economia internacional contemporânea

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NILSON ARAÚJO
DE
SOUZA
ECONOMIA
INTERNACIONAL
CONTEMPORÂNEA
D A D EPRESSÃO DE 1929
AO C OLAPSO F INANCEIRO DE 2008
NILSON ARAÚJO DE SOUZA
ECONOMIA INTERNACIONAL
CONTEMPORÂNEA
Da Depressão de 1929
ao Colapso Financeiro de 2008
Material do Portal Atlas
SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. – 2009
Sumário
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Sumário
1. Elementos de Economia Internacional
2. Liberalismo e protecionismo na formação da economia mundial
3. A onda larga e a crise estrutural
4. As primeiras tentativas de explicar a Grande Depressão
5. Monopolização da economia aumentou gravidade e duração da crise
6. Capital financeiro continua
7. Não existem capitais globais
8. O embate teórico sobre a dependência da America Latina
9. Crise começa a alterar destino setorial do capital estrangeiro em alguns
países da periferia
10. Gravidade da crise imobiliza FMI
11. Os níveis da integração econômica regional
12. Integração econômica regional: os casos da União Europeia e da América
Latina
13. Protecionismo dos EUA contra o Brasil
14. Ou Alca ou Unasul
15. Crescimento dos “anos dourados” foi muito baixo
16. Exuberância irracional não tem base na produtividade
17. Ameaça de nova recessão mundial em 2001 veio dos EUA, e não da OPEP
18. O impacto da crise sobre os países emergentes
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Capítulo 1
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
1
Elementos de Economia Internacional
Neste capítulo, aborda-se um conjunto de questões teóricas, cuja compreensão ajuda
no acompanhamento do livro Economia internacional contemporânea: da depressão de 1929 ao
colapso financeiro de 2008. Trata-se de conceitos básicos e teorias, com exemplos históricos,
que foram elaborados no contexto da Economia Internacional.
Termos de intercâmbio e intercâmbio desigual, taxa de câmbio e regimes cambiais,
balanço de pagamentos são algumas das questões tratadas aqui.
O objeto de estudo da Economia Internacional é a interação econômica entre estados
soberanos, bem como a formação e desenvolvimento da economia mundial.
Neste capítulo, estudaremos alguns elementos teóricos que contribuem para a compreensão dessa interação econômica. No próximo, examina-se o processo de formação e
desenvolvimento da economia mundial.
Termos de intercâmbio e sua deterioração
A noção de termos de intercâmbio é importante para a compreensão das relações
econômicas internacionais. Tem a ver com os ganhos e perdas das economias nacionais em
suas relações comerciais com outras economias.
Para facilitar a compreensão desse conceito, precisamos recorrer, inicialmente, a dois
outros conceitos: o de preço relativo e o de relações de troca.
Preço relativo é a relação de preços entre as mercadorias, o que se traduz no poder
de compra de umas mercadorias em relação às outras.
Se considerarmos a relação entre duas mercadorias, a “A” e a “B”, o preço relativo de
“A” pode se expressar matematicamente da seguinte forma:
PRA = PA/PB, em que
PRA é o preço relativo de “A”
PA é o preço de “A”
PB é o preço de “B”.
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Capítulo 1
Assim, se o preço de “A” for R$ 10,00 e o de “B” for R$ 5,00, temos:
PRA = R$ 10 / R$ 5 = 2.
Ou seja, o poder de compra de “A” em relação a “B” é de 2 unidades, quer dizer, uma
unidade de “A” compra 2 de “B”.
Esse conceito serve para o estudo do processo inflacionário. Se, em algum momento,
a estrutura de preços relativos estiver, por qualquer razão, favorecendo um produto que
tenha um peso importante na estrutura produtiva – por exemplo, o aço –, a tendência é que,
num momento futuro, essa situação possa impactar o resto da estrutura de preços, desencadeando um processo inflacionário.
A noção de relações de troca corresponde à utilização do conceito de preços relativos nas relações entre os setores da produção. Significa a relação de preços entre
os setores produtivos, ou seja, o poder de compra dos produtos de um setor em
relação aos demais.
Se considerarmos a relação entre dois setores, agricultura (“A”) e indústria (“I”), a
relação de troca de “A” em relação a “I” pode se expressar matematicamente da seguinte
forma:
RTA = PA/PI, em que
RTA é a relação de troca de “A” em relação a “I”
PA é o índice de preços médio de todos os produtos de “A”
PI é o índice de preços médio de todos os produtos de “I”
Assim, se o índice de preços de “A” for 80 e o de “I” for 100, temos:
RTA = 80/100 = 0,80.
Isso significa que uma unidade de um produto agrícola poderia comprar apenas
0,80, isto é, 80% de uma unidade de um produto industrial.
Este conceito foi bastante utilizado pela Cepal1 para estudar os problemas estruturais dos países da América Latina. A queda dessa relação de troca entre agricultura e indústria significaria que a indústria estaria se beneficiando na sua relação com a agricultura e,
no futuro, isso poderia implicar o estancamento desta última, acarretando problemas para o
desenvolvimento econômico e para a estabilidade dos preços.
Os termos de intercâmbio correspondem à extensão do conceito de relações de troca para as relações comerciais internacionais. Trata-se da relação de preços entre
os produtos exportados por um país e os produtos importados, isto é, o poder de
compra das exportações.
Podem se expressar matematicamente da seguinte forma:
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, órgão criado pela ONU em 1948 para estudar
os problemas econômicos da América Latina e propor soluções.
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Capítulo 1
TI = PX/PM, em que
TI são os termos de intercâmbio
PX é o índice médio de preços das exportações
PM é o índice médio de preços das importações
Assim, se o índice médio de preços das exportações de um determinado país for
igual a 480 e o das importações corresponder a 800, temos:
TI = 480/800 = 0,60
Isso significa que, em média, uma unidade de um produto exportado compra 0,60,
isto é, 60% de uma unidade de um produto importado.
Se essa relação, por exemplo, estiver caindo, isso significa que o país tem que exportar cada vez mais para conseguir importar a mesma quantidade que importava antes. A
queda dos termos de intercâmbio de um país reflete suas perdas no comércio internacional.
A Cepal utilizou esse conceito para estudar a inserção da América Latina no contexto internacional. Segundo seu fundador, coordenador por muitos anos e um dos
principais teóricos, o economista argentino Raúl Prebisch, haveria uma tendência
estrutural à deterioração dos termos de intercâmbio da América Latina em relação
ao mundo desenvolvido. Segundo ele, essa questão foi levantada pela instituição
desde seus primeiros relatórios.
A ideia básica do autor é a de que “a origem deste fenômeno está nessa relativa lentidão com que cresce a procura mundial de produtos primários, comparada com a de produtos industriais” (PREBISCH, 1964: 97). Verifica-se, então, que na base do problema estava
a divisão internacional do trabalho, que reservava aos países ricos a produção e exportação
de produtos industriais e aos periféricos a produção e exportação de produtos primários.
Se havia uma lentidão da demanda internacional de produtos primários, por que
então a oferta não se ajustava? Segundo Prebisch, o problema era que o baixo nível de desenvolvimento industrial dos países latino-americanos não permitia a absorção de força de
trabalho eventualmente expulsa das atividades primárias, dificultando seu deslocamento
do campo para a cidade.
Como resultado, os salários nas atividades primárias não cresciam com o incremento da produtividade do trabalho nessas atividades. Assim, este incremento “se transformará
em aumento dos lucros e estimulará o crescimento da produção para lá do ritmo imposto
pelo da procura, com a consequente descida dos preços dos produtos primários, em relação
aos industriais” (Ibidem: 98).
A conclusão do autor é a de que a deterioração dos termos de intercâmbio implicaria
perdas de renda por parte dos países exportadores de produtos primários. Assim,
os ganhos de produtividade que obtinham em suas atividades seriam transferidos,
via comércio, para os países industrializados importadores de matérias-primas.
O raciocínio de Prebisch é parcialmente verdadeiro, ou seja, o subdesenvolvimento
industrial dos países latino-americanos impedia o deslocamento de força de trabalho do
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campo, pressionando os salários para baixo e os lucros para cima na atividade primária,
fomentando a oferta de produtos primários.
No entanto, é um raciocínio incompleto. A questão central é que as corporações dos
países centrais, usando seu poder de monopólio no comércio internacional, cobram
um sobrepreço pelos produtos industriais que vendem para os países da periferia e
pressionam para baixo os preços das matérias-primas que deles adquirem.
Taxa de câmbio e regimes cambiais
Taxa de câmbio é outro conceito importante para a compreensão das relações econômicas internacionais. E, apesar de relativamente simples, existe muita confusão acerca de
seu significado.
Taxa de câmbio não é meramente a relação entre duas moedas, como muita gente
pensa – até mesmo gente especializada. Essa noção leva a equívocos, como o de referir-se à
desvalorização da taxa de câmbio como se fosse a mesma coisa que desvalorização da própria moeda.
Ora, ao desvalorizar-se a taxa de câmbio, significa que ela está abaixando, depreciando. E isso quer dizer que está pagando-se menos moeda nacional por moeda estrangeira, ou seja, a moeda nacional está se valorizando, e não se desvalorizando.
Isto porque o conceito correto é: taxa de câmbio é o preço da moeda estrangeira em
moeda nacional, ou seja, é quanto se paga, em moeda nacional, por cada unidade
de moeda estrangeira.
Portanto, se a taxa de câmbio se desvaloriza, isso significa que a moeda nacional está
se valorizando – e vice-versa.
A taxa de câmbio tem um efeito importante sobre as relações comerciais de um país
com o resto do mundo. Vejamos duas circunstâncias:
• se a taxa de câmbio estiver baixa, isto é, se a moeda do país estiver valorizada,
o impacto na balança comercial será o seguinte:
−− os produtos estrangeiros tornam-se mais baratos dentro do país, porque se
teria que pagar menos em moeda nacional, estimulando o aumento das importações;
−− os exportadores do país receberiam menos, em moeda nacional, por suas
exportações, desanimando-os a exportar.
• se a taxa de câmbio estiver alta, isto é, se a moeda do país estiver depreciada, o
impacto na balança comercial será o seguinte:
−− os produtos estrangeiros tornam-se mais caros dentro do país, porque se
teria que pagar mais em moeda nacional, desestimulando as importações;
−− os exportadores do país receberiam mais, em moeda nacional, por suas exportações, animando-os a aumentá-las.
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No caso 1, a tendência seria a geração de déficit na balança comercial; no caso 2, poderia ocorrer superávit comercial.
Para se saber se uma moeda está se valorizando ou depreciando, não basta verificar
a evolução da taxa de câmbio nominal, isto é, se ela, por exemplo, variou de R$ 1,50
por US$ 1,00 para R$ 2,30. É preciso calcular sua variação real. Para isso, desconta-se
da variação nominal a diferença de inflação entre os países emissores das moedas.
Existem várias formas de se estabelecer a taxa de câmbio do país – e todas elas já
foram adotadas em todos os países em momentos distintos de sua história. Essas formas são
conhecidas como regimes cambiais, que são os seguintes:
• regime de câmbio fixo – quando o governo do país estabelece uma paridade
fixa entre sua moeda e a moeda estrangeira;
• regime de câmbio flutuante – quando o preço da moeda estrangeira é estabelecido pelo jogo entre a oferta e a procura da mesma no mercado doméstico;
• regime de câmbio administrado – quando cabe ao governo o estabelecimento do preço da moeda estrangeira, mas, em lugar da paridade fixa, ele administra seu comportamento de acordo com seus objetivos de política econômica e de comércio exterior.
Há uma variante do regime de câmbio fixo, que passou a ser conhecida como regime
de câmbio semifixo. Neste caso, em lugar de uma paridade fixa, pode-se estabelecer um teto
ou um intervalo de variação, em torno de um determinado valor.
O regime de câmbio fixo e sua variante de câmbio semifixo foram largamente adotados ao longo da década de 1990, sobretudo na América Latina, mas também em
outras regiões, como em parte da Ásia.
Foram utilizados como instrumentos de combate à inflação, à medida que, ao permitir a valorização da própria moeda, barateavam os produtos estrangeiros dentro do país
importador, o que pressionava a estrutura de preços para baixo e bloqueava o processo inflacionário.
No entanto, ao mesmo tempo, ao baratear e estimular o crescimento das importações e criar dificuldade para as exportações, o resultado foi a geração de déficits crescentes
nas balanças comerciais. Para cobrir esses déficits, os países recorreram a capitais de fora,
nas várias modalidades de empréstimos, investimento direto estrangeiro2 ou capitais especulativos, aumentando significativamente o passivo externo desses países.3
Esse regime de câmbio, além de retirar qualquer autonomia na definição de política
econômica por parte do país, tende a engendrar vulnerabilidade externa, ao aumentar o
passivo externo. Na América Latina, um dos países que mais se esmeraram na adoção do
Na maioria dos casos, não se tratou de investimento em nova capacidade produtiva, mas da mera aquisição de
patrimônio, público ou privado. Segundo levantamento da consultoria KPMG, entre 1992 e meados de 1997, mais
de 60% dos negócios de fusão e aquisição no Brasil foram comandados por empresas estrangeiras (SOUZA, 2008:
54).
3
Passivo externo é o estoque de capitais externos, em suas várias modalidades, dentro de um país.
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câmbio fixo foi a Argentina: chegou a incluir na Constituição a paridade de um peso para
um dólar. O Brasil adotou o mecanismo do câmbio semifixo.4
O regime de câmbio flutuante passou a ser adotado largamente entre o final da
década de 1990 e o começo da de 2000 na maioria dos países, depois do colapso
do câmbio fixo que se verificou nas várias crises financeiras ocorridas desde a crise
mexicana de 1994-1995. Seriam as forças de mercado - isto é, a oferta e a procura da
moeda estrangeira – que definiriam a taxa de câmbio.
Segundo os defensores desse regime de câmbio, a flutuação do câmbio permitiria o
ajuste da balança comercial:
• quando houvesse déficit comercial, isto significaria que estaria saindo do
país mais moeda estrangeira do que entrando, ou seja, estaria diminuindo
sua oferta, o que provocaria o aumento da taxa de câmbio; em outras palavras, estaria havendo a desvalorização da moeda nacional, o que resultaria
no aumento das exportações e na diminuição das importações, reequilibrando a balança comercial;
• quando houvesse superávit comercial, isto significaria que estaria entrando mais moeda estrangeira do que saindo, ou seja, estaria aumentando sua
oferta, o que provocaria a redução da taxa de câmbio; em outras palavras, a
moeda nacional estaria se valorizando e, por conseguinte, aumentariam as
importações e diminuiriam as exportações, reequilibrando a balança comercial.
Esse raciocínio seria correto se fossem cumpridas as seguintes condições:
• se o movimento da taxa de câmbio fosse definido apenas pela entrada e saída de recursos externos pela via comercial;
• se houvesse livre concorrência no mercado internacional de produtos;
• se houvesse livre concorrência no mercado internacional de câmbio.
Ocorre que nenhuma dessas três condições se cumpre atualmente:
• dados o montante e a volatilidade dos recursos especulativos que circulam
em nível internacional, o nível da taxa de câmbio decorre, sobretudo, da movimentação desses recursos;
• considerando as poderosas estruturas internacionais que controlam os negócios de mercadorias, sobretudo de commodities, o volume negociado e os
preços não dependem da concorrência, mas da ação monopolista dessas estruturas, o que impacta seriamente a balança comercial dos países exportadores de produtos primários;
• considerando que alguns poucos grupos financeiros dos países centrais controlam o mercado de câmbio em nível internacional,5 são eles que decidem
sobre o movimento de capitais nesse nível e, portanto, as taxas de câmbio
pelo mundo afora.
Sobre o impacto da adoção desse regime na economia brasileira, ver SOUZA (2008).
Um único fundo financeiro, o Soros Fund, quase quebrou o Banco da Inglaterra num ataque especulativo sobre
sua moeda, a libra esterlina, no começo da década de 1990. É importante registrar que a crise iniciada em 2007 chegou a ser tão profunda que até esse fundo, pertencente ao mega-especulador George Soros, quebrou.
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O problema central desse regime cambial é que os governos nacionais são seriamente limitados na definição de uma variável chave para o funcionamento da economia, pois do
comportamento dela depende, não apenas a balança comercial, mas a atividade econômica
interna, à medida que as exportações e importações incidem fortemente nessa atividade.
Em lugar de a taxa de câmbio ser utilizada como instrumento de política econômica,
os donos e gestores das instituições e fundos financeiros que operam no mercado de câmbio
são que a utilizam para favorecer seus ganhos em nível internacional. E, dependendo de
como a utilizam, pode haver um choque direto com os interesses dos países. Vejamos duas
hipóteses:
• se, em algum momento, as instituições que operam no mercado de câmbio decidissem concentrar seus capitais em determinado país, o aumento
da oferta de moeda estrangeira provocaria a diminuição da taxa de câmbio,
valorizando a moeda desse país, o que ensejaria a queda das exportações e o
aumento das importações, com o consequente déficit na balança comercial;6
• se, em outro momento, em face de uma crise internacional, essas mesmas
instituições optassem por retirar, em grande escala, seus recursos desse país,
o resultado seria o forte crescimento da demanda por moeda estrangeira
e a consequente elevação da taxa de câmbio, desvalorizando a moeda doméstica; poderia melhorar a balançar comercial, ao aumentar as exportações
e diminuir as importações, mas, a depender do grau de desvalorização da
moeda local e do consequente encarecimento das importações, poderia desencadear um processo inflacionário.
O câmbio administrado implica o risco de os gestores da política cambial se adiantarem ou se atrasarem na correção da taxa de câmbio, impactando desfavoravelmente a
balança comercial e a atividade econômica.
No entanto, sua adoção possibilita aos governos nacionais a utilização de um importante instrumento de política econômica com vistas a atingir seus objetivos de política de
comércio exterior e, por conseguinte, de desenvolvimento da economia interna.
Se, por exemplo, um governo traçar como objetivo estimular as exportações e coibir
as importações, estabelece uma taxa de câmbio mais alta, isto é, desvaloriza a moeda nacional. A China tem utilizado esse mecanismo.
Transações correntes e variáveis macroeconômicas
Examinaremos nesta seção a relação entre as contas externas de um país e o comportamento interno de sua economia. Para isso, cabe, inicialmente, definir o balanço de pagamentos e suas respectivas contas.
O balanço de pagamentos de um país, também designado de contas externas, é o registro contábil, por um determinado período de tempo, geralmente de um ano, do
conjunto das transações econômicas entre um país e o resto do mundo – ou, dito de
outro modo, entre os residentes e não residentes de um país. É composto de várias
contas, também designadas de balanças:
Sobre o impacto do câmbio flutuante na economia brasileira, ver SOUZA (2008).
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• Balança de transações correntes:
−− balança comercial: composta por exportações e importações, registra as transações comerciais;
−− balança de serviços: registra a remuneração de “fatores estrangeiros”, tais
como capitais, navios, tecnologia etc.; essa remuneração recebe as formas de
juros, lucros, dividendos, fretes, royalties, turismo etc;7
−− balança de transferências unilaterais: registra as transferências internacionais sem contrapartida, tais como doações, remessas de migrantes.
• Balança de capitais (ou movimento de capitais);8
−− movimento de capitais autônomos: é integrado pelo movimento de capitais
sob as formas de investimento direto estrangeiro, empréstimos e financiamentos e aplicações em carteira;9
−− movimento de capitais compensatórios: trata-se dos recursos aportados por
instituições multilaterais,10 quando as contas externas do país não fecham.
O balanço de pagamento é um conceito de fluxo, isto é, de movimento, mas relacionado a ele existe um conceito de estoque: as reservas cambiais. Trata-se do estoque
que um país dispõe de moeda estrangeira, ouro ou obrigações de outros países. Um
país que dispõe de elevado volume de reservas cambiais está mais protegido diante
de turbulências financeiras internacionais que possam impactar suas contas externas.11
Os países que se inserem de forma dependente na economia mundial tendem a ser
deficitários na balança de serviços. Isso porque, contando com grande passivo externo, têm
que fazer remessas de juros, lucros e dividendos para o exterior.12 Se um determinado país,
além disso, viesse a apresentar déficit comercial, passaria a sofrer déficit na balança de transações correntes. Nestas condições, teria três alternativas:
• recorrer a recursos externos, em suas várias modalidades,13 para cobrir o
déficit na conta corrente; esses capitais seriam registrados na balança de capitais;
A nova nomenclatura adotada pelo Banco Central, por recomendação do FMI, divide a balança de serviços em
balança de serviços (que inclui juros de empréstimos e financiamentos internacionais, fretes e viagens internacionais, royalties, aluguel de equipamentos, licenças, seguros internacionais e serviços governamentais) e rendas (que
contempla lucros e dividendos de investimento direto estrangeiro, lucros e dividendos de aplicações em carteira,
juros de empréstimos inter companhias, juros de títulos de dívida com renda fixa e juros de créditos de fornecedores).
8
A balança de capitais passou a chamar-se de conta de capital e financeira. Dentro dela, a conta de empréstimos
e financiamentos passou a integrar-se em outros investimentos estrangeiros ao lado de créditos comerciais, moeda
e depósitos, outros ativos e passivos e operações de regularização.
9
As aplicações em carteira também são conhecidas como capitais voláteis ou especulativos.
10
Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento ou Banco Mundial (Bird) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
11
O Brasil, quando iniciou a crise de 1998, possuía US$ 75 bilhões de reservas e foi seriamente afetado por ela,
tendo que iniciar um processo de desvalorização da moeda; quando, em 2008, começou a se agravar a crise internacional iniciada em 2007, o volume de reservas era de US$ 206 bilhões e, portanto, estava em melhores condições
de defender-se.
12
Isso costuma ocorrer com países dependentes situados na periferia do mundo capitalista. Mas, como veremos
no capítulo 10, os EUA se converteram na primeira grande potência a se tornar deficitária na sua conta de serviços.
13
Investimento direto estrangeiro, empréstimos e financiamentos e capital especulativo.
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• implementar um programa de contenção da economia, cortando gastos públicos, créditos e salários, a fim de reduzir a demanda por importações e liberar excedentes exportáveis; o objetivo seria gerar superávit comercial para
cobrir o déficit da balança de serviços, isto é, para remeter juros, lucros e
dividendos para servir ao passivo externo;
• adotar um programa de mudança estrutural que implique realizar a substituição de importações, isto é, passar a produzir internamente o que vinha
sendo importado.14
A primeira alternativa permite um fôlego imediato ao equilibrar momentaneamente
as contas externas. Mas, a médio e longo prazos, implica aumentar o passivo externo e, por
conseguinte, o déficit na balança de serviços, ao exigir mais remessa de juros, lucros e dividendos para fora. Ademais, além de transferir parte da poupança interna para o exterior,
torna o país mais vulnerável diante de crises financeiras internacionais.
Esse caminho foi adotado em toda a América Latina na década de 1990 e conduziu
às várias crises que a região sofreu no período.15
A segunda alternativa também foi implementada em toda a América Latina depois
da crise da dívida externa inaugurada em 1982, após a moratória mexicana. Os programas
adotados foram monitorados pelo FMI. A contenção econômica adotada permitiu gerar os
superávits comerciais destinados a cobrir o déficit da conta de serviços.
No entanto, o resultado, do ponto de vista da atividade econômica, foi uma longa
estagnação econômica, a ponto de a década de 1980 ter passado a ser conhecida como a “década perdida”.
A terceira alternativa foi adotada no Brasil duas vezes: depois de 1930, como reação
à Grande Depressão, e no período 1974-1979, como reação à crise internacional inaugurada
entre o final da década de 1960 e o começo da de 1970.
Na primeira vez, realizou um amplo programa de substituição de importações na
área industrial, o qual possibilitou consolidar a industrialização no país. Na segunda, avançou significativamente a industrialização pesada, ao internalizar parcela expressiva da produção de máquinas, equipamentos, bens intermediários, insumos básicos (SOUZA, 2008).
Uma outra forma de perceber o significado das contas externas é relacionando-as
com as principais contas nacionais. Para isso, vamos examinar a relação da balança de transações correntes com as principais variáveis macroeconômicas, tais como a Absorção Interna (AI), o Produto Interno Bruto (PIB), o Produto Nacional Bruto (PNB) e a Renda Nacional
(RN), integrantes das contas nacionais.
A Absorção Interna é a expressão monetária da parcela da produção interna que é
consumida e investida no país por residentes domésticos.
A Absorção Interna é assim composta:
AI = C + I + G, em que
C é o consumo total de todas as famílias do país
Houve países que, diante de uma forte crise das contas externas, além do programa de substituição de importações, adotou medidas para conter a drenagem de recursos para o exterior.
15
A mais forte se verificou na Argentina no começo da década de 2000, quando o país amargou um verdadeiro
caos financeiro.
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Capítulo 1
I é o investimento total de todas as empresas do país
G é o gasto total do governo em custeio e investimento
O PIB é a expressão monetária do somatório de todos os bens e serviços finais produzidos internamente num país em determinado período de tempo, seja por nacionais ou estrangeiros.
Sua composição básica é:
PIB = AI + (X – M), em que
X é o valor total das exportações
M é o valor total das importações
Assim, o PIB de um país é igual à Absorção Interna mais o saldo da balança comercial. Ou seja, acrescenta-se à AI parcela da produção interna que é exportada e subtrai-se a
parte do consumo interno que é importada. Isso significa que, se o saldo comercial for positivo, o PIB será maior do que a Absorção Interna; se for negativo, o PIB será menor.
O PNB expressa monetariamente o somatório, em determinado período, da produção de todos os bens e serviços pertencentes a residentes no país, sejam ou não
produzidos internamente.
seja:
O PNB é igual ao PIB mais as Rendas Líquidas Recebidas do Exterior (RLRE), ou
PNB = PIB + RLRE
As RLRE são o resultado líquido das remessas e recebimentos da remuneração de
fatores estrangeiros (contabilizados na balança de serviços) e das transferências
unilaterais.
Isso significa que:
• se as RLRE forem negativas, o PNB será menor do que o PIB;
• se as RLRE forem positivas, o PNB será maior do que o PIB.
Assim, um país que esteja na primeira situação – ou seja, em que o PNB é menor do
que PIB ou, dito de outra forma, em que o valor dos bens e serviços pertencentes a nacionais
é menor do que foi produzido internamente – está transferindo para o exterior parte da renda produzida por ele.
Encontram-se nessa situação os países que contam com um passivo externo líquido,
situação que costuma caracterizar os países da periferia que se inserem de forma dependente na economia mundial.16
Como veremos no capítulo 10, os EUA se converterem na primeira potência a ter um passivo externo líquido
e, portanto, a ter um PNB menor do que o PIB.
16
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Se se descontam do PNB todos os investimentos feitos para repor a depreciação do
capital fixo investido, chega-se ao Produto Nacional Líquido (PNL), que é igual à
Renda Nacional (RN). Dividindo a Renda Nacional pelo número de habitantes do
país (H), atinge-se a renda per capita (RPC).
Assim:
RPC = RN/H
A renda per capita é um indicador do nível de desenvolvimento de um país. Países
com RPC elevada são considerados desenvolvidos; ao contrário, países com RPC baixa são
classificados como pobres.
No entanto, para medir o grau de desenvolvimento de um país, não basta saber
sua renda per capita. Celso Furtado inclui entre as medidas do desenvolvimento o nível de
distribuição de renda. Para ele, se a renda per capita de um país for elevada, mas o conjunto
da renda nacional for altamente concentrado, não se pode afirmar que esse país seja desenvolvido (FURTADO, 1965).
Questionário
1. Defina termos de intercâmbio e mostre por que, na análise de Raúl Prebisch, eles
tendem a se deteriorar na relação entre países de base agrícola e países industriais.
2. Defina taxa de câmbio e apresente os vários regimes cambiais, indicando as vantagens e desvantagens de cada um deles.
3. O que é balanço de pagamentos? Indique e descreva cada uma das suas contas.
4. Quais as alternativas que podem ser adotadas por um país que conte com um
balanço de pagamentos deficitário?
5. Mostre a diferença entre PIB e PNB, indicando as consequências de um PNB
maior que o PIB.
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Referências bibliográficas
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Cultura, 1964.
RICARDO, D. Princípios de economia política e de tributação. Trad. Maria Adelaide Ferreira.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1975.
SMITH, A. Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz João
Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (O Economistas.)
SOUZA, N. A. de. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. 2 ed. São Paulo: Atlas,
2008.
Editora Atlas
Capítulo 1
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
2
Liberalismo e protecionismo na formação
da economia mundial
Para entender a economia mundial a partir da Grande Depressão de 1929, é imprescindível a compreensão do processo de formação dessa economia, tema que é objeto do
segundo capítulo deste livro.
Neste capítulo, abordam-se teorias que, ao serem implementadas no século XIX,
tiveram grande importância na conformação inicial da economia mundial.
Examinam-se aqui as teorias do comércio internacional elaboradas entre o final do
século XVIII e o começo do século XIX: as teorias do livre comércio e as protecionistas.1
Liberalismo econômico e livre comércio
O pensamento econômico liberal ou, dito de outra forma, o liberalismo econômico
surgiu em meados do século XVIII a partir da crítica a dois aspectos que limitavam a liberdade de comércio:
• as sobrevivências feudais, tais como a existência de monopólios, que implicavam a criação de obstáculos ao livre comércio e, por conseguinte, à livre
concorrência dentro das fronteiras de cada país;
• a prática do protecionismo nas relações internacionais de comércio, que criava obstáculos ao livre comércio entre os países.
O primeiro aspecto do liberalismo econômico clássico, que criticava as reminiscências feudais internas, cumpriu um papel importante no desenvolvimento do novo sistema
econômico – o capitalismo – que estava nascendo, à medida que justificava a derrubada de
barreiras internas ao livre desenvolvimento das relações mercantis, condição indispensável
à expansão da nova economia.
Seria impossível a expansão capitalista sem que houvesse liberdade de produção e
comercialização, que os franceses sintetizaram nas expressões laissez-faire, laissez-passez, isto
é, deixa fazer, deixa passar – deixa produzir, deixa circular. No feudalismo, o feudo rural
monopolizava a produção primária, as corporações de ofício monopolizavam a produção de
manufaturas e as companhias de comércio monopolizavam o comércio exterior.2 Teria que
acabar com os monopólios feudais para o capitalismo vicejar.
