Boletim Eletrônico Outubro 2013 – 70ª edição Visite nosso Site www.colposcopia.org.br QUAL É O RISCO DE DOENÇA RESIDUAL OU RECORRENTE APÓS CONIZAÇÃO EM MULHERES COM ADENOCARCINOMA IN SITU ? O AIS cervical é o precursor do adenocarcinoma e o tratamento precoce frequentemente previne a ocorrência do adenocarcinoma invasivo. Na maioria dos casos, existe intervalo de ao menos cinco anos entre o adenocarcinoma in situ (AIS) clinicamente detectável e a doença invasiva, sugerindo que existe oportunidade para rastreamento e intervenção terapêutica. Devido a existência de doença multifocal (lesóes salteadas) em até 15% dos casos de AIS e essas lesões serem frequentemente encontradas na parte superior do canal endocervical, a histerectomia é considerada tratamento definitivo para o AIS. Como a maioria dos casos de AIS ocorre em mulheres jovens e por serem as lesões são unifocais e adjacentes à zona de transformação, o tratamento conservador é proposto para mulheres com futuro desejo reprodutivo. Dentre deste contexto, os pesquisadores do departamento de patologia da universidade de Pittsburg nos Estados Unidos realizaram estudo retrospectivo para avaliar a segurança de realizar apenas a conização do colo uterino em mulheres com AIS e o risco subsequente de doença recorrente/residual. Um total de 136 mulheres com média etária de 35 anos e com diagnóstico de AIS após conização foi acompanhado por 45 meses com citologia, histologia e teste de HPV. Esse estudo mostrou que as mulheres com margens positivas na conização têm maior probabilidade de ter doença residual e futura progressão para adenocarcinoma invasivo. A taxa de AIS residual quando a histerectomia foi realizada foi significativamente maior em mulheres com conização com margens positivas (48,6%; 17/35) em comparação com conização com margens negativas (0/30). Apenas duas pacientes tratadas primariamente com conização tiveram adenocarcinoma ou AIS focal. Uma delas teve margens comprometidas e não realizou tratamento posterior e a outra tinha margem negativa e teve AIS focal na histerectomia. Assim, margens negativas predizem risco muito baixo de ter doença residual. O teste de HPV é um importante preditor no acompanhamento dessas mulheres, nesse estudo tanto mulheres tratadas com conização ou histerectomia tiveram redução significativa da positividade para HPV, não houve diferença significativa entre o tipo de cirurgia (de 96% para 9% nas mulheres tratadas apenas com conização e de 94% para 9% nas mulheres tratadas com histerectomia). Os pesquisadores concluem que se as margens forem negativas na conização, é possível realizar tratamento conservador com conização e seguimento cuidadoso em mulheres jovens com AIS e com desejo reprodutivo. Em mulheres com margens positivas na conização, é necessária a histerectomia ou a reconização até a obtenção de margens negativas devido à ocorrência frequente de doença residual. Fonte: Li Z, Zhao C. Long-Term Follow-Up Results From Women With Cervical Adenocarcinoma In Situ Treated by Conization: An Experience From a Large Academic Women's Hospital. J Low Genit Tract Dis. 2013 Oct;17(4):452-8. QUAL É O INTERVALO IDEAL DE RASTREAMENTO EM MULHERES COM TESTE DE HPV NEGATIVO E CITOLOGIA NORMAL? Existe nível alto de evidência que o teste de HPV é mais efetivo que a citologia na redução do risco de NIC 3 e câncer cervical e permite a extensão dos intervalos de rastreamento por até 7 anos. Programas de rastreamento organizados com citologia em alguns países como Itália, Suécia, Holanda estão sendo mudados para rastreamento utilizando teste de HPV.A sociedade americana de câncer recomenda intervalos de rastreamento a cada 5 anos para mulheres com HPV de alto risco negativo e citologia normal, enquanto as diretrizes europeias para rastreamento com citologia desencorajam intervalos menores de 3 anos. Entretanto, tem surgido preocupações se esses intervalos maiores poderiam comprometer a prevenção do câncer cervical. Por meio de estudo de coorte populacional em Hannover na Alemanha, o doutor Petry e colaboradores estimaram os riscos de vida real e benefícios do Papanicolaou anual por 5 anos consecutivos em mulheres com teste de HPV negativo e citologia normal na inclusão. Das 4.236 mulheres incluídas, 3.406 tiveram ao