Previsão de Jim O’Neill Quando fui convidado para presidir a Avaliação sobre a Resistência Antimicrobiana (Review on Antimicrobial Resistance), foi dito que a resistência antimicrobiana (RAM) era uma das maiores ameaças para a saúde que a humanidade iria enfrentar nas próximas décadas. A minha primeira reação foi perguntar por que razão deveria um economista liderar este processo, e a resposta veio com outra pergunta, porque não um economista de saúde? A explicação dada foi que muitos problemas urgentes são económicos, pelo que seria necessário um economista especializado em macroeconomia e em economia internacional para criar soluções. Tenho mantido sempre esta ideia em mente desde a nossa primeira conversa e foi com base na mesma que estruturei a abordagem da minha equipa. É agora claro para mim, como o é há muito tempo para os peritos científicos, que combater a RAM é absolutamente essencial. Deve ser vista como a ameaça económica e de segurança que é, e ocupar um lugar privilegiado nas preocupações dos chefes de Estado, dos ministros das finanças, dos ministros da agricultura e, naturalmente, dos ministros da saúde para os anos vindouros. Como já foi amplamente citado, o nosso primeiro documento descreve um mundo em 2050 em que a RAM é o problema devastador que ameaça tornar-se realidade se não encontrarmos soluções. Escolhi deliberadamente o ano 2050 por ser a mesma data associada ao mundo inspirador dos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que me tornou conhecido. Recorremos a duas equipas de consultoria, KPMG e Rand, para proceder à análise de cenários detalhados que constituem a base para as nossas conclusões. Como já é amplamente conhecido, estamos convictos de que na ausência de políticas de combate à preocupante expansão da RAM, as atuais já numerosas 700.000 mortes por ano passariam a ser um assustador número de 10 milhões por ano, mais do que as atuais mortes anuais de cancro. Com efeito, mesmo atendendo às estatísticas atuais, é correto assumir que mais de um milhão de pessoas tenham morrido devido à RAM, uma vez que iniciei a presente Avaliação no verão de 2014. O que é verdadeiramente chocante. Para além do trágico custo humano, a RAM também tem um custo económico muito real que irá continuar a agravar-se se o problema da resistência não for resolvido. O custo em termos de perda de produção mundial entre o presente e 2050 ascenderá a 100 milhões de milhões de dólares americanos se não agirmos agora. Como com todas as previsões desta natureza, é naturalmente possível que as nossas estimativas venham a revelar-se exageradas mas acreditamos que é ainda mais provável que venham a revelar-se demasiado modestas. Isto porque não considerámos os efeitos secundários dos antibióticos por perderem a sua eficácia, tais como os riscos para a realização de cesarianas, implantação de próteses de anca ou cirurgia intestinal. E no breve período de 19 meses, que decorreram desde o início da nossa avaliação, já surgiram novas formas de resistência que não contávamos que ocorressem tão cedo, tais como a descoberta altamente preocupante da resistência a colistina transmissível, observada no final de 2015. Cientes da dimensão do problema se não agirmos, temos vindo a fazer recomendações sobre a forma como podemos evitar um cenário tão devastador. Seja qual for o número exato, que naturalmente desejamos que nunca venha a tornar-se realidade, o custo da ausência de ação que ciframos em 100 milhões de milhões de dólares americanos significa que as intervenções que recomendamos têm uma excelente relação custo/ benefício numa base relativa. Já se verificaram alguns progressos animadores desde que começámos a definir a nossa proposta de soluções. Em fevereiro de 2015, dissemos que era necessária uma vigilância drasticamente mais significativa para controlar a resistência, especialmente nas economias emergentes. Ficámos muito satisfeitos em relação a isto, pelo facto de o Governo do Reino Unido ter criado o Fleming Fund para melhorar a vigilância de doenças com enfoque nas infeções resistentes a medicamentos em países de baixo e médio rendimento, com uma contribuição de 375 milhões de dólares americanos. Este trabalho é