No sítio www.EditoraAtlas.com.br, consta um texto teórico, intitulado Elementos de economia internacional, que
contribui para uma melhor compreensão da análise da economia mundial realizada neste livro.
2
As mais conhecidas eram a Companhia das Índias Orientais e a Companhia das Índias Ocidentais.
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Mas o que nos interessa aqui, do ponto da vista de Economia Internacional, é o segundo aspecto da crítica feita pelo pensamento econômico liberal – o protecionismo
que criava obstáculo ao livre comércio internacional. A prática do protecionismo na
época tinha como fundamento a doutrina econômica que predominou do século
XV ao XVIII e que foi a responsável pela primeira formulação de uma teoria do comércio exterior. Trata-se do mercantilismo.
Essa doutrina surgiu numa época em que o feudalismo estava transitando para o
capitalismo e em que estavam se formando os estados nacionais europeus.3 Atingiu o apogeu na época das grandes navegações, após o descobrimento do caminho marítimo para as
Índias e da América. Colocava como centro da sua concepção a defesa do interesse nacional,
pois o objetivo era formar e desenvolver a nação.
Assim, “a doutrina mercantilista era altamente nacionalista ao priorizar o bem-estar
do próprio país, ao mesmo tempo em que favorecia a regulação e o planejamento da atividade econômica como meios eficientes de atingir os objetivos estabelecidos” (BAUMANN
et al., 2004: 10).
Um dos principais formuladores do ideário mercantilista foi Jean-Baptiste Colbert,
que era o responsável pelas finanças francesas durante o reinado de Luiz XIV. Para os autores mercantilistas, a riqueza de uma nação seria constituída por sua população e pelo
estoque de metais preciosos (ouro e prata) de que dispusesse – sobretudo este último. Isso
porque o acúmulo de metais preciosos aumentaria o poder de compra de um país.
Por isso, quanto mais uma nação acumulasse metais preciosos, mais próspera ela
seria. E o caminho para acumular essa riqueza seria o comércio exterior. Como os pagamentos internacionais eram feitos em ouro ou prata, uma nação que obtivesse superávit na sua
balança comercial com o exterior recebia a diferença nesses metais preciosos. O objetivo básico, então, para poder acumular riqueza, seria obter superávit comercial. Daí a necessidade
de planejamento estatal como forma de promover as exportações.
Mas não bastava isso. Os mercantilistas davam mais ênfase à limitação das importações, pois o Estado nacional teria mais condição de regular as importações do
que garantir as exportações. E assim nasceu a primeira formulação da doutrina
protecionista. Segundo os mercantilistas, ao Estado nacional cabia criar uma série
de mecanismos – indo até a proibição – para coibir as importações.
Observa-se, assim, que o objetivo central dos mercantilistas, ao elaborar sua doutrina protecionista, não era proteger a atividade econômica interna de produtos estrangeiros
– ainda que também o fosse –, mas criar as condições para a obtenção dos superávits comerciais necessários ao acúmulo de metais preciosos, isto é, de poder de compra, de riqueza.
Um dos primeiros críticos do pensamento mercantilista foi o inglês David Hume.
Em 1752, em seu Political Discurses, postulou a ideia de que o acúmulo indefinido de ouro
poderia afetar a competitividade do país em nível internacional. Isso porque, segundo ele,
esse acúmulo de ouro – que era o dinheiro da época – implicava o aumento da oferta de dinheiro e, por conseguinte, dos preços, comprometendo “a competitividade das exportações
do país superavitário, reduzindo sua possibilidade de continuar gerando excedente comercial” (BAUMANN et al., 2004: 11).
Antes, os povos europeus estavam isolados em feudos, pequenos reinos ou até pequenas repúblicas (cidadesestado), como ocorria em algumas regiões da península itálica.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Foi a partir daí que o fundador da Economia Política, Adam Smith, elaborou sua teoria
do livre comércio, em seu livro clássico Riqueza das nações, publicado em 1776, na Inglaterra.
O objetivo do livro foi explicitado em seu subtítulo: “investigação sobre sua natureza e suas
causas [da riqueza das nações]”.
Quando Smith escreveu seu livro, as relações capitalistas já predominavam na Inglaterra. Então, ele queria desvendar como se produz riqueza numa economia capitalista.
Para Smith, a riqueza seria constituída, não pelo estoque de metais preciosos, como
pensavam os mercantilistas, mas pelo valor de troca de todo o manancial de mercadorias
produzidas e colocadas à disposição da sociedade: “Por vantagem ou ganho entendo não o
aumento da quantidade de ouro e prata, mas o aumento do valor de troca da produção anual
da terra e da mão de obra do país, ou seja, o aumento da renda anual de seus habitantes”
(SMITH, 1983: 405).
A riqueza, portanto, não seria medida pela quantidade de dinheiro ou metais preciosos, mas pelo que o dinheiro seria capaz de comprar.
A questão passou a ser então: como produzir e como aumentar essa riqueza?
Segundo o pensador, uma nação teria tanto mais condição de aumentar sua riqueza
quanto maior fosse a quantidade de trabalho disponível e quanto maior fosse a divisão do
trabalho. Isso porque a divisão do trabalho, ao possibilitar maior especialização, aumentaria sua produtividade (SMITH, 1983: cap. 1).
Ao mesmo tempo em que definia a riqueza de forma diferente da definição dos
mercantilistas, o fundador da Economia Política, ao dedicar-se à questão do comércio exterior, concentrou-se, inicialmente, na crítica do protecionismo mercantilista que vinha sendo
praticado na Inglaterra.
Constatou que “a variedade de mercadorias cuja importação está proibida na GrãBretanha, de maneira absoluta ou em certas circunstâncias, supera de muito o que facilmente supõem os que não estão bem familiarizados com as leis alfandegárias” (SMITH, 1983:
377).
Essa proteção assumia três formas: proibições de importação, tarifas alfandegárias e
subsídios à produção interna. Além disso, prejudicava, principalmente, os produtos franceses – precisamente por que a França era, na época, o país com maior capacidade de competir
com a Inglaterra (SMITH, 1983: 383-384).
Criticando o protecionismo, propugnou que “talvez não seja igualmente evidente
que tal monopólio tende a aumentar a atividade geral da sociedade ou a dar-lhe a direção
mais vantajosa” (SMITH, 1983: 377).
A partir daí, formulou sua teoria do comércio exterior. Para isso, estendeu para a
economia internacional o princípio que defendia nas relações econômicas internas: o de que
a divisão do trabalho, ao aumentar a produtividade do trabalho, ensejaria o aumento da
riqueza.
Sinteticamente, sua formulação é a seguinte:
Se cada país se especializar naquelas atividades econômicas em que for mais eficiente e se, além disso, houver livre comércio entre os vários países, todos sairão
ganhando, isto é, todos ficarão mais ricos.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Nas palavras do próprio Smith: “o comércio que, sem violência ou coação, é efetuado com naturalidade e regularidade entre dois lugares, sempre traz vantagem para os dois
lados, ainda que essa vantagem não seja sempre igual para ambos” (SMITH, 1983: 405).
É possível, partindo da teoria do valor-trabalho postulada pelo autor, apresentar
uma formulação matemática da sua teoria do livre comércio. Para facilitar o raciocínio, consideremos que existem apenas dois produtos (tecido e vinho) e dois países (Inglaterra e
Portugal). Se apresentarmos o “custo” de cada produto em termos de horas de trabalho4
utilizadas para produzi-lo, a situação desses dois países em relação aos dois produtos pode
aparecer conforme exibido na tabela seguinte:
Tabela 2.1 Inglaterra e Portugal: valor da produção por unidade de produto
Países
Vinho (horas de trabalho)
Tecido (horas de trabalho)
Portugal
100
110
Inglaterra
110
100
Os dados apresentados indicam que Portugal gasta menos na produção de uma
unidade de vinho do que a Inglaterra (100 contra 110 horas de trabalho). Por outro lado,
a Inglaterra gasta menos do que Portugal na produção de tecidos (também 100 contra 110
horas de trabalho).
Digamos que não haja comércio entre os dois países e que cada um deles produza e
consuma uma unidade de cada produto. Neste caso, cada país gastaria 210 horas de trabalho.
Agora, suponhamos que haja livre comércio entre eles e que cada um se especialize
naquilo que produz com mais eficiência, isto é, com menor custo; além disso, cada um seguiria consumindo uma unidade de cada produto. Neste caso:
• Portugal produziria duas unidades de vinho: uma para consumo próprio e
outra para trocar com uma unidade de tecido que adquiriria da Inglaterra;
• por outro lado, a Inglaterra produziria duas unidades de tecido: uma para
consumo próprio e outra para trocar por uma unidade de vinho a ser comprada de Portugal.
Resultado: Portugal gastaria 200 horas de trabalho (2 unidades de vinho vezes 100
horas de trabalho) e a Inglaterra também gastaria 200 horas (2 unidades de tecido vezes 100
horas de trabalho). Assim, consumindo a mesma coisa que antes, os dois países, ao intercambiarem entre si, economizariam cada um 10 horas de trabalho – que poderiam ser utilizadas para incrementar a produção de cada bem, tornando cada país “mais rico”.
Essa teoria smithiana foi designada de teoria das vantagens absolutas porque compara a diferença absoluta de custo dos produtos entre os países.
O principal discípulo de Smith, David Ricardo, sofisticou um pouco mais essa teoria, em sua principal obra, Princípios de economia política e de tributação, que lançou em 1817.
Segundo ele, ainda que uma economia fosse mais eficiente em todos os produtos, o comércio internacional seria possível e vantajoso para todos.
A soma das horas de trabalho utilizadas para produzir o produto mais o que se gastou de trabalho nas matérias-primas e na parte das máquinas e equipamentos desgastada nessa produção.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Na sua opinião, “num sistema de comércio perfeitamente livre, cada país consagra
o seu capital e trabalho às atividades que lhe são mais rendosas. Esta procura de vantagem
individual coaduna-se admiravelmente com o bem-estar universal” (RICARDO, 1975: 149).
Da mesma forma que Smith, sua defesa intransigente do livre comércio parte de
uma crítica ao protecionismo: “Os prêmios à exportação ou à importação e os novos
impostos sobre os produtos, atuando muitas vezes direta e outras vezes indiretamente, perturbam o desenvolvimento natural das trocas” (RICARDO, 1975: 158).
seguir:
O exemplo que Ricardo utiliza para demonstrar sua tese encontra-se na tabela a
Tabela 2.2 Inglaterra e Portugal: valor absoluto e relativo dos produtos
Portugal
Vinho
(trabalhadores por ano)
80
Tecido
(trabalhadores por ano)
90
Preços
relativos
80/90 = 0,89
Inglaterra
120
100
120/100 = 1,2
Países
Em lugar de adotar como medida do valor e, portanto, dos custos as horas de trabalho, Ricardo usa a quantidade de trabalhadores por produção anual de cada produto.
No caso de Portugal, seriam necessários 80 trabalhadores para produzir o vinho e 90 para o
tecido; na Inglaterra, 120 trabalhadores para vinho e 100 para tecido.
Se esse exemplo fosse aplicado à versão mais simples de Smith, Portugal, com menor
custo nos dois produtos (vinho: 80 homens contra 120; tecido: 90 contra 100), teria vantagem
absoluta em ambos e, assim, não haveria possibilidade de intercâmbio entre os dois países.
No entanto, segundo Ricardo, o que determinaria as relações comerciais internacionais seria a vantagem relativa ou comparativa, e não a vantagem absoluta. Neste
caso:
• se a Inglaterra concordasse em trocar com Portugal o tecido em que usou
100 trabalhadores na produção pelo vinho em que este último usou 80
trabalhadores, seria vantajoso para Portugal, porque evitaria de ter que
usar 90 trabalhadores para produzir o próprio tecido; assim, ele poderia
produzir uma tonelada para o próprio consumo e outra para trocar com o
tecido inglês;
• por outro lado, a Inglaterra, mesmo tendo usado 100 trabalhadores para
produzir o tecido, poderia ter interesse em trocar pelo vinho português
que usou apenas 80 trabalhadores, porque, se fosse produzir o próprio vinho, teria que usar 120 trabalhadores; assim, produziria uma tonelada de
tecido para o próprio consumo e outra para trocar com o vinho português.
Havendo a troca, Portugal economizaria 10 trabalhadores e a Inglaterra 20, podendo utilizá-los para aumentar a produção. Isso porque o primeiro, em lugar de usar 170
trabalhadores para produzir vinho e tecido, utilizaria apenas 160 para produzir o dobro do
vinho; enquanto isso, a segunda, em lugar de usar 220 homens para produzir os dois produtos, usaria apenas 200 para produzir o dobro do tecido que necessitaria.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Isso pode ser explicado de outro modo. Observando-se a Tabela 1.2, percebe-se que,
em Portugal, o preço relativo do vinho em termos de tecido é de 0,89, enquanto na Inglaterra
é de 1,2. Assim:
Se a Inglaterra pode importar uma unidade de vinho a um custo inferior a 1,2
unidade de tecidos, terá ganho com o comércio. Se Portugal pode importar mais
do que 0,89 unidade de tecidos em troca de uma unidade de vinho, também será
beneficiado. Desse modo, se uma unidade de vinho pode ser exportada de Portugal para a Inglaterra em troca de algo entre 0,89 e 1,2 unidade de tecidos, ambos os
países serão beneficiados pelo comércio internacional (BAUMANN et al., 2004: 14).
Essa teoria é conhecida como a das vantagens comparativas porque, em lugar de
considerar como critério para a possibilidade de troca entre países o valor ou custo absoluto de cada produto, comparando um país com outro, considera, inicialmente, a relação de
troca, isto é, o preço relativo entre os produtos dentro de um mesmo país para, só então,
comparar com o outro país.
Segundo Ricardo, essa possibilidade de trocar mais trabalho por menos trabalho
existiria no comércio internacional, e não no comércio interno, porque o capital teria mais
dificuldade de “circular de um país para outro à procura duma atividade mais rendosa”,
enquanto haveria facilidade de transitar “de uma província para outra dentro do mesmo
país” (RICARDO, 1975: 151).
Protecionismo e Estado na economia
Na mesma época em que Smith formulava sua teoria do livre comércio, o Primeiroministro de Dom José I, Rei de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo, o conhecido
Marquês de Pombal,5 examinando o tratado de preferência tarifária entre Portugal e Inglaterra, o Tratado de Methuen, firmado em 1703, chegava a conclusão contrária quanto aos
benefícios universais dessa teoria.
O funcionamento de uma espécie de zona de livre comércio entre os dois países
teria beneficiado a Inglaterra e prejudicado Portugal. Isso porque:
• a indústria nascente neste último teria sido destruída pela concorrência
inglesa, que possuía uma indústria mais madura e mais eficiente;
• por isso, Portugal teria se transformado numa espécie de entreposto comercial dos produtos industriais ingleses;
• a balança comercial portuguesa se teria tornado deficitária;
• Portugal, em consequência desse déficit, teria transferido para a Inglaterra
o ouro que recebia do Brasil e, além disso, se teria endividado com aquele
país.
A causa dessa deterioração econômica de Portugal teria sido a prática do livre comércio com uma nação mais desenvolvida economicamente e, portanto, com maior capacidade competitiva.
O Marquês de Pombal foi Primeiro-ministro durante todo o reinado de Dom José I, de 1750 a 1777.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Pouco depois, esse debate seria retomado na jovem nação estadunidense – que coincidentemente proclamou sua independência no ano em que Smith lançou seu livro: 1776.
Foi nomeado como o Secretário do Tesouro6 do primeiro governo dos EUA, presidido por George Washington, o jovem Alexander Hamilton, que lutara na Guerra de Independência como ajudante-de-ordens de Washington. Na sua nova função, apresentou à Câmara
dos Deputados do país, em 5 de dezembro de 1791, um documento intitulado Relatório sobre
as manufaturas, cujo objetivo era traçar os rumos econômicos do país que acabava de nascer.
Hamilton partiu da ideia básica de Smith de que a riqueza de uma nação seria constituída das mercadorias que pudesse produzir, e que essa produção – e, portanto, a riqueza
– seria tanto maior quanto maior fosse a disponibilidade de força de trabalho e a divisão
do trabalho. Avançando a divisão do trabalho, cresceriam a produtividade e a riqueza. No
entanto, ele contestava a ideia de que, nas nações agrícolas, esse crescimento da riqueza poderia ocorrer por meio do livre comércio.
Dedicou seu relatório “ao assunto das manufaturas, particularmente, aos meios para
fomentar as que tendam a tornar os Estados Unidos independentes de outras nações em seu
abastecimento militar e de bens essenciais” (HAMILTON, 1995: 31). Assim, o objetivo central de seu programa econômico seria promover a industrialização do país.
Em sua análise, ele descreve as desvantagens de ser uma nação meramente agrícola
e as vantagens da industrialização.
Entre as desvantagens de ser uma nação agrícola, cita as seguintes:
• “as regras restritivas [protecionismo] que, nos mercados estrangeiros, limitam a venda dos crescentes excedentes de nossos produtos agrícolas”(Ibidem:
32);
• o empenho das nações industrializadas “em não permitir que as nações
agrícolas gozem das suas [vantagens naturais], sacrificando os interesses de
um intercâmbio mutuamente benéfico à vã pretensão de vender tudo e não
comprar nada” (Ibidem: 54);
• “a demanda externa para os produtos dos países agrícolas [seria], em grande
medida, mais casual e ocasional do que segura ou constante” (Ibidem: 54);
• “a constante e crescente necessidade estadunidense de bens europeus e a
parcial e ocasional demanda dos seus, em troca, os expõe a uma situação de
empobrecimento” (Ibidem: 58-9);
• a existência de produção agrícola nos países industrializados e a inexistência
de produção industrial nos países agrícolas fariam com que estes últimos
sofressem “perdas por dois lados, o que, seguramente, conduzirá a uma balança comercial desfavorável” (Ibidem: 90);
• a inexistência da indústria num país comprometeria sua segurança externa,
à medida que implicaria a falta do material indispensável à defesa, isto é, a
“incapacidade de abastecer-se a si próprios” (Ibidem: 89).
Por outro lado, Hamilton indicou quais seriam as vantagens da industrialização:
• a divisão do trabalho – a indústria ensejaria maior divisão do trabalho, ao
permitir o nascimento de novos setores da economia, o que possibilitaria
maior destreza do trabalhador e economia de tempo, aumentando a produtividade;
Cargo equivalente ao do ministro da Fazenda.
6
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
• a ampliação do uso de maquinaria – as atividades manufatureiras seriam
mais suscetíveis ao uso de maquinaria que as atividades agrícolas, e essa
aplicação de máquinas também aumentaria a produtividade;
• a geração de mais emprego – ao ensejar a criação de novos setores, a industrialização geraria empregos para “classes da sociedade que, comumente,
não se dedicam a essas atividades”;
• o fomento à imigração – no caso de países pouco habitados, como o eram na
época os Estados Unidos, a industrialização poderia fomentar a imigração e,
por conseguinte, o povoamento;
• o desenvolvimento dos talentos – ao diversificar, em face das inúmeras atividades que cria, o uso dos talentos, a indústria possibilitaria o desenvolvimento da criatividade dos indivíduos e seu uso em benefício da sociedade;
• a abertura de campo mais amplo e variado para as empresas – a industrialização, ao diversificar mais a economia, expandiria o campo para o desenvolvimento do “espírito de empresa”;
• a garantia e criação de maior demanda para os produtos agrícolas – em lugar
de prejudicar a agricultura, como professavam os que contraditavam a industrialização, esta, ao contrário, poderia beneficiá-la, ao servir de demanda
para seus produtos (Ibidem: 46-54).
Hamilton sintetizou essas vantagens na seguinte observação:
Não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país parecem estar intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas. Toda nação que pretenda atingir
estes grandes objetivos deve procurar possuir o essencial para o abastecimento nacional. Aí
se incluem os meios de sustentação, habitação, vestimenta e defesa (Ibidem: 88).
Propugnava o pensador estadunidense que, “para produzir-se o quanto antes as
mudanças desejáveis [para garantir a industrialização], são necessários, pois, o estímulo e o patrocínio do governo” (Ibidem: 61). Isto porque, sem o Estado, “estas
mudanças tendem a ocorrer mais tarde do que o que conviria ao interesse tanto da
sociedade como do indivíduo” (Ibidem: 61).
O maior obstáculo à industrialização numa nação agrícola consistiria “das subvenções, recompensas e demais auxílios que, em muitos casos, são dados às indústrias das
nações onde já estão estabelecidas” (Ibidem: 62). Ou seja, era o protecionismo das nações
industriais.
Portanto, a ação do Estado com vistas à industrialização significaria, de um lado, a
adoção de medidas de proteção à indústria nascente e, de outro, a intervenção interna visando à criação de condições que favorecessem a industrialização. O programa proposto por
Hamilton constava das seguintes medidas:
1.
tarifas alfandegárias protecionistas, quer dizer, tarifas sobre os artigos estrangeiros rivais dos produtos nacionais que se pretendem fomentar;
2.
proibição de artigos rivais ou tarifas equivalentes a uma proibição;
3.
veto à exportação de matérias-primas necessárias às manufaturas;
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
4.
subsídios pecuniários à produção local;
5.
prêmios para recompensar “alguma superioridade ou excelência especial, alguma aptidão ou esforço extraordinários”;
6.
isenção tarifária para a importação de matérias-primas necessárias às manufaturas locais;
7.
reintegração das tarifas cobradas sobre as matérias-primas para as manufaturas;
8.
fomento a novos inventos e descobertas no próprio país e introdução dos que
sejam feitos em outros países, particularmente os referentes à maquinaria;
9.
normas prudentes para a inspeção de bens manufaturados a fim de garantir
a qualidade;
10. agilização das remessas monetárias de um lugar a outro do país por meio de
um sistema bancário e creditício ágil e generalizado em nível nacional;
11. agilização do transporte de mercadorias (Ibidem: 96-109).
Duas conclusões importantes se impõem a partir do pensamento de Hamilton:
• o livre comércio com as nações industriais inviabilizaria a industrialização
das nações agrícolas, sendo necessária a adoção de medidas protecionistas
para que essas nações pudessem seguir a senda industrial;
• enquanto o protecionismo mercantilista, ainda que pudesse favorecer a
industrialização, tinha como objetivo básico a obtenção dos superávits comerciais necessários à acumulação de metais preciosos – que condensaria
a riqueza, para eles –, o protecionismo de Hamilton tinha como seu principal objetivo favorecer a industrialização e, dessa forma, aumentar a produtividade e a produção de mercadorias – que condensaria a riqueza, na sua
acepção.
Os opositores do protecionismo costumavam alegar, entre outros argumentos, que
essa prática provocaria o aumento dos preços internos. Contra essa alegação, Hamilton argumentou que, “do ponto de vista nacional, o aumento temporário do preço será sempre
compensado pela sua redução permanente” (Ibidem: 84), já que o desenvolvimento industrial interno, ao possibilitar o aumento da produtividade, ensejaria uma futura queda dos
preços.
O alemão Georg Friedrich List foi o principal continuador da obra de Hamilton.7 Viveu inicialmente numa Alemanha ainda dividida em principados, ducados, cidades-livres e
pequenas nações, como a Prússia e a Áustria. Foi não apenas um dos principais teóricos do
protecionismo, como também um dos principais ativistas dessa causa.
Chegou a ser eleito deputado para a Assembleia de Wurttenberg, mas, em face de
sua firme campanha em favor de medidas protecionistas e de um estado alemão unificado,
teve o seu mandato cassado e foi condenado à prisão.
Dentro dos EUA, o imigrante irlandês Mathew Carey e seu filho Henry Carey também escreveram várias obras
sobre o chamado Sistema Nacional de Economia Política, que tinha como eixo a questão do protecionismo.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Decidiu então exilar-se na Inglaterra, França e Suíça, mas terminou partindo em
1925 para os EUA. Antes disso, já havia tido as primeiras ideias de uma “economia política nacional” – que contrapunha ao livre comércio da “economia política cosmopolita” de
Adam Smith – e do zollverein, que seria uma união aduaneira de uma Alemanha unificada.
Nos EUA, teve um contato mais estreito com a teoria protecionista de Hamilton e de
seus seguidores, Mathew e Henry Carey. Foi com base nessa experiência que escreveu sua
principal obra, intitulada Sistema nacional de economia política, publicada em maio de 1841.
Ele definiu a essência de sua teoria da seguinte forma: “diria que a característica
básica deste meu sistema reside na NACIONALIDADE. Toda a minha estrutura está baseada na natureza da nacionalidade, a qual é o interesse intermediário entre o individualismo e a
humanidade inteira” (LIST, 1983: 5).
De maneira mais contundente que Hamilton, List elaborou seu sistema teórico a
partir da crítica ao livre comércio:
As tentativas que têm sido feitas por nações individuais no sentido de introduzir a liberdade de comércio di’ante de uma nação que é predominante na
indústria, riqueza e poder, e que se caracteriza por sistemas alfandegários exclusivos – como fez Portugal em 1703, a França em 1786, a América do Norte
em 1786 e 1816, a Rússia de 1815 até 1821, e como a Alemanha fez durante
séculos – mostram-nos que dessa maneira se sacrifica a prosperidade nas nações individuais, sem que haja benefícios para a humanidade em geral, servindo exclusivamente para o enriquecimento da nação dominante do ponto
de vista industrial e comercial (Ibidem: 85).
O sistema teórico de List, no que se refere ao protecionismo, implicava a existência
de três estágios no processo de desenvolvimento de uma nação:
no primeiro estágio, adotando comércio livre com nações mais adiantadas como
meio de saírem elas mesmas de um estado de barbárie e para fazerem progresso
na agricultura; no segundo estágio, promovendo o crescimento das manufaturas,
da pesca, da navegação e do comércio exterior, adotando restrições ao comércio; e
no último estágio, após atingirem o mais alto grau de riqueza e poder, retornando gradualmente ao princípio do comércio livre e da concorrência sem restrições,
tanto no mercado interno como no mercado internacional, de maneira que seus
agricultores, comerciantes e manufatores possam ser preservados da indolência e
estimulados a conservar a supremacia que adquiriram (Ibidem: 86).
Assim, para List, no estágio da industrialização, a nação deverá adotar o programa
protecionista, abdicando do mesmo depois que conquistar uma produtividade compatível
com o padrão de seus concorrentes internacionais. Assim, para ele, “as medidas protecionistas só se justificam com o intuito de fomentar e proteger a força manufatureira interna”
(Ibidem: 207).
Como veremos ao longo deste livro, a realidade posterior revelou que, mesmo depois de haver atingido “o mais alto grau de riqueza e poder”, as nações contemporâneas não
abdicaram do protecionismo. Ao contrário, o reforçaram.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Como garantir a proteção da indústria infante? Diz List: “O protecionismo
pode ser alcançado proibindo sistematicamente a importação de certos artigos manufaturados, impondo taxas tão altas que praticamente equivalem à
proibição, ou impondo taxas mais moderadas” (Ibidem: 207).
List, mais do que Hamilton, postulava que a transformação de uma nação agrícola
em uma nação industrial exigia a ação do Estado. Para ele, “a mesma história demonstra,
porém, que só se pode atingir uma atividade manufatureira perfeitamente desenvolvida,
uma importante marinha mercante e um comércio exterior em larga escala, mediante a intervenção do poder do Estado” (LIST, 1986: 125). Questionário
1.
O que era a riqueza para os mercantilistas? Quais os mecanismos por eles
propostos para uma nação obter e acumular riqueza?
2.
Exponha a teoria do livre comércio baseada nas vantagens absolutas, apresentando exemplos numéricos.
3.
Exponha a teoria do livre comércio baseada nas vantagens comparativas,
apresentando exemplos numéricos.
4.
Sintetize a crítica feita pelo Marquês de Pombal ao acordo de preferência tarifária (Acordo de Methuen) entre Portugal e Inglaterra.
5.
Quais as desvantagens de uma nação agrícola, na visão de Alexander Hamilton?
6.
Quais as vantagens de uma nação industrial, na visão de Alexander Hamilton?
7.
Exponha e comente o programa proposto por Hamilton para viabilizar a industrialização.
8.
Apresente os estágios econômicos conforme indicados por Friedrich List,
bem como as medidas por eles propostas para garantir a industrialização.
9.
Mostre a principal diferença quanto aos objetivos entre o protecionismo mercantilista e o protecionismo de Hamilton e List.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referências bibliográficas
BAUMANN, R.; CANUTO, O.; GONÇALVES, R. Economia internacional; teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3 ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,
1965.
____________. Formação econômica do Brasil. 11 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1971.
HAMILTON, A. Relatório sobre as manufaturas. Apresentação de Barbosa Lima Sobrinho. Rio
de Janeiro: Sol. Iberamerica, 1995.
LIST, G. F. Sistema nacional de economia política. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril
Cultural, 1983. (Os Economistas.)
____________. Sistema nacional de economia política. 2 ed. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo:
Nova Cultural, 1986 (Os Economistas).
PREBISCH, R. Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.
RICARDO, D. Princípios de economia política e de tributação. Trad. Maria Adelaide Ferreira.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1975.
SMITH, A. Riqueza das nações – investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz
João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas.)
SOUZA, N. A. de. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. 2 ed. São Paulo: Atlas,
2008.
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Capítulo 2
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 3
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
3
A onda larga e a crise estrutural
Para entender a dinâmica da economia capitalista mundial, é importante recorrer às
noções de onda larga e crise estrutural.
Essa economia, desde a década de 1820, vem se desenvolvendo de forma cíclica,
passando por períodos de reanimação, prosperidade e crise.
Autores como Robert Malthus, Karl Marx, Joseph Schumpeter e John M. Keynes,
dentre outros, constataram que essa dinâmica cíclica seria consequência inevitável
das contradições inerentes a esse tipo de economia. Segundo eles, as leis gerais de
funcionamento desse sistema, ao mesmo tempo em que garantem sua expansão,
também provocam crises periódicas.
A forma de desenvolvimento que o capitalismo assume em cada momento histórico
condiciona o caráter e a profundidade das suas crises, bem como o papel que estas podem
cumprir, quer destruindo capacidade produtiva, quer criando condições para mudanças.
Os conceitos de padrão de reprodução de capital, ciclo longo ou onda larga e crise
estrutural são de grande valia para captar o que de característico existe em cada fase do desenvolvimento capitalista, bem como a natureza de suas crises.
