1 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO DOCENTE: possibilidades e contribuições para uma prática emancipada e emancipadora 1 Islei Gonçalves Rabelo i Rosângela Silveira Rodrigues ii RESUMO: Esse artigo é resultado parcial de uma pesquisa em andamento cuja é intenção é contribuir com os debates sobre a formação de professores. Indaga-se: até que ponto a ausência da disciplina de História da Educação nos Cursos regulares de Licenciatura da Unimontes, no período de 01/01/2003 a 31/12/2006, contribui para a hegemonia da ideologia dominante vigente na sociedade contemporânea? A hipótese é que a ausência da disciplina, na formação, traz em si expressivos prejuízos para os profissionais da educação. A metodologia pauta-se nos princípios quantitativo-qualitativo, com base na lógica histórico-dialética racional. A pesquisa bibliográfica, a partir de BERGO 1979, FÁVERO 1999, GATTI JÚNIOR 2005, LIBÂNEO; OLIVEIRA 1998, LOMBARDI 2001, LOMBARDI; SAVIANI 2009, MIALCHI 2003, MORAIS; PORTES; ARRUDA 2006, MANACORDA 2006, SANFELICE; SAVIANI; LOMBARDI 1999, SAVIANI 1999 e 2002, SAVIANI; LOMBARDI; SANFELICE 1998, SCHAFF 1995 e SILVEIRA ROGRIGUES 2006. Na pesquisa de campo, entrevista estruturada envolvendo coordenadores e alunos destes cursos. Palavras chave: História da Educação. Emancipação. Ideologia. Formação docente. Política educacional. ABSTRACT: That article is resulted partial of a research in process whose is intention is to contribute with the debates about the teachers' formation. It is investigated: to what extent does the absence of the discipline of History of the Education in the regular Courses of Degree of Unimontes, in the period from 01/01/2003 to 31/12/2006, contribute to the hegemony of the effective dominant ideology in the contemporary society? The hypothesis is that the absence of the discipline, in the formation, brings in itself expressive damages for the professionals of the education. The methodology is ruled in the quantitative-qualitative beginnings, with base in the logic rational historical-dialectics. The bibliographical research, starting from BERGO 1979, FÁVERO 1999, GATTI JÚNIOR 2005, LIBÂNEO; OLIVEIRA 1998, LOMBARDI 2001, LOMBARDI; SAVIANI 2009, MANACORDA 2006, MIALCHI 2003, MORAIS; PORTES; ARRUDA 2006, SANFELICE; SAVIANI; LOMBARDI 1999, SAVIANI 1999 e 2002, SAVIANI; LOMBARDI; SANFELICE 1998, SCHAFF 1995 e SILVEIRA ROGRIGUES 2006. In the field research, structured interview involving coordinators and students of these courses. Key words: History of the Education, emancipation, ideology, educational formation, education politics. O debate sobre a História da Educação e a formação docente enquanto possibilidades e contribuições para uma prática emancipada e emancipadora suscita ponderar que se vive hoje 1 Artigo apresentado ao V Congresso Internacional de Filosofia e Educação (CINFE) da Universidade de Caxias do Sul, no período de 17 a 20 de Maio de 2010. 2 um momento histórico cujos paradigmas reportam à velocidade da informação e do conhecimento. A organização política deste momento é chamada de Neoliberalismo e a organização econômica é, segundo os norte-americanos, a globalização, ou segundo os franceses, a mundialização. Na atualidade, momento do ápice do fenômeno da globalização, era do império e velocidade do conhecimento, em que as informações já estão on line desde o momento exato de seu acontecimento, exige-se muito mais de profissionais que queiram estar aptos a um mercado eclético e de transformações rápidas demais, devido à demanda do consumo. De acordo com Saviani (2002), é a própria dinâmica social que, no ápice de suas forças, cria contradições cujas consequências são novas formas de produção humana. Diante do exposto suscita questões há muito investigadas por pesquisadores de relevância e que merecem destaque nesse contexto, tais como: quais as características dessa sociedade? Qual é o impacto das proposições sócio-políticas neoliberais na organização das políticas públicas sociais? De que forma esse contexto se faz presente no campo da educação? Que tipo de homem a universidade está a formar. Ou ainda: que tipo de homem precisa ser formado para viver nessa sociedade? Nesse contexto social, as relações econômicas são reguladas pelo mercado, em um mundo sem limites e sem fronteiras, mundo de reestruturações tecnológicas que afetam as formas de produção e as condições de ação e atuação do Estado, o qual perde suas forças e se apresenta sem condições de impor