III. CONCLUSÃO 303 III. CONCLUSÃO Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – 304 Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 305 1. Discussão. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – 306 Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 307 1. Discussão. Este trabalho nasceu na confluência de três fontes de informação e formação pessoal: a psicoterapia de inspiração comportamental e cognitiva e a docência de duas disciplinas, Psicologia Educacional e Dificuldades de Aprendizagem. No cruzamento de informações e de questões provenientes destes três domínios e das respectivas áreas de aplicação (clínica, formação de professores e intervenção psico-educacional) surgiram contradições e perplexidades, dúvidas e necessidades. A motivação para este estudo e a formulação das primeiras hipóteses surgiram nesse contexto. Depois, todo o projecto foi sendo desenvolvido em interligação com o exercício profissional e a investigação nestes diferentes domínios. Talvez por uma necessidade pessoal de integração e coerência, procuraram-se pontos de contacto e zonas de intersecção. Em psicoterapia comportamental e cognitiva, os problemas pessoais, emocionais ou comportamentais são concebidos no quadro da Psicologia do Desenvolvimento, da Psicologia Cognitiva e da Psicologia da Aprendizagem. A Psicopatologia é um quadro de referência, mas o mal estar sentido por quem procura a terapia é analisado de uma forma funcional, em contexto, em função de objectivos pessoais e de critérios de adaptação. O certo e o errado, o saudável e o doente, o normal e o anormal, são formas populares de descrever os problemas e as dificuldades, mas não correspondem de facto às concepções propostas por estes modelos. Quando no campo das Dificuldades de Aprendizagem o essencial parece ser distinguir entre dois tipos de alunos (os que “têm” e os que “não têm” dificuldades) isso coloca qualquer terapeuta de orientação cognitivo-comportamental em dissonância, em conflito, em dificuldade. E como nesta perspectiva as dificuldades podem ser motivo ou oportunidade de crescimento (desenvolvimento) ou de mudança (inovação, descoberta, reformulação) o desafio estava aberto. Tratava-se de tentar responder essencialmente a uma questão nuclear: como podem as dificuldades de aprendizagem ser concebidas simultaneamente como limitações (distúrbios) e, por outro lado, como oportunidades de mudar e de crescer? Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 308 Numa breve síntese, é possível constatar que os resultados obtidos nos quatro estudos reunidos neste trabalho, se encontram, de modo geral, dentro das expectativas e hipóteses formuladas. Tal como se esperava, o Estudo 1, que integra a tradução e adaptação para língua portuguesa do Questionário Epistemológico (versão para estudantes universitários), apresenta uma estrutura factorial similar a outras anteriormente observadas para a população americana. Oferece neste momento a possibilidade de utilização de três escalas: (1.) para um estudo de crenças pessoais sobre a natureza do conhecimento; (2.) de crenças sobre processos de conhecimento e de aprendizagem; e (3.) de crenças sobre o acesso ao conhecimento. O estudo efectuado permitiu confirmar as propriedades psicométricas desta adaptação. Este questionário também poderá vir a ser utilizado como instrumento de auto-observação (e debate) em programas de intervenção junto de estudantes universitários e na formação de professores. No Estudo 2, identificaram-se quatro perspectivas pessoais ou de senso comum sobre Dificuldades de Aprendizagem (Disfuncional, Processual, Interdependente e Funcional), que integram nove concepções mais específicas. Verifica-se que, de modo geral, é possível fazer corresponder todas estas perspectivas e concepções pessoais, intuitivas e de senso comum, a quase todos os modelos e concepções científicas sobre Dificuldades de Aprendizagem desenvolvidos na comunidade científica, nas últimas décadas. Este paralelismo entre concepções pessoais e científicas é especialmente interessante pela enorme diversidade de respostas, incluindo perspectivas mais “conservadoras”, concepções estáticas e deterministas, mas reflectindo também algumas das perspectivas científicas mais actuais e inovadoras. De uma forma natural e quase espontânea, alguns dos estudantes inquiridos revelam concepções pessoais muito mais complexas, relativas e construtivistas do que seria provável encontrar em muitos membros da comunidade científica, que persistem na defesa de posições anteriores. No Estudo 3, procedeu-se ao desenvolvimento de uma segunda versão do Questionário Epistemológico para estudantes do ensino secundário (QEES). Esta nova versão apresenta uma estrutura factorial paralela à observada na versão para estudantes universitários, com bons resultados ao nível das propriedades psicométricas analisadas. Além disso, entre outros aspectos, foi possível observar uma crescente maturidade, Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 309 conceptual e epistemológica, ao longo da escolaridade, entre o início do secundário (10º ano) e o final das licenciaturas no