muitíssimo importante para combater a RAM e deve estar em sintonia com o recente ímpeto para concretizar uma vigilância de doenças verdadeiramente eficaz à escala global e assegurar que os sistemas de saúde venham a estar melhor preparados para lidar com epidemias. Também consideramos ser necessário um maior financiamento na investigação da RAM por forma a dar o pontapé de saída para que se iniciem as primeiras pesquisas sobre novos agentes antimicrobianos e diagnósticos. Estamos muito satisfeitos pelo facto de os governos britânico e chinês terem acordado contribuir com 50 milhões de libras esterlinas (72 milhões de dólares americanos) para um novo Fundo de Inovação Global (Global Innovation Fund). Será necessário que este fundo cresça internacionalmente e se associe a outras fontes de financiamento existentes para o combate à RAM, por forma a preencher as lacunas deixadas pelas fontes de financiamento tradicionais e garantir que os financiamentos novos e existentes são bem coordenados para benefício dos investigadores de todo o mundo. É muito gratificante sabermos que muitas das nossas recomendações já estão a ser implementadas ainda antes da publicação do nosso relatório final. Mas muito mais ainda terá de ser feito durante os restantes meses deste ano e no próximo ano. É necessário garantir o envolvimento das instâncias internacionais adequadas por forma a que sejam realizados os acordos políticos necessários e eu dediquei grande parte do meu tempo a esta questão durante os últimos dois anos. Tendo em conta a minha própria experiência e a natureza do desafio do combate à RAM, era por demais evidente que os líderes do G20 e os respetivos ministros das finanças teriam de desempenhar um papel central e estamos satisfeitos com o facto de tudo estar em marcha com boas perspetivas de progresso. É uma oportunidade histórica para a governação global o facto de a China vir a ser, pela primeira vez, o país anfitrião do G20 em 2016; A China irá liderar o mundo no combate à RAM de forma significativa e global a partir da sua presidência. Quatro intervenções serão particularmente importantes, para além dos dez pontos para combater a RAM definidos no nosso relatório final. Em primeiro lugar, precisamos de uma campanha de sensibilização pública global para informar toda a gente sobre o problema da resistência aos medicamentos, com incidência particular nas crianças e adolescentes. Vejo isto como uma prioridade urgente e apelamos aos promotores de campanhas internacionais, especialistas do setor e organizações não governamentais para que equacionem a forma como poderão contribuir para a realização de uma campanha mundial urgente sobre a RAM. Penso que poderia e deveria arrancar este verão, se conseguirmos fazer verdadeiros progressos no combate à RAM, e que poderia ser apoiada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro. Em segundo lugar, precisamos de abordar o problema da oferta: precisamos de novos medicamentos que venham substituir aqueles que já não produzem efeito devido à resistência. Há décadas que não vemos uma verdadeira nova classe de antibióticos. Está nas mãos dos políticos mudar esta situação. Recomendamos que os países analisem cuidadosamente a forma como compram e definem os preços dos antibióticos, para recompensar os novos medicamentos inovadores sem incentivar a utilização desnecessária de novos antibióticos. Para além deste trabalho a nível nacional, precisamos de um grupo de países como o G20 que se reúna para recompensar os novos antibióticos após estes serem aprovados para a utilização dos pacientes. Estas recompensas de entrada no mercado, de cerca de mil milhões de dólares americanos para cada uma, seriam dadas aos responsáveis pelo desenvolvimento de novos medicamentos bem-sucedidos, estando sujeitas a determinadas condições para assegurar que os novos medicamentos não são "sobre-comercializados" e estão disponíveis para os pacientes que necessitam dos mesmos onde quer que vivam. É excelente ver que esta ideia já está a ser discutida por altos funcionários do G20. Espero que esta discussão venha a traduzir-se em ações concretas durante a cimeira dos seus chefes de Estado em setembro. Em terceiro