autonomia diante das imposições da globalização e seu estado de dominação, o qual é certo que traz avanços científicos, porém, também traz prejuízos nas áreas sociais, econômicas, educacionais e humanas para as pessoas que pertencem às classes sociais que não têm real acesso às condições de luta. É difícil identificar na história da humanidade uma época em que se tenha produzido tanto, e ao mesmo tempo, é difícil identificar um momento histórico em que o desemprego tenha sido tão grande, com tanta pobreza e tanta fome. Há portanto, uma nova (dês)ordem tendo em vista que se abalaram as conotações como a de tempo e espaço, da geografia e da história, do passado e do presente, da biografia e da memória, da identidade e alteridade e de Ocidente e Oriente. Mas se o desafio perante os problemas desconhecidos ou conhecidos, embora modificados, transfigurados, apresenta-se à razão humana, importa mais uma vez a recomendação já citada de Anderson (1999) e também do próprio Lanni (1997): o problema é como compreender a realidade agora desenhada, em nível micro, macro e metateórico. (LOMBARDI, 2001, p.9). 3 À guisa da situação acima descrita, a trajetória histórico-educacional brasileira nos mostra que sempre houve um grande “descaso” com a política pública da educação. Compreende-se que historicamente, a educação sempre foi “usada” como instrumento de divulgação de ideais e interesses dos movimentos históricos. Até o final do século XIX, o pensamento pedagógico brasileiro manteve-se inspirado no teocentrismo medieval. A partir das influências iluministas deu-se inicio a uma prática pedagógica laica com o objetivo de difundir o conhecimento científico e de construir uma sociedade dita “menos desigual”. Com o advento da república, propunha-se com grande força a necessidade da educação do povo para a “ordem e o progresso”. (Grifos nossos). Entende-se também que em meio a uma trajetória política que alterna entre períodos ditatoriais e democráticos, muitas reformas e movimentos importantes contribuíram para a construção da trajetória histórica da prática pedagógica brasileira, e hoje, o cenário sociopolítico e econômico contemporâneo que se delineia está a exigir novas ações, novas políticas e necessariamente, um novo olhar sobre a educação. Consequentemente, identificar os desafios que esta realidade coloca-nos é uma tarefa que está em aberto; principalmente se considerar que o ideal de uma educação crítica e emancipadora continua a ser um grande desafio, desafio esse, procurado por uma minoria de professores pesquisadores que se dedicam a investigar as tramas historicamente produzidas e vivenciadas pelas políticas educacionais. Salienta-se assim que, na medida em que o mundo se torna um só mercado, as relações pautam-se pelo lucro e pelo excessivo consumo individual, daí ser pertinente a seguinte indagação: como educar, se de acordo com o atual entendimento de sociedade, homem e mercado, a própria educação passa a ser entendida apenas como uma mercadoria, oferecida como qualquer outro produto de consumo no mercado global? A esse respeito ouvimos Libâneo e Oliveira quando estes afirmam que, O capitalismo, para manter sua hegemonia, reorganiza suas formas de produção e consumo e elimina fronteiras comerciais para integrar mundialmente a economia. Trata-se de mudanças para fortalecer o capitalismo, o que é dizer: fortalecer as nações ricas e colocar os países mais pobres na dependência, como consumidores. Essas alterações nos rumos do capitalismo, se dão, no entanto, no momento em que o cenário mundial em todos os aspectos é bastante diversificado. A onda da globalização e da Revolução Tecnológica encontra os países (centrais ou periféricos, desenvolvidos ou subdesenvolvidos) em diferentes realidades e desafios, dentre os quais o de implementar políticas econômicas e sociais que atendam aos interesses hegemônicos, industriais e comerciais de conglomerados financeiros e de países ou regiões ricas, tais como a América do Norte, Japão e União Européia. (LIBÂNEO e OLIVEIRA, 1998, p. 599-600, grifos dos autores). 4 Nesse sentido, esta reflexão está direcionada para a constatação de que a sociedade brasileira está inserida em um tempo paradoxal, pois, de um lado ela está imersa em um acelerado ritmo de transformação, e de outro, encontra-se paralisada diante do conhecimento como regulação, o que significa que, na verdade, o que ela enfoca é o conhecimento como instrumento de emancipação. Emancipação social e intelectual que pode promover uma mudança nas estruturas pedagógicas que há muito foram cristalizadas e que dificultam um desenvolvimento real e eficaz do processo pedagógico. Esse texto resulta de uma pesquisa em andamento cuja intenção é contribuir com os debates sobre a temática da formação de professores para a Educação Básica, temática esta, presente na realidade educacional e na pesquisa em História da Educação no Brasil. O tema aqui proposto é “A História da Educação e a Formação Docente: possibilidades e contribuições para uma prática emancipada e emancipadora”. Esclarece-se que, entre as várias situações que provocaram a escolha deste tema de modo a tornar-lo objeto de estudo, pode-se destacar a observação da ausência da mencionada disciplina na grade curricular dos cursos de licenciatura na Unimontes. Tal realidade suscitou uma inquietação que se refere em pensar o quanto o conteúdo de História da Educação é indispensável na formação de futuros professores. Assim esclarece-se que o envolvimento no contexto do curso de formação de professores da mencionada universidade detonou problematizações a respeito da importância do ensino da História da Educação para a formação emancipada do professor. E assim, como sujeitos inseridos no contexto acadêmico, delimita-se como objeto de estudo, as contribuições da História da Educação na Formação emancipada dos acadêmicos e futuros docentes. Nesse contexto indaga-se: “Até que ponto a ausência da disciplina de História da Educação nos Cursos regulares de Licenciatura da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, no período do 1º (primeiro) mandato do presidente Lula, a saber, 01/01/2003 a 31/12/2006, contribui para a hegemonia da ideologia dominante vigente na sociedade contemporânea?”. Diante dessa questão central esclarece-se que a hipótese que fundamenta esta pesquisa está no fato de que a ausência da disciplina de História da Educação nos supracitados cursos traz em si, expressivos prejuízos na formação dos profissionais da educação, visto que esta disciplina subsidia o professor no que se refere ao significado do conhecimento da educação em seu país, em seu espaço de atuação, no contexto social externo à sala de aula, e também subsidia o entendimento de pertinência da problematização que com certeza inspira e norteia 5 o trabalho de ensino e pesquisa nessa área. Problematização esta que se entende como o fato de não poder perder de vista que o projeto político no qual se inclui o projeto pedagógico destes cursos está articulado com a teoria em termos históricos e epistemológicos, uma vez que “o saber produzido não é indiferente à história e ao lugar social que possibilita e mesmo demanda a sua produção, através dos ‘aparelhos’ sociais que oferecem condições para que este saber seja construído” (Cardoso, citado por Gatti, 2005, p.56. Grifo do autor). Dessa forma ressalta-se que o objetivo aqui consiste em problematizar a ausência da disciplina História da Educação nos cursos de formação de professores da Unimontes, ausência esta que contribui para a hegemonia da ideologia dominante vigente na sociedade contemporânea; discutir sobre a importância dos conteúdos que compõem a disciplina de História da Educação nos cursos regulares de licenciatura e investigar as consequências da ausência da disciplina de História da Educação na formação docente. Para realizar este estudo optou-se por uma metodologia que está fundamentada nos princípios dos métodos quantitativo-qualitativo; metodologia esta que se fundamenta em uma lógica histórico-dialética racional, que justifica o engajamento político do pesquisador em relação ao espaço investigado, bem como, com o interesse de desvelar os elementos implícitos na constituição do objeto estudado, situação que se encontra em consonância com o pensamento de Sánchez Gamboa (2007), quando este afirma que, As opções são mais complexas e dizem respeito às formas de abordar o objeto, aos objetivos com relação a este, às maneiras de conceber o sujeito, ou os sujeitos, aos interesses que comandam o processo cognitivo, às visões de mundo implícitas nesses interesses, às estratégias da pesquisa, ao tipo de resultados esperados etc. Em outras palavras, fazem referências à complexidade das alternativas epistemológicas. (GAMBOA, 2007, p. 9) A metodologia quantitativo-qualitativa é aqui adequada porque proporciona o levantamento de dados necessários para investigar fatos e fenômenos implícitos e explícitos no objeto estudado, em uma visão de