20160506 final paper - foreword and executive

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Previsão de Jim O’Neill
Quando fui convidado para presidir a Avaliação sobre a Resistência Antimicrobiana (Review on
Antimicrobial Resistance), foi dito que a resistência antimicrobiana (RAM) era uma das maiores
ameaças para a saúde que a humanidade iria enfrentar nas próximas décadas. A minha primeira
reação foi perguntar por que razão deveria um economista liderar este processo, e a resposta
veio com outra pergunta, porque não um economista de saúde? A explicação dada foi que
muitos problemas urgentes são económicos, pelo que seria necessário um economista
especializado em macroeconomia e em economia internacional para criar soluções.
Tenho mantido sempre esta ideia em mente desde a nossa primeira conversa e foi com base na
mesma que estruturei a abordagem da minha equipa.
É agora claro para mim, como o é há muito tempo para os peritos científicos, que combater a
RAM é absolutamente essencial. Deve ser vista como a ameaça económica e de segurança que é,
e ocupar um lugar privilegiado nas preocupações dos chefes de Estado, dos ministros das
finanças, dos ministros da agricultura e, naturalmente, dos ministros da saúde para os anos
vindouros.
Como já foi amplamente citado, o nosso primeiro documento descreve um mundo em 2050 em
que a RAM é o problema devastador que ameaça tornar-se realidade se não encontrarmos
soluções. Escolhi deliberadamente o ano 2050 por ser a mesma data associada ao mundo
inspirador dos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que me tornou conhecido.
Recorremos a duas equipas de consultoria, KPMG e Rand, para proceder à análise de cenários
detalhados que constituem a base para as nossas conclusões. Como já é amplamente conhecido,
estamos convictos de que na ausência de políticas de combate à preocupante expansão da RAM,
as atuais já numerosas 700.000 mortes por ano passariam a ser um assustador número de 10
milhões por ano, mais do que as atuais mortes anuais de cancro. Com efeito, mesmo atendendo
às estatísticas atuais, é correto assumir que mais de um milhão de pessoas tenham morrido
devido à RAM, uma vez que iniciei a presente Avaliação no verão de 2014. O que é
verdadeiramente chocante. Para além do trágico custo humano, a RAM também tem um custo
económico muito real que irá continuar a agravar-se se o problema da resistência não for
resolvido. O custo em termos de perda de produção mundial entre o presente e 2050 ascenderá
a 100 milhões de milhões de dólares americanos se não agirmos agora.
Como com todas as previsões desta natureza, é naturalmente possível que as nossas estimativas
venham a revelar-se exageradas mas acreditamos que é ainda mais provável que venham a
revelar-se demasiado modestas. Isto porque não considerámos os efeitos secundários dos
antibióticos por perderem a sua eficácia, tais como os riscos para a realização de cesarianas,
implantação de próteses de anca ou cirurgia intestinal. E no breve período de 19 meses, que
decorreram desde o início da nossa avaliação, já surgiram novas formas de resistência que não
contávamos que ocorressem tão cedo, tais como a descoberta altamente preocupante da
resistência a colistina transmissível, observada no final de 2015.
Cientes da dimensão do problema se não agirmos, temos vindo a fazer recomendações sobre a
forma como podemos evitar um cenário tão devastador. Seja qual for o número exato, que
naturalmente desejamos que nunca venha a tornar-se realidade, o custo da ausência de ação
que ciframos em 100 milhões de milhões de dólares americanos significa que as intervenções
que recomendamos têm uma excelente relação custo/ benefício numa base relativa.
Já se verificaram alguns progressos animadores desde que começámos a definir a nossa
proposta de soluções. Em fevereiro de 2015, dissemos que era necessária uma vigilância
drasticamente mais significativa para controlar a resistência, especialmente nas economias
emergentes. Ficámos muito satisfeitos em relação a isto, pelo facto de o Governo do Reino Unido
ter criado o Fleming Fund para melhorar a vigilância de doenças com enfoque nas infeções
resistentes a medicamentos em países de baixo e médio rendimento, com uma contribuição de
375 milhões de dólares americanos. Este trabalho é muitíssimo importante para combater a
RAM e deve estar em sintonia com o recente ímpeto para concretizar uma vigilância de doenças
verdadeiramente eficaz à escala global e assegurar que os sistemas de saúde venham a estar
melhor preparados para lidar com epidemias.