ensino universitário (4º e 5º anos). Isto parece confirmar o papel da escola (ao nível do ensino superior) na formação científica e epistemológica dos estudantes e a necessidade de rever e reforçar a formação de professores neste domínio (para os níveis básico e secundário). Por fim, no Estudo 4, verificou-se que as crenças pessoais sobre dificuldades de aprendizagem podem ser abordadas através de um novo instrumento (QCDA), um complemento específico aos dados obtidos com o Questionário Epistemológico. Embora se confirme a necessidade de uma revisão e de estudos posteriores, observaram-se desde já algumas relações significativas entre esta nova escala e as escalas de segunda ordem do QEES, nomeadamente, sugerindo que as dificuldades tendem a ser concebidas de forma mais positiva e adaptativa (Escala de Dificuldades Processuais) em alunos que revelam uma maior maturidade na escala de Processos de Conhecimento e de Aprendizagem no Questionário Epistemológico. Uma vez mais se verifica que as crenças de senso comum apresentam uma estrutura multidimensional complexa e que pode ser descrita de forma ortogonal. Constatou-se que as crenças sobre Dificuldades de Aprendizagem podem ser descritas simultaneamente em várias dimensões (e não apenas numa, como inicialmente se esperava), por vezes com grande ambivalência e aparente contradição. São resultados a rever em estudos posteriores. Com base na revisão bibliográfica efectuada e nos resultados obtidos nos quatro estudos desenvolvidos, parece útil sintetizar e acrescentar a esta discussão final, alguns aspectos conceptuais. Podem referir-se, nomeadamente, elementos relativos ao contexto, à funcionalidade e o desenvolvimento de dificuldades de aprendizagem. Tanto numa perspectiva de senso comum como numa perspectiva científica, vimos que é possível conceber a existência de dificuldades de aprendizagem funcionais enquadradas por crenças e concepções adaptativas. Por outro lado, considera-se que criar condições para o aparecimento de determinadas dificuldades é condição necessária para uma maior qualidade no ensino e na aprendizagem. Em termos pessoais, o que assim se sintetiza não constitui realmente uma conclusão ou um ponto de chegada nesta dissertação. Pelo contrário, o paralelismo entre estas duas asserções constitui-se como um dos vectores essenciais para todo este Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 310 trabalho. Algo que foi surgindo gradualmente, na formação de professores, no ensino de autores como Piaget ou Bruner, no desenvolvimento de programas de estimulação metacognitiva e da capacidade de auto-regulação (Gonçalves, 1992), na docência e no exercício da psicoterapia. Agora, no momento de rever todo este percurso, talvez seja possível ir um pouco mais longe, num breve jogo de palavras que se pretende também de reflexão conceptual. Em educação como em psicoterapia, a mudança pode ocorrer quando, no uso das palavras (narrativas, metáforas, diálogo socrático, etc.) se (re)descobrem significados e se (re)pensam crenças e concepções. Há cerca de oito anos, num dos livros que mais contribuiu para o desenvolvimento deste projecto de investigação (Finlan, 1994), surgiu uma frase que tem servido de mote para reflexão e conversa em muitas aulas das disciplinas de “Dificuldades de Aprendizagem” e de “Psicologia Educacional”: “Existem no mundo, dois tipos de pessoas: as que dividem as pessoas em dois grupos e as que não o fazem.” Esta frase, citada no texto original em língua inglesa, surge como proveniente de autor anónimo (ob. cit. , p. 59). O que, no contexto de um trabalho sobre concepções de senso comum, tem um valor acrescido. No entanto, o que se assim se diz não parece nem comum nem consensual. Mas pode fazer pensar, pensar sobre o papel dos rótulos e das classificações simplificadoras. No domínio das dificuldades de aprendizagem, como em tantos outros, surgem por vezes tentações maniqueístas e reducionistas. Pais e professores colocam muitas vezes a questão em termos simples: pretendem saber se o aluno realmente “tem ou não tem” dificuldades de aprendizagem. “Não ter” traduz-se em descanso, “ter” é motivo de uma preocupação e perturbação por vezes extrema. No contexto deste jogo de palavras, poderia talvez propor-se uma versão mais “Shakespeariana” mas muito menos dramática: a questão essencial de cada dificuldade poder “ser ou não ser” modificável, funcional ou mesmo necessária (e, entre outros aspectos, aceitar correr o risco de aprender). Centenas de estudos e de investigadores têm tentado, em vão, um diagnóstico tão precoce e tão redutor quanto possível, na tentativa de integrar todos os casos num Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 311 número limitado (e limitador) de categorias. E no entanto, na frase de Bernard Shaw “a ciência nunca resolve um problema sem criar dez novos problemas”. Pelo menos no domínio das dificuldades de aprendizagem, parece que tem sido assim. Muitas das tentativas de classificação adiantadas até ao momento (veja-se por exemplo, a forma utilizada no DSM) não ajudam nem na descrição nem na compreensão do problema, não facilitam a reeducação