Entendemos por padrão de reprodução do capital a forma como a economia capitalista se reproduz em um período e em um espaço determinados.1 Isso implica considerar os
seguintes fatores:
• a forma de inserção de cada país no sistema capitalista mundial: país central,
dependente ou independente;
• a ênfase no progresso das forças produtivas: processo de trabalho, meios de
trabalho ou objeto de trabalho;
• as formas principais de extração de excedente econômico: aumento da jornada ou da produtividade do trabalho, redução do salário real;
• as relações entre os setores produtivos: se a expansão se assenta na indústria
de meios de produção, na de bens de consumo popular ou na de bens suntuários;
1 Os economistas costumam designar de modelo econômico uma forma específica de desenvolvimento do capitalismo.
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• o padrão de distribuição de renda e realização das mercadorias: se a renda
é melhor distribuída ou mais concentrada, se predomina o mercado externo
ou o interno, como se conforma o mercado interno;
• a forma de ação do Estado na economia: se predomina a participação ativa
do Estado ou o liberalismo econômico.
A duração do padrão de reprodução não se confunde com o ciclo econômico clássico. Durante a vigência de um mesmo padrão de reprodução, podem ocorrer vários
ciclos. O ciclo é a forma clássica como se manifesta a expansão e a crise no capitalismo. Começa por um período de expansão, primeiro calma, depois intensa, e
termina com a crise.
Porém, a forma específica que assume o ciclo depende do padrão de reprodução
vigente. Isto é, os elementos gerais que estão presentes em toda a expansão econômica capitalista e em toda a crise econômica têm sua forma modificada em função do padrão de
reprodução. Além disso, o ciclo assume forma e caráter distintos conforme ocorra na emergência e expansão ou no período de declínio do padrão de reprodução.
O período de declínio do padrão de reprodução corresponde às crises estruturais
do sistema. Trata-se da crise do próprio padrão de reprodução vigente e só se supera à custa de modificações substanciais na natureza do padrão de reprodução.
Segundo Manuel Castells,
o específico de uma crise estrutural é que o processo de acumulação não pode
recomeçar até que se eliminem ou contrabalancem os obstáculos. Geralmente
esta solução significa que se produzirá uma transformação básica nas relações entre as classes, entre as frações do capital e entre o capital e as forças
produtivas (CASTELLS, 1978: 85).
Como essas modificações não ocorrem facilmente, tal crise tende a ser prolongada
e a destruir mais profundamente as forças produtivas já acumuladas. No decorrer de crises
como essa, o ciclo econômico normal não deixa de operar, só que com predomínio da crise
sobre a reanimação econômica. É por isso que é nesses momentos que tendem a ocorrer as
mudanças.
O conceito de ciclo longo ou onda larga e sua relação com o de padrão de reprodução contribuem para precisar a relação entre as crises e os períodos de expansão ou declínio
do padrão de reprodução.
Segundo Karl Kautsky (1978), foi o russo Alexander Parvus quem primeiro formulou a ideia de existência no capitalismo de um “ciclo maior”, mais longo do que ciclo industrial periódico. Vale a pena transcrever o trecho em que Parvus desenvolve essa ideia:
Existem momentos, nos quais o desenvolvimento da economia capitalista amadureceu tanto em todos os terrenos – na técnica, no mercado monetário, no comércio,
nas colônias – que deve verificar-se uma iminente expansão do mercado mundial,
a totalidade da produção mundial é levada a uma nova base, muito mais ampla.
Então se inicia um período de embate e luta (Sturm und Drung) para o capital. A
mudança periódica de auge e crise não é suprimida por isso, porém o auge se desenvolve em uma progressão maior, a crise é mais aguda, porém de menor duração.
Assim se segue até que as tendências do desenvolvimento acumuladas alcançam
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Capítulo 3
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
seu completo desenvolvimento. Então se produz o estalido mais agudo da crise
comercial, que finalmente se transforma na depressão econômica. A depressão econômica está caracterizada por um retardamento no desenvolvimento da produção.
Esta encurta a magnitude do auge e seu espaço, porém estende, pelo contrário, a
crise comercial, que perde seu vigor. Quase se tem a impressão de que a produção
já não se poderia levantar até que as potências do desenvolvimento hajam evoluído
até um período de embate e luta (PARVUS, apud KAUTSKY, 1978: 227).
Kautsky assumiu essa posição e procurou demonstrar que, historicamente, a economia capitalista se desenvolveu de acordo com esses “grandes períodos”. Descobriu, além
disso, que, na base de cada período de expansão da onda larga (“embate e luta”), era possível encontrar eventos como conquistas coloniais e intensas inovações tecnológicas. Ao contrário, nos períodos de depressão econômica, haviam progredido as lutas por mudanças.
Em verdade, o período de “embate e luta” de uma onda larga corresponde ao período de emergência e expansão de um padrão de reprodução, enquanto o de depressão
econômica corresponde ao de seu declínio.
Nesse sentido, a utilização do conceito de ciclo longo ou onda larga nada mais é do
que a forma temporal de examinar o processo de vida e morte de um padrão de reprodução.
Cada onda larga corresponderia a um distinto padrão de reprodução.
A ideia de ciclo longo foi mais tarde retomada pelo economista russo Nicolai Kondratiev, equivocadamente considerado o pai dessa teoria. Kondratiev assimilava os ciclos
longos aos ciclos industriais periódicos, estabelecendo para aqueles a mesma regularidade
econômica que caracteriza estes; isto é, ele concebia aqueles também como resultante da
dinâmica interna da economia capitalista.
Na realidade, não é possível demonstrar essa regularidade interna do ciclo longo.
Sua duração depende das forças impulsoras e do grau de contradição que encerra o padrão
de reprodução correspondente. As forças impulsoras iniciais, conforme percebeu Kautsky,
são externas à dinâmica própria da acumulação de capital, ainda que façam parte de sua
lógica de expansão, como guerras, conquistas coloniais etc.
Estas são forças impulsoras iniciais à medida que, ao destruírem profundamente
forças produtivas acumuladas ou estenderem o mercado mundial, propiciam uma tal elevação da taxa de lucro que permite a incorporação ao processo produtivo de descobertas
tecnológicas realizadas no período anterior e que pode até se converter em verdadeiras revoluções tecnológicas.
O processo de generalização da nova “onda tecnológica” corresponde ao período
de expansão do novo padrão de reprodução, ao período de “embate e luta” do novo ciclo
longo. A tônica desse período é o progresso geral da economia, mas não deixa de ser entrecortado por crises, ainda que curtas. Curtas porque é muito forte, nesse período, o peso das
forças compensatórias da tendência à queda da taxa de lucro e que se fazem presentes nas
forças impulsoras iniciais.2
O esgotamento dessas forças impulsoras e dos efeitos “revolucionários” da “onda
tecnológica” que provocaram retira o peso das forças compensatórias da tendência da taxa
de lucro a cair. Assume então preponderância a tendência à substituição do homem pela
máquina e do consequente crescimento mais rápido da massa de capital investido em relação à massa de lucro, embutido nos avanços tecnológicos.
Ver no capítulo 2 a indicação da teoria da tendência a cair da taxa de lucro.
2
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Capítulo 3
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Inicia-se, assim, o período de declínio do padrão de reprodução, o período de depressão econômica do ciclo longo. A tônica geral desse período é a ocorrência de
crises periódicas, é a destruição de forças produtivas, ainda que haja ligeiros períodos de reanimação econômica.
Estes decorrem de efêmeras melhoras na taxa de lucro, geradas pela própria crise,
mas esta, enquanto não puder alterar o padrão de reprodução, não será capaz de
promover a elevação da taxa de lucro a ponto de garantir um período sustentado e
duradouro de expansão econômica.
O padrão de reprodução pode ser específico de um determinado país, mas, na fase
da internacionalização da economia3, as características das economias hegemônicas tendem
a demarcar o caráter do padrão de reprodução em nível mundial, condicionando a dinâmica
de cada economia nacional.4
Assim, a onda larga que se desenvolve nas economias dependentes tem também sua
dinâmica condicionada, em última instância, ainda que não mecanicamente, pela onda larga
da economia mundial. Cada país dependente se condiciona a esse ciclo longo segundo sua
forma de inserção no sistema capitalista mundial. Isto é assim porque as condições gerais do
ciclo longo só ocorrem em nível mundial, ainda que possam iniciar-se em um determinado
e importante centro do sistema capitalista.
Por tudo isso, resulta de fundamental importância, quando se investiga a crise mundial ou a de um país em particular, examinar em que fase se encontra e quais as características da onda larga. Ainda que não haja uma determinação mecânica, essa análise pode
ajudar, em grande medida, a entender melhor o período que se inaugura com a crise.
Questionário
1. Defina padrão de reprodução do capital e onda larga e mostre a relação entre esses dois conceitos.
2. Defina crise estrutural.
Ver seção capítulo 1 do livro.
Isso não significa que não se mantenham determinadas especificidades nacionais.
3
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Capítulo 3
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Referências Bibliográficas
CASTELLS, M. La crisis económica mundial y el capitalismo americano. Trad. José Cano Tembleque. Barcelona: Laia, 1978.
KAUTSKY, K. Teorías de las crisis. México: Siglo XXI, 1978.
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Capítulo 3
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Capítulo 4
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As primeiras tentativas de explicar a
Grande Depressão
Foi a quebra da bolsa de Nova Iorque a espoleta que deflagrou o processo de crise.
Essa quebra, por sua vez, foi precipitada pela elevação da taxa básica de juros a partir de
agosto de 1929. Esta é uma sequência comum nos processos de deflagração de crises econômicas:
• no auge do crescimento econômico, tende a exacerbar as pressões inflacionárias;
• seguindo a visão convencional,1 os bancos centrais elevam a taxa de juros
com o objetivo de conter essas pressões;
• como consequência, os capitais fogem das bolsas para se beneficiar da maior
rentabilidade dos títulos do Tesouro;
• e, assim, desaba o valor das ações nas bolsas.
E precisamente em 1929, a economia dos EUA havia atingido o auge de um longo
período de expansão de oito anos que vinha desde 1922. Segundo Dobb,
depois de uma depressão curta de 1920 a 1921 a América iniciou aquele boom de
oito anos que iria levar o volume físico de produção em 1929 a 34% acima do nível
de 1922 e cerca de 65% acima do nível de 1913. Tão grande foi a taxa de construção
nova que, entre 1925 e 1929, apenas a procura de máquinas-ferramentas nos Estados Unidos cresceu quase 90% e aquela do equipamento de fundição quase 50%
(DOBB, 1976: 404-5).
Pode-se deduzir, então, que as crises resultam diretamente do processo de expansão. Mais precisamente, suas causas nascem e se desenvolvem precisamente no período de
expansão. Isso significa dizer que, por mais que os fenômenos monetário-financeiros nos
ajudem a assinalar o momento da virada do ciclo, de expansão para crise, são insuficientes
para entender as causas mais profundas que engendram as crises.
Essa visão, que mais tarde foi conhecida como monetarista, professa que a causa da inflação seria o excesso
de demanda provocado pelo excesso de moeda em circulação; daí recomenda como terapia, entre outras coisas, a
elevação da taxa de juros, como instrumento para diminuir o meio circulante e, por conseguinte, conter a demanda.
Contrapondo-se a essa visão, os estruturalistas cepalinos formularam para os países da América Latina a teoria de
que a causa da inflação seria a insuficiência de oferta, decorrente de fatores estruturais, como a drenagem de recursos para o exterior, a monopolização da economia e a estrutura agrária concentrada.
1
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Ainda na década de 1930, houve duas tentativas, por parte de economistas dos EUA,
de buscar essas “causas mais profundas”. Com base em Paul A. Baran e Paul M. Sweezy,
podemos assim resumir essas tentativas:
• Hansen atribuiu a crise ao “desvanecimento das oportunidades de investimento”, que teria como origem, dentre outros fatores, a queda da taxa de
crescimento populacional e o atingimento da fronteira econômica;
• Schumpeter, por sua vez, atribuiu a severidade da crise à coincidência dos
“três tipos de ciclo econômico” que, segundo ele, haveria na economia capitalista, além da ocorrência de vários acontecimentos históricos únicos, cujas
origens estariam na I Guerra (superexpansão da agricultura, debilidade do
sistema bancário e creditício, a crise financeira internacional de 1931 etc.)
(BARAN; SWEEZY, 1979: 189-190).
O primeiro autor busca fatores físicos fora da dinâmica econômica para assinalar os
supostos limites desta. Sua linha de raciocínio não tem fundamento, pois é evidente que o
baixo crescimento populacional pode ser compensado pelo aumento da produtividade e,
portanto, da renda nacional, enquanto a fronteira econômica poderia ser expandida pela
exportação de mercadorias e capitais.
E foi justamente o que ocorreu no período. Segundo o Departamento de Comércio
dos EUA,
embora a passagem do país, de devedor para credor, não fosse tão abrupta quanto
se supõe às vezes, a rapidez com que realizou investimentos no exterior não tem
paralelo na experiência de qualquer país credor maior nos tempos modernos (apud
DOBB, 1976: 405).
Quanto a Schumpeter (1882: CP. VI), sua teoria básica do ciclo econômico postula
que o processo de inovação tecnológica, que ele chamava de “combinações novas”, não
ocorreria uniformemente no tempo, mas tenderia a aparecer “descontinuamente, em grupos
ou bandos” (Ibidem: 148); essa concentração das combinações novas promoveria o boom,
isto é, o auge econômico, caracterizando a primeira fase do ciclo.
Mas ao mesmo tempo prepararia o momento seguinte, o momento da “depressão”.
Isso porque, ao concentrar os investimentos no tempo, pressionaria para cima a demanda e,
portanto, os preços dos meios de produção e para baixo o preço dos produtos finais. O resultado seria a eliminação do “lucro empresarial”, o que faria com que se esgotasse “o impulso
para um avanço a mais nessa direção [do boom]” (Ibidem: 153-55).
Ora, a economia capitalista é movida a lucro. Adam Smith já havia dito que não é
por benevolência alguma em relação ao consumidor que o açougueiro lhe fornece a carne,
mas para satisfazer seu proveito próprio. O empresário capitalista toma suas decisões de
investimento ou de incorporar uma nova tecnologia em função da rentabilidade esperada.
Se a taxa geral de lucro da economia estiver caindo e se o empresário espera que vá seguir
caindo, ele contém seus investimentos. O contrário ocorre quando a taxa de lucro estiver
subindo.
A teoria de Schumpeter, mesmo que por um caminho diferente dos de Smith, Ricardo, Marx e Keynes, concluiu que há uma tendência à queda da taxa de lucro e, como os dois
últimos, que essa tendência detona o processo de crise nas economias capitalistas.
No entanto, no caso dos “acontecimentos históricos” a que ele se refere:
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Capítulo 4
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• pode-se, em princípio, excluir a crise financeira internacional de 1931; ela
não poderia estar na origem da Grande Depressão, pois esta teve início no
final de 1929;
• a suposta superexpansão da agricultura também não poderia ser um fator
explicativo porque, como veremos adiante, o que ocorreu no período précrise foi justamente o contrário: um crescimento da produção agrícola inferior ao da produção industrial;
• quanto à debilidade do sistema bancário e creditício, é um fenômeno da esfera monetário-financeira que, como a queda da bolsa, faz parte do processo
de crise, mas requer uma explicação mais profunda em nível da economia
real para se averiguar o seu significado no processo de crise.
O economista inglês John Maynard Keynes, como se verá no próximo capítulo, concentrou seus esforços não na explicação da crise concreta que estava ocorrendo, mas na elaboração de uma teoria mais geral dos ciclos econômicos e, portanto, das crises econômicas,
tendo como elemento central a queda da expectativa de lucro futuro, que ele chamava de
colapso da eficiência marginal do capital.
Questionário
1. Sintetize as duas primeiras tentativas de explicar as causas da Grande Depressão.
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Capítulo 4
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referências bibliográficas
BARAN, P. A.; SWEEZY, P. M. El capital monopolista. 14. ed. México: Siglo XXI, 1979.
DOBB, M. A evolução do capitalismo. 5. ed. Trad. Affonso Blacheyre. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Trad. Maria Sílvia Possas. São Paulo: Abril Cultural,
1982. (Os Economistas.)
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Capítulo 5
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
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Monopolização da economia aumentou
gravidade e duração da crise
E foi justamente a quebra da bolsa de Nova Iorque a espoleta que deflagrou o processo de crise. Essa quebra, por sua vez, foi precipitada pela elevação da taxa básica de juros
a partir de agosto de 1929. Esta é uma sequência comum nos processos de deflagração de
crises econômicas:
• no auge do crescimento econômico, tende a exacerbar as pressões inflacionárias;
• seguindo a visão convencional,1 os bancos centrais elevam a taxa de juros
com o objetivo de conter essas pressões;
• como consequência, os capitais fogem das bolsas para se beneficiar da maior
rentabilidade dos títulos do Tesouro;
• e, assim, desaba o valor das ações nas bolsas.
E precisamente em 1929, a economia dos EUA havia atingido o auge de um longo
período de expansão de oito anos que vinha desde 1922. Segundo Dobb,
depois de uma depressão curta de 1920 a 1921 a América iniciou aquele boom de
oito anos que iria levar o volume físico de produção em 1929 a 34% acima do nível
de 1922 e cerca de 65% acima do nível de 1913. Tão grande foi a taxa de construção
nova que, entre 1925 e 1929, apenas a procura de máquinas-ferramentas nos Estados Unidos cresceu quase 90% e aquela do equipamento de fundição quase 50%
(DOBB, 1976: 404-5).
Pode-se deduzir, então, que as crises resultam diretamente do processo de expansão. Mais precisamente, suas causas nascem e se desenvolvem precisamente no período de
expansão. Isso significa dizer que, por mais que os fenômenos monetário-financeiros nos
ajudem a assinalar o momento da virada do ciclo, de expansão para crise, são insuficientes
para entender as causas mais profundas que engendram as crises.
Essa visão, que mais tarde foi conhecida como monetarista, professa que a causa da inflação seria o excesso
de demanda provocado pelo excesso de moeda em circulação; daí recomenda como terapia, entre outras coisas, a
elevação da taxa de juros, como instrumento para diminuir o meio circulante e, por conseguinte, conter a demanda.
Contrapondo-se a essa visão, os estruturalistas cepalinos formularam para os países da América Latina a teoria de
que a causa da inflação seria a insuficiência de oferta, decorrente de fatores estruturais, como a drenagem de recursos para o exterior, a monopolização da economia e a estrutura agrária concentrada.
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Os economistas estadunidenses Leo Huberman, Paul Sweezy e Paul Baran e o economista inglês Maurice Dobb procuraram explicar a crise a partir de uma raiz comum, que considera como elemento essencial o processo de monopolização da economia.
Examinamos no capítulo anterior como, a partir da concorrência, do sistema de crédito e das crises periódicas, ocorreu, desde fins do século XIX, a concentração e a centralização do capital, formando o que Baran e Sweezy designaram de corporação gigante. A
corporação gigante, individualmente ou associada em cartel, passou a operar em regime de
monopólio, realizando a transição do capitalismo de livre concorrência do século XIX para
o capitalismo monopolista.2
Segundo Baran e Sweezy (1979: cap. III), nessa fase monopolista, haveria uma “tendência crescente dos excedentes”.3 De um lado, porque os monopólios, em lugar de “captar
os preços”, “fazem os preços”, e por isso podem cobrar um preço de monopólio,4 obtendo,
tanto perante o consumidor quanto junto às empresas não monopolistas, um lucro extraordinário (Ibidem: 56); de outro, porque, com seu poder monopolista, as grandes corporações
pressionam os salários reais para baixo.
O grande desafio passaria a ser, então, como utilizar esse crescente excedente econômico. Uma parte dele – menor, certamente – seria utilizada no consumo dos empresários;
a outra parte se destinaria aos investimentos, isto é, ao aumento da capacidade produtiva
da economia (Ibidem: cap. IV). Ora, ao aumentar a capacidade produtiva, o resultado dos
novos investimentos é o aumento da produção de mercadorias, defrontando-se, por conseguinte, com a limitação do mercado imposta pela redução do salário real e do poder de
compra do consumidor em geral.5
Esse crescimento do excedente econômico, ao lado da limitação imposta ao mercado, tenderia a exacerbar a contradição produção-consumo, que havia sido postulada por
Robert Malthus (1983) no começo do século XIX e que passaria a ser considerada como
um dos fatores das crises econômicas periódicas da economia capitalista. Segundo Baran
e Sweezy, essa contradição tenderia a acirrar mais ainda no momento do auge econômico,
deflagrando o processo de crise. Segundo eles,
No capítulo 4 indicamos que um auge econômico iniciado de qualquer modo cria
um rápido crescimento de excedentes, tanto absolutos como em relação à produção
total. Tão logo a parte destes excedentes crescentes que vai em busca de investimento seja superior às saídas disponíveis ao investimento, a expansão termina e o
mesmo se passa com a alta dos excedentes. E este ponto crítico do ciclo ‘pode alcançar-se muito antes de chegar à completa capacidade de utilização ou de ocupação
plena’. Estamos agora em posição de ver que o ciclo econômico dos trinta proporciona uma ilustração perfeita desta afirmação (BARAN; SWEEZY, 1979: 193).
Isso não significa que haja desaparecido a concorrência na economia capitalista; apenas quer dizer que, como
demonstram Sweezy e Baran, o regime de monopólio, que inicialmente era um caso especial, passou a ser o caso
geral.
3
Excedente econômico seria a parte do valor produzido que excede os custos de produção.
4
Preço de monopólio é o preço estabelecido acima do que garantiria o lucro médio e do que seria estabelecido
entre as forças de oferta e procura. Evidentemente, as empresas monopolistas não têm liberdade total para fixar os
preços, mas, dentro de determinada margem, elas cobram o maior preço possível.
5
A redução do poder de compra do consumidor em geral decorreria da cobrança do preço de monopólio por
parte das grandes corporações.
2
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Segundo esses autores, a dinâmica da economia capitalista, em sua fase monopolista, não garante, por si só, a absorção plena do excedente, em face dessa limitação do mercado. Para eles, essa absorção dependeria de um “fator externo” à economia, que seria a ação
do Estado – mas um tipo especial de absorção: a que realiza investimentos que produzem
mercadorias que não são consumidas pela população. Por isso, esses economistas sustentam
a tese de que a economia estadunidense só saiu efetivamente da crise econômica com os investimentos na indústria bélica decorrentes da Segunda Guerra:
O que foi inevitável sob as condições da época foi que a economia se afundava,
lenta e rapidamente, em um estado de profundo estancamento do qual pôde fazer
esforços pela metade para sair, até que foi de novo impulsada para adiante por um
estímulo externo, desta vez suficientemente poderoso: a segunda guerra mundial
(BARAN & SWEEZY, 1979: 191).
A conclusão a que eles chegaram foi a de que o militarismo passou a ser, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, um componente estrutural imprescindível para o funcionamento da economia capitalista em sua fase monopolista. Isto
porque o investimento na indústria bélica e nos demais gastos militares passou a
absorver, de forma improdutiva, isto é, sem a produção de mercadorias destinadas
à população, o excedente econômico que não encontrava aplicação produtiva, em
face da limitação do mercado.
Afirmam então:
aqui finalmente o capitalismo monopolista parece haver encontrado a resposta à
questão ‘em que’?: em que pode o governo gastar bastante para evitar que o sistema se afunde no buraco do estancamento? Em armas, mais armas e sempre mais
armas (Ibidem: 17).
O economista Maurice Dobb, que também partia da monopolização da economia
para explicar as crises econômicas, montou um modelo explicativo integrado por seis itens,
a saber:
1.
a existência de um hiato anormalmente elevado entre preço e custo, decorrente da combinação entre preço de monopólio e depressão dos salários, o que
provocaria margens de lucro6 anormalmente altas;
2.
as reduções da procura de mercadorias seriam acompanhadas por redução
da produção, e não dos preços, como ocorria na época da livre concorrência;7
3.
em consequência, o aparato produtivo da economia tenderia a operar com
capacidade ociosa, gerando um grande desemprego da força de trabalho;
Margem de lucro: lucro expresso como razão da despesa corrente da empresa.
Isto ocorreria em face do desejo e capacidade dos monopólios de elevar ao máximo os lucros ao manter os preços diante de uma queda da procura.
6
7
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Capítulo 5
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4.
existiria um declínio da taxa de novos investimentos, devido à relutância dos
monopólios já estabelecidos em expandir sua capacidade produtiva e à obstrução que fariam a que novas firmas entrassem em “seu” território;
5.
essa taxa decrescente de investimentos provocaria o estreitamento do mercado para meios de produção, enquanto o desemprego e a contenção do salário
deprimiriam o mercado de bens de consumo;
6.
haveria a tendência no sentido da “ossificação da estrutura industrial”, isto é,
no sentido de manter as estruturas monopolistas (DOBB, 1976: 394-7).
Aqui também se percebe, como nos dois autores analisados anteriormente, que, na
visão de Dobb, a existência do monopólio acirraria a contradição entre produção e
consumo – não apenas o consumo final, mas também o “consumo intermediário”,
isto é, o consumo de meios de produção.
Com base nesse modelo, o autor analisou, a partir de dados estatísticos, as principais
economias industriais no período entre as duas guerras. Sua conclusão foi a de que
A semelhança com esse modelo abstrato não é difícil de achar em acontecimentos
recentes em nosso próprio país [Inglaterra], e certos pontos de parecença mostramse ainda mais flagrantes quando os comparamos à forma das coisas em alguns
países continentais [Europa continental], ou na América na década seguinte a 1930
(Ibidem: 398).
Segundo Dobb, estudo de um outro autor, William Beveridge, a propósito da economia inglesa, havia demonstrado que “a violência da flutuação da produção entre surto
e declínio (...) mostrou um aumento bem acentuado no período entre as guerras” (Ibidem:
403), o que comprovaria sua tese de que a monopolização da economia, ao exacerbar a contradição produção-consumo, teria também aprofundado a gravidade das crises econômicas. Teria sido por isso que, segundo ele, citando o World Economic Survey de 1932-1933, a
produção “na maioria dos países industriais se reduziu [na Grande Depressão] a níveis que
dificilmente se poderiam considerar possíveis nos anos anteriores a 1929” (cit. in DOBB,
1976: 404).
Na mesma linha de raciocínio de Sweezy e Baran, o economista inglês também considerava que a saída da Grande Depressão ocorreu graças à ação do Estado – de início, com
políticas monetárias (redução dos juros) e tarifárias (depreciação da própria moeda) e depois com gastos e investimentos públicos nas áreas de infraestrutura e social, mas, no caso
da Alemanha, a prioridade concentrou-se nas despesas com armamentos. Assim,
Em outras palavras, a expansão da procura, fosse do investimento em bens de capital ou do consumo, que provocou a recuperação hesitante dos anos após 1930,
não veio mais em qualquer medida considerável de dentro do sistema e de seus
poderes nativos de resistência, mesmo no caso da América. Dependia de estímulos
que, por assim dizer, vinham de fora do sistema e apresentava uma fonte política,
tomando a forma de despesa governamental e medidas públicas para estimular o
investimento e demarcar os mercados como territórios pertencentes a determinadas empresas (Ibidem: 407-8).
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Capítulo 5
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Leo Huberman também tinha como referência para interpretar a crise o processo de
monopolização da economia. Podemos sintetizar em cinco pontos os elementos que utilizou
para analisar a Grande Depressão:
1.
os monopólios buscariam obter e manter o lucro máximo por intermédio do
abaixamento dos salários, da eliminação de competidores, da fixação de preços e da busca de mercados estrangeiros;
2.
na situação monopolista, a indústria tenderia a se desenvolver mais rapidamente do que a agricultura, e às expensas dela;
3.
determinados setores industriais, sobretudo a indústria pesada, sob controle
monopolista, tenderiam a se desenvolver mais rapidamente do que os demais setores;
4.
as indústrias monopolistas seriam dirigidas por homens mais preocupados
com fazer dinheiro do que produzir, provocando o impulso a desviar os recursos para especulação, que cada vez mais teriam menos relação com a economia real;
5.
o impulso a melhorar os métodos de produção e a aumentar a produtividade
provocaria, de um lado, o forte aumento da produção e, de outro, o desemprego da força de trabalho (HUBERMAN, 1983: 242-243).
Com base nesses cinco pontos, Huberman analisou as causas da crise. Sua análise
pode assim ser sintetizada:
Significa que uma proporção maior da renda nacional vai para as economias das
corporações e para um número cada vez menor de indivíduos de receita alta. Significa que cada vez se torna mais difícil investir os enormes excessos de produção e
economias das corporações e seus dirigentes. Significa que, já que Duzentas controlam a produção, controlam também a distribuição. A base de produção da economia é maior que a base de consumo, isto é, produz-se mais não do que o necessário,
mas do que aquilo que pode ser vendido com lucro. O jeito de continuar obtendo
lucros é manter baixos os custos. E o meio de manter baixos os custos é fazer uso de
cada vez menos operários e pagar-lhes o menor possível. Mas quanto menos o operário ganha em ordenados, menos artigos pode comprar. Em outras palavras, obter
lucros é um processo que derrota a si mesmo. É um jogo em que os capitalistas não
podem ganhar sempre – mas têm que ganhar (Ibidem: 243).
Portanto, na análise de Huberman, a monopolização da economia, além de exacerbar a contradição entre produção e consumo, também acirraria a disparidade entre
os setores da produção: os setores sob domínio dos monopólios tenderiam a crescer
mais rapidamente do que os demais.
No caso dos EUA, o estreitamento do mercado, provocado pela depressão do poder
de compra dos salários e a concentração de renda, havia sido levado ao extremo antes da
Grande Depressão. Baseado no estudo Capacidade de consumo do americano, do Brookings
Institute, ele concluiu que “12 milhões de famílias, 42% do total, recebiam 13% da renda
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Capítulo 5
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nacional. 36 mil famílias, 0,1% do total, recebiam 13% da renda nacional” (Ibidem: 245).
Além disso:
Os peritos de Brookings nos contam que com os preços que vigoravam em 1929 a
renda de 2.000 dólares por família era ‘suficiente para suprir apenas as necessidades básicas’. Uma olhada na tabela nos mostra que quase 60% do povo americano
não ganhava 2.000 [dólares] por ano, o que quer dizer que 60% do povo americano
em 1929, que foi o ano mais próspero da sua história, não ganhava o suficiente para
comprar nem mesmo as coisas mais necessárias, nem falar em luxos (Ibidem: 245).