Também consideramos ser necessário um maior financiamento na investigação da RAM por
forma a dar o pontapé de saída para que se iniciem as primeiras pesquisas sobre novos agentes
antimicrobianos e diagnósticos. Estamos muito satisfeitos pelo facto de os governos britânico e
chinês terem acordado contribuir com 50 milhões de libras esterlinas (72 milhões de dólares
americanos) para um novo Fundo de Inovação Global (Global Innovation Fund). Será necessário
que este fundo cresça internacionalmente e se associe a outras fontes de financiamento
existentes para o combate à RAM, por forma a preencher as lacunas deixadas pelas fontes de
financiamento tradicionais e garantir que os financiamentos novos e existentes são bem
coordenados para benefício dos investigadores de todo o mundo.
É muito gratificante sabermos que muitas das nossas recomendações já estão a ser
implementadas ainda antes da publicação do nosso relatório final. Mas muito mais ainda terá de
ser feito durante os restantes meses deste ano e no próximo ano. É necessário garantir o
envolvimento das instâncias internacionais adequadas por forma a que sejam realizados os
acordos políticos necessários e eu dediquei grande parte do meu tempo a esta questão durante
os últimos dois anos. Tendo em conta a minha própria experiência e a natureza do desafio do
combate à RAM, era por demais evidente que os líderes do G20 e os respetivos ministros das
finanças teriam de desempenhar um papel central e estamos satisfeitos com o facto de tudo
estar em marcha com boas perspetivas de progresso. É uma oportunidade histórica para a
governação global o facto de a China vir a ser, pela primeira vez, o país anfitrião do G20 em
2016; A China irá liderar o mundo no combate à RAM de forma significativa e global a partir da
sua presidência.
Quatro intervenções serão particularmente importantes, para além dos dez pontos para
combater a RAM definidos no nosso relatório final.
Em primeiro lugar, precisamos de uma campanha de sensibilização pública global para
informar toda a gente sobre o problema da resistência aos medicamentos, com incidência
particular nas crianças e adolescentes. Vejo isto como uma prioridade urgente e apelamos aos
promotores de campanhas internacionais, especialistas do setor e organizações não
governamentais para que equacionem a forma como poderão contribuir para a realização de
uma campanha mundial urgente sobre a RAM. Penso que poderia e deveria arrancar este verão,
se conseguirmos fazer verdadeiros progressos no combate à RAM, e que poderia ser apoiada na
Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro.
Em segundo lugar, precisamos de abordar o problema da oferta: precisamos de novos
medicamentos que venham substituir aqueles que já não produzem efeito devido à resistência.
Há décadas que não vemos uma verdadeira nova classe de antibióticos. Está nas mãos dos
políticos mudar esta situação. Recomendamos que os países analisem cuidadosamente a forma
como compram e definem os preços dos antibióticos, para recompensar os novos medicamentos
inovadores sem incentivar a utilização desnecessária de novos antibióticos. Para além deste
trabalho a nível nacional, precisamos de um grupo de países como o G20 que se reúna para
recompensar os novos antibióticos após estes serem aprovados para a utilização dos pacientes.
Estas recompensas de entrada no mercado, de cerca de mil milhões de dólares americanos
para cada uma, seriam dadas aos responsáveis pelo desenvolvimento de novos medicamentos
bem-sucedidos, estando sujeitas a determinadas condições para assegurar que os novos
medicamentos não são "sobre-comercializados" e estão disponíveis para os pacientes que
necessitam dos mesmos onde quer que vivam. É excelente ver que esta ideia já está a ser
discutida por altos funcionários do G20. Espero que esta discussão venha a traduzir-se em ações
concretas durante a cimeira dos seus chefes de Estado em setembro.