nem uma intervenção adequada1. A separação de alunos “difíceis” ou em dificuldade, tem muitas vezes uma reduzida eficácia sobretudo se não for secundada por outras medidas de facilitação processual e de ajuda específica, podendo conduzir à desistência, à exclusão e a situações de profecia auto-realizada. Para Finlan, como para muitos outros autores (e.g. Marinoff, 1999; Stanovich, 1993), são precisamente os fundamentos subjacentes às tentativas de classificação de dificuldades e distúrbios de aprendizagem que devem ser questionados, por problemas de fundamentação empírica, mas sobretudo por insuficiências conceptuais e critérios de avaliação inadequados2. Um diagnóstico diferencial pode ser importante mas não é o aspecto fundamental. Pode rotular e estigmatizar o aluno e não informa realmente sobre o que fazer ao nível da intervenção. Num contexto educacional, as dificuldades só podem ser efectivamente apoiadas se forem descritas e analisadas em contexto, situacional, social e pessoal. Conhecer crenças e concepções pessoais sobre este problema, saber como modificar crenças desadaptadas e incentivar pressupostos mais adaptativos, pode ajudar de forma significativa a uma intervenção de natureza preventiva ou remediativa. Neste trabalho sugere-se a possibilidade de conceber e definir o conceito de Dificuldade de Aprendizagem de uma forma diferente. Por analogia com o que se passa noutros domínios de aplicação da Psicologia (Psicoterapia, por exemplo), não são as pessoas que devem ser divididas em dois grupos distintos, nem a questão pode ser colocada em termos de um “ter ou não ter” uma qualquer dificuldade ou patologia. As dificuldades, na vida como na escola, ocorrem em contexto, pessoal, situacional e temporal. Sobrepõem-se no tempo ao próprio processo de aprendizagem. Devem ser 1 “There are only two things wrong with special education... it isn’t special and it isn’t education. (Metzner, citado por Finlan, 1994). 2 “...dar o nome de síndroma a um qualquer estado não significa que saibamos aquilo que estamos a dizer, mesmo nos casos em que há algo de errado em termos clínicos.” (Marinoff, 1999) Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 312 concebidas de forma interactiva e dinâmica, enquanto processos, entidades em desenvolvimento, de carácter mais ou menos funcional e adaptativo. As dificuldades não caracterizam alunos, antes são um elemento que pode servir à caracterização de situações, contextos e projectos de aprendizagem. E só em função desse contexto serão mais ou menos valorizadas, como mais ou menos graves; só em função desse contexto se desenvolverão de forma mais ou menos positiva, de forma mais ou menos funcional. Sugere-se, deste modo, que as dificuldades podem ser concebidas como entidades em desenvolvimento (e não como estados ou traços persistentes). As dificuldades modificam, modificam-se e são modificáveis ao longo do tempo. E não são as pessoas (como na frase citada), nem os alunos, que devem ser alvo de classificação nem de discriminação em categorias distintas. Mas como, no fundo, as dicotomias e as taxonomias nos ajudam no saber e no fazer, então que se escolham conceitos, metáforas e modos de classificação que em si mesmos ajudem à mobilidade, à modificabilidade cognitiva e ao desenvolvimento. Neste sentido, podemos considerar que existem afinal, não tanto dois tipos de pessoas, mas apenas dois tipos de dificuldades: dificuldades funcionais e disfuncionais, dificuldades mais e menos facilitadoras da aprendizagem, mais e menos adaptativas. Podem dizer-se disfuncionais, todas as dificuldades que podem favorecer situações de desadaptação pessoal, todas as que contribuam para reduzir, limitar ou prejudicar o processo de aprendizagem. Podem designar-se como funcionais, todas as dificuldades que se constituem como desafio, oportunidade, incentivo ao esforço e à aprendizagem. Perante o mesmo tipo de dificuldades e em situações que poderiam parecer similares, constata-se que alguns alunos se mantêm confiantes e com forças renovadas para vencer os obstáculos e outros, paralisam, sentem-se impotentes e sem capacidades para continuar. Os primeiros parecem encontrar motivação e inspiração nas dificuldades (dificuldades funcionais) enquanto para os outros tudo parece inútil, demasiado difícil e impossível de ultrapassar (dificuldades disfuncionais). O que separa estes dois grupos Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 313 de alunos? O que determina o êxito ou o insucesso, a força ou a impotência? Porque é que perante dificuldades, alguns alunos se superam a si próprios, vão em frente, enquanto outros se sentem completamente “ultrapassados” e se deixam ficar para trás? Esta questão tem sido respondida de diferentes modos e recebido contributos de diferentes domínios, entre os quais se podem referir: vinculação precoce (“attachment”), desenvolvimento cognitivo, auto-estima, expectativas de sucesso, história de aprendizagem, motivação, atribuição causal (Heckhausen, 1987; Licht, 1983; Shell, Colvin & Bruning, 1995). No dia-a-dia, numa perspectiva de senso comum, na voz de quem de psicologia “nada sabe” talvez se