Questionário
1. Quais as causas da Grande Depressão segundo Paul Baran e Paul Sweezy?
2. Exponha o modelo que Maurice Dobb utilizou para explicar a crise.
3. Descreva os cinco pontos que Leo Huberman utilizou para explicar a Grande Depressão nos EUA.
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Capítulo 5
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referências bibliográficas
BARAN, P. A.; SWEEZY, P. M. El capital monopolista. 14. ed. México: Siglo XXI, 1979.
DOBB, M. A evolução do capitalismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
FURTADO, C. Formação econômica da América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Lia Editor, 1970.
HUBERMAN, L. História da riqueza dos E.U.A. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
KRAVIS, I. B. Relative income shares in fact and theory. American Economic Review, dez. 1959.
MALTHUS, T. R. Princípios de economia política: e considerações sobre sua aplicação prática.
São Paulo: Abril Cultural, 1983.
STREVEER, D. Capacity, utilizazion and business investment. Boletin de la Universidad de Illinios, vol. 57, no 55, mar. 1960.
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Capítulo 5
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 6
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
6
Capital financeiro continua
Esse papel dos bancos das economias desenvolvidas desmentia teorias que procuravam provar o desengajamento entre os monopólios bancários e industriais e o consequente
desaparecimento do capital financeiro, ao lado da perda de importância do sistema bancário.1
Processo semelhante, de fato, ocorrera no imediato pós-guerra, quando, por efeito
das enormes massas de lucro obtidas durante e logo depois da guerra, as grandes corporações puderam parcialmente prescindir de empréstimo bancário. Preponderou, então, o
autofinanciamento e a exportação de capital sob a forma de investimento direto.
No entanto, a crise se encarregou de revelar a debilidade e consequente transitoriedade dessa forma de o capital movimentar-se. Com a crise, não apenas, como vimos, o movimento internacional do capital assumiu preponderantemente a forma
de empréstimo, como, inclusive, reduziu a capacidade de autofinanciamento das
corporações.
É sintomático, a respeito, o aumento do nível de endividamento das empresas nãofinanceiras dos países ricos: “Nos Estados Unidos a taxa de liquidez das companhias nãofinanceiras se reduziu de 73,4% em 1946 a 19,3% em 1969 (...) [Na Grã-Bretanha] o crédito
bancário total aumentou mais de cinco vezes entre 1967 e 1973” (GANBLE; WALTON, 1977:
238).
Questionário
1. Por que falta fundamento à tese de que teria ocorrido desengajamento entre o
capital bancário e o industrial?
Entre os defensores dessa ideia encontravam-se os economistas estadunidenses Paul Sweezy e Paul Baran: “o
poder do banqueiro inversionista esteve baseado na urgente necessidade de financiamento externo das primeiras
corporações gigantes no período de sua fundação e nas primeiras etapas de desenvolvimento. Mais tarde esta
necessidade declinou em importância ou desapareceu por completo, quando os gigantes, ao recolherem uma rica
colheita de lucros derivados do monopólio, se encontraram cada vez mais capazes de autofinanciar-se” (BARAN;
SWEEZY, 1979: 19-20).
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Capítulo 6
Referências bibliográficas
BARAN, P. A.; SWEEZY, P. M. El capital monopolista. 14 ed. México: Siglo XXI, 1979.
GANBLE, A.; WALTON, P. El capitalismo en crisis: la inflación y el estado. México: Siglo XXI,
1977.
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Capítulo 7
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
7
Não existem capitais globais
Diz-se que os capitais especulativos que circulam pelo mundo são “capitais globais”, “sem pátria”. O mesmo é dito acerca de movimentos de fusões que têm ocorrido entre
capitais monopolistas de distintos países. É também nesse sentido que certos autores usam
o termo transnacionalização do capital.
A crise das bolsas e das moedas da Ásia, em 1997, revelou, na superfície, a falta de
fundamento dessas afirmações. A crise começou porque os bancos e corporações japoneses,
mergulhados em profundas dificuldades financeiras, começaram a se desfazer de seus títulos naqueles países, a fim de recuperar dinheiro líquido e procurar sanar seus prejuízos,
pouco se importando com as dificuldades que esse ato poderia acarretar nas economias de
seus “parceiros”.
Por sua vez, os especuladores estadunidenses, que tiveram perdas com a queda das
bolsas e, portanto, de suas aplicações na Ásia, tentaram compensá-las vendendo suas posições no mercado financeiro de outros países, levando de volta parte dos recursos neles
aplicados, pouco se importando com os problemas que isso poderia provocar em suas economias.
O processo de discussão que ocorreu nos anos de 1990, no âmbito da OCDE,1 do
Acordo Multilateral sobre Investimentos (AMI), também indicou claramente que as grandes
corporações, ainda que internacionalizadas, têm claramente um vínculo com sua origem. O
AMI teria como objetivo não apenas abrir espaço em todo o mundo, sem qualquer restrição,
para os investimentos estrangeiros (leia-se: dos países centrais), mas também garantir punição para as nações que viessem a tomar qualquer medida contra esses investimentos.
Na reunião da OCDE realizada no começo de 1998, houve forte reação de representantes de vários governos contra o estabelecimento do AMI. O delegado francês declarou
explicitamente que “não havia mais apoio social” para um acordo desse tipo. Na mesma
época, o Parlamento Europeu condenou, por 480 votos a 8, os termos contidos no esboço de
acordo.
Esses fatos indicam, claramente, que, apesar da circulação internacional do capital
especulativo ou das fusões internacionais de alguns grandes grupos econômicos, o
que segue predominando é a base nacional dos capitais. Até porque eles necessitam
dessa base, particularmente de seus Estados Nacionais, para garantir, inclusive com
o uso da força, sua projeção em nível mundial.
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que, na década de 1990, reunia os 29 países mais
industrializados.
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Foi o que demonstraram, respaldados em farta documentação e fonte de dados, livros escritos por autores estadunidenses. Os autores Paul Hirst e Grahame Thompson (1998)
mostraram que:
• o mercado interno seguia absorvendo uma parcela largamente preponderante da produção;
• a poupança interna seguia financiando a parcela mais expressiva da formação bruta de capital fixo;
• o mercado de trabalho local é que aportava o principal da força de trabalho
explorada pelas grandes empresas.
Por isso, as empresas, inclusive as que operam intensamente no mercado internacional, não se desvinculariam de seus países de origem e teriam um centro de gravidade
nacional claramente definido.
Um outro grupo de oito economistas, liderados por Paul N. Doremus (1988), demonstrou que:
• não havia convergência entre os comportamentos das transnacionais dos
distintos países;
• as semelhanças eram apenas superficiais;
• na raiz, suas estratégias continuavam altamente dependentes da situação
nacional, que variava muito de um país para outro.
Para esses economistas, são os Estados nacionais que moldam o ambiente em que
essas empresas atuam. Um fato que provava isso dizia respeito à fonte dos recursos que
financiavam os investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento. No caso dos EUA, apenas
10% vinham do estrangeiro, Reino Unido 15%, França 12%, Alemanha 3% e Japão 0,1%, segundo dados do National Science Board, reproduzidos no livro.
Outro economista, R. Gilpin (1987), também demonstrou que, ainda que as transnacionais espalhassem sua produção por vários países do mundo, a montagem do produto
final (que coincide com as tarefas mais importantes técnica e economicamente) se dava na
sua economia nacional, mesmo que exportassem uma parcela depois.
Na mesma linha de raciocínio, seguiram os autores alemães Hans Peter Martin e
Harald Schumann (1998). Em livro repleto de dados e informações, demonstraram que, sob
o disfarce da “globalização”, as corporações dos países centrais absorveram patrimônios,
ocuparam mercados e obtiveram volumosos ganhos em várias regiões do mundo, sobretudo nos países da periferia.
Em síntese, as fontes de recursos para a formação de capital, o investimento tecnológico e as tarefas produtivas mais relevantes das transnacionais são essencialmente nacionais
e elas vendem seus produtos basicamente para o mercado interno de seus países, ainda que
também inundem o mercado mundial. Que há de “global” nisso?
Questionário
1. Quais os principais argumentos dos que afirmam que não existem capitais globais?
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Capítulo 7
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referências bibliográficas
BEINSTEIN, J. Capitalismo senil: a grande crise da economia mundial. Rio de Janeiro: Record,
2001.
BERGSTEN, F. O dólar e o euro. Foreign Affairs, 2000.
DOREMUS, P. N. (Org.). The myth of the global corporation. New Jersey: Princeton University
Press, 1988.
GILPIN, R. The political economy of international relations. New Jersey: Princeton University Press,
1987.
HIRST, P.; THOMPSON, G. A globalização em questão. Petrópolis: Vozes, 1998.
MARTIN, H.-P. & SCHUMANN, H. Armadilha da Globalização. São Paulo: Globo, 1998.
TOUSSAINT, E. A bolsa ou a vida: a dívida externa do Terceiro Mundo, as finanças contra os povos. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
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Capítulo 7
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Capítulo 8
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8
O embate teórico sobre a dependência da
America Latina
O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, em livro de parceria com o chileno Enzo
Faletto (CARDOSO; FALETTO, 1975), tentou demonstrar que a dependência externa não
apenas não limitava o desenvolvimento – contrapondo-se aos teóricos da CEPAL, como
Celso Furtado, e aos “teóricos da dependência”, como Ruy Mauro Marini, Theotônio dos
Santos, Andre Gunther Frank e outros –, como, ao contrário, o favorecia, já que as transnacionais, com suas novas tecnologias, recursos financeiros e capacidade gerencial, estariam
vindo modernizar nossas economias, até então dominadas por um empresariado nacional
atrasado.
É verdade que as principais economias da América Latina, que já haviam se industrializado, não mergulharam na estagnação após esse novo processo de dependência iniciado nos anos de 1950, como ocorreu com as nações mais débeis da região. Mesmo em regime
de dependência, ainda tiveram fôlego para algum grau de crescimento econômico.
Conseguiram esse resultado com base, sobretudo, na pujança adquirida no período
anterior de desenvolvimento independente, que forjara as condições favoráveis ao progresso econômico, como as empresas estatais, o protecionismo, o mercado interno.
Por terem tido que conviver com forças nacionais que haviam adquirido um importante peso na vida desses países (sobretudo militares e empresários), as corporações estadunidenses tiveram, também, que buscar compatibilizar seus interesses com a manutenção
daquelas estruturas econômicas, particularmente das estatais e da política protecionista.1
No entanto, graças aos bloqueios e deformações impostos pela situação de dependência crescente, as potencialidades desenvolvimentistas da região tenderiam a se esgotar,
mais cedo ou mais tarde, entrando na vala comum das nações mais atrasadas e, portanto,
mais frágeis do continente, que desde antes já viviam um profundo processo de deterioração econômica.
A subordinação externa, além de bloquear o acesso dos países da América Latina às
tecnologias mais avançadas e à produção interna de meios de produção – aqui chegavam
apenas sucatas tecnológicas ou fábricas usadas e obsoletas –, sujeitava essas nações a uma
profunda drenagem de recursos para o exterior, através do pagamento de juros, lucros, dividendos e royalties, além do intercâmbio desigual.
Alem disso, desde que certas transnacionais decidiram internalizar-se nesses países, a política protecionista
neles adotada as favorecia diante de concorrentes externos.
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As economias latino-americanas tinham, portanto, de gerar um excedente econômico capaz, não apenas de garantir o investimento interno, mas, também, de alimentar o lucro extra das corporações estrangeiras. Foi aí que surgiu a política de
arrocho salarial, que Marini chamou de superexploração do trabalho, por se pagar
salários abaixo do valor da força de trabalho, e que, segundo ele, teria passado a ser
parte constitutiva, indissociável, da economia dependente (MARINI, 2000).
O resultado direto dessa política foi o estrangulamento do mercado interno para os
setores de bens de consumo popular, sob controle nacional, ao mesmo tempo em que, com a
concentração de renda daí derivada, se ampliava o mercado interno para bens de consumo
suntuário, coincidentemente os que passaram a ser produzidos por sucursais das transnacionais estrangeiras.
Deformava-se, assim, o mercado interno e deixava-se como única saída para os empresários ligados aos setores de consumo popular lançar-se à corrida do mercado internacional, tendo, para isso, que receber incentivos e subsídios governamentais, com suas
naturais repercussões sobre as finanças públicas e o bolso do contribuinte latino-americano.
Enquanto os cartéis estrangeiros se apoderavam do mercado interno, o empresariado nacional tinha que aventurar-se no mercado externo.
Mas esse esforço exportador não era suficiente para bancar as necessidades de divisas internacionais requeridas pela lógica da dependência externa, que exigia a compra no
exterior de meios de produção, a preços superfaturados, ao lado da remessa de juros, lucros,
dividendos e royalties.
Esses déficits na conta corrente dos balanços de pagamento eram cobertos por empréstimos internacionais, aliás de grande interesse para a banca estrangeira, que estava empoçada de excedentes financeiros. A partir de então, deu-se um crescimento vertiginoso da
dívida externa dos países latino-americanos.
A dependência externa gerava, pois, uma economia com enorme grau de vulnerabilidade externa e grandes deformações internas, além de bloquear o desenvolvimento e
concentrar violentamente a renda nos países dependentes.
Mesmo que industrializados, esses países voltavam a uma situação semelhante à
que viviam antes de 1930, quando uma economia agroexportadora atrasada dependia inteiramente da dinâmica da economia internacional. Qualquer perturbação séria nessa economia poderia levá-los de roldão, como ocorreu a partir dos anos de 1970.
Questionário
1. Quais as consequências da situação de dependência para os países latino-americanos? Indique o debate que houve a respeito.
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Capítulo 8
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referências bibliográficas
CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento da América Latina: ensaio de
interpretação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
MARINI, R. M. Dialética da dependência. In: SADER, E. (Org.). Dialética da dependência: uma
antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis: Vozes, 2000.
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Capítulo 8
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Capítulo 9
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
9
Crise começa a alterar destino setorial do
capital estrangeiro em alguns países da
periferia
No período que se inaugura com a crise deflagrada no final dos anos de 1960, o
período da retomada dos conflitos entre as potências pela redivisão do mercado mundial,
além de intensificar-se a exportação de capital para os países da periferia, começou a haver
algumas mudanças quanto ao destino setorial dos investimentos nos países da periferia.
Em primeiro lugar, as transnacionais que passaram a se instalar na indústria de
alguns países dependentes já não destinavam sua produção somente ao mercado interno,
senão que buscavam crescentemente abastecer o mercado mundial (VUSKOVIC, 1979).
Essa produção de manufaturas em países atrasados para abastecer o mercado mundial se fazia, até os anos de 1960, a título de exceção nas chamadas “zonas livres de produção”, como Hong-Kong, Taiwan etc. Porém, essa tendência se ampliou a partir dos anos de
1970.
Mas apareceu aí um outro fator novo. As “zonas livres de produção” possuem características de “enclave”, ou seja, a produção industrial para exportação (sob controle estrangeiro) não é integrada à economia em que se desenvolve, mas ao complexo produtivo da
empresa transnacional que a controla. A dinâmica das “zonas livres de produção” é somente
a da acumulação em nível mundial.
O fato novo é que a nova produção industrial para exportação se dava em economias, como o Brasil, de médio desenvolvimento industrial e que contavam com um elevado grau de complementaridade interna de sua estrutura produtiva; a nova produção para
exportação se inseria, pois, nessa estrutura. Mas, ao mesmo tempo em que integrava essa
estrutura interna, fazia parte da cadeia mundial capitalista. A dinâmica dessa produção industrial para exportação era simultaneamente a da acumulação capitalista mundial e a da
acumulação nos países em que se desenvolvia.
As mercadorias assim produzidas, na medida em que eram mercadorias do mercado
mundial, ou seja, mercadorias já internacionalizadas, podiam ser produzidas em qualquer
parte com a mesma tecnologia e, por fim, com o mesmo grau de produtividade. As transnacionais buscavam produzi-las nos países dependentes porque, dados os baixos salários
vigentes nesses países,1 era possível conseguir uma taxa de lucro superior à que obteriam
em suas metrópoles.
1 Isaac Minian cita dados que comparam, para vários ramos produtivos em atividades de “ensamblaje”, a remuneração por hora que as transnacionais estadunidenses pagavam a trabalhadores de países atrasados com a
remuneração estimada para trabalhos similares nos Estados Unidos, usando dados de 1969. Para todos os ramos e
todos os países atrasados, os indicadores revelavam que os salários eram significativamente inferiores aos dos EUA
(MINIAN, mar. 1979: 89, quadro 3).
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Essa taxa de lucro se elevava ainda mais porque os governos de certos países dependentes proporcionavam então uma série de incentivos, sobretudo fiscais e creditícios, às
empresas que quisessem produzir produtos industriais para exportação.
O objetivo desses governos era incrementar suas exportações e assim resolver problemas de balanço de pagamentos que então enfrentavam ou dificuldade de escoamento da
produção no mercado interno provocada pela concentração de renda. O caso brasileiro, no
começo dos anos de 1970, é exemplar a respeito (SOUZA, 2008).
A produção para exportação, ademais, às vezes era necessária porque determinadas
plantas industriais que as transnacionais quisessem instalar em países dependentes deviam,
para ser rentáveis, ter uma dimensão muito grande, que podia superar as dimensões do
mercado interno dos países onde se instalavam, o que requeria exportar parte da produção.
O resultado dessa forma de industrialização dos países da periferia era, como bem
assinalou Pedro Vuskovic, aprofundar ainda mais a sua dependência externa:
Explica-se que assim seja porque a dependência passa a ser mais que dependência de insumos e abastecimentos, ou de capital, de mercado e de tecnologia,
pela via do intercâmbio e sua desigual distribuição de benefícios; o que ocorre
agora é a inserção na cadeia produtiva, no processo mesmo da produção das
economias capitalistas mais adiantadas, e de participação portanto no funcionamento próprio desses sistemas econômicos (VUSKOVIC, mar. 1979: 22).
Ou seja, em busca de superar sua crise de valorização – isto é, de lucratividade – nas
metrópoles, o capital transnacional passou a integrar ainda mais as economias dependentes
em seu circuito internacional.
Em segundo lugar, os capitais das potências emergentes que passaram a disputar o
mercado mundial com os capitais dos EUA – isto é, do Japão e da Alemanha – começaram,
depois de deflagrada a crise, a contribuir, ainda que de forma secundária, para o desenvolvimento de um setor de máquinas, equipamentos e insumos básicos em alguns países dependentes de desenvolvimento intermediário. Esse fato rompia um pouco com a lógica das
corporações das economias centrais, que procuravam manter a produção de bens de capital
(máquinas e equipamentos) em suas matrizes e produziam na periferia basicamente bens de
consumo, particularmente os bens de consumo duráveis.
O desenvolvimento industrial nos países dependentes de maior desenvolvimento
relativo acarretava como resultado um crescente requerimento de meios de produção, isto
é, máquinas, equipamentos, bens intermediários, matérias-primas. Tal fato produzia uma
dupla consequência:
a)começavam a desenvolver-se internamente nesses países alguns ramos do setor produtor de meios de produção, em particular aqueles que exigem técnicas
menos sofisticadas; certos ramos da indústria pesada (como siderurgia) eram
desde o início assumidos pelo Estado;
b)aumentavam as importações de meios de produção, sobretudo de máquinas e
equipamentos em cuja produção se utilizava tecnologia de ponta, mas também
os menos sofisticados.
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Capítulo 9
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As corporações dos países centrais preferiam produzir diretamente em suas matrizes esses meios de produção mais sofisticados (bens de capital), à medida que,
dada a elevada produtividade conseguida em sua produção e a elevada demanda
internacional dos mesmos, as matrizes dessas corporações monopolistas podiam
apropriar-se de uma elevada massa de lucro extra no mercado mundial.
No entanto, essa situação mudou um pouco com a emergência dos conflitos econômicos entre as grandes potências. Quando os EUA dominavam o mercado mundial, seus
monopólios podiam contar com “mercados cativos” para vender sua produção de máquinas e equipamentos e aí lograr um lucro extra. Mas, na era dos conflitos no seio da “tríade”,
o Japão e a Alemanha começaram a entrar de forma segura no mercado mundial desses
bens, com um nível de produtividade igual ou superior ao dos EUA. Senão vejamos:
Dados para 1974 indicam que a Alemanha Ocidental e o Japão são, respectivamente,
o primeiro e o terceiro produtores capitalistas mundiais de máquinas-ferramentas,
sendo o segundo os EUA (...). Por outro lado, em 1973, estes três países controlavam
nada menos que 46,7% das exportações mundiais de instrumentos de trabalho, dos
quais 22,0% correspondiam à Alemanha Ocidental, 18,2% aos EUA e 6,5% ao Japão
(BUSATTO, 1979:80, nota 97).
Desapareciam então os “mercados cativos” para as corporações dos EUA. Nessa
nova realidade, uma forma de garantir os mercados passou a ser, de maneira crescente, a
produção no interior das próprias economias antes importadoras. Diz a respeito Bob Rowthorn:
A inversão em ultramar está se convertendo no meio mais efetivo de introduzir-se
nos mercados mundiais de maior consideração. Está-se tornando cada vez mais importante como meio, tanto para procurar-se novos mercados, como para defender
os já existentes (ROWTHORN, s.d.: 29).
Em princípio, também o Japão e os países europeus preferiam manter internamente a produção de máquinas e equipamentos, já que, além do lucro extra de que podiam se
apropriar seus rivais estadunidenses, apropriavam-se também de um diferencial correspondente ao seu menor custo salarial em relação aos EUA.
Porém, os custos salariais desses países começaram a aumentar e a se aproximar do
nível dos EUA: os salários por hora nos EUA aumentaram de US$ 4,20 em 1970 para US$
6,22 em 1975, no Japão aumentaram de US$ 0,99 para US$ 3,10 e na Alemanha Ocidental, de
US$ 2,32 para US$ 6,19 (SOUZA, 1987: 88).
Nesse caso, passou a ser uma boa alternativa para as corporações do Japão e da Alemanha produzir certas máquinas e equipamentos – se conseguissem igual ou semelhante
nível de produtividade – em alguns países antes importadores.
Além disso, os Estados nacionais e os capitais privados dos países de desenvolvimento intermediário também passaram a produzir meios de produção. Isto se tornou possível, não apenas em face do anterior avanço autônomo da industrialização, mas também
graças à competição que se inaugurou entre as corporações das grandes potências. Tal competição produziu um duplo efeito sobre o mercado de tecnologia:
a)a competição entre as corporações dos países centrais pela venda de tecnologia
provocou o aumento da “oferta” de cada competidor no mercado mundial,
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Capítulo 9
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
cada um querendo aumentar sua parcela no mercado; essa competição aumentou durante a crise de valorização, já que a venda de tecnologia proporcionava
uma “renda” extra e assim contribuía para contrabalançar a tendência da taxa
de lucro a cair;
b)a competição aumentou o grau de autonomia das economias ou governos dos
países dependentes em relação aos países centrais, o que incrementou sua possibilidade de selecionar tecnologia entre distintos ofertantes e assim desenvolver seu setor de bens de capital.
Entretanto, na medida em que a venda de tecnologia pudesse implicar o desenvolvimento nos países dependentes de um setor de máquinas e equipamentos controlado por
nacionais, criava-se uma contradição para as corporações monopolistas dos países centrais,
já que reduzia seu mercado de exportação. Essas corporações buscavam superar tal contradição passando a produzir bens de capital diretamente em alguns dos países dependentes,
principalmente em associação com capitais nacionais desses países.
Ou seja, a competição entre as corporações dos países centrais e destas com os capitais estatal e privado dos países dependentes de desenvolvimento intermediário
pressionou os monopólios dos países centrais a intensificar sua exportação de capital para a periferia.
É evidente que, como assinalamos antes, as corporações dos países centrais não tinham a priori interesse em “exportar” os ramos que ainda lhe permitiam granjear um elevado lucro extra no mercado mundial. Isto ocorria com os ramos de tecnologia de ponta, ou
seja, aqueles que determinavam o sentido do progresso das forças produtivas no conjunto
do sistema. Os países dependentes só podiam ter acesso a essa tecnologia à medida que
aproveitassem os conflitos econômicos entre as potências, como foi o caso da obtenção da
energia nuclear pelo governo brasileiro junto à Alemanha Ocidental.
Mas esse investimento, por parte das corporações transnacionais, no setor de máquinas e equipamentos de países periféricos só tendia a ocorrer naqueles países que contassem com um mercado interno de meios de produção relativamente amplo e com uma base
técnica (nível de desenvolvimento das forças produtivas) adequada à instalação dos novos
ramos de produção.
Ademais, havia a tendência a investir naqueles ramos da indústria de bens de capital com as quais os países hospedeiros contassem como grandes produtores das respectivas matérias-primas. Tanto pelos salários baixos como pelas matérias-primas baratas, as
transnacionais podiam produzir nos países dependentes o mesmo produto que antes lhes
exportava, só que agora obtendo uma taxa de lucro mais elevada. Adotavam também o critério de “exportar” os ramos altamente poluentes, assim como os consumidores intensivos
de energia.
Esse processo revela uma dupla face: aqueles países da periferia que conseguiam
montar, sob controle nacional, sua própria indústria de bens de capital tendiam a
aumentar sua autonomia na esfera internacional; mas os que o faziam sob controle
estrangeiro ou que, mesmo que sob controle nacional, porém com base em financiamento internacional – que levava ao endividamento externo –, tendiam a reforçar
os laços de dependência. Assim, não basta montar internamente a indústria de bens
de capital para garantir a independência econômica.
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Capítulo 9
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Ao contrário, pode aprofundar a dependência se ocorrer sob o signo das transnacionais, tanto na forma de investimento direto quanto na de exportação de tecnologia. Essa
dependência pode se intensificar, além disso, se a instalação da indústria de máquinas e
equipamentos ocorrer mediante o recurso a empréstimos e financiamentos internacionais,
gerando o endividamento externo.
Em terceiro lugar, os capitais dos países centrais, ao se dirigirem aos países da periferia, procuravam também a produção de matérias-primas (BUSATTO, 1979: 36-37).
Já vimos que a recuperação do preço das matérias-primas a partir da segunda metade da década de 1960 contribuiu para acirrar a tendência da taxa de lucro a cair nos países
centrais. Passou então a ser considerada da maior importância, para as corporações dos
países centrais, a ação no sentido de baratear os preços das matérias-primas. Seria um dos
caminhos para a recuperação das antigas taxas de lucro.
Mas esse caminho esbarrava na resistência dos países exportadores desses bens,
cujos governos insistiam em formar associações, como a OPEP, a fim de sustentar seus preços e assim poderem se apropriar de maior porção do valor de seus produtos.
Para tentar vencer essa resistência, o governo dos Estados Unidos usou seu poder,
principalmente, no sentido de desarticular essas associações entre países exportadores de
produtos primários. Isso se manifestou, sobretudo, nas pressões sobre países integrantes da
OPEP, como a Arábia Saudita e a Venezuela.
Uma das formas encontradas pelas transnacionais para vencer essa resistência foi a
associação com setores empresariais ou estados de países exportadores. Elas proporcionavam o capital e os mercados, enquanto os governos ou empresários locais proporcionavam
os recursos naturais e a força de trabalho barata.
Ao final, as economias centrais obteriam matérias-primas mais baratas. Esses acordos eram fundamentais para essas economias, pelas seguintes razões:
a) as principais economias desenvolvidas tinham que importar um percentual significativo das principais matérias-primas que consumiam (tabela
9.1);
b)o barateamento das matérias-primas passou a ser fundamental para a recuperação da taxa de lucro nos países centrais e, por conseguinte, para
sua tentativa de sair da crise.
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Capítulo 9
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 9
Tabela 9.1 Participação das importações no consumo total de
algumas matérias-primas – 1975
Matérias-primas
EUA (%)
CEE (1) (%)
Japão (%)
Alumínio
84
75
100
Cromo
91
98
98
Cobalto
98
98
98
Cobre
(2)
98
90
Aço
29
55
99
Chumbo
11
85
73
Tungstênio
55
100
100
Manganês
98
99
98
Níquel
72
100
100
Fosfatos
(2)
100
100
Estanho
84
93
96
Zinco
61
70
53
Petróleo
18
54
74
Fonte: SANTOS, jun. 1977: 35.
1. Comunidade Econômica Europeia
2. Exportador líquido
Além do caminho da associação, as corporações dos países centrais começaram a
recorrer à guerra econômica – na qual tentavam aumentar os preços de seus produtos industriais exportados para a periferia mais rapidamente do que aumentavam os preços dos produtos primários exportados pelos países dependentes, na busca de retornar ao intercâmbio
desigual característico do período anterior.
Mas, à medida que as corporações não lograssem resolver inteiramente essa questão pela via da associação, como não conseguiram, seus governos tenderiam a intensificar o recurso a seus instrumentos de pressão. E isso poderia se dar inclusive
por meio da intimidação militar ou mesmo da guerra localizada.
Desde 1974, começaram as ameaças, por parte do governo dos EUA, de intervenção
militar nos países exportadores de petróleo. Posteriormente, ainda na década de
1970, essas ameaças se materializaram na criação de uma força móvel de intervenção que, em 24 horas, garantiria o desembarque de unidades militares em qualquer
parte do globo. A isso se agregou o aumento dos efetivos militares na região do
Golfo Pérsico, sob a alegação de um suposto expansionismo soviético na região.
Observa-se assim que a queda da taxa de lucro nas economias centrais determinou
uma intensificação da exportação de capitais para os países da periferia, tanto com destino à
produção de bens de capital e de outros bens industriais para exportação quanto à produção
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de matérias-primas. A ênfase em um ou outro setor dependia do grau de desenvolvimento
relativo do país que recebia o capital.
Era óbvio que a ênfase na manufatura de bens de produção tendia a ocorrer naqueles países que já contavam com um razoável desenvolvimento das forças produtivas,
como era o caso do Brasil, México e Argentina. Por outra parte, os países exportadores de
matérias-primas foram instados a aceitar distintas formas de associação com corporações
estrangeiras para a produção conjunta de matérias primas; quando não aceitavam o acordo,
eram submetidos pela força (econômica ou militar).
Às vezes, os dois processos ocorriam num mesmo país: mesclava-se ao mesmo tempo a possibilidade de industrialização subordinada e a subordinação para a produção de
matérias-primas.