Em terceiro lugar, precisamos de utilizar os antibióticos de forma mais seletiva nos seres
humanos e nos animais por forma a reduzir a sua utilização desnecessária que acelera a
resistência aos medicamentos. Para isso, precisamos de uma mudança na tecnologia disponível.
Acho incrível que os médicos ainda tenham de prescrever medicamentos importantes como
antibióticos apenas com base numa avaliação imediata dos sintomas do paciente, da mesma
forma que o faziam quando os antibióticos começaram a ser prescritos na década de cinquenta.
Quando um teste é usado para confirmar o diagnóstico - o que acontece numa pequena minoria
dos casos - este assenta frequentemente numa tecnologia que não evoluiu significativamente
desde 1860. Posso compreender a razão subjacente: não existem testes rápidos em número
suficiente para substituir completamente a apreciação profissional do médico e os testes que
estão disponíveis são muitas vezes mais caros do que a prescrição de medicamentos "no caso de
precisar". Mas isso não é aceitável: precisamos de incentivar mais inovação e, mais importante,
assegurar que são utilizados produtos úteis. Apelo aos governos dos países mais ricos para
mandatarem agora que até 2020 todas as prescrições de antibióticos tenham de ser informadas
pela vigilância até à data e por um teste de diagnóstico rápido onde quer que exista. Isto irá
abrir as portas para o investimento e a inovação, mostrando aos responsáveis pelo
desenvolvimento de medicamentos mais inteligentes que ao construírem testes rápidos irão
encontrar um mercado para os seus produtos. Tendo a tecnologia melhorado, os mercados nos
países em desenvolvimento poderão ser suportados por um sistema que designámos estímulo
ao mercado de diagnóstico, não muito diferente do grande trabalho que a GAVI Alliance tem
desenvolvido para melhorar a vacinação das crianças no mundo.
Em quarto lugar, temos de reduzir a utilização extensiva e desnecessária de antibióticos na
agricultura. Nos EUA, por exemplo, mais de setenta por cento dos antibióticos clinicamente
importantes são usados em animais. Teremos de começar por melhorar a vigilância em muitas
partes do mundo para que possamos conhecer a extensão da utilização de antibióticos. Temos
assim dito que é necessário estabelecer objetivos por país para a utilização de antibióticos na
agricultura, permitindo que os governos tenham flexibilidade para decidir como irão alcançar
níveis mais baixos de utilização. Paralelamente a isto, temos de fazer progressos muito mais
rápidos ao nível da proibição ou restrição da utilização de antibióticos em animais que são vitais
para a saúde humana. Espero que na cimeira das Nações Unidas, que se realizará em setembro,
venham a ser tomadas posições sobre cada um destes pontos e realizados avanços com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), com a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO) e com a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE).
Existem várias maneiras de aumentar o financiamento necessário para a ação proveniente do
setor público ou do setor privado: os montantes são muito reduzidos para despesas com
cuidados de saúde e os custos inerentes ao aumento da RAM no caso de não agirmos serão
muito elevados. Uma vez que os antibióticos são um recurso partilhado do qual dependem tanto
a sociedade como a indústria farmacêutica, existe uma forte razão para as empresas que
investem no combate à RAM sustentarem as suas próprias receitas provenientes de outros
setores como a oncologia ou operações cirúrgicas. Foi por este motivo que eu afirmei que os
governos devem considerar várias opções de obtenção de financiamento para recompensas de
entrada no mercado para os novos antibióticos do setor farmacêutico que incentivem
especialmente a inovação. Consideraria um mecanismo de obtenção de financiamento desta
natureza particularmente interessante se puder ser aplicado numa base “plãy or pãy”
(participar ou pagar) em que as empresas que investem em I&D de utilidade para o combate à
RAM possam deduzir no seu investimento os encargos com todos os intervenientes no setor.
Apesar de ser um desafio gigantesco acredito que conseguiremos enfrentá-lo de forma eficaz. Os
custos humanos e económicos compelem-nos a agir: se não conseguirmos fazê-lo, as suas
consequências serão suportadas pelos nossos filhos e netos, fazendo-se sentir mais
intensamente nas regiões mais pobres do mundo.