pudesse ouvir algo de muito mais simples: “o mais importante é acreditar, se um aluno não acredita, nunca vai ser capaz”. Acreditar. Acreditar ou não acreditar. Numa perspectiva de senso comum, a palavra acreditar parece vagamente associada à ideia de “esperança” ou de “confiança”. Sinónimo de confiar, ter confiança. Mas, também numa acepção comum, a noção de crença pode ser referida de uma outra forma. Por vezes soa a crendice, a superstição, a ignorância ou incultura. Na melhor das hipóteses, as crenças são vistas como parte integrante da filosofia popular ou da religião. Voz do povo ou voz de Deus. Nada que a ciência possa, saiba ou queira dissecar. Não é esta, no entanto, a perspectiva epistemológica que orienta este trabalho. O estudo de uma Psicologia do Senso Comum, o estudo de crenças e concepções pessoais, pode ser essencial em termos práticos, teóricos e epistemológicos. Em termos práticos, os dados assim obtidos podem constituir um auxiliar precioso para a intervenção psicológica, individual ou institucional, para a prevenção e para a divulgação de informação científica, para a terapia, para as diversas formas de apoio ou de reeducação. Em termos teóricos, pode ser relevante para a reconceptualização de um conceito tão pouco específico como o conceito de dificuldade de aprendizagem. Uma dificuldade de aprendizagem não é apenas um deficiente produto ou resultado escolar. Uma dificuldade é (ou deve ser concebida como) um problema de adaptação pessoal a um contexto ou situação de aprendizagem. Como sucede noutras áreas de intervenção clínica que se baseiam em modelos de aprendizagem (por exemplo, intervenção comportamental-cognitiva) o problema só pode ser adequadamente definido em contexto: num contexto social, situacional e pessoal (cognitivo, emocional, Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 314 comportamental, mas também conceptual). A percepção sobre todos estes níveis ou contextos muda de pessoa para pessoa, em função de factores de mediação cognitiva (e de variáveis moderadoras), e entre todos os aspectos que poderíamos nomear, em função de crenças e concepções pessoais. Erros lógicos, distorções cognitivas, crenças irracionais, expectativas e atribuições, determinam comportamentos mais ou menos adaptativos, de maior ou menor sucesso. Numa perspectiva pós-moderna, os limites entre os quais decorre a existência de cada indivíduo, são em grande parte estabelecidos por si mesmo (Ferreira-Alves & Gonçalves, 2001) e pela forma como organiza e atribui significado ao que o envolve. Em síntese: tradicionalmente, numa perspectiva diferencial, importa sobretudo distinguir entre alunos, tipos, categorias e sub-categorias de dificuldades, problemas e distúrbios de aprendizagem. Esta é uma perspectiva essencialmente normativa e legislativa, centrada em critérios prévios, exteriormente impostos, com base em fundamentos, pressupostos e princípios teóricos ou decorrentes de dados empíricos, por análise comparada entre grupos de estudantes. É uma perspectiva organizadora, que procura a segurança e a estabilidade no diagnóstico, mas de reduzida utilidade na definição de objectivos, no planeamento da intervenção e na monitorização dos resultados. De modo diferente, numa perspectiva funcional pretende-se sobretudo uma distinção tão precoce quanto possível entre dificuldades (e não entre alunos). Trata-se, essencialmente, de tentar descrever, analisar e compreender no seu modo de funcionamento (mais do explicar na sua origem) um complexo sistema de factores e de relações que contribuem para o aparecimento e manutenção de dificuldades potencialmente desadaptativas (disfuncionais). Mais do que classificar tipos e subtipos de problemas em função de áreas curriculares ou de categorias de tarefas escolares (escrita, leitura, cálculo, etc.) importa sobretudo analisar o modo de funcionamento pessoal, o modo de processamento e de gestão processual, caso a caso e em contexto. Além disso, a forma como o próprio aluno e a sua envolvência interpretam e reagem às dificuldades de aprendizagem, pode contribuir ou determinar de forma significativa os resultados obtidos (e a obter no futuro) qualquer que seja a tentativa e o esforço de Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 315 intervenção. Para cada dificuldade analisada em contexto, para cada aluno em cada situação específica, importa sobretudo: 1) avaliar produto e processo de forma integrada, para a determinação de um estado actual (linha de base) na origem da queixa docente, associada ao insucesso escolar ou que possa constituir um risco potencial para o aparecimento de dificuldades futuras; 2) avaliar e determinar aspectos funcionais que inibam ou prejudiquem o aparecimento de comportamentos e de estratégias mais adequadas e eficazes, tanto ao nível dos produtos como dos processos de aprendizagem; 3) sugerir e planear formas de intervenção e de avaliação intra-individual que permitam acompanhar a evolução e possam facilitar a superação das dificuldades identificadas; que possam orientar e conduzir, alunos e professores, à descoberta de alternativas pessoais e curriculares, para a compensação