Questionário
1. Mostre por que as transnacionais que se instalaram em países de desenvolvimento intermediário, além de ocuparem o mercado interno desses países, passaram
também a usá-los como plataforma de exportação.
2. Por que o Japão e a Alemanha passaram a exportar tecnologia e capitais para produzir bens de capital em países da periferia?
3. Quais os mecanismos adotados para a produção de matérias-primas pelas transnacionais nos países periféricos?
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Capítulo 9
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referências bibliográficas
BUSATTO, C. La crisis del imperialismo y sus consecuencias sobre la reproducción del capital y la
inserción mundial de la economía brasileña. 1979. Tese apresentada para a obtenção do grau de
mestrado em Economia. UNAM-FNE-Divisão de Estudos Superiores, México.
MINIAN, I. Rivalidad intercapitalista e industrialización em el subdesarrollo. Revista Economia de América Latina; Hacia uma nueva inserción em la economia mundial?, no 2, México: CIDE,
MAR. 1979.
ROWTHORN, R. La rivalidad imperialista em la década de los setenta. Revista Sintesis, s.d.
SOUZA, N. A. de. A nova ordem econômica internacional. São Paulo: Global, 1987.
__________. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
VUSKOVIC, P. América Latina ante nuevos términos de la división internacional de trabajo.
Revista Economia de América Latina; Hacia uma nueva inserción em la economia mundial?, no 2,
México: CIDE, mar. 1979.
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Capítulo 9
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 10
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
10
Gravidade da crise imobiliza FMI
Na virada da década de 1990 para a de 2000, as dificuldades da economia mundial
eram tão grandes que conseguiram imobilizar o principal instrumento que, tradicionalmente, o governo dos EUA tem utilizado para impor seu receituário para o
resto do mundo, particularmente para os países subdesenvolvidos, ou seja, o FMI.
Depois de aportar mais de US$ 100 bilhões no “socorro” das nações da Ásia que
naufragaram, ao mesmo tempo em que lhes exigia condições impossíveis de cumprir, como
ocorreu na Indonésia, o FMI não contava por ocasião do estouro da crise no Brasil com mais
de US$ 15 bilhões em caixa para emprestar.
Não foi por acaso que, apesar da grave situação financeira da Rússia em 1998, ele
resistiu até o limite a emprestar-lhe os recursos solicitados, mesmo sabendo das inevitáveis
consequências internacionais de uma explosão financeira naquele país. Para fechar o pacote,
além de usar os últimos recursos de que dispunha, dependeu do aporte dos bancos centrais
de vários países.
No caso da crise brasileira de 1998/1999, o receio de que sua explosão financeira pudesse impactar seriamente o conjunto da economia mundial, além do interesse em completar o processo de desestatização de sua economia, levou o governo dos EUA a patrocinar um
acordo, que envolveu o FMI, o Banco Mundial, o BIS e os governos de outros países centrais,
que resultou num pacote que reuniu US$ 41 bilhões, cujo objetivo era dar mais segurança
aos especuladores e, assim, evitar uma fuga em massa de capitais. Não fosse isso, e o FMI
teria ficado inteiramente imobilizado durante a crise.
A sobrevivência do FMI passou a depender da implementação do mecanismo especial conhecido como Acordos Gerais de Empréstimo, integrado por 22 países, dentre eles os
Estados Unidos, que preveem o aporte de recursos da ordem de US$ 50 bilhões, em casos
considerados extraordinários.
A crise mundial era tão grave que, ironicamente, esse organismo internacional, que
costuma “socorrer” os países em dificuldades, estava, ele próprio, solicitando socorro. Enfrentou, inicialmente, enorme resistência, sobretudo do Congresso estadunidense, em aportar-lhe novos recursos, devido ao fracasso de suas interpretações e consequentes terapias
para as nações asiáticas.
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Pouco antes do colapso de 1997 na Ásia, as análises do FMI indicavam que as economias da região iam muito bem e deviam ser eleitas como modelo a ser copiado,
com destaque para a Indonésia. O mesmo dissera acerca do México antes da crise
de 1994. Posteriormente, nem bem o FMI terminava os elogios às políticas adotadas
na América Latina, eclodia a crise brasileira e, logo depois, a da Argentina.
Depois da emergência da crise na Indonésia, impôs ao país um receituário que quase
o levou à guerra civil. Situação semelhante ocorreu em relação à Rússia. Com isso, comprometeu-se seriamente a credibilidade que o Fundo desfrutava junto ao capital financeiro dos
países centrais, o qual, em grande medida, se baseava em suas análises e terapias para eleger
seus campos de aplicação.
É sintomática a declaração do então presidente do Comitê Econômico Conjunto do
Congresso dos EUA, deputado Jim Saxton: “O programa do FMI fracassou completamente
para estabilizar os mercados financeiros russos e sua situação política.” No que foi secundado por David Hale, economista-chefe de um grupo financeiro dos EUA, o Zurich Insurance:
“Há crescentes sinais de que está se rompendo o apoio para políticas ortodoxas orientadas
pelo mercado nas perturbadas economias da Ásia.” Era essa também a opinião do jornal
Financial Times, ao dizer que “o presente sistema, baseado no FMI e no G-7, falhou na prevenção de crises e também está fazendo um trabalho muito pobre para resolvê-las”.
A verdade era que a tão decantada competência dos técnicos do FMI naufragou
diante de uma devastadora crise que não se enquadrava em seus tradicionais manuais. Não
que as crises menos dramáticas possam se enquadrar nesse receituário, mas, nesses casos,
os credores internacionais pelo menos tinham alguma garantia de que receberiam de volta
alguma coisa do que haviam aplicado.
Sem fundos e com um receituário desgastado, não é de estranhar que, em reunião
no começo de setembro de 1998 com ministros da Fazenda da América Latina e dos EUA, os
dirigentes do FMI tenham se limitado a elogiar o trabalho desses ministros e a recomendar
que prosseguissem nesse mesmo caminho.
Elogios semelhantes haviam feito à Ásia pouco antes de eclodir a crise nos ”tigres
asiáticos”. Novamente, nem bem o FMI terminava os elogios às políticas adotadas na América Latina, deflagrava-se a crise brasileira e, logo depois, a da Argentina.
Aliás, diante da possibilidade de um colapso das finanças internacionais, anunciado
pela deterioração do quadro financeiro do final da década de 1990, os dirigentes, não apenas
das instituições internacionais, mas também dos países centrais tornavam-se cada vez mais
impotentes para fazer qualquer coisa que pudesse evitá-la.
Reunidos no começo de outubro de 1998 nos EUA, os dirigentes do G-7 e do G-22
(que inclui os 15 principais países, além do G-7), do FMI e do Banco Mundial, apesar de
constatarem a gravidade da crise, não conseguiram chegar a qualquer acordo significativo
sobre como enfrentar a situação.
É bem verdade que o presidente dos EUA realizou forte pressão para aprovar um
plano para a América Latina, mas encontrou séria resistência dos europeus e japoneses, que
alegaram não terem sentido o mesmo empenho dos EUA por ocasião das crises da Ásia e
da Rússia. A questão de fundo, na verdade, era que, devido à própria crise, os governos dos
países centrais não tinham muito como aportar novos recursos para viabilizar o pagamento
das dívidas do Terceiro Mundo perante os bancos.
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Capítulo 10
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Questionário
1. É possível afirmar que o FMI se imobilizou depois das crises dos anos de 1990?
Por quê?
2. Explique por que o FMI decidiu “socorrer” o Brasil na crise de 1998-1999.
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Capítulo 10
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Capítulo 11
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11
Os níveis da integração econômica regional
Existem vários níveis de integração. Cada grupo de países escolhe o nível de integração que lhe pareça adequado ou que a correlação de forças interna de cada país o determine.
Esses níveis de integração podem se transformar em etapas de um processo mais amplo
quando o objetivo é realizar uma integração mais completa.
O nível mais elementar de integração ocorre quando dois ou mais países negociam
preferências comerciais. Segundo Baumann et al., “uma Área de Preferências Comerciais
compreende a redução ou isenção de impostos de importação no comércio entre os países
envolvidos, apenas para um grupo reduzido de produtos” (Baumann et al., 2004: 106). Ainda de acordo com esses autores, neste caso, cada país mantém independência na sua política
comercial em relação ao resto do mundo. Normalmente, ocorre entre países sem proximidade geográfica.
A Área de Livre Comércio é o nível seguinte. Abarca concessões comerciais generalizadas, envolvendo a maior parte da pauta comercial entre os países-membros, mas cada
país mantém sua autonomia na definição da política comercial em relação ao resto do mundo. Como definem Maria Auxiliadora e César Silva: “países sócios concordam em eliminar
as barreiras sobre o comércio recíproco, mas mantêm políticas comerciais independentes
em relação aos demais” (CARVALHO; SILVA, 2002: 226). Normalmente, ocorre entre países
com certa proximidade geográfica. Este é o caso do Nafta.
Quando, além de praticar o livre comércio entre si, um conjunto de países decide
adotar barreiras externas comuns em relação aos demais países fora do bloco, isto é, passa
“a adotar uma política comercial uniforme em relação aos demais países” (Ibidem: 226),
designa-se esse processo de União Aduaneira. Essa proteção externa comum normalmente é
realizada por meio de uma tarifa externa comum (TEC). O Mercosul, ainda que vise formar
um Mercado Comum, ainda se encontra na etapa da União Aduaneira.
Recebe o nome de Mercado Comum quando, além do livre comércio de bens e serviços e da proteção externa comum, permite-se a livre mobilidade de capital e força de trabalho entre os países-membros. Ou seja, “a liberdade de deslocamento não se restringe aos
produtos, mas abrange também os fatores de produção (capital e mão de obra), e a política
comercial é uniforme em relação a países não-membros” (Ibidem: 226).
A União Européia, antes de atingir fases mais avançadas, passou pela etapa de Mercado Comum. Chegou a ser designada de Mercado Comum Europeu. Para Baumann et al.,
nesse nível torna-se necessário – além da coordenação das políticas cambial, fiscal
e monetária – compatibilizar as legislações correlatas, como as normas trabalhistas,
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previdenciárias, regulação de capital, proteção aos investidores, regulação de concorrência e diversas outras (BAUMANN et al., 2004: 107).
O quarto nível é representado pela União Econômica. Neste caso,
os acordos não se limitam aos movimentos de bens, serviços e fatores de produção,
mas buscam harmonizar políticas econômicas para que os agentes possam operar
sob condições semelhantes nos países constituintes do bloco econômico (CARVALHO; SILVA, 2002: 227).
Neste nível, tende a ocorrer a união monetária, isto é, os vários países integrantes do
bloco passam a utilizar uma moeda única.
Por último, há autores que propugnam a existência de um quinto nível, chamado de
Integração Econômica Total.
Essa fase implica livre deslocamento de bens, serviços e fatores de produção, além
de completa igualdade de condições para os agentes econômicos, pois o acordo
prevê idênticas políticas econômicas e sociais, administradas por autoridades supranacionais (Ibidem: 227).
A União Européia transita do quarto para o quinto nível, pois, apesar de as políticas
econômicas e sociais ainda não serem inteiramente idênticas, encontram-se em processo
avançado de harmonização, e boa parte delas já é administrada por autoridades supranacionais, como o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Parlamento Europeu.
Para encerrar esta parte, cabem alguns comentários:
• não necessariamente, o processo de formação de um bloco econômico tem
que atravessar rigorosamente todos esses níveis. Pode, por exemplo, começar por uma união aduaneira ou por um mercado comum. O importante,
para produzir uma integração efetiva, é que o processo avance num ritmo
que possa ser acompanhado pelos países-membros;
• a experiência vem demonstrando, cada vez mais, que uma integração efetiva
não pode basear-se apenas no comércio, pois a liberação comercial entre os
países-membros pode debilitar ou mesmo destruir as economias mais frágeis, comprometendo o processo integracionista. A formação de um bloco
econômico exige, para consolidar-se, a complementaridade econômica, social, política e cultural;
• para ser bem sucedido, o processo de integração exige que as nações economicamente mais fortes contribuam para diminuir os desníveis econômicos
entre os países-membros; do contrário, as economias mais frágeis seriam devastadas pela invasão de capitais e produtos oriundos das mais fortes;1
• a experiência tem demonstrado que os Acordos de Preferências Comerciais
ou as Áreas de Livre Comércio podem ser efetivados entre países sem proximidade geográfica, enquanto as Uniões Aduaneiras e níveis mais avançados
Um exemplo desse tipo de apoio são os financiamentos a fundo perdido que os governos dos países mais desenvolvidos da Europa aportaram para a realização de obras de infraestrutura nos menos desenvolvidos.
1
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Capítulo 11
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de integração costumam ser realizados entre países vizinhos; estes últimos
níveis constituíram a forma mais adequada de um bloco econômico;
• o processo de integração avança com menos percalços quando é o coroamento formal de uma interação que já existia entre os agentes econômicos dos
vários países, ou seja, a maior parte de seu comércio exterior já se realizava
entre eles;2 o processo oposto ocorre quando a maior parcela das transações
externas dos agentes econômicos dos países da região não se realizava entre
esses países, mas com países de outras regiões (BAUMANN et al., 2004: 11819).3
Os processos de integração econômica regional mais antigos e que, com avanços e
recuos, prosseguem na atualidade são os da Europa e da América Latina. Um exame dessas
duas experiências é imprescindível para a compreensão do fenômeno da integração.4
Questionário
1. Indique os vários níveis de integração econômica regional, definindo cada um
deles.
2. Quais os problemas da integração baseada apenas no comércio e como os blocos
existentes têm procurado equacionar esses problemas?
A Europa poderia ser um desses casos, já que realizava intenso comércio entre suas várias nações antes de
iniciado o processo formal de integração; no entanto, o fato de haver atingido a etapa monopolista acarretava importantes conflitos internos.
3
Poderia ser o caso da América Latina; porém, há vários outros elementos que podem favorecer a integração,
como a origem cultural comum e o fato de suas economias não haver ainda atingido a etapa monopolista.
4
Ver texto a respeito, intitulado Integração econômica regional: os casos da União Europeia e da América do Sul,
no sítio www.EditoraAtlas.com.br (Material de Apoio).
2
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Capítulo 11
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Referências bibliográficas
BAUMANN, R. et al. Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.
CARVALHO, M. A de; SILVA, C. R. L. da. Economia internacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
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Capítulo 12
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12
Integração econômica regional: os casos
da União Europeia e da América Latina
Examinam-se neste texto as duas principais experiências de integração econômica
regional: a da União Europeia e a da América Latina. Procura-se estudar todo o processo
que viveram e vivem essas regiões, em seu desdobramento por etapas, a fim de que se possa
tirar as lições necessárias para a teoria da integração regional.
I – O caso da União Europeia
Os primórdios da União Europeia
A experiência mais madura de formação de um bloco econômico é a da União Europeia. O processo de integração europeia começou em 1951 com a criação da Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço (CECA), cuja idéia fora lançada um ano antes pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Robert Schuman.
Em 1952, duas novas propostas integracionistas foram lançadas na Europa: a Comunidade Europeia de Defesa (CED) e a Comunidade Política Europeia (CPE). No entanto, os
conflitos entre as nações da região impediriam que essas propostas se concretizassem.
Depois de avanços e retrocessos, o Conselho da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE) abriu um processo de negociações, no começo de 1957, para a
criação de uma área de livre comércio na Europa. Terminaram resultando daquele processo
dois blocos econômicos:
−− de um lado, os tratados de Roma, firmados em 1957 pela França, a Alemanha
Federal, a Itália, a Bélgica, os Países Baixos e o Grão-Ducado de Luxemburgo, instituíram, ainda em 1957, a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e
seu apêndice, a Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA);
−− e, de outro, criou-se, em 1960, a Associação Europeia de Comércio Livre
(EFTA, na sigla em inglês), formada pelo Reino Unido, a Suécia, a Noruega,
a Dinamarca, a Áustria, a Suíça e Portugal.
Esta última, na verdade, não vingou. Seus participantes, ao longo do tempo, foram
se integrando à CEE. Os objetivos explícitos da CEE eram, de um lado, a busca do crescimento econômico e a melhoria do nível de vida da população e, de outro, a união política
entre os povos da Europa.
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Para isso, propunham-se a criar um bloco econômico que assegurasse a livre circulação de mercadorias, pessoas, capitais e serviços entre os países-membros. Ou
seja, o objetivo a longo prazo traçado inicialmente era a criação de um Mercado Comum, mas, com o desenvolvimento do projeto, o processo de integração terminou
avançando ainda mais, atingindo, em 1999, através da União Monetária, a etapa da
União Econômica transitando para a Integração Econômica Total.
Da área de livre comércio à união econômica
Veremos a seguir as razões que levaram a Europa a perseguir esse caminho e quais
etapas teve que atravessar para atingir o nível atual de integração.
Os tratados de criação da CEE entraram em vigor a 1º de janeiro de 1958, sendo que
a 1º de janeiro de 1959 ocorreu uma primeira redução dos direitos aduaneiros. Ou seja, a Comunidade começava pela criação de uma Área de Livre Comércio. Mas só se transformaria
num bloco econômico efetivo, isto é, só passaria para a etapa de União Aduaneira, a 1º de
julho de 1968. Nessa data, além de generalizar a abolição dos direitos aduaneiros entre os
participantes, instituiu-se uma pauta aduaneira externa comum.
Um ano depois, os chefes de Estado e de Governo da CEE, reunidos em Haia, adotariam um conjunto de decisões que revelariam a intenção de conformar um nível mais
avançado de integração: declararam-se favoráveis à formação de uma união econômica e
monetária, à consolidação das instituições comunitárias, à ampliação da Comunidade mediante a integração de novos membros, ao aumento dos poderes do Parlamento Europeu
em matéria de orçamento.
Coincidia a aceleração do processo de integração europeia com o movimento que
levara ao declínio relativo do poderio econômico dos EUA e ao fortalecimento da
principal potência econômica da Europa, a Alemanha. Com a integração europeia,
a Alemanha pretendia reunir mais forças para enfrentar a hegemonia dos EUA e
disputar com suas corporações o mercado mundial.
No pós-guerra, a Europa ficara imprensada entre as duas grandes potências que
haviam emergido da guerra: os EUA liderando o campo capitalista e a URSS, no campo socialista. Os EUA, na tentativa de legitimar sua hegemonia, formularam na Academia Militar
de West Point a Doutrina da Contra-Insurgência, que dividia o mundo em dois, o “comunista” e o “ocidental-cristão”. Nessa doutrina, caberia a eles a responsabilidade de defender o
hemisfério ocidental diante de uma suposta “agressão comunista”.1
A Europa, inicialmente fragilizada pela devastação bélica, aceitou essa hegemonia
estadunidense2, mas, ao se fortalecer pelo espetacular crescimento econômico,3 achou-se em
Veja capítulo 5 do livro-texto e também SOUZA (2001: 42).
Mas essa aceitação não foi pacífica. O Presidente da França, Charles De Gaulle, resistiu firmemente a essa hegemonia, tanto no terreno militar, ao retirar a França da OTAN (organização militar liderada pelos EUA), quanto
no econômico, ao propor a instituição de uma moeda mundial pelo FMI (os Direitos Especiais de Saque) para
substituir o dólar (SOUZA, 2001: 43).
3
Ver capítulo 7 do livro-texto.
1
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condição de disputar com os EUA o mercado mundial. A formação de um bloco econômico
regional contribuiria para ampliar essa capacidade de disputa.4
E, assim, um comitê criado pela conferência de Haia apresentou, em 1970, proposta
para a unificação progressiva das políticas econômicas com vistas à criação, em 1980, da
união econômica e monetária (UEM). O Conselho de Ministros da CEE estabeleceu o dia 1º
de janeiro de 1971 como referência para inaugurar a nova fase.
A partir dali, os Estados-membros deveriam adotar as medidas destinadas a harmonizar as políticas orçamentárias e a reduzir as margens de flutuação entre suas moedas.
Além disso, a 1º de janeiro de 1973, a CEE se alargou mediante a inclusão da Inglaterra, da
Irlanda e da Dinamarca.5 Nessa mesma data, passaram a vigorar acordos de livre comércio
entre a CEE e os países da EFTA que ainda não haviam aderido à Comunidade.6
Em 1974, a Cúpula de Paris instituía o Conselho Europeu, como instrumento mais
permanente de direção política da Comunidade. Uma de suas primeiras decisões foi a convocação, um ano depois, de eleições, por sufrágio universal, para compor o Parlamento
Europeu, que ocorreriam entre 7 e 10 de junho de 1979.
União monetária e hegemonia alemã
Em 1979, o Conselho Europeu daria mais um passo rumo ao aprofundamento da
integração: pôs em vigor o Sistema Monetário Europeu (SME), que tinha como elemento
central uma unidade monetária de conta,7 o ECU,8 mas integrava determinadas regras cambiais e de crédito. O governo do Reino Unido optou por ficar de fora da união monetária.
A crise econômica que se alastrou pelo mundo entre 1980 e 1984 afetou gravemente a
economia europeia. Em consequência, a título de defesa, recrudesce o espírito protecionista
entre os países-membros da CEE. Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia, instituída pelo
Conselho para propor medidas tendentes ao desenvolvimento das políticas comunitárias,
apresentou, em 1984,
um programa de consolidação do mercado interno que incide sobre a supressão
das barreiras aduaneiras, o quadro jurídico para a atividade das empresas a nível
da Comunidade, a livre circulação de capitais, dos serviços e das pessoas, bem
como sobre aspectos de liberalização das políticas agrícolas, fiscal e de transportes
(SERVIÇO DE PUBLICAÇÕES, 1987: 76).
Vale registrar que o fato que despertou a Europa para a necessidade de unir-se foi a intervenção dos EUA, em
1956, no conflito de Suez, quando aquele país tentou mostrar aos países europeus que não aceitaria que os mesmos
seguissem adotando política de grande potência. A reação da Europa foi a assinatura, em 1957, dos tratados de
Roma, que deflagraram o processo de integração (SOUZA, 2001: 54).
5
A Noruega também pedira ingresso, mas, através de referendo, o povo norueguês rejeitou a adesão por 53%
dos votos.
6
Suécia, Áustria, Suíça e Portugal. Entre 1975 e 1977, Grécia, Portugal e Espanha pedem ingresso à CEE, que só
se efetiva em 1981 (Grécia) e 1986 (Portugal e Espanha).
7
Unidade de conta: trata-se de uma “moeda” que funciona apenas como expressão do valor das mercadorias,
ou seja, como denominação monetária dos preços, mas ainda não opera como intermediário das trocas, meio de
pagamento e reserva de valor.
8
Sigla de European currency unit, que, traduzido ao português, significa unidade monetária europeia. Sua generalização só ocorreria a partir de 1981, quando passou a denominar o orçamento geral da Comunidade.
4
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Ou seja, num momento em que a crise, ao acirrar os conflitos entre os participantes
da CEE, abalava o processo de integração, a Comissão propunha seguir adiante. O
Parlamento Europeu adotou o mesmo caminho, ao aprovar por 237 votos a favor,
31 contra e 43 abstenções, também em 1984, o projeto de tratado de formação da
União Europeia.
Em 1985, começou a vigorar o passaporte europeu. Nesse mesmo ano, a Comissão
Europeia transmitiu ao Conselho de Ministros documento propondo um cronograma com
vistas a atingir até 1992 a supressão das fronteiras físicas, técnicas e fiscais da Comunidade.
A partir de então, pessoas, bens, serviços e capitais poderiam circular no conjunto da CEE
nas mesmas condições em que o faziam no interior de cada Estado-membro.
Para completar o arcabouço jurídico da União Europeia, foi assinado em fevereiro
de 1986 o Ato Único Europeu, que viria reformar os tratados que criaram a CEE e assentar
as bases para a constituição da União Europeia, a qual teria como objetivo declarado a efetivação até 1992 de um espaço europeu sem fronteiras internas através da união econômica
e monetária (UEM), além do desenvolvimento tecnológico e da melhoria social e do meio
ambiente.
O Ato Único previa três etapas para alcançar a união econômica e monetária:
1. a primeira etapa, que se desenvolveria até o primeiro semestre de 1990, previa que todas as moedas dos países da CEE entrariam no Sistema Monetário
Europeu;
2. a segunda fase previa a transferência progressiva para a esfera comunitária
de competências em matéria monetária e fiscal que eram reservadas à esfera
nacional;
3. a terceira implicava a preparação de condições para o estabelecimento de paridades fixas entre as moedas da CEE com vistas à criação de uma moeda
única.
Essa aceleração do processo de integração foi uma resposta direta à estratégia econômica então adotada pelo governo dos EUA.
De um lado, a administração de Ronald Reagan promoveu, a partir de 1985, uma
violenta desvalorização do dólar, através dos “acordos” de Plaza, firmados em 1985,
e os de Louvre, de 1987.
De outro, também em 1985, submeteu ao Congresso dos EUA tratados comerciais
extremamente protecionistas, além de utilizar em demasia o Artigo 301 do tratado
comercial de 1974, que visava impedir práticas comerciais que considerasse lesivas
aos interesses das corporações estadunidenses.9
Essas medidas, cujo objetivo básico era tentar recuperar a capacidade competitiva
dos EUA no mercado mundial, afetaram significativamente a capacidade da Alemanha em
disputar o mercado mundial com aquele país, levando-a, a título de defesa, a acelerar o processo de integração europeia.
Ver Capítulo 9 deste livro.
9
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Capítulo 12
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
O Conselho Europeu decidiu, em dezembro de 1990, que, a partir de janeiro de 1994,
dar-se-ia início a uma nova etapa da união econômica e monetária com a criação de uma
nova instituição monetária.
O principal instrumento utilizado na Europa para a criação da união econômica e
monetária foi o Tratado de Maastricht, que entrou em vigor em 1993. O objetivo mais estratégico de Masstricht era a criação de uma moeda única para todos os países do bloco. O
euro, que ocuparia todas as funções da moeda, deveria substituir a moeda de conta ECU.
Para ingressar na área do euro, os países europeus teriam que realizar um processo
de ajuste que permitisse atingir os seguintes critérios:
• déficit público abaixo de 3% do PIB;
• dívida pública menor do que 60% do PIB;
• inflação no máximo de 1,5 ponto percentual acima da média dos três países
com menor índice de inflação;
• taxa de juros de longo prazo não superior a 2 pontos percentuais à média
dos três países com a menor taxa.
Para administrar a nova moeda, foi criado o Banco Central Europeu, com sede em
Frankfurt, na Alemanha. O novo banco, apesar da disputa entre franceses e alemães, passou a ser hegemonizado pelo Bundesbank alemão.
Como a Alemanha é a potência econômica mais poderosa da Europa, esse processo
de unificação vem favorecendo, sobretudo, a seus interesses.
Nas palavras do ex-ministro do interior da França, Jean Pierre Chevenement, em
entrevista ao Wall Street Journal: ”O que a Alemanha não conseguiu em duas guerras mundiais, a hegemonia continental, está em vias de conseguir através de recursos financeiros em nome do livre mercado e de uma visão tecnocrática da Europa”
(SCHUTTE, 1998).
A integração europeia tem encontrado dois tipos de obstáculos: de um lado, os EUA
tentam dividir a posição dos países europeus nos principais temas de política externa, como
na questão do Iraque, dificultando a adoção de uma política externa europeia comum; de
outro, tem havido grandes resistências em povos de vários países da Europa ao que consideram uma perda de soberania em favor da Alemanha e à quebra do “Estado de Bem-Estar”.10
A quebra dos direitos sociais visa atender a dois requisitos:
1. satisfazer os critérios de redução do déficit e da dívida pública estabelecidos
como condição para ingressar na zona do euro;
2. diminuir os custos trabalhistas a fim de melhorar a capacidade das corporações europeias em competir no mercado internacional.
Assim, procurava-se melhorar a competitividade, não com o avanço tecnológico e,
portanto, com o crescimento da produtividade, mas com a deterioração das condições sociais. Os trabalhadores europeus realizaram grandes mobilizações com o objetivo de garantir seus direitos.
Como foi conhecida a ampliação dos direitos sociais no período de pós-guerra na Europa.
10
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Capítulo 12
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
O significado do euro na divisão de poder mundial
Apesar desses obstáculos, o processo de integração europeia seguiu avançando e
atingiu a etapa da união monetária, quando, a 1º de janeiro de 1999, foi instituída a moeda
única, o euro, inicialmente ainda como moeda de conta, que se transformaria em moeda
corrente em 1º de janeiro de 2002.
Estimava-se, na época, que, depois de se tornar moeda corrente, o euro teria condições de competir com o dólar na divisão do mercado financeiro internacional. O economistachefe do Deutsche Bank, Norbert Walter, estimou que o euro dominaria 35% das transações
comerciais do mundo, além de desafiar a supremacia do dólar como moeda de reserva dos
bancos centrais.11
O economista Fred Bergsten, diretor do Instituto de Economia Internacional e exsecretário-adjunto do Tesouro estadunidense, avaliava que “o dólar e o euro provavelmente
acabarão, cada um deles, dominando cerca de 40% das finanças mundiais, restando cerca de
20% para o iene, o franco suíço e outras moedas mais fracas” (BERGSTEN, 2000).
Essas avaliações tinham como base a força relativa de cada economia. Na verdade, a
nova economia resultante da unificação europeia ultrapassaria o peso da poderosa
economia dos EUA. Na época, enquanto a União Europeia era responsável por 31%
da produção mundial e 20% do comércio, os EUA respondiam, respectivamente,
por 27% e 18%. O PIB europeu, em 1996, era um pouco superior ao dos EUA: US$
8,4 trilhões contra US$ 7,2 trilhões (BERGSTEN, 2000).
Ademais, a posição da Europa unificada tenderia a melhorar. Isso porque, sob a
pressão de um déficit comercial crônico, os EUA vinham então patrocinando a desvalorização de sua moeda como forma de melhorar a competitividade de suas empresas e assim
contribuir para a redução do déficit. O resultado era o aumento da desconfiança em relação
ao dólar cada vez mais fraco, diminuindo a atração para usar essa moeda como refúgio das
aplicações internacionais.12
Nessas condições, a existência de uma outra moeda forte, como o euro, poderia induzir muitos governos, além de aplicadores privados, a aplicar seus recursos nessa moeda.
Assim, depois de o Iraque haver mudado suas reservas de dólar para euro em 200013 e de
o Irã ameaçar fazer o mesmo, a Rússia, a China e a Arábia Saudita começaram também a
diversificar suas reservas.
Como consequência, de 1999, quando foi instituído o euro, a meados de 2005, a porcentagem das reservas mundiais em dólar caiu de 71% para 66%, enquanto a do euro subiu
de 17% para 24%. Essa mudança de composição não foi mais acelerada ainda porque, diante
da dificuldade de financiar o déficit externo estadunidense, o Federal Reserve passou, a partir de meados de 2004, a aumentar sistematicamente sua taxa básica de juros, como forma de
atrair capitais externos. Mas era um tiro no pé. Os juros elevados poderiam detonar, como o
fizeram, uma nova crise na economia dos EUA,14 enfraquecendo ainda mais o dólar.
Ver Capítulo 10 do livro-texto.
A elevação da taxa básica de juros pelo Banco Central dos EUA (Federal Reserve) a partir de meados de 2004
teve como objetivo atrair capitais externos, ainda que o objetivo alegado tenha sido o combate à inflação.
13
A decisão de invadir o Iraque, que teve como motivações principais a questão do petróleo e fatores de ordem
geopolítica, foi, em grande medida, precipitada pela decisão de seu governo converter suas reservas cambiais em
euro.
14
A forte desaceleração de sua economia em 2006 levou o Fed a suspender temporariamente o processo de elevação de sua taxa básica de juros: ela já havia subido de 1% ao ano para 5,25%.
11
12
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Capítulo 12
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 12
II – O caso da América Latina
A teoria cepalina da integração regional
A questão da integração da América Latina remonta aos primórdios da luta pela independência no início do século XIX. Com altos e baixos, essa questão tem estado presente
na região ao longo destes dois últimos séculos.
Torpedeada tanto pela ação das potências estrangeiras que tinham interesses na região quanto pelos conflitos das elites que dominavam cada um dos países, a integração
latino-americana ressurgia toda vez que as condições internas e externas se tornavam propícias.
Essa questão mais uma vez ressurge com força na atualidade, depois de várias ondas integracionistas ocorridas no passado. Nesta seção, vamos examinar o processo mais
recente, que tem suas raízes nas propostas feitas pela Cepal15 entre o final da década de 1940
e o início da de 1950.
Partindo do diagnóstico de que a dependência externa e as estruturas internas arcaicas da América Latina eram responsáveis pelo subdesenvolvimento, a Cepal
propunha que a saída estava na industrialização. Conforme Theotônio dos Santos,
nas décadas de 1940-50, desenvolveu-se o pensamento da CEPAL, que vai dar
um fundamento de análise econômica e um embasamento empírico, assim como
apoio institucional, à busca de bases autônomas de desenvolvimento. Estas se
definiram por intermédio da afirmação da industrialização como elemento aglutinador e articulador do desenvolvimento, progresso, modernidade, civilização
e democracia política (SANTOS, 2000: 74).
Entre os meios para garantir a industrialização e o desenvolvimento econômico da
região, a Cepal propugnou a realização de um projeto integracionista. O alargamento do mercado, com a criação de um mercado regional, ensejaria a instalação de
plantas industriais maiores e mais eficientes, além de poder avançar para a indústria básica, como as de bens de capital e de bens intermediários. A integração seria,
portanto, a condição para o desenvolvimento autônomo e endógeno da região.16
Foi com essa visão que a CEPAL propôs a criação do Mercado Comum Centro-Americano que, a partir de 1951, começou a formar um bloco regional entre os pequenos países
da América Central.
A Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) foi criada em 1948 pela ONU para estudar os problemas
da América Latina e propor soluções. Liderada pelo economista argentino Raúl Prebisch e integrada por uma série
de jovens economistas e cientistas sociais e políticos, dentre eles o brasileiro Celso Furtado, cumpriu um papel decisivo na formulação do pensamento econômico latino-americano.
16
Desenvolvimento endógeno se caracteriza por um desenvolvimento que se fundamenta nas próprias forças,
isto é, nos próprios recursos materiais e financeiros e no próprio mercado.
15
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A criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio
Mas o projeto mais ambicioso consistia na retomada da antiga ideia de integração
do conjunto da América Latina e que vinha amadurecendo desde a década de 1940 entre
os governos do Brasil e Argentina.17 Foi assim que, a 18 de fevereiro de 1960, assinava-se,
em Montevidéu, o tratado que instituiu a Associação Latino-Americana de Livre Comércio
(Alalc), integrada por Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Os signatários do tratado representavam “mais de 80% do produto bruto e da população da América
Latina” (HERRERA, 1966: 149).
A Alalc “tinha por objetivo básico a ampliação do comércio regional, e consequentemente dos mercados nacionais, através da eliminação gradual das barreiras ao comércio
intrarregional” (FARIA, 1993: XV). O prazo estipulado para o alcance de seus objetivos foi
de 12 anos. Ocorreria, portanto, em 1972.
O modelo adotado tinha como referência o GATT.18 Havia as “listas nacionais” de
concessões e uma “lista comum de bens”, com cujo desgravamento os signatários se comprometiam, e, por outro lado, havia “listas especiais”, em benefício dos países de menor
desenvolvimento relativo; estas últimas listas não estavam sujeitas à cláusula de nação mais
favorecida (Ibidem: XV).
Havia sido criada uma condição internacional favorável a projetos dessa natureza. Tendo chegado à conclusão de que, em lugar do alinhamento automático com
qualquer das duas superpotências (EUA e URSS), deveriam trilhar um caminho de
não-alinhamento, os líderes de vários países do Terceiro Mundo19 decidiram criar o
Movimento de Países Não-Alinhados, que começou a congregar os países que queriam seguir um caminho independente. O crescimento desse movimento fortaleceu
a tendência à unidade de países mais pobres.
Ação dos EUA impede consolidação da Alalc
Mas a integração da América Latina ainda teria que enfrentar grandes desafios para
concretizar-se. O principal deles provinha dos EUA. Os interesses estratégicos desse país
entravam em contradição com a integração latino-americana. Era o velho adágio: “Dividir
para reinar”.
Depois de terminada a fase dura da reconstrução europeia – com a qual contribuíram os EUA –, bem como a guerra contra a Coreia (em 1953), o governo dos EUA se voltou
de maneira mais intensa para a América Latina. Suas corporações transnacionais estavam
sedentas de ocupar na região o espaço que antes fora ocupado pelos capitais ingleses.
Os presidentes Getúlio Vargas, do Brasil, e Juan Domingo Peron, da Argentina, retomaram a proposta feita no
começo do século, pelo Barão do Rio Branco, para formar o Pacto ABC (Argentina, Brasil e Chile) como plataforma
para a integração do conjunto da região.
18
General Agreement on Trade and Tariff; em português: Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas.
19
Destacando-se Nasser no Egito, Nehru na Índia, Sukarno na Indonésia.
17
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Capítulo 12
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Além disso, na disputa pelo mercado mundial com as corporações alemãs e japonesas, que reconstruíam seu aparato produtivo com as tecnologias mais modernas,20 as transnacionais estadunidenses também teriam que se modernizar. Para isso, teriam que substituir suas máquinas antigas por máquinas modernas.
A estratégia que os Estados Unidos montaram implicava transferir essas fábricas
usadas para os países latino-americanos que já haviam começado seu processo de industrialização.21 Tal intento entrava em contradição direta com essas nações, já que estavam se
industrializando, no fundamental, com base no próprio esforço e no controle nacional sobre
a economia nacional. Era a época do nacional-desenvolvimentismo.
A política exterior dos EUA, que sempre esteve a serviço de seus interesses econômicos, foi imediatamente posta para operar no sentido de criar as condições para essa expansão de suas empresas. No interregno do governo John F. Kennedy, o Departamento de
Estado, retomando a tradição legada por Franklin D. Roosevelt, tentou praticar uma política
de “boa vizinhança”, principalmente através do programa Aliança para o Progresso.22
Mas, com a morte de Kennedy, a 22 de novembro de 1963, a agressividade da política externa dos EUA retornou com toda força. Conforme nos indica Toledo Machado: “Com
a ascensão presidencial de Lyndon B. Johnson, os ´falcões´[...] começaram a agir com maior
desembaraço, impondo a doutrina da inevitabilidade da terceira guerra mundial e da liderança militar dos EUA” (MACHADO, 2003: 260).
Para essa política, passou a ser de fundamental importância a substituição de governos latino-americanos que não estivessem de acordo com a abertura de suas economias para a entrada de capital estrangeiro. Sucederam-se, a partir daí, os golpes
militares na região. Como consequência, os novos governos instalados passaram a
alinhar-se automaticamente com a política do Departamento de Estado. E, como a
essa não interessava a efetivação da integração latino-americana, os acordos firmados para a criação da Alalc não saíram do papel.
Governos nacionalistas insistem na integração regional
A implementação da Alalc não conseguiu avançar. Mas ainda houve resistência por
parte de vários governos. A primeira delas partiu dos países andinos. Em 1966, Chile, Venezuela, Peru e Equador firmaram a Declaração de Bogotá com o objetivo de criar, no âmbito
A capacidade produtiva desses dois países havia sido praticamente dizimada durante a guerra, enquanto a
capacidade dos EUA, que não sofreram guerra em seu território, havia não apenas se mantido intacta, como se
expandido.
21
Ver Capítulos 5 e 6 deste livro. Também SOUZA (2005: 57).
22
A Aliança para o Progresso foi um programa lançado pelo presidente John F. Kennedy e institucionalizado, entre 5 e 17 de agosto de 1960, durante a reunião do Conselho Interamericano Econômico e Social da OEA, em Punta
Del Este (Uruguai). Era um Plano de 10 anos, com recursos orçados de US$ 500 milhões, oriundos basicamente dos
EUA, com vistas a combater as desigualdades econômicas e sociais da América Latina. Ao final, limitou-se basicamente a um plano assistencialista com o fornecimento de alimentos através do programa “Alimentos para a Paz”.
Ainda que tenha sido formalmente extinto apenas em 1969 pelo presidente Richard Nixon, na prática deixou de
funcionar com a morte de Kennedy e o início do apoio, pelo seu sucessor, aos golpes militares na América Latina
(1964) (VALENTE, 27 jul 2006).
20
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Capítulo 12
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
da Alalc,23 a Comunidade Andina de Nações, mais conhecida como Pacto Andino. Ela viria
a se consumar em 1969 através do Acordo de Cartagena.24
A segunda iniciativa ocorreu nos anos de 1970 entre Brasil e México. No Brasil, o
setor nacionalista das Forças Armadas assumira o governo, tendo à frente o general Ernesto
Geisel. Reagindo à recessão mundial deflagrada em 1974, Geisel implementou no país o II
Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que procurava combater o subdesenvolvimento e a crise através de medidas que reduzissem a dependência externa (SOUZA, 2008).
No México, Luis Echeverría Alvarez, que governou de 1970 a 1976, tinha posicionamento
idêntico. Dele nasceu, em 1975, a proposta de criação do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA).
Contando com a adesão de muitos países da região, os objetivos desse sistema
eram: coordenar posições governamentais nos foros internacionais; estimular a cooperação horizontal entre os países da região; apoiar os processos de integração
latino-americanos e propiciar ações coordenadas entre eles. A criação do SELA foi
importante para demonstrar a força do projeto ‘integracionista’ latino-americano
(PINTO, 2008: 122-23).
Como se vê, o SELA não era um bloco econômico, mas contribuía para a sua formação na medida em que propiciava ações coordenadas entre os vários governos da região. Ele
era reflexo de uma dupla determinação:
−− de um lado, a emergência da crise mundial debilitara a capacidade dos países centrais em manter sua pressão sobre os países em desenvolvimento;
−− de outro, aproveitando-se dessa situação, o Movimento de Países Não-Alinhados, depois de aprovar na Conferência de Argel em 1973 que o principal problema da época era a “contradição centro-periferia”, conseguiu, no
ano seguinte, que 110 países apresentassem e lograssem aprovar na sexta
Sessão Especial da Assembleia da ONU duas resoluções propondo o estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional, baseada na autodeterminação, na cooperação e na igualdade entre os povos (MACHADO,
2000).
A transformação da Alalc em Associação Latino-Americana de Integração
A década de 1970 foi a década de fortalecimento dos Não-Alinhados. Nesse contexto, foi retomado o projeto integracionista da América Latina. E assim se celebrou em 1980
um novo Tratado de Montevidéu, que transformou a Alalc na Associação Latino-Americana
de Integração (Aladi). Segundo Faria,
muito do conteúdo do novo tratado já estava expresso no documento anterior, e a
estrutura orgânica manteve-se essencialmente a mesma. Algumas mudanças significativas foram introduzidas, porém, relativamente aos objetivos e aos mecanismos
da Associação. Primeiramente, deixou-se de lado a intenção de instituir uma zona
de livre comércio, dando-se prioridade, a despeito do objetivo formal (declarado
Os acordos da Alalc previam a realização de blocos sub-regionais.
Voltaremos a falar desse bloco mais adiante.
23
24
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Capítulo 12
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
no Preâmbulo) de se criar um mercado comum, ao estabelecimento de uma zona de
preferências tarifárias regionais, o que representa uma abdicação aos objetivos que
antecederam a nova Associação. Em segundo lugar, deixou-se maior margem aos
Estados-Membros para celebrarem acordos bilaterais de complementação econômica, o que, em si, pode apresentar tanto vantagens quanto riscos para a integração
continental (FARIA, 1993: XV-XVI).
Aquilo que foi apresentado como retrocesso na nova associação pode significar,
na verdade, a adaptação às condições reais dos vários países a fim de garantir o
avanço possível. Assim, ao mesmo tempo em que se estabelecia uma meta mais
avançada do que a prevista na Alalc, ao propor a formação de um mercado comum,
procurava-se começar pela base, isto é, pela formação de uma Zona de Preferências
Comerciais.
Simultaneamente, ampliavam-se as possibilidades de acordos sub-regionais, como
forma de incentivar parcerias entre países de níveis de desenvolvimento semelhantes. Veremos adiante que foi exatamente esse mecanismo flexível que permitiu o
avanço do projeto integracionista a partir da década de 1980.
Na América do Sul, a integração avança mais rapidamente
O processo de integração latino-americano avançou mais rapidamente na América
do Sul: depois de muitos avanços e recuos, experimentou uma forte aceleração na década de
1980, com os acordos de cooperação entre Argentina e Brasil.
A criação do Mercosul no começo dos anos de 1990 veio se somar à outra experiência integracionista da região, o Pacto Andino, para dar uma nova qualidade ao processo de
integração sul-americana. Em 2004, deflagrou-se a fusão entre os dois blocos para dar lugar
ao projeto designado inicialmente de Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), depois
renomeado como União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
O processo de integração da América do Sul tem seu antecedente mais remoto na
formalização do Pacto A.B.C. promovido pelo Barão do Rio Branco no começo do século
XX, proposta que foi reapresentada pela Argentina na década de 1950. A criação da Alalc
em 1960 foi basicamente uma proposta sul-americana, pois dos países signatários apenas o
México não pertencia à região.
Esse processo teve continuidade nos anos de 1960 com a criação do Pacto Andino e,
na década de 1970, com a institucionalização dos contatos intergovernamentais através do
Sistema Econômico Latino-Americano (SELA). A transformação da Alalc na Aladi em 1980
criou as condições para a aceleração do processo integracionista a partir da década de 1980.
Um importante momento desse processo foi a formação do Grupo de Apoio a Contadora, criado em 1983 por Venezuela, México, Colômbia e Panamá, recebendo a adesão,
em 1985, do Peru, Brasil, Argentina e Uruguai. O objetivo era contribuir para a pacificação
da América Central (que estava em guerra civil) e para o fortalecimento da América Latina.
Em 1986, o Grupo de Contadora ampliou seus objetivos, passando a envolver-se
com o conjunto da problemática latino-americana. Receberia então o nome de Grupo do
Rio. Mesmo sendo um grupo de natureza eminentemente política, a aproximação entre seus
membros haveria de ensejar o aprofundamento do processo de integração econômica.
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Capítulo 12
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Em 1984, formava-se uma articulação baseada na esfera econômica. Reuniram-se em
Cartagena, Colômbia, os chanceleres e ministros da economia da Argentina, Brasil, Bolívia,
Chile, Colômbia, Equador, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela para
criar uma instância permanente destinada a discutir a problemática da dívida externa. Esse
grupo passou a ser conhecido como Consenso de Cartagena. Mesmo não havendo conseguido uma ação conjunta na negociação da dívida, tornou-se mais um exemplo de cooperação
entre os países latino-americanos.
Mas o eixo central da integração da América do Sul seria a aproximação entre Brasil
e Argentina. O fator decisivo para essa aproximação foi o apoio dado pelo governo brasileiro à Argentina por ocasião da Guerra das Malvinas, quando a Argentina, ao tentar recuperar
um território perdido para a Inglaterra – Ilhas Malvinas -, foi por esta agredida militarmente, com o apoio dos EUA.
Essa atitude contribuiu para a retomada da cooperação econômica entre os dois países, conforme se manifestou nos acordos estabelecidos em 1986 entre os governos do Brasil
e da Argentina, que desembocariam na criação do Mercosul.
Em 1993, foi dado mais um passo na integração sul-americana com a proposta, apresentada pelo governo brasileiro, de criação de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana
(Alcsa), que, em 2004, se transformaria num projeto de integração regional com o nome de
Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), depois rebatizada como Unasul.
A proposta de criação da Casa-Unasul implicou a união dos dois blocos existentes
na região (Comunidade Andina de Nações e Mercado Comum do Sul), além dos três países
que não participavam de qualquer desses blocos (Chile, Guiana e Suriname).
Os países andinos se integram no Pacto Andino
A formação da Comunidade Andina de Nações (CAN), também conhecida como
Pacto Andino, teve início em 1969. Criou-se então, através do Acordo de Cartagena (Colômbia), o Grupo Andino, constituído por Bolívia, Chile, Colômbia e Peru.
Em 1973, receberia a adesão da Venezuela e, posteriormente, haveria a defecção do
Chile.
O objetivo seria constituir uma União Aduaneira num prazo de 10 anos. Nesse período de transição, o bloco funcionaria como Área de Livre Comércio. No entanto, a transição
foi mais prolongada. Bolívia, Colômbia e Venezuela culminaram a abertura de seus mercados para os parceiros em 30 de setembro de 1992. O Equador completou seu processo em 3l
de janeiro de 1993 (COMUNIDADE ANDINA, 8 mar. 2005).
Na concepção andina, sua Área de Livre Comércio, diferentemente do Mercosul,
não contemplaria uma lista de exceções para os produtos mais sensíveis; todos os produtos
de seu universo tarifário seriam liberados. Desde o início, havia o compromisso de uma integração mais profunda, que, partindo das etapas iniciais, culminasse num Mercado Comum.
A segunda etapa do processo de integração, a União Aduaneira, teve início em 1995,
quando entrou em vigência a tarifa externa comum (TEC). Colômbia, Equador e Venezuela
acordaram tarifas de 5, 10, 15 e 20%, a depender do produto; a Bolívia, com tratamento preferencial, passou a praticar dois níveis tarifários: 5 e 10% (Ibidem). O Peru não assinou esse
acordo.
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Capítulo 12
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O bloco receberia o nome de Comunidade Andina de Nações (CAN) com a assinatura do Protocolo de Trujillo (Peru) em 1996. Os principais objetivos definidos foram:
a) promover um desenvolvimento equilibrado e harmônico entre os países-membros em condições de equidade, acelerar o crescimento por meio da integração
e da cooperação econômica e social;
b) impulsionar a participação no processo de integração regional, com vistas à
formação gradual de um mercado comum da América Latina, e procurar melhorar as condições de vida de seus habitantes (COMUNIDADE ANDINA, 5
fev. 2005).
O bloco também estabeleceu objetivos políticos. Em 1980, os presidentes dos Estados-partes firmaram em Riobamba (Equador) a Carta de Conduta que estabeleceu o caráter
democrático que deveria reger o ordenamento político sub-regional.
Ao longo do tempo, foram sendo criados os mecanismos de coordenação do bloco,
mas sua institucionalização só se completou em agosto de 1997 com a criação da Secretaria
Geral com caráter executivo (com sede em Lima) e do Conselho Presidencial Andino como
órgão de orientação e direção política.
A CAN, à época em que se converteu em União Aduaneira, possuía um PIB de US$
273 bilhões e uma população de mais de 117 milhões de habitantes, com PIB per
capita de US$ 2.333.
O bloco, até recentemente, vinha negociando em conjunto suas relações com outros
blocos econômicos, como Mercosul, União Europeia, Nafta, Apec e Assean (COMUNIDADE ANDINA, 10 mar. 2005).
No entanto, depois de 2004, com o fracasso do projeto da Alca, alguns países do
Pacto Andino deixaram-se influenciar pela ofensiva do governo dos EUA na região. Como
o projeto da Alca não prosperou, como veremos no próximo capítulo, a tática da administração estadunidense passou a ser a de promover acordos bilaterais com os países latinoamericanos. O fato de o Equador, o Peru e a Colômbia terem assinado esses acordos levou a
Venezuela a retirar-se da CAN e integrar-se ao Mercosul.
O cone sul se integra no Mercado Comum do Sul
O outro bloco econômico em desenvolvimento na América do Sul é o Mercado Comum do Sul (Mercosul). O antecedente mais imediato da formação desse bloco foi a Ata de
Integração Basil-Argentina firmada em 1986 entre os presidentes José Sarney (Brasil) e Raúl
Alfonsin (Argentina). Os dois foram os primeiros presidentes de seus países após o fim dos
regimes ditatoriais. Essa Ata, ao criar o Programa de Integração e Cooperação Econômica
(PICE), tinha um largo alcance para a política de integração sul-americana. Quem descreveu
muito bem seus objetivos foi Moniz Bandeira:
A determinação com que Alfonsin e Sarney trataram de promover a integração
econômica entre os dois países foi tanta que em apenas um ano se encontraram três
vezes (duas com a participação do presidente do Uruguai, Julio Maria Sanguinetti). E seus esforços para construir o ‘zollverein’, a partir de um projeto integrado
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de produção, comércio e desenvolvimento tecnológico do setor de bens de capital,
fornecimento de trigo, complementação do abastecimento alimentar e expansão
gradual, sustentada e equilibrada do comércio, com apoio à exportação do país deficitário, visou possibilitar que o Brasil e a Argentina alcançassem maior autonomia
e independência em relação ao mercado mundial, mediante crescente unificação
de seus espaços econômicos. A própria ênfase dada à integração do setor de bens
de capital, coração da indústria pesada e matriz do desenvolvimento tecnológico,
mostrou o propósito de aumentar, particularmente, a capacidade de auto-sustentação e auto-transformação de suas economias, estabelecendo o ciclo completo da
reprodução ampliada do capital, de forma independente, com a unificação dos dois
mercados (BANDEIRA, 2003: 464-65)
O passo seguinte foi a assinatura, em 1988, do Tratado de Integração, Cooperação e
Desenvolvimento entre Brasil e Argentina. O objetivo era criar
um espaço econômico comum, mediante a remoção gradual, em dez anos, de todos
os obstáculos tarifários e não-tarifários à circulação de bens e serviços, bem como
harmonizar e coordenar suas políticas aduaneiras, monetária, fiscal, cambial, agrícola e industrial (PINTO, 2008: 131).
Foram assinados nessas duas oportunidades 24 protocolos sobre os temas descritos
acima. Eles foram consolidados no Acordo de Complementação Econômica nº 14, assinado
em dezembro de 1990, no âmbito da Aladi. Esta foi a base para a criação do Mercosul.
Contraditoriamente, a proposta lançada em 1989 por George Bush, então presidente
dos EUA, conhecida como Iniciativa para as Américas, que visava conformar uma
zona de livre comércio do Alasca à Terra do Fogo, terminou acelerando o processo
de integração na América do Sul.
Apesar de serem a favor da proposta estadunidense, os governantes sul-americanos da época25, orientados por seu corpo diplomático, preferiram formar um bloco
regional como forma de fortalecer sua posição na negociação com os EUA. E precisamente esse foi um dos critérios estabelecidos no Tratado de Assunção que, em 26
de março de 1991, criou o Mercosul para integrar o Brasil, a Argentina, o Uruguai
e o Paraguai.
Os objetivos traçados foram os seguintes:
−− livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, por
intermédio, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários, de restrições tarifárias à circulação de mercadorias ou de qualquer medida de efeito
equivalente;
−− estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC), adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e
internacionais;
−− coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e outras – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial, de capitais, de
serviços, alfandegárias, de transporte e comunicação etc – que se viessem
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Capítulo 12
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acordar, com a finalidade de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-partes;
−− compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações nas áreas
pertinentes para lograr o fortalecimento do processo de integração (CARVALHO; SILVA, 2002: 235).
O objetivo estratégico era constituir um mercado comum, mas os governantes optaram por atingir esse objetivo através de etapas, a começar por uma Área de Livre Comércio,
passando depois por uma União Aduaneira.
Assim, da assinatura do Tratado até 31 de dezembro de 1994, dever-se-ia viver a
etapa de transição para uma Área de Livre Comércio. O objetivo dessa etapa era remover os
obstáculos tarifários e não tarifários à livre circulação de produtos.
Nessa etapa, a liberalização do comércio contou com duas estratégias:
−− um programa de desgravação progressivo, linear e automático de forma a
atingir tarifa zero em 31 de dezembro de 1994; e
−− eliminação progressiva das barreiras não tarifárias ou de medidas de efeito
equivalente sobre o comércio recíproco (Ibidem: 235).
Mas, como há o desnível no desenvolvimento dos países-membros, foram excluídos
do cronograma de desgravação os produtos indicados nas listas de exceções apresentadas
por cada país. O número de itens, porém, deveria diminuir à razão de 20% por ano até 31
de dezembro de 1994. Além disso, o Paraguai e o Uruguai tiveram um ano a mais de prazo
para cumprir esse cronograma.
A etapa seguinte seria a de transição para uma União Aduaneira. Em setembro de
1990, os presidentes do Brasil e da Argentina assinaram a Ata de Buenos Aires que estipulava a data de 1º de janeiro de 1995 para a entrada em vigor da União Aduaneira.
Seu instrumento principal seria a tarifa externa comum (TEC). Assim, em agosto
de 1994, foi decidida em Buenos Aires a tarifa externa comum para praticamente todo o
universo tarifário, inclusive os produtos sensíveis. Seu limite máximo foi estabelecido em
20%. Foi dado o prazo até 2001 para a adaptação de cada país a esse teto, estendendo-se até
2006 no caso dos produtos de informática. O objetivo era que nesse ano, quando terminaria
o período de convergência ascendente ou descendente das tarifas nacionais que ainda se
encontravam em regime de exceção, a TEC estaria implementada para todo o universo tarifário (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 25 nov. 2004).
Por se tratar de União Aduaneira, o conjunto da região teria que ser protegido de
produtos originados de outros países de fora do bloco. Daí a aprovação do Regime Geral
de Origem, que estabeleceu regras referentes à origem das mercadorias comercializadas
entre os países-membros. A regra básica foi a de que, para receber o tratamento de produto
regional, os produtos contemplados por tarifas privilegiadas deveriam possuir percentual
mínimo de 60% de valor agregado regional.
A implementação dos acordos destinados a concretizar o bloco regional exigiria, obviamente, a criação de uma estrutura institucional de coordenação e execução, além de um
conjunto de regras decisórias. São dois os órgãos decisórios:
−− o Conselho do Mercado Comum, que é o órgão superior, responsável pela
condução da política e a tomada de decisões destinadas à formação do bloco
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regional; é constituído pelos ministros das Relações Exteriores e da Economia dos países-membros;
−− o Grupo Mercado Comum, que é o órgão executivo, coordenado pelos Ministérios de Relações Exteriores, com representantes dos Ministérios da Economia e dos Bancos Centrais (OLIVEIRA, 2005: 22).
Uma decisão importante, adotada no Protocolo de Ouro Preto, foi o reconhecimento
da personalidade jurídica de direito internacional do Mercosul. Esse reconhecimento atribui
ao bloco econômico competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros
países, grupos de países e organismos internacionais.
No momento de sua conformação enquanto União Aduaneira, em 1995, o Mercosul
já representava um peso importante na economia mundial. Com uma população de
201,9 milhões de habitantes e uma área territorial de 11,86 milhões de quilômetros
quadrados, o bloco produzia um PIB de US$ 994,74 bilhões, o que dava um PNB
per capita de US$ 4.380,00. O peso da indústria na economia regional era de 35% e o
grau de urbanização, de 79% (CARVALHO; SILVA, 2002: 239, quadro 12.4). Como
agrupamento econômico, o Mercosul constituía o quarto maior mercado consumidor do mundo, depois do Nafta, União Europeia e Japão. Seu setor industrial é um
dos mais importantes dentre os países em desenvolvimento.
Consenso de Washington e neoliberalismo dificultam consolidação do Mercosul
No entanto, o Mercosul começou a ser implementado num período (década de 1990)
em que o Consenso de Washington e o neoliberalismo, com seu postulado de livre comércio,
começaram a orientar as políticas econômicas da região. Isso alterou em grande medida os
objetivos iniciais.
Concebido na década anterior pelos presidentes Sarney e Alfonsin como instrumento de desenvolvimento autônomo da região, com base em parcerias produtivas, particularmente nas áreas de bens de capital e tecnologias avançadas, converteu-se, nas mãos de Fernando Collor de Mello e Carlos Menem, num bloco que passou a priorizar o livre comércio.
Neste caso, “ao lado da redução das tarifas internas, também reduzia-se a chamada
tarifa externa comum (TEC) e se valorizavam as moedas locais, em verdadeiro subsídio aos produtos estrangeiros” (SOUZA, 2001: 107). Registre-se que, no momento
em que o Mercosul se converteu em União Aduaneira, em 1995, estabeleceu-se uma
TEC baixíssima para os padrões da época: 12,3% (BANDEIRA, 2004: 80)
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Daí decorreram dois problemas:
• a redução da TEC provocou um violento aumento das importações da região,
oriundas sobretudo dos EUA,25 gerando déficits nas balanças comerciais e
comprometendo seriamente o setor produtivo da região, incapaz de concorrer
com produção importada subsidiada, acarretando, como consequência, o aumento do desemprego;
• a redução indiscriminada, sem planejamento estratégico, das tarifas entre os
países-membros provocou o sucateamento de setores mais débeis dos países
menos desenvolvidos da região; essa situação se agravou depois da desvalorização da moeda brasileira em 1999.
O ministro da Economia da Argentina, Domingo Caballo, que retornara ao governo durante a crise que afetou o país,26 tentou utilizar esse fato para adotar medidas que, na
prática, comprometiam a existência do Mercosul.
O agravamento da crise argentina, porém, levou à queda do governo e à formação
de um novo governo mais comprometido com o Mercosul. Posteriormente, na gestão de
Néstor Kirchner, quando as mercadorias brasileiras voltaram a inundar o mercado argentino, o governo daquele país elevou as tarifas de importação de vários produtos brasileiros,
sobretudo os da linha branca.
Esses fatos serviram para acirrar a crítica daqueles que se opunham à constituição
de um bloco regional sul-americano e defendiam a formação da Área de Livre Comércio das
Américas (Alca).
Mercosul avança, apesar dos obstáculos
No entanto, apesar desses problemas, se formos examinar o Mercosul do ponto de
vista das correntes de comércio intrarregional27 e das negociações internacionais, o bloco
regional tem tido grande sucesso.
As trocas entre o Brasil e os demais membros do Mercosul aumentaram de US$ 3,6
bilhões em 1990 para US$ 18,5 bilhões em 1997. Houve um revés a partir de então
porque combinou-se a crise argentina com a desvalorização do real brasileiro,28 e
assim o comércio intrarregional baixou para US$ 8,9 bilhões em 2002. Mas, dali em
diante, com a retomada do crescimento argentino29 e a decisão do governo brasileiro de recolocar no centro da sua política exterior a integração regional, o comércio
intrarregional voltou a crescer: em 2008, a corrente de comércio entre o Brasil e os
outros países do Mercosul já havia atingido US$ 36,7 bilhões (MDIC-SECEX, 06 jan.
2009).
Conforme o Departamento de Comércio dos EUA, as exportações estadunidenses para o conjunto da América
do Sul praticamente duplicaram de 1991 para 1995, passando de US$ 15,9 bilhões para US$ 28 bilhões (SOUZA,
2001: 107).
26
Caballo fora ministro de Menem e reassumiu a função durante o governo de Fernando De La Rua.
27
Soma de exportações e importações.
28
A crise argentina debilitou sua capacidade de absorver produtos brasileiros, enquanto a desvalorização do real
tornou os produtos argentinos mais caros no Brasil.
29
O PIB argentino, de 2003 a 2006, cresceu a uma taxa média anual de 9% (PIB ARGENTINO, 27 jul. 2006).
25
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No final dos anos de 1990, o bloco já era o principal mercado para as exportações
brasileiras de manufaturados: na faixa de 28% em 1997-1998, contra 22,5% para os EUA.
No entanto, manifestam-se nesse intercâmbio dois problemas, que podem afetar o
processo de integração:
• há uma divisão do trabalho em que o Brasil é o principal beneficiário: exporta principalmente produtos industriais e importa preferencialmente produtos primários;
• o Brasil vem sendo crescentemente superavitário: seu superávit comercial
em relação aos demais países do Mercosul subiu de US$ 2,5 bilhões em 2004
para US$ 6,8 bilhões em 2008 (Ibidem).
saber:
O Mercosul, por sua vez, agiu como bloco em várias negociações internacionais, a
a) negociação de Acordos de Livre Comércio entre Mercosul e os demais membros da Aladi;
b) implementação do Acordo-Quadro-Regional de Cooperação Econômica e Comercial, firmado em dezembro de 1995 entre o Mercosul e a União Europeia;
c) a coordenação de posições no âmbito das negociações com vistas à formação
da área hemisférica de livre comércio (OLIVEIRA, 2005: 25).
Além disso, no período recente, o bloco regional tem buscado superar a prática inicial que concentrava a integração na esfera comercial. Passou a abarcar áreas como a coordenação de políticas externas, a cooperação em matéria de segurança internacional, de
assuntos judiciários e de educação. Assim,
a integração comercial propiciada pelo Mercosul também favoreceu a implantação
de realizações nos mais diferentes setores, como a educação, justiça, cultura, transportes, energia, meio ambiente e agricultura. Neste sentido, vários acordos foram
firmados, incluindo desde o reconhecimento de títulos universitários e a revalidação de diplomas até, entre outros, o estabelecimento de protocolos de assistência
mútua em assuntos penais e a criação de um ‘selo cultural’ para promover a cooperação, o intercâmbio e a maior facilidade no trânsito aduaneiro de bens culturais
(OLIVEIRA, 2005: 25).
Acrescente-se o Acordo sobre o “Visto Mercosul”, que confere tratamento preferencial e privilegiado aos cidadãos do Mercosul na legalização da prestação de serviços nos
Estados-partes.
Para dar prosseguimento à implementação do bloco, o Presidente brasileiro, Luiz
Inácio Lula da Silva, propôs aos demais membros, durante a Cúpula do Mercosul de junho
de 2003, em Assunção, Paraguai, as linhas gerais do programa “Objetivo 2006”, que visava
garantir a consolidação da União Aduaneira até 2006, a fim de abrir o caminho para o ingresso na etapa do Mercado Comum.
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Em 2006, o bloco foi fortalecido com o ingresso como membro pleno da Venezuela.30
Bolívia e Chile já haviam se integrado como membros associados.
A integração do conjunto da América do Sul: Unasul
Simultaneamente com a crise na Comunidade Andina de Nações, decorrente da realização de acordos bilaterais com os EUA, e com a discussão sobre a passagem do Mercosul para a etapa de Mercado Comum, desenvolviam-se as negociações para a formação da
Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que depois passou a se chamar União das
Nações Sul-Americanas (Unasul).
A Comunidade Sul-Americana de Nações, inicialmente com a sigla provisória de
CSN e depois de Casa, foi lançada por ocasião da terceira Reunião de Presidentes
da América do Sul, em 2004, na cidade de Cuzco (Peru) (MRE, 08.12.2004). Fora idealizada durante o governo Itamar Franco (1992-1994), quando o embaixador Celso
Amorim era chanceler. Mas, até chegar à concretização efetiva da proposta, percorreu um longo caminho.
Entre o fim do governo Itamar e o começo do de Lula, o projeto praticamente não
avançou. Durante os oito anos do governo Fernando Henrique, ainda que hajam ocorrido
vários eventos sobre o tema, a diplomacia brasileira não deu prioridade à integração sulamericana. Aquele governo utilizava esses eventos apenas como instrumento de barganha
no contexto das negociações sobre a Alca. Entre os principais fatos, podemos citar:
• em 1995, realizou-se em Montevidéu a primeira reunião de representantes
dos governos dos países-membros do Mercosul e da Comunidade Andina;
• em 16 de abril de 1998, foi firmado o Acordo Marco para a criação de uma
Zona de Livre Comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina, que estabeleceu, como etapa prévia, a negociação de um acordo de preferências
tarifárias fixas entre os dois agrupamentos sub-regionais;
• em agosto de 1999, os dois blocos assinaram o Acordo de Alcance Parcial
de Complementação Econômica, que estabelecia os passos iniciais para a
criação de uma Zona de Livre Comércio entre a CAN e o Mercosul (COMUNIDADE ANDINA, 16 mar. 2005);
• a I Reunião de Presidentes da América do Sul, realizada em Brasília nos dias
31 de agosto e 1º de setembro de 2000, tomou a decisão de retomar as negociações entre os dois blocos e estabeleceu o prazo limite de janeiro de 2002
para a criação de uma Área de Livre Comércio (ALC);
• essa negociação foi retomada em abril de 2001, com a finalidade de assinar
um acordo para criação da ALC entre os dois blocos (Ibidem);
• os chanceleres dos países andinos participaram da reunião ministerial de La
Paz, em julho de 2001, na qual se institucionalizou o diálogo e a cooperação
política entre a Comunidade Andina, o Mercosul e o Chile;
Só em 2008, esse ingresso foi aprovado pela Câmara de Deputados do Brasil, faltando ainda a aprovação pelo
Senado.
30
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• durante a II Reunião de Presidentes da América Sul, em Guayaquil, em julho
de 2002, os ministros das Relações Exteriores e de Comércio de ambos os
blocos concordaram com a necessidade de acelerar o processo das negociações comerciais.31
Como se vê, várias reuniões foram realizadas e nelas várias vezes foi decidida a
criação de uma Área de Livre Comércio entre a CAN e o Mercosul, mas essas decisões não
saíram do papel. A concretização efetiva da fusão entre os dois blocos foi colocada na prioridade da política externa brasileira a partir do governo Lula, quando o embaixador Celso
Amorim reassumiu a frente da diplomacia brasileira.
Assim, em dezembro de 2003, os governos dos países integrantes dos dois blocos
assinaram um Acordo de Complementação Econômica com o objetivo de integrá-los num
único bloco, incluindo o Chile, a Guiana e o Suriname, que não integravam qualquer dos
agrupamentos sub-regionais.
Mas a criação do novo bloco regional, a Comunidade Sul-Americana de Nações, só
seria formalizada em dezembro de 2004 em Cuzco (Peru), com seu desenho final
sendo aprovado pela I Cúpula da Comunidade Sul-Americana de Nações, realizada nos dias 29 e 30 de setembro de 2005 em Brasília (Brasil). Nesta última reunião,
o bloco passaria a se chamar União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
O objetivo não é apenas formar uma Área de Livre Comércio, como se esboçara nas
negociações anteriores. Nas discussões, o governo da Venezuela insistiu que a integração
meramente pelo comércio poderia significar desintegração, à medida que, na concorrência,
os países mais frágeis sairiam perdendo. Por isso, o eixo deveria ser a realização de parcerias
produtivas e na área de infraestrutura como forma de desenvolver o conjunto da região e
fortalecê-la no cenário internacional.
No texto de Cuzco que formalizou a criação da Comunidade, estão estabelecidas as
razões para a tomada dessa importante decisão:
A história compartilhada e solidária de nossas nações, que desde as façanhas da independência têm enfrentado desafios internos e externos comuns, demonstra que
nossos países possuem potencialidades ainda não aproveitadas tanto para utilizar
melhor suas aptidões regionais quanto para fortalecer as capacidades de negociação e projeção internacionais;
O pensamento político e filosófico nascido de sua tradição, que, reconhecendo a
primazia do ser humano, de sua dignidade e direitos, a pluralidade de povos e culturas, consolidou uma identidade sul-americana compartilhada e valores comuns,
tais como: a democracia, a solidariedade, os direitos humanos, a liberdade, a justiça
social, o respeito à integridade territorial e à diversidade, a não discriminação e a
afirmação da sua autonomia, a igualdade soberana dos Estados e a solução pacífica
de controvérsias;
A convergência de seus interesses políticos, econômicos, sociais, culturais e de segurança, como um fator potencial de fortalecimento e desenvolvimento e suas capacidades internas para sua melhor inserção internacional;
Resumo feito com base em OLIVEIRA (2005: 30-32).
31
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Capítulo 12
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A convicção de que o acesso a melhores níveis de vida de seus povos e à promoção do desenvolvimento econômico não pode reduzir-se somente a políticas de
crescimento sustentável da economia, mas compreender também estratégias que,
juntamente com uma consciência ambiental responsável e o reconhecimento das
assimetrias no desenvolvimento de seus países, assegurem uma distribuição de
renda mais justa e equitativa, o acesso à educação, a coesão e a inclusão social, bem
como a preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável (MRE, 8 dez. 2004).
Em outra parte do documento, fica igualmente evidente que o projeto pretende ir
além de uma Área de Livre Comércio:
O aprofundamento da convergência entre o Mercosul, a Comunidade Andina e o
Chile, através do aprimoramento da zona de livre comércio, apoiando-se, no que
for pertinente, na Resolução 59 do XIII Conselho de Ministros da ALADI, de 18 de
outubro de 2004, e sua evolução a fases superiores da integração econômica, social
e institucional. Os Governos do Suriname e Guiana se associarão a este processo,
sem prejuízo de suas obrigações sob o Tratado revisado de Chaguaramas (Ibidem).
Quanto ao mecanismo decisório, estabeleceram-se dois níveis: as decisões estratégicas do grupo serão tomadas durante reuniões dos chefes de Estado dos países-membros;
por outro lado, os chanceleres são responsáveis pelas deliberações administrativas e executivas do bloco.
São 12 os países que passaram a integrar o novo bloco: Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai pelo Mercosul; Bolívia, Equador, Colômbia, Peru e Venezuela pela CAN;
mais o Chile, Guiana e Suriname. Na época da sua constituição, reuniam 361 milhões de habitantes (Ibidem).
As dificuldades da integração física foram vistas, desde o início, como uma questão fundamental a ser enfrentada. Apesar de existirem importantes corredores estratégicos,
como o Eixo Mercosul-Chile, o Eixo Colômbia-Venezuela, o Eixo fluvial Paraguai-Paraná e
o eixo marítimo do Atlântico e Pacífico, a infraestrutura de comunicação intrarregional é de
baixa qualidade. Daí que, entre as decisões adotadas, está a Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) (ARAÚJO, 2004: 370).
Os governantes dos principais países da América do Sul na primeira década dos
anos 2000 demonstravam, cada um a seu modo, compromisso com o projeto integracionista.
É evidente que, nesse processo, ocorrem conflitos,32 pois, como em qualquer processo de integração, existem contradições a serem superadas. Mas a decisão de levar adiante o projeto
tem predominado.
No entanto, os limites ao avanço da integração sul-americana são, sobretudo, externos à região. Diante do fracasso da proposta de formação da Alca, substituída pelos governantes sul-americanos pelo projeto da Unasul, o governo dos EUA tem procurado dividir o
movimento integracionista mediante a oferta de acordos comerciais bilaterais com determinados países da região.
Haja vista o conflito entre Argentina e Brasil a propósito dos produtos da linha branca.
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Questionário
1. Por que os governos europeus decidiram implementar seu processo de integração
e por que decidiram acelerá-lo na década de 1980?
2. Quais as etapas da integração estabelecidas no Ato Único Europeu?
3. Por que a quebra dos direitos sociais fazia parte da estratégia de integração europeia?
4. Analise as possibilidades de a Europa competir com os EUA depois de completado seu processo de integração.
5. Quais as dificuldades enfrentadas pela Europa em seu processo de integração?
6. Defina os objetivos da Alalc e da Aladi e indique as dificuldades enfrentadas em
sua implementação.
7. Por que a Aladi, apesar de parecer um retrocesso no processo de integração da
América Latina, favoreceu o avanço desse processo?
8. Mostre as circunstâncias em que foi criada a CAN e quais seus objetivos.
9. Quais os objetivos do Mercosul? Em que circunstâncias ele foi criado?
10.Indique as dificuldades enfrentadas na implementação do Mercosul.
11.Mostre como avançaram as relações de comércio intrarregional após o Mercosul.
12.Analise o processo de criação da Unasul.
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_____________. Ascensão e queda do império americano. São Paulo: CPC-UMES/Mandacaru, 2001.
_____________. O colapso do neoliberalismo. São Paulo: Global, 1995.
_____________. A longa agonia da dependência: economia brasileira contemporânea (JK-FH).
2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 2005.
VALENTE, N. Aliança para o progresso. Disponível em: <http://www.unibes.com.br/index>.
Acesso em: 27 jul. 2006.
Editora Atlas
Capítulo 12
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 13
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
13
Protecionismo dos EUA contra o Brasil
As relações comerciais dos Estados Unidos com o Brasil foram profundamente afetadas por essa onda protecionista. No começo dos anos 2000, segundo o então embaixador
brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, 67 produtos brasileiros tinham acesso bloqueado àquele mercado por uma série de barreiras não tarifárias.
Levantamento feito pela Secretaria de Comércio Exterior em 2001 revelou que 60%
das nossas exportações sofriam algum tipo de restrição nos EUA (SOUZA, 2001: 103). Eram
barreiras não tarifárias tais como o estabelecimento de cotas, medidas de controle fito-sanitário, medidas antidumping, subsídios ao produtor interno, dentre outras.
A assimetria do protecionismo estadunidense é evidente. Estudo realizado pela Embaixada do Brasil em Washington revelou que os 20 principais produtos brasileiros exportados para os EUA sofriam uma tarifa de importação média de 39,1% naquele país, enquanto
o Brasil cobrava apenas 12,9% sobre os 20 principais produtos exportados pelos EUA. Isso
apesar de a tarifa média adotada nos EUA para o conjunto do mundo situar-se na época
entre 4% e 5% (SOUZA, 2005: 651)
Ainda segundo o citado embaixador brasileiro, no começo dos anos 2000, 130 produtos brasileiros enfrentavam tarifas acima de 35% no mercado estadunidense. Depois dessa constatação, concluiu o documento da Embaixada: “Lamentavelmente para o Brasil, há
uma grande coincidência entre as áreas nas quais incidem os subsídios e o protecionismo
americano e o nosso perfil exportador externo, o que atua em detrimento dos legítimos interesses dos nossos produtores eficientes” (cit. in SOUZA, 2005: 651).
Questionário
1. Analise as principais medidas protecionistas adotadas pelo governo dos EUA
contra o Brasil a partir do ano 2000.
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Referências bibliográficas
SOUZA, N. A. de. A longa agonia da dependência: economia brasileira contemporânea (JKFH). 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 2005.
_____________. Ascensão e queda do império americano. São Paulo: CPC-UMES/Mandacaru,
2001.
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Capítulo 13
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 14
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
14
Ou Alca ou Unasul
Havendo-se examinado as contradições do processo de integração da América do
Sul, mediante a avaliação de seus limites e possibilidades, proporcionam-se os elementos
para tentar trazer à luz quais as suas perspectivas e, dentro destas, qual a tendência principal. Os elementos revelados até agora indicam a incompatibilidade entre a criação da Alca
e da Unasul.
Se a Unasul se constituir enquanto mercado comum, com proteção externa comum
e livre mobilidade dos fatores, inclusive da força de trabalho, isso tenderia a inviabilizar a
Alca, já que o projeto dos EUA para sua constituição, além de pretender praticar o livre comércio para o conjunto do hemisfério – portanto, não abrigando a possibilidade de proteção
externa de uma sub-região –, não contempla a livre mobilidade de força de trabalho.
Se, por outro lado, a Alca chegasse a ser o projeto vitorioso, não haveria espaço para
a criação da Unasul, porque, ao constituir-se uma área de livre comércio para o conjunto das
Américas, não seria possível, dentro dela, conformar-se um bloco sub-regional que, sendo
mercado comum, se protegesse da entrada de produtos dos demais países integrantes da
Área de Livre Comércio mais abrangente.1
Por essas razões, a viabilidade da Unasul passou a depender, primordialmente, da
não consumação do projeto da Alca. Depois que as negociações da Alca chegaram
a um impasse, se fortalece a conformação da União Europeia e se constituíram na
região sul-americana governos comprometidos, em maior ou menor grau, com o
programa de integração, a tendência principal é que se conforme um bloco sulamericano, podendo vir a ampliar-se para outras áreas da América Latina.
Questionário
1. Mostre por que seria impossível conciliar a criação da Alca e da Unasul.
O bloco sul-americano até poderia manter a TEC para os países de fora do hemisfério americano, mas isso não
ajudaria muito a proteção dos países-membros frente à competição desigual oriunda dos centros de poder econômico, já que o principal centro – os EUA – estaria dentro do bloco. Além disso, os produtos dos países de fora do
hemisfério teriam mil formas de entradas desgravadas na região, pois poderiam ingressar através dos países que
não estivessem protegidos pela TEC ou graças aos acordos bilateriais ou plurilaterais que realizam.
1
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Capítulo 15
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
15
Crescimento dos “anos dourados” foi
muito baixo
Mostramos no Capítulo 10 do livro-texto Economia internacional contemporânea que,
apesar de haver melhorado a performance nos “oito anos dourados” da gestão Clinton, a
economia dos EUA não experimentou nenhum período de prosperidade: o ritmo de crescimento permaneceu num patamar baixo. Além disso, boa parte desse crescimento foi financiada com endividamento externo.
Surgiu, no entanto, a tese de que a economia estadunidense teria dado a volta por
cima e ingressado em seu mais longo período de prosperidade, alavancado por uma importante revolução tecnológica, que teria incrementado significativamente a produtividade do
trabalho no país.
Apresentamos no Capítulo 10 do livro-texto uma série de dados que comprovam o
contrário. Estudos da OCDE e dos economistas estadunidenses Stephen Oliner e William
Wascher demonstraram que não ocorria revolução tecnológica alguma nos EUA. Concluíram que “o foco de redução de custos concentrou-se mais no emagrecimento das estruturas
administrativas do que nas mudanças de produção”, isto é, em lugar do avanço técnico,
“terceirizou-se” a mão de obra para pagar uma remuneração mais baixa. O “foco da redução
de custos” também se concentrou no aumento da jornada de trabalho.
A conclusão desses mesmos economistas de que não estava havendo aumento da
produtividade do trabalho foi reforçada por estudo de Doug Henwood, editor do boletim
“Left Bussiness Observer”, e outro do economista Dennis Small (1999), que, usando como
medida de produtividade a produção por habitante e por quilômetro quadrado, concluiu
que a produtividade real nos EUA, isto é, escoimada dos efeitos da especulação financeira,
vinha baixando a uma média de 2% ao ano.
Se a produtividade estava estagnada, qual a origem do “crescimento americano” da
era Clinton? Pode conjeturar-se que não foi a economia real, física, que cresceu, mas apenas
e tão-somente a “riqueza financeira”. Ou seja, os EUA não estavam produzindo mais parafusos, comida, casas, roupas etc. Foram as ações e os títulos em geral que se valorizaram e
puxaram para cima a medida oficial do PIB. Era um “efeito riqueza” ilusório, era um mundo
de fantasia, que poderia desabar a qualquer momento.
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A tabela que exibimos adiante pode ser uma demonstração desse falso crescimento. Verifica-se nela uma evolução extremamente errática do crescimento trimestral
anualizado do PIB dos EUA de 1997 a 2000. A economia real, isto é, a produção de
bens e serviços, na indústria, na agricultura, na construção civil, nas minas, não
costuma evoluir dessa forma. A evolução da economia real depende do comportamento dos investimentos produtivos (e/ou da utilização da capacidade ociosa) e da
demanda.
E é evidente que nenhuma empresa, ou o governo, planeja de maneira tão irregular
seus investimentos, na medida em que eles dependem de variáveis tais como taxa de lucro,
taxa de juros, disponibilidade de recursos, expectativa de vendas etc., que não oscilam tanto
no curto prazo. Da mesma maneira, o consumidor, que dispõe de uma renda relativamente
fixa no curto prazo e costuma ter um padrão de consumo relativamente estável, também não
oscila muito suas despesas num período tão curto.
Tabela 15.1 EUA: evolução do PIB trimestral – 1997 – 2000 – taxa anualizada (%)
1º tri.97
2º tri. 97
3º tri. 97
4º tri. 97
1º tri. 98
2º tri. 98
3º tri. 98
4º tri. 98
4,4
5,9
4,2
2,8
6,5
2,9
3,4
5,6
1º tri. 99
2º tri. 99
3º tri. 99
4º tri. 99
1º tri. 00
2º tri. 00
3º tri. 00
4º tri. 00
3,5
2,5
5,7
8,3
4,8
5,6
2,2
1,0
Fonte: Departamento de Comércio dos EUA.
É por isso que o ciclo econômico produtivo da economia capitalista costuma evoluir
dentro de uma certa regularidade: emerge da crise, começa uma recuperação inicialmente
lenta, depois acelera até atingir um ponto máximo de acumulação, para, em seguida, mergulhar em nova crise, reiniciando todo o processo. A duração de todo esse processo, que era
de 10 a 12 anos no início da era capitalista, ultimamente tem estado na faixa de 4 a 5 anos.
A tabela da evolução do PIB estadunidense, no entanto, sugere que estaria havendo
um ciclo econômico a cada 9 ou 12 meses, pois indica recuperação num trimestre para, no
seguinte, chegar ao pico, no terceiro começar a desacelerar e no próprio terceiro ou no quarto atingir um crescimento mínimo. Por mais cheia de contradições que esteja a economia
dos EUA, não é provável, pelas razões indicadas no parágrafo anterior, a repetição de ciclos
produtivos tão curtos.
Essa avaliação foi confirmada em 2001 por uma revisão das estatísticas oficiais promovida pelo Federal Reserve. Comentando essa revisão, o articulista Floyd Norris, do The
New York Times, declarou: “após uma revisão, as estatísticas da produção industrial foram
seriamente reduzidas”. Reforçando essa avaliação, o estrategista-chefe da empresa de consultoria Fuji Futures, John Vail, comentou: “Os novos números mostram que a produção
industrial foi superestimada de maneira dramática.”
Portanto, é possível concluir que essa enorme volatilidade do PIB reflete, não a evolução da economia real, mas a também enorme volatilidade dos mercados financeiros. Basta
comparar a tabela em questão com o comportamento das bolsas estadunidenses no mesmo
período:
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Capítulo 15
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
• verifica-se um declínio e um “vale” no crescimento do PIB no segundo semestre de 1997, coincidindo com a queda das bolsas na época do crash asiático;
• depois, um novo “vale” em meados de 1998, coincidindo com a crise nas
bolsas provocada pela moratória russa;
• um outro “vale” no começo de 1999, época do estouro das contas externas
brasileiras;
• e, por último, um novo “vale” no segundo semestre de 2000, consequência
do naufrágio da bolsa Nasdaq.
Em suma, toda vez que as bolsas caíam ou oscilavam fortemente, reduzia o “crescimento” do PIB. Provavelmente, o que declinava não era o crescimento real do
PIB, mas a parte atribuída a ele a título de “riqueza puramente financeira”. Até o
presidente do banco central estadunidense, Alan Greenspan, chegou a questionar o
critério oficial de medição do PIB. Em conferência na National Association of Business Economics, em março de 2001, declarou que, “devido à estrutura mutante da
economia [diga-se: exacerbação da especulação financeira; nota nossa], é necessário
a aplicação de novos meios estatísticos”.
Se fosse possível desinflar a medida oficial do PIB, isto é, escoimá-la da “riqueza
puramente financeira”, produto da especulação, permanecendo apenas a parte de produção
real de bens e serviços, ficaria evidente seu estancamento.
Essa situação teria que esperar pelo colapso das bolsas para vir inteiramente à tona,
como ocorreu na economia japonesa desde o começo da década de 1990. Veremos que o
desabamento do índice Nasdaq1 de 2000 para 2001 foi um primeiro sintoma nessa direção.
Na época, como também veremos adiante, todos os fatores desencadeadores da recessão – queda da taxa de lucro e do consumo e aumento da taxa de juros, além das dificuldades crescentes nas contas externas – já estavam em andamento. É esse o ciclo de uma
economia que vive uma crise estrutural, como a estadunidense, que perdeu grande parte de
suas virtualidades para o crescimento: estancamento e crise.
Questionário
1. Indique por que é possível afirmar que a economia dos EUA estava estagnada nos
anos de 1990.
2. Explique por que, apesar da estagnação da economia real, o PIB dos EUA cresceu
na “era Clinton”.
É o índice que mede o valor das ações das empresas de alta tecnologia nos EUA.
1
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Capítulo 15
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referência bibliográfica
SMALL, D. A aritmética dos banqueiros versus a aritmética humana: sabe você contar? EIR, 1999.
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Capítulo 15
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 16
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
16
Exuberância irracional não tem base na
produtividade
Na virada do ano 2000, quando a recessão já havia se instaurado e Greenspan passara a apoiar o novo governo, presidido por George W. Bush, o presidente do Fed passou a
justificar a supervalorização das ações cotadas nessas bolsas. A tese que passou a defender,
em síntese, era a de que os avanços técnicos nos setores de alta tecnologia teriam aumentado
“significativamente o índice de crescimento básico da produtividade”, o que, por sua vez,
teria feito crescer a rentabilidade das empresas, valorizando o preço das ações.
E, por fim, os ganhos das aplicações em bolsa teriam contribuído “para uma substancial aceleração nos gastos com habitação, em novas casas,1 bens duráveis e outros tipos
de consumo em geral, até além do que era sugerido pelo aumento da renda real” (apud
SOUZA, 2001: 224). Ao mesmo tempo, o crescimento da produtividade e da rentabilidade
empresarial permitiria que a economia pudesse crescer sem inflação. Esse seria o segredo
do “milagre americano”.
Seu objetivo, certamente, era tentar mostrar que não haveria um crash nas bolsas e,
portanto, os EUA superariam com facilidade a recessão que já se iniciara.
Mas havia um fato incontestável que comprometia seriamente a veracidade desse
raciocínio: entre 1994 e janeiro de 2000, o índice Dow Jones, da bolsa de Nova Iorque, triplicou enquanto o PIB aumentou em apenas 30%.2 Ou seja, as ações experimentaram uma
valorização cerca de sete vezes o crescimento da produção e da renda. E vale dizer que boa
parte desse crescimento do PIB foi inflada artificialmente, na medida em que, como mostramos anteriormente, contabilizava os ganhos especulativos obtidos nas bolsas e uma gama
enorme de “serviços” que nada produzem. Não havia, portanto, como explicar essa supervalorização das bolsas pelo crescimento da produtividade e da lucratividade das empresas.
Era mera especulação.
E mesmo essa produtividade foi questionada. Até o economista-chefe do Morgan
Stanley Dean Witter, Stephen Roach, chegou a contestar os índices que vinham sendo usados para medir a evolução da produtividade nos EUA. No artigo “As charadas da nova economia”, ironizou o fato de que os mesmos critérios que estavam sendo usados para mensurar a produtividade haviam sido largamente contestados quando os índices de crescimento
anuais eram menores (1,5%), mas deixaram de sê-lo quando passaram a se divulgar índices
na faixa dos 3% anuais. Para ele, “os resultados da produtividade estão seriamente distorcidos”.
Veremos no próximo capítulo o equívoco dessa avaliação. A crise iniciada em 2007 revelou que a expansão dos
negócios imobiliários teve, como fundamento, não os ganhos no mercado financeiro, mas o crescente endividamento familiar.
2
Dados coligidos pelo prof. Robert Shiller, da Universidade de Yale, que escreveu um livro intitulado Exuberância Irracional.
1
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Um argumento utilizado por ele era o de que, apesar do importante crescimento dos
investimentos em tecnologia da informação, a parte referente às reposições correspondia
a 75% do total, donde concluiu que “a expansão líquida da capacidade produtiva foi mais
limitada”.
Portanto, até no coração do chamado setor de alta tecnologia, que seria responsável
pelo ”milagre econômico”, havia um crescimento líquido insignificante da capacidade produtiva e, portanto, da produtividade. Já mostramos anteriormente que havia outras fortes
indicações de que não teria havido o decantado avanço da tecnologia e da produtividade
nos EUA. Uma dessas indicações dizia respeito ao aumento da jornada de trabalho. Stephen
Roach confirma que esse expediente estava sendo largamente usado no setor de serviços,
cujos “trabalhadores estão trabalhando muitas horas além dos limites do dia de trabalho
medidos oficialmente”.
O crescimento da produtividade não poderia, portanto, ser usado para explicar a
“exuberância irracional” das bolsas nos EUA. Essa fúria especulativa não podia se sustentar
na economia real e, por isso mesmo, era insustentável. O que ajudou a mantê-la foi o clima
artificial de euforia, alimentado pela mídia, criado à base de uma ficção: a de que a economia
estadunidense estaria vivendo um “milagre”, que estaria ocorrendo sobretudo na chamada
nova economia, a da tecnologia da informação, Internet e congêneres.
Mas foi justamente essa “nova economia” que expôs toda sua vulnerabilidade quando, no começo do ano 2000, um grupo de hackers atacou e tirou da rede os portais das principais provedores da Internet nos EUA, instalando o pânico em Wall Street. Foram também
as ações dessa “nova economia” que primeiro desabaram, mostrando que tudo não passava
de gigantesca bolha especulativa.
Questionário
1. Sintetize a análise feita por Alan Greenspan para justificar a exuberância das bolsas, indicando a crítica que lhe é feita.
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Capítulo 16
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Referência bibliográfica
SOUZA, N. A. Ascensão e queda do império americano. São Paulo: CPC-UMES\Mandacaru, 2001.
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Capítulo 16
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Capítulo 17
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
17
Ameaça de nova recessão mundial em
2001 veio dos EUA, e não da OPEP
Portanto, a ameaça de nova recessão mundial, com risco de depressão, vinha dos
EUA, e não da OPEP. Vinha então sendo promovida uma campanha pela mídia anunciando que os aumentos de preço do petróleo a partir de 1998 seriam os responsáveis por uma
provável explosão financeira.
Era uma repetição do clima que se criara em 1974, quando a economia mundial mergulhou em profunda recessão e procurou-se atribuir a responsabilidade exclusiva aos países
da OPEP, que, depois de um esforço conjunto, haviam iniciado a recuperação de parte das
perdas que sofriam com a depressão do preço do produto.
Na década de 1970, o epicentro da crise foi a economia estadunidense. Graças à sua
perda de capacidade de competir com o Japão e a Alemanha, vinha sofrendo déficits em sua
balança comercial desde os anos de 1960 e, com isso, vinha perdendo sistematicamente suas
reservas cambiais.
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Capítulo 18
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
18
O impacto da crise sobre os países emergentes
Neste texto, examinaremos o impacto da crise iniciada em 2007 nos países ditos
emergentes. Concentraremos nossa análise em dois dentre os principais BRICs:1 Brasil e
China.
Examinaremos, inicialmente, três hipóteses para o impacto da crise estadunidense
nessas economias: a do “descolamento”, a de que haverá impacto negativo e a do “recolamento”.
O debate sobre o “descolamento”
Depois de iniciada a crise financeira nos EUA, deflagrou-se, em nível internacional,
o debate sobre seu impacto nos chamados países emergentes. Um momento importante desse debate ocorreu por ocasião do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça,
em janeiro de 2008. Três posições foram postuladas a partir de então.
A primeira “tese” apresentada foi a de que haveria um “descolamento” da economia dos países emergentes em relação às turbulências originadas na economia
estadunidense. Nessa visão, esses países sofreriam um impacto pequeno à medida
que estariam mais preparados para enfrentar crises internacionais. Isto porque contariam com grandes volumes de reservas cambiais, um forte superávit na balança
comercial; além disso, sua dinâmica econômica interna seria fortemente influenciada pelo crescimento da demanda interna.
Essa posição foi defendida pelos principais membros da equipe econômica do governo brasileiro, sobretudo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco
Central, Henrique Meirelles. Ainda que tenham se concentrado na questão brasileira, é possível situá-los entre aqueles que postularam o “descolamento” dos principais países emergentes, já que estes se encontrariam em situação semelhante à do Brasil.
Segundo Meirelles,
hoje em dia, vivemos num regime de câmbio flutuante, não mais de câmbio fixo, e
temos reservas (em moeda forte) muito elevadas. Esta combinação de fatores positivos na área externa é extremamente vigorosa. Hoje, o saldo das contas externas
Sigla utilizada para designar os principais dos países emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China.
1
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brasileiras deixa claro que, mesmo numa situação de catástrofe internacional, teremos uma capacidade de resistência muito longa, suficiente para que o câmbio flutuante possa fazer os ajustes necessários sem pânico. Além disso, houve um ajuste
interno. Hoje, temos a dívida pública líquida total que representa um percentual
cadente do PIB. Temos também um Banco Central que tem dado provas sistemáticas de seu compromisso com o regime de metas inflacionárias. É isso que faz com
que a economia esteja estabilizada. Pela primeira vez no Brasil estamos colhendo o
que chamo de ‘os dividendos da estabilidade’. Durante muitos anos, só tivemos o
custo da estabilização, mas a estabilidade nunca chegava (MEIRELLES, 11 fev. 2008).
A segunda “tese” postulou que, ao contrário, os países emergentes seriam afetados
pela crise. Em Davos, um dos principais defensores dessa posição foi o ex-secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers: “O Brasil está numa posição muito melhor do que quando tivemos dificuldades econômicas no passado, mas acho
que qualquer um que confie totalmente na tese do descolamento está fazendo uma
aposta arriscada” (cit. in DANTAS, cit.).
Essa posição também foi apresentada pelo ex-vice-presidente do Banco Mundial,
Joseph E. Stiglitz: “Não pode haver desaceleração longa e profunda na maior economia do
mundo sem ramificações. Argumentei por muito tempo que o conceito de descolamento era
um mito; agora, surgiram novas provas” (STIGLITZ, 29 dez. 2008: B6).
No Brasil, entre os que defenderam essa posição estava o ex-diretor do Banco Central, Alkimar Moura. Disse ele: “não existe descolamento no mercado. A queda nas Bolsas
reflete isso. Se o problema americano for suave, aí estamos relativamente protegidos. Se for
maior, tem efeitos diretos e indiretos como queda nas exportações” (Apud SCIARRETTA,
19 jan. 2008: B5).
Posição semelhante, ainda que por razões diferentes, foi defendida pelo representante brasileiro na diretoria do FMI, Paulo Nogueira Batista Jr. Segundo ele, “ninguém imagina, é claro, que o nosso país ficará imune à crise, especialmente se ela for longa e profunda” (BATISTA JR., 31 jan. 2008: B2).
O impacto, segundo Moura, se refletiria, sobretudo, na queda das exportações; já Batista Jr. concentra sua análise nos “pontos de vulnerabilidade”, expressos, principalmente,
no significativo volume de recursos especulativos dentro do país.
A terceira “tese” defendia a posição de que, ao contrário do “descolamento”, o que
poderia ocorrer seria o “recolamento”. Na sua formulação original, em lugar de
serem afetados pela crise nos EUA, os países emergentes é que iriam puxar as grandes economias. Foi apresentada em nível internacional pelo Banco Mundial, para
o qual o forte crescimento econômico dos países emergentes poderia impedir uma
maior desaceleração da economia mundial (BIRD, 2008).
Essa avaliação foi assumida no Brasil pelo ex-presidente do BNDES e ex-ministro
das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Usando, figurativamente, a “teoria
dos dominós” e partindo da constatação de que os países emergentes (liderados pela China) vinham contribuindo com um percentual maior no crescimento mundial e tendiam a
aumentar esse diferencial em 2008, concluiu Barros que a economia dos emergentes poderia
ajudar a alavancar a economia mundial (BARROS, 08 fev. 2008: B2).
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Capítulo 18
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
Se considerarmos apenas os chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), que
em 2006-2007 representavam, pelos cálculos do FMI, 27% do PIB mundial, sua contribuição
para o crescimento mundial teria sido de 47% em 2005-2006, com estimativa de 51,5% em
2007-2008 (RAMON, fev. 2008: 20-22).
Os dois cenários
Para examinar essas alternativas, tem-se que levar em consideração que, dado o
grau a que chegaram as relações econômicas internacionais (examinadas em capítulos anteriores), uma crise internacional inaugurada na principal economia do planeta tenderia a
afetar o conjunto das economias nacionais.
No entanto, a profundidade desse impacto e sua duração em cada economia nacional dependeriam, de um lado, das suas condições econômicas internas e da sua forma de
inserção internacional e, de outro, da forma de reação de seus governos diante de referido
impacto.
É possível conjeturar que, durante a crise iniciada em 2007, os governos dos principais países emergentes contavam com condições mais favoráveis do que as que
dispunham nos anos de 1990 para, diante da crise, adotar medidas no sentido de
proteger e fortalecer suas economias. No entanto, como veremos, as condições adversas também eram muito fortes.
Consideremos dois cenários: um de curto prazo e outro de médio/longo prazo:
−− no cenário de curto prazo, devemos examinar o impacto da turbulência financeira deflagrada nos EUA sobre a situação financeira dos países emergentes;
−− no médio/longo prazo, examina-se o impacto tanto da turbulência financeira
quanto da recessão (dela derivada) das economias estadunidense e mundial
sobre a balança comercial e a atividade econômica nesses países.
Cenário de curto prazo
Comecemos pelo primeiro cenário. Consideramos corretas as alegações de que esses
países estariam mais preparados para se defender do impacto de crises financeiras internacionais. Vários fatores possibilitavam que eles pudessem defender-se melhor de uma eventual contaminação financeira da crise externa, a saber:
a) um elevado volume de reservas cambiais e de um saldo positivo e elevado na
balança comercial;
b) a dinâmica econômica vinha sendo alavancada principalmente pelo crescimento do mercado interno, tanto de bens de consumo quanto de meios de produção;
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Capítulo 18
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
c) um elevado volume de poupança interna e um baixo nível de endividamento.2
No caso da China, além das condições indicadas, o fato de contar com um forte peso
do Estado na economia permitia uma maior capacidade de utilizar os instrumentos capazes
de proteger sua economia. Podemos citar dois exemplos desse tipo de instrumento:
−− o fato de o Estado dispor de um maior controle sobre o sistema financeiro interno possibilitaria uma ação mais coordenada e planejada sobre o impacto
financeiro da crise mundial;
−− o fato de não adotar o regime de câmbio flutuante, e sim o de câmbio administrado, ensejaria a utilização da taxa de câmbio como mecanismo de atingimento dos objetivos da política nacional de comércio exterior.
Os bancos chineses, por sua vez, diferentemente dos europeus, jamais entraram nos
negócios dos derivativos e das hipotecas dos EUA.
O vertiginoso crescimento econômico da China no período anterior3 a havia levado
a transformar-se na segunda ou terceira economia do planeta, de acordo com o critério de
medição e conversão do PIB em dólar:
−− pelo critério convencional, que transforma o PIB em dólar pela taxa de câmbio oficial, o PIB chinês em 2007 era de US$ 3,764 trilhões, abaixo dos US$
4,4 trilhões do Japão e dos US$ 13,8 trilhões dos Estados Unidos (CHINA, 14
jan. 2009);
−− pelo critério de Paridade do Poder de Compra, que considera o poder de
compra interno da riqueza gerada, o PIB chinês seria de US$ 10 trilhões,
abaixo apenas da economia dos EUA (LACERDA, 03 mar. 2007: A3).
Mas a contaminação externa sobre as finanças da China e do Brasil poderia provir
de quatro fontes:
a) os gestores dos grandes bancos e fundos financeiros internacionais poderiam,
para fazer face a prejuízos sofridos com a desvalorização de seus ativos financeiros (em 2008, as bolsas do mundo já haviam revelado perdas de US$ 27
trilhões), tentar retirar recursos aplicados em países em desenvolvimento, provocando uma fuga de capitais e de reservas e, em consequência, uma desvalorização descontrolada das suas moedas;
b) esses mesmos gestores poderiam, igualmente, realizar ataques especulativos a
determinados países em desenvolvimento, retirando deles seus capitais, a fim
de forçar seus bancos centrais a elevar as taxas de juros;
c) dado o elevado peso do investimento direto estrangeiro no interior de muitos
desses países, as matrizes das transnacionais, com vistas a cobrir seus prejuízos, poderiam aumentar significativamente a transferência de lucros a partir de
suas sucursais;
No caso do Brasil, a dívida líquida do setor público, que representava 58% do PIB no final de 2002, baixou esse
percentual para 36% no final de 2008. Poderia ter caído mais ainda não fossem as elevadas taxas de juros praticadas
no período pelo Banco Central. Além disso, com o crescimento das reservas cambiais e a liquidação de parcelas
importantes da dívida externa, em 2008 o país passou a ser um credor líquido internacional.
3
O PIB do país cresceu, em média, a 9,8% ao ano nos últimos 30 anos – isto é, de 1979 a 2008.
2
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Capítulo 18
Economia Internacional Contemporânea - Nilson Araújo de Souza
d) poderia secar a fonte de financiamentos externos para a exportação e dos créditos internos para capital de giro e o crediário ao consumidor.
A China estaria mais protegida das ações especulativas, porque, além do elevadíssimo volume de reservas cambiais – fechou 2008 com US$ 1,95 trilhão –, possuía maior controle sobre seu sistema financeiro e sobre sua taxa de câmbio. Mas nem por isso deixou de
sofrer uma forte queda na bolsa.
As economias dos BRICs não sofreram imediatamente o impacto da crise iniciada
em 2007, revelando que, de fato, estavam mais protegidas. No entanto, depois do agravamento da crise nos EUA em setembro de 2008, aquelas economias começaram a ser contaminadas pela crise.
A principal expressão foi a forte queda nas bolsas de valores (ver Tabela 15.1). Dos
15 principais países que operam com bolsas de valores, a queda dos índices em 2008 foi mais
violenta, por ordem, na Rússia (67,29%), China (65,16%) e Índia (52,11%). O Brasil ficou em
8º lugar (41,22%). A queda nas bolsas poderia significar que os recursos externos nelas aplicados teriam começado a converter-se em moeda externa para sair do país.
No Brasil, também houve suspensão dos créditos externos para exportação e dos
créditos internos para capital de giro e crediário ao consumidor. A forte suspensão dos empréstimos implicou em grande queda das vendas e da produção de bens de consumo duráveis, sobretudo automóveis, no último trimestre de 2008.
Mesmo dispondo de recursos, inclusive liberados pelo BC, os bancos brasileiros preferiam emprestar ao próprio governo do que correr o risco de repassar ao tomador final. A
elevada taxa de juros praticada pelo BC certamente contribuiu para essa “preferência”.
No Brasil, também houve forte remessa de lucro para o exterior. Houve um aumento
de 51% em relação ao ano anterior, atingindo a cifra recorde de US$ 33,875 bilhões.
A intensa queda nas bolsas, no entanto, não se traduziu imediatamente em fuga de
capitais. Até o começo de 2009, não havia ocorrido uma fuga em massa. Muitos capitais que
saíram das bolsas permaneceram dentro dos países. Expressão disso era a relativa estabilidade e, em alguns casos, até aumento do volume de reservas cambiais.4
forma.
Isso mostra que os fatores de defesa citados anteriormente funcionaram de alguma
Isso não significa, porém, que esses países estivessem imunes a um eventual ataque
especulativo ou à saída em massa de capitais para cobrir prejuízos dos bancos e fundos nos
países centrais. Só significa que estavam com mais “bala na agulha” para enfrentar uma situação adversa como essa.5
No caso da China, houve aumento de 27,3% no volume das reservas entre dezembro de 2007 e dezembro de
2008; inclusive, depois do agravamento da crise em setembro de 2008, as reservas chinesas ainda cresceram 2,12%.
No Brasil, houve aumento das reservas de US$ 180,3 bilhões em dezembro de 2007 para US$ 206,8 bilhões em dezembro de 2008.
5
Entre os BRICs, a exceção foi a Rússia: altamente dependente da exportação de petróleo, teve sua balança comercial e sua economia fortemente deterioradas pela violenta queda do preço desse produto no segundo semestre
de 2008: de US$ 145,29 em 1º de julho para US$ 35,00 no final do ano.
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Capítulo 18
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Caso viesse a se manifestar essa ameaça de fuga de capitais, os governos desses
países teriam que estar preparados para bloqueá-la a fim de proteger suas reservas
internacionais. Para isso, alguma forma de controle do movimento de capitais especulativos teria que ser implementada.
Caberia, também, diversificar a aplicação das reservas no exterior, já que estava
muito concentrada em títulos dos EUA, ou seja, do país cuja economia se tornara o
epicentro da crise: a China passara a ser, em setembro de 2008, o principal credor
daquele país; o Brasil, o quinto.
O impacto de médio/longo prazo
guinte:
No cenário de médio/longo prazo, a questão que se colocou desde o início foi a se−− dado o agravamento e possível prolongamento da crise mundial, bem como
a eventual fuga em massa de capitais dos países emergentes, que efeito isso
teria sobre a balança comercial e a atividade econômica nos países emergentes?
Com relação a uma possível fuga de capitais, o resultado dependeria da reação de
cada governo. Se a decisão fosse a de deixar o câmbio flutuante promover o “ajuste”, coadjuvado por juros e superávits primários elevados, o resultado seria a forte desaceleração da
economia, além de reacender a chama inflacionária.
Isso porque, uma desvalorização descontrolada da moeda poderia pressionar os
preços para cima, enquanto os juros elevados e a queda dos investimentos públicos ou a
elevação dos tributos (como forma de aumentar o superávit primário), ao retirar dinheiro de
circulação, desanimariam a atividade produtiva, tanto privada quanto pública.
O Brasil estaria mais vulnerável do que a China porque, além de adotar o câmbio
flutuante, tinha, comparativamente, um menor volume de reservas cambiais.6
No entanto, se, em lugar de deixar o câmbio flutuar livremente e de elevar os juros
e o superávit primário, o governo brasileiro optasse por administrar sua taxa de
câmbio, como faz a China, e proteger suas reservas cambiais mediante alguma forma de controle de capitais, os juros e o superávit primário poderiam ser reduzidos,
estimulando, assim, a demanda interna e a atividade produtiva.
Quanto ao possível impacto de uma recessão ou até mesmo depressão nos EUA
sobre a balança comercial e a atividade econômica nos países em desenvolvimento, cabe registrar, em primeiro lugar, que, também neste aspecto, a maioria das economias emergentes
estavam mais preparadas do que nas crises que ocorreram nos anos de 1990.
Um aspecto decisivo é o fato de que os EUA já não têm o peso na economia mundial de antes. Segundo cálculos do FMI, com base no PIB medido por Paridade do Poder de
Compra, a participação dos EUA na economia mundial, em 2006, era de 19,7%, vindo a China em segundo lugar, com 15,1% (CANZIAN, 27 jan. 2008: B3). Ou seja, o impacto mundial
da crise iniciada nos EUA, ainda que grande, já não teria a mesma força do passado.
US$ 206,8 bilhões contra US$ 1,95 trilhão em dezembro de 2008.
6
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Além disso, houve mudanças nas economias dos BRICs que as tornaram menos dependentes da dinâmica da economia dos EUA. Destacam-se duas a seguir:
−− em primeiro lugar, mesmo que suas exportações ainda dependam do mercado estadunidense, houve uma forte diversificação de seus mercados, à
medida que passaram a intercambiar mais entre si e com outros parceiros
comerciais;7
−− apesar da forte contribuição das exportações para o dinamismo recente dessas economias, o mercado interno vem evoluindo positivamente no período
recente.8
Isso significa duas coisas:
a) que a economia desses países emergentes, para seguir exportando e se expandindo, depende menos do mercado estadunidense;
b) que, graças à expansão do mercado interno, depende menos das exportações
do que antes para manter o crescimento.
No entanto, aqui também há alguns elementos de vulnerabilidade:
• os importadores desses países – tais como União Européia, América Latina,
“tigres asiáticos” – dependem, em certa medida, de suas exportações para
o mercado estadunidense; isso significa que, com a recessão nos EUA, eles
tendem a diminuir suas exportações, contraindo, em consequência, suas importações oriundas dos BRICs;
• as importações de vários desses países, a começar pelo Brasil, vinham crescendo a um ritmo muito superior ao das exportações,9 gerando um “desequilíbrio dinâmico”, que estava deteriorando o saldo positivo na balança
comercial; isso poderia levar alguns desses países a depender novamente da
entrada de capitais externos para fechar seu balanço de pagamentos, como
já ocorreu no passado com o Brasil e a Rússia;10
• ainda que o dinamismo recente dessas economias viesse sendo puxado pela
expansão do mercado interno, as exportações ainda têm um peso importante na sua dinâmica: no caso do Brasil representaram em 2007 12,2% do PIB;
no caso da China, uma cifra bem maior: 36%.
No caso do Brasil, a participação dos EUA na sua pauta de exportação chegou a superar os 30% na segunda metade da década de 1990; em 2007, não passava de 17% (Fonte: MDIC, 20.02.2008a); a China, por sua vez, aumentou
seu comércio com os “tigres asiáticos” e com a África.
8
No Brasil, o conjunto da demanda interna (incluindo bens de consumo e meios de produção) cresceu 5,2% em
2006 e 7% em 2007, segundo estimativa da LCA Consultores (FOLHA DE S.PAULO, 25 fev. 2008: B2); na China, os
novos dirigentes que assumiram o comando do governo em 2007, liderados pelo presidente Hu Jintao e o primeiroministro Wen Jiabao, tiveram sua posição em favor da maior dinamização do mercado interno aprovada no congresso partidário, contra a posição dos dirigentes anteriores, que propugnavam o crescimento a qualquer custo.
9
Em 2007, no Brasil, as importações cresceram 32,04% contra 16,58% das exportações; essa dinâmica se reproduziu em 2008: 43,6% contra 23,2%.
10
No Brasil o déficit em transações correntes retornou fortemente em 2008 (US$ 28,3 bilhões), devido à queda do
superávit comercial (de US$ 40 bilhões em 2007 para US$ 24,7 bilhões em 2008) e ao amento de 51% das remessas
de lucros, que atingiram US$ 33,88 bilhões em 2008.
7
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Isso significa que uma eventual queda das exportações, derivada da contração da
economia estadunidense, poderia afetar a balança comercial dos países em questão, aumentando as perspectivas de queda do superávit comercial, e repercutir negativamente, ainda
que em grau menor (graças ao mercado interno), na atividade econômica interna, à medida
que, vendendo menos no exterior, as empresas passariam a produzir menos.
Isso não se refletiria necessariamente na queda da produção interna por um período
prolongado, isto é, em um processo recessivo, mas se poderia perder, a depender da dimensão da retração das exportações, alguns pontos na taxa de crescimento do PIB, além de
poder ocorre uma retração econômica por um período curto.
A economia real dos BRICs, na verdade, começou a ser impactada pela crise internacional no último trimestre de 2008.
A produção industrial brasileira, que, na base anualizada, cresceu a 6,4% até setembro, fechou o ano em 3,1%, devido à forte retração econômica ocorrida no último
trimestre do ano, quando a produção industrial caiu 6,2% contra igual trimestre do
ano anterior (IBGE, 10 fev. 2009).
A correia de transmissão foi o desaparecimento do crédito. Primeiro, os bancos internacionais deixaram de financiar as exportações brasileiras. Segundo, os bancos
instalados no Brasil começaram a segurar o crédito interno para o capital de giro
das empresas e para o crediário dos consumidores.
O PIB chinês, que vinha crescendo a uma taxa média de 10% nos três primeiros trimestres de 2008 (CHINA, 14 jan. 2009),11 aumentou apenas 6,8% no último trimestre do ano. Ao longo de 2008, o PIB cresceu 9%, 4,5 pontos abaixo do crescimento
de 2007.
Um crescimento econômico ainda elevado para os padrões internacionais, mas em
declínio. Conforme a Tabela 18.1, nos sete anos anteriores, a economia chinesa estava em processo de aceleração.
Tabela 18.1 China: crescimento do PIB – 2001 – 2007 (%)
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
8,3
9,1
10,0
10,1
10,4
11,6
13,5
Fonte: Bloomberg
A correia de transmissão para a desaceleração chinesa foi a queda do ritmo de crescimento das exportações,12 a queda da rentabilidade dos recursos aplicados em títulos do Tesouro dos EUA (que passaram a render cerca de 0% ao ano)13 e a queda das bolsas internas.
Como lá os aplicadores em bolsa são formados, em grande medida, por cidadãos de classe
média do próprio país, a queda dos ganhos financeiros contribuiu para diminuir o ânimo
para consumir.
Crescera excepcionalmente 13,5% em 2007.
Suas exportações cresceram a um ritmo de 20% ao ano entre 2003 e 2007, mas essa façanha não seria repetida
em 2008.
13
Em setembro de 2008, a China ultrapassou o Japão como maior credor externo dos EUA, quando suas aplicações nos treasuries estadunidenses atingiram a cifra de US$ 585 bilhões.
11
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Capítulo 18
Medidas adotadas para enfrentar a crise
Para enfrentar o desaparecimento do crédito, o governo brasileiro:
• aumentou o financiamento dos bancos públicos para exportação, agricultura e construção civil;
• adotou medidas para fortalecer o papel desses bancos, como a autorização
para que eles pudessem comprar carteiras ou bancos em dificuldades;
• injetou mais dinheiro nos bancos privados14;
• aportou, através do Tesouro, R$ 100 bilhões ao BNDES para que o banco
financiasse, em 2009-2010, o investimento em projetos nos setores de petróleo, gás, energia elétrica, infraestrutura e bens de capital.
Além disso, na área do investimento, decidiu:
• acrescentar ao orçamento do PAC, que era de R$ 503 bilhões para o período 2007-2010, mais R$ 142 bilhões para o período 2009-2010;
• ampliar significativamente o programa de investimentos da Petrobras,
que aumentou de US$ 112,4 bilhões no período 2008-2012 para US$ 174,4
bilhões no quinquênio 2009-2013.
No entanto, contraditoriamente, até o começo de 2009, o BC mantinha elevada a
taxa básica de juros, dificultando a canalização dos recursos para a atividade produtiva.15
Ao mesmo tempo, o setor público superou a meta de superávit primário, reservando mais dinheiro para pagamento de juros, ao invés de destiná-lo a investimento.16
A China, por sua vez, adotou um pacote fiscal-financeiro de 4 trilhões de yuans,
equivalentes a cerca de US$ 580 bilhões, destinado a fortalecer a infraestrutura, o
setor habitacional e o mercado interno, por meio, sobretudo, de investimento na
ampliação e modernização de ferrovias.
Além disso, o Banco do Povo, banco central chinês, baixou a taxa anual de juros, em
quatro etapas, entre setembro e novembro de 2008, de 7,47% para 5,31%.
Essas medidas, no entanto, foram insuficientes para bloquear a internalização da crise internacional. Tanto é que diminuiu fortemente o ritmo de crescimento dessas economias.
Pode ser considerado como motivo básico para essa desaceleração sua forma de inserção
internacional, a qual engendra sua vulnerabilidade externa.
A diminuição dessa vulnerabilidade externa implicaria uma transformação da economia de modo a aumentar seu “grau de endogeneidade”, isto é, de forma a fazer sua dinâmica depender cada vez mais de fatores internos, que estão sob controle nacional.
O mecanismo através do qual injetou esses recursos consistiu na diminuição do compulsório bancário, isto é,
do montante dos recursos que os bancos são obrigados a depositar no Banco Central.
15
A partir de abril de 2008, já em plena crise, começou a aumentar a taxa Selic, que, em várias etapas, passou de
11,25% para 13,75%; só em janeiro de 2009, depois de manter por alguns meses a taxa em 13,75%, baixou-a para
12,75%; em termos reais, permaneceu a maior do mundo, em 7,6%, ficando a Hungria em segundo lugar, com 5,8%.
16
A meta estabelecida era de 3,8% do PIB, sendo que poderia ser rebaixada para 3,3%, já que se havia decidido
reservar-se 0,5% para investimentos prioritários. No entanto, atingiu-se em 2008 4,07%.
14
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Com esse objetivo, o governo brasileiro havia iniciado antes da crise, por meio do Programa de Desenvolvimento Produtivo, um processo com vistas a substituir importações,17
desenvolver setores de tecnologia de ponta e modernizar setores mais atrasados da indústria.
Poderia tê-lo acelerado com a decisão adotada, em janeiro de 2009, de estabelecer
um controle seletivo das importações, mas, sob pressão da Europa, dos EUA e de parceiros
da América Latina, recuou três dias depois.
A China acelerou seu processo de modernização por intermédio do investimento em
ferrovia previsto no novo pacote fiscal baixado durante a crise.
Além disso, para compensar a queda das exportações e a consequente diminuição
da atividade econômica interna, o grande desafio seria criar mecanismos para dinamizar
mais ainda o mercado interno: “O maior desafio da China, por enquanto, é o de fortalecer
o consumo interno, que poderia salvar a indústria exportadora e garantir o crescimento”
(LORES, 12 out. 2008: B9).
Questionário
1. Exponha as três teses sobre o impacto da crise nas economias dos países emergentes.
2. Analise as razões que tornaram as economias emergentes mais protegidas na crise iniciada em 2007 do que nas crises da década de 1990.
3. Por que, apesar de mais protegidas, as economias emergentes haveriam de sofrer
o impacto da crise mundial?
4. Que medidas foram adotadas pelo Brasil e pela China para combater o impacto
da crise mundial?
Registre-se que a substituição de importações só incrementa o grau de endogeneidade da economia se ocorrer
sob controle nacional, já que o aumento da participação externa implicaria a elevação da remessa de lucros, com
suas naturais implicações nas contas externas e na capacidade de investimento interno. A respeito, o Presidente Lula declarou: “Não é justo que na primeira refrega que a empresa tem (...) primeiro pega o dinheiro daqui
para salvar as suas matrizes que quebraram na Europa.” “Depois disso, mandaram trabalhadores embora” (apud
CRUZ, 18-19 fev. 2009: 3).
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