Presidir a esta Avaliação tem sido uma das coisas mais estimulantes que tive a sorte de fazer na
minha carreira profissional, e, para além dos inúmeros agradecimentos que tenho a fazer, gostaria
de agradecer e felicitar quer o Primeiro Ministro do Reino Unido, David Cameron, por ter tido a
clarividência de criar esta Avaliação, quer o Ministro das Finanças do Reino Unido, George
Osborne. Também gostaria de agradecer a orientação extremamente útil do Grupo de Direção da
Avaliação - Dame Sally Davies, Dr Jeremy Farrar, John Kingman, Karen Pierce e Ed Whiting, e o
entusiasmo de Dave Ramsden. E, naturalmente, a minha equipa de Avaliação: Hala Audi, Jeremy
Knox, William Hall, Anthony McDonnell, Anjana Seshadri, James Mudd, Nehanda Truscott-Reid,
Olivia Macdonald, Flavio Toxvaerd e o Professor Neil Woodford.
Sumãrio Executivo
Após dezoito meses de consulta e oito documentos provisórios, cada um centrado num aspeto
específico da resistência antimicrobiana (RAM), o presente relatório expõe as recomendações
finais da Avaliação sobre a Resistência Antimicrobiana para uma abordagem global da RAM,
conforme solicitada pelos nossos patrocinadores, o Governo do Reino Unido e a Wellcome Trust.
A magnitude do problema é agora aceite. Estimamos que até 2050 estejam em risco dez milhões
de vidas por ano e uma produção económica acumulada de 100 milhões de milhões de dólares
americanos devido ao aumento das infeções resistentes a medicamentos, se não forem agora
encontradas soluções proativas para desacelerar o aumento da resistência a medicamentos.
Estima-se que 700.000 pessoas morram atualmente todos os anos de infeções resistentes. Os
antibióticos são uma categoria especial de medicamentos antimicrobianos que sustentam a
medicina moderna como a conhecemos: se perderem a sua eficácia os principais procedimentos
cirúrgicos estarão em risco, como cesarianas, implantação de próteses ou tratamentos que
afetam o sistema imunitário como a quimioterapia para o cancro. A maior parte do impacto
direto ou indireto da RAM irá incidir nos países de rendimento baixo e médio.
Isso não tem necessariamente de ser assim. Cabe aos governos e decisores políticos tomar
medidas para alterar esta situação. Uma vez que os micróbios circulam livremente, alguns dos
passos necessários terão de ser realizados de forma coordenada a nível internacional. O que é
certo é que nenhum país pode resolver o problema sozinho e muitas soluções exigem pelo
menos uma massa crítica de países para fazer a diferença. Combater a RAM é fulcral para o
desenvolvimento económico a longo prazo dos países e para o nosso bem-estar. As soluções
para este combate terão de passar pelo acesso global aos cuidados de saúde fundamentais e
devem contribuir para acabar com o desperdício de medicamentos que são necessários e
esgotáveis.
Para travar o aumento global de infeções resistentes a medicamentos importa resolver um
problema de procura e de oferta. A oferta de novos medicamentos é insuficiente para
acompanhar o aumento da resistência a medicamentos, uma vez que os medicamentos mais
antigos são usados mais amplamente e os micróbios evoluem para criar resistência aos mesmos.
Por outro lado, a procura destes medicamentos é muito mal gerida: enormes quantidades de
medicamentos antimicrobianos, incluindo os antibióticos, são desperdiçados globalmente em
pacientes e animais que não precisam destes, enquanto outros pacientes necessitam, mas não
têm acesso a estes medicamentos.
É necessário mudar radicalmente a forma como os antibióticos são consumidos e prescritos
para preservar a utilidade dos produtos existentes durante mais tempo e reduzir a urgência de
descobrir novos produtos. Os governos devem ser responsabilizados por este objetivo de
reduzir a procura de medicamentos antimicrobianos, e em particular dos antibióticos, da
mesma forma que o deverão ser os principais setores que impulsionam o consumo de
antibióticos: os sistemas de cuidados de saúde, a indústria farmacêutica, a agricultura e a
indústria de produção de alimentos.