menos um Papanicolaou, mas apenas 1.185 realizaram as cinco consultas anuais de rastreamento. A proporção de mulheres com ao menos uma citologia alterada foi de 14,4% em 5 anos. A probabilidade de citologias alteradas aumentou proporcionalmente ao longo do tempo. Nenhum caso de NIC2+ foi observado durante 5 anos. Das 605 mulheres selecionadas aleatoriamente para realizar teste de HPV após 5 anos do recrutamento, apenas 292 (48,3%) concordaram em sua realizarão. A taxa de detecção de HPV de alto risco foi de 3%. O risco de longo prazo de ter NIC de alto grau após teste de HPV negative e citologia normal foi baixo, enquanto a taxa de citologias falso-positivas foi significativa e aumentou ao longo do tempo. O rastreamento com Papanicolaou com intervalo menor do que 5 anos parece ter pequeno valor clínico. Apesar de diretrizes nacionais e internacionais recomendarem maior intervalo de rastreamento em mulheres com citologia normal e teste de HPV negativo, evidências mostram que muitos médicos são relutantes em alterar a periodicidade de anual para bi ou trienal. Em uma pesquisa, apenas 14% dos médicos americanos recomendaria intervalo ≥ 3 anos em mulheres com citologia normal e teste de HPV negativo, após duas citologias normais consecutivas. Fonte: Petry KU, et al. Annual Papanicolaou screening for 5 years among human papillomavirus-negative women. BMC Cancer. 2013 Aug 9;13:379. PREVALÊNCIA DO HPV EM GESTANTES E O RISCO DE TRANSMISSÃO MATERNO-FETAL. O Papilomavírus Humano (HPV) é o principal responsável pelo câncer cervical, verrugas genitais e papilomatose laríngea. Na China, é considerado o segundo em incidência dentre as doenças sexualmente transmissíveis. Desde a década de 50 estudos vêm demonstrando que mulheres grávidas infectadas pelo HPV podem transmitir o vírus para seus filhos, levando a condilomatose anal e genital na infância, papiloma conjuntival e papilomatose laríngea juvenil. Além disso, sabese atualmente que existe uma maior prevalência do DNA-HPV em mulheres gestantes quando comparadas às não gestantes. A avaliação da prevalência da transmissão vertical do HPV pode ter importante impacto na conduta clínica e em estratégias de vacinação para mulheres infectadas durante a gestação. Dessa maneira os autores buscaram determinar a prevalência, tipos e características da transmissão vertical pelo HPV em mulheres grávidas de Nanjing, China. Foram selecionadas 3.139 gestantes saudáveis, as quais foram submetidas à coleta de amostras cervicais para avaliação citológica e dos tipos virais existentes. Foram incluídos 233 recém-nascidos de 422 gestantes com DNA-HPV positivo, os quais foram submetidos a coleta de amostras orais e genitais. A avaliação citológica e a genotipagem do HPV foram realizados, respectivamente, através dos métodos de citologia líquida (Thin Prep) e de hibridização do DNA (Decipher Bioscience, Guangdong Hybribio Biotech e HPV GenoArray Test Kit). A prevalência geral do DNA-HPV nas gestantes foi de 13,4% (422/3.139), sendo a média etária das mulheres infectadas pelo vírus de 27,9 anos. A prevalência do HPV foi ligeiramente mais elevada em mulheres de idade menor ou igual a 24 anos e a paridade não demonstrou associação com a mesma. Anormalidades citológicas foram encontradas em 42 (1,3%) mulheres, sendo o DNA-HPV positivo em 76,2% destas (32/42). Verificaram que 95% das mulheres infectadas apresentaram positividade para vírus de alto risco, sendo os tipos 16 (29.6%) , 18 (14.7%) e 58 (14.2%) os mais prevalentes. Os tipos 16 e 18 corresponderam a 44.3% (187/422) das infecções por HPV. Quanto aos recém-nascidos, 23.6% (55/233) foram positivos para DNA-HPV. Não foi verificada diferença significativa quanto ao sexo da criança nem quanto ao tipo de parto e o HPV 16 correspondeu à maioria das infecções nos recém-nascidos (56.4%). Houve concordância na positividade do DNA-HPV entre mães e recémnascidos de 23.6% (55/233) e concordância HPV tipo-específico em 26 casos, sendo o HPV 16 o mais detectado(18/26), seguido pelos tipos 11 e 31. O tipo de parto não afetou estatisticamente a transmissão vertical do HPV, com 58.4% (36/233) dos recém-nascidos positivos por parto vaginal e 41.6% (97/233) por parto cesárea. Os autores concluem que o tipo mais frequente entre mães e