ANAIS DOS EVENTOS ISBN: 978-85-64616-02-8 Equipe do Ambulatório de Saúde Mental e CAPs 1 de Serra Negra www.nesme.com.br Anais/Organizador: Solange Aparecida Emílio Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares - NESME Dados da Obra Título: Anais do IX Congresso Brasileiro de Psicanálise das Configurações Vinculares; VII Encontro Paulista de Saúde Mental; XI Jornada da SPAGESP; III Encontro de Saúde Mental de Serra Negra Tipo: Título Independente / Assunto: PSICOLOGIA Obs.: o conteúdo destes anais poderá ser reproduzido de forma parcial, desde que citada a fonte. IX CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICANÁLISE DAS CONFIGURAÇÕES VINCULARES / VII ENCONTRO PAULISTA DE SAÚDE MENTAL / XIJORNADA DA SPAGESP / III ENCONTRO DE SAÚDE MENTAL DE SERRA NEGRA Coordenação Geral: Carla Lam Secretária: Priscila Venosa Tesoureiro: Dário N. Santos Coordenação da Comissão Científica: Solange A. Emílio Comissão Científica: Alexandre Mantovani, Andreza Buzaid, Carina Cella Panaia Mantovani; Evelyn Pryzant, Fernanda Donato Gomes, Ismênia de Camargo, Juan A. Brandt, Lazslo Antônio Ávila, Lilian Veronese, Manoel Antônio dos Santos, Maria das Graças Saturnino de Lima, Priscila de Paula Ferreira, Rose Pompeu de Toledo. Comissão de Divulgação: Ada Maria Riberti, Amaury Tadeu Rufatto, Ana Carolina Nicoletti, Andreza Buzaid, Carla Lam, Cláudia Alexandra Bolela da Silveira, Fernanda Donato Gomes, Gisela Pires de O. Marchini, Isabela Bergier Dietrchikeit, Josefa Trento, Juan A. Brandt, Lazslo Antônio Ávila, Maria Carolina Gatti, Ruth Blay Levisky. Comissão de Organização Local: Teresa Cristina C. Fernandes, Alaíza Ribeiro Citrângulo Público Alvo Médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros, profissionais da saúde e educação, e estudantes universitários dessas áreas. Serra Negra/SP 2013 PROGRAMA GERAL DOS EVENTOS 23/Maio Quinta Horário/Dia 24/Maio Sexta 25/ Maio Sábado 26/Maio Domingo Minicursos 08:00 às 09:30 Minicursos Grupo de Ref. Grupo de Ref. Workshops 09:30 às 10:00 MR 1 a 3 + GD 12:00 às 14:00 16:00 às 16:30 16:30 às 18:30 18:30 às 19:00 Grupo de R. Workshops Café 10:00 às 12:00 14:00 às 16:00 Minicursos MR 8 a 11 +GD Encerramento e Fórum Final Almoço A partir das 15:00 Abertura da secretaria e credenciamento Grupo de Acolhimento (16:30 às 17:30) 18:30 às 20:00 Abertura e Palestra de Joaquín PichonRivière MR 4 a 7 + GD MTC1 a 5 + GD Café Pôsteres Sessões 1 a 5 + GD MRE “Grupos na América Latina e a influência de Enrique PichonRivière no Brasil” Assembléia NESME 19:00 às 20:00 20:00 às 21:00 21:00 às 23:00 Coquetel MR= Mesa Redonda MCT= Mesa de Comunicação Temática GD= Grupo de Discussão MR 12 a 15 + GD Sarau Atividades Extras 8:00 às 9:30 – Minicursos, Grupos de Reflexão e Workshops Data Atividade Professor/ Coordenador Sala 24 a 26/05 MC1- Minicurso Entre a carne e o sonho: Psicossomática Psicanalítica Lazslo A. Ávila Millenium 24 a 26/05 MC2 – Minicurso Teoria do grupo Juan Adolfo Brandt Sala Monte Carlo 24 a 26/05 GR – Grupo de Reflexão Carla Lam e Andreza Buzaid Sala Sausalito 25/05 WS1 - Workshop Atendimento de casais e famílias: a perspectiva interdisciplinar Angela Antonia Hiluey Sala Monterrey 26/05 WS2 - Workshop Do squiggel da consulta terapêutica ao pictograma grupal: Objeto mediador para trabalhar o vincular Maria Antonieta Pezo del Pino Sala Monterrey PROGRAMA DETALHADO DAS ATIVIDADES ABERTAS A TODOS OS PARTICIPANTES Quinta Feira 23/05/2013 16:30 as 17:30 – Grupos de acolhimento GA1 – Sala Palo Alto – Betty Svartman GA2 – Sala Sausalito – Lilian Veronese GA3 – Sala Primavera – Ismênia de Camargo e Oliveira 18:30 às 20:00 – Abertura do Congresso e Palestra de Joaquin Pichon-Rivière - Sala Millenium 20:00 às 21:00 – Coquetel – Bar Sexta Feira 24/05/2013 10:00 às 12:00 – Sessão de Comunicação Oral 01 MR01 – Vínculos e Transtornos Alimentares – Sala Millenium Presidente: Lilian Veronese Autores Trabalho Maria Martins Baptista Castanheira Membro colaboradora do PROATA/ UNIFESP -EPM (Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares), aspirante a membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientae e coordenadora do CEAP (Centro de Est. e At. Psicanalítico) – SP. Espelho, espelho meu: quem sou eu? Élide Dezoti Valdanha Lilian Regiane de Souza Costa Manoel Antônio dos Santos Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo A arte de nutrir vínculos: psicoterapia de grupo nos transtornos alimentares Manoel Antônio dos Santos Lilian Regiane de Souza Costa Élide Dezoti Valdanha Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Grupo de cuidadores no contexto ambulatorial: fortalecendo a rede de apoio aos familiares de pacientes com anorexia e bulimia Coordenação GD: Priscila Venosa e Lilian Veronese MR02 – Trabalhando Vínculos Familiares - Sala Monterrey Presidente: Carla Lam Autores Trabalho Ana Paula Medeiros Marcela Lança De Andrade Fernanda Kimie Tavares Mishima Gomes Valéria Barbieri (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) O enfraquecimento dos vínculos familiares diante das perdas: como enxergar o outro? Monique Vaz Marques Mariângela Mendes de Almeida Tatiane Sayuri Maeda (Saúde Mental/Pediatria-UNIFESP) Intervenção psicanalítica nas relações paiscriança: do bebê ao pré-adolescente no contexto vincular Rosa M. Prista Alessandra Fabre Pietro Olivetti Jessica Rozaes (Coordenadora de estágio em Psicologia -Seflu – RJ) Autista fala e pensa. Um estudo sobre a mediacao da maternagem e paternagem Coordenação GD: Solange A. Emílio e Carla Lam MR03 – O Dispositivo grupal e as Políticas Públicas – Sala Monte Carlo Presidente: Francisco Cruz Autores Trabalho Bruna Rodrigues da Silva Saúde mental no âmbito da atenção primária: consonâncias com a reforma psiquiátrica e as práticas da integralidade a partir de um relato de experiência no campo da psicologia Anamélia Maria Guimarães Junqueira Isabel Cristina Carniel Alexandre Mantovani (SPAGESP) O trabalho em grupo como estratégia democrática e crítica para a convivência em saúde mental. Simone Pantaleão Macedo Mirella Martins Justi (ASAS – Associação de Apoio à Saúde Mental) A dimensão política dos dispositivos atuais de saúde mental: Oficinas Terapêuticas e o Acompanhamento Terapêutico (AT): dispositivos de construção política Coordenação GD: Amaury Rufatto e Francisco Cruz 12:00 às 14:00 – Almoço 14:00 às 16:00 – Sessão de Comunicação Oral 02 MR04 – TÍTULO: Atendimentos a Famílias e suas Vicissitudes – Sala Millenium Presidente: Angela H. Teixeira Autores Maíra Bonafé Sei Bruna Maria de Souza Débora Kalwana de Martini Lopes dos Santos Trabalho Atendimento a famílias em uma clínicaescola de Psicologia: percursos e reflexões (Universidade Estadual de Londrina) Amanda Maramaldo Vieira Isabel Cristina Gomes (Universidade de São Paulo – USP) Solange Aparecida Emílio (NESME e Universidade Anhembi Morumbi) Uma proposta de psicoterapia familiar vincular: desfazendo segredos e propiciando elaborações O imponderável na terapia familiar – quando a morte invade o setting Coordenação GD: Andreza V. Buzaid e Angela H. Teixeira MR05 – Interfaces entre Família e Escola - Sala Monterrey Presidente: Marisa Machado Cavallieri Autores Trabalho Ana Paula Medeiros Sylvia Domingos Barreira Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo “Nosso filho é especial”: a vivência de pais com a inclusão escolar Fuad Kyrillos Neto1 Rodrigo Afonso Nogueira Santos2 1 Doutor em Psicologia Social pela PUC/SP. Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) 2 Acadêmico de Psicologia da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Bolsista PIBIC/CNPq/UFSJ TDA/H, neurocentrismo e a construção de bioidentidades Prof. Drª. Anamaria Silva Neves1 Fyamma Mussato Antunes2 Isabela Alves Bernardes2 Juliane de Oliveira Silva2 Maria Eduarda de Oliveira Castro2 Rafaela Rannelle de Lima Costa2 ¹ Professora Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (IPUFU). ² Graduandas de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Por trás da lona: os desafios da família circense na contemporaneidade Coordenação GD: Lilian Veronese e Marisa Machado Cavallieri MR06 – Os Dispositivos de Grupo no Contexto da Saúde – Sala Monte Carlo Presidente: Isabel Cristina Carniel Autores Trabalho Maria Carla Borges Sorbello Maria da Gloria Aparecida de Almeida Pirinoto Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – UNIFAE Experiência dos cuidadores de pessoas vivendo com Alzheimer: lidando com situações conflituosas Manoel Antônio Dos Santos Rodrigo Sanches Peres Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Encontro com a finitude como oportunidade de transformação: a delicada tessitura dos vínculos em um grupo de apoio a mulheres com câncer de mama na ótica da psicanálise das configurações vinculares Carolina Leonidas Manoel Antônio dos Santos Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Impacto das relações sociais e do apoio social nos transtornos alimentares Coordenação GD: Dário N. Santos e Isabel Cristina Carniel MR07 – Teoria da Técnica no Trabalho com Grupos – Sala Sausalito Presidente: Maria Gizelda Dias Autores Trabalho Alexandre Mantovani A convergência de dois campos: a grupanálise de Foulkes e as questões atuais da psicanálise. (SPAGESP) María Antonieta Pezo del Pino Do associar livremente no divã para a cadeia associativa no grupo Evelyn Pryzant Mais além da interpretação no grupo: o manejo (NESME) Coordenação GD: M. Ondina Peruzzo e Maria Gizelda Dias 16:30 às 18:00 - Mesa Redonda MRE: “Grupos na América Latina e a influência de Enrique Pichon-Rivière no Brasil” Sala Millenium Presidência da mesa: Solange Aparecida Emílio Participantes: Joaquin Pichon-Rivière – Psicólogo Social / Membro e ex-presidente da APSRA (Asociación de Psicólogos Sociales de la República Argentina); Membro da Escuela Argentina de Etnopsiquitría Osvaldo Santana - Médico psiquiatra /funcionário público do CAPS Largo 13 Santo Amaro/SP. Pablo Castanho – Psicólogo e mestre em Psicologia Social (USP); doutor em psicologia clínica (PUC); professor universitário (Mackenzie/FGV); membro associado do NESME. Waldemar J. Fernandes – Médico especialista em psiquiatria, com certificação na Área de Psicoterapia pela Associação Brasileira de Psicoterapia; Membro fundador do NESME e SPAGESP. 18:00 às 19:00 - Fórum de Entidades Coordenação do Fórum de Entidades: Lazslo A. Ávila Sábado 25/05/2013 8:00 às 9:30 – Minicursos e Workshop 9:30 às 10:00 – Café 10:00 às 12:00 – Sessão de Comunicação Oral 03 MR08 – Humilhação, Violência e o Contexto Grupal - Sala Millenium Presidente: Ismênia de Camargo Autores Trabalho Pablo Godoy Castanho (Mackenzie, FGV, NESME) A dimensão traumática da humilhação social: questões para o trabalho em grupo Maria Carolina Gatti (CRAMI – Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância) Experiência de atendimento familiar:ressiginificando uma historia de abandono e violência Lucianne Sant’anna De Menezes (Docente do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia – UFU/MG) Psicanálise e conexões: a montagem perversa no âmbito do trabalho Coordenação GD: Carla Lam e Ismênia de Camargo MR09 – Adolescência e Grupalidade - Sala Monterrey Presidente: Ana Carolina Nicoletti Autores Trabalho Cybele Carolina Moretto1 Carla Pontes Donnamaria2 O Adolescente para a Psicanálise 1 2 Psicóloga, Mestre e Doutoranda Psicóloga, Mestre e Doutoranda Ana Paula Medeiros Maria Manuela da Costa Manaia Lucy Leal Melo-Silva Vivência em Orientação Profissional com adolescentes: limites e possibilidades em dois encontros Marisa Machado Cavallieri Ambulatório de Saúde Mental de Serrana – SP Grupo com Adolescentes: peculiaridades no atendimento psicoterapêutico. Coordenação GD: Beatriz Silverio Fernandes e Ana Carolina Nicoletti MR10 – Inquietações pela Ótica da Psicanálise Vincular – Sala Monte Carlo Presidente: Alexandre Mantovani Autores Trabalho Ricardo Maximiliano Pelosi Ansiedade literária Lazslo A. Ávila NESME Os grupos como instrumentos de pacificação Evelin Pestana Casa Aberta, SP O grupo como espaço de transmissão psicanalítica: O café com Freud Coordenação GD: Waldemar Fernandes e Alexandre Mantovani MR11 – Vínculos Conjugais – Sala Sausalito Presidente: Fernanda de Oliveira Cecchi Autores Trabalho 1 Andrezza Sisconeto Ferreira Dias Anamaria Silva Neves2 O vínculo conjugal violento 1 Psicóloga, mestranda do programa de pósgraduação em psicologia aplicada da Universidade Federal de Uberlândia 2 Doutora em Psicologia. Professora adjunto 3 no curso de psicologia graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia). Sandra Aparecida Serra Zanetti Isabel Cristina Gomes Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – USP Laura Fernandes Merli Isabel Cristina Gomes O papel da herança psíquica na opção pela não construção do vínculo amoroso compromissado Um estudo acerca da construção do vínculo conjugal: quando surge a gravidez Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – USP Coordenação GD: Claudia Bolela e Fernanda de Oliveira Cecchi 12:00 as 14:00 – Almoço 14:00 as 16:00 – Mesas de Comunicação Temática MCT01 – Grupoterapia com Crianças e Adolescentes - Sala Millenium Presidente: Dário Nunes dos Santos Autores Trabalho Suzana Mayumi S. Matsumoto Beatriz S. Fernandes Casa de Acolhimento Psicológico Psicoterapia de grupo com crianças – dificuldades e facilidades na implantação Fernanda Luposeli Rodrigues Carina Rugai Moreira de Macedo Escola Municipal “Maria Lúcia de Oliveira” – São José do Rio Preto –SP Grupo Terapêutico com jovens autistas: pela estrada afora e já não tão sozinhos Amaury Tadeu Rufatto NESME Coterapia e a questão intertransferencial no que implica e quando complica no atendimento de grupos de crianças Cláudia Alexandra Bolela Silveira Cláudia Maria Pereira Brentini Marisa Von Dentz Universidade de Franca e SPAGESP Grupoterapia: um espaço de intervenção psicológica para as crianças e suas mães Coordenação GD: Evelyn Prysant e Dário Nunes dos Santos MCT02 – Novos Olhares sobre as Famílias - Sala Monterrey Presidente: Fernanda M. Donato Gomes Autores Trabalho Jéssica Mírian de Souza Maria Zita Figueiredo Gera A dinâmica das novas configurações familiares Juan Adolfo Brandt A imposição do nome do pai Centro Universitário IESB de Brasília, Centro de Estudos Psicanalíticos de Brasília e NESME Maria Lucia de Souza Campos Paiva O processo identificatório em famílias reconstituídas Ethyene Andrade Costa Isabela Bianco Rodrigues Karoline Silva Gomes Nayara Paula De Oliveira Noilma Alves Martins Pablo Henrique Alves Guerra Para além das considerações, um pensamento sobre (des)igualdade familiar Universidade Federal de Uberlândia Coordenação GD: Carla Lam e Fernanda M. Donato Gomes MCT03 – Grupos, Aprendizagem e suas Peculiaridades – Sala Monte Carlo Presidente: Maria Carolina Gatti Autores Trabalho Rodrigo Toledo De não-professor a professor: uma reflexão sobre a construção da identidade profissional Universidade Ibirapuera Lilian Aracy Affonso Veronese NESME Marisa Machado Cavallieri Érika Arantes Oliveira O grupo trabalhando na escola: uma questão institucional Grupo de reflexão na educação: um espaço a ser conquistado SPAGESP Carina C. Panaia Mantovani SPAGESP Oficina de linguagem: uma modalidade de atendimento psicopedagógico em grupo Coordenação GD: Priscila Venosa e Maria Carolina Gatti MCT04 – Sustentabilidade dos Vínculos na Contemporaneidade – Sala Sausalito Presidente: Maria Ondina Peruzzo Autores Trabalho Carla Pontes Donnamaria O atendimento psicológico grupal via internet: uma perspectiva psicanalítica PUC-Campinas Sebastião Sanches A insustentável leveza do ser – vínculos, ilusão e sustentabilidade nas Redes Sociais Virtuais Olivan Liger de Oliveira Patologias do desvalimento: correlações do desvalimento com a pós-modernidade ILPC-Instituto Latino-americano de Psicanálise Contemporânea Esperidião Barbosa Neto Universidade Federal de Alagoas Trâmites do vínculo transferencial no século XXI Coordenação GD: Fátima Rolim Rosa e Maria Ondina Peruzzo MCT05 – O Dispositivo Grupal na Promoção da Saúde Mental – Sala TV Presidente: Angela H. Teixeira Autores Trabalho Silvia Brasiliano Antropofagia e sustentabilidade: vínculos em mulheres dependentes de substâncias psicoativas PROMUD – Psiquiatria/USP Walter Mattos Soraya Borges Regina Mendes Dependências – alternativas para tratamento em grupo com abordagem não-diretiva PROAD – Psiquiatria/UNIFESP Rosangela P. da Fonseca Grupos criativos no CAPS Professora do Curso de Introdução TeóricoClínico de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae. Psicóloga do Caps Itapeva Araceli Albino Maria Teresa Mendonça de Barros Grupo Vida – uma nova abordagem para o tratamento de pacientes psicóticos Núcleo Brasileiro de Pesquisas Psicanalíticas Coordenação GD: Manoel A. dos Santos e Angela H. Teixeira 16:00 as 16:30 – Café 16:30 as 18:30 – Sessão de Pôster Pôster 01 – Vínculos e seus Efeitos no Desenvolvimento Humano – Sala Millenium Presidente: Marly Terra Verdi Autores Trabalhos Flávio Eduardo Piva Bosso Flávia Toledo Lima Vinícius Assugeni Sobreiro Dias Fac. Mun. “Prof. Franco Montoro” / FMPFM Adolescência e Orientação Vocacional: a escolha profissional Fabiana Kozicz Reis Falso Self Rafaela Moura de Souza Rayssa Yussif Abou Nassif Saúde Mental – Pediatria/UNIFESP Intervenção nas relações iniciais e aspectos das relações no atendimento clínico a pais e bebês Monique Vaz Marques Cecília Harumi Tomizuka Mariângela Mendes de Almeida Saúde Mental/Pediatria-UNIFESP Intervenção nas relações iniciais pais-bebê: favorecendo conexões. Natália Trematore Cláudia Alexandra Bolela Silveira Universidade de Franca Grupos e Instituiçao: uma experiência de intervenção grupal em instituição escolar Mayara Karolina Alvarenga Recaldes Gomes Coutinho Silvia Maria Bonassi Hiperatividade: Comportamento desafiador, sob o olhar multiprofissional, agregando saberes em busca de adaptação social e sustentabilidade na educação Coordenação GD: Amaury Rufatto e Carina Rugai Moreira de Macedo Pôster 02 – Sujeito e sociedade – a sustentabilidade da vida em grupo - Sala Monterrey Presidente: Pablo Castanho Autores Trabalhos Esperidião Barbosa Neto Psicólogo; professor da Universidade Federal de Alagoas A insustentável leveza do sujeito Alessandra Almeida Edmilson Lima Mayara Ferreira Rosana Motta UNIABEU Centro Universitário A prática de matriciamento em saúde mental: a experiência do cuidado compartilhado Daiane Cristina Souza Rosa Luziara Cristina da Silva Costa Viviane Rodrigues da Costa Cristiane Pereira Pedro Garcia Atuação psicológica em promoção de saúde na comunidade: relato de experiência em estágio curricular Patricia Kriger Paula Medeiros Tissyana Guimarães Graduandas da Universidade Presbiteriana Mackenzie Participação e pertencimento: relatos do movimento antimanicomial Fernanda Maria Donato Gomes Sonia Maria Alves de Paiva Plantão Psicológico no Programa Saúde da Família Coordenação GD: Sebastião Molina Sanches e Ismênia de Camargo Pôster 03 – Grupos e Saúde Mental – Sala Monte Carlo Presidente: Silvia Brasiliano Autores Trabalhos Marina de Felipe Antônio Viviane Rodrigues da Costa Cristiane Pereira Pedro Garcia Ensino de habilidades de Vida: Impacto na vida e no uso de psicotrópicos Larissa Pena Leite Rodrigo Sanches Peres Manoel Antônio dos Santos Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Terapia de grupo suportivo-expressiva com mulheres acometidas por câncer de mama: procedimentos e resultados Flávia Toledo Lima Flávio Eduardo Piva Bosso Vinícius Assugeni Sobreiro Dias Faculdade Municipal “Prof. Franco Montoro” / FMPFM Contribuições da técnica de grupos operativos para a compreensão da dinâmica do CMDR de pinhalzinho Fellipe Miranda Leal Caps-Ad Guarujá Uma Experiência de Assistência Médica no CAPS-AD Guarujá: um Modelo de Grupo Camila de Castro Teixeira Zélia Nunes Hupsel Santa Casa de São Paulo Assistência de Enfermagem à portadora de Depressão Pós Parto Coordenação GD: Alexandre Mantovani e Ana Luiza Pôster 04 – A Família em Foco em Diferentes Contextos – Sala Sausalito Presidente: Priscila Venosa Autores Trabalhos Rosilene Ribeiro de Oliveira Isabel Cristina Gomes Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, USP, SP O Técnico Judiciário Psicólogo: Como assiste e decide os pretendentes aptos a pais. Fernanda de Freitas Hernani Brunório Maria Carla Borges Sorbello O lugar da família na aprendizagem: um estudo de caso. Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes Ana Paula Medeiros Carolina Ruiz Longato Valéria Barbieri Agressividade como um pedido de contensão: um estudo das relações familiares Carolina Leonidas Manoel Antônio dos Santos Bulimia nervosa: uma articulação entre aspectos emocionais e configurações vinculares Lilian Regiane de Souza Costa Élide Dezoti Valdanha Manoel Antônio dos Santos Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Configurações vinculares da relação pai-filha no contexto dos transtornos alimentares: um estudo de caso Coordenação GD: Juan Brandt e Lilian Veronese Pôster 05 – Questões de Gênero, Sexualidade e Conjugalidade – Sala TV Presidente: Rose Pompeu de Toledo Autores Trabalhos Míriam Felix da Silva Izabella Paiva Monteiro de Barros Percepção masculina acerca dos papéis na conjugalidade: estudo exploratório Manoel Antônio dos Santos Lilian Cláudia Ulian Junqueira Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Grupo de apoio a mulheres mastectomizadas: sustentabilidade dos vínculos e possibilidades de subjetivação do sofrimento Brunella Carla Rodriguez Isabel Cristina Gomes Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Casais homoafetivos masculinos e suas representações parentais Fernanda de Oliveira Cecchi O feminino nas relações conjugais Maria Zita Figueiredo Gera Nádia Rosa A família: o casamento a problemática dos relacionamentos e a separação Coordenação GD: Andreza Buzaid e Anamélia Maria Guimarães Junqueira 18:30 as 20:00 – Assembléia do NESME (para membros do NESME) 21:00 às 23:00 – Sarau Domingo 26/05/2013 8:00 as 9:30 – Minicursos e Workshop 9:30 as 10:00 – Café 10:00 as 12:00 – Sessão de Comunicação Oral 04 MR12 – Vínculos Familiares e Transtornos Alimentares – Sala Millenium Presidente: Sebastião Molina Sanches Autores Trabalho Élide Dezoti Valdanha Lilian Regiane de Souza Costa Manoel Antônio dos Santos USP – Ribeirão Preto Configurações vinculares no cenário familiar da anorexia nervosa: a mensagem transgeracional Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes Ana Paula Medeiros Marcela Lança de Andrade Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo O olhar da mãe para o filho obeso: dificuldades e limitações Teresa Cristina Bailoni Martins Passos (Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares – PROATA – Psiquiatria-Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) / CAPS Itapeva). Anorexia e bulimia: “Eu sou dona, única, de meu corpo” Coordenação GD: Silvia Brasiliano e Sebastião Molina Sanches MR13 – Grupoterapia com Adultos: autonomia e compromisso - Sala Monterrey Presidente: Carina Cella Panaia Mantovani Autores Trabalho Marina De Felipe Antônio Cláudia Alexandra Bolela Silveira O significado da ausência na grupoterapia: uma reflexão Universidade de Franca Mara Garcia Codonio Cláudia Alexandra Bolela Silveira Grupoterapia com adultos: uma análise do movimento relacional Universidade de Franca / SPAGESP Alexandre Mantovani SPAGESP A participação nos grupos: uma questão ética. Coordenação GD: Amaury Rufatto e Carina Cella Panaia Mantovani MR14 – TÍTULO: Grupalidade e Psico-Soma – Sala Monte Carlo Presidente: Fátima Rolim Rosa Autores Ricardo Almeida Prado Programa de Atendimento e Estudos de Somatização (PAES) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Manoel Antônio Dos Santos Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e SPAGESP Silvia Maria Bonassi1 Elaine Maria Queiroz2 1 Psicóloga, doutoranda, Engenharia Biomédica/UNICASTELO – SP. Prof.ª DE /UFMS/Paranaíba MS. 2 Psicóloga, pós graduanda/ Saúde Coletiva – UCDB, INEPAR – Instituto de Nefrologia de Paranaíba MS Trabalho “Uma proposta de atendimento grupal a pacientes somatizantes: Oficine – fábrica de sonhos, sentimentos e sentidos: um projeto piloto” A (In)sustentável leveza dos vínculos afetivos: investigando a sexualidade em mulheres que enfrentam o tratamento do câncer de mama Ações preventivas agregando saberes, visando sustentabilidade psicossocial, saúde e qualidade de vida de renais crônicos. Coordenação GD: Lazslo A. Ávila e Fátima Rolim Rosa MR15 – TÍTULO: A Escuta Especializada e a Infância – Sala Sausalito Presidente: Anamélia Maria Guimarães Junqueira Autores Trabalho Marly Terra Verdi Atendimento familiar: tratamento precoce de sinais de risco nos transtornos autísticos. (NESME) Ana Paula Medeiros “O que ela tem?”: A procura dos pais por um diagnóstico para a filha Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes Valéria Barbieri (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo) Fernanda Maria Donato Gomes Silvia Adib A História como instrumento de intervenção no psicodiagnóstico interventivo (SPAGESP e UNIP - São José do Rio Pardo) Coordenação GD: Juan Brandt e Anamélia Maria Guimarães Junqueira 12:00 as 14:00 Fórum Final e Encerramento Sala Millenium Coordenação: Betty Svartman ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ 1 RESUMOS EXPANDIDOS DOS TRABALHOS APRESENTADOS (Organizados pela ordem de apresentação nas mesas e sessões) Obs.: Somente estão publicados os resumos expandidos encaminhados pelos autores até a data limite estipulada pela organização do evento. MR01 – Título: Vínculos e Transtornos Alimentares ............................................................................................................................................................... ESPELHO, ESPELHO MEU: “QUEM SOU EU”? Maria Martins Baptista Castanheira PROATA – Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. E-mail: [email protected] Resumo A sua imagem refletida no espelho pode ser tudo que uma jovem abstrai de si, em certo momento. O entendimento de uma nova imagem não está definido e seu distanciamento de um referencial infantil está cada vez maior. Que rumo tomar diante de tal desencontro? Esse questionamento pode ser tomado como base para a reflexão das questões trazidas pelas adolescentes com transtornos alimentares. A adolescência é uma etapa do desenvolvimento que se inicia com modificações biológicas que disparam para o crescimento físico solicitando uma remodelagem na imagem corporal. É nessa fase que temos a maior incidência do inicio dos transtornos alimentares e uma das principais características é a distorção de imagem corporal, denunciado as dificuldades em lidar com as transformações corporais e psíquicas da adolescência. A proposta de um trabalho grupal é proporcionar as jovens reflexões sobre o que é adolescer na contemporaneidade e possibilitar o conhecimento da origem dos transtornos alimentares em sua vida, bem como causa e fatores de manutenção. Palavras-chave: adolescência; transtornos alimentares; grupo de psicoterapia; imagem corporal. Introdução Os transtornos alimentares são considerados de etiologia multifatorial e acometem principalmente adolescentes do sexo feminino. A internalização da magreza é um fator predisponente dos transtornos alimentares, mas depende da interação com outros fatores de ordem psíquica e biológica. Dessa forma, a compreensão da relação entre a alimentação e seu significado simbólico e subjetivo é fundamental no tratamento. A puberdade é um processo de modificações biológicas, que iniciam por volta dos nove e dez anos, e funciona como disparador para o crescimento físico trazendo um novo desenho do corpo e solicitando uma remodelagem deste corpo. O que se vê no espelho não é mais um corpo infantil é um momento de passagem para a vida adulta onde ocorrem experimentações e uma época de vulnerabilidade emocional, 2 podendo facilitar situações de risco. As diversas modificações corporais que uma menina experimenta ao entrar na puberdade podem estar na base de um discurso marcado pelo desejo de emagrecer ao ponto de controlar o corpo para que este permaneça com as formas infantis. O que uma jovem enfrenta ao entrar na puberdade faz com que seu corpo, após pouco tempo, em nada corresponda ao corpo infantil. Na puberdade já se anuncia a transformação do corpo de menina para o corpo de mulher. Frente as mudanças, a imagem corporal também precisa ser reformulada. Tais mudanças rápidas trazem momentos de ruptura do senso de unidade corporal. Sobretudo nos quadros de Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa, um dos principais e permanentes sintomas dos transtornos alimentares é a distorção da imagem corporal. O que elas veem no espelho é um corpo “gordo”, mesmo quando estão com um peso tão abaixo do esperado. O que implica em muitos casos até risco de vida, essas jovens experimentam angustia frente a um corpo visto e vivenciado como gordo ou com partes extremamente gordas. Elas demonstram que, mesmo a nível racional, conhecem seu peso real e até reconhecem estar emagrecidas, mas muitas jovens relatam que esse saber consciente não diminui em nada a angústia e a percepção de gordura. Metodologia Objetivo: Atendimento psicológico em grupo para pacientes adolescentes que apresentem a sintomatologia dos quadros de anorexia e bulimia, ficando sob a coordenação de duas psicólogas com formação em psicanálise. Métodos: Desenho do Estudo: Caso clínico. Serão utilizados fragmentos das sessões de psicoterapia de grupo realizadas em instituição de saúde mental. O grupo descrito é composto por cinco pessoas do sexo feminino, com idade entre 14 a 20 anos aproximadamente, em tratamento intensivo em serviço público especializado. Os dados pessoais e de identificação pessoal são alterados a fim de preservar o sigilo. Resultados e Discussão O desenvolvimento desse trabalho grupal visa permitir que as jovens se identifiquem e compartilhem questões comuns ao momento da adolescência relativas a autoestima, independência, inseguranças e o despertar da sexualidade e dialoguem entre si. Sendo este momento em que se cruzam as questões da adolescência e dos transtornos alimentares, o foco principal é a reflexão sobre as questões próprias do adolescer e, secundariamente, realizar ligações com as dificuldades expressas no corpo e na alimentação. Nessa fase há uma disponibilidade maior de agrupamentos, em busca de uma identidade e visando construir a personalidade, o que favorece o enquadre grupal, onde essa vivência auxilia na reparação e compreensão de processos individuais. Para promover o conhecimento sobre o conceito dos transtornos alimentares a proposta utilizada é um trabalho psicoeducacional partindo do pressuposto que as concepções errôneas dos fatores que causam e mantém os sintomas, facilitando as discussões sobre suas crenças. Utilizamos filmes, fotografia, desenho e/ou pintura, exposição de artes e vídeos para propiciar aos membros do grupo uma comunicação, expressando seus sentimentos e pensamentos. Exemplificando: quando teve a exibição do filme sobre a versão moderna da Rapunzel, a proposta era poder pensar a relação mãe-filha em especial, por ser uma das principais questões trazidas no grupo, a interferência das mães em suas vidas e trazer para discussão as questões sobre a independência da família, neste momento uma paciente disse que a sua mãe nunca a entende e nem o que ela gosta; outra paciente relatou que sua mãe quer controlar sua dieta preparando sua comida como ela bem entende, sem se preocupar com o que ela quer comer; outra paciente descreveu uma situação onde sua mãe a seguiu no shopping, quando foi encontrar com o namorado. No calor da discussão, uma paciente que parecia alheia a esse pedido de maior autonomia declarou que sua mãe é tudo em sua vida e que não consegue viver 3 sem ela, ficando um silêncio, deflagrando a sua própria ambiguidade e seu conflito em se separar da mãe. Algumas jovens ficam aprisionadas em um lugar onde mantém um corpo infantil, tornando seus corpos sem formas e até ficando sem menstruação; na adolescência os conflitos da primeira infância são revividos, reatualizando o complexo de Édipo, além das contradições próprias desta fase. A insatisfação com o corpo é uma expressão reconhecida nos jovens hoje em dia, caracterizando a nossa cultura contemporânea, mas a jovem anoréxica ou a bulímica se direcionam em busca incessante por um corpo idealizado, vivenciam uma constante insatisfação e depreciação do seu “corpo”, conforme salienta M. Fuks (2000) “O corpo fica submetido aos mandatos do ideal” (p.208). Uma paciente relatou que se acha um “lixo” toda vez que se olha no espelho e fica aterrorizada com a possibilidade de engordar, o que pode desencadear pensamentos suicidas. A correlação que elas fazem sobre a valorização de uma pessoa, tem como parâmetro o seu peso e sua forma corporal, pensando nisso utilizamos um modelo corporal que seja aceito pelo grupo, veiculado pela mídia, refletindo sobre seu valor na construção da autoestima e discutimos sobre a importância que tem a unanimidade neste modelo corporal idealizado. Algumas jovens apesar de apresentarem um bom rendimento escolar, colocam metas impossíveis de serem alcançadas, observando o quanto são disciplinadas por conseguir controlar e contar as calorias e se impôr limites restritos e rígidos sobre o quanto consomem. Devido a sua baixa-estima essa parece ser a única área onde conseguem controle e sucesso. Há um isolamento e retraimento da vida de modo geral, não vão a baladas, não tem amigos trazendo um empobrecimento social na vida dessas jovens, sendo o único interesse o controle sobre a “comida”. É comum estarem sozinhas ou se isolarem para fazerem suas alimentações, muitas dizem que evitam saírem socialmente porque têm vergonha de comer em público. Uma paciente relatou que não come na presença de seus familiares, esperando todos saírem para comer freneticamente e vomitando em seguida. Geralmente as jovens bulímicas escondem seus sintomas causando assim a demora de seu diagnostico e posterior tratamento. Conclusão Esse trabalho grupal é um desafio que leva a pensar na modalidade de escuta para essas jovens, a requisitar entendimentos teóricos, visando uma adequada intervenção clínica. É uma clinica que solicita um trabalho associativo, um suporte continente da equipe multidisciplinar e atribui ao grupo um papel fundamental de ser um “grande corpo”, no sentindo de ir acolhendo e nomeando as sensações corporais. Ainda, escutar sobre a função alimentar e a relação dessas pacientes com os seus corpos, nos faz refletir sobre a subjetividade na atualidade. Sabemos que o processo analítico requer tempo e espaço para sua construção, pretendemos dar continuidade a este grupo de psicoterapia, proporcionando um espaço de trocas e acolhimento para novas possibilidades de reestruturação da representação de seus corpos e permitir um tempo de reconstrução das capacidades e desejos dessas jovens. E, na impossibilidade de uma relação tranquila com o corpo ideal, cabe a cada adolescente criar uma relação possível com o seu corpo, dando um sentindo ao seu sintoma que não encontrava expressão verbal e assim poderem reescrever suas histórias. Bibliografia FUKS, M. P. “Questões teóricas na psicopatologia contemporânea”. In Fuks, L. B.; Ferraz, F. C. (Org.). A clínica conta histórias. São Paulo: Escuta, 2000. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ 4 A ARTE DE NUTRIR VÍNCULOS: PSICOTERAPIA DE GRUPO NOS TRANSTORNOS ALIMENTARES Élide Dezoti Valdanha¹; Lilian Regiane de Souza Costa²; Manoel Antônio dos Santos³ ¹Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Email: [email protected] ²Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRPUSP). Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. E-mail: [email protected] ³ Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Líder do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Email: [email protected] Resumo Por ser relativamente recente, a literatura dedicada ao campo do conhecimento das psicoterapias de grupo ainda é escassa. Este estudo teve por objetivo compreender a experiência de um grupo psicoterapêutico para pacientes diagnosticados com transtorno alimentar (TA), inserido em serviço especializado interdisciplinar. Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com delineamento metodológico do tipo estudo de caso, sendo o grupo definido como o “caso” a ser investigado. Esse grupo é aberto e composto por pessoas de ambos os sexos – com prevalência de mulheres – e de idades e camadas socioeconômicas diversificadas. Foram analisadas sessões transcritas de memória pela coordenadora, logo após o término dos encontros grupais. Os dados coligidos foram organizados e submetidos à análise de conteúdo temática, sendo cotejados com a literatura da área à luz da teoria psicanalítica. Os principais temas abordados no grupo foram: as diversas expressões sintomáticas relacionadas à problemática do comportamento alimentar; dificuldades para aderir ao tratamento, conflitos intrafamiliares (especialmente na configuração vincular mãe-filha), percepção de necessidade versus resistência à mudança. O grupo terapêutico mostrou-se como importante ferramenta por contribuir na ampliação do olhar dos seus integrantes para questões que promovam a saúde mental e a qualidade de vida, funcionando como uma espécie de estufa na qual se pode cultivar a arte de nutrir vínculos. (CAPES/FAPESP) Palavras-chave: psicoterapia de grupo, transtornos da alimentação, vínculos. Introdução Transtornos alimentares (TA) são psicopatologias com etiopatogenia multifatorial. São considerados fatores desencadeadores e mantenedores desses quadros: o meio sociocultural (pressão social por um corpo magro e esbelto), a dinâmica familiar (com configurações vinculares vulneráveis e frágeis) e aspectos da personalidade do indivíduo (perfeccionismo, insatisfação, preocupação excessiva) (OLIVEIRA & SANTOS, 2006). De acordo com o DSM-IV-TR - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Associação Americana de Psiquiatria, 2002), os principais TA são anorexia nervosa (AN) e 5 bulimia nervosa (BN). Os dois transtornos têm como ponto em comum o medo patológico de ganhar peso, bem como atitudes inadequadas para que isso não aconteça (restrição alimentar, comportamentos compensatórios) e distorção da imagem corporal (CLAUDINO & BORGES, 2002). De maneira geral, os pacientes relatam que o início dos sintomas aconteceu após exposição a algum fator estressante ou traumático, como comentários sobre seu peso, término de relacionamento amoroso ou perda de um ente querido. Além dos sintomas alimentares, os pacientes podem apresentar funcionamento psicossocial debilitado, com relacionamentos interpessoais empobrecidos (BORGES et al., 2006). Os TA vêm ganhando espaço no cenário científico nacional e internacional. A preocupação por entender melhor essas psicopatologias e o aumento do número de estudos relacionados ao tema podem ser associados com os seguintes fatores: recusa do paciente em procurar ajuda profissional ou por não admitir que esteja doente ou achar que conseguirá superar os sintomas sozinho; necessidade de realização mais precisa do diagnóstico por profissionais; as síndromes parciais, ou seja, pacientes que não apresentam o transtornototalmente desenvolvido por não preencherem todos os critérios diagnósticos; necessidade de estratégias interventivas adequadas ao tratamento de pacientes e familiares (BORGES et al., 2006). A relação com a mãe (quase sempre conflituosa, no contexto dos TA) ora é sentida como intrusiva, ora como uma vivência de intensa simbiose, com perda total dos limites egóicos, como se compartilhassem a mesma pele, sendo que a mãe não consegue auxiliar no processo de elaboração das angústias arcaicas da filha. Nesse sentido, o laço primitivo entre mãe e filha permanece inquebrável, dificultando a diferenciação, que promove o desenvolvimento e a individuação. Enquanto isso, os pais se mostram como figuras ausentes, física ou emocionalmente distantes (LAWRENCE, 2002). Para o tratamento dessa condição há necessidade de acompanhamento multidisciplinar. As abordagens terapêuticas são as mais variadas, abrangendo os aspectos que constituem o quadro clínico do TA. Assim, o tratamento deve contar com profissionais das áreas: psiquiatria, psicologia, nutrição, enfermagem, terapia ocupacional e nutrologia (SILVA & SANTOS, 2006). Além do tratamento direcionado à pessoa diagnosticada, mostra-se essencial oferecer atenção aos familiares. Os membros ficam confusos com relação às atitudes paradoxais do paciente em relação ao alimento e buscam compreender o que está acontecedo. Uma intervenção terapêutica grupal para esses familiares pode unir pessoas de vários núcleos, em diferentes estágios do tratamento, com possibilidade de discutir os sintomas, condutas terapêuticas e estratégias de cuidado dentro da família (SOUZA & SANTOS, 2009). Essa troca pode aplacar as angústias e promover a reflexão sobre as mudanças na dinâmica familiar. Nas últimas décadas, a psicoterapia de grupo começou a ser vista como uma alternativa interessante para o tratamento dos TA, contrariando a visão sustentada até há pouco tempo, que contraindicava grupo para pacientes que desenvolviam esses sintomas. No início do tratamento, pacientes com TA tendem a rejeitar tratamento psicológico, já que não percebem a forte vertente emocional de sua doença (SANTOS, 2006). Entende-se que o enquadre grupal pode funcionar como potencializador de mudanças, que é facilitada pela promoção dos fatores terapêuticos grupais, tais como universalidade, aceitação, aprendizagem por meio do outro, altruísmo e instilação de esperança (MACKENZIE, 1997). Há elementos da terapia de grupo que contribuem para melhorar a condição emocional dos paciente e que podem resultar tanto das ações do terapeuta quanto dos demais participantes, atuando como agentes de mudança psíquica. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo compreender a experiência de um grupo psicoterapêutico para pacientes diagnosticados com TA, inserido em serviço especializado interdisciplinar. 6 Método Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com delineamento metodológico do tipo estudo de caso, sendo o grupo definido como o “caso” a ser investigado. Foram analisados relatos produzidos no contexto naturalístico do grupo. As sessões foram transcritas de memória pela coordenadora, logo após o término dos encontros grupais. Os dados coligidos foram organizados e submetidos à análise de conteúdo temática, sendo cotejados com a literatura da área à luz da teoria psicanalítica. Esse grupo é aberto e composto por pessoas de ambos os sexos – com prevalência de mulheres – e de idades e camadas socioeconômicas diversificadas. É coordenado por uma psicóloga e co-coordenado por estagiário de Psicologia. Outro estagiário de Psicologia participa das sessões, na condição de observador silente. Foram tomados todos os cuidados éticos preconizados. Para preservar o anonimato os participantes serão referidos como P1, P2, P3, e assim sucessivamente. A coordenadora do grupo será identificada pela letra C. Resultados e Discussão Os resultados mostram que os principais temas abordados no grupo eram relacionados aos sintomas associados ao TA. No caso de pacientes com AN: restrição alimentar, isolamento social e empobrecimento afetivo; no caso de pacientes com BN: perda de controle sobre os impulsos, compulsão alimentar e manobras compensatórias visando à eliminação dos excessos cometidos. Os temas foram subdivididos em categorias temáticas, com o intuito de propiciar a “visualização” dos dados obtidos a partir dos encontros grupais (P: participante; C: coordenadora). (1) O que é o grupo? Conhecendo essa estratégia interventiva Em um grupo composto pro três participantes, duas em seu primeiro dia de participação e a terceira no extremo oposto, em condição de receber alta naquele dia, essa última é convidada pela coordenadora para contar às novas colega como funciona o momento do grupo de Psicologia: P1: A gente conversa sobre o que a gente quiser. Pode ser sobre o que a gente tá sentindo, se tem alguma coisa incomodando, sobre a nossa família… Enfim, qualquer coisa… (paciente diagnosticada com AN, 44 anos). É possível perceber, na fala dessa paciente que comparece já há muitos anos no grupo (cerca de 15 anos), uma legitimação em relação à proposta dos coordenadores, que é a liberdade do que poderá ser discutido em cada encontro. Assim, são os próprios participantes que trazem seus temas e questões. De acordo com Zimerman e Osorio (1997), o fenômeno grupal pode ser entendido a partir de características psicológicas dos seres humanos. Nesse sentido, ele não é estático, pelo contrário, é extremamente dinâmico e mutável, de acordo com a combinação de elementos psíquicos que acontece no encontro dos indivíduos. Em resposta à fala da participante anteriormente mencionada, uma das outras integrantes do grupo, adolescente e iniciante no tratamento, mostra-se surpresa por ser um grupo livre, em que elas podem selecionar e direcionar o que será conversado. Observa-se que novos participantes agem das mais variadas maneiras no primeiro grupo em que estão. Alguns são falantes e expõem suas angústias em relação à doença e ao tratamento. Outros mostram-se silentes, observadores, ainda desconfiados do que está acontecendo naquele momento de 7 encontro, formação de novos vínculos e reflexão sobre o próprio viver. Independentemente da postura, todos evidenciam sua surpresa com a pluralidade de idéias e sentimentos que circulam em cada encontro do grupo. O transtorno alimentar: o que é isso que acontece comigo? Quando o grupo acolhe novos membros, recém-chegados ao serviço, a turbulência gerada desestabiliza momentanemente o funcionamento grupal. Os relatos são permeados de dúvidas, colocadas em pauta. Surgem diversos questionamentos direcionados aos coordenadores, relacionados aos aspectos formais do tratamento, como as faltas, horários, locais, consultas inviduais, agendamento de retornos. Temas já abordados anteriormente, mas que ainda suscitam angústias e confusões. Nos pacientes que já se encontram em tratamento há mais tempo é possível observar que emergem, muitas vezes nas entrelinhas, outros questionamentos, como na fala de uma participante de 16 anos, em sua primeira sessão de grupoterapia: P2: O que eu mais fico pensando é sobre porque isso aconteceu comigo. Assim, eu não acho que meu problema é só com a comida, não. Eu acho que eu tenho um monte de problema e queria saber porque chegou nesse ponto (paciente diagnosticada com AN, 16 anos). C: Mais alguém do grupo já pensou sobre isso? P1: Eu concordo com você. Eu acho que a comida é só um jeito da gente mostrar que tem muitos outros problemas. Eu acho que a gente tem dificuldade em relacionamento, problema em aceitar alguma frustração, quando alguma coisa não é do nosso jeito… A gente tem um monte de problema… Quando a gente sofre algum trauma também não consegue lidar (paciente diagnosticada com AN, 44 anos). As relações familiares: quem deve me acompanhar no tratamento? A descoberta de um TA em uma família usualmente causa forte impacto, tanto nos pais e irmãos, quanto na família extensa e no grupo de amigos. Ocorrem certas mudanças na rotina familiar, por exemplo, nos hábitos de compartilhar as refeições. Ao mesmo tempo, há um crescente envolvimento emocional entre os pais e o filho afetado, o que impõe uma ressignificação da rotina, da convivência e das relações familiares (LEONIDAS, 2007). Na maioria das vezes é a mãe quem acompanha o paciente no tratamento, devido à naturalização da mulher na posição de cuidadora. As relações familiares são temas constantes nas discussões dos grupos, inclusive quem é o acompanhante que o paciente gostaria de levar, como apresentado na vinheta clínica a seguir: P2: Eu acho que a anorexia tem um pouco de mim, um pouco da minha família… Principalmente da minha mãe, que a gente é muito junta, aí acaba sempre brigando e tendo um monte de problema. Eu já falei um monte de coisa pra ela que hoje eu me arrependo, um monte de coisa pra machucar mesmo. O que eu mais queria [emociona-se] é que ela pudesse entender tudo o que acontece comigo, que ela pudesse entender (paciente diagnosticada com AN, 16 anos). C: Você entende o que acontece com você? P2: Também não… C: Você sente que sua mãe não entende o que está acontecendo com você, no entanto ela está aqui [no ambulatório] nesse momento. Parece que ela está tentando comprender. É ela quem vem te acompanhando, ela está aqui, interessada em você, em te ajudar. [...] Quem mais você gostaria que viesse? 