Em primeiro lugar, as etapas específicas para reduzir a procura são:
1. Uma enorme campanha de sensibilização pública global
É necessário melhorar a sensibilização global em relação à RAM a todos os níveis para que os
pacientes e os agricultores não procurem, e os médicos e veterinários não prescrevam,
antibióticos quando não são necessários, e para que os decisores políticos garantam a
implementação de políticas de combate à RAM. O custo da realização de uma campanha
sustentada de sensibilização pública em todo o mundo pode ser financiado por uma combinação
de programas de saúde pública existentes nos países mais ricos, apoio a programas em países
de rendimento baixo e médio e patrocínios de empresas para grandes eventos.
2. Melhorar as condições de higiene e evitar a propagação da infeção
A melhoria das condições de higiene e de saneamento básico foi decisiva no século XIX para
combater doenças infeciosas. Dois séculos mais tarde, este princípio ainda permanece válido e
continua a ser decisivo para reduzir o aumento da resistência a medicamentos: quanto menos
pessoas forem infetadas menor será a necessidade de usarem medicamentos como antibióticos
e menor será a resistência criada em relação a estes. Todos os países têm de tomar medidas.
Alguns países em desenvolvimento terão de se centrar primeiro na melhoria das condições
básicas de saúde, alargando o acesso à água potável e ao saneamento. Outros países deverão
centrar-se na redução de infeções na prestação de cuidados de saúde, como a redução das
infeções hospitalares. O exemplo mais simples de como todos podem ter um impacto
significativo é lavar bem as mãos.
3. Reduzir a utilização desnecessária de antibióticos na agricultura e a sua
propagação no meio ambiente
Existem circunstâncias em que os antibióticos são necessários na agricultura e na aquicultura para manter o bem-estar dos animais e a segurança alimentar. No entanto, uma parte
substancial da sua utilização não se destina ao tratamento de animais doentes, servindo apenas
para a prevenção de infeções ou para incrementar o crescimento dos animais. A quantidade de
antibióticos utilizados na pecuária é muito elevada. Nos EUA, por exemplo, mais de 70 por cento
(por peso) dos antibióticos definidos como clinicamente importantes para os seres humanos
pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA são vendidos para serem utilizados em
animais. Muitos cientistas vêem isto como uma ameaça para a saúde humana, dado que a
utilização em larga escala de antibióticos incentiva o desenvolvimento da resistência aos
mesmos que pode ser alastrada afetando os seres humanos e animais similares. Propomos três
grandes etapas para melhorar esta situação. Em primeiro lugar, metas de dez anos para reduzir
a utilização desnecessária de antibióticos na agricultura, introduzidas em 2018 com o objetivo
de apoiar o progresso de forma consistente com o desenvolvimento económico dos países. Para
que isso seja possível os governos devem apoiar e acelerar os esforços atuais, incluindo os da
Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e outros, para medir melhor a utilização de
antibióticos e práticas agrícolas. Em segundo lugar, restrições a determinados tipos de
antibióticos altamente críticos. Muitos antibióticos que são medicamentos de última linha para
os seres humanos estão a ser utilizados na agricultura; deverão ser tomadas medidas urgentes
por meio de um painel internacional. Em terceiro lugar, devemos melhorar a transparência dos
produtores de alimentos em relação aos antibióticos utilizados na criação dos animais que
comemos por forma a permitir que os consumidores tomem decisões de compra mais
informadas.
Os antibióticos podem chegar ao meio ambiente de muitas formas, nomeadamente através de
sistemas de esgotos e de descargas de hospitais e de unidades de produção de alimentos como
explorações agrícolas, e colocam problemas potenciais para a RAM. Uma área que ainda não
mereceu suficiente atenção é a forma como os ingredientes ativos para os antibióticos são
manufaturados, e particularmente o impacto dos efluentes de fábricas nos sistemas de água nas
proximidades, e na RAM. Para resolver isso precisamos de reguladores para definir normas
mínimas em matéria de resíduos de fabrico; e fabricantes para elevar os padrões através das
suas cadeias de abastecimento. Ambos devem assumir a sua responsabilidade e corrigir de
imediato os piores casos de poluição.
4. Melhorar a vigilância global da resistência a medicamentos nos seres humanos e
nos animais
A vigilância é uma das pedras angulares da gestão de doenças infeciosas, mas tem sido muitas
vezes ignorada até recentemente e continua a ter pouco financiamento no combate à RAM.
Depois da experiência do Ébola, os países começaram recentemente a aumentar o
financiamento neste domínio, nomeadamente o Governo dos EUA através da Global Health
Security Agenda (GHSA), ou Agenda Mundial de Segurança da Saúde, o Governo do Reino Unido
com a constituição, no ano passado, do Fleming Fund, que ascende a 375 milhões de dólares
americanos, em resposta às primeiras recomendações formuladas por esta Avaliação, e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) com o desenvolvimento do Global AMR Surveillance
System (GLASS), ou Sistema Mundial de Vigilância da Resistência Antimicrobiana. Com
supervisão da OMS, os governos devem construir a partir destes esforços para recolher dados
sobre o consumo de medicamentos antimicrobianos e sobre os níveis de resistência, apoiando
os países que mais necessitam de fazê-lo. Também devem implementar agora os sistemas que
permitam tirar o máximo proveito dos “grãndes dãdos” sobre resistência a medicamentos que
serão gerados numa escala sem precedentes enquanto as ferramentas de diagnóstico são
modernizadas e a computação em nuvem é abraçada. Estas novas ferramentas estão ao virar da
esquina, e os países de rendimento mais baixo poderão "saltar etapas" na sua utilização para
apoiar a vigilância em algumas circunstâncias.
5. Promover novos diagnósticos rápidos para evitar a utilização desnecessária de
antibióticos
Os diagnósticos rápidos podem transformar a forma como utilizamos os medicamentos
antimicrobianos nos seres humanos e nos animais: reduzem as utilizações desnecessárias e
abrandam a RAM, fazendo assim com que os medicamentos durem mais tempo. Não é aceitável
que uma parte substancial da tecnologia utilizada para informar a prescrição de medicamentos
importantes como os antibióticos não tenha evoluído substancialmente em mais de 140 anos.
Os países ricos devem liderar o caminho para mudar esta situação: devem tornar obrigatório,
até 2020, que a prescrição de antibióticos tenha em conta os dados e a tecnologia de testes
sempre que disponíveis e eficazes para ajudar o médico na sua avaliação da prescrição. Isto irá
estimular o investimento, sendo uma garantia para os responsáveis pelo desenvolvimento de
diagnósticos de que os seus testes são eficazes e serão utilizados. O fundo de inovação global
que propomos para a RAM apoiaria as primeiras pesquisas neste domínio. E nos países de
rendimento baixo e médio, onde o acesso e a acessibilidade constituem a principal barreira, um
estímulo ao mercado de diagnóstico iria proporcionar um pagamento suplementar, de um modo
similar ao que sucedeu com a GAVI Alliance, que no início da década de 2000 revolucionou a
cobertura das vacinas à escala mundial, constituindo um dos melhores retornos sobre o
investimento no apoio ao desenvolvimento económico e ao bem-estar.
6. Utilizar mais as vacinas nos seres humanos e nos animais
As vacinas podem prevenir infeções e consequentemente diminuir a procura de tratamentos
terapêuticos, reduzindo a utilização de medicamentos antimicrobianos e contribuindo para
travar o aumento da resistência a medicamentos. Também existem outras abordagens
alternativas em fase de investigação tanto para a prevenção como para o tratamento de infeções
bacterianas que nalguns casos poderão constituir alternativas aos antibióticos. Acreditamos que
devam ser elegíveis para os mesmos incentivos que recomendamos para o desenvolvimento de
antibióticos. Nestas condições, é necessário: 1) utilizar as vacinas e as alternativas existentes de
forma mais abrangente nos humanos e nos animais; 2) renovar o impulso para a investigação da
fase inicial; e 3) criar e sustentar um mercado viável para os produtos necessários, onde isso
não existe.
7. Melhorar os números, o pagamento e o reconhecimento das pessoas que
trabalham com doenças infecciosas
Os médicos de doenças infecciosas são os mais mal pagos entre as 25 especializações médicas
que analisámos nos Estados Unidos. Não é de surpreender que não existam atualmente
candidatos para preencher os lugares de estágio dos hospitais. O mesmo se aplica a outras
profissões relevantes no combate à RAM, desde enfermeiros e farmacêuticos em hospitais
formados para melhorar a administração, a microbiólogos e outros cientistas dedicados à I&D
em universidades ou empresas: as especialidades relacionadas com a RAM são frequentemente
menos gratificantes financeiramente e em termos de prestígio do que outras áreas da ciência e
da medicina. Para alterar esta situação é necessário repensar e incrementar o financiamento
para melhorar os planos de carreira e as recompensas nestas áreas.
Em segundo lugar, temos de aumentar o número de medicamentos antimicrobianos
eficazes para combater as infeções que se tornaram resistentes aos medicamentos
existentes.
8. Criar um fundo de inovação global para a fase inicial e não-comercial da
investigação
Há falta de investimento público e privado em I&D para o combate à RAM. A fim de apoiar a fase
inicial da investigação, quer seja "Blue Sky" ou centrada em áreas negligenciadas como a
farmacologia ou diagnósticos, propusemos um Fundo de Inovação Global (Global Innovation
Fund) com dotação até 2 mil milhões de dólares americanos durante cinco anos. Já foram
realizados animadores progressos no decorrer da presente Avaliação, sendo de destacar a
criação do fundo de inovação do Reino Unido e da China com enfoque na RAM, a intensificação
de esforços nos EUA através da Biomedical Advanced Research and Development Authority
(BARDA), a Europa através da Iniciativa sobre Medicamentos Inovadores (IMI) e os programas
da Iniciativa de Programação Conjunta para a RAM (IPC_RAM). O espírito do Fundo de Inovação
Global tal como o preconizámos poderá ser alcançado ligando e aumentando a dimensão destas
iniciativas. É fundamental, todavia, que se torne mais do que a soma das suas partes:
financiando tanto a fase inicial "Blue Sky" da Ciência, como a I&D que podendo não ser a
vanguarda da ciência carece de um imperativo comercial, de uma forma que rompa as barreiras
à entrada e torne o financiamento disponível em países e organizações que de outra forma não
teriam acesso a financiamentos.
9. Melhores incentivos para promover o investimento em novos medicamentos e na
melhoria dos existentes
Para os antibióticos, o retorno comercial do investimento em I&D parecia pouco atrativo até à
emergência da resistência generalizada a gerações anteriores de fármacos, tempo durante o
qual o novo antibiótico poderá perder ou vir a perder rapidamente a proteção de patente. O
mercado total de antibióticos é relativamente grande: cerca de 40 mil milhões de dólares
americanos de vendas por ano, mas apenas cerca de quatro mil milhões de dólares americanos
são vendas de antibióticos patenteados (aproximadamente o mesmo que as vendas anuais para
um medicamento topo de venda para tratamento de cancro). Não é, pois, de admirar que as
empresas não estejam a investir neste mercado apesar de as necessidades médicas serem muito
elevadas. Isto não irá mudar até as necessidades de saúde pública estarem melhor alinhadas
com os incentivos comerciais. Os governos devem alterar esta situação a nível nacional
equacionando possíveis alterações nos seus sistemas de compra e de distribuição de
antibióticos, para que seja possível recompensar melhor a inovação e contribuir para evitar a
utilização de um novo produto. Isto pode ser parcialmente conseguido através da realização de
ajustes nos sistemas nacionais de compras e de distribuição por forma a refletir a diversidade
dos sistemas de saúde em todo o mundo. Ao mesmo tempo, no que se refere aos medicamentos
mais necessários a nível mundial e para os quais é importante uma gestão global e um acesso
global, precisamos de encontrar uma forma de recompensar a inovação que reduza a ligação
entre o lucro e o volume de vendas e envolva o responsável pelo desenvolvimento de
medicamentos para permitir o acesso e promover uma gestão global. Propusemos um sistema
de recompensas de entrada no mercado de cerca de mil milhões de dólares americanos por
medicamento para tratamentos eficazes, com base em medicamentos novos ou antigos, contra
agentes patogénicos resistentes em áreas de necessidade mais urgente. A título de exemplo, a
tuberculose, a gonorreia, os designados agentes patogénicos "gram-negãtivos” e algumas
indicações fúngicas, são todos reconhecidos para representarem uma zona elevada de
necessidade que atualmente está mal servida pelo desenvolvimento de medicamentos
antimicrobianos. Por último, uma regulamentação harmonizada e redes de ensaio clínico podem
desempenhar um papel importante nesta área para reduzir os custos de desenvolvimento de
medicamentos.
Nada disto poderá ter êxito sem a construção de uma coligação global para agir em
relação à RAM que consideramos ser a nossa décima intervenção recomendada.
10. Construir uma coligação global para a ação real - através do G20 e da ONU
A RAM não é um problema que possa ser resolvido por um país, ou mesmo por uma região.
Vivemos num mundo interligado onde as pessoas, os animais e os alimentos circulam,
acompanhados de micróbios. Uma ação global é, por conseguinte, necessária para alcançar
progressos significativos a longo prazo. Exortamos o G20 e a ONU para se centrarem nesta
questão em 2016 e tomarem medidas tanto do lado da oferta como do lado da procura de
medicamentos antimicrobianos, desencadeando uma fase de mudança na luta contra a RAM.
Existem várias formas de financiamento do custo das nossas intervenções
Os governos, juntamente com os bancos de desenvolvimento multilaterais, poderiam financiar o
custo do combate à RAM fora dos seus orçamentos para a saúde e para o desenvolvimento
económico: os fundos afetos à RAM irão agora reduzir o montante dos custos futuros quando se
desenvolver uma crise maior, que recairão inevitavelmente nos governos. A maioria dos
incentivos que recomendamos é estruturada como “pãgãmentos para o sucesso” pelo que não
exigem investimento público inicial em projetos que podem ou não oferecer melhorias.
No entanto, também existe uma forte razão para os governos criarem uma nova fonte de
financiamento chamando o setor privado para contribuir com incentivos especificamente
concebidos para combater a resistência aos antibióticos e estimular a inovação. Esta reflete a
realidade da qual dependem o setor farmacêutico e de cuidados de saúde para sustentar a sua
atividade como um todo. As companhias farmacêuticas não devem esgotar o seu stock comum
de antibióticos velhos, dos quais dependem para sustentar uma gama de produtos que vai da
quimioterapia até as próteses, antes de criarem novos antibióticos para reabastecer o stock.
Poderia impor-se à indústria farmacêutica uma pequena parte do custo de investimento em
antibióticos sob condição de vender os seus produtos nos grandes mercados. Esse dinheiro
seria então utilizado para construir uma provisão para as recompensas de entrada no mercado
de novos antibióticos úteis. Sugerimos que uma versão ainda melhor deste sistema, se puder ser
concebido de forma eficaz, iria aplicar o custo numa base de “pãgãr ou jogar', o que significa que
as empresas podem escolher entre pagar o custo ou utilizar o dinheiro para investir em I&D útil
para reduzir a ameaça da RAM. Isto iria incentivar mais as empresas a investir e a inovar para
combater a RAM, alinhando os seus interesses comerciais com os objetivos de saúde pública.
Por fim, destacamos princípios para a forma como estas intervenções deverão ser realizadas na
prática, limitando a nova burocracia e coexistentes com as atuais instituições internacionais e
com os sistemas nacionais de saúde, sempre que possível.
É o momento de transformar as ideias em ações eficazes e de resolver o problema da resistência
a medicamentos. Graças à coragem e determinação de alguns líderes nesta área, o problema da
RAM será discutido na Assembleia Geral da ONU no final deste ano e mantém a sua importância
na agenda dos países do G7 e do G20. Os líderes destes fóruns mundiais devem pronunciar-se e
chegar a um acordo sobre soluções práticas.
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