de défices, para a redefinição de objectivos, elaboração de projectos de aprendizagem e de vida. Por fim, pode dizer-se que este trabalho, considerado no seu conjunto, teve como objectivo: tentar aprender, numa perspectiva científica, sobre crenças e concepções pessoais, inerentes a uma perspectiva intuitiva, na pesquisa de múltiplas relações entre tudo aquilo em que se acredita e o sucesso pessoal, na vida como na escola. Mais especificamente, o tema das dificuldades de aprendizagem foi abordado numa perspectiva só recentemente analisada em Psicologia Educacional, na intersecção com a chamada psicologia do senso comum (“folk psychology”): o estudo de crenças e concepções pessoais sobre o conhecimento e sobre a aprendizagem (incluindo as crenças e concepções pessoais sobre as próprias dificuldades). Um trabalho como este corresponde essencialmente a um projecto e a um processo de aprendizagem, pontuado por inúmeras questões e múltiplas dificuldades (práticas, pessoais e profissionais, emocionais e cognitivas, mas sobretudo, dificuldades de aprendizagem). Porque de acordo com os pressupostos deste trabalho, um projecto de investigação decorre essencialmente de forma isomorfa a qualquer outro percurso de aprendizagem. E porque, de acordo com o que ficou dito em capítulos anteriores, as dificuldades podem ser desafios e oportunidades, do ponto de vista pessoal, estas Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 316 sugestões são talvez o principal produto deste percurso de aprendizagem. São uma tentativa de resposta, de reequilíbrio e reconceptualização de muitas das dificuldades que estiveram na sua origem ou que foram surgindo ao longo do caminho. Espera-se que possam constituir mais um contributo para uma urgente reflexão e revisão do conceito genérico de “Dificuldade de Aprendizagem”. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 317 2. Estudos posteriores. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – 318 Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 319 2. Estudos posteriores. Os resultados obtidos, tanto do ponto de vista quantitativo como do ponto de vista qualitativo, parecem confirmar o interesse pelo estudo de crenças e concepções pessoais sobre dificuldades de aprendizagem, mas deixam ainda sem resposta muitos aspectos que se julgam da maior importância, nomeadamente: a forma como crenças e concepções interagem com outras variáveis, o modo como evoluem ao longo do tempo ou como se relacionam com crenças e concepções pessoais noutros domínios. Estes resultados poderão ser aprofundados em estudos posteriores, de entre os quais se indicam apenas alguns exemplos. A generalidade dos estudos publicados sobre dificuldades de aprendizagem concentra-se numa perspectiva transversal e estática. Pelo contrário, estudos de natureza mais longitudinal ou desenvolvimentista, que acompanhem a evolução das dificuldades ao longo do tempo, podem também ajudar a esclarecer como se processa a evolução de crenças e concepções. O estudo de caso, os diários, os portfolios, as histórias de vida, os estudos ex-post facto, em alunos de maior e de menor sucesso, com diferentes experiências de dificuldade, parecem extremamente necessários. Compreender o ponto de vista de quem vive (com) uma dificuldade, é talvez um dos aspectos essenciais. Essencial para um apoio mais adequado, que englobe não só os aspectos curriculares, mas também a estimulação de aspectos atitudinais, emocionais e conceptuais (Ryden, 1997). Numa área em que a variabilidade é imensa (variabilidade ao nível dos currículos, dos métodos, dos recursos, das influências socio-culturais, dos estilos e práticas docentes, etc.) talvez seja verdadeiramente impossível encontrar padrões distintivos comuns. Talvez só a compreensão da individualidade, a comparação entre individualidades e o estabelecimento de quadros conceptuais que alberguem e descrevam as diferenças (mais do que as semelhanças) pode esclarecer (e ajudar a usar) todo o potencial do conceito de dificuldades de aprendizagem. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 320 A comparação entre estudantes de diferentes níveis de escolaridade (secundário e universitário) sugere a existência de um processo gradual de maturação epistemológica. No entanto, fica por esclarecer qual a origem desta evolução, se ocorre ou não em todos os indivíduos, independentemente da influência escolar. Isto é, fica por esclarecer até que ponto as crenças de outros jovens não universitários evoluem ou não da mesma forma. Fica por confirmar até que ponto a escola contribui de forma determinante neste processo de amadurecimento ou se todos os alunos, mesmo os que abandonam precocemente o sistema escolar, se vão desenvolvendo do ponto de vista epistemológico com base numa informação veiculada pelos media, na sociedade ou no meio cultural. Fica por determinar, se não são estes afinal os factores determinantes, mesmo que modestamente secundados pela escola, ou mesmo que ineficazmente contrariados na escola. Embora fosse um dos aspectos previstos no início deste projecto, não se concretizou o estudo das relações entre concepções pessoais