tal articulação tornar-seia mais decisiva para elevar o padrão de desenvolvimento social na região: Dito de outro modo, tratar-se-ia de colocar no centro da Agenda Social do MERCOSUL um novo e virtuoso modo de articulação entre a política econômica e a política social, em uma estratégia comum que viabilizasse a concretização tanto de um novo modelo de desenvolvimento social quanto a própria e almejada integração social regional. Ao não fazê-lo e, ao contrário, ao eleger projetos de unificação das políticas como objetivo central, a estratégia aparentemente maximalista da Agenda Social do MERCOSUL revela sua verdadeira face minimalista e institucionalmente débil, dada sua inviabilidade. (DRAIBE, 2007, p. 182). As políticas sociais não podem ser compreendidas sem articulação com as políticas econômicas e o padrão de desenvolvimento social, conforme segue: As políticas sociais são resultantes de decisões políticas em cada sociedade e estão relacionadas ao modelo de desenvolvimento econômico adotado. Podemos afirmar que as políticas sociais são funcionais ao desenvolvimento da economia capitalista na medida em que criam externalidades positivas para o capital, socializam os custos com a reprodução da força de trabalho, também são fatores que interferem no grau de coesão social, dando maior legitimidade 14 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 à ordem social estabelecida. (COSTA, 2008, p. 134). Considerando a situação da economia dos países do Mercosul, destaca-se a dificuldade em financiar o modelo de proteção social numa conjuntura de baixo crescimento econômico, dívida pública elevada e necessidade de atrair investimentos externos. Fatores tais como estrutura tributária e gastos públicos são relevantes para definição da capacidade de ampliação da proteção social na região, bem como o papel dos setores organizados da sociedade civil na defesa dos direitos sociais. No debate sobre o papel do Estado na região, ficou clara a crítica às medidas liberais adotadas na década de 1990, nos países do Mercosul. Sobre os impactos das idéias neoliberais na Argentina temos a discussão de Estela Grassi e Cláudia Danani (2009), analisando os impactos das mudanças no mundo do trabalho e da redução dos direitos sociais. Sobre o tema do Mercosul e proteção social na Argentina, Gabriela Rotondi (2007) coloca a deterioração do modelo de solidariedade na sociedade e a relação entre cidadania e proteção social. Apresenta na sua argumentação a análise de Robert Alexy (1993) trazendo os referenciais da área do direito para discutir a garantia das normas constitucionais. Aponta o debate sobre os impactos das medidas liberais da década de 1990 na precarização dos direitos sociais. La instalación de lãs políticas de proteción, plantean dos aspectos que operan como cara y contracara; por un lado el intento de sostener um principio hipotético de “igualdad” (de clase, de gênero, de condión etária, de raza, etcétera), y por otra parte, cómo la sociedad objetiva y tolera sus desigualdades. En tal sentido, lãs políticas de proteción en Argentina, han conformado um mosaico que durante la década de los noventa debilita de manera notable la fuerza de la universalidad de los derechos. Y se debilitan además lãs prestaciones sociales de manera profunda, condicionando también el acceso a lãs políticas de protección. (ROTONDI, 2007, p. 120). Gabriela Rotondi (2007, p. 121) cita como políticas universais na Argentina a educação e a saúde, “[…] podemos señalar que existe un sistema de educación pública vinculado al surgimiento de estado-nación en Argentina” e quanto à saúde, afirma que subsiste um critério universal, no entanto, que se desenvolve com traços corporativistas articulados à política de seguridade social e obras sociais. Analisa as políticas sociais como transferências que o Estado realiza em torno dos direitos sociais e que coloca a possibilidade de proteção social como pertencimento à sociedade dentro de um padrão de bem-estar. A partir da década de 1990, informa que na Argentina houve o crescimento de políticas assistenciais, focalizadas nos segmentos empobrecidos e que rompeu com o critério de universalidade da proteção social. Cita 15 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 o Programa de transferência de rendas para os desempregados, como exemplo de medidas assistenciais focalizadas. A análise de Gabriela Rotondi (2007) retoma aspectos apresentados por Estela Grassi (2006) na discussão sobre a década de 1990 e no caráter assistencialista que as políticas sociais assumiram na Argentina devido à direção neoliberal das políticas econômicas. Estela Grassi (2006) apresenta a dinâmica contraditória do Estado na sociedade capitalista dividida em classes, na qual se coloca a igualdade formal e a desigualdade estrutural. Baste resaltar que, como referente de la ciudadania, el Estado Moderno se funda en la idea de igualdad y liberdad; y como constitutivo del proceso de acumulación capitalista, se funda en la desigualdad estructural y la dependência que resulta de la subordinación del trabajo al capital.(GRASSI, 2006, p. 14). Estela Grassi (2006) analisa as políticas sociais em relação aos conflitos da sociedade capitalista e a necessidade do Estado manter a legitimidade da ordem social e ao mesmo tempo, garantir a politização das condições de reprodução social. En sentido estricto, corresponde referirse a la política social (em singular) como la forma politica de la cuestión social, que se expresa y materializa en lãs políticas sectoriales, incluyendo la política laboral que, em primer lugar, delimita tales grados de liberdad o de los alcances de la mercantilización de la fuerza de trabajo. (GRASSI, 2006, p. 26). O tema laboral está relacionado ao fluxo migratório de trabalhadores nas regiões de fronteiras do Mercosul e coloca a necessidade de estender a proteção social para além dos limites do território nacional e eliminar restrições e desigualdades em razão da nacionalidade dos trabalhadores. Ao analisar as possibilidades de avanços na proteção social no Mercosul, Dal Pra, Mendes e Mioto (2007) analisam a relação entre cidadania, direito à saúde e fronteiras, apontando para os limites que a nacionalidade coloca no processo de integração regional. Dessa forma, o cenário mundial globalizado e o desafio de promover a articulação das nações por intermédio do regionalismo tencionam a uma mudança do conceito de cidadania nacional para o de cidadania regional ou comunitária, tendo como característica a dissociação da nacionalidade (2007, p. 169). No entanto, um ponto fundamental para o avanço da cidadania regional é a capacidade de articulação dos sistemas de proteção social. O acesso à rede de proteção social implica em dispêndio de recursos públicos para custear os serviços 16 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 disponibilizados para a população, definição de critérios de acesso e da rede de instituições e uma burocracia capaz de operar na oferta dos serviços. São vários os fatores a serem considerados: capacidade de governança, compreendida como a capacidade de operacionalização das decisões políticas; sistema de informações capaz de alimentar os processos de planejamento, implantação e avaliação das políticas sociais; respeito à diversidade cultural da população a ser atendida e a capacidade de expansão da cobertura de atendimento pela rede de proteção. É preciso avançar na redução das assimetrias entre os países a fim de evitar deslocamentos de populações em buscar de serviços públicos na região. O grau de institucionalização do sistema de proteção social nos diferentes países é um fator central no processo de construção de um patamar de bem-estar na região, o que prevê harmonização da legislação previdenciária, trabalhista, assistencial, mecanismos de equivalência no sistema de educação e reconhecimento dos títulos universitários. Para avançar na proteção social na região deve ocorrer a coordenação de medidas adotadas em cada país, em matéria de políticas e programas sociais articulados a um modelo de desenvolvimento econômico favorável a distribuição de renda. Dessa forma, o desafio é enorme, considerando a tradição política na região e as relações entre os diferentes setores da sociedade, marcada por desigualdades econômicas, culturais e políticas. Conforme Dal Pra, Mendes e Mioto (2007, p. 170): O referencial da cidadania nacional voltada para o interior do Estado-nação, além de ser restrito, não privilegia a mobilidade dos indivíduos, como se estes estivessem limitados ao espaço de seu país. Tal modelo não abrange a amplitude e complexidade das fronteiras do MERCOSUL. Podemos concordar com Antonio Negri e Michael Hardt (2005) que estamos assistindo um processo de profundas transformações na sociedade, o qual sinaliza a construção de uma ordem social imperial que se expressa, entre outras formas, pela produção normativa que transcende os espaços nacionais de poder. Com efeito, a transformação jurídica funciona como sintoma das mudanças da constituição material biopolítica de nossas sociedades. Essas mudanças dizem respeito não apenas à lei internacional e às relações internacionais mas também às relações de poder no plano interno de cada país [...] onde o problema da primazia supranacional, sua fonte de legitimação, e sua prática, põe em evidência problemas políticos, culturais e, finalmente, ontológicos. (NEGRI; HARDT, 2005, p. 28). 17 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se perceber no debate sobre o Mercosul o predomínio de uma posição crítica dos autores diante do contexto neoliberal no qual o mesmo teve origem, a centralidade dos aspectos econômicos e os desafios que a regionalização pode representar para os trabalhadores. No entanto, foi possível identificar duas tendências de análise sobre o Mercosul: 1) a ênfase na análise do contexto ideológico e econômico da década de 1990, tendo como foco a discussão do neoliberalismo mais do que propriamente das especificidades do processo de constituição do Mercosul. Uma busca de ampliar a análise para o contexto da América Latina e não apenas no Mercosul. Nessa tendência ainda se colocam as discussões sobre o déficit democrático do Mercosul e o papel da sociedade civil na luta para inserir seus interesses nas discussões das instâncias institucionais do bloco. 2) Uma análise sobre aspectos específicos da regionalização que afetam as políticas sociais, especialmente a política de saúde. O foco é delimitado nas dificuldades de acesso aos serviços públicos para as populações de municípios de fronteira e nas decisões dos gestores sobre a ampliação ou não do acesso aos serviços. Nessa tendência de análise, o Mercosul em si não é o objeto de estudo, mas, o contexto no qual o objeto se coloca: o acesso às políticas sociais e formas de oferta, gestão e controle de serviços públicos. No cotejo entre os autores do Serviço Social com os demais estudiosos do tema, pode-se identificar um predomínio das análises no caráter econômico e comercial do bloco, com os estudos sobre possíveis impactos do bloco na balança comercial dos diferentes países. As coletâneas de textos organizadas por Lima e Medeiros (2000) e Lima (2001), são citadas pelos autores do Serviço Social. Outro aspecto relevante é o trabalho desenvolvido pelo IPEA, especialmente através do Boletim Internacional, os textos de discussão e demais publicações que sistematicamente abordam o tema do Mercosul. Recentemente o IPEA tem abordado o tema da integração sob a perspectiva social, conforme Boletim Internacional de 2010. O Mercosul também é analisado sob o ponto de vista das relações exteriores e da diplomacia brasileira, conforme Raúl Bernal-Meza (2000). Através da pesquisa identificamos que a ampliação da agenda de decisões do 18 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Mercosul já teve repercussão no debate acadêmico. As recentes medidas que resultaram na criação do FOCEM – Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul e a busca em coordenar as políticas sociais na região já se configuram como objeto de análise para o IPEA e autores envolvidos com o tema, conforme Simionatto e Nogueira (2007), Mendes, Dal Pra e Mioto (2007), Costa (2009) entre outros. Ao avançar o processo de integração regional, deve-se também avançar o debate sobre os diferentes impactos do Mercosul nos países da região. REFERÊNCIAS AGUSTINI, Josiane; NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro. A descentralização da política nacional de saúde nos sistemas municipais na linha da fronteira Mercosul. 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