recém-nascidos é o HPV 16. Fonte: Hong Y, Li SQ, Hu YL, Wang ZQ. Survey of human papillomavirus types and their vertical transmission in pregnant women. BMC Infect Dis. 2013 Feb 27;13:109. Tabela 1 – Status HPV em 233 neonatos com mães DNA-HPV +. Tabela 2 – Status do HPV de acordo com o tipo de parto de mães DNA-HPV +. Quadro 1 – Prevalência dos tipos de HPV entre as 422 mulheres DNA-HPV+ e recém-nascidos DNA-HPV+. ASSOCIAÇÃO DE DOENÇAS AUTOIMUNES COM LÍQUEN ESCLEROSO EM PACIENTES DO SEXO MASCULINO E FEMININO. O líquen escleroso é uma doença inflamatória crônica de pele, relativamente comum, que afeta predominantemente a região anogenital. Sua prevalência é desconhecida, havendo um nítido predomínio de incidência no sexo feminino em relação ao sexo masculino (6-10:1) e quanto à faixa etária sua distribuição é bimodal, com pico nas fases pré-puberal e pós-menopausa. A doença extragenital ocorre em cerca de 15% dos pacientes, mulheres adultas em sua maioria. A etiologia do líquen escleroso pode ser multifatorial, mas evidencias indicam uma etiologia autoimune devido à presença de anticorpos encontrados no soro de pacientes portadores desta afecção e a sua demonstrada associação com outras doenças autoimunes. Como o líquen mais comumente afeta mulheres, a maioria dos estudos procura associações deste tipo no líquen escleroso vulvar. Estudos em homens são escassos e um dos mais recentes não demonstrou associação com autoimunidade. Assim, os autores realizaram esse estudo que buscou avaliar a prevalência de doenças autoimunes associadas e possíveis diferenças na patogenia do líquen escleroso entre homens e mulheres. Foram avaliados retrospectivamente 532 pacientes que acompanhavam numa clínica de doenças do tecido conectivo, que foram submetidos a anamnese minuciosa direcionada a presença de doenças autoimunes e a avaliação sorológica com pesquisa de autoanticorpos. Dentre estes, 396 eram mulheres (30 meninas e 366 mulheres adultas) e 136 eram homens (2 meninos e 134 homens adultos), com média etária de 49 anos. Quanto à localização, dos 532 pacientes, 452 (85%) apresentavam líquen anogenital e 80 (15%) exibiam a doença extragenital, havendo predomínio em mulheres (74 x 6). Em homens, a doença localizou-se exclusivamente na área genital. Quanto à prevalência de doenças autoimunes, de todo o grupo, 82 (15.4%) tinham pelo menos uma doença autoimune, com frequência maior nas mulheres. Igualmente, a presença de doença autoimune tiroidiana foi mais frequente nas mulheres em relação aos homens (15,2% x 3,8%). Outras doenças autoimunes associadas não apresentaram diferença estatística entre homens e mulheres, assim como não houve diferença significativa na prevalência de doenças autoimunes associadas quando comparada a doença genital e extragenital. Da mesma forma que na análise das doenças autoimunes, autoanticorpos foram encontrados com maior frequência no soro de pacientes do sexo feminino quando comparadas ao sexo masculino. Os autores concluem que as pacientes do sexo feminino com líquen escleroso apresentaram doenças autoimunes com maior frequência do que homens, especialmente as da tireoide, assim como autoanticorpos circulantes. Dessa maneira poder-se-ia inferir uma via patogenética divergente para homens com líquen escleroso e sugerir pesquisa de doenças autoimunes em mulheres com tal diagnóstico. Fonte: Kreuter A, Kryvosheyeva Y, Terras S, Moritz R, Möllenhoff K, Altmeyer P, Scola N, Gambichler T. Association of autoimmune diseases with lichen sclerosus in 532 male and female patients. Acta Derm Venereol. 2013 Mar 27;93(2):238-41. Tabela 3 – Prevalência de doenças autoimunes nos 532 pacientes com líquen escleroso. INTERAÇÃO ENTRE TRICOMONÍASE E HIV: UMA REVISÃO Os autores objetivaram discutir a epidemiologia da co-infecção por Trichomonas vaginalis (TV) e HIV, o papel do TV na aquisição e transmissão do HIV, considerações especiais sobre o tratamento para o TV em mulheres HIV positivas e a prevenção da infecção por TV entre pacientes portadores do HIV. Com tal finalidade foi realizada revisão sistemática da literatura no banco de dados do EMBASE e PubMed de janeiro de 1990 a fevereiro de 2013, onde palavras-chave relacionadas ao tema foram incluídas e artigos de qualquer tipo foram selecionados. Estes passaram por uma rigorosa revisão e de 1.068 artigos encontrados, 560 foram escolhidos para realização do estudo. A tricomoníase é a doença sexualmente transmissível (DST) não viral mais frequente em todo o mundo e pode estar relacionada a doença inflamatória pélvica e a desfechos obstétricos ruins. Apesar de ser por muitos considerada uma DST de menor importância, atualmente vem recebendo destaque por apresentar potencial papel na aquisição e transmissão do HIV. Tal revisão conseguiu confirmar esta hipótese. A prevalência global do TV é desconhecida e varia de acordo com a população e região envolvidas. Sabe-se que há uma elevada incidência entre afro-americanos, assim como nas populações da África Subsaariana. Mulheres portadoras do HIV possuem altas taxas de TV e mulheres que têm tricomoníase possuem taxas maiores de positividade para o HIV. Quanto a tricomoníase e a aquisição do HIV, a maioria dos estudos observou uma relação positiva estatisticamente significante, inferindo que mulheres com tricomoníase teriam um risco maior de aquisição do HIV. Já em relação à infecção pelo TV e o armazenamento do HIV no trato genital de pacientes HIV positivas com sua consequente transmissão, esta associação não está totalmente clara. Apenas metade dos estudos selecionados mostrou uma relação positiva e sabe-se que outros fatores poderiam trazer influência no armazenamento do HIV no trato genital, dentre eles a carga viral, o status da terapia antirretroviral, outras DSTs, duchas vaginais e relações sexuais sem proteção com parceiro HIV+. Apesar de a tricomoníase não parecer influenciar no armazenamento vaginal do HIV em mulheres HIV positivas, estudos demonstraram que o tratamento desta infecção diminuiu significativamente o armazenamento do HIV no trato genital. Os possíveis mecanismos pelos quais a infecção pelo TV aumentaria a transmissão do HIV poderiam envolver: alteração do pH vaginal, com diminuição de H2O2 e de acido lático; ocorrência de microabrasões causadas pelo TV na mucosa vaginal e pelo ato sexual; supressão da imunidade inata vaginal. Além disso, a produção de citocinas pró-inflamatórias ocasionada pela infecção pelo TV na vagina favorece a incorporação vaginal de partículas do HIV e consequente infecção pelo vírus. A literatura mostra que o tratamento da tricomoníase com dose única de metronidazol pode apresentar maiores taxas de infecções de repetição, considerando a possibilidade de tratamento incompleto, especialmente em pacientes HIV positivas. Assim, o tratamento com doses estendidas foi mais eficaz no tratamento completo da infecção pelo TV nestas pacientes, apesar de as diretrizes do CDC recomendarem a dose única. A prevenção de ambas as infecções consiste no uso do preservativo. Devido às elevadas taxas de tricomoníase em populações vulneráveis ao HIV e entre mulheres HIV positivas, os autores concluem que deve haver prioridade na detecção e tratamento do TV nestes grupos. Mulheres HIV positivas devem ser rastreadas e tratadas com metronidazol em dose estendida para diminuir o risco de transmissão perinatal e sexual do vírus. Fonte: Kissinger P, Adamski A. Trichomoniasis and HIV interactions: a review. Sex Transm Infect. 2013 Sep;89(6):426-33 Quadro 2 - Trichomonas vaginalis e aquisição do HIV. Quadro 3 - Trichomonas vaginalis e armazenamento vaginal do HIV. Editora Médica Responsável: Dra. Adriana Bittencourt Campaner¹ Esse boletim tem o objetivo de disseminar, de forma prática e sucinta, as informações recentemente publicadas na literatura médica na área de PTGI e colposcopia. Esses resumos de artigos não representam necessariamente a opinião dos editores nem da ABPTGIC. Para sugestões e dúvidas, favor entrar em contato com a secretaria científica: [email protected] 1. CRM 75482-SP. Doutora em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Médica Chefe da Clínica de PTGIC do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Facul¬dade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Médica titulada pela FEBRASGO e qualificada pela ABPTGIC. Declaração de Conflito de interesse, de acordo com a Norma 1595/2000 do Conselho Federal de Medicina e a Resolução RDC 96/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Pesquisadora da vacina contra HPV da MSD.