lugar, precisamos de utilizar os antibióticos de forma mais seletiva nos seres humanos e nos animais por forma a reduzir a sua utilização desnecessária que acelera a resistência aos medicamentos. Para isso, precisamos de uma mudança na tecnologia disponível. Acho incrível que os médicos ainda tenham de prescrever medicamentos importantes como antibióticos apenas com base numa avaliação imediata dos sintomas do paciente, da mesma forma que o faziam quando os antibióticos começaram a ser prescritos na década de cinquenta. Quando um teste é usado para confirmar o diagnóstico - o que acontece numa pequena minoria dos casos - este assenta frequentemente numa tecnologia que não evoluiu significativamente desde 1860. Posso compreender a razão subjacente: não existem testes rápidos em número suficiente para substituir completamente a apreciação profissional do médico e os testes que estão disponíveis são muitas vezes mais caros do que a prescrição de medicamentos "no caso de precisar". Mas isso não é aceitável: precisamos de incentivar mais inovação e, mais importante, assegurar que são utilizados produtos úteis. Apelo aos governos dos países mais ricos para mandatarem agora que até 2020 todas as prescrições de antibióticos tenham de ser informadas pela vigilância até à data e por um teste de diagnóstico rápido onde quer que exista. Isto irá abrir as portas para o investimento e a inovação, mostrando aos responsáveis pelo desenvolvimento de medicamentos mais inteligentes que ao construírem testes rápidos irão encontrar um mercado para os seus produtos. Tendo a tecnologia melhorado, os mercados nos países em desenvolvimento poderão ser suportados por um sistema que designámos estímulo ao mercado de diagnóstico, não muito diferente do grande trabalho que a GAVI Alliance tem desenvolvido para melhorar a vacinação das crianças no mundo. Em quarto lugar, temos de reduzir a utilização extensiva e desnecessária de antibióticos na agricultura. Nos EUA, por exemplo, mais de setenta por cento dos antibióticos clinicamente importantes são usados em animais. Teremos de começar por melhorar a vigilância em muitas partes do mundo para que possamos conhecer a extensão da utilização de antibióticos. Temos assim dito que é necessário estabelecer objetivos por país para a utilização de antibióticos na agricultura, permitindo que os governos tenham flexibilidade para decidir como irão alcançar níveis mais baixos de utilização. Paralelamente a isto, temos de fazer progressos muito mais rápidos ao nível da proibição ou restrição da utilização de antibióticos em animais que são vitais para a saúde humana. Espero que na cimeira das Nações Unidas, que se realizará em setembro, venham a ser tomadas posições sobre cada um destes pontos e realizados avanços com a Organização Mundial de Saúde (OMS), com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e com a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE). Existem várias maneiras de aumentar o financiamento necessário para a ação proveniente do setor público ou do setor privado: os montantes são muito reduzidos para despesas com cuidados de saúde e os custos inerentes ao aumento da RAM no caso de não agirmos serão muito elevados. Uma vez que os antibióticos são um recurso partilhado do qual dependem tanto a sociedade como a indústria farmacêutica, existe uma forte razão para as empresas que investem no combate à RAM sustentarem as suas próprias receitas provenientes de outros setores como a oncologia ou operações cirúrgicas. Foi por este motivo que eu afirmei que os governos devem considerar várias opções de obtenção de financiamento para recompensas de entrada no mercado para os novos antibióticos do setor farmacêutico que incentivem especialmente a inovação. Consideraria um mecanismo de obtenção de financiamento desta natureza particularmente interessante se puder ser aplicado numa base “plãy or pãy” (participar ou pagar) em que as empresas que investem em I&D de utilidade para o combate à RAM possam deduzir no seu investimento os encargos com todos os intervenientes no setor. Apesar de ser um desafio gigantesco acredito que conseguiremos enfrentá-lo de forma eficaz. Os custos humanos e económicos