sobre a aprendizagem e o ensino (Bruner, 1996; Lonka, Joram & Brysson, 1996) e concepções pessoais sobre Dificuldades de Aprendizagem. Os dados que permitiriam estudar esta relação foram recolhidos, transcritos e estão neste momento preparados para um procedimento de análise de conteúdo que permita a identificação de segmentos relevantes, a sua categorização e relacionação com as respostas dadas pelos mesmos estudantes à questão sobre concepção de dificuldade de aprendizagem, já tratada e aqui descrita no âmbito do Estudo 2. deste trabalho. Alguns estudos sugerem que as dificuldades de aprendizagem podem exercer um efeito mais positivo (maior funcionalidade) em situações onde nomeadamente os pais incentivam a prática e o desenvolvimento noutras áreas de mestria (Reis, Neu & McGuire, 1997). Os alunos que têm a oportunidade de aprender a superar-se e às suas dificuldades desenvolvem atitudes e hábitos mais eficazes e adaptativos. Algumas das competências assim desenvolvidas podem constituir um factor determinante do êxito pessoal e profissional. Isto significa que as dificuldades, ao invés de serem concebidas como “um mal maior” podem, em condições adequadas, constituir uma oportunidade de auto-descoberta e de desenvolvimento de competências que de outro modo não se revelariam. Um estudo comparado de práticas e crenças parentais pode contribuir para um maior esclarecimento sobre as formas mais eficazes de intervenção e apoio no contexto familiar. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 321 3. Implicações psicoeducacionais. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – 322 Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 323 3. Implicações psicoeducacionais. A concluir este trabalho, analisam-se algumas das implicações psicoeducacionais decorrentes, implicações que podem ser consideradas essencialmente a dois níveis: ao nível das atitudes e práticas pedagógicas no domínio das dificuldades de aprendizagem e ao nível da formação de professores, inicial ou contínua. • Atitudes e práticas pedagógicas no domínio das dificuldades de aprendizagem. Conceber e compreender o conceito de dificuldades de aprendizagem não é no essencial diferente do que significa compreender qualquer outro aspecto no domínio da aprendizagem ou do ensino, ou mesmo qualquer outra instância da vida pessoal e interpessoal. As dificuldades de aprendizagem devem ser encaradas num contexto de significação e desenvolvimento pessoal. Isto significa que é necessário disputar, relativizar ou modificar, concepções que definam a aprendizagem como um processo sequencial, neutro e objectivo, prejudicado por inúmeros erros e dificuldades. É necessário substituir o domínio da resposta correcta como condição de progressão e critério de qualidade do ensino ou da aprendizagem. É fundamental criar condições, em termos pessoais e institucionais, de superação de uma escola que no nosso tempo, “mais parece existir para avaliar os alunos do que para os ajudar a aprender” (Ferreira-Alves & Gonçalves, 2001, p.63). É urgente substituir crenças, concepções, atitudes e práticas que há muito poderiam já estar ultrapassadas, pelo exercício consciente de actualização e construção de uma escola que responda aos desafios da pós-modernidade. No início de um novo século, exige-se uma escola mais centrada nos processos do que nos produtos, que promova a individualidade no respeito pela diversidade e na pluralidade (Ashman & Conway, 1993, 1997; Denti & Katz, 1996; Greene, 1994; Novak, 1998; Mintzes & Wandersee, 1998a). Porque a sociedade actual Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 324 espera de cada indivíduo que seja capaz de lidar com problemas novos, de forma adaptada, flexível e auto-regulada, que acredite em si próprio e se mantenha disponível para correr o risco de continuar a aprender e a investir no seu desenvolvimento pessoal (Bullard, 1996; Glenn & Nelsen, 1989; Osborne, 2000). Numa perspectiva construtivista, “the single most important factor influencing learning is what the learner already knows” (Mintzes & Wandersee, 1998b, p.80). Alguns métodos e estratégias de ensino parecem mais de acordo com esta perspectiva. A avaliação dinâmica, como o próprio nome indica, surge como alternativa (ou em complemento) de uma avaliação de estado e pode ser um instrumento essencial, no pressuposto de que é possível mudar e ajudar a mudar (Campione & Brown, 1987; Cruz & Almeida, 1996; Lidz, 1991; Moats, 1994). O trabalho de projecto, os diários de aula, o portfolio, o contrato comportamental e muitas outras estratégias de diferenciação pedagógica têm vindo a ser gradualmente introduzidos na escola portuguesa. Dado que todas as propostas instrucionais de inspiração construtivista requerem uma aplicação flexível, adaptada a cada situação e contexto, a utilização destes métodos pode ser ainda mais prejudicada do que em outros casos, por falta de formação e de experiência, e sobretudo, por um insuficiente entendimento dos pressupostos teóricos e epistemológicos destes modelos. Com formação adequada, muitos outros métodos além dos que aqui ficam referidos poderão vir a ser