lendo - A Embrapa

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AS CA RAS DE BRAS/LIA
DE GRÃO
e
rao
PIONEIRO NO ESTUDO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS NO BRASIL,
OCIENTISTA FRANCISCO ARAGÃO ENFRENTOU UMA ÁRDUA BATALHA
PARA PRODUZIR ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS­
QUE HO.IE ESTÃO PRESENTES EM TODAS AS MESAS DO PAís
RICARDO WESTIN
E
le abre a gaveta e, com um leve sorriso,
vai tirando saquinhos vazios de fubá, ró­
tulos de óleo, pacotes de salgadinho, em­
balagens de ração para cachorro, caixas de amido
de milho. Quando ergue um envelope de plástico,
o sorriso cresce. "É colorau, um corante que nos­
sas avós já usavam para deixar a comida verme­
lhinha." A excêntrica coleção penence a Francis­
co Aragão, 47 anos, um dos cientistas mais res­
peitados do Brasil e pioneiro no desenvolvimento
de plantas transgênicas no país.
Os artigos que Aragão guarda em seu labora­
tório, no prédio da Embrapa (estatal dedicada a
criar tecnologia para o agronegócio) em BrasÍ­
lia, trazem a letra T estampada dentro de um
triângulo amarelo - evidência
"SOU UM ROMÂNTICO. de produtos feitos com algum
irem geneticamente modifica­
DESDE AQUELA ÉPOCA, do. O pesquisador faz questão
ACREDITAVA QUEA GIÊNCIA de preservá-los como lembran­
CONSEGUIRIA SALVAR ças de uma conquista alcançada
com a sua ajuda : pôr os trans­
COLHEITAS QUE SE gênicos na rotina de rodos os
PERDERIAM INTEIRAS" lares brasileiros.
Uma planta ganha status de
transgênica quando recebe um gene que não é na­
turalmente seu, o que lhe confere algum "superpo­
der". Dependendo do gene, ela se torna capaz de
matar lagartas, de sobreviver a agrotóxicos, de re­
si~rir a vírus e de florescer mesmo quando a seca
se prolonga. Essa tecnologia revolucionou a agri­
cultura. Por causa dela, um milharal originado de
sementes genericamente modificadas passou a ser,
por exemplo, muito mais produtivo do que o culti­
vado com sementes naturais.
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Francisco Aragão
em seu laboratório:
depois de muita
polêmica, terreno
livre para semear
importantes
estudos científicos
No início dos anos 90, recém-formado em enge­
nharia agronômica pela UnB, Francisco Aragão já
se debruçava em pesquisas da Embrapa sobre pe­
quenas plantações transgênicas. "Sou um românti­
co. Desde aquela época, acreditava que a ciência
conseguiria salvar colheiras que se perderiam intei­
ras", afirma. O pesquisador, porém, teve pouco tem­
po de paz. Em 1996, assim que os agricultores ame­
ricanos começaram a cultivar a primeira soja resis­
tente a agrotóxicos, ambientalistas partiram para
uma raivosa campanha mundial. Eles argumenta­
ram que os transgênicos se reproduziriam sem con­
trole e, mais fones, exterminariam as espécies natu­
rais. Propagandearam que os alimentos causariam
de alergia a câncer, passando por impotência se­
xual. No Brasil, um dos alvos foi Aragão. Ele rece­
beu vaias em congressos e viu militantes tentando
invadir seu laboratório. "Eu me lembro de uma pa­
lestra em Salvador. Cada vez que eu tentava falar, a
pIateia começava um apiraço ensurdecedor."
As ONGs verdes foram muito eficientes na cam­
panha do medo. Em 1999, o Brasil decidiu que os
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NOVEMBRO, 2012
cientistas só poderiam começar qualquer expe­
rimento com plantas transgênicas se antes obti­
vessem sete autorizações de diferentes órgãos
públicos. Eram pedidos burocráticos que con­
sumiam, no mínimo, cinco anos. Para a ciên­
cia, uma eternidade. Sem perspectivas, muitos
profissionais do setor deixaram o Brasil. O pró­
prio pesquisador recebeu convites tentadores
do exterior, mas decidiu fica{. Passou a liderar
uma cruzada pela criação de uma lei que livras­
se a engenharia genética das amarras. De pes­
quisador, passou a militante. Foram anos reu­
nindo-se com ministros e parlamentares, parti­
cipando de programas de TV, peitando ambien­
talistas - sempre garantindo que os transgêni­
cos eram, sim, perfeitamente seguros.
Após uma desgastan.te batalha, a Lei de
Biossegurança foi instituída em 2005. E vale
até hoje. Ela só permite a condução de pesqui­
sas e a venda de alimentos manipulados em
laboratório se houver a certeza de que são ino­
fensivos para a natureza e para a saúde. Os reI:SPFCI/\ l . HR,\siLI.\ NOVEMBRO, 2012
quisitos, embora pesados, são executáveis. Desde
então, os transgênicos avançaram de maneira es­
petacular. Atualmente, o Brasil perde apenas para
os Estados Unidos em campos plantados. No su­
permercado, praticamente todos os alimentos à
base de soja e milho têm grãos geneticamente mo­
dificados. Graças à lei, Aragão pôde criar uma so­
ja resistente a certos herbicidas e um feijão imune
ao vírus do mosaico dourado, a praga que mais
arruína os produtores desse cultivo. Ele agora
avança em estudos para desenvolver a alface rica
em ácido fÓlico, o feijão tolerante à falta d'água e
a mamona livre de toxinas.
Dois anos atrás, Francisco Aragão recebeu o
cobiçado titulo de comendador da Ordem Nacio­
nal do Mérito Cientifico. Para quem acumula um
currículo de 95 páginas (em letras miúdas), a hon­
raria não chega a ser impressionante. Ele prefere
concentrar-se naquela coleção de embalagens
marcadas com a letra T. E torna a rir: "Acho que
as avós nunca vão perceber que o velho colorau
agora é feito com o milho do futuro".
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