compelem-nos a agir: se não conseguirmos fazê-lo, as suas consequências serão suportadas pelos nossos filhos e netos, fazendo-se sentir mais intensamente nas regiões mais pobres do mundo. Presidir a esta Avaliação tem sido uma das coisas mais estimulantes que tive a sorte de fazer na minha carreira profissional, e, para além dos inúmeros agradecimentos que tenho a fazer, gostaria de agradecer e felicitar quer o Primeiro Ministro do Reino Unido, David Cameron, por ter tido a clarividência de criar esta Avaliação, quer o Ministro das Finanças do Reino Unido, George Osborne. Também gostaria de agradecer a orientação extremamente útil do Grupo de Direção da Avaliação - Dame Sally Davies, Dr Jeremy Farrar, John Kingman, Karen Pierce e Ed Whiting, e o entusiasmo de Dave Ramsden. E, naturalmente, a minha equipa de Avaliação: Hala Audi, Jeremy Knox, William Hall, Anthony McDonnell, Anjana Seshadri, James Mudd, Nehanda Truscott-Reid, Olivia Macdonald, Flavio Toxvaerd e o Professor Neil Woodford. Sumãrio Executivo Após dezoito meses de consulta e oito documentos provisórios, cada um centrado num aspeto específico da resistência antimicrobiana (RAM), o presente relatório expõe as recomendações finais da Avaliação sobre a Resistência Antimicrobiana para uma abordagem global da RAM, conforme solicitada pelos nossos patrocinadores, o Governo do Reino Unido e a Wellcome Trust. A magnitude do problema é agora aceite. Estimamos que até 2050 estejam em risco dez milhões de vidas por ano e uma produção económica acumulada de 100 milhões de milhões de dólares americanos devido ao aumento das infeções resistentes a medicamentos, se não forem agora encontradas soluções proativas para desacelerar o aumento da resistência a medicamentos. Estima-se que 700.000 pessoas morram atualmente todos os anos de infeções resistentes. Os antibióticos são uma categoria especial de medicamentos antimicrobianos que sustentam a medicina moderna como a conhecemos: se perderem a sua eficácia os principais procedimentos cirúrgicos estarão em risco, como cesarianas, implantação de próteses ou tratamentos que afetam o sistema imunitário como a quimioterapia para o cancro. A maior parte do impacto direto ou indireto da RAM irá incidir nos países de rendimento baixo e médio. Isso não tem necessariamente de ser assim. Cabe aos governos e decisores políticos tomar medidas para alterar esta situação. Uma vez que os micróbios circulam livremente, alguns dos passos necessários terão de ser realizados de forma coordenada a nível internacional. O que é certo é que nenhum país pode resolver o problema sozinho e muitas soluções exigem pelo menos uma massa crítica de países para fazer a diferença. Combater a RAM é fulcral para o desenvolvimento económico a longo prazo dos países e para o nosso bem-estar. As soluções para este combate terão de passar pelo acesso global aos cuidados de saúde fundamentais e devem contribuir para acabar com o desperdício de medicamentos que são necessários e esgotáveis. Para travar o aumento global de infeções resistentes a medicamentos importa resolver um problema de procura e de oferta. A oferta de novos medicamentos é insuficiente para acompanhar o aumento da resistência a medicamentos, uma vez que os medicamentos mais antigos são usados mais amplamente e os micróbios evoluem para criar resistência aos mesmos. Por outro lado, a procura destes medicamentos é muito mal gerida: enormes quantidades de medicamentos antimicrobianos, incluindo os antibióticos, são desperdiçados globalmente em pacientes e animais que não precisam destes, enquanto outros pacientes necessitam, mas não têm acesso a estes medicamentos. É necessário mudar radicalmente a forma como os antibióticos são consumidos e prescritos para preservar a utilidade dos produtos existentes durante mais tempo e reduzir a urgência de descobrir novos produtos. Os governos devem ser responsabilizados por este objetivo de reduzir a procura de medicamentos antimicrobianos, e em particular dos antibióticos, da mesma forma que o deverão ser os principais setores que impulsionam o consumo de antibióticos: os sistemas de cuidados de saúde, a indústria farmacêutica, a agricultura e a indústria de produção de alimentos. Em primeiro lugar, as etapas específicas para reduzir a procura são: 1. Uma enorme campanha de sensibilização pública global É necessário melhorar a sensibilização global em relação à RAM a todos os níveis para que os pacientes e os agricultores não procurem, e os médicos e veterinários não prescrevam, antibióticos quando não são necessários, e para que os decisores políticos garantam a implementação de políticas de combate à RAM. O custo da realização de uma campanha sustentada de sensibilização pública em todo o mundo pode ser financiado por uma combinação de programas de saúde pública existentes nos países mais ricos, apoio a programas em países de rendimento baixo e médio e patrocínios de empresas para grandes eventos. 2. Melhorar as condições de higiene e evitar a propagação da infeção A melhoria das condições de higiene e de saneamento básico foi decisiva no século XIX para combater doenças infeciosas. Dois séculos mais tarde, este princípio ainda permanece válido e continua a ser decisivo para reduzir o aumento da resistência a medicamentos: quanto menos pessoas forem infetadas menor será a necessidade de usarem medicamentos como antibióticos e menor será a resistência criada em relação a estes. Todos os países têm de tomar medidas. Alguns países em desenvolvimento terão de se centrar primeiro na melhoria das condições básicas de saúde, alargando o acesso à água potável e ao saneamento. Outros países deverão centrar-se na redução de infeções na prestação de cuidados de saúde, como a redução das infeções hospitalares. O exemplo mais simples de como todos podem ter um impacto significativo é lavar bem as mãos. 3. Reduzir a utilização desnecessária de antibióticos na agricultura e a sua propagação no meio ambiente Existem circunstâncias em que os antibióticos são necessários na agricultura e na aquicultura para manter o bem-estar dos animais e a segurança alimentar. No entanto, uma parte substancial da sua utilização não se destina ao tratamento de animais doentes, servindo apenas para a prevenção de infeções ou para incrementar o crescimento dos animais. A quantidade de antibióticos utilizados na pecuária é muito elevada. Nos EUA, por exemplo, mais de 70 por cento (por peso) dos antibióticos definidos como clinicamente importantes para os seres humanos pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA são vendidos para serem utilizados em animais. Muitos cientistas vêem isto como uma ameaça para a saúde humana, dado que a utilização em larga escala de antibióticos incentiva o desenvolvimento da resistência aos mesmos que pode ser alastrada afetando os seres humanos e animais similares. Propomos três grandes etapas para melhorar esta situação. Em primeiro lugar, metas de dez anos para reduzir a utilização desnecessária de antibióticos na agricultura, introduzidas em 2018 com o objetivo de apoiar o progresso de forma consistente com o desenvolvimento económico dos países. Para que isso seja possível os governos devem apoiar e acelerar os esforços atuais, incluindo os da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e outros, para medir melhor a utilização de antibióticos e práticas agrícolas. Em segundo lugar, restrições a determinados tipos de antibióticos altamente críticos. Muitos antibióticos que são medicamentos de última linha para os seres humanos estão a ser utilizados na agricultura; deverão ser tomadas medidas urgentes por meio de um painel internacional. Em terceiro lugar, devemos melhorar a transparência dos produtores de alimentos em relação aos antibióticos utilizados na criação dos animais que comemos por forma a permitir que os consumidores tomem decisões de compra mais informadas. Os antibióticos podem chegar ao meio ambiente de muitas formas, nomeadamente através de sistemas de esgotos e de descargas de hospitais e de unidades de produção de alimentos como explorações agrícolas, e colocam problemas potenciais para a RAM. Uma área que ainda não mereceu suficiente atenção é a forma como os ingredientes ativos para os antibióticos são manufaturados, e particularmente o impacto dos efluentes de fábricas nos sistemas de água nas proximidades, e na RAM. Para resolver isso precisamos de reguladores para definir normas mínimas em matéria de resíduos de fabrico; e fabricantes para elevar os padrões através das suas cadeias de abastecimento. Ambos devem assumir a sua responsabilidade e corrigir de imediato os piores casos de poluição. 4. Melhorar a vigilância global da resistência a medicamentos nos seres humanos e nos animais A vigilância é uma das pedras angulares da gestão de doenças infeciosas, mas tem sido muitas vezes ignorada até recentemente e continua a ter pouco financiamento no combate à RAM. Depois da experiência do Ébola, os países começaram recentemente a aumentar o financiamento neste domínio, nomeadamente o Governo dos EUA através da Global Health Security Agenda (GHSA), ou Agenda Mundial de Segurança da Saúde, o Governo do Reino Unido com a constituição, no ano passado, do Fleming Fund, que ascende a 375 milhões de dólares americanos, em resposta às primeiras recomendações formuladas por esta Avaliação, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) com o desenvolvimento do Global AMR Surveillance System (GLASS), ou Sistema Mundial de Vigilância da Resistência Antimicrobiana. Com supervisão da OMS, os governos devem construir a partir destes esforços para recolher dados sobre o consumo de medicamentos antimicrobianos e sobre os níveis de resistência, apoiando os países que mais necessitam de fazê-lo. Também devem implementar agora os sistemas que permitam tirar o máximo proveito dos “grãndes dãdos” sobre resistência a medicamentos que serão gerados numa escala sem precedentes enquanto as ferramentas de diagnóstico são modernizadas e a computação em nuvem é abraçada. Estas novas ferramentas estão ao virar da esquina, e os países de rendimento mais baixo poderão "saltar etapas" na sua utilização para apoiar a vigilância em algumas circunstâncias. 5. Promover novos diagnósticos rápidos para evitar a utilização desnecessária de antibióticos Os diagnósticos rápidos podem transformar a forma como utilizamos os medicamentos antimicrobianos nos seres humanos e nos animais: reduzem as utilizações desnecessárias e abrandam a RAM, fazendo assim com que os medicamentos durem mais tempo. Não é aceitável que uma parte substancial da tecnologia utilizada para informar a prescrição de medicamentos importantes como os antibióticos não tenha evoluído substancialmente em mais de 140 anos. Os países ricos devem liderar o caminho para mudar esta situação: devem tornar obrigatório, até 2020, que a prescrição de antibióticos tenha em conta os dados e a tecnologia de testes sempre que disponíveis e eficazes para ajudar o médico na sua avaliação da prescrição. Isto irá estimular o investimento, sendo uma garantia para os responsáveis pelo desenvolvimento de diagnósticos de que os seus testes são eficazes e serão utilizados. O fundo de inovação global que propomos para a RAM apoiaria as primeiras pesquisas neste domínio. E nos países de rendimento baixo e médio, onde o acesso e a acessibilidade constituem a principal barreira, um estímulo ao mercado de diagnóstico iria proporcionar um pagamento suplementar, de um modo similar ao que sucedeu com a GAVI Alliance, que no início da década de 2000 revolucionou a cobertura das vacinas à escala mundial, constituindo um dos melhores retornos sobre o investimento no apoio ao desenvolvimento económico e ao bem-estar. 6. Utilizar mais as vacinas nos seres humanos e nos animais As vacinas podem prevenir infeções e consequentemente diminuir a procura de tratamentos terapêuticos, reduzindo a utilização de medicamentos antimicrobianos e contribuindo para travar o aumento da resistência a medicamentos. Também existem outras abordagens alternativas em fase de investigação tanto para a prevenção como para o tratamento de infeções bacterianas que nalguns casos poderão constituir alternativas aos antibióticos. Acreditamos que devam ser elegíveis para os mesmos incentivos que recomendamos para o desenvolvimento de antibióticos. Nestas condições, é necessário: 1) utilizar as vacinas e as alternativas existentes de forma mais abrangente nos humanos e nos animais; 2) renovar o impulso para a investigação da fase inicial; e 3) criar e sustentar um mercado viável para os produtos necessários, onde isso não existe. 7. Melhorar os números, o pagamento e o reconhecimento das pessoas que trabalham com doenças infecciosas Os médicos de doenças infecciosas são os mais mal pagos entre as 25 especializações médicas que analisámos nos Estados Unidos. Não é de surpreender que não existam atualmente candidatos para preencher os lugares de estágio dos hospitais. O mesmo se aplica a outras profissões relevantes no combate à RAM, desde enfermeiros e farmacêuticos em hospitais formados para melhorar a administração, a microbiólogos e outros cientistas dedicados à I&D em universidades ou empresas: as especialidades relacionadas com a RAM são frequentemente menos gratificantes financeiramente e em termos de prestígio do que outras áreas da ciência e da medicina. Para alterar esta situação é necessário repensar e incrementar o financiamento para melhorar os planos de carreira e as recompensas nestas áreas. Em segundo lugar, temos de aumentar o número de medicamentos antimicrobianos eficazes para combater as infeções que se tornaram resistentes aos medicamentos existentes. 8. Criar um fundo de inovação global para a fase inicial e não-comercial da investigação Há falta de investimento público e privado em I&D para o combate à RAM. A fim de apoiar a fase inicial da investigação, quer seja "Blue Sky" ou centrada em áreas negligenciadas como a farmacologia ou diagnósticos, propusemos um Fundo de Inovação Global (Global Innovation Fund) com dotação até 2 mil milhões de dólares americanos durante cinco anos. Já foram realizados animadores progressos no decorrer da presente Avaliação, sendo de destacar a criação do fundo de inovação do Reino Unido e da China com enfoque na RAM, a intensificação de esforços nos EUA através da Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA), a Europa através da Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores (IMI) e os programas da Iniciativa de Programação Conjunta para a RAM (IPC_RAM). O espírito do Fundo de Inovação Global tal como o preconizámos poderá ser alcançado ligando e aumentando a dimensão destas iniciativas. É fundamental, todavia, que se torne mais do que a soma das suas partes: financiando tanto a fase inicial "Blue Sky" da Ciência, como a I&D que podendo não ser a vanguarda da ciência carece de um imperativo comercial, de uma forma que rompa as barreiras à entrada e torne o financiamento disponível em países e organizações que de outra forma não teriam acesso a financiamentos. 9. Melhores incentivos para promover o investimento em novos medicamentos e na melhoria dos existentes Para os antibióticos, o retorno comercial do investimento em I&D parecia pouco atrativo até à emergência da resistência generalizada a gerações anteriores de fármacos, tempo durante o qual o novo antibiótico poderá perder ou vir a perder rapidamente a proteção de patente. O mercado total de antibióticos é relativamente grande: cerca de 40 mil milhões de dólares americanos de vendas por ano, mas apenas cerca de quatro mil milhões de dólares americanos são vendas de antibióticos patenteados (aproximadamente o mesmo que as vendas anuais para um medicamento topo de venda para tratamento de cancro). Não é, pois, de admirar que as empresas não estejam a investir neste mercado apesar de as necessidades médicas serem muito elevadas. Isto não irá mudar até as necessidades de saúde pública estarem melhor alinhadas com os incentivos comerciais. Os governos devem alterar esta situação a nível nacional equacionando possíveis alterações nos seus sistemas de compra e de distribuição de antibióticos, para que seja possível recompensar melhor a inovação e contribuir para evitar a utilização de um novo produto. Isto pode ser parcialmente conseguido através da realização de ajustes nos sistemas nacionais de compras e de distribuição por forma a refletir a diversidade dos sistemas de saúde em todo o mundo. Ao mesmo tempo, no que se refere aos medicamentos mais necessários a nível mundial e para os quais é importante uma gestão global e um acesso global, precisamos de encontrar uma forma de recompensar a inovação que reduza a ligação entre o lucro e o volume de vendas e envolva o responsável pelo desenvolvimento de medicamentos para permitir o acesso e promover uma gestão global. Propusemos um sistema de recompensas de entrada no mercado de cerca de mil milhões de dólares americanos por medicamento para tratamentos eficazes, com base em medicamentos novos ou antigos, contra agentes patogénicos resistentes em áreas de necessidade mais urgente. A título de exemplo, a tuberculose, a gonorreia, os designados agentes patogénicos "gram-negãtivos” e algumas indicações fúngicas, são todos reconhecidos para representarem uma zona elevada de necessidade que atualmente está mal servida pelo desenvolvimento de medicamentos antimicrobianos. Por último, uma regulamentação harmonizada e redes de ensaio clínico podem desempenhar um papel importante nesta área para reduzir os custos de desenvolvimento de medicamentos. Nada disto poderá ter êxito sem a construção de uma coligação global para agir em relação à RAM que consideramos ser a nossa décima intervenção recomendada. 10. Construir uma coligação global para a ação real - através do G20 e da ONU A RAM não é um problema que possa ser resolvido por um país, ou mesmo por uma região. Vivemos num mundo interligado onde as pessoas, os animais e os alimentos circulam, acompanhados de micróbios. Uma ação global é, por conseguinte, necessária para alcançar progressos significativos a longo prazo. Exortamos o G20 e a ONU para se centrarem nesta questão em 2016 e tomarem medidas tanto do lado da oferta como do lado da procura de medicamentos antimicrobianos, desencadeando uma fase de mudança na luta contra a RAM. Existem várias formas de financiamento do custo das nossas intervenções Os governos, juntamente com os bancos de desenvolvimento multilaterais, poderiam financiar o custo do combate à RAM fora dos seus orçamentos para a saúde e para o desenvolvimento económico: os fundos afetos à RAM irão agora reduzir o montante dos custos futuros quando se desenvolver uma crise maior, que recairão inevitavelmente nos governos. A maioria dos incentivos que recomendamos é estruturada como “pãgãmentos para o sucesso” pelo que não exigem investimento público inicial em projetos que podem ou não oferecer melhorias. No entanto, também existe uma forte razão para os governos criarem uma nova fonte de financiamento chamando o setor privado para contribuir com incentivos especificamente concebidos para combater a resistência aos antibióticos e estimular a inovação. Esta reflete a realidade da qual dependem o setor farmacêutico e de cuidados de saúde para sustentar a sua atividade como um todo. As companhias farmacêuticas não devem esgotar o seu stock comum de antibióticos velhos, dos quais dependem para sustentar uma gama de produtos que vai da quimioterapia até as próteses, antes de criarem novos antibióticos para reabastecer o stock. Poderia impor-se à indústria farmacêutica uma pequena parte do custo de investimento em antibióticos sob condição de vender os seus produtos nos grandes mercados. Esse dinheiro seria então utilizado para construir uma provisão para as recompensas de entrada no mercado de novos antibióticos úteis. Sugerimos que uma versão ainda melhor deste sistema, se puder ser concebido de forma eficaz, iria aplicar o custo numa base de “pãgãr ou jogar', o que significa que as empresas podem escolher entre pagar o custo ou utilizar o dinheiro para investir em I&D útil para reduzir a ameaça da RAM. Isto iria incentivar mais as empresas a investir e a inovar para combater a RAM, alinhando os seus interesses comerciais com os objetivos de saúde pública. Por fim, destacamos princípios para a forma como estas intervenções deverão ser realizadas na prática, limitando a nova burocracia e coexistentes com as atuais instituições internacionais e com os sistemas nacionais de saúde, sempre que possível. É o momento de transformar as ideias em ações eficazes e de resolver o problema da resistência a medicamentos. Graças à coragem e determinação de alguns líderes nesta área, o problema da RAM será discutido na Assembleia Geral da ONU no final deste ano e mantém a sua importância na agenda dos países do G7 e do G20. Os líderes destes fóruns mundiais devem pronunciar-se e chegar a um acordo sobre soluções práticas.