ensaiados, estruturados e desenvolvidos (Eggen & Kauchak, 1997; Hresko, Parmar & Bridges, 1996a; Joyce, Calhoun & Hopkins, 1997; Przesmycki, 1991, 1994; Reid & Leamon, 1996; Thomas, 1993; Woolfolk, 1998), num espírito que se espera de permanente actualização e de investigação em acção. No ensino recíproco, no diálogo socrático, na reflexão partilhada, pode promover-se a auto-regulação e a reestruturação cognitiva, facilita-se a mudança e a aprendizagem. Pode dizer-se que se aprende de forma holística no sentido em que os significados são mais eficazmente adquiridos em conjunto, num contexto significativo e partilhado por todos os participantes (Brown et al., 1993; Poplin, 1988a; Stone & Reid, 1994). Por outro lado, todos estes métodos devem reflectir-se e ter aplicação específica ao nível da prevenção do insucesso e no apoio a alunos em risco ou gravemente Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 325 limitados por dificuldades de aprendizagem sentidas como bloqueadoras e quase inultrapassáveis. Ainda uma nota final, centrada em testemunhos obtidos no contexto clínico. Alguns alunos precocemente diagnosticados como tendo dislexia, dizem ter sofrido de tal forma com o problema, reconhecem tão claramente as carências educacionais e os erros sucessivamente cometidos ao nível do apoio, na escola, na família e na sociedade, que nalguns casos são levados a optar por uma escolha profissional neste domínio. Dizem que querem vir a ser psicólogos, professores ou educadores. Desejam ajudar outras crianças com este tipo de problemas, dar-lhes o tipo de apoio que eles próprios nunca tiveram ou só tardiamente receberam. Esta atitude militante esbarra muitas vezes com os limites e as exigências do sistema, que muitas vezes inviabiliza a progressão destes alunos para o ensino médio ou superior. No entanto, numa perspectiva socioconstrutivista, seria fundamental assegurar que alguns destes alunos pudessem receber a formação adequada, aliar essa formação ao conhecimento intuitivo e experiencial que têm sobre o problema e que pudessem vir a exercer neste domínio, como acontece desde há muito noutros países (Ferri et al. 2001). • Formação de professores. As concepções e as crenças pessoais de professores e de outros técnicos com intervenção na área das dificuldades de aprendizagem, quer sejam de carácter intuitivo ou geradas no contexto da formação, podem influenciar a forma como virão a actuar e a intervir junto dos alunos. As suas práticas e escolhas metodológicas podem ter um efeito, por vezes determinante, não só ao nível do apoio dado aos alunos em risco ou já em dificuldade, mas também ao nível do modo de desenvolvimento das dificuldades de aprendizagem. Este conceito de desenvolvimento de dificuldades de aprendizagem serve essencialmente para salientar que as dificuldades existem em contexto, ocorrem e evoluem num contexto, são avaliadas, diagnosticadas e apoiadas num contexto. A sua existência deve ser concebida, não como uma característica pessoal do próprio aluno, antes como uma característica da forma como o aluno se integra, interage e se relaciona com o contexto, e vice-versa, da forma como o contexto integra, interage e se relaciona com o aluno. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 326 Ao sugerir que as dificuldades devem ser concebidas como entidades em desenvolvimento de carácter funcional ou disfuncional, isto implica naturalmente a necessidade de introduzir algumas alterações ao nível da formação de professores. Sugere-se que na formação de professores e de outros técnicos para futura intervenção no contexto educativo, sejam criadas as condições para uma modificação efectiva de concepções e crenças pessoais sobre a noção de dificuldade como, de modo mais geral, sobre a própria aprendizagem. Não basta adquirir informação e formação sobre modelos e práticas (Raposo, 1990). Até porque “a prática de ensino tende a contrariar e a anular os efeitos da formação” (Estrela & Estrela, 1977, p.65). No fundo, as verdadeiras mudanças, as aprendizagens significativas só ocorrem a nível conceptual, quando se mudam pressupostos e esquemas prévios, quando se discutem e abalam crenças intuitivas, quando se passa da teoria à acção, da análise genérica e generalizadora ao estudo de caso e à solução de problemas específicos num contexto determinado. Mesmo os elementos teóricos oferecidos durante a formação devem servir mais ao desenvolvimento pessoal e conceptual de cada professor, do que à prescrição de práticas ou a uma tentativa de sedução e adesão a modelos teóricos específicos. Na formação em epistemologia genética, por exemplo, mais do que um contributo para uma compreensão sobre o desenvolvimento psicológico dos alunos, mais do que informar sobre processos de construção e desenvolvimento do conhecimento, sugere-se uma análise e reflexão sobre este modelo (incluindo pressupostos, metodologias, dificuldades e evolução histórica do modo de conceber as questões em estudo). Sob uma adequada orientação, pode constituir uma ocasião privilegiada de reflexão, de discussão e de descoberta epistemológica. Pode contribuir para dar a conhecer aos futuros professores, procedimentos de investigação científica menos divulgados, de carácter menos positivista e de maior utilidade para a sua própria auto-formação, promovendo um exercício profissional de qualidade crescente. O método clínico, o estudo de caso, a observação sistemática, etc. podem ser introduzidos em projectos de investigação em acção, em propostas de análise e renovação de ambientes e actividades educacionais. Mas podem também conduzir a uma reflexão sobre o próprio processo de aquisição e reformulação do corpus científico de cada disciplina a ensinar, oportunidade de reflexão e aprendizagem sobre princípios epistemológicos fundamentais. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 327 Na formação de professores, como aliás na psicoterapia, “o nosso objecto de trabalho é a pessoa do professor e o conjunto de processos experienciais que o possam tornar mais complexo3, mais flexível e mais disponível para compreender e autorizar múltiplas vozes, culturalmente aceites, ou culturalmente necessárias” (Ferreira-Alves & Gonçalves, 2001, p.72). Esta perspectiva pressupõe a criação de condições para um desenvolvimento pessoal de cada formando a todos os níveis, incluindo uma maior mestria e eficácia no ensino mas também uma maior valorização e envolvimento pessoal, maior auto-conhecimento, maior equilíbrio e maior aceitação de desafios4. Sendo desde há muito considerada uma profissão de risco, exercida quase sempre de uma forma muito autónoma, verifica-se que as exigências da função docente se tornam ainda maiores na época actual. O desenvolvimento tecnológico e a globalização proporcionam o confronto de múltiplas perspectivas, concorrentes e relativas, estimulam o aparecimento de novas realidades, novas tarefas e, necessariamente, de novos problemas. Tudo isto proporciona a emergência de dúvidas sobre aquilo que outrora era consensual (Gergen, 1992, citado por Ferreira-Alves & Gonçalves, 2001, p.21). Neste sentido, “a escola da pós-modernidade terá que ser uma escola, não de realidades, mas uma escola de possibilidades” (Gonçalves e Ferreira-Alves, 1995, p.137). Do ponto de vista epistemológico, esta abertura à complexidade, à pluralidade, mesmo à inovação, será mais acessível a todos aqueles que entendam o conhecimento como relativo, contextualizado e em permanente construção. O desenvolvimento de uma “pedagogia da situação” (Estrela & Estrela, 1978), exige uma articulação profícua 3 Como ficou referido num dos testemunhos analisados no estudo 2., por um dos estudantes universitários do curso de formação inicial de professores: “Julgo que se ultrapassa uma dificuldade quando se ganha consciência de que "alguma coisa" deixou de ser complicada para passar a ser complexa. Esta passagem é fruto do "ganhar sentido".” (TEXT: univ.L17) 4 “A menos que o professor valorize, respeite, goste e se aceite a si próprio, ele não pode atingir o valor, o respeito, o gosto e aceitação dos estudantes; a menos que o professor tenha uma alta opinião de si próprio, ele não pode ter uma alta opinião dos estudantes; a menos que o professor seja sensível a si próprio, ele não pode ser sensível aos estudantes.” (Schmier, 1995, citado por Ferreira-Alves & Gonçalves, 2001, p.123). Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves III. CONCLUSÃO 328 entre conhecimento e acção, numa constante inter-relação entre teoria e prática pedagógica. Num constante esforço de adaptação e de articulação, que supõe e exige uma mudança de atitudes, um comprometimento pessoal de cada professor (De Corte, 2000) numa constante busca de significado (Frankl, 2000). Numa tentativa de identificação e de superação de dificuldades, concebidas como inerentes e decorrentes de qualquer esforço de aprendizagem, na necessidade de construção e de reconstrução de percursos e planos, de formação e de acção pedagógica5. Neste sentido, também as dificuldades colocadas pela existência de alunos em dificuldade podem constituir (e ser concebidas como) um desafio, como uma permanente (e persistente) oportunidade de mudança e de reconstrução de uma escola diferente. Se todos os alunos fossem e permanecessem, iguais e simples, se tudo fosse fácil e a aprendizagem fluisse, cada professor teria provavelmente muito menos ocasiões para reflectir sobre a sua prática, sobre os limites das suas estratégias e das “suas” teorias, pessoais ou científicas. A possibilidade de estar atento, de aproveitar e aprender o mais possível com um tal contributo, parece dependente, entre outros aspectos, de crenças e concepções pessoais sobre o conceito de “Dificuldade de Aprendizagem”, tal como estão difundidas na comunidade e como podem ser individualmente assumidas (modeladas, mobilizadas ou modificadas) por alunos e professores, por investigadores e por todos os outros intervenientes no domínio da educação. 5 “Uma parte do desânimo e do mal-estar sentidos por muitos professores poderá explicar-se por essa incapacidade de transposição para a prática de um ideal pedagógico, com todo o sentimento de incongruência que isso acarreta.” (Estrela & Estrela, 1978, p. 83). Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves