Introdução à Física das Partículas Elementares Alfred Stadler, Universidade de Évora, 2007 Física das partículas elementares • Do que consiste a matéria ao nível mais fundamental? (Partículas elementares!) • Como interagem estas partículas entre si? (Interacções fundamentais!) • Como podemos saber? (Experiências!) Domínios da mecânica Pequeno Rápido Mecânica Clássica Mecânica Quântica Mecânica Relativista Teoria Quântica Relativista de Campos História simplificada A era clássica (1897-1932) Electrão: J.J. Thomson 1897 - descobriu que raios catódicos são feixes de partículas - e/m muito maior que para qualquer ião conhecido - modelo do átomo (pudim de ameixas) Tubo de raios catódicos J.J. Thomson Rutherford: o fim do pudim de Thomson Famosa série de experiências de dispersão com partículas α •Descoberta do núcleo atómico •Tamanho ~10-15 m ( ou 1 fm) •Contem quase toda a massa do átomo •Rutherford chama o núcleo do átomo mais leve (hidrogénio) protão publicado em 1920 Grandes deflexões O resultado previsto pelo modelo de Thomson O resultado obtido Interpretação O neutrão O núcleo do He possui 2x a carga do H mas 4x a massa! Como explicar isto? Especulação: 4 protões + 2 electrões no núcleo Este modelo não funciona sempre (várias razões) Resolução do dilema: descoberta do neutrão (Chadwick, 1932) Gémeo neutro do protão A matéria em 1932 • Estrutura do átomo: núcleo pesado com quase toda a massa do átomo • Tamanho ~10-15 m (fm) • protões e neutrões • Nuvem de electrões muito maior do que o núcleo tamanho do átomo ~10-10 m Electrões, protões, neutrões (fotões) Nunca mais o mundo será tão simples! O fotão (1900-1924) • • Difícil dizer quem o descobriu… Planck 1900: espectro da radiação do corpo negro radiação e.m. é emitida e absorvida em pequenas porções E = hν quanta • Einstein 1905: efeito foto-eléctrico radiação e.m. consiste de quanta, os fotões • Compton 1923: dispersão luz-electrões a luz comporta-se exactamente como um feixe de partículas Ideia não bem aceite na comunidade! (cheira às corpúsculas de Newton) Mesões (1934-1947) • • • • O que mantem um núcleo estável? (protões repelem-se) Hideki Yukawa (1934): tem de existir algum campo de força (forte!) Quantização deste campo → teoria da interacção nuclear Força transmitida por uma partícula sem spin, chamada o mesão π (pião) – A massa do mesão π é aproximadamente 250 vezes a massa do electrão (138 MeV/c2) – O mesão π foi descoberto finalmente em 1947 nos raios cósmicos por Powell (emulsões fotográficas, exposição nos cumes de montanhas) peso médio m c exp − π r V (r ) = g r Antipartículas (1930-1956) • • • Mecânica Quântica desenvolvida 1923-1926 mas não respeita as regras da Teoria da Relatividade Restrita P.A.M. Dirac (1927): teoria quântica relativista do electrão Equação de Dirac para electrões livres tem soluções com E = + p 2c 2 + m 2c 4 E = − p 2c 2 + m 2c 4 Energia negativa! Inicialmente visto como um defeito da equação de Dirac 2 ∂ i Ψ (r , t ) = − ∇ 2 + V Ψ (r , t ) ∂t 2m i γ µ ∂ µψ ( x) − mcψ ( x) = 0 x = ( x0 , x1 , x2 , x3 ) = (ct , x, y, z ) ∂µ = ∂ ∂x µ ψ 1 ψ ψ = 2 ψ 3 ψ 4 (γ 0 , γ 1 , γ 2 , γ 3 ) matrizes 4x4 spinor de Dirac Interpretação de Feynman-Stückelberg • Estado com energia negativa = estado com energia positiva de outra partícula – da antipartícula Anderson (1932): descoberta do positrão rasto duma partícula dos raios cósmicos numa câmera de nevoeiro, e num campo magnético (orientado para dentro da fotografia) Para cima ou para baixo? Partícula perde energia atravessando uma placa de chumbo → para cima F = q( E + v × B) q>0 Antipartículas (II) e+ Conversão γ → e − + e + numa câmera de nevoeiro • A equação de Dirac descreve então electrões e antielectrões prevê as propriedades deles (massa, carga, momento magnético,…) • Hoje sabemos: é uma propriedade mais profunda todas as partículas têm as suas antipartículas • Notação: p, n , mas também não Bevatron @ Berkeley: •1955 descoberta do antiprotão •1956 descoberta do antineutrão e + , µ + , e , µ , e- Crossing symmetry (simetria de cruzamento) Princípio fundamental Reacção de partículas A+ B → C + D Então também possíveis: A→ B +C + D A+C → B + D C +D → A+B e o processo inverso: (detailed balance) C + D → A+ B São manifestações diferentes do mesmo processo fundamental (os cálculos são quase idénticos) Crossing symmetry (II) Atenção: processos cruzados podem ser dinamicamente possíveis mas cinematicamente proibidos Exemplos: m A < mB + mC + mD então o decaimento de A é impossível A→ B +C + D m A + mC < mB + mD então existe uma energia limiar para a reacção A+C → B + D Crossing mostra que a dispersão de Compton e a aniquilação de pares são no fundo o mesmo processo! γ + e− → γ + e− e− + e+ → γ + γ (γ = γ ) Neutrinos (1930-1962) Neutrinos (1930-1962) 1930: problema no decaimento β A → B + e− “núcleo pai” “núcleo filho” Decaimento em dois corpos: energias determinadas! Falta alguma coisa… (energia) Espectro observado Pauli propôs nova partícula neutra, “neutron” (recepção céptica pelos sábios) Chadwick usou o nome “neutron” para a partícula que descobriu em 1932 Fermi apresentou uma teoria do decaimento β em 1933 com grande sucesso; incorpora a partícula de Pauli, à qual chamou neutrino Processo fundamental do decaimento β: n → p + e − +ν Interacção fraca π → µ +ν Os neutrinos não se vêm directamente Como sabemos se 1 ou 2 neutrinos são produzidos? Repetir a experiência muitas vezes! A energia do muão é sempre a mesma → dec. em dois corpos A energia do electrão varia → dec. em três corpos (ou mais…) Fotografias de Powell et al. µ → e + 2ν Descoberta experimental dos neutrinos Difícil: neutrinos passam facilmente por anos-luz de chumbo! Cowan e Reines (~1955): usaram um reactor nuclear como fonte intensa de υ’s observaram a reacção ν num tanque de água + p → n + e+ detectaram os positrões Neutrinos e antineutrinos são iguais ou não? Davis e Harmer: procuraram ν + n → p + e− é possível (cruzada da outra) ν + n → p + e− mas não encontraram neutrino ≠ antineutrino O número leptónico L • • Regra simples para determinar que reacções são possíveis: L=+1 para electrões, muões, neutrinos L=-1 para positrões, antimuões, antineutrinos L=0 para todas as outras partículas L é conservado (tal como a carga eléctrica) ν + n → p + e− ν + n → p + e− Mas porque nunca se observa L =1→ L =1 L = −1 → L = 1 µ − → e− + γ ? Existem diferentes tipos de neutrinos, e diferentes números leptónicos: Le = +1 : e − ,ν e Lµ = +1 : µ − ,ν µ Le = −1 : e + ,ν e Lµ = −1 : µ + ,ν µ Le e Lµ conservadas separademente Com isso obtemos mais correctamente: decaimento β: n → p + e − +ν e decaimento dos piões: π − → µ − +ν µ π + → µ + +ν µ decaimento dos muões: µ − → e − +ν e +ν µ µ + → e + +ν e +ν µ Primeiro teste experimental: Lederman, Schwartz, Steinberger 1962 encontraram νµ + p → µ+ + n mas não ν µ + p → e+ + n ν µ ≠νe confirmado (com 1 tipo de neutrinos igualmente prováveis) Partículas estranhas (1947-1960) 1947 o mundo das partículas pareceu mais ou menos sob controlo (durante 2 meses): •o pião de Yukawa encontrado •o positrão de Dirac encontrado •o neutrino de Pauli entendido (embora ainda não encontrado) •o muão encontrado, mas o seu papél permaneceu misterioso (I.I. Rabi: “Who ordered that?”) Mas ainda no Dezembro de 1947 Rochester e Butler publicaram uma fotografia estranha… Kaões Raios cósmicos Chumbo K0 → π + +π − “V” fora do comum Análise mostrou: “V” são piões K0 →π + +π − nova partícula (da família dos mesões) E mais partículas seguiram… Powell (1949) encontrou: K+ →π + +π + +π − Anderson (1950, CalTech): Λ → p +π − um novo barião Já agora… porque é o protão estável? p → e+ + γ ? Stückelberg (1938): propôs conservação do número bariónico A p, n: A=+1, antibariões: A=-1 Nos próximos anos, mais bariões foram descobertos: Σ, Ξ , ∆ , Nota: não há lei de conservação para o número de mesões. Tantas partículas! Willis Lamb: “… the finder of a new elementary particle used to be rewarded by a Nobel Prize, but such a discovery now ought to be punished by a $10000 fine.” (Nobel Prize acceptance speech, 1955) As novas partículas tinham propriedades estranhas: são produzidas rapidamente (~10-23 s) mas decaem muito lentamente (~10-10 s) interacção forte interacção fraca Gell-Mann e Nishijima (1953): nova propriedade – estranheza (strangeness) S S conservada pela interacção forte, mas não pela interacção fraca! Exemplo: p +π − → K0 + Λ Λ → p +π − 0 + 0 → (−1) + (+1) +1 → 0 + 0 S conservada S não conservada Partículas descobertas até 1964 The Eightfold Way (1961-1964) 1961 Gell-Mann e Ne’eman (independentmente) propuseram uma “tabela periódica” das partículas Q= -1 Q= 0 Q=+1 S=+1 K0 K+ S= 0 π+ π0 , η π+ S= -1 K+ K0 Q= -1 Q= 0 Q=+1 n p S= 0 S= -1 Σ− Σ0 , Λ Σ+ S= -2 Ξ+ Ξ0 S= 0 S= -1 S= -2 S= -3 Q=-1 ∆− Σ∗− Ξ∗− Ω− Q= 0 Q=+1 Q=+2 ∆0 ∆+ ∆++ Σ∗0 Σ∗+ Ξ∗0 Octeto de mesões, spin 0 Octeto de bariões, spin 1/2 Decupleto de bariões, spin 3/2 O octeto de bariões n S=0 S=-1 S=-2 p Σ- Σ+ Σ0 ; Λ Q=1 Ξ- Ξ0 Q=-1 Q=0 O octeto de mesões K0 S=1 S= 0 S= 1 π- K+ π+ π0 ; η Q=1 K- K0 Q=-1 Q=0 O decupleto de bariões Problema: não era conhecido um barião com S=-3 Gell-Mann previu esta partícula e calculou a sua massa A partícula Ω1964 a partícula Ω foi realmente encontrada Confirmação do “eightfold way”! O modelo dos quarks (1964) Qual é a origem destes padrões geométricos? Gell-Mann e Zweig (independentmente): Hadrões não são elementares, mas consistem de outras partículas mais elementares – os quarks (e antiquarks) quarks em três “sabores” (flavor) u d s Spin 1/2 Cargas eléctricas fracionais! up down strange Exemplos: p = uud n = udd Λ = uds Gell-Mann bariões: qqq π+ = ud K- = su mesões: qq Zweig Mesões e bariões no modelo de quarks ∆- ddd us ds Σ0 Λ dds π- du ud uu,dd,ss su K- Σ+ uus uds π+ π0 η φ dss uss Ξ Ξ0 - sd K0 uuu p n Σ- ∆++ uud udd K+ K0 ∆+ ∆0 Ωsss O padrão dos quarks S=1 Q=-1/3 s Q=2/3 d s u s S=0 ū đ Q=-2/3 s S=-1 Q=-1/3 O problema da cor De acordo com o modelo dos quarks: Ω- = sss três fermiões no mesmo estado quântico viola o princípio de Pauli! Greenberg 1964: quarks vêm em três cores rgb A combinação das três cores dá branco = sem cor Mesões: cor-anticor Todas as partículas que se encontram na natureza têm cor total zero Partículas descobertas desde 1964 Foram descobertos mais “flavors”: charm, bottom, top E mais uma família de leptões: tau, tau-neutrino Os bosões vectoriais (1983) • • • A teoria de Fermi do decaimento β é uma interacção de contacto Estava claro que não pode ficar válida a altas energias – tinha de ser substituida por uma teoria com troca de uma partícula n p= u d u Teoria electro-fraca de Glashow, Weinberg e Salam: 3 bosões vectorias 1983 encontrados no CERN (Rubbia et al.) M W = 82GeV M Z = 92GeV p νe νe W- W±, Z • e+ n= u d d e- Constituintes do Modelo Padrão (Standard Model, 1978-?) Matéria “normal” Raios cósmicos, aceleradores QCD: Cromodinâmica Quântica (Quantum Chromo-Dynamics) • • • • • • • • Teoria fundamental da interacção forte Partículas fundamentais são os quarks (existem 6 sabores) Nucleões e outros bariões consistem de qqq Mesões consistem de qq Um quark possui uma “cor” (as “cargas” da força forte) Três cores: vermelho, azul, verde A força é transmitida pela troca de gluões (possuem uma cor e uma anticor, spin 1, não têm massa) Quarks têm cargas eléctricas fracçionais (±1/3 e ou ±2/3 e) e spin ½ (fermiões) Cor total = 0 QCD em teoria de perturbações Analogia: série geométrica 1 = 1 + (αx) + (αx) 2 + (αx) 3 + ... 1 − αx converge so quando αx < 1 αs constante de acoplamento αs depende da energia! Teoria de perturbações funciona só para altas energias! Interacção entre quarks Propriedades da QCD Coulomb QCD ˉ Confinamento • O potencial entre q eˉq aumenta linearmente • É preciso de energia infinita para os separar! • Os quarks não podem ser isolados • O tubo de fluxo pode quebrar produz um novo par qqˉ Cálculos em lattice gauge theory Discretização do espaço-tempo quarks gluões Energia potencial entre quark e anti-quark (com quarks estáticos) ~linear Espectro de hadrões leves CP-PACS collaboration (Japan), Phys. Rev. Lett. 84, 238 (2000) Simulações em lattice gauge theory (quenched) Aresta da rede a ≈ 0.1-0.05 fm Extensão espacial ≈ 3 fm Ainda longe de uma solução completa do espectro dos bariões e mesões Ainda muito mais longe da descrição do systema NN ou dos núcleos mais leves QCD e a troca de mesões • Confinamento quarks presos em bariões e mesões (com cor 0) • A força nuclear forte é uma força residual entre objectos compostos (analogia grosseira: forças Van der Waals entre átomos) • Sugere naturalmente uma interpretação em termos da troca de mesões O bosão Higgs • No modelo padrão, as partículas adquirem massa através da interacção com uma outra partícula com spin 0, o bosão Higgs • No CERN está a ser construido o LHC (Large Hadron Collider) para descorbir o Higgs -- a última peça do modelo padrão que ainda falta