totalidade, sem ignorar o contexto histórico-políticoeconômico e social, de forma a conceber que, a produção científica é inseparável da própria história do homem e de sua produção material. A pesquisa científica está influenciada pelas condições históricas de sua produção (inter-relações materiais, culturais, sociais e políticas). (GAMBOA, 2007, p.73), em forma de práxis que de acordo com Kosik, (...) é na sua essência, a universalidade, é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a realidade (humana e não humana, a realidade na sua totalidade). A práxis do homem não é a atividade prática contraposta à teoria; é a determinação da existência humana como elaboração da realidade. A práxis é 6 ativa, é atividade que se produz historicamente, - quer dizer, que se renova continuamente e se constitui praticamente – unidade do homem e do mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e objeto, do produto e da produtividade. (KOSIK, 1995, p.22). De acordo com os fundamentos encontrados no pensamento de Kosik (1995), trata-se de um conjunto de ferramentas técnico-metodológico-críticas, cujo propósito é desenvolver o trabalho dentro de uma perspectiva política, inserida na realidade pesquisada, de forma a problematizar o conhecimento, buscando o conflito, a problematização e sua superação através de uma prática social que oportunize a práxis. A operacionalização deste trabalho implica um estudo bibliográfico e uma pesquisa de campo que permitirão levantar dados empíricos que subsidiarão as análises a serem realizadas. A pesquisa de campo se materializará por meio da indagação de sujeitos que serão entrevistados, sendo estes, todos os coordenadores dos 14 (quatorze) cursos regulares de licenciatura da Unimontes e também 10% (dez por cento) dos alunos destes cursos. Após esta introdução apresenta-se aqui a organização do presente artigo. Primeiro foi realizada uma breve abordagem sobre a História da Educação e problematizada a ausência desta disciplina nos currículos dos cursos regulares de formação de professores na Unimontes. Em seguida, descreve-se o espaço em que se realiza a pesquisa, e por fim, apresentam-se as considerações parciais do trabalho, trabalho este que se encontra em desenvolvimento. Adentrar o século XXI é uma boa razão para se fazer uma discussão sobre práticas pedagógicas, sobre a intenção dessas práticas, sobre Teorias educacionais e princípios epistemológicos que se impõem nestes novos tempos. Discutir essa temática que se impõe nesse tempo contemporâneo é também discutir valores e práticas que caracterizam os diferentes momentos da história educacional, história esta que marca possibilidades e perspectivas para o presente, bem como para um tempo em prospecção. A crítica da ideologia educacional contém os germes da mudança. Seu papel não é aceitar por verdadeiro o status quo. Faz ressurgir o sujeito dentro da educação, restabelecendo a sua individualidade, e assumindo a sua responsabilidade social. Dessa maneira é possível livrar os homens da rede de ensino para se reeducarem. Ressaltando a independência, acentua o compromisso, uma vez que os homens trabalham para viver e o trabalho cada vez mais se acentua como fortes laços sociais. A condição do filosofo da educação é a de trabalhador na educação. Vivenciando as vicissitudes da realidade; enquanto tal deve assumir a sua condição para ocupar o lugar que lhe compete na definição dos objetivos educacionais, unindo a teoria à prática, contrariamente aos teóricos atuais, os quais legislam em função das classes dominantes. A tarefa do filósofo da educação revela-se cheia de dificuldades na formação dos homens, dado que a doutrinação da guerra total, rouba-os do respeito de si mesmos e dos outros, pois a segurança dos senhores da propriedade inclui a 7 insegurança dos servos na mesma propriedade, insegurança tornada coletiva pelas dimensões que o trabalho assumiu na atualidade. (BERGO, 1979, P.197). Ah História...! Ah História da Educação...! São tantas as indagações que permeiam o imaginário dos pesquisadores! Para que? Por quê? Qual a sua importância? O que se exige hoje, de um historiador? E da educação? E do historiador da educação? Por que repensar o ensino de/em História da Educação? Na trajetória histórica de constituição das ciências, distinguem-se claramente os diferentes momentos do apogeu de cada uma delas. Percebe-se também o momento em que cada uma constrói seu campo de atuação, quando perdem o poder e a centralidade hegemônica de sua influência, e passam a co-atuarem nos diferentes espaços sociais. Diante do exposto, que valor tem sido atribuído à História enquanto ciência frente à hierarquia dada aos diferentes campos do conhecimento? Enquanto servia à formação, afirmação e reafirmação dos heróis, dos grandes nomes, da acriticidade e da manutenção da ordem social, a História também era uma ciência de “útil complemento pedagógico oficial” (RUGIU in: Sanfelice; Saviani; Lombardi, 1999, p.45), mas a partir da perspectiva em que ela deixa de ser usada a serviço da manutenção da ordem social, deixa de exaltar e priorizar fragmentadamente os tempos históricos, os grupos de poder, os fatos isolados ou heróis, ela deixa de ser uma ciência socialmente útil. Afinal, que interesses impulsiona a História a assumir um papel de menor relevância no que se refere ao entendimento dos acontecimentos como processo de construção histórica do presente e também dos tempos que virão? Conforme supracitado, Bergo (1979, P.197), afirma que “a crítica da ideologia educacional contém os germes da mudança”. O desvelar dos valores encobertos pelos interesses da ideologia dominante requer a pesquisa histórica, e a pesquisa histórica requer uma fundamentação epistemológica sólida, crítica, que denota o conhecimento da História e da educação dentro dos diferentes paradigmas dos diferentes momentos históricos. A História e a História da Educação, se criticamente enfocadas, podem se constituir instrumentos de superação na formação dos homens de modo a situá-los significativamente na construção do conhecimento numa perspectiva histórica. A História da Educação surge nas escolas normais e nos cursos de formação de professores, como disciplina, no final do século XIX. As primeiras publicações de obras nessa área datam de 1880. A História da Educação no Brasil está associada à Escola Normal (1928) e somente a partir de 1940, quando passou a compor o currículo dos cursos de formação de 8 professores no curso de Pedagogia nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, passou a ampliar seus estudos. Segundo Manacorda (2006), estudar a História da Educação permite analisar o processo educativo e escolar através do qual o homem elabora a si mesmo. A História da Educação oferece fundamentos que permitem problematizar os objetivos da educação nos diferentes momentos históricos, e entender como foi concebida a relação entre estes objetivos e a realidade educativa, bem como suas contradições. Ainda que diante de criteriosas defesas em prol da História da Educação, percebe-se que ela está sempre submetida a estratégias políticas com o objetivo de negar aos profissionais da educação em formação, os elementos necessários a uma boa fundamentação crítica e política. Essa concepção ainda se faz presente na prática dos profissionais que, consciente ou inconscientemente, fundamentam ou alicerçam suas ações nos princípios do positivismo. A História da Educação pode possibilitar ao educador uma visão mais ampla e mais crítica do fenômeno educacional, pois permite que os problemas educativos sejam abordados de modo a tornar mais transparente a distância entre o desenvolvimento da sociedade e o desenvolvimento da classe social dominante. Possibilita também uma reflexão dos saberes educativos de modo que estes conhecimentos fundamentem decisões que objetivam ultrapassar o estado acrítico imposto pela ideologia das classes dominantes que estão à frente nesta organização política de cunho neoliberal. Qual o valor que vem sendo atribuído à História da Educação enquanto ciência, frente à hierarquia dada aos diferentes campos do conhecimento? Esta é mais uma inquietação que faz parte do ideário do pesquisador da História da Educação. Naturalmente, a história da educação não pode e não deve ser a declinação histórica da disciplina pedagógica presente. No enfoque histórico, as temáticas se configuram diversamente em relação ao objeto, as finalidades de conhecimento são diferentes bem como são diferentes os métodos de pesquisa e os procedimentos. O ponto decisivo permanece aquele das categorias e das relações com as quais a temática é descrita e interpretada. Assim, em cada pesquisa histórica, aquilo que é relevante e explicativo não é a descrição de um campo ou de um tema, não é a enumeração dos fatores históricos, mas, preferivelmente, as suas relações quantitativas, qualitativas e dinâmicas com o objeto (que, justamente, é assim descrito e explicado na sua relevância e dinâmica). (SANFELICE; SAVIANI; LOMBARDI, 1999, p.23-24). (...) Por isso (...) – a utilidade e importância da história da educação – entendida no seu sentido geral – na formação de professores serão tanto maiores quanto mais ela for histórica e quanto menos ela for intencionalmente pedagógica para fins de conformação ideológica. Se a idéia de ensino é uma idéia elevada, que, ao lado de competências operativas de primeiro nível, prevê a presença de segundo nível, de projeção e controle da própria atividade específica, não se pode não prever também 9 capacidades – de terceiro nível – de análise crítica e de orientação do próprio agir escolar e do próprio papel social. Então, o conhecimento e a consciência histórica também dos processos educativos vêm a ser um dos pressupostos da contextualização e problematização seja dos fenômenos educativos, seja do papel e da condição profissional. Caso contrário, sem assumir uma relação regulada pela práxis que, no interior das condições históricas e de contexto, identifique os âmbitos e as possibilidades de intervenção do docente em relação aos processos fora do seu alcance (os quais são poderosos e insinuantes e não devem ser ignorados e, de qualquer forma, soa aqueles com respeito aos quais a sua atividade tem sentido), a fadiga de Sisifo do professor se torna ou fonte de frustração ou motivo de sublimação ideológica. Mas, para isso, é necessário, seja uma historiografia da problematicidade da educação, seja uma concepção de profissionalização educativa igualmente problemática, seja, enfim, justamente, um uso da historiografia que contribua tanto mais eficazmente para a formação de educadores, quanto menos voltados estiverem para a sua profissionalização. (SANFELICE; SAVIANI; LOMBARDI, 1999, p.28). Estudar e escrever a História da Educação significa atuar, investigar e instigar a potencialidade do homem a partir do que se é enquanto homem, enquanto seres sociais; significa entender a História da Educação como uma construção que tem em si a condição de incitar o exercício do pensamento, a condição de optar, de tomar decisão sobre as diversas demandas do tempo presente. A História da Educação como uma das ciências da educação, pode possibilitar uma atitude crítica e reflexiva em condições de contribuir com a formação cultural e com o desvelamento da identidade social, e ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades, a intenção e consequentemente, as escolhas. A História da Educação como uma das ciências da educação, revela que a educação é uma construção social, e esse fato renova o sentido da ação cotidiana e da prática de cada educador. Pressupõe-se que os cursos que contam em sua grade curricular com esta disciplina têm uma fundamentação maior e mais sólida para discutir os diferentes momentos históricos e a organização e intenção da educação em seu contexto. A partir daí, a percepção e o conhecimento dos desafios que a realidade social nos impõe como profissional que questiona, problematiza, que procura possibilidades; e que nessa procura, depara-se com as contradições postas pelas políticas que influenciam na vivência do dia a dia. Mediante a situação aqui descrita, parte-se do pressuposto de que a disciplina de História da Educação presente na organização curricular dos cursos de licenciatura oferece suporte qualitativo-reflexivo na formação docente, de forma a proporcionar uma real participação e interação a partir de um caráter consciente e reflexivo, na elaboração, organização e atualização dos instrumentos de democratização da escola, além de oportunizar uma prática pedagógica fundamentada na práxis. A fundamentação desse pressuposto está no fato de que a contribuição da História da Educação “é uma contribuição importante para dar 10 carne e sangue às representações e às explicações históricas de eventos e estruturas”, (Sanfelice; Saviani; Lombardi, 1999, p.35), de forma que este conhecimento embase epistemologicamente as ações e proposições docentes de modo a construir uma escola e uma educação escolar que prepare e forme o sujeito histórico, em condições de inferir, interferir e transformar a realidade em que vive. Uma das formas pelas quais a universidade pode desenvolver bem o ensino e a pesquisa é através da formação de profissionais aptos a exercerem papeis especializados em diferentes áreas do conhecimento. Tal formação deve caracterizar-se como a preparação de sujeitos pensantes, que buscam continuamente novos caminhos. Portanto, a universidade, alem de ser uma instância de produção de conhecimento, de cultura e de tecnologia, é também a instituição onde se devem formar pessoas, cidadãos e profissionais. No caso de uma universidade pública, mais que habilitar estudantes para atuar como profissionais no mercado de trabalho, ela deve formá-los para influir sobre a realidade onde vão atuar numa perspectiva de mudança, a partir de uma visão crítica da realidade. (FÁVERO, 1999, p. 252) A teorização a respeito de Universidade nos faz entender que a Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes tem como missão se constituir o locus adequado para se conceber idéias que intencionam a construção de um futuro melhor, mais humano, de forma que, segundo Saviani (1991, p. 34), possa conduzir as pessoas a um raciocínio coerente, crítico, elevando “as camadas populares do nível do senso comum à consciência filosófica”, uma vez que aqui, os profissionais universitários e o conhecimento universitário estão a serviço da comunidade. A Unimontes é a única Universidade Pública Estadual nesta imensa região do Norte de Minas. Está localizada no município de Montes Claros, cidade-pólo da região. Considerando o seu grande desenvolvimento e evolução, a Unimontes abrange hoje as regiões norte e noroeste do Estado, Vale do Jequitinhonha e do Mucuri, com influência até no sul da Bahia. As condições socioeconômicas preponderantes nas regiões de seu campo de atuação, levando em consideração o fato de ser uma Instituição Pública, que pelas suas intenções, ações e princípios se propõe a ser um instrumento capaz de interferir na transformação da realidade, justificam a importância e o significado do papel que esta desempenha em seu contexto de atuação. Tendo em vista o atendimento às diretrizes do Programa de Interiorização e Desenvolvimento do Ensino Superior a Unimontes ministra cursos modulares nos campi que se localizam fora de seu Campus-sede e também, solicitou credenciamento para oferta de Educação a Distância, concedido através da Portaria MEC nº 1.065 de 25 de maio de 2006. Obtido o credenciamento Ela implantou em 2008, em parceria com o Ministério da Educação- 11 MEC, através do Sistema Universidade Aberta do Brasil e do Programa Pró-Licenciatura, os cursos de Artes Visuais, Artes Teatro, Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Geografia, História, Letras-Espanhol, Letras-Inglês, Letras-Português e Pedagogia. Nos cursos de graduação da Unimontes, na sede e nos campi, nos núcleos e nos pólos, o contingente de discentes é hoje constituído por, aproximadamente, 11.200 alunos. A Unimontes resultou da transformação da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior – FUNM, criada curiosamente em 1962, momento do auge da crise acadêmica de 1962 na Europa. Em 1990, década do auge das políticas públicas de municipalização na Educação Básica, é instituída a Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Em 1994 houve na Unimontes uma reorganização do ponto de vista administrativo através da Lei Estadual nº. 11.517, de 13/07/94, onde foram extintas as Faculdades e criados os Centros de Ensino (Centro de Ciências Humanas – CCH, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde – CCBS, Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA, Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas – CCET e Centro de Ensino Médio e Fundamental – CEMF). O locus do trabalho que ora se apresenta, o campo de pesquisa, é este: os cursos regulares de licenciatura da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, campus de Montes Claros. A título de desfecho parcial uma vez que a pesquisa encontra-se em processo, e uma vez apresentado o espaço em que a pesquisa vem sendo desenvolvida, é importante apresentar as considerações parciais obtidas até então. Entre os 15 (quinze) cursos regulares de licenciatura ministrados pela Unimontes, a saber, Ciências Biológicas, Ciências da Religião, Educação Física, Matemática, Artes Visuais, Artes Música e Teatro, Filosofia, Geografia, História, Letras Espanhol, Letras Inglês, Letras Português, Química e Pedagogia, constatou-se que apenas 04 (quatro) deles, 26,66%, trazem em seu quadro curricular a disciplina de História da Educação. Os cursos que contam com a supracitada disciplina são: Artes Música e Artes Visuais com 36 (trinta e seis) h/a cada, História com 60 (sessenta) h/a já no 8º período e Pedagogia com 72 (setenta e duas) h/a já no 1º (primeiro) período. Como os dados aqui apresentados ainda se constituem um resultado parcial, uma vez que a coleta de dados ainda não foi concluída para que eles pudessem ser sistematicamente analisados, apresenta-se, portanto, apenas as hipóteses e os pressupostos que embasam a pesquisa. (...) o debate está instalado e tem consequências da maior importância para a pesquisa educacional. (...) as dificuldades teóricas dos historiadores (...) manifestamse também, e até mesmo poder-se-ia esperar que fosse em grau ainda maior, no caso de educadores. (SAVIANI; LOMBARDI; SANFELICE, 1998, p. 11-12). 12 Até a presente data, ainda em conversa informal com alguns professores da Instituição e destes cursos regulares de licenciatura, pode-se perceber dificuldades na prática dos professores que ministram as disciplinas de História da Educação, Didática, Estrutura e Funcionamento da Educação Básica, Organização Escolar e Educação e Sociedade. Disciplinas estas de cunho político, que requerem do aluno uma maior condição de reflexão e análise de contexto sócio-histórico à luz dos paradigmas sociais contemporâneos. Pode-se perceber também, ainda que informalmente, que o aluno cujo curso de formação tem a disciplina de História da Educação, apresenta um maior entendimento das relações que se estabelecem entre a escola e a sociedade, a partir dos paradigmas sociais atuais. Também em caráter ainda informal, percebe-se no exercício profissional de pedagogo, nas escolas de Educação Básica, que os professores cujos cursos apresentam a disciplina de História da Educação em sua grade curricular, têm maior interesse e maior facilidade em participar das reuniões pedagógicas. Também se evolvem com mais prazer, espontaneidade e atuação na discussão e/ou atualização dos instrumentos de democratização da escola, como por exemplo, o Projeto Político Pedagógico e o Regimento Escolar. Em síntese, a ausência da disciplina de História da Educação dos currículos dos cursos regulares de Licenciatura na Unimontes acarreta uma lacuna na formação dos professores. Esta possibilidade vem sendo até então apontada no levantamento de dados do trabalho que ainda está no início de seu desenvolvimento formal. Estas considerações parciais ainda estão fundamentadas no senso comum, ou seja, nos conhecimentos anteriores à constatação que só advirá com a conclusão do trabalho de pesquisa. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BERGO, A. C. O positivismo como superestrutura ideológica no Brasil e sua influência na educação. São Paulo: PUC/SP, 1979. FÁVERO, Maria de Lourdes A. A Universidade, Espaço de Pesquisa e de Criação do Saber. Educação e Filosofia, v.13 (25), p. 249 – 259, jan./jun., 1999. GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007. 13 GATTI JÚNIOR, Décio; INÁCIO FILHO, Geraldo. História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. KOSIK, K. Dialética do Concreto. São Paulo: Paz e Terra, 1995. LOMBARDI, José Claudinei. 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Atualmente é Professora de Ensino Superior do Departamento de Educação do Centro de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes, membro do Comitê Departamental de Pesquisa, pesquisadora do GEPEDS na linha de pesquisa “Políticas públicas e inclusão social” e Coordenadora do Campus Avançado da Unimontes em Brasília de Minas. Já atuou como Professora de Língua Estrangeira (Francês) para o Ensino Fundamental e Médio; Professora das Matérias Pedagógicas do Magistério de 1º grau no Ensino Médio; Diretora D3A; Supervisora Pedagógica; Secretária Municipal de Educação; Coordenadora do Programa Um salto para o futuro 14 e professora e Articuladora da Prática no Curso de Complementação para Obtenção de Novo Título em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação – Unimontes. ii ROSÂNGELA SILVEIRA RODRIGUES ([email protected]). Doutorado em Educação, área História e Filosofia da Educação pela UNICAMP (2006) e Mestrado em Educação: Docência do Ensino Superior pela PUC-CAMPINAS (1998). Graduada em Pedagogia pela UNIMONTES. Professora adjunta UNIMONTES (www.unimontes.br) e pesquisadora do GEHS – Grupo de Estudo e Pesquisa em História, Educação e Sociedade com pesquisa em andamento financiada pela FAPEMIG e CNPQ na área da História da Educação no Brasil, cujo titulo é Cultura e propagação dos modelos de professor entre a Europa e Brasil: a influência das teorias pedagógicas de Pestalozzi, Froebel e Herbat na segunda metade do século XIX. Autora do livro: A Didática na formação dos educadores: uma articulação dialética.