8 P2: A minha irmã. A gente também é muito próxima e acho que às vezes ela perde a paciência comigo, sem que eu faça nada. Quem sabe ela vindo aqui, ela também possa me entender? Nessa outra vinheta clínica, uma paciente de 42 anos, diagnosticada com BN, fala de suas dificuldades em encontrar quem a acompanhe no tratamento: P3: Eu vim sozinha hoje (paciente diagnosticada com BN, 48 anos). C: Por quê? P3: Não tem ninguém pra vir comigo. O meu marido trabalha, não tem como ele sair. Eu tenho que vir sozinha mesmo. C: Essa não é uma opção, é obrigatório para participar do tratamento a presença de um familiar. O que você acha de chamar outra pessoa? P3: Não tem jeito, acho que vou abandonar o tratamento mesmo. C: Parece uma opção bem radical. Acho que podemos tentar pensar em algo juntas, já que você precisa desse tratamento. Será que as outras participantes conseguem pensar numa opção para ajudarmos a P3? P4: E a sua mãe, ela não pode vir? (paciente diagnosticada com AN, 50 anos) P3: É muito difícil pra ela vir. Ela também tem as coisas dela, não sei se seria bom… Não quero atrapalhar a vida de ninguém, quem teria que vir é o meu marido. A minha mãe não acha que precisa vir, porque ela acha que eu não preciso de tratamento. A gente está sempre juntas, acaba batendo muito de frente. Não sei se seria bom ela vir… Pessoas com AN estão constantemente tomadas por angústias de abandono ou invasão pelo outro, que se alternam de modo ambivalente. Essas angústias estão relacionadas com sensações de vazio ou de transbordamento, respectivamente (GASPAR, 2005). Nas vinhetas apresentadas, é possível perceber a fragilidade que permeia os vínculos familiares. O sintoma seria uma resposta aos padrões disfuncionais de interação dessas famílias. Tais famílias teriam dificuldades de dar suporte à criança em seu processo de separação-individuação e em seus movimentos de exploração do ambiente exterior. Os laços de dependência afetiva existentes entre mãe e filha com AN não encorajariam as tentativas de emancipação necessárias para a constituição da autonomia (LANE, 2002). O relacionamento mãe-filha aparece permeado por sentimentos de amor/ódio/culpa. A mãe é apontada como a primeira pessoa a acompanhar a filha no tratamento, porém nem sempre aquelas que elas realmente desejam como companhia, já que a proximidade muitas vezes é sentida como sombria, nebulosa. O encontro grupal: “Eis o melhor e o pior de mim…” Em um grupo com três participantes com sintomas bulímicos (vômitos, principalmente), os comportamentos compensatórios foram o eixo principal: “um lado que temos, mas que é obscuro e indesejável quando vivemos socialmente”. P5: É a primeira vez que eu consigo falar disso aqui, de comer, comer, comer e vomitar. É difícil falar disso, principalmente quando tem alguém que não vomita também, alguma anoréxica. Parece que você sente que o fracasso é maior ainda (paciente diagnosticada com ANBN, 22 anos) P6: É mesmo, é difícil falar disso… Tô feliz que a gente está conseguindo. Dá vergonha (paciente diagnosticada com BN, 20 anos) C: O que envergonha? P5: Vomitar é sujo, nojento, doentio. Ninguém gosta de vomitar. P6: É desprezível. 9 P5: Você não come porque você quer, você come sofrendo, chorando, se dilacerando. E depois vem o vômito para tentar diminuir isso. C: Penso em uma sensação corporal para tentar diminuir uma tristeza, uma emoção, uma dor interna. P4: No momento parece que é a única coisa que dá pra fazer. Qualquer coisa que tire a tristeza. O coordenador deve promover um clima permisso, que favoreça a auto-revelação dos membros do grupo, permitindo uma releitura acerca de suas vivências por meio da compreensão dos recursos de enfrentamento. Acredita-se que o ambiente protegido do setting terapêutico pode facilitar a adesão ao tratamento. Além disso, o coordenador deve assumir um papel ativo dentro do grupo, reforçando positivamente aspectos de enfrentamento, valorizando a comunicação franca e aberta, respeitando o tempo e ritmo das necessidades de cada paciente e fortalecendo possibilidades de aliança terapêutica (SANTOS, 2006). Para Gayotto (2003), o coordenador “é aquele que coordena uma ação que não lhe pertence, mas dela é guardião”. Para pessoas diagnosticadas com TA, a perda de peso é sentida como uma conquista, como sinal de triunfo sobre os impulsos, sinalizando autocontrole. No sentido oposto, ganhar peso seria um fracasso da autodisciplina, o que se torna inaceitável para pacientes tão controladoras e perfeccionistas (GASPAR, 2005). Na vinheta apresentada anteriormente, as participantes falam de um aspecto delas que as envergonha e merece punição. Cabe ao coordenador auxiliá-las na percepção equivocada que estão fazendo da realidade, de que o não-comer é considerado símbolo de status e disciplina espartana. É possível ajudar as pacientes a minimizarem os sentimentos “desprezíveis” que experimentem, para que não busquem a punição corporal autoinfligida. Ao final do encontro grupal mencionado, como proposta da coordenadora, cada uma das participantes pensou e enunciou uma palavra que representasse, na sua percepção, o momento do encontro grupal. Assim, surgiram: impotência, inclusão e fortalecimento. Foi possível perceber que as participantes se sentiram integrantes do grupo, ativas dentro dele e bem recebidas pelas outras e pela equipe de coordenação, porém os sentimentos de angústia e impotência frente ao TA também tiveram espaço para serem vividos e conversados. Elas parecem buscar alguém que possa ajudá-las nessa travessia pontilhada de sofrimento, mas sem se perder em seu mar de dores. Como nas palavras de Marisa Monte: “Só não se perca ao entrar, no meu infinito particular…”. Considerações Finais O espaço terapêutico grupal mostrou-se importante no auxúlio da livre expressão de sentimentos, intercâmbio de experiências e aquisição de insights sobre o estabelecimento de padrões de relacionamento estereotipados, de modo a propiciar continência e acolhimento do sofrimento, além de favorecer a formação de vínculos saudáveis. Notou-se que uma das tarefas desempenhadas de forma reiterada pelos coordenadores do grupo foi preservar um clima grupal que possibilita que os(as) participantes se apropriem de suas questões emocionais, ao mesmo tempo em que desenvolvam suas habilidades relacionais para aprender com o outro (aprendizagem por intermédio do outro). Para tanto, buscou-se tirar o foco que tradicionalmente tende a ser colocado unicamente no problema – seja ele o transtorno/diagnóstico psiquiátrico ou as situações adversas trazidas espontaneamente à discussão grupal, de modo a valorizar os recursos pessoais que muitas vezes permanecem desconhecidos e inexplorados. Referências AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM-IV-TR. Washington (DC), 2002. 10 BORGES, N. J. B. G.; et al. Transtornos alimentares: quadro clínico. Medicina, Ribeirão Preto, v. 39, n. 3, p. 340-348, 2006. CLAUDINO, A. M.; BORGES, M. B. F. Critérios diagnósticos para os transtornos alimentares: conceitos em evolução. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 24, n. 3, p. 07-12, 2002. GASPAR, F. L. A violência do outro na anorexia: uma problemática de fronteiras. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 8, n. 4, p. 629-643, 2005. GAYOTTO, Maria Leonor (Org.) Liderança! Aprenda a coordenar grupos. Petrópolis: Vozes, 2003. LANE, R. C. Anorexia, masochism, self-mutilation and auto-erotism: the spider mother. Psychoanalytic Review, v. 89, n. 1, p. 101-123, 2002. LAWRENCE, M. Body, mother, mind: anorexia, femininity and the intrusive object. The International Journal of Psychoanalysis, v. 83, n.4, p. 837-850, 2002. LEONIDAS, C. Imagem corporal e atitudes alimentares de pacientes com anorexia nervosa. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) do Curso de Psicologia da Universidade de Ribeirão Preto, UNAERP, Ribeirão Preto, 2007. MACKENZIE, K.R. Time-managed group psychotherapy: effective clinical applications. Washington, DC: American Psychiatric Press, 1997. OLIVEIRA, E. A; SANTOS, M. A. Perfil psicológico de pacientes com anorexia e bulimia nervosas: a ótica do psicodiagnóstico. Medicina, Ribeirão Preto, v. 39, n. 3, p. 353-360, 2006. SANTOS, M. A. Sofrimento e esperança: grupo de apoio com pacientes com anorexia e bulimia nervosas. 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Líder do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – LEPPS-USP-CNPq. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Apoio: CNPq. Endereço: Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-901, Ribeirão Preto-SP. E-mail: [email protected] 2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRPUSP). Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. E-mail: [email protected] 3 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia 11 da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRPUSP). Bolsista de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Email: [email protected] Resumo Transtornos Alimentares (TA) são psicopatologias caracterizadas por alterações no comportamento alimentar. A dinâmica familiar de indivíduos com TA é considerada um dos fatores precipitadores e/ou mantenedores desses quadros: famílias marcadas por relacionamento do tipo fusional entre mãe e filha, não modulado pela figura paterna. Na assistência aos TA, percebe-se a necessidade de incluir a família no tratamento. Considerando o reconhecimento da influência da família no curso dos TA, este estudo objetivou investigar aspectos da dinâmica famíliar que emergem em grupo de apoio para familiares acompanhantes de pacientes com TA. Foram analisadas 10 sessões consecutivas, transcritas de memória. Os dados foram analisados à luz da psicanálise. A maioria dos participantes foram mães de pacientes do sexo feminino, que relataram dificuldades em voltarem sua atenção às suas próprias necessidades devido à preocupação intensa com as filhas. A presença da figura paterna suscitava falas que levam as mães a refletirem sobre outros âmbitos de suas vidas. Foram poucos (três) os parceiros de pacientes presentes, eles relataram necessidade de exercerem funções paternais em relação às companheiras: a relação conjugal fica empobrecida e negligenciada. O resultados indicam a importância de propor estratégias que incluam pais e parceiros no tratamento. Grupos de apoio multifamiliar podem resultar em benefícios na melhora do paciente e na promoção do bem-estar subjetivo dos familiares. Palavras-chave: Transtornos alimentares, grupo multifamiliar, cuidadores. Introdução Os Transtornos Alimentares (TA) são psicopatologias que consistem em alterações no comportamento alimentar decorrentes de grave distorção da imagem corporal. Dentre os TA, Anorexia Nervosa (AN) e Bulimina Nervosa (BN) figuram como os quadros mais prevalentes (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2006). A literatura tem destacado a multifatorialidade da etiologia dos TA, ou seja, considera-se que são múltiplos os fatores desencadeadores e mantenedores dessas psicopatologias: biológicos, genéticos, psicológicos, socioculturais e familiares (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003). Oliveira e Hutz (2010) destacam a influência do meio sociocultural, com a propagação de padrões de beleza que valorizam medidas antropométricas cada vez menores, aspectos da personalidade da pessoa (como sentimentos de permanente insatisfação com o corpo, receio de mudanças, hipersensibilidade e perfeccionismo) e aspectos disfuncionais da dinâmica familiar. O funcionamento familiar da pessoa com TA, geralmente, é marcado por relacionamento do tipo fusional e indiferenciado entre mãe e filha, não modulado pela presença da figura paterna. Esta pode estar completamente ausente do cenário familiar ou, o que é mais comum, presente, porém percebida como débil e enfraquecida, sem condições de exercer adequadamente a função paterna (NODIN; LEAL, 2005). A família, além de estar envolvida com o desencadeamento e manutenção do quadro, também tem sua dinâmica abalada com a manifestação do transtorno. Nessa vertente, ganham força os modelos de tratamento baseados na família (DARE; EISLER; RUSSELL; SZMUKLER, 1990; COUTURIER; ISSERLIN; LOCK; 2010). Assim, no atual cenário da assistência multiprofissional tem havido um reconhecimento crescente da necessidade de adoção de intervenções que incluam a família como unidade de tratamento (SOUZA; SANTOS, 2006; 2010; TREASURE, 2010). Santos (2004) relata que, quando a AN ou BN acomete um membro da família, ocorre intenso desgaste emocional dos demais familiares, provocando manifestações de sentimentos negativos, como impotência, medo, raiva, culpa e agressividade nos entes do paciente. Assim, percebe-se que o funcionamento e a organização familiar são drasticamente afetados, já que os 12 membros se vêem diante de uma situação nova e desafiadora, em relação a qual é preciso se adaptar. Ao considerar o impacto sistêmico que o desenvolvimento do TA desencadeia na organização familiar, os programas de reabilitação e tratamento devem fornecer espaços terapêuticos de acolhimento não apenas para o ente familiar adoecido (LE GRANGE; LOCK, 2007; SOUZA; SANTOS, 2007; LE GRANGE; EISLER, 2008; SOUZA; SANTOS; MOURA; CAMPOS-BRUSTELO; SAVIOLLI, 2010). Nessa perspectiva, é preciso planejar estratégias de intervenção com os familiares que se encaixem na pauta de tratamento, já que a abordagem familiar pode ser um importante instrumento terapêutico, na medida em que permite que a família se torne uma aliada da equipe nos esforços pela recuperação do paciente (COBELO, 2004). As intervenções junto à família podem ser variadas. Na literatura são encontrados tanto propostas psicoeducacionais, tais como a criação de espaços para esclarecimento de dúvidas da família sobre o transtorno, os fatores precipitadores e mantenedores, como estratégias com finalidade terapêutica, como psicoterapia individual ou em grupo (SANTOS; ALMEIDA, 2008). Também são preconizadas estratégias de apoio (PASOLD; BOATENG; PORTILLA, 2010), psicoeducação (HOLTKAMP; HERPERTZ-DAHLMANN; VLOET; HAGENAH, 2005), com fornecimento ativo de aconselhamento e orientação em relação a aspectos das várias dimensões envolvidas: psicológica, clínico-nutricional, psicofarmacológica (SANTOS et al., 2002; BIGHETTI; SANTOS; RIBEIRO, 2006; SOUZA; SANTOS, 2009). Santos (2006) relata os benefícios da criação de grupos psicoterapêuticos para familiares de pacientes com TA. De acordo com a perspectiva psicodinâmica, acredita-se que no grupo são estabelecidas relações transferenciais (transferências cruzadas), sendo que nos encontros são criadas relações análogas àquelas vivenciadas no contexto familiar. A análise dessas relações transferenciais que emergem no grupo contribuiria para a compreensão dos conflitos vivenciados pelos participantes nas suas relações cotidianas, que estão subjacentes ao desenvolvimento dos transtornos. A possibilidade de olhar para essas relações a partir de um novo ângulo possibilita que elas sejam reconfiguradas. Estudo de Pasold, Boateng e Portilla (2010) mediu o nível de satisfação dos participantes e os benefícios percebidos com a participação em um grupo de apoio aos pais, como parte de um programa de tratamento ambulatorial de crianças e adolescentes com TA. Foi realizado um levantamento por e-mail com 261 pais ou responsáveis. Os resultados evidenciaram alto nível de satisfação com o grupo. Os pais indicaram que esse tipo de estratégia os auxiliou a entender os sintomas de TA, o tratamento e como apoiar seus filhos na luta contra o problema. Os dados sugerem que a inclusão dos pais em um grupo de apoio tem implicações importantes para os participantes. A literatura que abrange a família no contexto dos TA, embora densa, acaba abordando apenas tangencialmente a presença paterna, assim como a perspectiva de irmão e de parceiros amorosos. Nesse sentido, ao se pensar em estratégias que incluam a família no tratamento, é preciso olhar para todos os seus membros, a fim de encontrar alternativas profícuas de tratamento. Também é importante conhecer aspectos dos relacionamentos interpessoais, como os afetivos e sexuais no cenário familiar, considerando que a esfera afetivo-sexual é um tema pouco conhecido e raramente pesquisado nesse contexto. Considerando o reconhecimento da influência da família no curso dos TA e as lacunas existentes sobre o lugar que as relações afetivas ocupam nesse contexto, o presente estudo teve por objetivo investigar aspectos da dinâmica familiar que emergem espontaneamente em um grupo de apoio para familiares acompanhantes de pacientes com TA. Método Estudo descritivo, exploratório e transversal, de abordagem qualitativa, realizado em condições naturalísticas. O cenário foi o grupo de apoio aos acompanhantes de pacientes com TA, oferecido pela equipe de psicologia do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA), serviço especializado no tratamento de TA, criado em 1981, junto ao Ambulatório de 13 Nutrologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. O único critério de inclusão era ser participante do grupo de apoio. Os familiares concordaram em participar voluntariamente do estudo. O grupo investigado é aberto, de modo que cada sessão apresenta uma configuração diferente de pessoas e temas. Os assuntos debatidos são trazidos espontaneamente pelos participantes, que são estimulados a compartilharem experiências e sentimentos com os demais integrantes do grupo. Cada encontro teve duração de 75 minutos. A construção da intervenção em grupo encontra-se descrita de forma pormenorizada em estudo anterior (SOUZA; SANTOS, 2009). O estudo foi fundamentado no referencial teórico psicanalítico, que também era a abordagem empregada pelos coordenadores para conduzir o grupo. Para coleta de dados foi feito um recorte temporal, abrangendo um período aleatoriamente escolhido de 10 sessões consecutivas. Esse recorte se baseia em outros estudos semelhantes e é considerado suficiente para fornecer uma variedade de situações e interações verbais dos participantes, de modo a permitir alcançar o objetivo proposto. As sessões analisadas foram transcritas de memória pela coordenadora em diário de campo, logo após o término do grupo, constituindo o corpus de pesquisa. Posteriormente, os dados coligidos foram organizados e submetidos à análise de conteúdo temática, sendo cotejados com a literatura da área (TRIVIÑOS, 1987). Resultados e Discussão Primeiramente, faz-se necessário descrever brevemente a composição do grupo. No total, os encontros contaram com 23 participantes, sendo que a frequência deles variou a cada sessão, de acordo com o dia de retorno ambulatorial dos filhos. A maioria dos participantes do grupo de apoio eram mães (16). A figura masculina estava presente em proporção bem menor: três pais, um tio (que assumiu o papel de tutor após a morte do pai da paciente) e três parceiros. As mães, na sua maioria, eram acompanhantes de pacientes do sexo feminino, já que, dentre os pacientes, apenas dois eram do sexo masculino. Dessa maneira, a maior parte do grupo era composta por mães, que acompanhavam suas filhas no atendimento. No início dos encontros, principalmente a partir dos participantes novatos, foram comuns relatos com o intuito de compreensão do transtorno: “será que essa doença tem cura? Já ouvi muita gente falar que não, mas eu queria que ela conseguisse ficar bem”; “não sei o que acontece, elas são tão inteligentes e não conseguem entender que precisam comer”. Nesses momentos iniciais, observa-se a necessidade de acolhimento das angústias manifestadas pelos participantes, por meio, inclusive, do fornecimento de informações que permitam aos pais se situarem em relação ao problema dos(as) filhos(as). Essas informações são relevantes para a continuidade do tratamento. Com o maior fortalecimento do vínculo entre os participantes e esclarecimentos de aspectos concretos do transtorno, começam a emergir falas que revelam aspectos de sentimentos latentes dos participantes do grupo, que serão melhor detalhados na sequência. Souza et al. (2010) identificaram diversos fatores terapêuticos (processos dinâmicos mediadores de mudança, que se supõem inerentes aos grupos, independentemente das finalidades com que eles foram propostos), presentes em relatos extraídos de sessões de um grupo de apoio multifamiliar oferecido no contexto de tratamento dos TA. Os autores utilizaram a sistematização dos fatores terapêuticos proposta por Yalom (1970). Encontrou-se que o fator Instilação de Esperança exerce um papel preponderante para manter a motivação dos participantes e fazê-los acreditar que existem possibilidades, mesmo naquelas situações em que o “caso parece estar perdido” e que se chega a pensar em “entregar os pontos”. No enlace construtivo que se estabelece entre os vários membros do grupo, um familiar pode se apoiar no outro, fortalecendo sua esperança na possibilidade de manter o controle sobre uma situação que parece ter saído totalmente de sua alçada. Frente ao participante que relata que obteve alguma 14 mudança positiva, o familiar pode pensar assim: “Se ele conseguiu, eu também posso conseguir”. Os laços que se estabelecem entre os próprios familiares permitem que eles adquiram um senso de otimismo realista, acreditando em suas potencialidades e na importância do papel que desempenham – como cuidadores de seus filhos, esposas, irmãs – para que se logre êxito na recuperação do paciente. A instilação de esperança é ativada quando se tem a percepção de que outros participantes do grupo de apoio relatam benefícios conquistados gradualmente – por exemplo, a revisão de aspectos importantes de seu relacionamento com o familiar acometido – ou quando um participante do grupo dá seu testemunho de que já conquistou a estabilização dos sintomas e consequente melhora clínica de seu ente familiar. O impacto desses relatos positivos é imediato, encorajando a esperança no familiar que se sente impotente ou deprimido, e que não vê perspectivas de melhora ou superação da situação problemática (BECHELLI; SANTOS, 2001). É importante que cada membro do grupo também se perceba como alguém que poderá alcançar bons resultados no futuro, desde que persevere em sua meta de continuar apoiando o tratamento, inclusive com sua presença assídua no serviço. De forma persistente, mas nem sempre explícita, acompanha as mães uma tendência de autoculpabilização pela problemática dos filhos. Em um primeiro momento, elas tendem a negar seu sentimento de culpa, mas nos pormenores do discurso ele aparece insidiosamente, influenciando a percepção das situações problemáticas. As mães se questionam se foram e se estão sendo “boas mães”: “Eu não me sinto culpada, mas será que eu não estou conseguindo dizer não quando necessário? Meu filho fala que eu passo muito a mão na cabeça da F., deixo ela fazer o que quer, mas se ela está nessa situação, eu também não posso deixar de fazer o que ela me pede”. Junto ao sentimento de culpa, elas também relatam dificuldades em voltarem sua atenção às suas próprias necessidades. Alegam que, em razão da preocupação intensa com as filhas acometidas, acabam tendo tempo exíguo para cuidarem de si mesmas. Como consequência dessa postura negligente em relação a si próprias, as outras relações interpessoais, como o relacionamento com o parceiro, ficam prejudicadas. Para ilustrar essa questão pode-se recorrer ao relato de uma das mães, que mencionou não estar conseguindo ter tempo sequer para conversar com o marido. O único momento em que os dois ficam sozinhos é a hora de dormir, quando o filho com transtorno costuma ouvir o que eles conversam atrás das portas. Esse dado corrobora estudos que sugerem que a família como um todo se torna prisioneira dos conflitos vivenciados pela pessoa acometida de TA. Nesse sentido, a família se tornaria refém do problema, que a paralisa. Com frequência, permanece confinada em uma dinâmica que perpetua a sintomatologia do filho, exaurindo suas energias livres em torno de um padrão de relacionamento que, ao invés de ser benéfico, termina por dar sustentabilidade aos sintomas psicopatológicos do membro acometido. A presença de pais (genitores do sexo masculino) no grupo provoca falas que levam as mães a refletirem sobre outros âmbitos de suas vidas. Nota-se, assim, que quando a figura masculina está presente, surgem mais falas sobre trabalho, lazer, outros filhos e o relacionamento do casal, tirando-se o foco do filho doente e dos sintomas do TA. Assim, pode-se pensar que o pai ajudaria a parceira a olhar para outros aspectos de sua vida, que podem estar sendo negligenciados em função da atenção excessivamente canalizada para o filho adoecido. No período investigado foram poucos os parceiros de pacientes presentes no grupo – apenas três: dois esposos e um namorado. Esses parceiros relataram a necessidade de, muitas vezes, exercerem funções paternais em relação às companheiras. Entretanto, aparece um cuidado que é, com frequência, do tipo “controlador”, que, a pretexto de oferecer proteção, acabam invadindo os limites da parceira. Percebe-se, assim, que os parceiros podem, inadvertidamente, assumir o papel da mãe “invasiva”, que comumente está presente na relação mãe-filha com TA. Estudo descreve a figura materna como mãe-aranha, em referência à viscosidade aprisionante que marca esse relacionamento (LANE, 2002). Devido à adoção dessa 15 postura, a relação conjugal fica empobrecida e negligenciada (“esquecida”, nas palavras de uma mãe). Para ilustrar esse padrão de relacionamento, destaca-se o relato de um dos maridos no grupo, no qual confidencia que fazia seis anos que não se relacionava sexualmente com a esposa, após compartilhar que era o responsável por todos os cuidados à esposa em relação ao seu tratamento. Pode-se pensar que, para esse marido, o grupo aparece como um espaço de conscientização a respeito do empobrecimento de sua relação conjugal. A partir desse conhecimento obtido e compartilhado, ele pode ativar estratégias que lhe permitam revitalizar a vida de casal, a partir de conselhos e reflexões fornecidas pelos outros membros do grupo. O fato de a pessoa com TA, na maioria das vezes, vir acompanhada única e exclusivamente por sua mãe, pode reforçar a ideia de que o TA seria uma psicopatologia associada ao feminino, além de reforçar ideias construídas socialmente de que o cuidado com a saúde dos filhos seria uma função exclusiva da mulher. Assim, é necessário que a equipe de saúde reforce a importância da presença de pais (progenitores do sexo masculino) e parceiros no tratamento de pacientes com TA, de modo a modular os vínculos fusionais, abrindo novas possibilidades de vinculação nos padrões de relacionamentos na família como um todo. Além disso, Nodin e Leal (2005) apontam que o envolvimento paterno no contexto do tratamento de doenças crônicas é extremamente benéfico e que contribui para a reorganização das funções e papéis familiares, necessária para a superação de uma série de condições relacionais que atuam como fatores mantenedores do sofrimento. O grupo de apoio, por seu caráter multifamiliar, aparece como uma possibilidade de empoderamento e enfrentamento do “aprisionamento” vivenciado pelas famílias. Os participantes, com a ajuda do profissional, podem conversar entre si e descobrir outras maneiras de estabelecer relações no âmbito familiar. Além de ser uma espécie de “observatório” para o exame de problemas que afligem a todos os integrantes do grupo, é também um espaço de troca de experiências de sucessos e insucessos que permeiam o longo e sinuoso caminho do tratamento, podendo se transformar, sob certas circunstâncias, em uma fonte para o intercâmbio de conselhos, dicas, posturas, comportamentos, que possam conduzir à resolução dos problemas compartilhados pelos participantes. Outro resultado relevante encontrado a partir da análise das sessões foram as dificuldades, detectadas nas mães e nos pais, de perceberem o(a) filho(a) como um outro autônomo, um ser “independente” e com desejos próprios. Os pais percebem seus filhos como imaturos e infantilizados, vendo-os como excessivamente necessitados de proteção e cuidado, o que os leva a exercerem controle exagerado sobre eles. Com isso, dificultam seus movimentos no sentido do amadurecimento, na busca de encontrar espaço seguro para desenvolverem seus próprios recursos. Os dados obtidos apontam para as dificuldades dos pais em contribuir para o processo de separação-individuação, o que os impede de perceber o(a) filho(a) como um ser sexuado. Há indícios de que esse padrão de envolvimento afetivo simbiótico contamina os vínculos amorosos estabelecidos pelas pacientes, que reproduzem na relação com o companheiro as vicissitudes vivenciadas com a figura materna. Esses resultados indicam a importância de propor estratégias que apontem essa simbiose para os participantes e os ajudem a pensar novas estratégias de se relacionar respeitando os limites de cada um, contribuindo com a percepção de que é possível cuidar sem se misturar com o outro. Há evidências de que os grupos de apoio multifamiliar resultam em benefícios não apenas do ponto de vista da melhora dos sintomas psicopatológicos do paciente, mas também como espaço de promoção do bem-estar subjetivo e incremento da qualidade de vida dos familiares cuidadores (PASOLD; BOATENG; PORTILLA, 2010; SANTOS et al., 2002). A ajuda mútua que esses grupos promovem contribui de forma decisiva para diminuir o sentimento de baixa autoestima a que a família normalmente fica exposta quando enfrenta um problema grave como o TA em casa, além de contribuir para a redução de sentimentos como solidão e instilar a esperança que, muitas vezes, atingem essas famílias. 16 A avaliação dos familiares acerca do atendimento tem sido positiva (SOUZA et al., 2007), entretanto, ao resgatar o conteúdo das falas dos participantes nas sessões estudadas, em momentos nos quais discutiam a dinâmica de funcionamento do próprio grupo, seus objetivos e sua importância, foi possível perceber que nem sempre as diferenças existentes entre os participantes foram percebidas como benéficas: diferenças de idade, de diagnósticos do familiar acometido, de tempo de tratamento, de ganhos auferidos, dentre outras. Em alguns momentos tornou-se explícita uma tensão latente entre o familiar que já convivia com uma condição de melhora no quadro clínico de seu parente e o familiar do paciente em estado grave ou que havia sofrido recidiva depois de um período de aparente recuperação. Muito embora essas diferenças não tenham sido impeditivas de se alcançarem os indícios de benefícios referidos neste estudo, é importante pensar sobre elas a fim de desenvolver estratégias que atenuem seus efeitos negativos e não prejudiquem emocionalmente os membros do grupo. Considerações Finais A análise dos relatos recolhidos no grupo que reúne cuidadores e familiares de pessoas com TA permitiu elucidar algumas razões pelas quais o grupo pode funcionar como uma importante alternativa na construção de relacionamentos mais saudáveis e indutores de mudança na dinâmica familiar desses indivíduos. Essa estratégia valoriza a construção de um espaço de escuta para o fortalecimento dos familiares. Não se trata simplesmente de colocar o dedo na ferida do sistema familiar, postura que só contribuiria para aumentar os sentimentos de culpa e auto-recriminação já presente nas mentes dos pais, intensificando o déficit de autoestima. No grupo estudado, os participantes podem desenvolver suas competências para conviverem de forma menos angustiada com os desafios impostos pelo convívio cotidiano com uma condição psicopatológica desafiadora como os TA. Os resultados do presente estudo auxiliam a compreender melhor a dinâmica dos grupos de apoio e fornecem parâmetros para otimizar as estratégias utilizadas pelos profissionais que coordenam esse tipo de intervenção, de modo que se possa explorar com acuidade o universo das famílias que enfrentam o problema. Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Practice guideline for the treatment of patients with eating disorders. Washington, DC; 2006. Disponível em: <http://www.psych.org>. Acesso em: 16 ago. 2012. BECHELLI, L. P. C.; SANTOS, M. 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Ana Paula Medeiros1; Marcela Lança de Andrade2; Fernanda Kimie Tavares MishimaGomes3; Valéria Barbieri4. 1 Mestranda do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] 2 Mestranda do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] 3 Doutora e Psicóloga do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] 4 Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] Resumo Os vínculos familiares podem se enfraquecer diante de situações difíceis e de grande sofrimento. São nesses momentos de fragilidade que a família precisa de apoio e provisão ambiental, para que os vínculos antes estabelecidos possam continuar fortalecidos, de tal forma a permitir que a estrutura familiar seja capaz de proporcionar holding aos seus membros e que um possa perceber as necessidades do outro. Esse trabalho apresenta o caso de uma família que sofreu consecutivas perdas como separação dos genitores, abortos, dois filhos falecidos e a perda da saúde física materna. Esses acontecimentos levaram a mãe a se defender e tornar sua maior necessidade a de sobrevivência, sem que houvesse espaço para o afeto. Por meio da teoria psicanalítica winnicotiana, analisa-se os encontros com a figura materna e a repercussão das vivências das perdas no estabelecimento dos vínculos familiares. Os encontros permitiram que a mãe pensasse sobre seu relacionamento com os filhos e reconhecesse a importância de perceber a individualidade e necessidades de cada um, pois o olhar materno é fornecedor não só das necessidades básicas do cuidado como também do reconhecimento do outro com suas particularidades. Palavras-chave: família; vínculo; Winnicott; luto. Introdução Os vínculos familiares são transformadores e construtores das vivências dos membros da família. Acontecimentos que necessitam de maior disponibilidade emocional das pessoas, como separação conjugal, doenças e morte, causam uma desestrutura familiar, tornando necessário 19 fortalecer o suporte oferecido ao grupo familiar, bem como mudanças na rotina e modificação de papéis, a fim de atender as novas necessidades que surgem em cada pessoa. A morte de uma criança afeta toda a dimensão familiar, pois o sofrimento é intenso (BOLZE; CASTOLDI, 2005). Alguns autores sugerem que podem ser encontrados sintomas depressivos em pais enlutados até 7 a 9 anos após a morte (KREICBERGS et al., 2004). Este é um acontecimento que pode causar dificuldade de comunicação entre os familiares, o que prejudica, principalmente, as crianças, que ainda estão em desenvolvimento e precisam do apoio e suporte dos adultos (SOIFER, 1982). Essas crianças sofrem uma dupla perda, a do irmão que morreu e a dos pais que muitas vezes não estão disponíveis para elas, sofrendo profundamente com a morte do filho (GERHARDT et al., 2012). Eles têm dificuldades em oferecer auxílio ou a se voltar para os problemas dos filhos vivos (HEATH; COLE, 2011). A situação de perda, portanto, especialmente de perda por um ente querido, pode ser um fator prejudicial não só na manutenção dos vínculos familiares como também ao desenvolvimento emocional das crianças, principalmente na relação com a mãe no início da vida, momento essencial para que o desenvolvimento ocorra bem. Winnicott (1983) destaca que todo ser humano tem uma tendência inata ao desenvolvimento, mas um ambiente provedor de cuidados também é necessário. Para pensar no processo de desenvolvimento emocional do bebê, o autor parte do princípio que o bebê não existe sozinho, ele precisa de um meio que satisfaça a suas necessidades e lhe ofereça cuidados para desenvolver. Esse meio, representado pela mãe suficientemente boa, será o facilitador do desenvolvimento. A mãe suficientemente boa, a princípio, está imersa em um estado que Winnicott (1958) chamou de “preocupação materna primária”, essencial para que ela se volte ao bebê em um momento em que ele é completamente dependente dela, suprindo as suas necessidades e lhe oferecendo holding. A mãe que está voltada para o seu bebê é capaz de frustrá-lo em pequenas doses, propiciando experiências adaptadas ao seu desenvolvimento, nas quais é possível ser onipotente e iludir, antes de entrar em contato com a realidade. É assim que o bebê passa a não depender mais completamente da mãe e a interagir com o meio externo de outras formas. A apresentação da realidade é feita aos poucos para que o bebê sinta que é capaz de viver nela mantendo seus conteúdos internos, sem se sentir invadido, com capacidade de ser espontâneo e criar, pois existe uma relação de confiança. Dessa forma, e com o holding oferecido pela mãe suficientemente boa, que permite que o bebê comece a sua experiência de ilusão, o bebê pode experienciar a passagem pela transicionalidade, que lhe ajuda a lidar cada vez mais com as graduais ausências maternas, permitindo à realidade se apresentar. Nessa terceira área realidade externa e interna se encontram, existem juntas e se relacionam a partir de um movimento criativo, abrindo espaço para a existência dos fenômenos e objetos transicionais. Barone (2004) reflete a respeito do trabalho de luto e da importância da transicionalidade para manter a realidade e a memória do ente querido inter-relacionadas, de forma a permitir que o sujeito não esteja alienado e nem alucinado. O fenômeno transicional permite que “o espaço entre a mãe e a criança seja, ao mesmo tempo, um espaço de separação e união” (BARONE, 2004, p. 90), possibilitando, assim, que separar-se da mãe e unir-se à realidade não seja angustiante e penoso para a expressão do seu verdadeiro self. Assim, o bebê aceita a realidade compartilhada e passa a reconhecer tanto a própria subjetividade quanto a do outro. A mãe, então, foi capaz, em uma relação compartilhada, de devolver, por meio de processos identificatórios, o self potencial do bebê (BARONE, 2004). Uma mãe enlutada, absorvida na dor da perda de um filho, pode ter dificuldades em identificar-se com o seu bebê, reconhecê-lo como um indivíduo diferente e ajudá-lo no reconhecimento do próprio self. O seu olhar pode não estar voltado para o reconhecimento do outro e sim para as próprias necessidades. Dessa forma, o bebê se defenderá organizando-se em função do ambiente e não de acordo com seu próprio self, tornando a interação com a realidade um processo difícil. 20 No presente trabalho objetivou-se analisar a repercussão das vivências das perdas no estabelecimento dos vínculos familiares e no desenvolvimento emocional das crianças, de acordo com a teoria do desenvolvimento emocional de Winnicott. Metodologia Esse trabalho é um estudo de caso, baseado no método clínico-qualitativo (TURATO, 2003) e analisado a partir do referencial psicanalítico winnicottiano. Foi desenvolvido a partir de entrevistas realizadas com a mãe de uma criança que estava em atendimento psicológico na clínica de uma universidade. Os encontros com a mãe, totalizados em três, foram realizados a fim de compreender a dinâmica familiar e refletir sobre a influência do luto materno no desenvolvimento emocional da criança. O presente trabalho foi baseado na primeira e última entrevista com a mãe. Resultados e Discussão Luana1, uma mulher de 41 anos, mãe de três filhos, estava saindo do seu segundo casamento e precisava lidar com as constantes queixas da escola sobre o seu filho mais novo, o que a incentivou a buscar o serviço de psicologia da universidade. Antes de se casar novamente, Luana foi casada com um homem com quem teve a sua primeira filha, que atualmente tem 22 anos. Desse relacionamento apenas diz que “não era para dar certo” alegando que eram muito diferentes, mas demonstrando culpa ao dizer isso. Após se casar novamente, teve dois abortos, e em seguida engravidou. Durante essa gravidez, Luana descobre que é soropositiva. Nasce então uma menina, prematuramente, que falece por consequência de uma infecção hospitalar. Nesse momento, Luana se sente muito culpada por pensar que possivelmente transmitiu o vírus para a filha. Ela começa o tratamento e resolve deixar sua doença em segredo para a família, o que mantém até hoje. Com medo de engravidar novamente, mas com um grande desejo de ter filhos, Luana resolve adotar uma menina com 8 dias de idade, atualmente com 14 anos, na tentativa de suprir a perda. Após a adoção, ela engravida novamente e dá a luz a um menino que falece 6 meses depois, vítima de meningite. Mesmo após as perdas, Luana engravida mais uma vez, 2 anos depois, do seu último filho, que hoje está com 11 anos. Os filhos são cuidados por ela, já que o pai, que é dependente químico, não se encontra em condição para tal função. Dessa forma, ela os mantém superprotegidos, procurando reforçar a importância da união familiar para que assim seja possível vencer as dificuldades. Todos esses acontecimentos são relatados por Luana de forma detalhada e com bastante distanciamento emocional, sem que seja percebido por parte dela sofrimento ou clareza dos acontecimentos. Luana é uma mulher que sofreu consecutivas perdas e reage a elas sem afetividade, procurando banalizar a situação para que o seu significado fique distanciado. Durante as entrevistas e procedimentos trabalhados com Luana, ficou evidente a sua necessidade de se isolar afetivamente dos acontecimentos trágicos da sua vida para que, assim, tivesse condições de continuar vivendo, em uma tentativa de sobreviver a tudo. O processo de negação ocorre a fim de possibilitar o “seguir em frente” sem que os muitos lutos e perdas que aconteceram a paralisem. Essa postura passiva e sem envolvimento de Luana, é parte de um funcionamento falso que a protege de uma desintegração e permite que ela possa preservar o que sobrou de si e de sua família. Dessa forma, assim como a dissociação, o isolamento afetivo e a negação dos 1 Nome fictício para preservar a identidade da participante. 21 acontecimentos e sintomas sérios, em especial a negação da perda e do luto, há também o desenvolvimento de um falso self que objetiva mantê-la adaptada e defender o verdadeiro self. Por meio desse funcionamento, Luana consegue viver de forma estabilizada e coerente com as expectativas que possa haver sobre ela. Ela discorre sobre as perdas aparentando não negálas, mas sem demonstrar afeto e se colocando distante da situação como se não fizesse parte dela e sim de uma situação comum a muitas famílias brasileiras. O reconhecimento da realidade e a condição de sofrer e sentir dor não são possibilitadas, pois trazem consigo o risco da paralisação, já que a ameaça da perda está o tempo todo presente nessa família. Em uma existência distante afetivamente, aquilo que pode representar uma desestrutura não é compartilhado e, assim, nascem muitos segredos que só podem resultar em uma falsa união. Dessa forma, o segredo sobre a real condição da saúde física de Luana, a possibilidade iminente de morte e de perda, tanto pelas que já aconteceram como pelas que ainda podem acontecer se fazem presentes e inconscientemente trazem muitas inseguranças para as crianças. A dependência química do marido passa a ser um problema que se destaca a ela própria, sendo usado dessa forma como algo que vem para funcionar como única preocupação e justificar as dificuldades da família, oferecendo à Luana a percepção de que os outros precisam do seu apoio, restando pouco espaço para que as suas questões pessoais existam como necessitadas de atenção e reflexão. Com tantos acontecimentos trágicos que aconteceram em sua vida, Luana projeta seus conteúdos ruins para fora, fugindo do sentimento de que não pode produzir algo bom em decorrência da sua doença e das mortes dos filhos. Sendo assim, é possível se livrar do que é ruim, havendo, então, possibilidade de cuidar da família, já que sua destrutividade é encaminhada para o externo. Dessa forma, o externo é visto por ela e pela família como muito hostil, ele fica com aquilo que ela não poderia ficar enquanto ela se apega a situações e fatos concretos para manter-se ativa. De acordo com a existência do externo hostil, há uma necessidade em Luana de superproteger os filhos, assim algumas situações cotidianas comuns na vida das crianças são evitadas, como o desejo do filho mais novo de fazer futebol. Ela enfatiza que tem medo do que possa acontecer com os filhos apontando situações de violência como pedofilia, assaltos e violência física. Há, então, um cuidado muito prático com os filhos, no que diz respeito à manutenção do lar, mas uma falta de carinho e disponibilidade emocional para lidar com os conflitos internos e individuais de cada um. Com tantos momentos difíceis na vida de Luana, como os abortos, as perdas, a soropositividade e o vício do marido, não foi possível a ela dedicar-se nos momentos em que esteve grávida, sem que houvesse maiores preocupações que substituíssem a preocupação natural que as mães tem com seus bebês nesse momento. Nesse sentido, pode-se pensar que o estado de “preocupação materna primária”, momento em que a mãe identifica-se com o seu bebê, sem se confundir com ele a fim de suprir suas necessidades, pode não ter sido bem sucedido. Preocupada em sobreviver às situações difíceis, um olhar ao filho que o auxiliasse na descoberta de si mesmo e na diferenciação como um indivíduo único pode ter sido negligenciado. As perdas das crianças não foram trabalhadas e as demais dificuldades são vividas sem atenção. O grupo familiar se une de acordo com o entendimento da mãe de que juntos poderão vencer os problemas e de que nada que venha do externo é bem vindo. A união familiar é importantíssima para o vencimento das dificuldades e a manutenção da saúde, que em seu entendimento, só pode ser possível se houver a igualdade entre os familiares, sendo necessário que todos sejam iguais e unidos. Dessa forma, as crianças não têm permissão para viverem seus lutos ou sentirem raiva da situação em que se encontram, sem que a vivência constante da realidade desestruture a mãe. Em especial, o filho mais novo, identificado fortemente com a mãe, não se permite trazer seus conteúdos ruins para dentro da família, desenvolvendo sintomas de agressividade com os colegas e dificuldades na escola, alegando não conseguir aprender. 22 A diferenciação pode ser compreendida como uma ameaça ao grupo e estabilidade na família, pois, em uma família unida todos têm as mesmas angústias e desejos. Assim, as crianças passam a sentir-se limitadas em fortalecer uma identidade própria e a existir individualmente. Luana também demonstra grande dificuldade em nomear, como por exemplo, ao não conseguir se referir às crianças mortas pelo nome, chamando-os por a “menininha” e o “menininho,” situação diretamente relacionada a dificuldade em reconhecer o outro. A relação de Luana com o outro é uma relação anaclítica. Ela consegue diferenciá-lo de si mesma, mas não de outras pessoas externas a ela. A realidade externa e interna mantém-se diferenciadas e separadas, não é possível simbolizar, pois não há uma vivência transicional em que a relação da realidade com o mundo interno é permitida por meio de estratégias criativas. Na última entrevista, questões referentes à autonomia, identidade e diferenciação dos filhos foram conversadas. Procurou-se explicar a necessidade de que as crianças pudessem se expressar no ambiente familiar, sendo muito importante para o desenvolvimento emocional deles que seus conteúdos negativos e problemas pudessem existir juntamente à união da família, sem que esta ameaçasse desestabilizar-se ou fragmentar-se. Ao ser lhe dito sobre a importância de se respeitar a individualidade e incentivar a autonomia nos filhos, Luana se mostrou insegura sobre suas ações enquanto mãe e pontuou “mãe não vem com manual de instrução... a gente vai tentando e fica pensando... ai será que é assim? Será que isso está certo?”. Na possibilidade de um acolhimento dessas angústias, Luana chora e se espanta ao compreender a importância de que seu filho mais novo esteja com dificuldades de se expressar e que precise ser estimulado em relação a sua individualidade. Em um primeiro momento, ressalta que o conhece muito bem e que ele é muito parecido com ela, ainda que fique evidente que as necessidades do seu filho estão sendo ignoradas. Por fim, Luana consegue concluir que seus filhos precisam do ambiente externo para se desenvolver, e que terão certas experiências por conta própria, mesmo que ela tente lhes dizer o que pode ou não dar certo, assim como a individualidade de cada um precisa ser permitida para que os laços familiares sejam mais fortes e verdadeiros. Nos encontros com Luana foi possível pensar sobre a repercussão das perdas em uma família, especialmente sobre os vínculos que são criados e enfraquecidos a partir de acontecimentos trágicos que muitas vezes não são bem resolvidos. Luana se encontrou vivendo uma perda atrás da outra, tentando sobreviver a situações de sofrimento intenso que lhe despertavam angústias primitivas. Ao voltar-se para si a fim de defender-se de uma possível desintegração, o olhar oferecido ao outro foi prejudicado. Uma união familiar foi forçada a existir, mas a ausência de uma comunicação real somado a impossibilidade de expressão da individualidade dos filhos não a fazem satisfatória. Para que alguma atenção fosse oferecida a essas questões, os filhos apresentaram sintomas que levaram Luana a buscar por ajuda psicológica. Sendo assim, foi muito importante para Luana o espaço terapêutico em que essas questões puderam ser pensadas, assim como é importante que famílias enlutadas possuam um espaço em que possam trabalhar suas angústias e dar continuidade ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, a intervenção terapêutica é de grande ajuda, pois pode auxiliar na adaptação à realidade e na utilização da expressão criativa do self. Pacientes que tiveram experiências de perdas precisam reconhecê-las e elaborá-las, para que estas não impossibilitem o continuar a viver, oferecendo uma nova esperança, aspecto saudável para o processo de luto, que possibilita que a realidade seja considerada sem que o indivíduo paralise diante da sua violência, podendo também existir criativamente sem alienar-se (BARONE, 2004). Conclusão A capacidade de adaptação de Luana em situações tão graves foi muito boa, mas conduzida por um modo falso de viver que começou a deixar de fazer sentido trazendo uma forte angústia para ela e para os filhos. Nessa família, não é possível um estabelecimento saudável e criativo com a realidade que possibilite a incidência dos fenômenos transicionais. 23 Assim, a realidade é negada e as dificuldades banalizadas, para que a desestrutura familiar não se concretize. Sem capacidade de vivenciar uma transicionalidade em que as vivências internas e a realidade possam se encontrar em uma tentativa de simbolizar e ressignificar o sofrimento, fica difícil concretizar o trabalho de luto, este se mantém incompleto e permanece como um dificultador no desenvolvimento emocional dos membros da família e no fortalecimento dos seus vínculos, prejudicando que futuras experiências de sofrimento possam ser trabalhadas e resolvidas. Por meio de um processo de luto que possa ser concluído, possibilitando que ainda haja a expressão do verdadeiro self, o enlutado tem condições de viver na realidade compartilhada, enxergando a si e ao outro, como no caso apresentado de Luana que, na relação com os filhos sobreviventes que apresentavam problemas de aprendizagem e de relacionamento com os colegas, começou a reconhecer a importância de percebê-los de fato, com suas reais necessidades, comunicando de forma honesta os sentimentos que permeiam a relação familiar. Essa relação com o outro, uma relação compartilhada, é a que possibilita o fortalecimento dos vínculos familiares e a continuidade do desenvolvimento rumo à independência. Referências BARONE, K. C. Realidade e luto: um estudo da transicionalidade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. 128 p. BOLZE, S. D. A.; CASTOLDI, L. O acompanhamento familiar antes e depois da morte de criança: uma proposta de intervenção para o psicólogo hospitalar. Alethéia, v. 21, p. 79-91, 2005. GERHARDT, C. A.; FAIRCLOUGH, D. L.; GROSSENBACHER, J. C.; BARRERA, M.; GILMER, M. J.; FOSTER, T. L.; COMPAS, B. E.; DAVIES, B.; HOGAN, N. S.; VANNATTA, K. Peer Relationships of bereaved siblings and comparison classmates after a child’s death from cancer. Journal of Pediatric Psychology, Oxford University, v. 37, n. 2, p. 209-219, 2012. HEATH, M. A.; COLE, B. V. Strengthening classroom emotional support for children following a family member’s death. School Psychology International, Provo, v.33, n.3, p. 243-262, 2011 KREICBERGS, U.; VALDIMARSDOTTIR, U.; ONELOV, E., et al. Anxiety and depression in parents 4– 9 years after the loss of a child owing to a malignancy: A population based follow-up. Psychological Medicine, v. 34, p. 1431–1441, 2004. SOIFER, R. Psicodinamismo da família com crianças: Terapia familiar com técnicas de jogo. Petrópolis: Vozes, 1982. 271p. TURATO, E. R. Tratado da Metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teóricoepistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis (RJ): Vozes, 2003. 688 p. WINNICOTT, D. W. Da Pediatria à Psicanálise: obras escolhidas. Tradução Davy Bogolometz. Rio de Janeiro: Imago, 1958. 455p. WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento. Tradução Irineo Constantino Schuch Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. 268 p. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ INTERVENÇÃO PSICANALÍTICA NAS RELAÇÕES PAIS-CRIANÇA: DO BEBÊ AO PRÉ-ADOLESCENTE NO CONTEXTO VINCULAR Monique Vaz Marques¹, Mariângela Mendes de Almeida², Tatiane Sayuri Maeda ³ 24 ¹Psicóloga – Especialização em Psicologia da Infância (UNIFESP) – Aperfeiçoamento em Intervenção Precoce na Relação Pais-Bebês (Instituto Sedes Sapientiae). [email protected] ² Psicóloga e Psicoterapeuta – Mestrado pela Tavistock Clinic e University of East London, Coordenadora do Núcleo de Atendimento a Pais-Bebês (Setor de Saúde Mental/Depto. de Pediatria/UNIFESP), Docente do Instituto Sedes Sapientiae e Membro Filiado ao Instituto de Psicanálise da SBPSP. [email protected] ³ Psicóloga do Setor de Saúde Mental, Departamento de Pediatria UNIFESP, Especialização em Psicologia da Infância (UNIFESP) [email protected] Resumo Sabemos do benefício oferecido pelo instrumento da intervenção psicanalítica nas relações iniciais quando aparecem dificuldades transitórias ou tendências à cristalização de riscos ao desenvolvimento do bebê nas áreas da alimentação, sono, vínculos, comunicação, regulação de humor e ciclos da rotina diária. O instrumento da sessão conjunta com pais e filhos, mesmo que já não bebês ou crianças pequenas, permite articular o discurso e as preocupações parentais acerca da criança e de seus vínculos com ela, com a expressão lúdica, verbal e gráfica da criança na relação com seus cuidadores, conforme experienciada ao vivo no aqui-e-agora da sessão. Considerando contextualizações conceituais e técnicas, apresentaremos vinhetas de uma sessão filmada de intervenção na relação pais-garoto de 11 anos com queixa de dificuldade de expressão, autonomia e aproveitamento escolar, em que se demonstram os benefícios desta abordagem. Palavras-chave: Intervenção psicanalítica vincular; relações iniciais; relações pais-criança; sessões conjuntas pais-bebê/criança; vinhetas filmadas. Introdução Em uma visão panorâmica dos atendimentos conjuntos pais-filhos, temos maior contato e literatura sobre o olhar aos bebês e seus sinais de risco no desenvolvimento. Pretendemos a partir deste trabalho, aumentar o campo de visão para o atendimento conjunto com crianças em idade ‘mais avançadas’, e, também, salientar a eficácia e importância da intervenção nas relações iniciais pais-bebê. A queixa trazida pelos pais, emoldura Thiago em um formato definido pelo pai como “atrapalhadinho” (sic). O pai sugere um certo atraso no desenvolvimento do filho que é percebido há muitos ano. Segundo eles, as dificuldades de Thiago perpassam a coordenação motora e também, o contexto social. Os pais comparam-no por muitas vezes com o filho mais novo. Ele e a esposa baseiam-se em tais comparações para ‘provarem’ que Thiago tem inúmeras dificuldades. Isso pode ser percebido em algumas falas do pai: “Porque o Thiago...tudo o que ele faz tem dificuldade. O Thiago já acorda de manhã...na hora que ele acorda já faz as trapalhadas dele, no escovar o dente, tem que ficar vigiando, no almoço...enfim se não tiver de olho nele, enfim, ele é atrapalhadinho” (sic pai); “coisas que ele não sabe, que ele esquece, o irmão dele responde no ato” (sic mãe) Sinais preocupantes sobre seu desenvolvimento parecem ter passado despercebidos pelos pais, como a fala tardia, aos 3 anos, o fato de ser “molinho” (sic mãe), já que segundo eles, tais sinais foram percebidos e alertados pela creche. Outra questão que surge nas sessões é o fato de Thiago não solicitar os pais ou pessoas próximas para suas necessidades ou desejos. Demontra-se nas sessões conjuntas, a partir das interações, manifestações verbais, gestuais e lúdicas, como a relação pais-criança encontra-se cristalizada em padrões de passividade e aparente baixa competência de Thiago para afirmar-se como um sujeito 25 autônomo, junto à expectativas parentais de identificação com aspectos de assertividade e empenho associados a figuras masculinas importantes na família. Procuramos resgatar a possibilidade de um novo olhar para as competências de Thiago, conforme elas se expressam em pequenos sinais amplificados por nós durante a intervenção vincular. Metodologia Análise teórica e clínica a partir do do vídeo de uma sessão interventiva vincular realizada com Thiago, Flávia (mãe) e Renato (pai), após processo psicodiagnóstico realizado com Thiago e sua mãe. Foram realizados 4 sessões de psicodiagnóstico grupal durante o período de um mês, seguidas de 2 sessões interventivas conjuntas pais-criança no Setor de Saúde Mental da UNIFESP. O atendimento conjunto interventivo foi realizado por duas terapeutas (1, 2) e filmado com autorização da família por uma psicóloga/especializanda de nossa equipe.(3) Resultados e Discussão Durante a sessão, com o olhar atento das terapeutas às entrelinhas do que ocorria naquele espaço, foi possível verificar e ressaltar a forma de comunicação de Thiago com os pais e suas potencialidades. Enquanto os pais reclamavam ou enfatizavam as dificuldades do filho, como por exemplo, a falta de equilíbrio ao locomover-se, ele desenhava um carro muito veloz e e potente, mostrando sua conexão com o que os pais traziam à sessão. Pôde-se perceber que frente a vários ‘não-ditos’ dentro do sistema familiar, Thiago precisou organizar aquilo que podia ou não dizer, não expressando seus desejos ou necessidades. Segundo a mãe, Thiago tem dificuldade de pedir ajuda, necessita que percebam por ele. Ela diz que desde pequeno ele tem esse comportamento de não pedir, que apenas ela e sua irmã que conseguiam identificar aquilo que ele queria. Ao mesmo tempo, esta atitude é percebida no comportamento da mãe, que, estando em um estágio avançado de gravidez, não relata em nenhuma das sessões que espera um bebê. Thiago nas sessões do psicodiagnóstico, conta às terapeutas e aos outros pacientes sobre o estado de sua mãe. Quando questionada sobre a gravidez, Flávia diz: “Eu não comentei porque as pessoas iam perceber”. Por meio de metáforas baseadas na própria fala dos pais, as terapeutas puderam exemplificar e tornar mais palpáveis preocupações de Thiago com coisas que podem ou não ser conversadas, aspectos psíquicos do garoto que eram preservados e desenvolvidos e suas dificuldades ‘reais’, como por exemplo: Pai: “(...) a gente vem de ônibus e a gente não manda o Thiago passar por debaixo de uma catraca, porque ele entala embaixo da catraca (...)” Terapeuta: “Acho que a gente está tentando ver como é que ajuda o Thiago a se ‘desentalar’ de algumas coisas. (...) Tem algumas coisas que estão entaladas, e o que que a gente precisa fazer? É isso que a gente queria ver com vocês hoje, como é que a gente vai ajudar o Thiago a “desentalar”... Algumas coisas ele tem capacidade, mas fica difícil usar...” Considerações Finais Ao longo dos atendimentos, pudemos oferecer escuta e acolhimento às ansiedades expressas no vínculo pais-filho, facilitando o reconhecimento das competências da criança e o contato com as motivações internas intergeracionais presentes na base das expectativas parentais dirigidas ao garoto. A modalidade de atendimento vincular permitiu a emergência de configurações dinâmicas relacionais ao vivo na cena familiar e a intervenção a partir de pequenos apontamentos, amplificação de observações e percepções de aspectos que poderiam continuar se cristalizando nas trocas interativas e intersubjetivas entre os pais e a criança. Ofereceu-se um espaço para o 26 trânsito de aspectos cuja circulação parecia impedida ou dificultada, facilitando-se a “abertura de catracas” para o resgate de aspectos saudáveis da relação pais-criança. Referências Bibliográficas MÉLEGA, M. P. (2002). Gerando significados no trabalho com pais-crianças. Rev. Bras. Psicanál., vol. 36, n. 3, pp. 531-540. MÉLEGA, M. P. e MENDES DE ALMEIDA, M. (2007).Echoes from overseas: Brazilian experiences in psychoanalytic observation, its developments and therapeutic interventions with parents and a small children. In Pozzi-Monzo, M. E. with Tydeman B. (2007)Innovations in Parent-Infant Psychotherapy.pp.23-42. London:Karnac MÉLEGA, M. P. e GIMENEZ. M. (2008).Fundamentos e Metodologia da Intervenção Terapêutica Conjunta Pais-Filhos. In Sonzogno, M. C. e Mélega, M. P.(2008). O Olhar e a Escuta para compreender a Primeira Infância. Pp.217-223. São Paulo:Casa do Psicólogo. MÉLEGA, M. P. e SERRA, E.Z. (2008).Consultas Terapêuticas Pais-Filhos. In Sonzogno, M. C. e MÉLEGA, M. P.(2008). O Olhar e a Escuta para compreender a Primeira Infância. Pp.217-223. São Paulo:Casa do Psicólogo. MÉLEGA, M. P. (2012). Joint Parent and child therapeutic interventions. Pp. 161-174. In Melega, M.P., Mendes de Almeida, M. e Leite da Costa, M. (2012). Looking and Listening. London:Karnac. MENDES DE ALMEIDA,M.; MARCONATO, M.; SILVA, M. C. P. (2004). Redes de sentido: evidência viva na intervenção precoce com pais e crianças. Rev. Bras. Psicanál., vol. 38, n. 3, pp. 637-648. MENDES DE ALMEIDA,M. (2010). “Reconstruindo a casa”. Desafios do Amor nas Intervenções Conjuntas Pais-Bebês/Crianças em uma Abordagem Psicanalítica. In Montoro, G.C.F. e MUNHOZ M. L. P. (2010). O desafio do amor – Questão de sobrevivência.Pp. 132-142. São Paulo: Editora Roca. PARAVIDINI, J.L.L. (2008). Fundamentos Teórico-Metodológicos das Intervenções Conjuntas PaisCrianças. In Sonzogno, M. C. e Mélega, M. P.(2008). O Olhar e a Escuta para compreender a Primeira Infância. Pp.217-223. São Paulo:Casa do Psicólogo. SILVA, M.C.P. (2003). A Herança Psíquica na Clínica Psicanalítica. São Paulo:Casa do Psicólogo. WILLIAMS, G. (1990). Quando o paciente é a família. In Publicações Científicas, vol. 2, São Paulo: Centro de Estudos Psicanalíticos Mãe-Bebê-Família. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ AUTISTA FALA E PENSA. UM ESTUDO SOBRE A MEDIACAO DA MATERNAGEM E PATERNAGEM Rosa M. Prista; Alessandra Fabre; Pietro Olivetti; Jessica Rozaes CEC – Escola de Autistas/UCB – Laboratório do Movimento/SEFLU – Laboratório de Psicomotricidade [email protected] Resumo A Escola de Autistas tem como premissa a busca de atendimento em rede sistêmica onde a família é o centro de atenção. A pessoa autista possui uma vivência familiar diferenciada quanto aos vínculos. Contrariando parte da literatura sobre autismo a equipe CEC tem atuado de forma 27 prioritária na formação da configuração familiar e nas estratégias de mediações que facilitam ou empobrecem a aprendizagem e consequentemente o desenvolvimento. A pesquisa realizada com dez famílias com crianças entre dois e sete anos busca focar a mediação como unidade de analise. O foco foi a analise da relação mãe - filho em espaço de livre expressão tendo como meta "brincar". Os encontros foram gravados em vídeos e analisados posteriormente. Dois aspectos foram chaves: a interação e as estratégias da mãe em ajudar o filho a brincar e a forma como compreendia a atividade. A análise aponta para o modo de estabelecimento de vínculos entre mãe e filho. Esta depende da forma intencional como me dirijo ao outro e na persistência deste ajuste principalmente porque o autista apresenta uma modalidade de contato inicialmente indireta. A descontinuidade entre o movimento da mãe e do filho mostra rupturas e aponta para caminhos clínicos no tecer da configuração familiar. Palavras-Chave: Autismo; mediação; configuração familiar. Introdução Vivemos em uma sociedade onde os valores materiais, superficiais e lineares permeiam as ações humanas invadindo o campo da saúde de forma a simplificar o que é complexo. Ainda nas ondas do cartesianismo o autismo ainda não tem sido tratado na complexidade que este fenômeno solicita. Temos falado muitas coisas sobre as pessoas autistas, temos definido metodologias, caminhos terapêuticos, informamos a família sobre seus passos, mas muito pouco avançamos no que tange a ouvir os autistas e suas famílias. Eles não falam! Muitos dizem. E neste caminhar continuamos a pré-estabelecer passos metodológicos que muitas das vezes velam as reais necessidades do complexo fenômeno família. O autismo vem sendo incluído em categoriais de disfunções, de deficiências reforçando o movimento cartesiano que busca marcar as dificuldades, os bloqueios e as patologias. Muito pouco avançamos em buscar compreender como eles chegam no mundo. Como aprendem? Quais são as modalidades de aprender do autista? Como a família estrutura seu modo de agir? Muitas pesquisas tem sido levantadas sobre a configuração familiar (SCHMIDT e BOSA, 2003) entretanto estes estudos são analisados dentro de uma perspectiva fragmentada – ora o autista, ora a dinâmica familiar – e não há a ousadia de criarmos estudos em elos intercomunicantes ( MORIN, 2000) onde a dialógica do processo ocorra na relação autista e no complexo familiar. O que este trabalho marca é que o estudo sobre o autismo não poderá ser compreendido se não for contextualizado dentro de um processo sócio-cultural. Segundo (HOCHHEIM apud, MARQUEZINE, ALMEIDA e TANAKA,2003) a compreensão da manifestação do transtorno depende do contexto em que esse fenômeno se manifesta. E é neste contexto que as relações de significação e de não significação ocorrem entre todos os membros familiares envolvidos. Segundo(FAVERO e SANTOS, 2005) as famílias que se encontram em circunstancias especiais que promovem mudanças nas atividades de vida diária e no funcionamento psíquico de seus membros, como é o caso do autismo, deparam-se com uma sobrecarga de tarefas e exigências especiais que podem suscitar situações potencialmente indutoras de estresse e tensão emocional. Qualquer processo estressor é fragmentador, é provocador de rupturas e dependendo do nível temporal poderá cegar o processo perceptivo além de provocar sentimentos de impotência e todas as possibilidades de defesa necessários a integridade humana. ...Mães especiais vivem em função dos especiais que denotam suas vidas. Perdem a significação de ser mulher, de ser amante, de ser filha, de ser aprendiz. Reforçados por uma cultura onde a mãe especial tem que dar o tempo todo para o filho, para a instituição, nada sobra para dar para si perdendo o sentido de amor e significação de suas necessidades. (PRISTA,2009). O sofrimento familiar é um ponto a ser prioritariamente trabalhado nos processos terapêuticos familiares. Não há culpados neste processo. Existem pessoas em constante 28 movimento, em processo de organização e reorganização. Não há objetivos em localizar culpados mas congregar pessoas que desejam progredir e (re)construir possibilidades. Desta forma o objetivo deste trabalho foi buscar uma unidade de análise, sem perda do todo que proporcionasse um processo diferenciado a nível familiar – construir competências entre seus membros. Metodologia Baseado nestas iniciais considerações a equipe do CEC – Escola de Autistas, apoiada pelos acadêmicos de uma instituição superior – SEFLU – Laboratório de Psicomotricidade, localizada no município de Nilópolis e uma Universidade – Universidade Castelo Branco, através do Laboratório do Movimento iniciou uma pesquisa sobre a primeira forma de aprendizagem, a que ocorre entre mães e filhos. A pesquisa realizada com dez famílias com crianças entre dois e sete anos buscou focar a mediação como unidade de analise realizada pelas pessoas que exercem ou não a maternagem. O foco foi a análise da relação mãe - filho em espaço de livre expressão tendo como meta "brincar ". Os encontros foram gravados em vídeos e analisados de forma qualitativa observando dois aspectos: a interação mãe-filho e suas estratégias de ajudar o filho a brincar com ela e a forma como cada pessoa entendia a atividade que estava envolvido. Resultados e Discussão O estudo vem registrando que as mães de autistas não utilizam estratégias consistentes no ajustamento entre suas falas e gestos e as do filho, gerando um processo estressor e incompatível com uma organização tônico-emocional necessária para a formação vincular. Esta impossibilidade inicial também altera a entrada da paternagem dificultando a formação da tríade necessária à aprendizagem humana. Conclusões Este estudo inicial permitiu algumas conclusões sobre a aprendizagem do autismo: é preciso não radicalizar qualquer causa sobre o autismo. Não há até o momento qualquer ação pesquisada cientificamente que mostre a origem do distúrbio; cabe ao pediatra que acompanha o autista um olhar sobre desenvolvimento humano. Qualquer situação atípica deve ser encaminhado a um psicomotricista que é o especialista em avaliar o diálogo tônico estabelecido pelo bebê com o mundo; toda criança autista está atenta ao mundo e aprende; é preciso compreender o desenvolvimento infantil para agir com o autista delimitando espaços, limites e comportamentos; a oferta do sim e do não é condição de sucesso no surgimento das competências da criança;pessoas autistas costumam não focar o olhar; Devemos olhar profundamente e dar ênfase ao que é dito de forma compreensiva; procurar compreender o que o autista deseja através das manifestações corporais; procurar comunicar-se mesmo que pareça que ele não está prestando atenção; ter cuidado com as interpretações do que eles necessitam, normalmente pensamos por eles provocando a não significação de suas tentativas de comunicação; a família pode se beneficiar desde o inicio de um acompanhamento em terapia familiar sistêmica em função do stress provocado por ações de um filho que não responde ao mundo da forma esperada. É condição de sucesso que a mãe, o pai, os avós e outros membros tenham a mesma atitude no cotidiano da criança; o autista não fala porque as pessoas a sua volta tentam significar os seus pedidos e normalmente atendem ao solicitado. Para um autista falar é preciso ter a falta de algo. Isto é condição para que qualquer ser humano se manifeste pela linguagem oral; o autista pensa, entretanto a forma como os adultos a volta manifestam suas atitudes vai contribuir diretamente para que as competências do autista aflorarem ou não; o autista aprende a ler e escrever dependendo das condições sócio-culturais; há modalidades diferenciadas de aprender em cada criança autista. O que mostra que há componentes pessoais 29 - subjetivos em dialógica com o sócio-cultural; a alimentação sem glúten e lactose é um caminho muito significativo para a evolução da criança . Referências Bibliográficas FÁVERO, M. A. B., e Santos, M. A. . Autismo infantil e estresse familiar: Uma revisão sistemática da literatura. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(3), 358-369, 2005. HOCHHEIM,V. O autismo e a Dinâmica Familiar. Trabalho de conclusão de curso (Bacharel em Psicologia), Centro de Ciências Sociais- Univali,2004. MORIN, E. A Inteligência da complexidade. São Paulo: Ed. Peiropolis, 2000 PRISTA, R. M. Deficiência Mental ao Espelho: A humanização do Ser através da Psicomotricidade – Intencionalidade, Inteligência e Complexidade ,Rio de Janeiro: CEC , 2009. SCHMIDT,C. e BOSA,C. A investigação do impacto do autismo na família: Revisão cientifica da literatura e proposta de um novo modelo. Interação em Psicologia,C. S., vol. 07 (2), p.111120,2003 ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR03 – TÍTULO: O Dispositivo grupal e as Políticas Públicas ............................................................................................................. SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA: CONSONÂNCIAS COM A REFORMA PSIQUIÁTRICA E AS PRÁTICAS DA INTEGRALIDADE A PARTIR DE UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Bruna Rodrigues da Silva Graduanda do curso de Psicologia, UFMS/CPAR - ([email protected]) Resumo Os modelos de atenção destinados à saúde mental sofreram transformações constantes ao longo do tempo, tendo como marco significativo o processo de reforma psiquiátrica, que resultou em mudanças nos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, atribuindo transformações significativas ao “olhar” e tratamento destinados aos processos saúde – doença. Dentro do contexto brasileiro, a rede de atenção à saúde mental é parte integrante do Sistema Único de Saúde, definida como de base comunitária, e que regula e organiza em todo o território nacional as ações e serviços de saúde de forma regionalizada e hierarquizada, dentro de um conjunto articulado e continuo em todos os níveis de complexidade do sistema. Assim, a construção de uma rede comunitária articulada favorece a constituição de um conjunto vivo e concreto de referências capazes de acolher a pessoa que se encontra situações de sofrimento psíquico. O presente trabalho tem por objetivo trazer um relato de experiência sobre um caso atendido via uma Estratégia de Saúde da Família (ESF), de modo a levantar reflexões sobre a relevância do trabalho em rede em saúde mental, em especial da 30 integralidade dos serviços. Foram feitas articulações com diferentes serviços, encontrando tanto dificuldades quanto facilidades. Palavras-chave: saúde mental; reforma psiquiátrica; integralidade Introdução Os modelos de atenção e tratamento destinados a questões referentes à saúde mental sofreram transformações significativas ao longo do tempo, tendo como marco significativo o contexto da Reforma Psiquiátrica. O processo da reforma psiquiátrica ao surgir nos anos 70, lutou em favor da mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta de serviços, protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado. (BRASIL, 2005), acarretando mudanças nas formas de “olhar” e tratar foram atribuídas a questões referentes à saúde mental. Embora contemporânea da reforma sanitária, o processo da reforma psiquiátrica no Brasil, teve uma história própria, inscrita em um contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar e sedimentada sobre os pressupostos da desinstitucionalização dos pacientes psiquiátricos e da consolidação de bases territoriais do cuidado em saúde mental. Orientada com base em fundamentos epistemológicos, a reforma propõe aos cuidados destinados a saúde mental, uma ruptura ao paradigma médico – naturalista clássico, atribuindo um novo lugar social para a loucura e consequentemente, instaurando um modelo psicossocial de cuidado de modo a constituir uma rede integrada de assistência à saúde. (BRASIL. 2005). Para a consolidação da reforma psiquiátrica é preciso, dentre outras coisas, a construção de uma rede comunitária de cuidado. Assim sendo a articulação em rede dos variados serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico é crucial para a constituição de um conjunto vivo e concreto de referencias capazes de acolher a pessoas em sofrimento psíquico (BRASIL, 2005). Neste contexto, a atenção primaria desempenha um papel extremamente significativo, sendo o Programa saúde da família uma estratégia prioritária para a organização da atenção básica no Brasil (BRASIL, 2006). A estratégia de saúde da família é considerada a principal porta de entrada das pessoas que demandam algum tipo de atenção à saúde, representando assim, um recurso estratégico para o enfrentamento de importantes problemas de saúde pública, (SILVA, FUREGATO, JÚNIOR, 2003). Esse modo de organizar o cuidado na atenção básica favorece as questões referentes à prevenção, promoção e recuperação da saúde. Esse programa visa para reorganizar o serviço de saúde, amparando a operacionalização dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e organizando a rede de uma forma articulada com os outros níveis de atenção. (CAMARGO-BORGES, CARDOSO, 2005). Com vista à atenção à saúde integral e familiar, afinados aos princípios da equidade, integralidade e universalidade, é que se justifica o debate acerca da Saúde Mental na Estratégia de Saúde da Família (ESF) (ARCE, SOUSA, LIMA, 2011). Assim, Essa rede de atenção à saúde buscam garantir dentre outras coisas, a integralidade do cuidado a saúde mental (BRASÍLIA, 2012) – foco do trabalho. A integralidade começa pela organização dos processos de trabalho na atenção básica operando através de diretrizes como a do acolhimento e vinculação de clientela, onde a equipe se responsabiliza pelo seu cuidado. Este é exercido a partir de diversos campos de saberes e praticas, onde se associam os da vigilância à saúde e dos cuidados individuais (FRANCO, JÚNIOR, 2004). Em conformidade com o principio da integralidade – que se contrapõe a uma abordagem fragmentária e reducionista – a abordagem do profissional de saúde, também não deve se restringir à assistência curativa, buscando dimensionar fatores de reisco à saúde e execução de ações preventivas (ALVES, 2004). Neste contexto, o profissional de psicologia, por meio de ações básicas, busca a prevenção da doença e a promoção da saúde, incentivando os atores sociais envolvidos, para a geração de propostas de transformações do ambiente em que vivem, contribuindo assim, para um processo de transformação crítica e democrática que potencializa e fortalece a qualidade de 31 vida. Ao gerar interlocuções entre as equipes de saúde e a comunidade, o profissional propicia a construção de espaços viabilizadores de acolhimento e construção de vínculo, contribuindo para a reflexão e a problematização dessas práticas que se propõem coletivas. Dessa maneira, a inserção do psicólogo pode contribuir para a transformação das práticas em saúde rumo à integralidade, contribuindo para a eficácia do sistema de saúde idealizado pelo SUS – universal, equitativo, integral. O presente trabalho tem por objetivo trazer um relato de experiência sobre um caso atendido via uma estratégia saúde da família, de modo a relatar as ações de cuidado desenvolvidas na atenção primária, e as articulações realizadas com todos os outros níveis de atenção a saúde, de modo a salientar a relevância do trabalho em rede em saúde mental, considerando o principio da integralidade. O trabalho em questão foi viabilizado pelo Programa de Educação pelo trabalho para a Saúde – PET-Saúde/Saúde Mental – Crack, Álcool e outras Drogas, realizado em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Curso de Psicologia e Secretaria Municipal de Saúde de uma cidade do interior de Mato Grosso do Sul, com foco em ações assistenciais em saúde mental. Metodologia O trabalho foi realizado via uma Estratégia de Saúde mental de uma cidade do interior de Mato Grosso do Sul, viabilizado pelo Programa de Educação pelo trabalho para a Saúde – PETSaúde/Saúde Mental – Crack, Álcool e outras Drogas. Por meio da agente comunitária de saúde (ACS), foi realizada a primeira visita domiciliar a usuária do serviço, cuja demanda inicial era a de que a usuária teria sido submetida a uma cirurgia oncológica recente e apresentava humor deprimido. A usuária, aqui denominada de A. é do sexo feminino, tem 38 anos de idade, é casada, tem 3 filhos (uma menina e menino casados e um solteiro); reside com marido e filho solteiro; e tem diagnostico psiquiátrico de transtorno de personalidade emocionalmente instável e transtorno dissociativo. No plano social, possui condições de moradia simples, exerce a função de trabalhadora do lar e passa a maior parte do tempo sozinha em casa. Em relação ao grau de suporte social pela rede de saúde, há a percepção dos problemas por parte da ACS; sendo bem assistida pela mesma, e possui pouco investimento por parte da família. Nos planos afetivo, relacional e subjetivo, A. é demarcada por um histórico de abandono familiar, violência doméstica, alucinações auditivas e visuais, ideações suicidas e tentativa de suicídio real. Ainda pequena vivenciou a morte do pai pelo amante da mãe. Aos sete anos, com a morte da mãe vivenciou suas primeiras alucinações. Na mesma época, deparou-se com o abandono, sendo a única dos irmãos a não ser adotada por ninguém, reconhecendo-se e se autodenominando como o “patinho feio”. Foi morar com uma irmã aos 14 anos. Devido a suspeita de abuso pelo cunhado, foi abandonada novamente, vindo a participar do ramo da prostituição. Neste período, envolveu-se com um homem que hoje é seu atual marido, com quem vivenciou cenas de violência domésticas, muitas vezes assistidas pelos filhos. Assim o ambiente familiar de A. vive em uma relação conflituosa tríplice – A. com o marido, os filhos com os pais e os filhos com A. As ações iniciais foram pautadas em visitas domiciliares, e logo no primeiro encontro foram feitas articulações – encaminhamento para o Centro de atenção psicossocial (CAPS) da cidade local, neurologista e clínica escola. Durante as visitas foi compreendido que A. teve perdas recentes das figuras parentais na infância, sem qualquer substitutos posteriores e uma dinâmica familiar atual conturbada. Além disso, atualmente vivenciava sentimentos que caracterizam a depressão: sentir-se triste a maior parte do dia, diariamente; perder o prazer em atividades rotineiras; desesperança; sentir-se um peso para os outros; pensamentos frequentes de morte e suicídio. Pouco tempo depois do inicio do acompanhamento de A. houve uma tentativa real de suicídio. Assim, havia uma situação problema: Depressão Grave/Ideação suicida/ tentativa real de suicídio, de onde foi traçado um projeto terapêutico singular (PTS). Como medidas a curto prazo foram realizado a tentativa de retirada das cordas com as quais planejava a forma do suicídio – sem sucesso; acompanhamento sistemático que seria realizado pela sogra ou a internação no 32 hospital psiquiátrico (HP) – escolha pela internação feita pela própria usuária, interlocução com CAPS e Psiquiatra responsável - discussão do caso/ informações; contato com um dos filhos – para a internação. Como medidas a longo prazo foi proposto e trabalho posteriormente a sensibilização na participação efetiva das atividades do CAPS, psicoterapia individual e participação da terapia comunitária. Após a saída do HP (que durou apenas seis dias), houve a continuidade do projeto terapêutico, demarcado por diferentes ações: conscientização/ fiscalização da medicalização; estabelecimento de maior contato com a filha; sensibilização da família; conversas por telefone em momentos de crise; participação das atividades do CAPS sob a forma de acompanhamento terapêutico e interlocução com o Núcleo de apoio à da família (NASF). Ao final do projeto, e consequentemente o fim do acompanhamento de A. por parte da estagiária de psicologia, foram feitas sensibilizações com ACS referência, reencaminhamento para o atendimento psicoterápico (abandonado anteriormente); retomada de todas as atividades que o ocorriam no CAPS e a relevância em continuar a freqüenta-lo. Resultados Durante o acompanhamento foi estabelecido uma relação e espaço de modo que a cliente pudesse expor seus conteúdos de forma bastante produtiva. Assim, em determinadas situações A se mostrou implicada nas atividades, como por exemplo nos atendimentos clínicos individuais. Entretanto, também foram encontradas algumas dificuldades. Em um momento que a usuária encontrava-se em uma situação de vulnerabilidade de risco real de se submeter à tentativa de suicídio novamente, sendo necessário um encaminhamento de urgência para a internação, houve pouca sensibilização por parte do medico responsável, que se negou a realizar o encaminhamento naquele momento, pedindo que se retornasse após o almoço. Também houveram barreiras em relação a alguns serviços, como o CAPS, que em duas procuras pelo serviço pela usuária, o mesmo se encontrou fechado e o NASF que contava com uma equipe de trabalho pouco engajada nas problemáticas dos usuários do serviço. Uma outra dificuldade foi em relação á própria dinâmica familiar, que se achava pouco sensibilizada pelo problemas, atribuindo pouca importância a tudo que ocorria. Desta forma, o atendimento de A. contou com uma articulação em rede, envolvendo os diferentes níveis de atenção à saúde serviços constituintes: estratégia saúde da família; núcleo de apoio à saúde da família; centro de atenção psicossocial; hospital psiquiátrico; psicoterapia, família, postão. Embora tenha ocorrido algumas dificuldades, as visitas domiciliares bem como o acompanhamento mais sistemático, permitiram que A entrasse em contato com conteúdos importantes e que sua saúde, tanto física quanto mental, fosse preservada. Considerações finais Conforme a própria literatura expõe, o acompanhamento de pessoas que se encontram em sofrimento psíquico podem contribuir para diminuir riscos reais, como por exemplo o suicídio. Assim sendo, a atenção primária assume um papel mediador e fortalecedor das redes serviços, promovendo redes significativas para o sujeito que deseja livrar-se de uma dor fundo psíquica insuportável. Entretanto, as necessidades em saúde mental cresceram e complexificaram, exigindo uma permanente atualização e diversificação das formas mobilização e articulação política, de gestão, e de construção de estratégias inovadoras cuidado, exigindo que o profissional também esteja preparado para lidar com essas questões. de de se de de A idéia fundamental é de que apenas uma organização em rede é capaz de fazer face à complexidade das demandas de inclusão de pessoas secularmente estigmatizadas, em um país de acentuadas desigualdades sociais. É nessa articulação que se pode garantir a resolutividade, promoção da autonomia e a cidadania das pessoas em sofrimento psíquico. Considerando que a rede comunitária de cuidados é fundamental para a consolidação da Reforma Psiquiátrica e que sua articulação é fundamental para a constituição de um conjunto 33 vivo e concreto de referências capazes de acolher a pessoa em sofrimento mental o presente trabalho se torna relevante. Levando em consideração que grande parte das pessoas com transtornos mentais leves, ou severos estão sendo efetivamente atendidos pelas equipes da atenção básica, é necessária a implicação no compromisso e na responsabilização em relação à produção de saúde, a busca da eficácia de práticas e a garantia da equidade, integralidade e cidadania. Referências ALVES, Vânia Sampaio. Um modelo de educação em saúde para o Programa Saúde da Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial. Interfacecomunicação, Saúde, educação. v.9, n.16. 2004. ARCE, Vladimir Andrei Rodrigues; SOUSA, ária Fátima de; LIMA, Maria Glória. A práxis da Saúde Mental no âmbito da Estratégia Saúde da Família: contribuições para a construção de um cuidado integrado. Physis: Revista de Saúde Coletiva. v.21 n.2. Rio de Janeiro 2011. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, 2005. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de Atenção Básica. Politica nacional de atenção básica/ Ministério da saúde. Secretaria de atenção a saúde. Departamento de atenção à saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006). CAMARGO-BORGES, Celiane; CARDOSO, Cármen Lúcia. A psicologia e a estratégia de saúde da família: compondo saberes e fazeres. Psicologia e Sociedade. v.17 n. 2 Porto Alegre, 2005. FRANCO, Túlio Batista; Júnior Helvécio Miranda Magalhães. Integralidade na assistência à saúde: a organização das linhas do cuidado. In: O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. ed 2. HUCITEC: São Paulo, 2004.. Redes de Atenção à Saúde – RAS. Brasília, 2012. SILVA, Mariluci, Camargo Ferreira; FUREGATO, Antonia Regina Ferreira; JUNIOR, Moacyr Lobo da Costa. Depressão: pontos de vista e conhecimento de enfermeiros da rede básica de saúde. Revista Latino Americana de Enfermagem v.11 n.1 Ribeirão Preto, 2003. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ O TRABALHO EM GRUPO COMO ESTRATÉGIA DEMOCRÁTICA E CRÍTICA PARA A CONVIVÊNCIA EM SAÚDE MENTAL Anamélia Maria Guimarães Junqueira 1; Isabel Cristina Carniel2; Alexandre Mantovani3 Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo – SPAGESP 1 [email protected]; [email protected]; [email protected] 34 Resumo O movimento da reforma psiquiátrica iniciado no Brasil no final dos anos 70 traz como uma de suas lutas a superação do modelo hegemônico hospitalar e da dicotomia sujeito/doença, propondo um novo olhar para os sujeitos portadores de transtornos mentais. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgem como dispositivo estratégico nessa mudança no modelo de atenção à saúde mental, dentre as modalidades de cuidado oferecidas estão os atendimentos grupais. Este estudo busca refletir sobre um desses grupos chamado de “Assembleias” que se constituem como um espaço de gestão compartilhada para a discussão de questões institucionais - revisão de normas, sugestão e reformulação das atividades propostas pelo serviço, problemas burocráticos ou com a equipe - e também para a discussão de conflitos interpessoais entre os usuários. Propõe-se com esse grupo apresentar resoluções para as questões levantadas como estratégia para a inserção dos usuários nas decisões institucionais, maior participação em seu tratamento e a busca de uma maior autonomia. O grupo é aberto e conta com cerca de 25 usuários, através da livre circulação de ideias ele se desenvolve. Os principais temas são as atividades do serviço, a alimentação, os problemas relacionados à convivência e falas pessoais. Palavras-chave: Saúde mental, Grupo, Reforma Psiquiátrica, Assembleia Introdução O movimento da reforma psiquiátrica iniciado em fins dos anos 70, ampliou a assistência aos sujeitos portadores de transtornos mentais com a integração de diversos saberes, não sendo restrita apenas a prática psiquiátrica ou ao diagnóstico das doenças. Representou a superação do que durante muito tempo foi o tratamento psiquiátrico baseado na remissão de sintomas, no modelo hegemônico hospitalar, “ocuparam-se das doenças e esqueceram-se dos sujeitos que ficaram apenas como pano de fundo das mesmas” (AMARANTE, 2007, p. 66). A criação de uma rede de serviços diversificados na assistência em saúde mental propõe a superação da dicotomia sujeito/doença e um novo olhar para os sujeitos portadores de transtornos mentais. Nascida a partir da mobilização de trabalhadores de saúde, no cotidiano de suas práticas institucionais e nas universidades, a Reforma Psiquiátrica buscou politizar a questão da saúde mental, especialmente, na luta contra as instituições psiquiátricas; produziu reflexões críticas que provocam uma ruptura epistemológica; criou experiências e estratégias de cuidado contra-hegemônicas; conquistou mudanças em normas legais e buscou produzir efeitos no campo sócio-cultural (YASSUI, 2006, p.26). A reforma psiquiátrica possibilitou a discussão de novas formas de cuidado ao englobar toda a complexidade do sofrimento psíquico e as singularidades de cada sujeito. O atual modelo de atenção prioriza os recursos extra-hospitalares, o tratamento e o cuidado são realizados preferencialmente pelos serviços substitutivos (Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial, Hospital Dia, Ambulatórios de Saúde Mental, Centros de Convivência e Núcleos de saúde mental em Hospitais Gerais), com a participação da comunidade e a inserção de equipes multiprofissionais nos equipamentos de saúde. Segundo a legislação em vigor desde 2001, que trata sobre os direitos e deveres dos portadores de transtorno mental e redireciona o modelo de atenção: Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais. Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. 35 § 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. (BRASIL, 2001) Os Centros de atenção psicossocial (CAPS) aparecem como principal dispositivo extrahospitalar na atenção a saúde mental em um serviço de base comunitária, “é o surgimento destes serviços que passa a demonstrar a possibilidade de organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país” (DELGADO, 2007, p.59). Através da equipe multiprofissional são disponibilizados diversos recursos que vão além da dupla: consulta médica/medicação. São grupos, oficinas terapêuticas, apoio familiar, atendimento médico, acompanhamento clinico, passeios e outras modalidades que juntas tecem a rede de cuidado a partir das relações de horizontalidade, com a articulação de diversos saberes. Nesse novo cenário a palavra usuário aparece como produtora de autonomia, no sentido de fortalecer o caráter ativo dos que se utilizam do serviço de saúde. Mais do que uma nomenclatura, o termo carrega a ênfase no protagonismo e na responsabilização dos sujeitos em todas as etapas de seu tratamento. Segundo Amarante (2007, p. 82) “a expressão acabou sendo adotada com sentido bastante singular no campo da saúde mental e atenção psicossocial, na medida em que significava um deslocamento no sentido do lugar social das pessoas em sofrimento”. Os grupos das assembleias estão presentes no cenário atual da saúde mental, segundo publicação do Ministério da Saúde sobre os CAPS, esse grupo aparece como uma das modalidades oferecidas entre os recursos terapêuticos e são entendidas como: um instrumento importante para o efetivo do funcionamento dos CAPS como um lugar de convivência. É uma atividade, preferencialmente semanal, que reúne técnicos, usuários, familiares e outros convidados, que juntos discutem, avaliam e propõem encaminhamentos para o serviço. Discutem-se os problemas e sugestões sobre a convivência, as atividades e a organização do CAPS, ajudando a melhorar o atendimento oferecido (BRASIL, 2004, p.17). Em um trabalho como psicóloga de um CAPS I, coordeno junto com uma colega terapeuta ocupacional um grupo de assembleias. Esse grupo aparece como um dos dispositivos utilizados para o cuidado e atenção aos sujeitos portadores de sofrimento psíquico e, como recurso terapêutico produtor de autonomia, na busca pela maior participação e responsabilização dos usuários em seu tratamento. Além de representar um importante instrumento institucional. Este estudo busca refletir sobre o grupo ASSEMBLEIA, realizado semanalmente em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS I) para a compreensão de seu modo de funcionamento e a investigação do papel ocupado por esse dispositivo na instituição e na politica de saúde mental. Metodologia O grupo “assembleia” é realizado todas as sextas-feiras no período da manhã, sua duração é variável, por volta de uma hora, depende do número de assuntos a serem discutidos no dia, da disposição dos participantes e do próprio funcionamento do grupo a cada encontro. É realizado no pátio do CAPS, a proposta é servir para a resolução de conflitos institucionais, conflitos interpessoais entre os usuários e técnicos, sugestões para as atividades, críticas e para a programação dos eventos que assim exigirem. O grupo é aberto, não há obrigatoriedade em se expressar. Constitui-se através das pautas levantadas pelos usuários e pautas construídas pelos técnicos ao longo da semana, em reunião de equipe. Normalmente as coordenadoras iniciam o grupo com as boas vindas e o convite à fala. A partir das participações ele se desenvolve, a livre circulação de ideias é apreciada. Após as falas dos usuários, antes do término, as coordenadoras passam as pautas levantadas pela equipe. O grupo possui poder de resolutividade, ou seja, as questões colocadas em pauta e votadas pelos participantes das assembleias passam a vigorar na instituição até que seja posto novamente em discussão. O CAPS conta com uma média de 40 usuários, porem a presença nas assembleias é 36 flutuante, em torno de 25, já que de sexta-feira o serviço fecha às 14h e muitos aproveitam para não ir nesse dia ou fazem parte da modalidade semi-intensiva e não estão no serviço nesse horário. A análise desse trabalho será desenvolvida a partir das minhas anotações no formato de um diário de campo, segundo Minayo (2010, p. 194) constitui-se de um instrumento de registro onde o “investigador deve anotar todas as informações que não sejam o registro das entrevistas formais”. Assim, durante cada encontro foram anotadas falas relevantes, comportamentos, acontecimentos inesperados, os modos de resoluções praticadas pelo grupo. A instituição mantem um livro ata com um resumo dos tópicos discutidos, é escrito após o grupo pela outra coordenadora com a minha participação e servirá como referência e guia para a análise. Discussões Cada encontro é singular. Às vezes ocorrem diversas votações sobre os mais variados temas, como questões referentes à alimentação e cardápio, disposição dos quarto para a sesta pós-almoço, roteiro dos passeios, mudança nas atividades, gerenciamento do dinheiro obtivo através das oficinas de geração de renda. Em outras há discussões exaltadas e conflitos devido as diferentes opiniões. Há os dias mais calmos, sem muitas participações, com alguns desabafos. Dias em que a assembleia é constantemente interrompida, seja através de alucinações, agitação excessiva ou interferências externas. (Assembleia 28/09/12) Durante o grupo a usuária L com uma fala bastante emocionada conta que naquele momento está ouvindo vozes. “Abre o portão e se joga na frente do carro” diz. Chora e pergunta se os outros não estão ouvindo. O grupo de forma bastante acolhedora conversa com L. A usuária R não costuma falar no grupo e também nas demais atividades do serviço - sempre é lembrada nas assembleias por não cooperar e por ser “grosseira” com os demais - nesse momento, de forma bastante gentil, pede para L permanecer ali junto de todos, pois, irá passar. Após algumas falas a assembleia segue e L continua participando, ao final conta que sua sobrinha está grávida e que todos na família estão felizes. Grande parte dos assuntos discutidos nos grupos está ligada ao funcionamento da instituição, como o cardápio da marmita: (Assembleia – 24/08/12) O usuário CL inicia o grupo dizendo ter uma reclamação quanto à marmita: quase todos os dias tem farofa. Burburinho. Alguns usuários dizem gostar da farofa, outros não. A usuária I propõe tirar a farofa para quem não gosta e dá o exemplo do macarrão, ela também não gosta e sempre vem. Cl insiste quanto à frequência do acompanhamento e pergunta se não é possível que a sua marmita venha sem farofa. Todos falam ao mesmo tempo. I pede calma e diz que se cada uma fizer um pedido especifico sobre o que gosta e o que não gosta ficará inviável, cita o exemplo do outro restaurante segundo ela excelente – onde eram feitos pedidos específicos: comida sem sal para os hipertensos, sem carboidratos para os diabéticos, com “carne mole” para os com dificuldade de deglutição e termina dizendo “ai ficou caro e a prefeitura mudou de restaurante, assim não dá gente”. Após a discussão sobre a dificuldade em agradar a todos e a necessidade de adaptação, o assunto é encerrado tendo como proposta a equipe conversar com o restaurante e pedir um pouco mais de variedade no cardápio e cada um retirará o que não gosta do prato. O direcionamento do grupo é baseado na livre circulação de ideias, as coordenadoras intervêm quando as discussões se tornam acaloradas ou quando as possíveis soluções para as questões não conseguem se desenvolver. A democracia é um conceito essencial, todas as propostas são votadas - independente do conteúdo - e todos podem colocar suas ideias e opiniões. (Assembleia 17/08/13) A usuária I pede a palavra para informar uma boa noticia: conseguiu sua aposentadoria e será retroativa. Os usuários a cumprimentam, o grupo demostra animação e alegria. I conta que dará um presente para todos em comemoração, na festa dos aniversariantes do mês ela fornecerá os refrigerantes e os salgadinhos. Os usuários agradecem e ficam empolgados com a novidade. O grupo possui um “modo operante” próprio, algumas regras de funcionamento foram se consolidando durante os encontros, como a necessidade dos envolvidos estarem presentes durante uma reclamação. O grupo não aceita falar sobre quem não esta participando, no intuito da pessoa ter a oportunidade de argumentar ou opinar. A “punição” também foi decidida em 37 assembleia, seu significado está ligado com comportamentos “mau visto” pelos usuários (como a falta de cooperação, desrespeito). Os critérios são subjetivos, quando alguém se incomoda com a atitude de outrem coloca em pauta a punição, após a discussão do assunto é feita a votação e decidido. Há tolerância com os que estão passando por crises. (Assembleia 10/08/12) Logo após o inicio do grupo I diz ter uma reclamação sobre a usuária E, ela está muito desobediente e falta com respeito com os profissionais (no dia anterior E havia gritado com os membros da equipe). J relembra o episódio ocorrido no dia anterior onde E jogou todos os copos que estavam em cima do bebedouro no chão. Alguns usuários concordam e se expressam. As coordenadoras perguntam a E se ela gostaria de falar. Ela xinga e diz que não virá mais ao CAPS. Os usuários se assustam com o modo de falar. JL diz “que isso aqui está pior do que hospital psiquiátrico”, as coordenadoras questionam o que JL quis dizer e ele se refere aos xingamentos de E e a repercussão provocada( alvoroço). Antes que pudesse terminar a fala, a usuária I interrompe e também reclama de JL que vem falando obscenidades para as mulheres do serviço, após o “sermão” ela volta ao assunto inicial e propõe uma punição a E pelo “mau comportamento”: não ir ao próximo passeio. O usuário CL pede para levantar a mão os que estiverem de acordo e a maioria concorda. E ouve tudo e depois se levanta, não quer falar. Os grupos também contam com pautas formuladas pela equipe durante a semana e transmitidas pelas coordenadoras. Algumas regras da instituição sempre precisam ser relembradas, como o local adequado para fumar. Informações também são passadas, algumas pautas ganham destaque e levam a importantes discussões: (Assembleia 06/01/12) As coordenadoras contam para o grupo sobre os cestos para a coleta seletiva que a prefeitura enviou, perguntam se eles sabem o que é reciclar e qual a importância da coleta seletiva. O assunto ganha destaque. Uma usuária lembra sobre a necessidade de jogar os materiais limpos e secos no lixo. Também entra em pauta a reutilização dos materiais reciclados para a confecção de diversos produtos como bolsas, tapetes e até roupas. Recordam sobre as oficinas de terapia ocupacional onde também são utilizados esses materiais, como garrafa pet e anéis de latas de alumínio. O assunto caminha para as atuais oficinas realizadas no CAPS e o planejamento de novas oficinas para o ano que se inicia. Foi proposto um calendário fixo de oficinas, incluindo as oficinas planejadas coletivamente a partir do grupo de assembleias. (Assembleia 17/08/12) As coordenadoras informam que a oficina de culinária realizada às quintas-feiras terá que ser transferida para as quartas, pois, a voluntária que coordena a oficina participará de alguns cursos nesta data. Os usuários perguntam qual oficina terá no lugar e propõe algo mais “dinâmico” como jogos e vídeos. Uma usuária pergunta se pode trazer um filme “legal” para passar na próxima quinta. Fica combinado que a cada semana decidiremos em assembleia a atividade a ser realizada às quintasfeiras. Grande parte dos participantes mantem-se quietos durante os grupos de assembleia, existe um subgrupo dentro do grupo: os que costumeiramente se manifestam e discutem os assuntos. O psiquiatra italiano Franco Basaglia, durante seu percurso na luta contra a violência e exclusão praticadas nas instituições psiquiátricas, utiliza-se de uma fábula oriental (BASAGLIA, 1985, p.132) como metáfora ao doente mental para exemplificar o poder massificador do processo de institucionalização: uma serpente entra pela boca de um homem enquanto ele dormia e se aloja em seu estômago, a partir de então ela passa a exercer a sua vontade em detrimento dos anseios do homem que fica privado de sua liberdade, sob os ditames da serpente. Depois de algum tempo o homem percebe que a serpente havia partido e estava livre novamente, então, se dá conta que não sabe o que fazer. Após um longo período sob os imperativos da serpente, a sua capacidade de desejar, de querer ficou adormecida, esquecida, “a ele só restara reconquistar pouco a pouco o anterior conteúdo humano de sua vida” (BASAGLIA, 2005, p. 80). O que fazer sendo livre novamente? O que fazer com os pacientes institucionalizados há anos que tiveram sua existência como sujeitos usurpados? Se por um lado a restrição das possibilidades de escolha pode caracterizar uma existência doente, foi (e ainda é) preciso criar outras formas de conexão com a vida e os grupos se mostram importantes nesse caminhar, sendo necessário (re)conquistar, talvez até (re)inventar novos modos de viver. Desde a reforma psiquiátrica até os dias de hoje “buscou-se abrir espaço para o sujeito através da palavra, preservando a sua singularidade no universo da instituição de 38 saúde mental e da sociedade” (FURLAN; RIBEIRO, 2011). Os grupos de assembleia procuram propiciar esses espaços ao levar em conta toda e cada singularidade. Considerações Finais O espaço para fala propiciado pelo grupo das assembleias possibilita a discussão de temas e conteúdos que nem sempre surgem em outros contextos. Esse dispositivo funciona como mais uma forma de atenção aos sujeitos portadores de sofrimento psíquico, ao complementar as outras modalidades e contribuir para a melhor assistência em saúde mental. Além do caráter democrático, nem sempre aproveitado por outros tipos de grupos e atendimentos na atenção psicossocial. Esse grupo procura (re)conhecer os sujeitos como atores e protagonista em seu tratamento e em suas vidas, através da criação e da construção de novas possibilidades e encontros que libertem o sujeito do aprisionamento imposto por sua doença ao contemplar as diversas dimensões da existência. É necessária a constante reflexão e problematização acerca desse dispositivo para que não perca o sentido ou se enfraqueça, o que minaria o potencial a que se destina, correndo o risco de reproduzir as práticas de dominação e segregação a que se opõem. Referências AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. BASAGLIA, Franco. A instituição negada: relato de um hospital psiquiátrico. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. BASAGLIA, F. Escritos selecionados em saúde mental e reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro, Garamond, 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Legislação em saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. DELGADO, P. G. G. et al. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no brasil. In: MELLO, M. F.; MELLO, A. A. F.; KOHN, R. Epidemiologia da saúde mental no brasil. Porto Alegre: Artmed Editora, 2007. p.39-79. FURLAN, V.; RIBEIRO, S. F. R. A escuta do psicoterapeuta em grupo com pessoas em sofrimento mental atendidas em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Vínculo, São Paulo, v.8, n.1, p. 2229, 2011. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180624902011000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 22 de março de 2013. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2010. YASUI, S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira. 2006. 208 f. Dissertação (Doutorado) - Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, 2006. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ DIMENSÃO POLÍTICA DOS DISPOSITIVOS ATUAIS DE SAÚDE MENTAL: OFICINAS TERAPÊUTICAS E ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO (AT) COMO DISPOSITIVOS DE CONSTRUÇÃO POLÍTICA 39 Simone Pantaleão Macedo1; Mirella Martins Justi² 1.Psicóloga clínica; Supervisora clínica em AT; Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela UNESP de Bauru; Coordenadora do Curso de AT do Instituto de Psicologia Essência de Araçatuba-SP; Responsável Técnica pelo Instituto de Psicologia Essência; Vice-Presidente da ASAS – Associação de Apoio à Saúde Mental; Coordenadora do Curso de Psicologia da UNIP; Docente do Curso de Psicologia da UNIP e da Faculdade Educacional de Araçatuba nas áreas de Saúde Mental, AT e Terapia Familiar. Contato: [email protected]. 2. Psicóloga clínica; AT; Coordenadora da Oficina Terapêutica da ASAS; Presidente da ASAS – Associação de Apoio a Saúde Mental; Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela UNESP de Bauru; Docente em cursos de Graduação e Pós-Graduação com os temas “Psicopatologia”, “Saúde Mental”, “Psicodiagnóstico”, “Qualidade de Vida no Trabalho” e “Empreendedorismo”; Contato: [email protected]. Resumo A Associação de Apoio à Saúde Mental (ASAS) nasceu de uma preocupação de ordem acadêmica e social frente à precariedade dos serviços de saúde mental de Araçatuba (SP). A articulação entre a academia e a luta pelos direitos dos cidadãos excluídos culminou com a implantação de dois dispositivos - o AT (acompanhamento terapêutico) e as oficinas terapêuticas – entendidos como potenciais disparadores de transformação social e paradigmática, os quais, por sua extensão e aplicação, atingem também a dimensão política. Esse movimento deu base para a formação, em 2004, de um grupo de AT, que foi se organizando e modificando com a entrada e saída de alunos e graduados em Psicologia, vinculados às universidades que oferecem o curso e a um centro de pesquisa de uma universidade estadual. Em 2010, a análise dos resultados obtidos até então, culminou na concretização de um espaço que pudesse representar uma referência para esse trabalho, o qual é atualmente denominado Instituto de Psicologia Essência. Em seguida, após diversas reuniões com os participantes das oficinas terapêuticas, familiares, acompanhantes e acompanhados, a ASAS se oficializa. Atualmente, ocorrem oficinas terapêuticas e de alfabetização, além de projetos vinculados aos estágios das universidades e dos atendimentos na modalidade AT. Palavras-Chave: Dispositivos em saúde mental; Acompanhamento Terapêutico (AT); Oficinas terapêuticas. Introduçâo A raiz do nascimento da ASAS (Associação de Apoio à Saúde Mental) configura a potencia do movimento acadêmico e vislumbra refletir sobre os desafios do exercício de uma prática de inclusão e transformação. Muito tem se falado da mudança paradigmática no Campo da Saúde Mental e diversas instituições buscam implantar o novo modelo assistencial, apesar de ainda se depararem com práticas hegemônicas do paradigma que buscam superar. A tarefa cotidiana de consolidar as mudanças no campo teórico- assistencial, técnico–assistencial, jurídico-político e sociocultural torna-se um desafio constante e nos leva à reflexão de uma prática que exige formação permanente. Com sede em Araçatuba, cidade localizada no noroeste do Estado de São Paulo, a ASAS, enquanto entidade se configurou em outubro de 2010. Porém, sua formação vem de um processo de movimentos que polarizam os campos teóricos-técnico-assitenciais e sociocultural. Marcada, em seu início, por um grupo de estudantes de psicologia vinculados a estágios e cursos práticos de Acompanhamento Terapêutico (AT) e, posteriormente, de oficinas terapêuticas. Atualmente, agregaram-se ao movimento associados, familiares, psicólogos, estudantes de psicologia e outros profissionais implicados com a causa da saúde mental. As práticas vão tomando movimentos que aderem novos movimentos e setores distintos. Com a entrada de uma mãe-artesã nas oficinas terapêuticas, a associação dos artesãos local abre espaço para a exposição dos trabalhos realizados nas oficinas. A possibilidade de circulação no espaço social está mais uma vez inscrita e legitimada, o que outorga a ética cidadã. 40 Outro movimento importante se originou a partir da manifestação do desejo de um dos usuários em uma das comemorações dos aniversários, na hora de cortar o bolo e conferirem os pedidos, um dos usuários manifesta seu desejo: “Quero aprender a escrever”. A situação descrita mobilizou uma psicóloga da área educacional e emanou na formação de uma oficina de alfabetização. Deleuze (2002) refere que os processos de subjetivação são coletivos, entendendo que o coletivo diz respeito à multiplicidade e à impessoalidade. A subjetividade deixa de se situar no plano transcendental ou na profundidade do eu e passa a ser tomada na experiência, nas práticas cotidianas. Relata que Foucault não emprega a palavra sujeito como pessoa ou forma de identidade, mas o termo “subjetivação” que diz de um processo, de uma relação de força com si próprio, de um campo magnético: uma individuação operando por intensidades. Os processos continuaram, pois são inerentes a tudo que tem movimento, o agenciamento de movimentos levaram a outros movimentos e a proposta da oficina de alfabetização promovida pela ASAS exposta em uma reunião dos gestores da paz em Araçatuba, começa a agregar integrantes do CREAS e da Casa Abrigo. Para Deleuze e Guatarri (1995) produzir é apropriar-se de outro pensamento, pois ninguém cria a partir do nada. E a criatividade se evidencia exatamente no modo como se trabalha outras idéias já produzidas. Trata-se, portanto, de uma valorização da experiência sensível, daquilo que é vivido individualmente, em que não se enquadram conceitos puros, rígidos. Para estes autores, o conceito expressa um acontecimento. Ele reflete multiplicidades criadas a partir da experiência, e não uma verdade única, e devem ser os conceitos utilizados como ferramenta de reflexão. Ora, se o conceito não é uma entidade absoluta acerca de algo a ser alcançado e incorporado, se não representa uma verdade universal que independe do contexto (plano de imanência), devemos utilizá-lo como ferramenta para pensar e produzir novos conceitos. É importante ressaltar que a prática em saúde mental advém de uma formação ainda pautada em um modelo hegemônico e médico centrado o que requer um desafio constante para aqueles que se propõe modificar esta lógica e implantar uma proposta pautada na mudança deste modelo assistencial. Segundo Yasui e Costa-Rosa (2008) somos formados e formatados no modelo médicocentrado hegemônico e em práticas disciplinares, os profissionais se vêem diante da responsabilidade de implantar uma proposta de mudança de modelo assistencial, que requer uma ruptura radical, da maioria dos conceitos aprendidos ao longo dos anos de formação; além de necessitarem rever radicalmente concepções ideológicas e éticas. Tal situação assume, por vezes, características de verdadeiro impasse. O conflito entre a proposta e a prática, entre a intenção e o gesto, gera uma tensão permanente no cotidiano institucional revelando a contradição entre os paradigmas que sustentam os diferentes modelos de cuidado. A partir do reconhecimento deste impasse e com o intuito de contribuir para o avanço das práticas em saúde mental, objetiva-se, nesta oportunidade, apresentar e refletir acerca dos movimentos que deram origem à construção da ASAS. Metodologia O método utilizado foi a clinica do encontro, a clínica ampliada, onde diversos movimentos potencializaram reflexões e ações que culminaram na implantação da referida associação. Os participantes constituem todos os usuários e profissionais envolvidos tanto nos atendimentos em AT como nas oficinas terapêuticas. Resultados e Discussão Os movimentos universitários através da prática do dispositivo AT e das oficinas terapêuticas possibilitaram a reflexão e a constatação da importância de um espaço de referencia, à qual configurou na implantação do Instituto de Psicologia Essência. Durante as 41 reflexões grupais dos seus membros a pauta centrava-se na importância da inclusão e participação dos usuários e familiares no processo de concretização de uma associação que possibilitasse o acolhimento das práticas do AT e das oficinas que emergiam. A prática do AT foi fundamental para este processo, pois, configura-se em um dispositivo que potencializa a construção de um “olhar em rede”, e tem como premissa básica a construção de relações que favorecem o empoderamento e a inclusão. Já as oficinas terapêuticas, por sua concretude espacial, torna-se um espaço para o acolhimento e assimilação dos sentimentos, a elaboração de angústias e o encontro. Fernandes (2005) aponta que diversos profissionais que têm atuado em oficinas terapêuticas confirmam que as oficinas têm-se revelado como um espaço fundamental para muitos pacientes para os quais, até então, o manicômio era o único lugar possível. Estas experiências abrem um campo de inclusão e responsabilização tanto para quem é tratado (paciente) quanto para os familiares e profissionais envolvidos e, de uma certa forma, toda a sociedade é convocada a participar. Nesta ótica, as oficinas podem exercer um papel como elemento terapêutico, visando aos aspectos clínicos e sociais. Em relação aos aspectos sociais, as atividades favorecem uma rede de relações que permite maior sociabilidade na vida dos pacientes. Os espaços das oficinas terapêuticas da ASAS se configuraram em um momento de discussão, reflexão e ação para esta construção. Usuários, familiares, psicólogos, estudantes de psicologia e outros profissionais pensavam juntos no estatuto e na sua formação, cargos, funções e formas de operacionalização. Através desta gestão participativa a ASAS foi efetivada e, atualmente, oferece os trabalhos das oficinas terapêuticas, de alfabetização, de AT, além de um espaço de convivência e trocas afetivas. Como resultados deste processo destaca-se a interrupção e diminuição das reinternações, o empoderamento dos usuários, o desenvolvimento de habilidades e capacidades, além da expansão e inclusão no âmbito social. Considerações Finais O presente artigo teve como objetivo central repensar os movimentos que deram origem à Associação de Apoio à Saúde Mental de Araçatuba (ASAS). A progressiva construção das relações entre usuários, familiares, acompanhantes terapêuticos e oficineiros foram consolidando uma rede de atenção e cuidado. A espontaneidade dos gestos, a clinica do encontro, a ampliação de uma ramificação que se estende para diversos setores e sentidos foram configurando movimentos de empoderamento e pertencimento que culminaram em ações conjuntas. Ações que geram novas ações, que incluem novos setores, que permite novos atos e atores. Cabe a reflexão acerca da importância destes movimentos serem continuamente pensados e compartilhados para que possam gerar novos movimentos e outros sentidos que permitam sempre a inclusão e a valorização da diversidade. Referências DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2002. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 1 (Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa). Rio de janeiro: Ed. 34, 1995. FERNANDES, Lúcia Jardim Ramalho. A função da atividade criativa no tratamento da psicose. (Dissertação de Mestrado) - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, 2005. YASUI, Silvio; COSTA-ROSA, Abilio. A estratégia atenção psicossocial: desafio na prática dos novos dispositivos de Saúde Mental / EAPS: challenge in the practice of the new devices of Mental Health. Saúde debate; 32(78/80):27-37, jan.-dez. 2008. 42 ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR04 – TÍTULO: Atendimentos a Famílias e suas Vicissitudes ................................................................................................................................... Atendimento a famílias em uma clínica-escola de Psicologia: percursos e reflexões Maíra Bonafé Sei¹; Bruna Maria de Souza²; Débora Kalwana De Martini Lopes dos Santos³ 1 Professora Adjunta do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Coordenadora do Projeto de Extensão “Atendimento psicológico a famílias por meio de recursos artístico-expressivos com base no referencial winnicottiano”, desenvolvido na UEL. Email: [email protected] 2 Discente do 5º ano de Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Bolsista do projeto de extensão “Atendimento psicológico a famílias por meio de recursos artístico-expressivos com base no referencial winnicottiano”. E-mail: [email protected] 3 Discente do 5º ano de Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Bolsista do projeto de extensão “Atendimento psicológico a famílias por meio de recursos artístico-expressivos com base no referencial winnicottiano”. E-mail: [email protected] Resumo Percebe-se na grade curricular dos cursos de Psicologia que o atendimento a casais e famílias nem sempre se configura como uma prática contemplada nas disciplinas e estágios ofertados. Considera-se que este tipo de atendimento possui especificidades que demandam uma construção teórica própria e adaptações na técnica. Almeja-se, então, apresentar a experiência de implementação do atendimento a famílias na Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a partir do projeto de extensão “Atendimento psicológico a famílias por meio de recursos artístico-expressivos com base no referencial winnicottiano”. Tem-se uma compreensão psicanalítica da família, com inserção de recursos artístico-expressivos para facilitar a comunicação no setting terapêutico. Para qualificação dos estudantes, foram realizados grupos de estudos e oficinas arteterapêuticas, para reflexão sobre a temática família e vivência do uso de recursos artístico-expressivos, respectivamente. Quanto ao atendimento, acolheu-se a família como um todo desde o processo de triagem, sem se eleger um representante que relatará os problemas por eles enfrentados e que motivaram a busca por ajuda. Ademais, a inserção de outra linguagem no contexto terapêutico favoreceu uma ampliação do conhecimento acerca da dinâmica familiar. Para o estudante de Psicologia, ofertou-se uma experiência diferente e pertinente para formação no campo da Psicologia Clínica. Palavras-chave: Psicanálise; Família; Winnicott; clínica-escola 43 Introdução Extremamente amplos são os conteúdos envolvidos na formação do psicólogo, fato que implica na necessidade de se efetuar escolhas quanto àqueles que serão abarcados ou não pela grade curricular. Em algumas universidades existe a opção do estudante envolver-se em projetos de ensino, pesquisa e/ou extensão que visam complementar a formação básica. No caso dos projetos de extensão, tem-se, além do aprendizado do estudante acerca de uma determinada área, também o oferecimento de um serviço à comunidade. Observa-se que os campos da psicanálise de famílias e da arteterapia ainda se mostram em desenvolvimento no Brasil. Quanto à primeira, tem-se um volume ainda pequeno de cursos, publicações e pesquisas no contexto nacional, sendo pertinente o desenvolvimento de iniciativas que favoreçam um aprofundamento do conhecimento sobre esta área. Quanto à arteterapia, observa-se um grande crescimento da mesma na última década, mas poucos são os trabalhos que abordam a arteterapia a partir de uma abordagem psicanalítica (SEI, 2011). Considera-se importante a ampliação do olhar do indivíduo para a família como um todo, tendo em vista que muitas vezes um dos integrantes da família é levado para o atendimento em decorrência de questões de ordem familiar. Nestes casos, pensa-se que uma indicação possível é a psicoterapia da família (SEI; GOMES, 2011). Por outro lado, levar o grupo familiar para o setting terapêutico configura-se como uma tarefa complexa, por reunir várias pessoas no mesmo espaço e suscitar muitas defesas, sendo comum a não vinculação ao atendimento (SEI, 2009). A arteterapia pode ser apresentar, então, como uma ferramenta capaz de facilitar o trabalho terapêutico e minimizar as resistências, por inserir outra linguagem para comunicação que colabora para maior ludicidade, espontaneidade e, assim, saúde no espaço de atendimento (SEI, 2011). A partir deste panorama, objetiva-se, por meio deste trabalho, relatar a experiência de implementação do projeto de extensão “Atendimento psicológico a famílias por meio de recursos artístico-expressivos com base no referencial winnicottiano”, realizado na Universidade Estadual de Londrina, junto aos estudantes do curso de graduação em Psicologia. Metodologia Trata-se de um estudo organizado no formato de um relato de experiência. Neste sentido, o projeto de extensão “Atendimento psicológico a famílias por meio de recursos artístico-expressivos com base no referencial winnicottiano”, cujas atividades com estudantes foram iniciadas em Março/2012, se organizou da seguinte maneira: - oficinas arteterapêuticas semanais com os estudantes nos primeiros três meses de atividade, com propostas relacionadas ao autoconhecimento e à família; - grupo de estudo semanal para discussão de temas concernentes à arteterapia e à psicanálise de casal e família; - supervisão clínica semanal, empreendida em grupo, de maneira que todos possam compartilhar as discussões contribuindo para a construção da identidade de terapeuta de casal e família; - leituras de textos sobre os temas relativos ao projeto de extensão; - atendimento clínico de casais e/ou famílias inscritos na Clínica Psicológica da UEL, empreendidos semanalmente, com duração de 1h30, e mediados por recursos artísticoexpressivos. As atividades são avaliadas semestralmente tanto pelos estudantes participantes quanto pelo público atendido, de maneira a constantemente aprimorar o trabalho desenvolvido. Esta avaliação é feita por meio de questionário escrito sem identificação de seus autores e, no caso dos estudantes, também por meio de grupo de discussão. Resultados e Discussão 44 Compreende-se que o referido projeto de extensão propiciou um espaço de ensino e aprendizagem para os estudantes de Psicologia participantes, de maneira que puderam apreender um conteúdo não contemplado na grade curricular do curso. As oficinas arteterapêuticas contribuíram para os estudantes experimentarem consigo próprios os aspectos mobilizados pelas propostas, para posterior utilização nos atendimentos familiares (COLAVIN; SEI, 2012). Além da teoria e da vivência arteterapêutica, puderam integrar teoria e prática por meio do atendimento clínico a famílias. Este se iniciava com a triagem feita com o grupo familiar como um todo e seguia para a psicoterapia familiar mediada por recursos artísticoexpressivos, com sessões semanais de 1h30. As avaliações com os estudantes foram realizadas semestralmente, configurando-se em um momento em que estes poderiam sugerir modificações, indicar dificuldades, apontar os aspectos do projeto que necessitavam de maior atenção. Desta maneira, foi possível avaliar quais temas seriam estudados nos semestres seguintes e quais estratégias metodológicas seriam empreendidas. Além disso, o estudante também podia avaliar sua própria inserção e dedicação ao projeto de extensão, podendo sinalizar, inclusive, suas falhas. Considera-se que o fato da avaliação não ser identificada permitia um posicionamento mais sincero no que concerne o reconhecimento destas falhas e dos pontos a serem melhorados. As triagens com as famílias inscritas na Clínica Psicológica da UEL foram iniciadas a partir do mês de Junho/2012 e, nos casos em que a psicoterapia familiar era indicada, os atendimentos tiveram início a partir do mês de Agosto/2012. Acredita-se que a escolha por já fazer uma triagem com o grupo familiar como um todo contribui para o deslocamento do olhar do paciente identificado, focalizando a família enquanto paciente do processo. Quanto ao uso dos recursos artístico-expressivos enquanto mediadores dos atendimentos, entende-se que estes facilitaram a expressão dos familiares e favoreceram uma melhor compreensão da família e de sua dinâmica (SEI, 2011; SANTOS; VERCEZE; SEI, 2012). Considerações Finais A formação em Psicologia deve abarcar muitos conteúdos e a grade curricular não consegue contemplá-los integralmente. Com isso, a modalidade de projetos de extensão constitui-se como uma maneira de ofertar ao estudante a oportunidade de envolver-se com outras atividades e adquirir novos conhecimentos. Nestes casos, a participação ocorre a partir do interesse do estudante e não como uma atividade obrigatória, algo positivo por favorecer maior implicação do participante. A psicoterapia familiar tem suas especificidades por, por exemplo, trabalhar com os vínculos entre os familiares e retomar aspectos inconscientes relativos à transmissão psíquica geracional. Então, para o público usuário da Clínica Psicológica, tem-se a oferta de uma nova modalidade de atendimento, que abarca aspectos diferentes daqueles contemplados pelas modalidades individuais ou grupais, ampliando o valor social da clínica-escola de Psicologia. A partir do relato apresentado, defende-se que experiências como estas possam ser estimuladas no âmbito da formação de psicólogos e demais profissionais do campo da saúde. Referências COLAVIN, J. R. P.; SEI, M. B. O uso de recursos artístico-expressivos no atendimento a famílias: como um estudante de graduação se vê inserido neste trabalho?. In: Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia - Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2012. SANTOS, D. K. M. L.; VERCEZE, F. A.; SEI, M. B. A arte que dá voz: a arteterapia como um recurso no procedimento de triagem na clínica escola. In: Livro de resumos: III Congresso de Psicologia da UEL: A inserção da psicologia na saúde: alcances, limites e impasses. Londrina: UEL, 2012. p. 36-36. 45 SEI, M. B. Arteterapia com famílias e psicanálise winnicottiana: uma proposta de intervenção em instituição de atendimento à violência familiar. Tese (Doutorado) Programa de PósGraduação em Psicologia Clínica. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2009. SEI, M. B. Arteterapia e psicanálise. São Paulo: Zagodoni, 2011. SEI, M. B.; GOMES, I. C. Demandas por atendimento psicológico e a transmissão psíquica transgeracional. Revista Omnia Saúde, v. 8, p. 26-35, 2011. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ UMA PROPOSTA DE PSICOTERAPIA FAMILIAR VINCULAR: DESFAZENDO SEGREDOS E PROPICIANDO ELABORACOES Amanda Maramaldo Vieira1; Isabel Cristina Gomes2 1 Instituto de Psicologia – Universidade de São Paulo (IPUSP)– [email protected] Instituto de Psicologia – Universidade de São Paulo (IPUSP)–Laboratório de Casal e Família: Clínica e Estudos Psicossociais, Departamento de Psicologia Clinica- [email protected] 2 Resumo Este trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta de atendimento clínico vincular com uma família composta por uma avó materna e seus dois netos. A demanda inicial da avó centra-se nos sintomas da criança mais velha, como uma forma intermediária para revelar a angustia de todos frente à situação traumática vivida: morte da mãe dos meninos, provocada pelo pai deles. Por meio de uma intervenção clínica realizada com o grupo, numa clinica-escola, com frequência semanal, inicialmente foi possível diluir o segredo entre eles, refletindo-se sobre o ocorrido, principalmente através do uso de estórias. Posteriormente, fortaleceu-se o vínculo entre os membros da família para que pudessem elaborar e compartilhar seus sentimentos a respeito da perda da mãe/filha e do pai/ex-genro. O “holding” promovido pela situação terapêutica trouxe à tona a força do vínculo fraterno e a possibilidade de todos em se disporem a se adaptar à nova dinâmica familiar e aos novos papéis e funções que cada um passou a ocupar dentro desse novo grupo. Coube ao terapeuta assumir um lugar de “modelo” para a avó exercer de forma mais segura uma parentalidade adotiva. Palavras-chave: Terapia vincular; Família; Psicanálise Introdução A clínica psicanalítica com famílias, embora tenha se desenvolvido bastante nas ultimas décadas, ainda é muito resistente às demandas espontâneas para atendimento de todo o grupo familiar (RAMOS, 2012). O paciente identificado continua permeando muitos dos encaminhamentos para os atendimentos de terapia familiar, principalmente em se tratando de serviços institucionais. Contudo, como o enfatizado no relato clínico em questão, os analistas/terapeutas que possuem uma escuta centrada nos referenciais da Psicanálise Vincular (BERENSTEIN, 2007) ou das Configurações Vinculares (KAES, 2011), conduzem o entendimento da(s) demanda(s) ampliandoa(s) no sentido de incluir todos os elementos do grupo familiar. Varias são as situações mobilizadoras de crises na estrutura familiar: doenças, separações, desemprego, mudanças culturais e perda de um componente, principalmente quando se trata de um dos genitores em relação à(s) criança(s). Se, de acordo com Winnicott (1997), os pais devem promover e organizar um espaço de continência para o pleno desenvolvimento dos filhos; e a família tem a função de conter, 46 organizar, promover modelos identificatórios para o indivíduo “vir a ser” e existir psíquica e socialmente. Como, então, dimensionar, dentro do universo infantil e no grupo familiar a perda parental? A temática da morte, no geral, é sempre envolta por sentimentos angustiantes e remete o ser humano a várias indagações, na medida em que comprova sua finitude e a dificuldade em aceitar essa condição. Alguns indivíduos buscam consolo na religião, na vasta literatura de autoajuda, nos grupos de apoio comunitários (REBELO, 2005) e na própria família. Esta, para sua resiliência frente à morte de um dos seus, pode solicitar a ajuda de um terapeuta ou apoio social de amigos ou outros familiares (GREEF; VANSTEENWEGEN e HERBIEST, 2011). Mas, em todos, a vivência do processo de luto é necessária. O exercício da parentalidade nas famílias de modelo tradicional sempre coube mais a mãe ou a um substituto materno, muitas vezes representado pela avó. É característica da sociedade contemporânea a extensão dessa função para a figura do pai, bem como o desejo dos homens, cada vez maior, em se tornarem atuantes. Entretanto, quando da ausência ou impossibilidade dos pais em parentalizar seus filhos, a função fundamental da família é questionada, inclusive do ponto de vista legal, na medida em que a(s) criança(s) é colocada numa situação de abandono, de orfandade, necessitando ser acolhida pelo Estado/Institucionalizada, caso não seja adotada pela família extensa. A perda parental desorganiza o laço familiar, o continente de segurança, principalmente quando os filhos são crianças e presenciam o fato traumático que deu origem ao esfacelamento do grupo. É de maior gravidade e sofrimento para todos os envolvidos se vitima e algoz fazem parte da mesma família, caracterizando a(s) violência(s) nos vínculos intrafamiliares, como descreveremos no material clínico abaixo. A psicoterapia psicanalítica vincular pode ser um espaço propício para se lidar com esse tipo de perda envolvendo os genitores, já que pressupõe experienciar um duplo luto, viver a orfandade e adaptar-se a uma nova estrutura familiar; tarefas elaborativas intensas para todos os envolvidos, crianças e adultos. Esse trabalho tem como objetivo refletir sobre um atendimento de psicoterapia vincular composto por uma avó e dois netos para elaboração do luto frente à perda parental traumática, a diluição de um “segredo” construído e o fortalecimento dos vínculos na nova família constituída. Metodologia A intervenção clínica foi realizada numa clinica-escola, com frequência semanal e uma primeira etapa diagnóstica para entendimento da real demanda por atendimento. Inicialmente, foram realizadas três entrevistas com a avó, a partir das quais ela pode contar detalhes sobre a morte da filha, falar sobre as preocupações com os netos, expressar um pouco da sua raiva e dor. Após as mesmas, foram feitos seis atendimentos vinculares com as crianças, com o uso da caixa lúdica e estórias construídas com personagens (ursos) que viveram algo semelhante a elas: uma dupla de ursos filhotes, irmãos, perdeu sua mãe após um episodio de bastante agressividade por parte do pai urso. Em seguida, os filhotes foram morar com a vovó ursa. Algumas estórias foram elaboradas pela estagiária-terapeuta e contadas na sessão. Outras foram construídas conjuntamente com os meninos no setting terapêutico, sempre baseadas em vivências reais, constituindo-se assim, um espaço diagnóstico e terapêutico. As entrevistas com a avó e os atendimentos com as crianças, provocaram uma circulação dos sintomas e a ampliação do entendimento da demanda, revelando a necessidade de uma proposta interventiva que atingisse todo o novo grupo familiar. Foram, então, realizadas dez sessões de psicoterapia psicanalítica vincular e, depois, deu-se o encerramento do trabalho clínico com a estagiária-terapeuta, interrupção de férias e o encaminhamento da família para outra estagiária-terapeuta no ano seguinte. Os resultados serão apresentados no formato de relato clínico e sua posterior análise. 47 Relato Clínico A avó materna busca atendimento psicológico para os seus dois netos, principalmente o mais velho, após o assassinato de sua filha, mãe das crianças citadas, pelo seu ex-genro e pai deles. O fato é presenciado pelo mais velho, que na época estava com sete anos. Quando o trabalho clinico foi iniciado, havia-se passado um ano desde o ocorrido. O que a fez procurar ajuda foi a preocupação com os netos. Segundo ela, os dois estavam muito agitados e agressivos, recebendo reclamações da escola que passou a requerer atendimento psicológico para ambos. Alem disso, ela acreditava que o neto mais velho, o que presenciou o assassinato da mãe, estava com a mente trancada (sic), pois não falava sobre o trauma presenciado e muitas vezes parecia paralisado, “parece que ele tem um ódio, uma ira presa” (sic). A partir das primeiras conversas com a avó foi possível compreender melhor como cada membro da família experienciara a situação traumática e algumas decorrências disso. Foi percebido então que havia um segredo instaurado entre eles: todos sabiam que a mãe/filha havia morrido, mas não era possível falar claramente sobre o fato em si nem sobre a saudade e dor sentidas. O neto mais novo, pelo menos explicitamente, não sabia que a morte da mãe fora causada pelo seu pai, alem de ter sido dito a ele que o pai estava viajando ao invés de estar preso. Como mencionado, o neto mais velho não conseguia verbalizar seus sentimentos sobre o que viveu, e a avó, por sua vez, também apresentava muitas dificuldades em lidar com a perda da filha e em assumir o papel de substituta da mãe das crianças. Todos viveram grandes mudanças em suas vidas em um curto período de tempo: a perda da mãe/filha, perda do pai, mudança de casa, de bairro e de escola. A avó era divorciada do avô e estava casada com um homem bem mais novo que se separou dela pouco tempo depois. Essa nova família, alem de precisar elaborar o luto, necessitava lidar com mudanças concretas e questões praticas do dia-adia, cujo resultado os deixava perdidos. Os atendimentos com a avó implicaram em lidar com uma intensa carga afetiva de dor e sofrimento ambivalentes: por um lado era clara sua expressão de dor pela perda da filha, apresentando alguns sintomas depressivos (às vezes passava o dia na cama, não dormia bem, desanimada); por outro lado, mostrava-se mais preocupada com os netos do que consigo mesma, parecendo não se importar ou não querer ofertar a si mesma um espaço de cuidado. Nas primeiras sessões com os meninos, eles estavam bastante retraídos, quase não falando nada, porém aceitaram brincar. Conforme foi sendo abordado sobre a morte da mãe e a situação em que eles se encontravam, a partir das estórias, eles demonstraram sentir maior confiança na estagiária e no ambiente terapêutico, de modo que passaram a interagir mais. Quando do início da psicoterapia familiar, foi possível estabelecer-se um espaço de compartilhamento onde os sentimentos e as “verdades” puderam emergir de maneira menos traumática, com a avó apropriando-se do espaço terapêutico como uma oferta também a ela. Vale ressaltar que ela havia sido muito resistente em participar das sessões juntamente com os netos, deixando clara sua fragilidade, seu estado depressivo e inabilidade em exercer uma “maternagem substituta” num momento em que ela também precisava de suporte e apoio emocional. Entretanto, apesar da dificuldade inicial de instaurar-se esse enquadre, ao longo das sessões foram visíveis os efeitos benéficos para todos: situações e problemas cotidianos emergiram; eles puderam falar do quanto ainda estavam afetados e fragilizados por tudo o que viveram, compartilhando e nomeando os sentimentos comuns a todos, desfazendo-se assim um segredo construído; as dificuldades inerentes em se adaptar às modificações repentinas no tipo de relação familiar que eles tinham (a avó teve que virar mãe),e do medo de futuras perdas. O “holding” promovido pela situação terapêutica trouxe à tona a força do vínculo fraterno frente à perda parental. A instauração de um vínculo de confiança de todo o grupo com a estagiária/terapeuta permitiu não só o reasseguramento de cada um dentro da nova cadeia de pertencimento, como abriu possibilidades criativas para todos se disporem a se adaptar à nova 48 organização familiar e às novas funções e papéis. O terapeuta assume também um lugar de “modelo” para a avó exercer de forma mais segura uma parentalidade adotiva. Por se tratar de um atendimento realizado num serviço-escola, encontramos algumas limitações como, por exemplo, a mudança de estagiários/terapeutas e interrupções dos processos psicoterápicos, de acordo com o calendário letivo estipulado (férias, feriados, etc). Essa é uma variável externa importante que pode comprometer a continuidade futura do(s) atendimento(s) se não for bem trabalhada pela dupla terapeuta/paciente. No caso em questão, a estratégia clínica utilizada, já que a estagiária iria se ausentar da Universidade no semestre seguinte, para realizar um intercâmbio fora do país, foi preparar a família para esse desligamento, cujo significado específico representava “viver uma nova perda”. A proposta terapêutica, embora não focada, procurou tratar de alguns temas urgenciais e enfatizar a importância do “se vincular” como possibilitador das transformações até então ocorridas: o vínculo fraterno, a nova família, novos projetos e a continuidade terapêutica com a nova estagiária após as férias. Considerações Finais A família sendo o polo organizador e produtor de identificações em todos os seus membros, situações traumáticas ou de crise familiar envolvendo um dos elementos, afetará todo o grupo; principalmente em se tratando da perda parental. A perda de ambos os pais traz à tona uma situação de orfandade nos filhos, principalmente se esses forem ainda crianças e, de forma mais grave, se for consequência de violência conjugal, na medida em que a ambivalência de sentimentos (amor e ódio) dirigida ao genitor causador do trauma é vivenciada ao maximo. Busca-se a negação como mecanismo de defesa e o encriptamento do sofrimento por meio de um segredo. Geralmente, nesses casos, sob presença do modelo tradicional de família, é a avó materna quem constitui a nova organização familiar; situação desgastante porque ela precisa exercer uma maternagem adotiva quando também vivencia um luto. Novos vínculos precisam ser constituídos como um modo de promover força e coesão para o enfrentamento e elaboração do trauma. Nesse contexto, a psicoterapia vincular é um espaço terapêutico propicio para essa finalidade. Referências BERENSTEIN, I. Del Ser al Hacer. 1. ed. Buenos Aires: Paidós, 2007. GREEFF, A. P.; VANSTEENWEGEN, A. e HERBIEST, T. Indicators of family resilience after the death of a child. Omega, Journal of Death and Dying, vol. 63, no.4, p. 343-58, 2011. RAMOS, M. Sobre o Enquadre com Casais e Famílias. In: GOMES, I.C.; FERNANDES, M. I. A.; LEVISKY, R. B. (org.). Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal. São Paulo: Zagodoni Editora, 2012, p. 118-125. REBELO, J. E. Importância da entreajuda no apoio a pais em luto. Análise Psicológica, vol. XXIII, no. 4, p. 373-380, 2005. KAES, R. Um singular plural: a psicanálise à prova do grupo. São Paulo: Edições Loyola, 2011. WINNICOTT, D. W. A Família e o desenvolvimento Individual. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ O IMPONDERÁVEL NA PSICOTERAPIA FAMILAR: QUANDO A MORTE INVADE O SETTING 49 Solange Aparecida Emílio Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e Universidade Anhembi-Morumbi (UAM) – e-mail: [email protected] Resumo Este trabalho traz como ponto de partida a situação vivenciada no atendimento a uma família da clínica social do NESME. A psicoterapia familiar foi buscada voluntariamente pela família como um dos recursos para cuidar do sofrimento vivenciado por todos em função da adicção de um de seus membros, processo que se estendia pelos últimos 20 anos e já havia sido abordado de diferentes formas (atendimentos individuais, acompanhamento psiquiátrico, internação, entre outros). O processo com o grupo familiar completo durou sete meses e sofreu uma mudança inesperada, pelo falecimento do membro adicto após um acidente. O grupo familiar manteve-se em psicoterapia por mais 8 meses. A situação relatada e seus desdobramentos servem como pano de fundo para mobilizar reflexões sobre as consequências, no manejo terapêutico e no vínculo entre os participantes e com o psicoterapeuta, do falecimento de um membro de um grupo, casal ou família, no período do atendimento. Palavras-chave: Psicoterapia familiar; morte; manejo terapêutico. Introdução O “imponderável” pode ser definido como o que não se pode pesar; também, como algo impalpável e que não pode ser avaliado, calculado, previsto, “mas cujo efeito pode ser determinante” (DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS). Sabemos que a morte, apesar de ser a única certeza dos vivos, é difícil de ser prevista na grande maioria dos casos. O que seria mais imponderável do que ela? Não é novidade, como aponta Kovács (1992), que a morte pode vir a ser companheira cotidiana dos profissionais da área da saúde, que precisarão se haver com suas implicações. Nós, psicoterapeutas, estamos familiarizados com os lutos e perdas inerentes ao trabalho clínico: aquela pessoa que abandona o processo; o grupo que se desfaz; o casal ou a família que encerram o processo precocemente ou no momento em que alguma mudança importante poderia se processar. Essas não são mortes concretas, apesar de sabermos que a ideia de morte está implícita em tais vivências (KOVÁCS, 1996), assim como os sentimentos de frustração, raiva e desapontamento que a acompanham. Mas, e quando a morte concreta se apresenta no contexto terapêutico? Inúmeras são as possibilidades de isso ocorrer, apesar de, felizmente, não ser algo tão comum. Nos piores cenários imaginados, a morte do terapeuta ou do paciente encerram o processo de forma drástica. Quem já passou pela perda de um paciente ou do próprio terapeuta sabe que não é uma vivência simples de elaborar. No entanto, quando atendemos grupos, casais e famílias, podemos viver a situação tão inusitada quanto a morte de um paciente durante o processo e a necessidade de cuidar dos demais membros a ele vinculados, mesmo que ainda estejamos sob o impacto da notícia ou em processo de elaboração do luto. O que fazer neste caso? Como atender, acolher e cuidar quando a sensação do psicoterapeuta pode ser igualmente de perda, dor e até mesmo indignação? Por outro lado, como não ser o portador da notícia (no caso do grupo)? Como recusar a sessão solicitada pelo viúvo ou viúva do casal e pelos familiares que acabaram de perder um ente querido? Esta era uma situação sobre a qual eu jamais havia refletido. Não até recentemente, quando a vivenciei. O presente trabalho nasceu da experiência que aqui relatarei e que promoveu os questionamentos acima. Apresentarei uma síntese do processo, para poder levantar alguns pontos que serão explorados, com vistas a ampliar o repertório de psicoterapeutas familiares e 50 promover novas reflexões. Foram feitas alterações e omissões nos dados apresentados para que não seja possível a identificação dos envolvidos. Relato A clínica social do NESME foi procurada por um membro da família, que já sinalizou, no contato telefônico, que os familiares estavam em sofrimento em função da situação de adicção de um deles. Nessa ocasião, reconheciam que havia a necessidade de investirem em um trabalho conjunto, pois suspeitavam que vivenciassem uma doença familiar. Nossa leitura, após as primeiras entrevistas, apoiada em Pichon-Rivière (1994), também considerava que aquele que estava identificado como adicto era o porta-voz da adicção familiar e da dependência não reconhecida do grupo familiar, que mantinha um funcionamento tal que evidenciava um sofrimento bastante explícito. Isso resultava no fechamento do grupo em um processo de autoproteção e isolamento de seus membros, deixando-os aglutinados e, paradoxalmente, muito solitários e vulneráveis. Os participantes das sessões eram os pais, com pouco mais de cinquenta anos de idade, cada e os dois filhos, de 26 e 24 anos e aconteciam semanalmente. Houve um empenho coletivo, com uma dedicação incrível ao processo terapêutico e alguns resultados começaram a se evidenciar, principalmente com relação aos filhos, que passaram a se sentir menos responsáveis pelos pais e foram podendo cuidar de suas próprias vidas, investindo em projetos pessoais e saindo, gradualmente, do funcionamento enclausurado no qual haviam se colocado. O movimento dos filhos provocou mudanças na dinâmica familiar e começou a ser verificada a necessidade de revisão do acompanhamento psiquiátrico do membro que apresentava a adicção e que finalmente concordou em reavaliar a medicação junto a seu psiquiatra (algo que antes rejeitava, sem esclarecer) e aceitou também participar das atividades de um centro comunitário próximo a sua casa, que a auxiliaria na formação de rede de relacionamentos necessária para a sua reinserção social. Mas, as duas decisões foram combinadas para o retorno das férias de quinze dias que estavam sendo programadas pela família, período no qual também foi combinado recesso da psicoterapia. As últimas sessões antes das férias haviam sido bastante pragmáticas, nas quais levantaram estratégias de enfrentamento de possíveis problemas fantasiados por eles, em função de experiências destrutivas ocorridas em férias anteriores. Na data do suposto retorno da família à terapia, recebo uma ligação de um dos membros, informando que havia acontecido um acidente com o membro identificado como adicto no retorno das férias e que estaria internado para uma cirurgia. Não deu detalhes, mas informou que havia batido a cabeça e precisaria ser operado. Levei um choque, mas fui informada de que estavam esperançosos, apesar de o estado ser grave. Liguei no dia seguinte e soube que a cirurgia havia corrido bem e que ele ficaria por uns dias no hospital. Mantive contato por telefone e finalmente recebi a notícia de que sairia em poucos dias, pois estava se recuperando muito bem. O retorno à psicoterapia familiar dependeria de sua recuperação. No entanto, alguns dias depois, recebo outra ligação, informando que havia falecido na véspera da data prevista para a alta e havia sido enterrado naquele dia. O transmissor da notícia disse, também, que precisavam de uma sessão extra, o quanto antes, pois estava muito difícil para os três “sobreviventes” do grupo familiar. No momento da solicitação, não me ocorreu deixar de atendê-los. Foi necessária uma organização radical na agenda para inserir a sessão no dia seguinte, mas fiz questão de fazê-la. Somente depois de encerrada a ligação, pude me dar conta do que isso representava. Desliguei o telefone e chorei muito: primeiro, pelo choque da notícia e ideia do trabalho interrompido; depois, por pensar em cada um dos membros da família e principalmente ao pensar no que havia morrido; também, por toda a luta e investimento que acompanhei daquele grupo; chorei, ainda, pelas minhas perdas passadas que se atualizavam naquele luto. No dia do atendimento, porém, somente fui pensar no que ele poderia significar quando me deparei com os três membros da família parados e com os olhos marejados na porta da 51 instituição. Cumprimentei-os, muda, com um abraço apertado em cada e percebi que as lágrimas rolaram novamente em meus olhos. Entramos na sala de atendimento e coloquei a caixa de lenços ao centro do círculo de cadeiras, dizendo que ela seria para todos nós naquele dia. Nunca havia chorado diante de um paciente. No entanto, não me senti frágil ou exposta. Pelo contrário: percebi que naquele momento foi importante o grupo familiar saber que também estava enlutada e que compartilhava a dor da perda. Isso também não impediu que conseguisse manter uma escuta analítica no restante daquela sessão, apesar da forte emoção sentida e demonstrada por mim no início dela. As sessões seguintes foram também muito intensas e importantes. No princípio, precisavam tentar elaborar o que havia ocorrido e sentiam muita culpa pelo ocorrido e por não terem conseguido “salvar” um dos seus membros. Foi necessário que cada um da família reconhecesse a nova etapa de vida que estava vivendo para continuar a escrever sua história, podendo se apropriar das heranças, identificando o que precisava ser perpetuado e o que poderia ser descartado. Também, passou a acontecer um importante processo de apropriação de cada um pela própria vida. No início do trabalho, uma questão que parecia cristalizada era a necessidade de cuidar e decidir o que era do outro (por uma tentativa de sobrevivência do núcleo familiar, pelo enfrentamento das adversidades provocadas pela adicção). Apesar da dor da perda, da vivência de impotência frente à morte, a família se manteve em terapia por mais 8 meses, nos quais foi percebido o movimento de crescimento e fortalecimento que resultou em alta da terapia familiar e solicitações de encaminhamentos dos familiares para psicoterapias pessoais (percebidas como necessárias ou desejáveis em diferentes momentos do processo). Discussão A situação relatada acima pode nos remeter ao mito da Fênix. Em alguns relatos encontrados (MIGUET, 2000), a ave entra em combustão quando morre e, de suas cinzas, outra renasce, iniciando um novo ciclo de vida. A família atendida, tal qual a ave do mito, viveu uma morte concreta e isso deu aos seus membros e também a quem os acompanhava de perto, como eu, a sensação de que poderia ser o fim e que toda a luta poderia ter sido em vão. No entanto, apesar da dor, o processo parece ter servido para permitir o renascimento de seus membros que, ao ressignificar sua origem e sua história, puderam encontrar novas possibilidade de recomeçar. Considerações Finais Como psicoterapeuta e com 20 anos de experiência, considero ter sido a situação profissional mais complexa e mobilizadora enfrentada até o momento. Eu já havia acompanhado a morte de um paciente atendido na UTI, quando fiz estágio em Psicologia Hospitalar, muitos anos atrás. Já havia passado pela perda da minha orientadora de doutorado no meio do processo, o que havia sido terrível e bastante sofrido, por vários aspectos. Também, pela morte de um ex-analista. Mas, em todas elas pude respeitar o tempo pessoal e o espaço necessário para elaborar minha perda e administrar os sentimentos provocados por ela. Sei que outros profissionais, principalmente os que trabalham em hospitais e demais contextos da saúde, podem ter seu trabalho atravessado pela morte. Mas, essa experiência relatada abriu espaço para que eu refletisse sobre alguns imponderáveis ligados ao tema da morte quando esta invade o setting, obrigando-nos a encará-la e a administrar seus efeitos ao mesmo tempo em que é esperado que estejamos em condições de cuidar do outro. Espero, assim, que o relato dessa experiência e a apresentação das reflexões acima, possam colocar em combustão o já conhecido, para que de suas cinzas ocorra a gestação e o nascimento de novas e promissoras ideias. Referências 52 DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS. Instituto Antonio Houaiss. Editora Objetiva, 2007. KOVÁCS, M. J. (coord.) Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. KOVÁCS, M.J. A morte em vida. In: BROMBERG, M. H. P. F. Et al. Vida e Morte: laços de existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. MIGUET, M. Fênix. In: BRUNEL, P. (org.). Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR05 – TÍTULO: Interfaces entre Família e Escola ............................................................................................................. "NOSSO FILHO É ESPECIAL": A VIVÊNCIA DE PAIS COM A INCLUSÃO ESCOLAR Ana Paula Medeiros1, Sylvia Domingos Barreira2 1- Mestranda pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Bolsista CAPES. Contato: [email protected] 2Professora Doutora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] Resumo O processo de inclusão escolar é uma temática de constantes discussões, por se tratar de um tema cuja aplicabilidade não está próxima a ideal. O presente trabalho pretende discutir as vivências de pais que têm filhos com necessidades especiais e que estudam em escolas regulares de ensino. Procurou-se ouvir as experiências de uma mãe e de dois casais, realizando a análise de dados a partir da pesquisa qualitativa em educação. A mãe tem um filho, de 21 anos, com paralisia cerebral e que estuda em escola pública. Os outros dois casais têm filhos que estudam em uma escola particular, sendo uma menina de 15 anos, com Síndrome de Down e um menino de 20 anos, com Síndrome de Asperger. As coordenadoras pedagógicas das escolas foram ouvidas e relataram que os pais destas crianças tendem a ser mais engajados e participativos. Pode-se notar que os pais sentem-se receosos com relação ao processo de inclusão escolar, entendendo que este precisa sofrer muitas mudanças para alcançar seus objetivos. Além disso, os pais sofreram mudanças na dinâmica familiar a fim de poder acompanhar seus filhos. Deve-se destacar que os dados desta pesquisa não podem ser generalizados, embora possibilite reflexões sobre a temática. Palavras-chave: inclusão escolar, família, necessidades especiais Introdução O tema da inclusão escolar tem sido frequentemente discutido na pesquisa educacional, uma vez que a proposta implica em muitos desafios e mudanças até que os objetivos almejados sejam alcançados. Assim, as pesquisas nesta área assumem fundamental relevância por proporcionar um contato com os envolvidos, a fim de conhecer suas opiniões e experiências. 53 Destaca-se então a importância de se conhecer o processo de inclusão escolar a partir da perspectiva dos próprios alunos com necessidades educativas especiais, de seus pais, professores, colegas de turma e outros profissionais envolvidos. O processo de inclusão escolar passou a ser defendido a partir da década de 80, baseando-se na ideia de que é a sociedade que precisa se organizar para incluir o indivíduo que apresenta necessidades especiais nas diferentes áreas, como social e educacional (ARANHA, 2001). Neste sentido, a escola regular deve se organizar para receber quaisquer alunos, atendendo a suas necessidades e proporcionando ensino de qualidade (BATISTA; EMUNO, 2004). Muitas são as propostas que visam documentar e sistematizar estratégias de trabalho que possam promover a inclusão escolar. Dentre eles, destaca-se a Declaração de Salamanca, elaborada durante a Conferência Mundial de Educação Especial, em 1994. De acordo com este documento, as escolas regulares devem receber alunos com necessidades educativas especiais e são responsáveis por atender a suas necessidades. Além disso, são responsabilizados também o governo e a comunidade internacional, que deve agir no sentido de promover que os objetivos sejam alcançados (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Ainda de acordo com o documento, a escola deve sofrer alterações em diversos âmbitos para estar preparada para atender todos os seus alunos. Assim, é necessário que haja adaptações no currículo, na estrutura física, na forma de avaliação e de organização escolar, no preparo com os alunos, na forma de ensinar e nas atividades extracurriculares (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). No contexto brasileiro, a inclusão escolar está fundamentada pela Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, que assegura que os alunos com necessidades especiais devem ser inseridos, preferencialmente, nas escolas regulares de ensino (BRASIL, 1996). Além de promover a aprendizagem, com qualidade, dos alunos com necessidades educativas especiais, a inclusão escolar também tem outro objetivo, que é promover a socialização entre estes alunos e destes alunos com os outros. Assim, segundo Alves e Canterle (2002), pretende-se proporcionar que estes alunos sejam incluídos nas relações sociais, que podem, inclusive, proporcionar a inserção destes alunos em outros ambientes além da escola, favorecendo também a inserção no mercado de trabalho após o período de escolarização (SASSAKI, 1997). Apesar disso, diversos estudos têm identificado a dificuldade dos alunos considerados “normais” em interagir com os alunos de inclusão, principalmente pela busca de padrões semelhantes aos seus ou ao que é esperado pela sociedade (MELO; MARTINS, 2007). Por tratar-se de um tema tão complexo, e que envolve inúmeras questões, é essencial que sua investigação seja detalhada e contemple os diversos envolvidos, uma vez que assim será possível verificar o andamento do processo a partir de diversas perspectivas. Neste sentido, o estudo de Marchesi (2004), descreve que o processo de inclusão escolar será facilitado se os professores, pais e outros alunos apresentarem atitudes positivas frente aos alunos incluídos. Primeiramente, com relação à perspectiva de professores que têm alunos de inclusão em sua sala de aula, o estudo de Viana (2007) conclui que eles trabalham com insegurança, não se sentem preparados para lidar com a situação e, muitas vezes, consideram que o trabalho de ensino é inviável. Entende-se que há a necessidade destes professores receberem instrução especializada, que favoreça o trabalho com estes alunos, sobretudo destacando suas potencialidades e o trabalho das dificuldades como um desafio, e não um obstáculo (GOMES; BARBOSA, 2006). Com relação à investigação da perspectiva dos pais com relação à inclusão escolar, o estudo de Silveira e Neves (2006) indica que a maioria dos pais investigados não acreditam no processo, pois percebem que a escola regular não está preparada para receber seus filhos. Assim, os pais entendem que as escolas especiais poderão ensinar mais os alunos com necessidades educativas especiais, por terem professores mais preparados e uma turma com número reduzido de alunos. Além da questão da aprendizagem, os pais percebem que, na escola regular, o processo de socialização não é satisfatório, sendo que seus filhos sofrem preconceitos por serem diferentes. A mesma pesquisa aponta para a necessidade das escolas regulares estarem sempre abertas à participação dos pais, destacando o momento de elaboração do 54 projeto político-pedagógico. Assim, poderá haver maior mobilização e acompanhamento, favorecendo o bom andamento da inclusão escolar. A partir destas considerações, este trabalho pretende verificar a opinião, o envolvimento e as experiências de pais de três alunos com necessidades educativas especiais, que estão inseridos em escolas regulares de ensino. Metodologia Para alcançar os objetivos do presente trabalho, foram realizadas três entrevistas com pais de filhos com necessidades educativas especiais. Além disso, foram entrevistadas as coordenadoras pedagógicas das duas escolas envolvidas (uma particular e uma pública), a fim de entender qual a visão delas a respeito do engajamento dos pais destes alunos na dinâmica escolar. As entrevistas foram gravadas e transcritas, sendo que, após isso, os dados foram analisados a partir de uma abordagem qualitativa de pesquisa em educação, segundo o referencial de Bogdan e Biklen (1994). Resultados e Discussão Este trabalho contou com a participação de três famílias, além das coordenadoras pedagógicas responsáveis pelas salas de aula em que os alunos participantes estão incluídos. Assim, a proposta deste trabalho é apresentar os resultados obtidos com a entrevista de cada uma das famílias, buscando, ao final do texto, apontar para as semelhanças e diferenças de suas experiências. A primeira das mães entrevistas tem um filho de 21 anos, que será chamado com o nome fictício de Bernardo. Ele possui paralisia cerebral e estuda em escola pública, aonde frequenta o ensino fundamental. Vilma, nome fictício dado à mãe, é bastante disponível no momento da conversa, relatando sua história de vida e a do filho. Com relação à deficiência de Bernardo, ela relata que o filho tem déficits cognitivos, na fala e na locomoção, fazendo uso de cadeira de rodas. Vilma conta que tem apenas este filho e que se separou do pai de Bernardo quando o filho ainda era criança, segundo ela porque "ele não aguentou a barra de ter um filho deficiente" (sic). A partir da separação, Vilma passou a ser a única responsável pelos cuidados do filho. O Ensino Fundamental I da criança foi realizado em uma escola especial, mudando-se posteriormente para uma escola regular na qual estudou por pouco tempo e depois para a escola atual. Nesta escola, passou por diversas dificuldades, como a ausência de uma carteira adaptada que o aluno pudesse usar com a cadeira de rodas. O problema da carteira foi resolvido após três anos da entrada do aluno na escola, embora Bernardo ainda enfrente outra dificuldade, bastante grave: a escola não tem um banheiro adaptado. Assim, a mãe precisa ficar disponível à escola, indo até lá toda vez que o filho precisa usar o banheiro, para ajudá-lo. Nota-se, com isso, grande falha da organização escolar para atender aos princípios da inclusão escolar, que exige adaptação, inclusive, física (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Além da questão física, percebe-se, na conversa com Vilma, que ela não apresenta mais esperanças de que o filho se desenvolva na escola, em termos de aprendizagem. Para ela, é importante que o filho frequente a escola para que ele sinta-se "útil" (sic) e tenha amigos, embora ela demonstre conhecimento de que ele não tem atividades dirigidas que o ajude a se desenvolver. Por isso, a mãe de Bernardo optou por procurar ajuda particular, de forma que a criança frequenta alunas de música, de fonoaudióloga e de fisioterapia no horário inverso ao das aulas. Estas questões não esgotam a problemática. A escola de Bernardo não conta com profissional disponível para medicar o aluno, que precisa tomar diversos medicamentos ao longo da manhã, e nem que possa transportá-lo no ambiente. Assim, a Vilma precisa ficar disponível 55 em sua casa caso o filho precise e ir até a escola, todos os dias, no horário do intervalo, para que ele possa tomar os remédios e ir ao pátio. Sobre este tema, ela diz "Eu vivo pelo meu filho quando ele está em casa e quando está na escola. Não posso me desligar dele, sou apenas eu". É em decorrência desta dedicação que a mãe do aluno optou por abandonar o emprego, de gerente bancária, para os cuidados de Bernardo. Desta forma, pode-se entender que a escola não consegue incluir o aluno segundo os objetivos do processo de inclusão escolar, uma vez que não se adaptou para recebê-lo e para proporcionar a Bernardo um ensino de qualidade. A mãe do aluno precisa desempenhar um papel que deveria ser atribuído à outra pessoa, fato que exige dedicação integral de Vilma e que prejudica o processo de inclusão. Os outros dois casais entrevistados têm filhos que estudam em uma mesma escola particular. O primeiro casal, chamados de Pedro e Maria, tem uma menina de 15 anos, com Síndrome de Down. Segundo eles, a vivência de ter uma filha deficiente, em um primeiro momento, foi de grande susto, mas se transformar, aos poucos, em um processo de muita experiência e de grande aprendizagem. Como no primeiro caso, Pedro e Maria têm apenas esta filha, que será chamada de Luíza. Ela estuda nesta escola desde a educação infantil, tendo sido a primeira aluna com deficiência. A Síndrome de Down da criança é considerada de grau leve, sendo que ela consegue falar com pouca dificuldade e se movimenta sem quaisquer prejuízos. Os pais de Luíza são médicos e continuam trabalhando mesmo após o nascimento da filha, que fica o período da manhã com uma funcionária da família e a tarde vai à escola. Os pais relatam que, inicialmente, a coordenação pedagógica estranhou o engajamento deles, que insistiam em participar das reuniões de professores e auxiliar na discussão do projeto político-pedagógico. Em um momento da entrevista, eles dizem: “Nós conhecemos nossa filha como ninguém mais e podemos avaliar e pensar a melhor forma dela aprender”. Atualmente, a inserção dos pais na escola é vista como um benefício, sendo que a coordenadora relata que gostaria que outros pais, inclusive de filhos que não são deficientes, participassem da mesma forma. A coordenação, e também os pais de Luíza, relatam que eles mesmos optaram por solicitar que a filha reprovasse de ano, alegando que ela ainda não havia conseguido aprender o suficiente para a série seguinte. A partir deste caso, algumas considerações devem ser feitas: em primeiro lugar, a deficiência de Luíza não exige que a escola se adapte tanto, inclusive em termos físicos, como no caso de Bernardo. Este fato revela a importância de que cada caso da inclusão escola deve ser olhado em sua singularidade, inclusive verificando os potenciais e os limites de cada um (GOMES; BARBOSA, 2006). Além disso, o engajamento dos pais na escola deve ser visto como algo positivo e que traz benefícios não apenas para Luíza, mas para outros alunos: a participação na discussão de estratégias de organização escolar deveria ser feita também por outros pais, de forma que a escola pudesse proporcionar ensino de qualidade adaptado à realidade dos alunos (BATISTA; EMUNO, 2004). A participação de pais de crianças com necessidades especiais é ainda mais importante para que eles possam avaliar o processo de inclusão escolar, verificando seus limites e alcances e discutindo sua aplicabilidade, podendo lutar para que seus objetivos sejam alcançados e que as falhas sejam trabalhadas (SILVEIRA; NEVES, 2006). O último casal entrevistado, que serão chamados de Ricardo e Silmara, tem um filho de 20 anos, com o nome fictício de Murilo. Murilo tem Síndrome de Asperger, não apresenta dificuldades motoras, mas possui dificuldades na fala. Quando foram realizadas as entrevistas, ele estava na sétima série do Ensino Fundamental, estudando na escola há sete anos. Ricardo e Silmara relatam que o filho sempre estudou em escola regular, pois o diagnóstico só foi feito quando ele estava com 7 anos. Para eles, este momento foi muito difícil, embora as dificuldades tenham aumentado na entrada do aluno para o Ensino Fundamental II. Segundo os pais, a partir deste momento as dificuldades de aprendizagem de Murilo se acentuaram, ficando evidente “que ele era um menino especial” (sic). Eles relatam que a criança consegue aprender, mas que precisa que o conteúdo seja explicado apenas para ele e com auxílio também para resolver os exercícios e se preparar para as provas. 56 Como a escola não possui professor auxiliar nas salas, Murilo não conseguia entender a explicação da professora e não se concentrava para resolver as tarefas. Assim, o aluno acabou reprovando diversos anos até que os pais passaram a tomar uma postura mais participante e exigir da escola uma adaptação às necessidades do filho. Após muitas conversas, optou-se por incluir na sala de aula um professor particular que fica o tempo todo com Murilo, auxiliando-o nas explicações de conteúdo e na resolução de atividades, inclusive copiando matéria para ele. Este professor é pago pelos pais de Murilo, fato que faz pensar que a adaptação sofrida pela escola foi realizada, na verdade, pelos pais do aluno. A partir dos relatos dos pais, pode-se notar que eles sentem-se receosos com relação ao processo de inclusão escolar, entendendo que este precisa sofrer muitas mudanças para alcançar os objetivos almejados, fato que vai em acordo com a pesquisa de Silveira e Neves (2006). Em decorrência disso, os três alunos que participaram da pesquisa estão envolvidos em outras atividades em horário oposto ao da aula, como uma estratégia dos pais utilizada para complementar a função escolar, que é falha. Pode-se perceber que nos três casos os pais acabam desempenhando funções que seriam da escola e resultado de uma adaptação da organização escolar para atender aos alunos com necessidades educativas especiais e aos objetivos da inclusão escolar. A partir destes casos, pode-se perceber que as escolas não estão conseguindo fornecer ensino de qualidade e socialização aos alunos, conforme previsto em documentos (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994; BRASIL, 1996). As coordenadoras pedagógicas das escolas que também foram ouvidas relatam que os pais com alunos com necessidades especiais tendem a ser mais engajados e participativos, procurando promover mudanças que auxiliem a aprendizagem de seus filhos e que favoreçam a socialização deles. Pode-se entender que este engajamento refere-se à percepção deles de que precisam fazer algo que vá além da proposta escolar, provavelmente em decorrência da falta de preparo dos envolvidos, que incluem não apenas os professores e coordenadores, mas também o governo e a comunidade, que deveriam buscar mudanças conforme o previsto (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). Considerações Finais A partir das discussões apresentadas neste trabalho, pode-se perceber que o processo de inclusão escolar, na opinião dos pais envolvidos, ainda está em fase inicial e não consegue atingir aos objetivos propostos. Em decorrência disso, eles precisam desempenhar funções, como a contratação de um professor particular, que vão além da proposta da inclusão escolar, mas que são necessárias para proporcionar aprendizagem a seus filhos. Justamente por isso, os pais acabam sendo mais participativos no ambiente escolar, conforme foi apontado pelas coordenadoras pedagógicas. É importante destacar que este trabalho representa uma parcela não significativa dos alunos que participam da inclusão escolar. Em decorrência disso, é possível fazer reflexões a respeito das vivências destes pais, embora os dados não possam ser generalizados. Assim, não é possível afirmar como o processo de inclusão escolar encontra-se em outros contextos, sendo que as próprias dificuldades dos alunos devem ser consideradas, ou seja: um aluno com necessidades especiais pode precisar de mais adaptação do que outro, a depender de suas limitações. Nota-se então que a temática é bastante complexa, dependendo de inúmeros fatores para ser investigada. Desta forma, o processo de inclusão escolar se atualiza constantemente, sendo necessária a realização de novas pesquisas que investiguem o processo, inclusive em outras escolas, com outros alunos e a partir de outras perspectivas, como a de professores e de outros envolvidos. É necessário que se crie um campo de discussão a respeito do processo, que possa proporcionar reflexões e aprofundar o olhar a respeito do tema. 57 Referências ALVES, D. O.; CANTERLE, S. B. A epistemologia de professores e professoras sobre o processo de construção do conhecimento em alunos com necessidades educacionais especiais – implicações educativas. Revista de Ciências Humanas, v. 4, n. 4, 2003, 53-68. ARANHA, M. S. F. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas com deficiência. Revista do Ministério Público do Trabalho, n. XI, v. 21, 2001, 160 – 173. BATISTA, M. W.; EMUNO, S. R. F. Inclusão escolar e deficiência mental: análise da interação social entre companheiros. Estudos de Psicologia, n. 9, v. 1, 2004, 101-111. BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. (1994). Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. 336 p. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 Dez. 1996. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA – Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Espanha, 1994. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acessado em: 02 de abril de 2013. GOMES, C.; BARBOSA, A. J. G. Inclusão escolar do portador de paralisia cerebral: atitudes de professores do ensino fundamental. Revista brasileira de educação especial, n.12, v. 1, 2006, 85-100. MARCHESI, A. Da linguagem da deficiência às escolas inclusivas. In: COLL, C.; MARCHESI, A.; PALÁCIOS, J e Cols. Desenvolvimento Psicológico e educação. Vol. 3, Capítulo 1, 2004. Porto Alegre: Artmed, 15-30. MELO, F. R. L. V.; MARTINS, L. A. R. Acolhendo e atuando com alunos que apresentam paralisia cerebral na classe regular: a organização da escola. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 13, n. 1, 2007, 111-130. SASSAKI, R. K. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, Ed.: WVA, 1997. 76 p. SILVEIRA, F. F.; NEVES, M. M. B. J. Inclusão escolar de crianças com deficiência múltipla: concepções de pais e professores. 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Realiza-se uma análise crítica da clínica do TDA/H, sustentada pela classificação DSM. Para isso, faz-se uma breve leitura da história do DSM, tendo como foco o surgimento do TDA/H em suas sucessivas revisões, visando discutir os fundamentos do manual que justificam a existência e a classificação desse transtorno. Concluise que o corpo se constitui no refúgio da razão diagnóstica sustentada pelo DSM. Palavras chave: Medicalização; DSM; Psicanálise; Diagnóstico. Introdução A psiquiatria, ao longo de sua história, tem feito diversas tentativas no sentido de se firmar definitivamente como uma disciplina do campo médico. São várias as leituras possíveis a respeito do modo como esse percurso foi realizado. Algumas apresentam a psiquiatria em suas tensões internas (IZAGUIRRE, 2011; BEKERMAN, 2011; MOREIRA, 2010), enquanto outras a apresentam em sua relação com outras disciplinas (LAZNIK; JERUSALINSKY, 2011; LIMA, 2005; ESPERANZA, 2011). Porém, encontramos uma convergência entre tais leituras, na afirmação de que a classificação do Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais (DSM) faz parte de um projeto para oferecer a psiquiatria um status de “ciência médica”. Concentrando-nos em torno do atual momento da psiquiatria, buscamos levantar algumas questões que giram em torno de um tema amplamente debatido na contemporaneidade, e que é uma consequência direta da clínica psiquiátrica atual, sustentada pelo DSM. Estamos falando do TDA/H. Lembramos que o sítio da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) define o TDA/H como um transtorno neurobiológico, de causas genéticas que aparece na infância e persiste por toda a vida do indivíduo. Tratado como uma verdadeira epidemia por alguns autores ou instituições (dentre elas o Royal London College of Psychiatrics), o TDA/H vai muito além da fronteira dos Estados Unidos (país onde é desenvolvido e publicado o DSM). No Brasil, essa epidemia tem sido fonte de preocupação para vários setores da sociedade. Matérias a respeito do tema têm sido constantemente publicadas em jornais e revistas de grande circulação, e nos apontam essa tendência. Em um deles (EVANS, 2012), foram divulgados dados a respeito do crescimento no consumo do cloridrato de metilfenidato (princípio ativo dos medicamentos recomendados para os pacientes diagnosticados com o transtorno), vendido no Brasil com os nomes comercias de Ritalina ou de Concerta. Segundo a publicação, o consumo cresceu de 71 mil caixas do medicamento no ano 2000 para quase 2 milhões de caixas no ano de 2009. Como nos aponta Jerusalinsky (2011), um interessante paradoxo, já que o intenso aumento no numero de diagnósticos (o que sustenta o caráter epidêmico) se dá justamente com a popularização do medicamento indicado para tratar a suposta patologia. Ainda a respeito da intensa popularização dessa classe de medicamentos, curiosamente chamada de “drogas da obediência”, foi publicada uma reportagem em sítio de notícias do país (MORENO, 2012), onde se afirmou que a droga tem sido muito consumida por estudantes de várias idades ou classes sociais com a proposta de aumentar a concentração nos estudos. De acordo com a reportagem, essa é uma prática comum entre estudantes, principalmente entre os “concurseiros”. O DSM está atualmente na quarta edição, e vem sendo publicado e revisado constantemente desde 1952, pela American Psychiatric Association (Associação Psiquiátrica Americana). Essa classificação tem o objetivo, desde sua primeira publicação, de realizar uma padronização dos diagnósticos psiquiátricos, apresentando-os como uma classificação universal, tendo fins tanto clínicos, quanto de pesquisa e estatísticos. Apesar de manter os mesmos objetivos, alguns fundamentos do DSM foram radicalmente alterados desde sua primeira edição. O segundo DSM foi publicado em 1968 e, desde então, foram lançadas mais duas versões do 59 manual com suas respectivas revisões. O quinto DSM tem previsão de lançamento para maio de 2013. Devido à importância do tema, esse estudo tem como objetivo realizar uma análise crítica da clínica do TDA/H, sustentada pela classificação DSM. Para isso, faremos uma breve leitura da história do TDA/H, tendo como foco o surgimento do DSM e suas sucessivas revisões, visando discutir os fundamentos do manual e onde se localiza o referido transtorno nesse discurso. Metodologia Utiliza-se como metodologia a pesquisa bibliográfica da história das classificações DSM, tendo como recorte a construção do conceito de TDA/H nas sucessivas versões da classificação. Como nos aponta Caliman (2010), pensar a história do transtorno é uma tarefa difícil. Isso porque, são várias são as leituras históricas possíveis para o que atualmente se nomeia como TDA/H. Segundo a autora, “da diversidade das versões históricas oferecidas, apenas uma é reconhecida, e essa é a versão que nasce no interior do campo biomédico.” (CALIMAN, 2010, p. 49). Tendo em vista essa gama de possibilidades, nossa leitura vai se apoiar nessa “versão oficial”, para podermos pensar criticamente o TDA/H no interior da lógica da psiquiatria atual, fundamentalmente biológica e remedicalizada, e em relação com os operadores do DSM. Resultados e discussão A nomenclatura TDA/H surgiu com a publicação do DSM-III-R em 1987. Conforme nos lembra Pereira (2009), essa categoria apresenta poucas alterações em relação ao Distúrbio de Déficit de atenção (DDA), proposto pela classificação DSM-III em 1980. Porém, as primeiras tentativas de estudar e descrever as condições orgânicas de condutas de crianças com comportamentos de desatenção e hiperatividade datam do início do século passado. Lima (2005) afirma que tal interesse se fez presente após uma epidemia de encefalite ocorrida nos Estados Unidos, na década de 1910. Tal epidemia, apesar de não ser considerada uma origem específica para os sintomas, suscitou um interesse na descoberta de um saber neurológico que explicasse esse quadro. A partir de então, temos diversas tentativas de explicação para os comportamentos de impulsividade e desatenção. Lima (2005) ressalta a categoria de Lesão Cerebral Mínima como a precursora na tentativa de localizar um dano cerebral que, posteriormente, mostrou-se apenas presumido. Nas sucessivas versões do DSM, temos categorias com sintomas parecidos com o TDA/H. Hyperkinetic reaction of childhood – 308.8 e Non-Psychotic Organic Brain Syndromes - 309 no DSM-II. O TDA/H no DSM-IV tem como característica essencial “um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade, mais freqüente e severo do que aquele tipicamente observado em indivíduos em nível equivalente de desenvolvimento” (APA, 1994, 112). Vemos, desse modo, uma tentativa recorrente de situar os sintomas de desatenção/hiperatividade a partir de correlatos orgânicos. Como nos diz Lima (2005), temos assim uma construção de uma bioidentidade, pois se a causa desses sintomas está inscrita nos genes dos sujeitos, o cuidado e a atenção ao corpo não estão, na contemporaneidade, sob o domínio da escolha, mas são condições impostas para se conquistar um estado de bem-estar. Conclusões Apesar de a tendência de se buscar no corpo as explicações para o sofrimento humano não se configurar como uma novidade, a relação que a psiquiatria afirma possuir com as 60 neurociências tem lhe conferido o cobiçado status de uma ciência médica. Esse status tem colocado a psiquiatria em uma posição privilegiada dentre as diversas disciplinas que apresentam possibilidades para explicar os mal-estares dos sujeitos. Em decorrência disso, vemos explicações oriundas dos campos da psicologia, da sociologia ou da pedagogia sendo dispensadas por serem consideradas como de menor importância. Esse lugar ocupado nos últimos anos pela psiquiatria e suas concepções fisicalistas tem trazido diversas conseqüências para a vida dos sujeitos, assim como, para a relação que estes mantêm com suas dificuldades. Desse modo, fica explicito a relação entre o brutal aumento no consumo do cloridrato de metilfenidato e a ligação a valores ou princípios pautados na ascese do corpo. Dessa forma, criam-se, identidades que se inscrevem radicalmente na realidade dos corpos, que a partir de então exigirão controle e cuidados constantes. Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais – DSM-IV. Porto Alegre: Artmed, 1994. ______. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 3rd. ed. Washington, D. C.: APA, 1980. ______. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 2nd. ed. Washington, D. C.: APA, 1968. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DÉFICIT DE ATENÇÃO. O que é TDA/H? Disponível em http://www.tdah.org.br/. Acesso em 12 abril 2013. BEKERMAN, J. “Não há classificação que não seja arbitrária conjuntural”. In: FENDRIK, S.; JERUSALINSKY, A. (Org.). O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Paulo: Via Lettera, 2011. p. 23-28. CALIMAN, L. V. Notas Sobre a História Oficial do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade. Psicologia Ciência e Profissão. Brasília, v. 30, n. 1, p. 45-61, 2010. ESPERANZA, G. Medicalizar a vida. In: FENDRIK, S.; JERUSALINSKY, A. (Orgs.). O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Paulo: Via Lettera, 2011. p. 13-22. EVANS, L. Uso de drogas contra déficit de atenção e hiperatividade explode e ameaça a saúde de milhões de crianças. Estado de Minas, Belo Horizonte, 2 ago. 2012. Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2012/07/02/interna_tecnologia,303643/usode-drogas-contra-deficit-de-atencao-explode-e-ameaca-a-saude-de-milhoes-de-criancas.shtml>. Acesso em: 8 nov. 2012. IZAGUIRRE, G. Elogio ao DSM-IV. In: FENDRIK, S.; JERUSALINSKY, A. (Orgs.). O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Paulo: Via Lettera, 2011. p. 13-22. JERUSALINSKY, A. Gotinhas e comprimidos para crianças sem história: uma psicopatologia pósmoderna para a infância. In: FENDRIK, S.; JERUSALINSKY, A. (Orgs.). O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Paulo: Via Lettera, 2011. p. 231-244. LAZNIK, M. C.; JERUSALINSKY, A. Uma discussão com as neurociências. In: FENDRIK, S.; JERUSALINSKY, A. (Orgs.). O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Paulo: Via Lettera, 2011. p. 73-92. LIMA, R. C. Somos todos desatentos? O TDA/H e a construção de bioidentidades. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2005. MOREIRA, M. S. O DSM, o sujeito e a clínica. 2010. 134f. Dissertação de Mestrado em Psicologia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 61 MORENO, A.C. Candidatos de concursos relatam uso de tarja preta para 'render mais'. G1, São Paulo, 29 jul. 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/concursos-eemprego/noticia/2012/07/candidatos-de-concursos-relatam-uso-de-tarja-preta-para-rendermais.html>. Acesso em: 9 nov. 2012. PEREIRA, C. S. C. Conversas e controvérsias: uma análise da constituição do TDAH no cenário científico nacional e educacional brasileiro. 2009. 185f. Dissertação de Mestrado em Psicologia Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ POR TRÁS DA LONA: OS DESAFIOS DA FAMÍLIA CIRCENSE NA CONTEMPORANEIDADE Anamaria Silva Neves¹; Fyamma Mussato Antunes²; Isabela Alves Bernardes²; Juliane de Oliveira Silva²; Maria Eduarda de Oliveira Castro²; Rafaela Rannelle de Lima Costa² ¹ Professora Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (IPUFU). ² Graduandas de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Email para contato: [email protected] Resumo O objetivo deste trabalho é compreender a dinâmica da família circense na contemporaneidade e os desafios que a circundam. O presente relato de experiência envolveu pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, culminando em duas entrevistas semi-estruturadas com uma família circense. A temática em questão justifica-se pela possibilidade de subsidiar novas incursões interpretativas sobre família, circo e cultura. A análise interpretativa das vivências embasou-se na teoria psicanalítica. A família entrevistada é monoparental, composta pelo pai e um casal de filhos, pertencentes à quinta geração circense. Os elementos afetivos e culturais identificados foram nomadismo, isolamento social, educação não formal, união e interdependência. O nomadismo limita o contato com o “mundo externo”. O isolamento social pode ser interpretado sob uma perspectiva defensiva, pois cada ruptura ou afastamento de laços afetivos concretiza-se em um luto, sendo intensificado com a ausência ou a inconclusa educação formal, suprida pela educação não formal permeada pela transmissão de saberes entre gerações. Tais elementos constituem uma família difusa, com apropriação das experiências do outro de forma mimetizada. O circo atualmente passa por uma nova configuração, abrindo-se a novas possibilidades. Percebemos a escassez de literatura especializada sobre o tema e os achados apontam para a necessidade de investigações mais aprofundadas. Palavras-Chave: Dinâmica familiar; Família circense; Pluralidade. Introdução Há muitos séculos o circo desempenha o papel de estimular o imaginário popular e suas técnicas milenares encantam o mundo (Bolognesi, 2001). Entretanto, não se sabe ao certo sua origem. De acordo com alguns historiadores, o circo originou na China, onde durante muitos anos os artistas passaram a improvisar suas apresentações em locais públicos (Jesus, 2009). O circo no Brasil surge com a chegada das famílias de ciganos e saltimbancos que vieram da Europa. Há relatos da existência de famílias praticando arte circense e adaptando seus espetáculos de acordo com a cultura de cada região visitada. O circo, assim como toda forma de expressão da cultura popular sofreu, ao longo de sua trajetória, transformações necessárias à 62 sua sobrevivência, renovando-se de forma criativa e independente, misturando diferentes culturas em seus espetáculos (Jesus, 2009). Para além do espetáculo, o circo é formado por uma estruturação que geralmente envolve a ordem familiar. A prática circense transmitida através das gerações interliga a relação profissional com a pessoal. Assim, faz-se necessário uma conceituação inicial do termo família. Segundo Neves (2009), família é uma estrutura dinâmica de um dado conjunto social em um contexto de convívio singular e com atributos particulares e historicamente transformáveis. No contexto circense, os laços de afeto são ao mesmo tempo esquema de dominação presente na estrutura familiar em que os pais são os chefes dos filhos e muitas vezes de outros membros da família. Alguns autores vão falar em “circo empresa”, um grupo que caracteriza singularmente uma formação, um sistema de socialização e de aprendizagem, nos quais seus integrantes compartilham de uma mesma identidade pautada no parentesco existente entre eles. (Ferraz, 2010). Outra característica dos integrantes do circo é a responsabilidade com o seu trabalho, pois o sucesso do espetáculo depende do desempenho do outro. Desde criança, lhe é exigido uma disciplina para realizar os números (Salinas, 2010). Quando conseguem dominar algum instrumento ou movimento adquirem confiança em si mesmos e sentem-se parte do mundo do circo (Jesus, 2009). Esse aprendizado que ocorre no circo é caracterizado como o ensino não formal. Assim, não há a preocupação em desenvolver um currículo predefinido, o aprender fundamenta-se a partir dos desejos, necessidades e interesses das pessoas que formam o grupo no qual o individuo está inserido. O objetivo da educação não formal é o enriquecimento do conhecimento do indivíduo, que ocorre através de vivências e experiências formativas como, por exemplo, o conhecimento repassado ao longo das gerações e a não obrigatoriedade de frequência no ensino regular (Garcia, 2009). Segundo Salinas (2010) outro comportamento cultivado é o casamento entre pessoas do circo, visto que o casamento “fora do circo” pode culminar na retirada do individuo do ambiente circense, rompendo com um ciclo de aprendizado repassado ao longo das gerações. Os circenses compreendem que o único contato que têm com o mundo externo ocorre através do espetáculo. Este distanciamento inicia-se com a forma que a sociedade durante o século XIX interpretava tal trabalho, no qual os números realizados apenas se constituíam em uma forma de expor o corpo, sem levar em consideração a arte como meio de sobrevivência. Assim, os laços entre os membros se torna muito estreito, pois atuam como um elemento que ajuda a manter a tradição circense (Salinas, 2010). O que seria considerado “normal” pela sociedade, se configura como o que deveria ser esperado de qualquer grupo social (Silva, 2005). Desse modo, a apreensão do outro, do anormal, se dá como um movimento recíproco de identidade e diferença. Quem faz parte do circo é discriminado por não possuir um trabalho fixo e um lar. É relevante salientar que muitas vezes os circenses veem a sociedade com estranhamento, mas mesmo assim, muitas vezes, produzem estratégias para solucionar problemas desta interface (Silva, 2005). Este trabalho objetiva compreender os elementos que compõem a dinâmica da família circense na contemporaneidade, bem como os desafios que a circundam. Metodologia Após a realização de uma vasta revisão bibliográfica acerca da temática trabalhada, foram realizadas duas entrevista semi-estruturadas, com uma família da quinta geração circense. A presente família, denominada neste estudo de “L”, é caracterizada como monoparental (por viuvez do pai). É composta pelo pai (A), um filho (J.A) e filha (P), com as idades respectivas de 80, 30 e 28 anos. Compreende-se por família monoparental uma unidade familiar formada por apenas um dos seus genitores, separando a ideia de junção de casal com 63 seus filhos, por vários motivos, entre eles viuvez, divórcio, adoção unilateral, produção independente, etc. (Diniz, 2002 apud SANTOS; SANTOS, C 2008-2009). A primeira entrevista teve caráter de apresentação dos integrantes da família e das pesquisadoras. Foi realizada no espaço Circo da Vida, uma escola de circo itinerante da cidade, a qual, no ato da entrevista, se localizava em um estacionamento do estádio da cidade. A segunda entrevista foi realizada na casa da família, um trailler contendo apenas duas repartições: um banheiro e uma cozinha, sala e quarto acoplados. Após a realização e a transcrição das entrevistas realizadas, foi efetuada uma análise interpretativa com viés psicanalítico a respeito das informações trabalhadas. Resultados e Discussões Segundo Ferraz (2010), os espetáculos de circo no início do século XX apresentavam uma grande variedade de números, como força capilar, atiradores de facas e mágicos. Embora muitas companhias de circo tenham passado a incorporar o teatro à suas apresentações, principalmente a partir da crise do circo (gerada a partir da década de 1970), nossa conversa com a família “P” mostrou que há circenses que ainda praticam os tradicionais números de equilíbrio, contorcionismo e de mágicas, mesmo que para isso tenham tido que adaptar sua rotina de trabalho pra a atual demanda. Tal crise causou certo desencantamento pelas atrações por parte do público, que antes desse período eram a atração principal em qualquer praça, como conta “J. A”: “Antigamente, a novidade, isso era uma coisa genial. Chegava o circo na cidade, era aquela animação”. Com as dificuldades financeiras, muitas famílias se viram obrigadas a fechar a lona. A família “L”, por exemplo, deixou sua lona no Uruguai com uma parte de sua família e agora roda o país realizando apresentações em escolas, aniversários e shows particulares. Logo, os circenses, no cenário exposto, são protagonistas do lugar que o circo ocupa hoje na cultura. É inquestionável o empobrecimento e a precarização do circo. Ao longo das entrevistas, pudemos perceber a admiração notável e obediência irrestrita que os filhos sentem pelo pai, exemplificada na frase dita pela filha “P”: “Ele, por ter mais experiência é quem guia todos nós”. Partindo dessa afirmação, podemos presumir que o detentor do saber e do poder em uma família de circo é o membro mais velho, visto como o mais experiente do grupo. Segundo Rocha (2010), o grupo quer sempre ser controlado por uma autoridade, pois substituem seu superego pelo superego do chefe. Essas atitudes se revelam análogas ao totemismo, um sistema religioso e social, intimamente ligado à ancestralidade do animal totêmico, que aqui poderia ser tomado como o chefe da família circense. Os membros do clã carregam seu nome e se identificam através de um antepassado comum, e, portanto, sentem-se ligados uns aos outros por obrigações e se comportam com os semelhantes segundo o comportamento definido para com o totem (Rocha, 2010). Outro caráter sinalizado amplamente durante nosso contato com a família “L” foi a transmissão entre gerações da cultura circense: “Minha família já era do circo, [...] sempre vem de uma família, às vezes vem do pai, vem do avô, vem não sei de onde” , “com toda a experiência do meu pai, ele passou o conhecimento do show de carro pra mim e hoje sou eu que ando em duas rodas” (J .A), entre inúmeras outras afirmações, que permeiam toda a entrevista. Logo, a história de uma família circense começa a ser contada através de seus antepassados, já que as habilidades desse meio são transmitidas de pai para filho com os relatos orais (Salinas, 2010). Por isso, se faz necessário ouvir a narrativa dos familiares mais velhos e acompanhar os feitos dos antepassados e sua genealogia até os dias de hoje. Essas histórias são permeadas sempre por altos e baixos, incluindo nessa conta locais de grande público e aceitação do trabalho, preconceitos, acidentes e perda de alguns familiares. Ainda sim, essa trajetória é motivo de orgulho para os integrantes mais jovens, que se sentem realizados com a vida 64 itinerante que levam no circo, como “P”: “Nós, em muitas vezes nos sentimos uma lagartinha com as anteninhas gordinhas, mas eu não me importo com isso, porque eu sou assim, esse é o meu estilo de vida”. Salinas (2010) aponta ainda que a aprendizagem do contexto circense ocorre através do contato direto entre os membros mais velhos do grupo com os mais jovens, onde o conhecimento e a história necessários neste meio são o artístico e de normas de coletividade e sobrevivência, aprendidas por imitação: “Meu pai e minha mãe prá mim, são os meus mestres, os meus professores” (P), “nós aprendemos com os nossos pais” (J.A), “meu pai e minha mãe viram que eu tinha potencial pra isso e começaram a me treinar de fato” (P). O nosso contato com a família “L” revelou alguns traços da transmissão intergeracional e transgeracional de fantasias, identificações e em algum grau, narrativas míticas de experiências do “chefe do clã” que foram repassadas aos filhos (Silva, 2003), que interiorizaram essas histórias, conhecendo-a tão bem quanto a própria. “P” e “J.A” nos contam dos feitos realizados pelo pai como se tais peripécias fossem de sua própria experiência, como “P” , num processo de intensa identificação: “Meu pai já teve um filme com Renato Aragão e o Tony Tornado... Tony Tornado e o meu pai era o dublê do Tony Tornado, era um filme de ação, perseguido de carro”. Tal material psíquico, que aborda a ancestralidade, permeia a constituição do psiquismo dos familiares (Silva, 2003), organizando uma estrutura familiar até mesmo simbiótica, que pode ser confirmada através das falas dos entrevistados “J.A”, “P” e “A”, respectivamente: “A família tem um poder tão grande, tem uma força tão grande, dentro de nós, do circo, do mundo e de tudo”, “meu pilar de vida: meu pai, minha mãe e meu irmão. Eles são meu centro, meu alicerce, sem eles não tem como você ter todo o sentido humano, e no circo eu não aprendi sozinha, aprendi através da família”, “É que a aqui não tem segredo na família, nós não temos segredo nenhum para o outro, nenhum pra nada”. Observamos que idealização e a identificação maciça parecem, em alguns momentos, denunciar o desamparo frente ao cenário por vezes desolador que acomete a família contrapondo tal nostalgia e saudosismo com a pobreza e solidão que tal sistema abrange atualmente. Conclusão Ao abordar o tema família circense, buscou-se compreender a dinâmica da família e as vicissitudes da organização familiar frente à cultura do circo. No decorrer do trabalho, deparamo-nos especialmente com o isolamento social enquanto elemento oriundo de um processo árduo de elaboração no momento contemporâneo. O contato com o “mundo externo” se torna limitado ao espetáculo, na fantasia do mundo de risos e aplausos. O isolamento social, por outro lado, também denuncia a tentativa defensiva, uma vez que a cada ruptura, mudança ou afastamento dos laços, parecem caracterizar um luto a ser enfrentado. Porém, a prática de mudança de cidade está deixando de ser uma característica inerente ao circo, posto que a partir do século XXI seus membros passam a se fixar em cidades. Outra característica presente neste grupo é a ausência ou a incompletude da educação formal na vida desses indivíduos. Há uma dificuldade em frequentar uma instituição de ensino regular por não possuírem habitação fixa. Essa ausência parece ser parcialmente suprida com a educação não formal, que consiste no ensino repassado de experiências e vivências por gerações anteriores. Por fim, salientamos a escassa literatura sobre o tema família circense, o que convoca a todos nós, pesquisadores do tema família, a nos envolvermos em futuras investigações. Referências Bibliográficas BOLOGNESI, M. F. O corpo como princípio, Trans/Form/Ação, São Paulo, n. 24, p. 101-112, 2001. 65 FERRAZ, A. L. M. C. O drama de circo e o circo-teatro hoje. Uma experiência de representação de papéis com artistas circenses. Repertório: Teatro & Dança, Salvador, ano 13, n. 15, p. 83-91, 2010.2. GARCIA, A, V. A educação não-formal como acontecimento. 2009. 130 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2009. JESUS, M. A. Segredos da arte do circo no protagonismo infanto-juvenil de crianças e adolescentes das camadas populares: práticas alternativas para uma nova abordagem pedagógica. Circonteúdo. Goiânia. Outubro 2009 NEVES, A.S. Família no singular, histórias no plural- a violência física de pais e mães contra filhos. Uberlândia: EDUFU, p.33-39, 2009. ROCHA, Z. Freud e as origens totêmicas da religião: Um ensaio crítico-interpretativo. Estudos de Religião, São Paulo, v. 24, n. 38, p. 9-11, jan/jun. 2010. SALINAS, S. F. C. El circo: um encadenamiento de sentido. Atenea, Conceição, n. 502, p. 97-109, II Sem. 2010. SANTOS, B. J; SANTOS, S.M. Família monoparental brasileira. Revista Jurídica, Brasília, v. 10, n. 92, p. 01-30, out./2008 a jan./ 2009. SILVIA, E. O circo-família e o respeitável público. Revista SARAO, Campinas, v. 3, n. 6,p.1-8, 2005. SILVA, M. C. P. Introdução. In: _______. A herança psíquica na clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 25-51. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR06 – TÍTULO: Os Dispositivos de Grupo no Contexto da Saúde ............................................................................................................. EXPERIÊNCIA DOS CUIDADORES DE PESSOAS VIVENDO COM ALZHEIMER: LIDANDO COM SITUAÇÕES CONFLITUOSAS Maria Carla Borges Sorbello¹; Maria da Gloria Aparecida de Almeida Pirinoto² 1. Psicóloga, Mestre pela PUC-Campinas, Docente da UNIFAE e-mail: [email protected] 2. Psicóloga graduado pela UNIFAE – e-mail: [email protected] Resumo A doença de Alzheimer é caracterizada por um declínio progressivo nas áreas de cognição, função e comportamento causando um comprometimento na capacidade funcional dos idosos, aumentando assim, a demanda por cuidados especiais e específicos, função importante que é desempenhada por cuidadores e que se torna mais difícil à medida que a doença progride. Este estudo buscou conhecer os aspectos psicológicos envolvidos na díade cuidador/portador, objetivando compreender se o cuidador tem conhecimento sobre os principais aspectos psicológicos da doença, a fim de orientar nos conflitos diários que acometem o idoso e seu cuidador. Embora cuidadores e familiares tenham grande importância nos casos da doença, estudos nacionais mostram que a maioria deles não possui informações e nem suporte necessários para o cuidado. Possuem pouco conhecimento sobre as características da doença, suas fases e como lidar com conflitos diários vivenciados com os idosos afetados pela doença, o 66 que, em consequência do despreparo para lidar com tal situação, pode ocasionar desgaste emocional acentuado. Foi utilizada aplicação de questionário com dezoito questões, uma aberta e dezessete fechadas direcionadas a cinco cuidadores de doentes de Alzheimer, onde foi investigado o conhecimento sobre a doença e os aspectos psicológicos envolvidos nos cuidados, o nível de capacitação profissional destes. Como resultado foi possível observar a falta de conhecimento dos cuidadores sobre a doença e seus aspectos psicológicos e, como consequência, não sabem como lidar com o portador diante dos conflitos que ocorrem no dia a dia. A compreensão e orientação se fazem necessárias a cada fase da doença, assim como o apoio psicológico se mostrou importante contra o estresse que acomete os cuidadores e familiares no convívio com o portador de Alzheimer. Palavras-chave: Alzheimer, Cuidador de Alzheimer, Orientação de Cuidador Introdução As demências são, atualmente, as doenças neurodegenerativas mais impactantes na população acima de 65 anos (PAULA; ROQUE; ARAÚJO, 2008). A doença de Alzheimer (DA) é uma das diversas formas de demências, que causam danos nas funções mentais, no comportamento e na funcionalidade, sendo que é a mais comum entre as demências, tornando o indivíduo cada vez mais dependente de ajuda, para sua própria sobrevivência (CAOVILA; CANINEU, 2002, p.11). É definida por muitos como “epidemia silenciosa”, “mal do século”, “peste negra”, e conhecida equivocadamente como “esclerose” por pessoas leigas e tida como uma doença rara, acarreta grande ônus econômico e social, por ser uma doença crônica de evolução lenta, podendo estender-se por até vinte anos, aliado ao fator da dependência que acomete o doente e causa um efeito devastador em especial no núcleo familiar, na vida dos cuidadores e do doente (SAYEG, 1991, p. 3). A principal característica da doença é um progressivo declínio da memória e da função cognitiva global, as habilidades intelectuais são deterioradas afetando o raciocínio, a compreensão, a capacidade de realizar cálculos, a linguagem, a capacidade de aprendizagem e de julgamento que acabam por impedir o afetado, de realizar sem auxílio de outros suas atividades diárias, assim como seu desempenho social e ocupacional (OMS, 2012). Tal constatação leva a pensar que é preciso um trabalho para coletar dados sobre o nível de informação que o cuidador tem sobre a doença tanto nos aspectos físicos como psicológicos, quais os conflitos que emergem na relação cuidador e portador de doença de Alzheimer e quais as conseqüências na saúde mental do cuidador. Acredita-se que esses conflitos na relação são em sua maioria devidos à falta de conhecimento e orientação sobre a doença e os cuidados mais apropriados que ela inspira. Este estudo buscou conhecer os aspectos psicológicos envolvidos na díade cuidador/portador, objetivando compreender se o cuidador tem conhecimento sobre os principais aspectos psicológicos da doença, a fim de orientar nos conflitos diários que acometem o idoso e seu cuidador. Assim espera-se que esse estudo venha contribuir fornecendo dados que possam atender as necessidades que estes cuidadores têm em receber capacitação para os cuidados com o doente e com a sua própria saúde mental. Metodologia Participaram cinco voluntários, cuidadores de portadores de Alzheimer sendo sujeitos adultos de ambos os sexos, quatro mulheres e um homem, com idade entre 49 e 69 anos, em seus lares e locais de trabalho, na cidade de São João da Boa Vista/SP. Foi utilizada aplicação de questionário com dezoito questões, uma aberta e dezessete fechadas direcionadas a cinco cuidadores de doentes de Alzheimer, onde foi investigado o 67 conhecimento sobre a doença e os aspectos psicológicos envolvidos nos cuidados, o nível de capacitação profissional destes. Resultados e Discussão Foi possível observar a partir do presente estudo que apesar da maioria dos cuidadores revelar ter conhecimento sobre a doença de Alzheimer a nível alto e médio, estes dados não condizem com o que citaram nas características físicas e psicológicas da doença, demonstrando um nível de informação errada e confusa. Quanto a cursos e treinamento a maioria dos cuidadores não recebeu orientação através de cursos ou treinamentos para exercerem a atividade de cuidadores de portadores de Alzheimer (80%). Em relação a orientação de como proceder com o portador nos cuidados necessários para lidar com os aspectos psicológicos da doença no dia a dia, apenas 40% dos voluntários receberam instruções sobre como lidar. A maioria dos cuidadores tem opinião de que um maior conhecimento sobre a doença de Alzheimer e a orientação psicológica poderia ajudar em como lidar com as dificuldades e a prevenir o desgaste emocional (80%). Considerações Finais Em relação aos conflitos na díade portador/cuidador eles não sabem como lidar com os doentes em meio aos conflitos que acontecem no cotidiano de cuidados, pois a doença altera o portador, às vezes por tanto tempo, que este se torna quase um desconhecido afetando psicologicamente aquele que cuida. Foi possível comprovar a importância dos cuidadores receberem orientação, conhecimento da doença, suas fases e como ela se instaura podendo assim avaliar suas próprias aptidões em lidar com os cuidados e assim evitar conflitos entre o cuidador e o portador, proporcionando um ambiente psicológico mais ameno para ambos. Referências CAOVILLA, V. P. e CANINEU, P. R. Você não está sozinho. São Paulo: Editora ABRAz, 2002. p. 11— 13;147-164. OMS, Organização Mundial da Saúde e a Alzheimer's Disease International. Novo relatório conclama as nações a ver a demência como uma crise da saúde pública. PR. Newswire GENEBRA, 11 abr. 2012. PAULA, J. A.; ROQUE F. P.; ARAÚJO F. S. Qualidade de vida em cuidadores de idosos portadores de demência de Alzheimer. Jornal Brasileiro Psiquiatria.Rio de Janeiro, 57(4), 2008. SAYEG, N. Doença de Alzheimer: Guia do Cuidador. São Paulo: 1991. p. 3-5-70-263. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ENCONTRO COM A FINITUDE COMO OPORTUNIDADE DE TRANSFORMAÇÃO: A DELICADA TESSITURA DOS VÍNCULOS EM UM GRUPO DE APOIO A MULHERES COM CÂNCER DE MAMA NA ÓTICA DA PSICANÁLISE DAS CONFIGURAÇÕES VINCULARES 68 Manoel Antônio dos Santos1; Rodrigo Sanches Peres2 1 Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Doutor em Psicologia Clínica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Líder do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – NEPPS-USPCNPq. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Apoio: CNPq. Endereço: Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-901, Ribeirão Preto-SP. E-mail: [email protected] 2 Psicólogo. Doutor em Psicologia. Professor Adjunto do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – NEPPS-USP-CNPq. E-mail: [email protected] Resumo O presente estudo se propõe a investigar como o estabelecimento de vínculos em grupos de apoio mútuo pode contribuir para a subjetivação do sofrimento no contexto do tratamento do câncer de mama. Para tanto foram investigadas mulheres acometidas pela doença que frequentavam um grupo de apoio, no qual são compartilhadas experiências da doença e do tratamento. O corpus da pesquisa foi constituído pelos relatos obtidos durante as sessões do grupo e em entrevistas individuais. Os resultados sugerem que o grupo potencializa a troca de experiências tanto negativas como positivas, além de ser uma fonte para a aquisição e socialização de saberes relacionados ao conviver com as limitações inerentes ao câncer e seus tratamentos dolorosos e invasivos. A despeito dos avanços tecnológicos e terapêuticos obtidos nas últimas décadas, o câncer de mama ainda é vivenciado como sentença de morte, situação liminar que coloca a mulher frente ao impensável, já que vivenciar a própria finitude não é uma experiência que encontra representação no inconsciente. Palavras-chave: câncer de mama; atitude frente à morte; vínculos; grupo de apoio. Introdução O câncer de mama é considerado um problema de saúde publica, dada as elevadas taxas de incidência e prevalência (FERLAY et al., 2010). No cenário brasileiro as taxas de incidência do câncer de mama têm se mantido elevadas nos últimos anos e a maior parte dos casos novos é diagnosticada em estágio avançado, o que restringe as possibilidades terapêuticas, prejudicando o prognóstico (BRASIL, 2011). Os estudos na área da Psico-Oncologia tem se dedicado, sobretudo, a investigar o impacto psicossocial do diagnóstico e do tratamento em pacientes oncológicos (ROSSI; SANTOS, 2003), contudo, pouca atenção tem sido devotada à questão da construção e sustentabilidade dos vínculos em grupos de apoio. Os grupos de apoio acontecem em vários contextos de saúde, como no atendimento de pessoas com sofrimento mental (GUANAES; JAPUR, 2001) e câncer de mama (GOMES; PANOBIANCO; FERREIRA; KEBBE; MEIRELLES, 2003). A literatura mostra que esses grupos oferecem benefícios para a mulher mastectomizada (GOMES; PANOBIANCO; FERREIRA; KEBBE; MEIRELLES, 2003; PINHEIRO; SILVA; MAMEDE; FERNANDES, 2008). O grupo proporciona sensação de acolhimento e pertencimento, contribuindo para quebrar o isolamento social da paciente que vivencia o câncer. A troca de experiências potencializa um conjunto de fatores terapêuticos, como universalidade, instilação de esperança e aprendizado interpessoal. O descobrir-se com câncer também desencadeia um contexto de intensas negociações de significados, permitindo a ressignificação de aspectos importantes da vida da mulher acometida (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). O presente estudo se propõe a investigar como o estabelecimento de vínculos em grupos de apoio mútuo pode contribuir para a subjetivação do sofrimento no contexto do tratamento do câncer de mama. 69 Metodologia Estudo de abordagem qualitativa (MINAYO, 2012). Para alcançar o objetivo proposto, foram investigadas mulheres acometidas pela doença, que frequentavam regularmente um grupo de apoio, no qual são compartilhadas experiências da doença e do tratamento. O corpus da pesquisa foi constituído pelos relatos obtidos durante as sessões do grupo de apoio e em entrevistas individuais. Os dados foram organizados e analisados por meio do procedimento de análise de conteúdo (MINAYO, 2008). Resultados e Discussão Os resultados sugerem que o grupo potencializa a troca de experiências tanto negativas como positivas, além de ser uma fonte para a aquisição e socialização de saberes relacionados ao conviver com as limitações inerentes ao câncer e seus tratamentos dolorosos e invasivos. A despeito dos avanços tecnológicos e terapêuticos obtidos nas últimas décadas, o câncer de mama ainda é vivenciado como sentença de morte, situação liminar que coloca a mulher frente ao impensável, já que vivenciar a própria finitude não é uma experiência que encontra representação no inconsciente. Nesse contexto, o grupo fornece uma espécie de segunda pele que contém e sustenta a possibilidade de subjetivar a dor e o sofrimento inerentes à experiência crítica do tratamento oncológico. Assim, no espaço vincular intra, inter e trans-subjetivo, a dor psíquica, derivada do inevitável mal-estar que se experimenta pelo fato de se estar vivo, pode ser digerida e metabolizada quando se tem a possibilidade de ser humanizada pelo compartilhamento e testemunho do outro. Considerações Finais Os dados obtidos neste estudo contribuem para ampliar o campo teórico, além de oferecer subsídios relevantes para o planejamento de ações da Psicologia e da Psicanálise de Vínculos junto à assistência multidisciplinar preconizada para o acompanhamento e reabilitação psicossocial da mulher mastectomizada. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Estimativas 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2011. FERLAY, J.; SHIN, H. R.; BRAY, F.; FORMAN, D.; MATHERS, C.; PARKIN, D. M. GLOBOCAN 2008: cancer incidence and mortality worldwide. 24 Nov. 2010. Disponível em <http://globocan.iarc.fr>. Acesso em 12 Mar. 2013. GOMES, F. A.; PANOBIANCO, M. S.; FERREIRA, C. B.; KEBBE, L. M.; MEIRELLES, M. C. C. C. A utilização de grupos na reabilitação de mulheres com câncer de mama. Revista Enfermagem UERJ, v.11, p. 292-295, 2003. GUANAES, C.; JAPUR, M. Grupos de apoio com pacientes psiquiátricos ambulatoriais em contexto institucional: análise do manejo terapêutico. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 14, n. 1, p. 191-199, 2001. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2008. MINAYO, M. C. S. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.17, n. 3, p. 621-626, 2012. 70 ROSSI, L.; SANTOS, M. A. Repercussões psicológicas do adoecimento e do tratamento em mulheres acometidas pelo câncer de mama. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 23, n. 4, p. 32-41, 2003. PINHEIRO, C. P.; SILVA, R. M.; MAMEDE, M. V.; FERNANDES, A. F. Participação em grupo de apoio: experiência de mulheres com câncer de mama. Revista Latino-americana de Enfermagem, v. 16, n. 4, p. 733-738, 2008. SCORSOLINI-COMIN, F.; SANTOS, M. A.; SOUZA, L. V. Vivências e discursos de mulheres mastectomizadas: negociações e desafios do câncer de mama. Estudos de Psicologia (Natal) [online], 14(1), 2009, 41-50. Disp. em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v14n1/a06v14n1.pdf ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ IMPACTO DAS RELAÇÕES SOCIAIS E DO APOIO SOCIAL NOS TRANSTORNOS ALIMENTARES¹ Carolina Leonidas²; Manoel Antônio dos Santos³ ¹Agência de fomento: FAPESP (processo nº 2010/01154-3) ² Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Doutorado da FAPESP. E-mail: [email protected] ³Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Líder do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-USP-CNPq). São Paulo. Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected] Resumo O presente estudo teve como objetivo investigar a dinâmica das relações sociais de mulheres com TA e o apoio social recebido por meio dessas relações. Hipotetiza-se que a percepção que essas mulheres têm desse apoio pode afetar o desenvolvimento do transtorno. A amostra foi composta por 12 mulheres jovens e adultas com TA, vinculadas ao GRATA, um serviço multiprofissional especializado do HC-FMRP-USP. Os instrumentos utilizados foram: entrevista semiestruturada, Mapa de Redes e Genograma. Os resultados indicaram que as redes sociais das participantes são restritas, havendo uma proeminência de membros da família em sua composição. Foi possível notar uma escassez de amigos e ausência de vida social, que parecem resultar em isolamento social. A predominância da família, juntamente com a escassez de amigos e de indivíduos de outras redes sociais, indica a existência de dificuldades no estabelecimento de vínculos concretos e na manutenção de relacionamentos afetivos e duradouros, o que parece comprometer a qualidade dessas relações e desencorajar a aproximação a pessoas do meio. Enfatiza-se a necessidade de maior sensibilização e conhecimento dos profissionais de saúde acerca da qualidade dos vínculos estabelecidos pelas mulheres acometidas por TA, o que poderia contribuir para o aprimoramento da assistência. Palavras-chave: transtornos alimentares; apoio social; redes sociais; relações afetivas. Introdução 71 Segundo Sluzki (1997), as redes sociais podem ser caracterizadas como um “conjunto de seres com quem interagimos de maneira regular, com quem conversamos, com quem trocamos sinais que nos corporizam, que nos tornam reais” (p. 15). O autor sugere que, ao longo do ciclo vital, a identidade é construída e reconstruída a partir da interação do indivíduo com os outros – familiares, vizinhos, amigos, inimigos, conhecidos, companheiros de grupos, entre outros. Nesse sentido, todas as pessoas significativas influenciam a constituição da identidade do indivíduo e contribuem de forma muito particular para a formação de sua personalidade. As redes sociais têm, como característica primária, o fato de serem abertas e dinâmicas, ou seja, são marcadas pelo inacabamento, estão em permanente construção e têm como princípio básico a conectividade (CUSTÓDIO, 2010; MORÉ, 2005; ORLANDI, 2011). Dessa forma, pode-se dizer que as redes sociais possibilitam as trocas efetivas entre um indivíduo e os integrantes de entidades coletivas. É por meio dessas trocas que os recursos desses grupos são utilizados de forma a facilitar a resolução de conflitos e a satisfação de necessidades do indivíduo. As redes sociais estão fortemente ligadas ao construto do apoio social, uma vez que é por meio das redes que esse apoio é fornecido (CUSTÓDIO, 2010). O apoio social remete à ajuda mútua, que pode ser significativa ou não, dependendo do grau de integração da rede, e enfatiza as trocas interpessoais estabelecidas entre alguns membros da rede. Assim, o apoio social tem sido considerado como parte importante da promoção de saúde, uma vez que fornece assistência às necessidades físicas e emocionais do indivíduo, assim como ajuda a amenizar o efeito que eventos estressores exercem sobre a qualidade de vida (BULLOCK, 2004). Por motivos muito próprios, os indivíduos acometidos por transtornos alimentares (TA) experimentam ansiedades, medos mórbidos e culpas relacionadas à alimentação (CABRERA, 2006). Esses sintomas acabam por constituir uma série de alterações inadequadas relacionadas à alimentação, estabelecendo quadros clínicos com sintomatologia específica, grave e complexa. A anorexia nervosa (AN) e a bulimia nervosa (BN) são os dois tipos mais prevalentes de TA, segundo o DSM-IV-TRTM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edição (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002). As características, a evolução e o tratamento dos TA ainda configuram uma categoria psicopatológica relativamente desconhecida pela população, o que acaba gerando incompreensão e preconceitos por parte dos familiares, amigos, professores e colegas de trabalho. Esses transtornos são condições crônicas estigmatizantes e esse desconhecimento por parte da população incrementa o isolamento social, amplificando sentimentos de solidão e desamparo do indivíduo acometido. Por essa razão, ao planejar o cuidado a esses pacientes, é fundamental que os profissionais conheçam sua rede social e o apoio percebido (FILHO & NÓBREGA, 2004). Em se tratando de um quadro psicopatológico crônico e mobilizador de intensa carga emocional, a incidência do TA causa um impacto muito negativo na vida do indivíduo acometido, assim como na vida dos membros da família, abalando a estrutura e a dinâmica familiar. Apesar de ainda não existir um consenso a respeito da origem desses quadros, sabe-se que a etiologia envolve a interação de vários fatores, tanto intrínsecos quanto extrínsecos ao indivíduo. Tais fatores dão início, precipitam e mantém o transtorno, causando alterações em vários aspectos da vida do indivíduo, dentre eles os relacionamentos interpessoais e amorosos, uma vez que a vulnerabilidade emocional do sujeito acometido dificulta o estabelecimento de vínculos. Ao considerar esses pressupostos, acredita-se que é no espaço intersubjetivo das relações familiares, sociais e pessoais que se dá a constituição da identidade pessoal do sujeito, no contato com as diversas redes as quais ele é exposto no decorrer da vida. Hipotetizando-se que as relações que as mulheres com TA estabelecem ao longo de sua vida são bastante conflituosas e fragilizadas, com dificuldades no estabelecimento de vínculos consistentes (ABREU & FILHO, 2004; OLIVEIRA & SANTOS, 2006; PERES & SANTOS, 2006), pode-se pensar que as relações que essas mulheres mantêm dentro das redes sociais englobam pouco envolvimento dos membros e baixa qualidade dos vínculos, o que comprometeria o potencial de apoio e o próprio desenvolvimento da identidade pessoal. A baixa efetividade das redes e o comprometimento do 72 apoio social disponibilizado a essas mulheres podem agravar a ocorrência do TA, intensificando a cronicidade do quadro psicopatológico. Metodologia Participaram deste estudo 12 mulheres jovens e adultas com TA, que na época da coleta de dados se encontravam em seguimento regular no Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HC-FMRP-USP). A média de idade das participantes foi 27,7 anos. No que concerne à categoria diagnóstica, quatro das participantes apresentavam quadro de BN e oito tinham diagnóstico de AN do tipo purgativo. Foi obtida aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HC-FMRP-USP, processo nº 2155/2010. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os instrumentos utilizados foram: roteiro de entrevista semiestruturada, Genograma e Mapa de Redes. A aplicação dos instrumentos foi realizada individualmente, durante um único encontro, que ocorreu em local reservado. Todos os nomes mencionados pelas participantes foram anotados, assim como foi identificado o tipo de relação existente entre as participantes e os membros da rede, o que possibilitou examinar a proximidade e o tipo de vínculo estabelecido com cada indivíduo. A análise do Genograma seguiu o modelo preconizado por Wendt e Crepaldi (2008), e a aplicação do Mapa de Rede se baseou em Santos (2009). Resultados e Discussão A análise dos dados evidenciou, de modo geral, que as redes sociais significativas das participantes eram amplas ou, em um número menor de casos, de tamanho médio, com membros mal distribuídos entre os quadrantes dos Mapas de Redes. Também se notou que essas redes tendem a ser localizadas e dispersas, o que as tornam mais frágeis, reduzindo a possibilidade de serem potencializadoras de mudanças, que poderiam levar à superação das condições que mantêm o transtorno. Houve predomínio da família, cujos membros constituíram a maior parte das redes sociais representadas neste estudo, englobando 86 indivíduos, do total de 177 membros de todas as redes. Dessa forma, a rede familiar foi caracterizada como a principal fonte de apoio das participantes. As relações sociais se reduzem, praticamente, a alguns membros da família imediata, especialmente a mãe, o pai e os irmãos. Chama a atenção a escassez de amigos íntimos. Ao descreverem as relações familiares, as participantes relataram a existência de muitos conflitos, tanto entre a filha e os pais, quanto entre o casal parental. A dinâmica dos relacionamentos familiares é marcada por desencontros, discordâncias e discussões frequentes. Quanto ao TA, as participantes relataram que seus familiares têm consciência da existência do quadro, porém evitam falar abertamente sobre o assunto, muitas vezes por não conseguirem atribuir uma causa ou um significado à ocorrência do transtorno. Por outro lado, a despeito dos conflitos familiares, também ficou claro que a família é a principal fonte de apoio percebido pelas participantes. Os Mapas de Redes evidenciaram no mínimo cinco e no máximo sete pessoas no círculo de “Relações Íntimas” (basicamente amigos próximos, familiares e pessoas da igreja). Poucas pessoas foram inseridas no círculo de “Relações Sociais” e um número menor ainda no último círculo, que corresponde aos “Conhecidos”. Os Genogramas das participantes mostraram relação de aliança com a mãe, ou, em alguns casos, revelaram a existência de um vínculo fusional e conflitual com a mesma. Quanto ao relacionamento com o pai, a maioria das participantes demonstrou ter uma relação vulnerável, embora sem conflitos explícitos (presente especificamente em apenas uma delas). 73 Cinco participantes frequentam serviços religiosos, o que acaba se constituindo em uma importante fonte de apoio social. O apoio social pode se apresentar sob a forma de ajuda material, emocional ou de informação para enfrentar situações que envolvem tensão emocional (BULLOCK, 2006). Em relação aos vínculos afetivos e conjugais, somente duas participantes estavam namorando e se mostraram satisfeitas com seus relacionamentos afetivos. Duas participantes já haviam sido casadas, e ambas descreveram os relacionamentos com os ex-maridos como conturbados, marcados por infidelidades conjugais e brigas frequentes. Considera-se que a dificuldade para desenvolver e manter vínculos sólidos com as pessoas do meio pode comprometer a saúde e o bem-estar geral do indivíduo, uma vez que as relações sociais dão sentido à vida e favorecem a organização da identidade (SLUZKI, 1997). A experiência de “existir para alguém” ou de “servir para alguma coisa” dá sentido e estimula a manutenção das práticas de cuidados à saúde, visando à continuidade da própria vida. As dificuldades afetivas e relacionais relatadas pelas participantes parecem ser reflexo de seu funcionamento emocional, e acabam criando as barreiras encontradas para constituírem e manterem vínculos amorosos. A desorganização pessoal parece se expressar nos relacionamentos disfuncionais, que acabam gerando discórdias e promovendo rupturas nas relações interpessoais. Considerações Finais O presente estudo teve como objetivo investigar a dinâmica das relações sociais de mulheres com TA e o apoio social recebido por meio dessas relações. Evidenciou-se, de maneira geral, que as participantes apresentam dificuldades no desenvolvimento e na manutenção de relacionamentos afetivos e de amizade, restringindo as redes sociais aos membros da família e alguns “colegas”. As relações familiares, apesar de terem sido caracterizadas como principais fontes de apoio, eram marcadas por conflitos e brigas. Considerando-se os fundamentos teóricos que sustentam o presente estudo, acredita-se que as relações interpessoais de baixa qualidade e a dificuldade de manter vínculos podem diminuir o potencial de apoio recebido pelas participantes por meio de suas redes sociais, o que pode levar ao não cumprimento do plano terapêutico e, consequentemente, ao agravamento dos sintomas de TA, uma vez que as redes e o apoio social mantêm estreita relação com o bem-estar físico e mental dos indivíduos. Sendo os TA quadros psicopatológicos graves e persistentes, sabe-se que o cuidado aos pacientes com esses transtornos não se restringe apenas ao acompanhamento nutricional, psiquiátrico e psicológico de forma isolada. Os dados resultantes deste estudo indicam a necessidade de que a equipe multidisciplinar avalie os impactos das redes sociais sobre a saúde dos pacientes, de forma a aprimorar os recursos de tratamento e promover o bem-estar de forma global. Nesse sentido, o presente estudo fornece elementos que permitem explorar a dinâmica das relações sociais de mulheres com TA e o apoio social recebido por meio dessas relações. Referências ABREU, N.; FILHO, R.C. Anorexia nervosa e bulimia nervosa: Abordagem cognitivo-construtivista de psicoterapia. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 31, n. 4, p. 177-183, 2004. ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM-IV-TRTM – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: Texto revisado. Tradução de C. O. Dornelles, 4ª ed. revisada. Porto Alegre: Artmed, 2002. 329 p. BULLOCK, K. Family social support. In: P. J. Bomar (Org.), Promoting health in families: Apllying research and theory to nursing practice. Philadelphia, PA: Saunders, 2004. p. 141-161. 74 CABRERA, C.C. Estratégias de intervenção interdisciplinar no cuidado com o paciente com transtorno alimentar: O tratamento farmacológico. Medicina (Ribeirão Preto), v. 39, n. 3, p. 375-380, 2006. CUSTÓDIO, Z.A.O. 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Avenida Pará nº 1720, Campus Umuarama – Uberlândia-MG / CEP: 38405-320; tel.: (34) 3218.2235; e-mail: [email protected] Resumo Este trabalho traz os principais resultados da pesquisa de doutorado desenvolvida no IP-USP (2010). O objetivo geral foi examinar como o referencial psicanalítico freudiano poderia colaborar na abordagem do fenômeno da precarização do trabalho, investigando as formas de subjetivação presentes na contemporaneidade. Foi estabelecido um diálogo na interface psicanálise, saúde e trabalho, a partir da observação psicanalítica de um caso investigado na Vigilância em Saúde do Trabalhador da Cidade de São Paulo, dispondo de dispositivos de análise da articulação sujeito e sociedade e, recuperando o fundamento do método psicanalítico na sua dimensão de extensão. A análise da organização do processo produtivo demonstrou que o trabalhador é submetido a uma condição de trabalho precarizada com exposições múltiplas que podem levar à perda da saúde e morte precoce. O quadro encontrado na empresa foi remetido ao conceito de ‘cadeia produtiva’ que, sob um olhar psicanalítico, revelou uma ‘montagem perversa’ marcada pelo viés da servidão e sustentada por uma modalidade de manipulação do poder na contemporaneidade. A partir da ideia freudiana de que o trabalho é um dos instrumentos que o homem criou para lidar com o seu desamparo (Hilflosigkeit) e viver em sociedade, foi possível articular precarização do trabalho, desamparo e servidão. Palavras-chave: Psicanálise extensa; montagem perversa; precarização do trabalho; saúde do trabalhador. Introdução A intenção deste trabalho é mostrar os principais resultados da pesquisa Um olhar psicanalítico sobre a precarização do trabalho: Desamparo, pulsão de domínio e servidão, desenvolvida no processo de doutoramento, no Instituto de Psicologia da USP (2006-2010). Em especial, sobre os efeitos das manifestações perversas no campo do social. Hoje, ao refletir sobre o tema do sujeito e do laço social, é imprescindível considerar as articulações de diferentes discursos, tendo em vista a complexidade de relações existentes na constituição do sujeito, assim como do laço social, que ordena como um tipo de civilização trata o que é da ordem do real. A questão do psicanalista, na contemporaneidade, refere-se a como a psicanálise pode ser útil nos vários ambientes em que o psicanalista é demandado. Foi assim que se procurou transformar aspectos do trabalho diário na Vigilância em Saúde do Trabalhador (VST), da Coordenação de Vigilância em Saúde do Município de São Paulo (COVISA), em uma pesquisa comunicável. A produção do saber na psicanálise e seus intercâmbios com outros saberes configuram um campo que pode ser denominado de ‘psicanálise e conexões’, ideia que aparece claramente em Freud, na 10ª Conferência – Simbolismo nos sonhos (1916). Para a construção das questões fundamentais da pesquisa, partiu-se da observação psicanalítica de um de um caso investigado na VST-COVISA, no segmento de fabricação de manequins. Trata-se de uma indústria de pequeno porte, que produz manequins para exposição de roupas e acessórios utilizados, rotineiramente, em vitrines de lojas no comércio em geral, fornecendo inclusive, para shoppings de consumidores da ‘classe A’. O caso foi montado em vários tópicos, de modo a permitir que o leitor pudesse tanto acompanhar um processo de investigação da saúde do trabalhador como, em vários momentos, voltar a um ponto de vista 76 psicanalítico e pensar de que maneira os modos de subjetivação se entrelaçam com esse panorama. Na periferia da cidade de São Paulo, a pequena fábrica estava instalada de forma improvisada e adaptada em uma casa residencial, um ambiente degradado, suja e desorganizado, tudo em meio ao processo de produção, aos postos de trabalho mal definidos, aos trabalhadores, que desempenhavam suas tarefas “com naturalidade”, e aos manequins que se encontravam por todo lado, inteiros ou em partes, encostados, empilhados, jogados, compondo uma cena de filme de horror dada à semelhança estética com corpos humanos mutilados. Do ponto de vista psicanalítico, podemos levantar as seguintes questões: O que faz com que os trabalhadores vivam esse tipo de situação “com naturalidade”? Quais as especificidades do circuito pulsional em ‘fábrica de manequins’? A precarização do trabalho se refere a um complexo processo de perda constante e tendencial de direitos conquistados e dos modos de vida estabelecidos, assim como das condições de saúde e de trabalho que se degradam dados os constrangimentos e a lógica do capital. Faz parte dos fenômenos atuais da ‘informalização’ (desregulamentação) e das formas de ‘flexibilização’ do trabalho, crescentes e dominantes na contemporaneidade, que no âmbito do processo de produção, expõe os trabalhadores a um alto risco de adoecimento, como mostram Antunes (2006, 2007), Druck e Franco (2007, 2008) e Thébaud-Mony (2007) e, portanto, sustentam uma condição de trabalho precarizado visível, principalmente, nas formas de subcontratação e terceirização. Sob a lente da psicanálise, qual o mecanismo psíquico em jogo na ‘naturalização’ do processo de precarização das condições de vida e de trabalho? O objetivo geral da pesquisa foi examinar como o referencial psicanalítico freudiano poderia colaborar na abordagem do fenômeno da precarização do trabalho, presente na contemporaneidade. Em consequência disso, o objetivo principal foi investigar os modos de subjetivação que ocorrem na precarização do trabalho, no contexto da realidade brasileira atual. A questão da servidão foi o aspecto do complexo processo de precarização do trabalho privilegiado neste estudo. Para refletir sobre a servidão em um campo estritamente psicanalítico, foi preciso trazer alguns aspectos do sistema colonial brasileiro em relação às marcas do regime servil na nossa sociedade e de seus efeitos nas subjetividades, como a reatualização de um modelo identificatório do domínio (CARVALHO FRANCO, 1965; IANNI, 2004). Metodologia Procurou-se estabelecer um diálogo na interface psicanálise, saúde e trabalho, a partir da ‘observação psicanalítica’ do caso da ‘fábrica de manequins’, dispondo de dispositivos de análise da articulação sujeito e sociedade e recuperando o fundamento do método psicanalítico na sua dimensão de extensão. Desse modo, foi possível transmitir uma investigação psicanalítica sobre o fenômeno social da precarização do trabalho. Esta característica, somada ao pressuposto metodológico básico da VST, que é a abordagem interdisciplinar, tornou legítima a contribuição da psicanálise na análise da relação da saúde com o processo de trabalho. ‘Observação psicanalítica’ diz respeito a um modo específico de o psicanalista incidir sobre seu objeto de estudo (o inconsciente, a psique em relação). O pensamento freudiano em seus fundamentos mostra que a psicanálise pode se dirigir para fora-do-tratamento, não para qualquer lugar, mas num movimento em direção ao cultural, como enfatiza Laplanche (1992), denominando de ‘pensamento extramuros’, a dimensão de extensão do método psicanalítico, que configura um tipo de pesquisa psicanalítica, em que o método de investigação da psique prioriza a abordagem psicanalítica dos fenômenos sociais. Resultados e Discussão Na análise da organização do processo produtivo na pequena fábrica, encontramos uma forma precarizada de produzir e, em consequência disso, uma condição de risco grave à saúde do trabalhador. Toda a produção dos manequins está estruturada de tal forma que o trabalhador 77 fica submetido a uma condição de trabalho com exposições múltiplas que podem levar a perda da saúde e morte precoce. A situação encontrada na empresa foi remetida ao conceito de ‘cadeia produtiva’ (LEITE 2000) que, sob a lente psicanalítica, revelaria uma ‘montagem perversa’ subjacente as relações que se estabelecem em uma cadeia produtiva, mais especificamente, entre as ‘grandes empresas’ com seus ‘fornecedores’, como é o caso de ‘fábrica de manequins’, tendo em vista que tais relações desvelam modalidades de satisfação ávidas pelo domínio, com ânsia de um poder absoluto, caracterizadas pelo acúmulo, excesso e usufruto do outro. Esta montagem é sustentada por uma modalidade de manipulação do poder, na contemporaneidade, que visa à coerção a negar a alteridade do outro e o dever de instrumentalizá-lo. São formas destrutivas de poder que encaminham as subjetividades para o pólo do narcisismo, para o registro do eu ideal e do amor de si, prejudicando o registro da alteridade, do ideal do eu/supereu e do amor do outro, desenvolvendo-se um tipo de laço social que privilegia o funcionamento perverso. A recusa da castração está assim, implicada na recusa da diferença, do outro, da alteridade. Se sob o ponto de vista sócio-histórico, o processo da precarização do trabalho aumenta os riscos e agravos à saúde dos trabalhadores, sob o prisma psicanalítico, favorece, estimula e intensifica uma condição de submissão no trabalho e uma forma de dominação perversa, um mecanismo de manipulação do poder que sustenta a montagem perversa, por meio de uma estratégia que procura desarticular as respostas do dominado para sua condição de submissão, como ocorre no nível das relações intersubjetivas na cadeia produtiva (‘fábrica de manequins’ e clientes) situação desvelada pelas condições de trabalho na pequena fábrica. A manipulação do outro passa a ser uma técnica de existência. Entretanto, o triunfo da instrumentalização só é triunfo se os parceiros funcionarem como instrumentos desta técnica. Em consequência disso, a subjetividade vai sendo reduzida a instrumentalização, estando mais em função da pulsão de agressão. A partir de uma direção teórica de leitura, que enfatiza a dimensão da política e do poder no discurso freudiano (BIRMAN, 1997; PLON, 1999), foi possível mostrar que a regulação política do espaço social tem como correlato psíquico a relação do sujeito com suas fontes de prazer e de gozo, portanto, da circulação das pulsões e do desejo. O processo da precarização do trabalho pode ser compreendido como um dos efeitos da pulsão de agressão voltada para fora mais especificamente, da ‘pulsão de domínio’ ou da ‘vontade de poder’, uma forma de manifestação da perversão no espaço social. Esta articulação metapsicológica fundamentou a hipótese de que ‘fábrica de manequins’ expressaria um dos efeitos da montagem perversa, no âmbito do trabalho, marcada pelo viés da servidão. A pequena fábrica descortinou a herança do funcionamento da estrutura dominaçãoservidão, do prolongamento das marcas do regime servil na nossa sociedade, pelo viés da servidão nesta montagem. O trabalhador é considerado como objeto de uso e de gozo, sendo a sua existência condicionada à submissão ao outro, a uma posição servil. Desse modo, a cadeia produtiva pode ser inserida nas discussões psicanalíticas a respeito das manifestações perversas no social. Considerações Finais Do ponto de vista freudiano, o trabalho é um elemento essencial da vida humana, tendo em vista sua função estruturante, seja ao possibilitar destinos para as pulsões, seja ao assegurar ao sujeito um lugar no circuito social. A essência da noção freudiana de ‘trabalho’ (Arbeit) reside nas operações do psiquismo. O trabalho é uma ocasião para elaboração psíquica; constitui-se em um dos meios de expressão do sujeito, podendo ser compreendido como uma resposta sublimatória ao desamparo (Hilflosigkeit). Ou seja, para Freud (1930), o trabalho é um instrumento que o homem criou para lidar com seu desamparo e viver em sociedade. O enfrentamento da condição de desamparo é fundamental para o desenvolvimento psíquico e para manutenção da civilização, para viver as pessoas procuram destinos para seu desamparo, sejam destinos criativos (sua aceitação), sejam destinos funestos (seu evitamento). Foi possível demonstrar que a montagem perversa se caracteriza como uma aliança que encontra 78 eco contra o desamparo, sendo o mecanismo da dominação perversa uma forma de evitar o confronto com o desamparo. ‘Fábrica de manequins’ foi considerada uma ilustração da ameaça da instalação de uma situação traumática em que a subjetivação torna-se um processo de sujeição. Para se proteger do desamparo com terror, do abuso arbitrário e cruel do outro, o circuito pulsional na fábrica se refere ao masoquismo como figura da servidão, em que a questão em primeiro plano é a posição de assujeitamento e humilhação na relação com o outro e não o prazer com a dor. A opção de subjetivação preponderante, no contexto da pequena fábrica, foi o aprisionamento e submissão à posição masoquista no circuito pulsional, o aprisionamento à figura da mãe-fálica não faltante. Desse modo, foi possível estabelecer uma leitura da precarização do trabalho como uma das expressões do mal-estar atual, que assume uma direção marcadamente perversa, assim como foi possível mostrar que ‘fábrica de manequins’ evidencia um dos modos de subjetivação do complexo processo da precarização do trabalho: a servidão. Na medida em que a montagem perversa se caracteriza como uma aliança no evitamento do desamparo, o processo de precarização do trabalho poderia ser compreendido como um dos destinos funestos para o desamparo, sendo esta uma possível articulação metapsicológica entre o desamparo (Hilflosigkeit) e a precarização do trabalho. Para finalizar, lembremos da idéia freudiana de que a manutenção da civilização depende da maneira pela qual as pessoas escolham amar e trabalhar. Para Freud, a necessidade do trabalho coletivo não é fator suficiente para manutenção da civilização, que depende do quanto o ‘trabalho’ e os relacionamentos humanos a ele vinculados possam propiciar de deslocamento de ‘componentes libidinais, sejam eles narcísicos, agressivos ou mesmo eróticos’. A montagem perversa fomenta o que há de pior na civilização: a destruição da alteridade, os mecanismos de exclusão e dominação, a violência, a agressividade, a humilhação e a servidão, e que, portanto, precisa ser denunciada sempre. Esse estudo foi uma tentativa neste sentido, tendo em vista que desvelou mecanismos de dominação perversa em relação à saúde do trabalhador. Referências ANTUNES, R. (org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, 527p. _________ Dimensões da precarização estrutural do trabalho. In: DRUCK, G. e FRANCO, T. (orgs.) A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p.13-22. BIRMAN, J. Estilo e modernidade em psicanálise. São Paulo: Editora 34, 1997, 240p. CARVALHO FRANCO, M. S. (1965) Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: UNESP, 1997. DRUCK, G.; FRANCO, T. (orgs.) Terceirização e precarização: o binômio anti-social em indústrias. 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O ADOLESCENTE PARA A PSICANÁLISE: UMA EXPERIÊNCIA DE GRUPO Cybele Carolina Moretto1; Carla Pontes Donnamaria2 Psicóloga, Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas; [email protected]; Psicóloga, Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas. Resumo O presente trabalho tem por objetivo apresentar parte dos resultados de uma tese de doutorado, intitulada: “Experiências com um grupo de adolescentes: um estudo psicanalítico”. Tal pesquisa teve como objetivo investigar, analisar e compreender algumas formações psíquicas produzidas no aqui-agora de um grupo de adolescentes, a partir do aporte teórico-metodológico da Psicanálise aplicada aos Grupos. Formamos um grupo com oito adolescentes, de ambos os sexos, entre 14 e 16 anos, em um Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência, em uma cidade do estado de São Paulo. Foi utilizado o dispositivo da Associação Livre, sendo disponibilizado aos adolescentes narrativas míticas como um recurso para facilitar o processo associativo. O material foi analisado qualitativamente, a partir da técnica da interpretação dos sonhos. Dentre as conclusões do estudo, consideramos que o grupo se constituiu um dispositivo terapêutico pertinente para a promoção de autoconhecimento, proporcionando compreensão e alivio emocional aos seus participantes; um espaço para a realização dos desejos reprimidos e de manifestação do inconsciente dos participantes. Finalmente, as narrativas míticas facilitaram aos adolescentes a se identificar com os heróis míticos e a expressar seus sentimentos. Palavras-chave: adolescência; grupos; saúde mental; mitos gregos. Introdução 80 A faixa etária da adolescência constitui uma grande parcela da população que procura atendimento sendo um grupo identificado como vulnerável e de risco. Para dimensionar a magnitude e a necessidade de pesquisas e de atenção a esta fase da vida, constatamos no último Censo Demográfico Brasileiro, realizado em 2010, pelo IBGE, o número de mais de 34 milhões de adolescentes, ou 18% da população brasileira, entre 10 e 19 anos. De acordo com a OMS (2003), os transtornos mentais são comuns durante a infância e adolescência, em termos de prevalência, em torno de 20% sofrem de algum distúrbio. Também são preocupantes os dados estatísticos do Ministério da Saúde, conforme estudo de Souza, Minayo e Malaquias (2002), sobre as causas de morte da população entre 14 e 24 anos; constatou-se que o número de suicídios nessa faixa etária cresceu 43% entre os anos estudados. Ramires et al (2009) afirmam que o suicídio é a terceira causa de morte entre os adolescentes e segundo Braga (2009), os adolescentes estão morrendo muito mais devido às causas emocionais do que por motivos biológicos ou sociais. Por isso, justificam-se as angústias daqueles que estão em contato direto com a adolescência, como a família, os educadores e os profissionais da saúde. A seguir, introduziremos, resumidamente, a questão do grupo na psicanálise. Bion (1961) apresentou relevante contribuição para o estudo dos grupos humanos em um momento de significativas transformações sociais, econômicas e políticas. Dentre seus principais conceitos, assinalamos o de mentalidade grupal. O autor explica que os participantes do grupo entram em um processo de regressão, cuja característica principal é a de colocar em primeiro plano, os aspectos mais primitivos do funcionamento mental e descreve três classes de fantasias que caracterizam os pressupostos básicos da mentalidade grupal: 1) dependência: nesse caso, o grupo está convencido de que se reuniu na expectativa de que o líder irá satisfazer todas as suas necessidades e desejos; 2) luta e fuga: para manter a existência, o grupo age como se tivesse necessidade de escapar, e ao mesmo tempo, atacar, qualquer coisa ou pessoa; 3) acasalamento: existe a crença coletiva inconsciente de que, quaisquer que sejam os problemas e necessidades do grupo estes serão resolvidos por um acontecimento agradável no futuro. Anzieu (1966) e Kaës (1976) também trouxeram contribuições para o estudo psicanalítico dos grupos, ao estabeleceram que os grupos se constituem dentro de um referencial corporal, como um objeto, supondo-se que no seu interior ocorre a organização da energia psíquica de forma semelhante ao que se passa na mente de um indivíduo. Kaës (1976) propõe que as pessoas se dirigem ao grupo para sentirem um corpo imaginário onde possam ser amadas buscando uma unidade perdida no nascimento e, procuram reviver no grupo a experiência de se fundirem ao corpo materno. Para este autor, assim como para Anzieu (1966), o grupo é um lugar para a manifestação de desejos reprimidos e é a representação da imagem de um corpo, o corpo materno. Segundo Kaës (1976), o grupo detém um espaço, um lugar que permite a manifestação do desejo, como ocorre nos sonhos. Desta forma, as pessoas se dirigem aos grupos para realizarem o desejo de se fundirem novamente ao corpo materno, no qual possuíam todo o conforto e proteção. Portanto, Anzieu e Kaës nos mostram que um grupo é a representação da imagem de um corpo, mais especificamente, do corpo materno. As pessoas fazem uma busca do objeto perdido na infância através do objeto grupo. Passemos a tratar sobre o lugar privilegiado que os mitos ocupam na psicanálise. A teoria freudiana considera, tanto o sonho como o mito, expressões codificadas do inconsciente, só que os mitos são partilhados em público e ao serem compreendidos, podem fornecer acesso à mente humana. Freud (1900) descreve o funcionamento dos sonhos e compara o seu mecanismo com o dos mitos; considerando que o material dos sonhos reaparece igualmente nos mitos, nas lendas, assim como nas anedotas da vida cotidiana, o funcionamento do mito reside na representação consciente dos medos e desejos reprimidos inconscientes, no nível social e coletivo, de modo semelhante ao do sonho. No plano pessoal, o sujeito sonha para se aliviar da tensão provocada por pensamentos perigosos. No nível social, os membros de uma comunidade tentam reconciliar fantasias inconscientes que se ligam a ações proibidas. Tanto nos mitos, como nos sonhos, a censura jamais é suprimida completamente, por isso a manifestação é dissimulada para escapar a seu reconhecimento consciente. Assim, tivemos como hipótese compreender se as histórias míticas poderiam sensibilizar um grupo de adolescentes e facilitar seu processo associativo. 81 Dentre os objetivos da pesquisa, nos propomos a investigar e analisar os processos psíquicos produzidos no aqui-agora de um grupo de adolescentes; e compreender se o grupo de adolescentes se constitui em dispositivo terapêutico, sensibilizando os participantes aos fenômenos do grupo. Método Foi formado um grupo fechado com oito adolescentes, de ambos os sexos, com idade entre 14 e 16 anos. Nenhum adolescente se conhecia até o momento do início do grupo de pesquisa, eram provenientes de classe social baixa e frequentavam escolas públicas. De acordo com os dados obtidos dos prontuários da instituição, os adolescentes apresentavam queixas manifestas, como: baixa autoestima, dificuldades de aprendizagem escolar, timidez excessiva, ansiedade, insegurança, tristeza constante, problemas de relacionamento social e alguns também haviam sofrido agressão física e sexual. A seleção dos participantes teve a finalidade de compor o grupo, evitando contraindicações (que poderiam introduzir outras variáveis). Dentre os critérios de exclusão, definimos: - a deficiência intelectual; - os transtornos psicóticos, ou uma percepção insuficiente da realidade; - e distúrbios sociais ou condutas antissociais. A pesquisa foi realizada em um Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência (CAPS/IA), em uma cidade da região centro-oeste do estado de São Paulo. O serviço foi criado em 2002, após a regulamentação dos CAPS, no território nacional, pelo Ministério da Saúde (MS), por meio da portaria MS 336/02 de 19 de fevereiro de 2002 (MORETTO, 2010). Recebe verba para realizar seus atendimentos por meio de convênio firmado com o Sistema Único de Saúde (SUS) pela Prefeitura Municipal. As sessões grupais foram orientadas pela concepção de Grupo de Diagnóstico, desenvolvido por Anzieu e Kaës (1989), sendo aplicadas as seguintes regras fundamentais: regra da associação livre de grupo; regra para os participantes não manterem convívio social ou envolvimento fora do grupo; e a regra da restituição, na qual conversas em relação aos acontecimentos do grupo que ocorram fora das sessões, sejam levadas para o grupo no encontro seguinte. O grupo se reuniu uma vez por semana, durante uma hora e trinta minutos, durante doze sessões. Na sala de atendimento constavam materiais escritos sobre alguns mitos gregos, que disponibilizamos aos adolescentes como um recurso para facilitar o processo associativo grupal. Em cada sessão, os adolescentes escolhiam espontaneamente um mito e liam juntos a história, alternando um parágrafo cada um, de forma sucessiva, com cada participante imprimindo um ritmo e uma entonação diferente em sua leitura (MORETTO & TERZIS, 2009, 2011). Dentre os procedimentos, inicialmente, o projeto desta pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Em seguida, foi solicitada permissão à direção do CAPS/IA para a participação de adolescentes interessados em colaborar com este estudo. Após a autorização da diretoria, selecionamos os adolescentes para compor o grupo por meio da análise dos prontuários da instituição. Os adolescentes selecionados foram convidados para uma entrevista individual inicial, na qual a pesquisadora esclareceu os objetivos e os procedimentos do estudo. Depois, os participantes interessados e seus pais assinaram, voluntariamente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Gravamos os encontros grupais em aparelho de mp3 e o material registrado foi analisado qualitativamente, a partir da técnica da interpretação dos sonhos (FREUD, 1900), visando, assim, ultrapassar a mera descrição do conteúdo explícito das falas apresentadas pelos adolescentes, bem como das suas comunicações não verbais, buscando desvelar significados simbólicos. 82 Resultados e Discussão Apresentaremos, a seguir, alguns fragmentos do material clínico do grupo de adolescentes seguidos de algumas análises e interpretações, a partir do aporte teóricometodológico da psicanálise aplicada aos grupos. Primeira Sessão Ao longo da primeira sessão, observamos em vários momentos o silêncio no grupo. Os adolescentes esboçavam leves sorrisos ansiosos, evitavam trocas de olhares e olhavam bastante para a terapeuta. O início do grupo é propício a formações regredidas uma vez que costuma ser um momento ansiogênico (BION, 1961). O grupo demonstra silêncios frequentes e dificuldade em estabelecer um processo associativo, se organizando de acordo com o pressuposto de dependência de Bion (1961), cuja suposição básica é de que existiria um líder, no caso a psicóloga, que teria a função de dirigir e orientar os participantes do grupo. Sobre a narrativa do mito de Ícaro: Laura: Gostei da parte em que ele voa. Os demais concordam com ela. Cleiton: acho que não pode ser orgulhoso, precisa ter limites. Débora: é bom ter limites, nas palavras, tem gente que exige que o outro escute o que está falando, e o outro exige que tem que falar, não respeita... Observamos uma resistência do grupo, os participantes demonstram preocupação com a atitude de Ícaro não respeitar os limites e voar acima do permitido, e não trazem possíveis sentimentos que podem ter sido despertados a partir do mito. Neste momento, o grupo trabalhou sobre o processo secundário e o princípio de realidade. Segundo Freud (1900), o contato com aspectos inconscientes do indivíduo pode se dar em face de uma resistência, de maneira que tal processo geralmente se encontra associado ao desprazer, fazendo com que ele o rejeite repetidas vezes. Terceira Sessão Laura: (...) meu pai tem esquizofrenia, mora com a minha vó, a cada quinze dias a gente vai pra lá, mas eu não tenho vontade de ir, não gosto de ver ele assim...Meu padrasto é mais pai do que ele, dá mais carinho. O médico falou que ele pode até matar a gente... Ângela: É difícil ficar sozinho... não poder ajudar..., quando o pai briga com a mãe, está tudo a sua volta... Julia: Ouvi falar que cada vez tem mais pessoas no mundo, mas as pessoas se sentem sozinhas... por mais que o mundo exploda de gente. Frequentemente, eu pensava que as pessoas não gostavam de mim, que eu não tinha ajuda, me sentia cada vez mais sozinha, me sentia inferior, agora estou pensando diferente... Observamos o fenômeno da ressonância no qual a fala de Laura fez sentido a outros adolescentes, deflagrando a cadeia associativa grupal. A ressonância ocorre a partir de um determinado tema, fantasia ou sentimento comum no grupo (ANZIEU, 1966), nesse caso, temas como briga com os pais, rejeição, solidão e loucura. Quinta Sessão Laura: Acho que (o mito de Héracles) é um tema atual, porque ele traiu. Zeus traiu a Hera com a Alcmena. E também a parte em que Dejanira faz de tudo pra segurar Héracles, acho 83 que isso acontece. Tem pessoas que fazem de tudo para segurar os outros, e pode acabar prejudicando ela mesma e aos outros. Tem mulher que faz de tudo pra segurar o marido... Ângela: Acho que no namoro também (pode haver traição). Laura: Na família, primo, pai, mãe... Ângela: Pode ter na amizade também, no sentido de trair a confiança. Débora: Pode ter se você conta alguma coisa pra alguém, aí ela vai lá e trai sua confiança. Laura: É difícil se sentir traído. Eu confiei e fui traída, gostava e depois fiquei com raiva...,às vezes as pessoas ficam com ódio. Ângela: É ruim, porque a pessoa que você mais gosta e confiava e contava tudo pra ela, te traiu e falou coisas que não eram verdade, espalhou e contou tudo..., depois não consegue ficar, confiar em outra pessoa, contam mentira, fofoca... O grupo mostra-se concentrado nos sentimentos de traição, desamparo e insegurança dos vínculos. A partir do conteúdo mítico e das faltas de alguns adolescentes nesta sessão, consideramos que foram reativadas experiências emocionais persecutórias no aqui-agora do grupo. Ocorre uma fantasia inconsciente grupal de luta-fuga (BION, 1961) - desconfiança e ataque ao grupo e à terapeuta, e ao mesmo tempo uma maneira de fuga, evitando o contato com as angústias e conflitos. Para Kaës (2005), as mudanças no enquadre mobilizam angústias persecutórias. Oitava Sessão Em relação à introdução da narrativa mítica no grupo, nos fragmentos seguintes observamos que foram bem aceitas pelos adolescentes e que demonstraram prazer em ouvir as histórias. Os personagens míticos funcionaram como objetos de identificação e facilitaram o processo associativo grupal: A partir da leitura do mito de Dioniso, os adolescentes falam sobre suas experiências com o álcool: Ângela: Na primeira vez que experimentei tinha seis anos de idade, foi meu pai quem me deu. Leandro: Eu adoro o cheiro do vinho e quando tomo é melhor ainda. Maurício: Já bebi de tudo, conhaque... Leandro: Também tem a parte que ela mata os filhos. Julia: As mulheres que matavam os filhos ficavam loucas, como eles (os deuses) enlouqueciam as mulheres? Leandro: Vai que elas bebiam também, né?! Não sei se a bebida faz chegar a isso, a ponto de matar... Laura: Tira a pessoa de si! Ângela: Tiro isso pelo meu pai, quando bebe ele briga, bate, coloca toda a culpa na bebida, eu acho que não é tanto a bebida que faz isso com ele, é ele que quer fazer isso e não tem coragem de falar isso pra gente. O meu pai é alcoólatra. Silêncio. Débora: Queria perguntar uma coisa... Quando Zeus tirou a criança que estava nele, a criança não ia morrer? Ângela:(...) Minha mãe mesmo, não era pra ter nascido, quase morreu no nascimento! O médico disse pra minha vó que ela não ia vingar, mas ela nasceu de sete meses! 84 Laura: Eu também nasci prematura. E nem chorei. Quase passou da hora... Senti falta de ar! Décima Sessão Leandro: Às vezes, dá vontade de voltar a ser criança..., aperto a campainha dos vizinhos e saio correndo. Laura: Eu brinco, às vezes, na balança do parquinho perto de casa. Roberto:Tenho vontade de voltar a brincar de atacar manga, guerrinha de manga, era legal. Leandro: Eu vou falar por mim, eu não tenho pressa de crescer não. Julia: Eu também não! Nossa, daqui a pouco já vou fazer 18 anos! Laura: Ah, eu quero fazer logo sim, poder fazer as minhas coisas, queria que fosse logo... Julia: Eu sinto saudades, sinto falta... Roberto: Eu queria voltar também... pra infância. Leandro: Às vezes, fico lembrando o que eu fazia, falava quando criança, e sinto vergonha, bobo, era meio bobo. Os adolescentes mostram-se inseguros e angustiados diante das exigências da realidade, com uma sobrecarga na estrutura egóica, e expressam o desejo em “voltar para a infância”, buscando o princípio do prazer e evitando o desprazer. Regridem a uma fase primitiva do desenvolvimento, buscando no grupo realizar seus desejos, como no sonho (ANZIEU, 1966). Décima Segunda Sessão Próximo ao momento de encerramento do grupo: Ângela: Eu gostei muito! Leandro: Ah, pra mim foi ótimo! Julia: Nossa! me ajudou muito! Laura: Ver outras experiências, expressar um pouco... Julia: É, parar pra pensar um pouco, amadurece... Laura: Tanto que a gente falou da nossa vida! Julia: Achei muito legal comparar essas histórias de antes, da Grécia, com a nossa vida hoje. Laura: Tanto que a gente contou sobre nossa vida... eu não conto pra ninguém mais! O encontro é encerrado com um sentimento positivo, os adolescentes criam a sensação de que formaram um ótimo grupo. A fantasia de ilusão grupal (ANZIEU, 1966) vem responder a um desejo de alívio, segurança e preservação da unidade egóica ameaçada do grupo. Ao mesmo tempo, é uma defesa coletiva contra a ansiedade de separação. Considerações Finais Os resultados mostraram que o grupo, como objeto de catexias psíquicas e sociais, foi um espaço de confrontos e de laços afetivos, depositário de imagens, emoções e conflitos; um lugar para a realização dos desejos reprimidos e de manifestação do inconsciente dos adolescentes. Os 85 participantes se sensibilizaram aos fenômenos psíquicos do grupo, possibilitando a compreensão do processo de grupo e de seu funcionamento. O estudo comprovou que o grupo se constituiu um dispositivo terapêutico pertinente para a promoção de autoconhecimento, proporcionando compreensão e alívio emocional aos adolescentes. As narrativas míticas facilitaram aos adolescentes a se identificar com os heróis míticos e a expressar seus sentimentos, desejos e fantasias, desencadeando o processo transferencial e a intersubjetividade no grupo. Referências ANZIEU, D. (1966). O grupo e o Inconsciente: imaginário grupal. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1990. ANZIEU, D.; KAËS, R. (1989) Crònica de un Grupo (Trad. Hugo Azevedo). México: Ed. Gedisa. BION, W. R. (1961) Experiências com Grupos: os fundamentos de psicoterapia de grupo (Trad. de Oliveira, W.I.). Rio de Janeiro: Imago, 1975. BRAGA, C. M. L.(2009) Comunicação e Isolamento: Uma Análise Clínica de Diários e Blogs de Adolescentes. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Ciências da Vida da PUC – Campinas. FREUD, S. (1900) A interpretação dos sonhos (Trad. De J. Salomão). Ed. Standart Brasileira das Obras Completas de S. Freud, Vol 4. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1996. IBGE. (2009). Tabela 261. Brasília. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/criancas_adolescentes/default.shtm. Acesso em: 23 jul. 2012. KAËS, R. (1976). O grupo e o sujeito do grupo: elementos para uma teoria psicanalítica do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. KAËS, R. (2005) La palabra y el vínculo: procesos asociativos en los grupos. Buenos Aires: Amorrortu. MORETTO, C. C.; TERZIS, A. (2009) Experiências com um grupo de adolescentes através dos mitos gregos. In: Tardivo, L. S. La P. C. (Org.). Saúde Mental e Enquadres Grupais: a pesquisa e a clínica. Saúde Mental e Enquadres Grupais: a pesquisa e a clínica. 1ed. São Paulo: IP/USP, v. 1, p. 180-191. MORETTO, C. C.; TERZIS, A. (2011) Una experiencia psychoanalytica de grupo con adolescentes. In: Anais do XIX Congreso Latinoamericano de FLAPAG - El Psicoanálisis Vincular de Latinoamérica. Buenos Aires : FLAPAG, v. 1. MORETTO, C.C. (2010) Trabalho em equipe: um estudo psicanalítico de grupo. In: Terzis, A. (org) Psicanálise aplicada na América Latina: novos contextos grupais, Campinas: Via Lettera. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS (2003)/ World Health Organization. Caring for children and adolescents with mental disorders. Setting WHO Directions. Geneva. RAMIRES, V. R. RÖHNELT ET AL. (2009) Fatores de risco e problemas de saúde mental de crianças. Arquivos brasileiros psicologia, Rio de Janeiro, v. 61, n. 2, ago. SOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. DE S.; MALAQUIAS, J. V. (2002) Suicide among young people in selected Brazilian State capitals. Cadernos Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, jun. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ VIVÊNCIA EM ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL COM ADOLESCENTES: LIMITES E POSSIBILIDADES EM DOIS ENCONTROS. 86 Ana Paula Medeiros1; Maria Manuela da Costa Manaia 2; Lucy Leal Melo-Silva3; 1- Mestranda pelo Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Bolsista CAPES. Contato: [email protected] 2 - Psicóloga graduada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo 3 - Professora Doutora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Resumo Uma das modalidades de atendimento da orientação profissional corresponde à vivência, que é desenvolvida em dois dias inteiros com o objetivo de aprimorar o autoconhecimento dos adolescentes por meio de reflexões, discussões, fornecimento de informações profissionais e de cursos, além de dinâmicas de grupo e aplicação de testes psicológicos. O objetivo deste trabalho é demonstrar como esse processo de orientação profissional foi desenvolvimento, bem como discutir seus limites e possibilidades. Este grupo foi desenvolvido com jovens entre 17 e 18 anos, estudantes do ensino médio e cursinho e escolas públicas e particulares. O primeiro dia de atividades consistiu na aplicação dos testes e das técnicas, além de discussões sobre a escolha e os aspectos que ela envolve. No segundo dia foram realizadas outras discussões e cada participante recebeu individualmente uma devolutiva dos resultados de seu teste, com a oportunidade de discutir e tirar dúvidas com o estagiário. Foi possível perceber que os adolescentes alcançaram bons resultados a partir destes encontros, sobretudo com relação ao autoconhecimento. O modelo de vivência parece ser uma alternativa eficaz e rápida aos adolescentes que não puderam passar pelo processo de orientação profissional tradicional. Introdução De acordo com Ribeiro e Uvaldo (2011), a Orientação Profissional surgiu a partir de mudanças históricas, sociais e econômicas, fundamentada principalmente por três fatores: a mudança do modo de produção manual e mecânico para um trabalho especializado e mais complexo; surgimento de um modelo social que possibilita a ascensão social através do esforço pessoal do indivíduo em relação ao seu trabalho; e o surgimento da psicologia como ciência, que permitiu que se estudassem as capacidades dos indivíduos, auxiliando no processo de inserção destes no mercado de trabalho. Ao longo do tempo, a orientação profissional sofreu diversas mudanças, indo de um modelo determinista e imutável para uma forma de orientação não diretiva, conforme o modelo Desenvolvimentista Evolutiva (Sparta, 2006). Neste modelo, a visão é a de que a escolha profissional é fruto da experiência passada, de circunstâncias presentes e da visão de futuro que cada indivíduo possui. A partir destas ideias, acredita-se que as pessoas têm a capacidade de desempenhar múltiplos papéis e, neste sentido, a orientação profissional passa a trabalhar com conceitos como desenvolvimento da carreira e autoconceito. Ainda de acordo com Sparta (2006), a orientação profissional no Brasil é muito influenciada pelo modelo clínico de Bohoslavsky, difundido a partir da divulgação de suas ideias por meio de um livro, no ano de 1977. De acordo com Carvalho (2001), este modelo de Orientação Profissional, baseado na Psicologia Clínica, na Psicanálise e em Teorias de Dinâmica de Grupo, assemelha-se à Terapia Breve Focal, cujo foco de trabalho é a escolha profissional. Com relação ao trabalho em grupo, de acordo com Bock (2002), umas das vantagens desta modalidade em relação ao atendimento individual é a possibilidade dos jovens romperem com estereótipos a partir de um maior contato com a diversidade que acompanha o processo grupal. Para Pichon-Riviere (1974), o grupo pode ser entendido como um conjunto de pessoas movidas por necessidades semelhantes e que se reúnem em torno de uma tarefa específica, onde cada participante é diferente e exercita sua fala, sua opinião, seu silêncio, defendendo seu 87 ponto de vista. E neste grupo o indivíduo constrói sua identidade introjetando o outro dentro de si, ou seja, mesmo quando uma pessoa está longe posso chamá-la em pensamento ou mesmo todo conjunto. Assim o sujeito constrói sua identidade na sua relação com o outro, estando povoado de outros grupos internos de forma que todos esses integrantes do nosso mundo interno estão presentes em nossas ações. Existem diversas maneiras de se realizar um processo de orientação profissional em grupo. Para se elaborar a forma como essa forma de intervenção será realizada, deverão ser consideradas as características do próprio grupo, de seus coordenadores, do local onde se realiza e quais os objetivos. Este presente trabalho relatará um grupo de orientação profissional em grupo na forma de vivência, discorrendo sobre suas características, vantagens e limites. A vivência é uma nova modalidade de grupo que foi implantada no Serviço de Orientação Profissional (SOP) de uma universidade do interior de são Paulo como uma alternativa ao grupo tradicional e ao processo individual. O interessado em realizar o processo de orientação profissional inscreve-se no serviço e passa por um processo de triagem. Neste momento, o usuário é chamado para uma entrevista realizada individualmente pelo estagiário, na qual o objetivo é investigar os motivos da consulta, as expectativas sobre o atendimento, os dados pessoais, familiares, escolares, de trabalho e saúde, incluindo antecedentes de atendimento psicológico. A partir da análise de todos estes dados, o perfil do cliente é traçado no sentido de verificar qual modalidade de atendimento melhor atenderá a sua demanda. Assim, o usuário será encaminhado para orientação profissional em uma das três modalidades distintas disponíveis no SOP. O grupo de orientação profissional é constituído de doze encontros, de duas horas cada, e acontece uma vez na semana. Neste processo, os jovens, junto com dois estagiários, tem a possibilidade de trabalhar questões relacionadas com o autoconhecimento, escolha da carreira, interesses, autoeficácia, reflexões sobre o mercado de trabalho, pesquisa sobre as profissões e a influência dos pais. A vivência surgiu como uma alternativa ao grupo, com a finalidade de atender à alta demanda e às pessoas que não têm disponibilidade de participar dos doze encontros. Na vivência busca-se tratar das mesmas questões de uma maneira condensada, em dois encontros, sendo dois sábados consecutivos, com duração de todo o dia. Metodologia Para atingir ao objetivo do presente trabalho, far-se-á um relato de um grupo de vivência em orientação profissional realizado pelo Serviço de Orientação Profissional. Além disso, buscarse-á realizar uma análise deste processo, procurando identificar as potencialidades e os limites desta forma de intervenção grupal. A análise será feita a partir da literatura disponível, que possibilite um entrelaçamento entre os aspectos teóricos e práticos da orientação profissional. Resultados e Discussão O grupo utilizado para análise neste trabalho foi composto por jovens entre 17 e 18 anos, estudantes de ensino médio e cursinho de escolas públicas e privadas. Esses jovens haviam sido triados pelo serviço de orientação profissional no primeiro semestre do ano, mas, em sua maioria, não tinham disponibilidade de horários compatíveis com os grupos formados ou haviam desistido dos grupos por outros motivos. Este grupo foi formado por 15 jovens e três estagiários de psicologia do quinto ano de graduação, com supervisão da psicóloga responsável pelo SOP. A fim de tornar esse grupo de 15 adolescentes em um grupo operativo, conforme descrito anteriormente (PICHON-RIVIERE, 1974), os estagiários iniciaram as atividades procurando promover o conhecimento entre eles e diminuir a tensão inicial de ser inserido em um grupo. Assim, foi realizada uma dinâmica de apresentação que consistia em cada um se apresentar falando sobre uma celebridade que gostasse e explicando o porquê de admirar essa pessoa. Essa atividade permitiu que os jovens mostrassem um pouco dos seus interesses e admirações e ainda 88 que se identificassem entre si. A identificação e conhecimento entre membros do grupo proporciona que estes quebrem estereótipos, como dito por Bock (2002) e também compartilhem experiências e informações, favorecendo o bom desenvolvimento das atividades a serem desenvolvidas posteriormente. Após essa atividade foi solicitado que os participantes respondessem à Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP), que tem como objetivo avaliar o nível de maturidade para a escolha profissional de alunos de ensino médio e detectar os aspectos mais e menos desenvolvidos. A escala é composta de cinco sub-escalas: Determinação, Responsabilidade, Independência, Autoconhecimento, Conhecimento da Realidade educativa e sócio profissional. A escala total está composta de 45 itens, sendo que 23 são positivos (enunciados que indicam maturidade) e 22 são negativos (enunciados que indicam imaturidade). A EMEP é uma escala na qual o indivíduo tem como tarefa avaliar a frequência com que atua ou pensa em diversas situações, sendo respondidas a partir de uma escala Likert, que varia de 1 a 5 (NEIVA, 1999). Após a aplicação da EMEP, foi estabelecido um diálogo sobre como os jovens estavam se sentindo naquele momento e quais eram as principais dificuldades em relação à escolha do curso. Os adolescentes, neste momento, puderam relatar livremente sobre as dificuldades, destacando a indecisão sobre o curso e a pressão da escola/cursinho e dos pais. Após essa discussão houve um período de uma hora e 30 minutos para almoço, sendo que, quando retornaram, foi perceptível os laços criados entre os jovens, que conversavam sobre diversos assuntos, como escola, música, filmes, vestibular e festas. Após o almoço foi aplicada a Avaliação dos Interesses Profissionais (AIP). Este teste tem a função de avaliar as preferências do sujeito em relação a dez campos de interesse: Campo Físico/Matemático; Campo Físico/Químico; Campo Cálculos/Finanças; Campo Organizacional/Administrativo; Campo Jurídico/Social; Campo Comunicação/Persuasão; Campo Simbólico/Linguístico; Campo Manual/Artístico; Campo Comportamental/Educacional; Campo Biológico/Saúde (LEVENFUS; BANDEIRA, 2009). A AIP é composta por um caderno contendo 100 pares de atividades, totalizando em 20 atividades de cada um dos dez campos, distribuídas de tal forma que cada campo seja confrontado com todos os outros e com ele mesmo duas vezes. Tendo em vista a necessidade de o sujeito escolher uma das alternativas da dupla de atividades apresentadas, a AIP oferece a possibilidade de o sujeito apontar quando uma delas está sendo escolhida por obrigação. Isso oferece ao orientador um dado a mais sobre a intensidade de satisfação com a escolha. Considerando que atualmente as profissões reúnem múltiplas configurações, a AIP propõe uma análise dinâmica dos diferentes campos, para somente então apresentar as diferentes possibilidades de cursos de nível superior. Por se tratar de um teste recente, destaca-se sua importância para a orientação profissional, uma vez que o tema e as possíveis profissões estão em constante atualização (LEVENFUS; BANDEIRA, 2009). Após a aplicação deste teste os coordenadores conversaram com o grupo perguntando o que eles tinham achado sobre o instrumento. Alguns dos adolescentes responderam que gostaram, mas acharam um pouco longo e cansativo e que não se sentiram muito a vontade tendo que escolher entre as respostas forçadas (quando não se gosta de nenhuma das duas frases mesmo assim o jovem tem que marcar a alternativa que ele considera “menos pior”). Apesar disso, eles conseguiram refletir sobre suas escolhas, aptidões e preferências. Desta forma, entende-se que a aplicação deste teste como um importante meio de promover o autoconhecimento, indo além da ideia de fornecer um resultado fechado e definitivo a respeito da profissão a ser seguida. A última atividade realizada no dia foi a aplicação do BBT-BR, que foi publicado em 1978 após dezesseis anos de estudos e pesquisas dentro do campo da orientação profissional com jovens. O teste é composto por fotos, em preto e branco, de pessoas realizando diversas atividades, sendo um grupo de fotos para o sexo masculino e um grupo para o sexo feminino. O instrumento fundamenta-se na combinação de diversos fatores hereditários e sua repercussão sobre os componentes de escolha. Cada foto representa dois diferentes fatores, um primário e o 89 outro secundário, sendo que através da aplicação se busca compreender quais são estes fatores que cada indivíduo se identifica mais (JACQUEMIN, 2000). Os fatores e suas características são: W (ternura, feminilidade, devoção); K (força, força física, dureza); S (senso social, com duas tendências: Sh - disponibilidade a ajudar, fazer o bem, curar; Se - energia, coragem, ação, necessidade de movimento); Z (estética, necessidade de mostrar representar); V (entendimento, razão, lógica). Cada profissão apresenta uma ou mais dessas características. Assim, a partir da escolha das fotos, é possível verificar os fatores predominantes e, assim, realizar uma análise do perfil do adolescente e poder identificar possíveis profissões que são de interesse do cliente (JACQUEMIN, 2000). É importante destacar que este teste foi padronizado para as normas brasileiras e que novas fotos foram adicionadas para que o instrumento estivesse adaptado à realidade profissional do país, totalizando 96 fotos. Para aplicação em grupo, as fotos aparecem em um retroprojetor e as pessoas avaliam seus interesses pelas fotos em três categorias: se ela a agrada (+), se é neutra (0) ou se desagrada (-). Depois que todas as fotos foram vistas, a pessoa escreve um pequeno texto com as suas cinco fotos favoritas. Com essa redação é possível compreender um pouco mais sobre a dinâmica da pessoa e a relação que ela estabelece com essas diferentes profissões (JACQUEMIN, 2000). A aplicação deste instrumento dividiu o grupo em dois subgrupos, de acordo com o sexo dos participantes. Desta forma, a aplicação da forma masculina foi realizada na sala de vivência enquanto que, para a aplicação da forma feminina, as meninas foram para uma sala ao lado da que estavam. O instrumento foi aplicado conforme o descrito anteriormente, e, após a finalização da aplicação, deu-se por encerrado o primeiro dia da vivência. Durante a semana todos os testes foram corrigidos pelos coordenadores, destacando-se a inserção de cada adolescente nas dinâmicas e discussões em grupo. No segundo dia de encontro, pela manhã, foram realizadas diversas conversas com os adolescentes. A primeira delas teve o intuito de ouvi-los a respeito das percepções que tiveram sobre o primeiro dia de atividades. A maioria deles se manifestou neste momento, relatando que tinham gostado muito da experiência principalmente por terem a oportunidade de ver que não estão sozinhos neste universo que envolve dúvidas e escolhas. Mais uma vez, destaca-se a importância do grupo como um espaço para identificações e para compartilhamento de experiências (BOCK, 2002). Após esta conversa, o grupo se encaminhou para inserir outro tema na discussão: o medo do novo. Ultrapassando a escolha profissional, os jovens sentem-se temerosos com relação ao possível egresso na universidade, que pode ocasionar mudança de cidade, afastamento dos pais, o distanciamento dos amigos do ensino médio e uma rotina com mais responsabilidade. Este momento é muito interessante para os integrantes do grupo, pois demonstra amadurecimento com relação às escolhas, evidenciando que têm percepção que conseguirão decidir pela carreira e, assim, ingressar na universidade. Além disso, os adolescentes não ficam mais presos às orientações dos coordenadores, demonstrando a percepção de que são um grupo e que conseguem dividir suas angústias de forma livre. Finalizada esta discussão, os coordenadores promoveram uma atividade relacionada à Realidade Educativa. Neste sentido, foi organizada uma discussão no sentido de proporcionar um momento de esclarecimento de dúvidas que estão ligadas ao universo da entrada do adolescente na universidade. Desta forma, foram fornecidas informações a respeito de programas como Prouni, Procred e Fies. Além disso, os coordenadores explicaram as diferentes entre cursos técnicos, tecnólogos, de bacharelado e de licenciatura. As principais dúvidas feitas pelos adolescentes envolviam as diferenças entre universidade públicas e particulares e as relações de gênero que permeiam as escolhas profissionais. Assim, nota-se que este momento do grupo teve também a função de quebrar estereótipos que permeiam a orientação profissional (BOCK, 2002). Após esta atividade, os jovens responderam novamente à EMEP, a fim de verificar se eles apresentavam mudanças no amadurecimento durante esta vivência. Quando terminaram, os jovens foram liberados para o horário de almoço e os coordenadores do grupo utilizaram o 90 tempo para a correção deste instrumento, cujas respostas seriam utilizadas no momento da devolutiva. Após o período de almoço, foram organizadas as devolutivas individuais. Cada um dos coordenadores ficou responsável por dar cinco devolutivas, sendo que, enquanto aguardavam, os jovens ficaram conversando em pequenos grupos ou aproveitaram o tempo para ler as revistas sobre cursos universitários que estavam à disposição deles. A devolutiva consistia em conversar com o adolescente, compreender como ele tinha se sentido durante o processo de vivência e quais eram as suas expectativas. Além disso, procurouse utilizar este momento para ouvir e acolher as angústias do adolescente, utilizando também a devolutiva para conversar sobre os resultados dos testes que haviam realizado. Neste momento, os adolescentes frequentemente falavam de maneira mais clara sobre as profissões na qual estavam em dúvida e algum de seus medos. Frequentemente apontavam que tinham medo de não acertar na profissão ou não ter retorno financeiro com a profissão escolhida. De maneira geral, os jovens apresentam evidência de amadurecimento pelo processo (evidenciados pelos resultados da EMEP) e avaliaram o processo de vivência como positivo, justificando que este momento proporcionou um espaço no qual podiam conversar sobre o que estavam sentindo. O momento foi então visto como muito construtivo, principalmente pela oportunidade de conhecer pessoas que estão com as mesmas dúvidas que as suas, além de ouvir outras experiências. Assim, podemos perceber que o processo de Vivência em Orientação Profissional, é uma alternativa viável. Apesar de um número de encontros reduzido, foi possível formar um grupo, e discutir questões sobre orientação profissional relevantes para os presentes, que puderam conversar sobre as suas experiências. Os testes, por sua vez, ajudaram a trazer alguns dados mais específicos quanto aos interesses de cada participante, proporcionando também reflexões sobre as suas escolhas, sobre o autoconhecimento e a compreensão da realidade. Considerações Finais A partir do relato de experiência realizado pode-se perceber que a vivência em orientação profissional pode ser utilizada como uma importante estratégia de intervenção, sobretudo em contextos de clínica-escola, cuja demanda é alta e não há profissionais para atender a todos. Entretanto, há que se discutir os limites desta intervenção: por se tratar de uma intervenção breve e condensada, é preciso que os adolescentes que dela participar se engajem no processo e entendam que a discussão não se encerra ao fim dos dois dias de trabalho. O trabalho feito é apenas um disparador que proporciona meios e ferramentas que auxiliem o processo reflexivo do cliente a tomar sua decisão. Entende-se que o presente relato de experiência tem seu potencial por proporcionar o conhecimento a respeito de uma nova modalidade de trabalho, relatando quais são suas etapas e seus alcances. No entanto, é necessária a realização de outras pesquisas e outros relatos de vivência a fim de aprimorar o trabalho desenvolvido e difundir outras estratégias de intervenção em orientação profissional. Referências BOCK, S. D. Orientação profissional: A abordagem sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2002. 190 p. CARVALHO, M. M. M. J. Entrevista. Labor: Revista do Laboratório de Estudos Sobre Trabalho e Orientação Profissional, Campinas, v. 0, p.9-20, 2001. JACQUEMIN, A. O BBT-BR: Teste de fotos de profissões: normas, adaptação brasileira: estudos de casos. São Paulo: Centro Editor de Testes e Pesquisas em Psicologia (CETEPP), 2000. 91 LEVENFUS, R. S.; BANDEIRA, D. R. AIP - Avaliação dos Interesses Profissionais. São Paulo: Vetor, 2009. NEIVA, K. M. C. Escala de Maturidade para Escolha Profissional (EMEP): Manual. São Paulo: Vetor, 1999. PICHON RIVIERE, E. El proceso grupal. Buenos Aires: Nueva Visión, 1974. RIBEIRO, M.A.; UVALDO, M.C.C. Primeira demanda-chave para orientação profissional: como ajudar o indivíduo a realizar seu ajustamento vocacional/ocupacional? Enfoque traço-fator. In: M. A. RIBEIRO; L. L. MELO-SILVA. Compêndio de Orientação Profissional e de carreira: Perspectivas históricas e enfoques teóricos clássicos e modernos. São Paulo: Ed. Vetor, 2011, 87-110. SPARTA, M. O desenvolvimento da orientação profissional no Brasil. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 4, n. 1, 1-11. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ GRUPO COM ADOLESCENTES: PECULIARIDADES NO ATENDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO Marisa Machado Cavallieri Ambulatório de Saúde Mental de Serrana – SP - [email protected] Resumo O presente estudo pretende analisar algumas peculiaridades no processo psicoterapêutico de um grupo de adolescentes. Este trabalho é realizado no Ambulatório de Saúde Mental de Serrana, São Paulo, onde os adolescentes são encaminhados por apresentarem dificuldades de comportamento – agressividade, apatia - na relação com a família. Neste procedimento de atendimento os pais ou responsável passam por triagem e suas queixas acolhidas por um psicólogo, de acordo com a disponibilidade da vaga, o adolescente é atendido em psicoterapia individual e encaminhado para psicoterapia de grupo. Para este estudo o grupo no momento, é formado por quatro adolescentes, do sexo feminino, na faixa etária de 13 a 15 anos de idade, o grupo é aberto, funciona semanalmente com uma hora de duração e teve seu início em março/2012. Neste período uma das participantes, com 16 anos saiu por ter arrumado um emprego, ficando o grupo por seis meses com três membros e há um mês voltou a ser composto por quatro membros com o ingresso de uma nova participante, de 13 anos. Neste percurso do grupo, algumas peculiaridades foram analisadas, como compromisso grupal, a função da contratransferência no realinhamento do trabalho grupoterapêutico, o processo grupal oportunizando escuta, reflexão e reajuste da demanda. Palavras-chave: Grupoterapia com adolescentes; relação pais e filhos adolescentes; Ambulatório de Saúde Mental. Introdução A psicoterapia de grupo com adolescentes é uma das práticas realizada no Ambulatório de Saúde Mental da cidade de Serrana, no interior de São Paulo. Estes adolescentes vão para o atendimento psicológico - através da família - que percebe necessidade da ajuda de um psicólogo. Os pais procuram este tipo de ajuda quando os recursos de cuidar do filho adolescente se esgotam em função dos mesmos apresentarem comportamentos de irritabilidade com 92 frequência, reclamações escolares recorrentes, somatizações, isolamento, conflitos com os pais (namoro, organização da rotina doméstica), situações de risco pessoal, (violência sexual na infância ou pré-adolescência, uso de álcool, droga), comportamentos antissociais. Este Ambulatório de Saúde Mental, no citado município é a referência de atendimento psicológico para crianças e adolescentes, que através de encaminhamento médico e dos serviços de assistência social acolhe a queixa dos pais, numa entrevista de triagem com um psicólogo. Na análise de dados colhidos na triagem e no atendimento psicológico individual do adolescente - procedimento que antecede o encaminhamento para grupoterapia, observa-se questões referentes à busca de identidade e a necessidade de um espaço de escuta do adolescente, bem como sua dificuldade na comunicação com os pais e a presença de conflitos na relação – entre pais e filhos - que se acumulam, sem perspectivas de ambos encontrarem por si, alternativas vistas por eles como resolução de tais problemas. A literatura sobre adolescência mostra que as dificuldades apresentadas nas queixas podem ser um reflexo, da construção da identidade destes adolescentes. Tal condição é considerada como marcante neste período de vida dos jovens (Erikson, 1972), o que possibilita a eles a chegada à vida adulta de forma produtiva e madura. A escolha de uma ocupação e o estabelecimento de relações estáveis é dentre outras condições, que os colocam no mundo adulto. Kimmel e Weiner (1998) colocam que crescer é inerente ao contexto familiar, pois significa o adolescente tornar-se independente de seus pais e de pessoas significativas, ao ter liberdade para ser ele mesmo e fazer escolhas, preservar a intimidade de pensamentos e sentimentos. Desta forma deve ser visto como uma luta de crescimento do adolescente e não uma luta contra seus pais. Molpeceres e Zacarès (1999) consideram a vivência do adolescente no grupo de pares, como um “laboratório social”, pois lhes possibilitam relações igualitárias e recíprocas favorecendo o conhecimento de comportamentos diversos, o que colabora para o seu desenvolvimento. A grupoterapia é uma prática que oferece ao adolescente – junto aos seus pares - espaço para que seus pensamentos, escolhas, sentimentos, exploração e questionamentos possam ser trazidos, escutados, refletidos e elaborados. Para os pais há o fantasma que o grupo de amigos pode influenciar o filho “para o mau caminho”, mas Papalias e Olds (2000) afirmam que os adolescentes não “caem” nos grupos, mas os “escolhem” de acordo como eles mesmos, e influenciam-se mutuamente compartilhando valores, atitudes e comportamentos. No panorama sociocultural do novo milênio o descompromisso é um dos valores vigente, bem como condições com duplo sentido, o que dificulta para o adolescente, sua formação de identidade (Zacarés, 1996). Neste sentido tem-se a possibilidade de várias escolhas e poucas restrições e pressões sociais para seguir trajetórias na vida adulta. Desta forma entende-se que o contexto familiar e social deve auxiliar o adolescente, na exploração e no compromisso, para adquirir competências e valores que tenham relevância para sua vida. No entanto a relação com os pais, nem sempre favorece um espaço de escuta disponível, protegida, adequada ao adolescente. Muitas vezes o cuidado com eles é desprotegido sem disponibilidade dos pais para uma escuta interessada. O que acaba proporcionando um confronto – entre pais e filhos - dificultando a busca do adolescente, no sentido de se diferenciar dos pais e adquirir sua identidade. A grupoterapia analítica, à medida que vai ocupando um espaço dentro das instituições, espraia-se e conquista um fazer psicológico que favorece um trabalho adequado às necessidades desses adolescentes e seus pais. 93 Zimermam (1997, p. 26, 27) coloca que “... o ser humano é gregário por natureza e somente existe em função de seus inter-relacionamentos grupais...” e que “... todo indivíduo é um grupo, na medida em que, no seu mundo interno, um grupo de personagens introjetados, como os pais, irmãos, etc., convive e interage entre si”. Este autor ainda ressalta que os adolescentes “por sua inclinação natural procura no grupo de iguais a caixa de ressonância ou continente para suas ansiedades existenciais” (1997, p. 321). Assim, a grupoterapia é para o adolescente um espaço de escuta, onde pode se ver e ser visto, num processo grupal que viabiliza sua condição de inquietação, possibilitando elaborar o convívio às vezes conflitivo com os pais. Este trabalho visa analisar algumas peculiaridades da psicoterapia de grupo com adolescentes, no que se refere observar como eles se apropriam deste trabalho? Como o processo grupal colabora para as questões trazidas nas queixas pelos pais? O Grupo Para este trabalho foram observadas algumas peculiaridades num grupo de adolescentes que acontece desde março de 2012. O grupo é aberto, semanal, com uma hora de duração. Antes de irem para o grupo, as adolescentes participaram individualmente de sessões de observação clínica e psicoterapia individual. Observadas as disponibilidades das participantes de dia e horário, além do critério da faixa etária e de ser comuns conflitos nas relações familiares, deu-se início ao grupo. Os participantes deste grupo são adolescentes do sexo feminino, encontram-se na faixa etária dos 13anos aos 16 anos, frequentam regularmente o ensino fundamental e médio e foram usados nomes fictícios para preservação da identidade das mesmas: Ana, 16 anos, apresentava dificuldades em lidar com o falecimento recente do pai, que residia em outro estado e a paciente o visitava uma vez por ano nas férias, tinha brigas constantes com o irmão de 12 anos, boa aluna. Vera, 15 anos, muita ansiedade, fazia várias coisas ao mesmo tempo, desorganizadas, ingestão alimentar exagerada, reclamação da escola devido a muita conversa em sala de aula, conflitos com a mãe (organização dos trabalhos domésticos, sentimento de idealização da filha), bom relacionamento com o pai. Cláudia, 14 anos, dificuldades em lidar com a separação recente dos pais, foi morar com o pai e a irmã de oito anos, sobre a qual teve que assumir alguns cuidados, relacionamento distante com a mãe, cuidada pela avó paterna desde a infância, recentemente havia ido morar com os pais. Eliza, 13 anos, padrasto saiu de casa recentemente (do qual era próxima), usuário de droga, cuidava dela e dos irmãos, mãe trabalha período integral e a noite faz supletivo, conflitos com a mãe em relação ao fato que está cansada de cuidar dos irmãos (três, menores que ela) e fazer os serviços domésticos. Regina, 14 anos, relação de confronto com os pais em relação a namoro, o pai não deixa e a mãe é permissiva, mas esconde do pai, teve dois desmaios nos últimos três anos, com diagnóstico neurológico negativo, fixação pelo celular com queixas escolares sobre o mesmo. O Funcionamento Grupal O grupo iniciou-se com Ana, Vera e Cláudia. Neste período inicial o funcionamento do grupo foi marcado pelo silêncio, pelas faltas, e, sobretudo o conteúdo, sobre se inscreverem em possíveis cursos profissionalizantes, para poderem arrumar um emprego. 94 Eliza inicia sua participação após quatro meses do início do grupo e, em seguida, Ana após seis meses arrumou um emprego e deixa de participar do mesmo. O grupo então caminha com Vera, Cláudia e Eliza, no final de 2012, entra Regina que conhece os elementos do grupo aos poucos devido às faltas que oscilam (janeiro de 2013) de Vera e Cláudia (viajaram de férias) e Eliza devido à consulta médica. Regina devido à consulta médica também se ausenta do grupo por um dia, quando Eliza comparece e comunica sua saída em função de arrumar um emprego no banco do Brasil e precisar fazer um curso preparatório, o qual coincide com o dia do horário do grupo. Neste momento participa do grupo Regina – faltando há duas semanas: esquecimento e entrevista de emprego – Cláudia – faltando há uma semana: esqueceu devido ao feriado no dia anterior e Regina sem faltas. O grupo vem seguindo com os assuntos referidos anteriormente, entretanto uma situação onde a maioria das sessões era permeada pelo silêncio pode-se observar como marco na evolução do grupo, uma intervenção da grupoterapeuta sobre a imagem que as adolescentes poderiam estar fazendo sobre ela como semelhante ao papel parental. Que diante da figura dos pais as adolescentes têm dificuldades em dialogar sobre o namoro, relações de afeto (irmãos, namorados), sua função na organização das tarefas da casa (o papel de ajuda nas tarefas ou assumir o papel de dana da casa); e no grupo essa sensação aparecia através do silêncio, das faltas. A partir desta colocação as participantes se apropriaram do espaço terapêutico trazendo a sua demanda para o trabalho psicoterapêutico no grupo, o que faz com que o grupo comece a existir de fato. Considerações Finais Algumas das peculiaridades que podem ser observadas na trajetória deste grupo até o momento é a contratransferência sinalizada pela grupoterapeuta, onde a mesma aponta para as adolescentes como ela está sendo vista por elas como a imagem dos pais, ou seja, fazendo um papel de intermediária entre o grupo e os pais. A partir desta sinalização o grupo passa a ter uma relação direta com a psicóloga, diminui o silêncio, há uma maior participação, a fala e a interação passa a vir delas e os assuntos são comuns. Esta mudança no processo grupal descortina a inscrição que os pais fizeram das filhas adolescentes para a psicóloga na queixa, pois elas mesmas começam a se apresentar para ela. As participantes foram para o grupo com uma demanda dos pais, no entanto conseguiram se colocar quando foi trabalhada a contratransferência da grupoterapeuta. Assim pode-se ressaltar o trabalho contratransferencial como um facilitador para as adolescentes trazerem conteúdos próprios, e o processo grupal possibilitando a construção de uma relação menos conflituosa com os pais. Referências Bibliográficas ERIKSON, E. H. (1972). Identidade, Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar. KIMMEL, D. C., & WEINER, I. (1998). La Adolescência: una transición del desarrollo. Barcelona: Ariel. MOLPECERES, M. A., & ZACARÉS, J. J. (1999). Factores personales y sociales asociados al desarrollo de la identidad relacional y ocupacional: un análisis exploratorio en adolescentes de secundaria y programas de garantia social. Revista de Psicología Social Aplicada, 9, 5-37. PAPALIA, D. E. & OLDS, S. W. (2000). Desenvolvimento humano (7ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas. 95 ZACARÉS, J. J. (1996). Una revisión de las medidas utilizadas en el estudio de la formación de la identidad en la adolescencia. In M. Marín & F. J. Medina (Orgs.). Psicología del Desarrollo y de la Educación: la intervención psicoeducativa. Sevilla: Eudema, p. 251-263. ZIMERMAN, D. E. ; OSÓRIO, L. C. (et al) Como Trabalhamos com Grupos. (1997) Porto Alegre: Arte Médicas, p. 26, 27 – 321. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR10 – TÍTULO: Inquietações pela Ótica da Psicanálise Vincular ............................................................................................................. Os grupos como instrumentos de pacificação Lazslo Antonio Ávila Livre Docente do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP. Membro do NESME e da SPAGESP. E-mail: [email protected] Resumo Nesse trabalho apresento algumas considerações sobre o alcance e significado do emprego da ferramenta metodológica dos grupos, particularmente os chamados grupos operativos e grupos de reflexão, para a resolução de conflitos intersubjetivos e intra e inter-institucionais. As teorias e técnicas associadas ao estudo dos pequenos e grandes grupos já pressupõe o manejo das diferenças e o desenvolvimento da coesão, comunicação e das interações entre os indivíduos. Porém, não se detém, em geral, na indagação filosófica, ética e política, de para onde pretendemos ir ao promovermos grupalização. Nesse trabalho quero discutir essas implicações de maior alcance, visando promover a reflexão antropológica sobre os rumos que tomam nossas práticas grupais. Apresentarei, a título de exemplificação e detalhamento, alguns exemplos de intervenção em grupos, onde para além da evolução do grupo propriamente dito, foi possível abordar os significados subjacentes ao fazer grupos. Palavras-chave: Grupos; pacificação; conflitos; mediação Introdução Os grupos são um inegável e insubstituível recurso técnico. Situações humanas das mais diversificadas, incluindo famílias, instituições e comunidades, podem recorrer a um profissional capacitado à coordenação de grupos para lidar com os problemas decorrentes de sua estrutura e 96 funcionamento. Conflitos interpessoais, barreiras de comunicação, pactos grupais, problemas de liderança, mecanismos de exclusão e marginalização, e inúmeros outros problemas de interação encontram na metodologia dos grupos resposta e instrumento de resolução. O acervo teórico acumulado sobre o significado dos grupos permite colocar em questão o instrumental grupal em um sentido maior do que apenas o técnico. Refiro-me aos aspectos éticos e políticos que estão inerentemente implicados nessas ações e intervenções. Partindo-se da concepção sociológica geral de que não há agrupamento humano que não esteja regido pelos determinantes estruturais da sociedade mais ampla que envolve e condiciona aquele grupo em particular, constata-se que em sua existência e funcionamento as partes sempre dependem do todo social onde se inserem, e assim, uma intervenção grupal se dá obrigatoriamente no seio das relações políticas que atravessam aquele agrupamento. Não há como ficar de fora da política. Estamos sempre e permanentemente imersos em sua contextura. E esse condicionamento determina limites e significações para a própria intervenção técnica. Além das relações políticas que se expressam em relações de poder, há a dimensão institucional (ver Lapassade, 1977; Lourau, 1976; Horkheimer e Adorno, 1978) que funciona como dimensão inconsciente para os grupos e seus participantes. Um trabalho em grupos deve observar atentamente esses determinantes políticos-institucionais sob risco de por a perder o próprio sentido do que busca realizar. A prática grupal não pode ser cega, quanto menos ela for capaz de questionar esses fundamentos, mais ela se torna subordinada aos mesmos. Desse modo um grupo pode ser levado a reproduzir relações de poder e se ver transformado em instrumento de manutenção do status quo, ao invés de instrumento de emancipação e consciência. Apresentando a metodologia dos grupos para a atuação em psicologia comunitária, escrevi: “A população oprimida, sem trabalho, sem saúde e desagregada, não consegue fazer, com base em suas necessidades comuns, um delineamento político de sua situação e buscar a organização necessária para transformá-la. Não consegue também dar uma contextura adequada para as necessidades psicológicas dos indivíduos, e daí derivam, em uma urdidura complexa de fatores históricos-econômicos-políticos-antropológicos, as neuroses, o alcoolismo, a criminalidade, e outros “sintomas” que contribuem para desorganização e a falta de projetos coletivos. Os grupos têm a potencialidade de virem a ser instrumentos para a concretização das necessidades fundamentais de seus membros; para isso, contudo, necessitam superar sua condição de gruposobjetos, submetidos às determinações institucionais, e assumir um papel ativo diante da realidade.” (Ávila, 1999). Também visamos ressaltar duas outras dimensões do trabalho em grupos: a dimensão antropológica e a dimensão dos valores e propósitos ideais associados a eles. A questão antropológica pode ser sumarizada reconhecendo-se que a tensão entre a individualidade e a grupalidade envolve fundamentalmente a alteridade, como constitutiva do processo cultural. A esse propósito, pode-se comparar o esforço permanente do homem atual em reconhecer o outro como outro, relembrando a estranheza mútua do homem branco europeu quando se defrontou com o indígena sul-americano. O tema dos valores coloca-se centralmente: para que fazemos grupos? Essa pergunta atine ao sentido dessa prática, e também da teoria que a embasa. Penso que pretendemos sempre algo mais do que apenas facilitar a coesão grupal e o alcance dos objetivos a que cada grupo se propõe. Temos um alvo maior, uma ordem de significação para nossos atos e para onde pretendemos conduzi-los. No meu ver, podemos conectar parte significativa do que fazemos com a matriz ideológica subjacente, que em parte escolhemos, e em parte reproduzimos inconscientemente. Em trabalhos anteriores (Ávila, 2000, 2003, 2007) procurei explorar a significação da grupalidade enquanto articuladora do que caracteriza essencialmente o processo humano: as relações intersubjetivas. É a “relação”, ou “vinculo” o elemento central a partir do qual se define a natureza própria ao homem. É ela a matriz de sua saúde (Ávila, 2003) e do modo como se constrói sua subjetividade (Ávila, 2007, 2008). Freud em seu magistral trabalho de 1921, e René Kaës (1977, 2000) em sua produção teórica, fornecem as bases conceituais com as quais trabalhamos. Para a instrumentalidade técnica, me valho principalmente dos grupos operativos (Pichon Riviere, 1976), acrescido das contribuições de Bion (Bion, 1975, 1991). 97 Com o presente trabalho pretendo discutir essas dimensões do trabalho grupal e apresentar exemplos clínicos de como ao se manejar tecnicamente os grupos, se está inevitavelmente também se defrontando com sua contextura político institucional, e com os propósitos e valores que o justificam eticamente. Metodologia A metodologia do presente trabalho divide-se em duas partes: na primeira trata-se de uma reflexão de ordem filosófica e ideológica sobre os fundamentos das práticas grupais, que se utiliza do pensamento filosófico e antropológico, A segunda parte, que descreve as situações grupais exemplificadoras dos argumentos foi feita com base na metodologia dos grupos operativos. Resultados e Discussão Uma discussão ética e política do significado das intervenções em grupo é necessária e urgente. Fazem-se grupos por toda parte. Em empresas, hospitais, clínicas e equipamentos públicos vinculados à Saúde e a Educação, e nos mais diversificados espaços sociais se praticam formas de agrupar e instrumentalizar processos grupais. Essas práticas nascem das necessidades sociais, e de profissionais que respondem às demandas que encontram buscando atuar com e através dos grupos. Metodologias variadas são empregadas, das melhor embasadas até aquelas mais empíricas e que se constituem no próprio encontro dos participantes. As teorias grupalistas tem um histórico na teoria sociológica e se desenvolveram como prática clínica após Freud, tanto em uma vertente psicanalítica (Foulkes, Anthony, Bach, Bion, Pichon Rivière, Anzieu, Käes), quanto psicodramática, gestaltista e até mesmo cognitiva-comportamental. A dinâmica de grupo, desenvolvida inicialmente por Kurt Lewin, desenvolveu-se continuamente e produziu grande acervo de técnicas. Mais recentemente surgiu a técnica da Terapia Comunitária, que emprega metodologia dos grandes grupos. Hoje há um grande número de profissionais pondo em prática estratégias de intervenção e produzindo mudanças em estruturas grupais. Contudo, é raro encontrar reflexões sobre as bases éticas e políticas, e isso realizamos aqui, convocando à investigação, nesse Congresso de Grupos, sobre por que e para que fazemos esse trabalho. Exponho minhas próprias concepções e acompanho minha reflexão com exemplos recentes de grupos que acompanhei, onde ao lado do objetivo explícito do trabalho grupal, fazia-se necessário discutir os valores e a ideologia que ali se expressavam. Pacificar é o mote com o qual trabalho, e com isso quero me referir tanto à superação dos conflitos, como à promoção de um contexto onde a cooperação se materialize, e onde uns possam servir como sustentáculo para a evolução dos outros, em reciprocidade e integração. Detenho-me em particular em um grupo que acompanha famílias acolhedoras, que fazem parte de um programa federal que desinstitucionaliza crianças em situação de abandono e as coloca sob o cuidado de “mães sociais”. Essa equipe multi-profissional, composta principalmente de psicólogos e assistentes sociais tem a seu encargo acompanhar o trabalho que se faz nesses lares substitutos e assegurar o desenvolvimento global dessas crianças, até levá-las a uma maioridade, onde possam alcançar plena condição de cidadania. A equipe sofre inúmeras pressões devido à natureza dos conflitos familiares que levaram à condição do abandono ou da suspensão judicial da guarda, e tem que manejar com diversas ordens de problemas, tais como os escolares, uso de drogas, violências diversas, incluindo as sexuais, alcoolismo, problemas de inserção social e reintegração, etc.. Com metodologia de grupos operativos, dou supervisão semanal, de uma hora e meia de duração para essa equipe, e aqui relato o que de ético e humanístico esse trabalho se reveste. As vantagens dessa discussão são as de permitir um aprofundamento do questionamento da atuação dos grupoanalistas e suas limitações são, de um lado, o fato de se tratar de um ponto de vista particular a um profissional, e por outro, de se defrontar com um assunto muito vasto e de fronteiras indeterminadas, mas que deve ser realizado por todos que atuam nessa área. Conclusões (ou Considerações Finais) 98 A conclusão desse trabalho propõe a criação de fóruns de discussão, como esse Congresso, onde se possa ir além do estudo teórico e metodológico sobre os grupos e se enfrente a tarefa de discutir os fundamentos éticos e políticos do trabalho em grupos. Sem essa reflexão, nosso trabalho corre o risco de reproduzir cegamente as relações de poder, submissão e dependência, que mantém os indivíduos aprisionados e alienados, ao invés de desenvolver sua autonomia, criatividade e expansão de horizontes. A questão da pacificação, em particular, remete aos valores de civilidade, convívio, harmonia e crescimento recíproco, bases para um viver coletivo mais pleno e significativo. Referências ÁVILA, L.A. – “O grupo como método”. Psicologia Revista (PUC-SP): 09(1), 1999, pp. 61-74. ÁVILA, L. A. - “A alma do grupo”. Pulsional: Revista de Psicanálise. São Paulo, 13(136), 2000, pp. 46-53. ÁVILA, L.A. - “Saúde Mental – uma questão de vínculos”. Revista da SPAGESP – Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. IV(04), 2003, pp. 69-76. ÁVILA, L.A. - “A Trofolaxes grupal: transtornos narcísicos e reconstruções vinculares”. Psicologia em Estudo, 12(3), 2007, pp. 523-29. ÁVILA, L.A. – “Representações de Grupo – Grupos: a perspectiva psicanalítica, 2ª. Parte”. Vínculo - Revista do NESME, V, 2008, pp. 26-36. BION, W.R. – Experiências com grupos. São Paulo: Imago e EDUSP, 1975. BION, W.R. – O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1991 FREUD, S. – “Psicologia de Grupo e Análise do Ego” (1921). Edição Standard Brasileira das Obras Completas, Rio de Janeiro, Imago, 1980. HORKHEIMER, M. e ADORNO, T. - Temas Básicos da Sociologia. São Paulo: Cultrix, 1978. KÄES, R. – El aparato psíquico grupal – Construciones de grupo. Barcelona, Granica, 1997. LAPASSADE, G. - Grupos, Organizações e Instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. LOURAU, L. - A Análise Institucional. Rio de Janeiro: Vozes, 1976. PICHON-RIVIÈRE, E. - El proceso grupal. Buenos Aires: Paidós, 1976. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR11 – TÍTULO: Vínculos Conjugais ........................................................................................................................................................................................... O VÍNCULO CONJUGAL VIOLENTO Andrezza Sisconeto Ferreira Dias¹; Anamaria Silva Neves² Psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia. Email: [email protected] ²Doutora em Psicologia. Profª adjunta 3 do curso de Psicologia e Pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia.Email: [email protected] Resumo 99 Trata-se de apresentar neste trabalho as principais conclusões de uma pesquisa de mestrado em Psicologia realizada na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em que se buscou apreender a constituição do vínculo conjugal violento. A perspectiva teórica utilizada é a Psicanálise, Psicanálise Vincular e Estudos Psicossociais. A pesquisa baseou-se em uma leitura psicanalítica, por sua vez interpretativa, do vínculo conjugal violento. Foram entrevistados três casais atendidos em uma ONG que trabalha com a violência conjugal. As análises das entrevistas apontaram que é importante um olhar sobre a dinâmica do vínculo conjugal, em que ambos os parceiros estão implicados nos desdobramentos desse vínculo, que inclui elementos inconscientes, a saber; a transgeracionalidade e as repetições decorrentes da herança familiar, o narcisismo, o desamparo e o pacto denegativo. Palavras-chave: Violência conjugal; vínculo; elementos inconscientes. Introdução Por que algumas relações se constituem violentas e outras não? Se os problemas de gênero são importantes para pensar essa questão, pois estão presentes em maior ou menor grau na conjugalidade, considera-se neste trabalho que essas diferenças não são suficientes para explicar porque alguns vínculos se constituem violentos, havendo assim, outros elementos, próprios dos vínculos intersubjetivos e da dinâmica do casal a serem considerados quando se pensa o vínculo conjugal violento. O entendimento de que mulheres e homens ocupam posições diferenciadas da clássica divisão vítimas e algozes, vem sendo questionada segundo Machado (1998) desde a década de 90, quando estudiosos e pesquisadores desse campo “passaram a delinear e a nomear como objeto de reflexão a trama mesma das relações entre homens e mulheres, e a dupla indagação sobre os lugares de uns e outros” (MACHADO, 1998, p. 3). Configurou-se assim, segundo as autoras, um campo de estudos, tanto para a Psicologia e Psicanálise, quanto para os estudos de gênero e estudos feministas, que reconhece existirem atitudes que levam mulheres a se manterem em relações de violência e também a contribuírem para a continuidade do jogo. Neste sentido, começou-se a falar em casais violentos e se instaurou uma crítica à visão da mulher unicamente como vítima. Gregori (1993), antropóloga e feminista, em sua clássica obra Cenas e queixas, aponta que não é possível excluir o homem ou a mulher no entendimento do fenômeno abordado, pois atribuir a condição de agressores e vítimas respectivamente tem sido ineficaz no combate à perpetuação da violência. Não se nega nessa perspectiva que a luta feminista pelos direitos das mulheres tenham sido extremamente importantes, ou ainda que mecanismos protetivos tivessem que ser criados. Trata-se sim, de um posicionamento teórico que entende a violência conjugal como construída no vínculo. Em Araújo (2005), a violência conjugal é entendida a partir do contexto social e histórico, no qual aspectos sociais, individuais, conscientes e inconscientes estão inter-relacionados, sendo variadas as faces da violência conjugal em cada casal, assim como os arranjos que os casais dispõem para lidar com tal fenômeno. Hirigoyen (2005) contempla em sua análise aspectos da cultura patriarcal, contudo acredita que a violência entre o casal não pode ser reduzida a fenômenos sociais e culturais. Depreende-se dos autores apontados que a dinâmica conjugal e intersubjetiva relaciona-se ao fenômeno estudado: a constituição do vínculo conjugal violento. Este trabalho tem como objetivo apresentar as principais conclusões da pesquisa de mestrado realizada com o intuito de aprender a constituição do vínculo violento. Metodologia 100 Foram entrevistados três casais que vivenciam a violência conjugal. Os sujeitos foram provenientes de uma ONG (organização não governamental) que atende a uma demanda de casos de violência intrafamiliar, principalmente, a violência conjugal. Os casais foram convidados a participar da pesquisa e entrevistados em suas residências. Todos os participantes foram esclarecidos quanto ao tema a ser pesquisado e aos objetivos da pesquisa, tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia (processo nº 253-11). As entrevistas foram gravadas e depois transcritas e analisadas segundo o método psicanalítico, conforme os temas significativos foram emergindo. Trata-se, pois, de uma leitura psicanalítica, por sua vez interpretativa da constituição do vínculo conjugal violento. Buscou-se ainda amparo teórico na vertente da Psicanálise Vincular e nos Estudos Psicossociais. Resultados e Discussão Helena e João, o primeiro casal, estão juntos há dois anos. Ambos estão no segundo casamento. Helena separou-se do primeiro marido para morar com João. Este por sua vez, já estava separado há três anos quando reencontrou Helena. O casal tivera um rápido namoro na juventude, mas segundo contaram, sempre foram apaixonados um pelo outro, mesmo estando casados com outras pessoas. A constituição desse vínculo, pautada em idealizações mútuas, abriu vias à violência. Embora, o ideal de completude e fusão seja comum no início dos vínculos amorosos, conforme aponta Mazeron (2008), foi possível observar nesse casal, que o vínculo apressado abriu vias ao processo de desilusão, vivenciado rapidamente no vínculo. João se tornou depositário das questões de Helena, que se mostrou uma mulher autoritária, com grande dificuldade em ouvir seu parceiro, anulando-o em seu narcisismo. O casal demonstrou estar desencantando um com o outro e diziam não se reconhecer mais, o que demonstrou que o vínculo se constituiu em uma montagem idealizada por longos anos, em que muitas expectativas foram mantidas. Quando foram viver juntos, a presença do outro real, não pôde sustentar tal ilusão e o desencantamento e os conflitos surgidos constituíram a violência no vínculo. O casal ainda encontrou dificuldades em ajustar a nova configuração familiar que se formou com os filhos dos casamentos anteriores e ainda conciliar a individualidade e a conjugalidade. O segundo casal entrevistado, Pedro e Maria, estão juntos há 14 anos e segundo relataram sempre houve violência entre eles. O vínculo desse casal se constituiu pelas faltas primordiais e pelas heranças transgeracionais. Ambos vivenciaram a violência intrafamiliar nas famílias de origem. Violência que diz respeito não somente à violência física, mas também a violência do abandono afetivo, do não reconhecimento subjetivo. A transgeracionalidade, entendida por Piva (2006) como possibilidade de compreender o sujeito como herdeiro das experiências de seus ancestrais, diz respeito aos conteúdos que não elaborados, atravessam as gerações. No vínculo de Maria e Pedro, além da violência como conteúdo transgeracional, há ainda outras questões como, a infidelidade do pai de Pedro, que acabou sendo elemento que nutriu a fantasia de Pedro de que Maria lhe era infiel. O temor da infidelidade da parceira era agravado pelas constantes ameaças verbais que Maria fazia a Pedro, remetendo-o a uma antiga ferida narcísica, o lugar de não exclusividade na relação com a mãe. No vínculo, Pedro temia deixar de ocupar o lugar de exclusividade no vínculo amoroso. Assim, Pedro sofria as ameaças internas e externas (efeito de presença de Maria) de ser preterido e abandonado no vínculo amoroso, não sendo reconhecido narcisicamente, como fora no vínculo parental. Há ainda outros elementos que compuseram a constituição do vínculo violento desse casal, que dizem respeito ao uso de drogas por Pedro, e o quanto isso acabava afastando afetivamente o casal. As interferências das famílias de origem e ao que o casal nomeia como uma tragédia em família, que diz respeito, ao fato de Pedro, ao entrar em uma briga da família de Maria, ter empurrado o sogro e este ao cair bateu a cabeça, vindo a falecer em consequência de um 101 traumatismo craniano. Se num primeiro momento, o casal se manteve mais unido, conforme eles mesmos pontuaram, parece ter sido, em decorrência de uma negação, tentando amenizar a culpa um do outro, acreditando que tudo foi um acidente. No entanto, a tragédia, se traduziu mais tarde, em mais acusações e violência no vínculo, além de manter o casal unido em um conluio vinculativo de culpa e angústia, pois, sentem-se cúmplices de um mesmo crime. Assim, o vínculo violento constituído pelas faltas primordiais e heranças transgeracionais, acrescidos dos elementos apresentados acabaram por manter o casal prisioneiro de uma mesma história, em que algo da ordem da repetição está instaurado. O terceiro casal, Laura e Roberto, estão juntos há 18 anos e mantêm um vínculo atravessado por significativa violência física. A história familiar de Laura e Roberto é também acentuadamente marcada pela violência do não pertencimento. Conforme Cypel (2012) aponta as origens da violência familiar e social devem ser buscadas “em suas manifestações iniciais, na insegurança e no desamparo que se instalam naqueles que vivem a experiência de pertencerem no formal e não existirem no real...” (CYPEL, 2012, p.62). Pertencimento este, não sentido ou reconhecido pelos sujeitos em questão. Sujeitos do desamparo formam um vínculo em que parecem buscar um no outro o amparo e proteção, no entanto, o vínculo formado apresenta características ainda muito rudimentares, pois ambos ainda estão fundidos na casa paterna, em vínculos simbióticos com as famílias de origem, com um funcionamento vincular empobrecido e caótico. O casal, não tinha contatos significativos com outras pessoas que não fossem familiares. Além disso, viviam nos fundos da casa dos pais de Laura, e sempre houve muita interferência das famílias de origem no vínculo do casal. Não conseguiram estabelecer uma identidade de casal, que nem sempre é fácil de ser estabelecida, mas fundamental, para que o casal constitua uma estrutura inédita. Há ainda elementos edípicos na configuração desse vínculo. Roberto, era um adolescente quando conheceu Laura e, mesmo ela sendo mais velha, reconheceu nele, pela posição que ele já ocupava na constituição familiar, o lugar do provedor, do pai, que se ausentara, a possibilidade de cuidado e amor paterno que não conhecera. Laura, por sua vez, parece ter representado a experiência de uma mulher mais velha, uma mulher que não poderia ser sua mãe. No vínculo desse casal, são também encontrados aspectos transgeracionais, em que ambos, herdeiros da violência sofrida repetem-na no vínculo conjugal. Há ainda a questão do alcoolismo de Laura, que ocorre devido a processos e vivências não elaborados e atravessam Laura como herdeira. O pai de Laura é alcoolista, assim como, o avô paterno, que morrera em decorrência do uso abusivo de álcool. Além disso, a presença de Laura alcoolizada é uma verdadeira tragédia nesse vínculo, levando Roberto a certo enlouquecimento, pois demanda a ele a impotência por não ter conseguido ir embora. O casal parece se manter também por um pacto denegativo,que segundo Silva e Becker (2006) caracteriza um pacto inconsciente em que os sujeitos compactuam a respeito do não vivido, do não dito, com vistas a garantir a estruturação do vínculo. Laura e Roberto não podem separar-se, pois isso é mostrar um ao outro, a impotência de que não conseguiram crescer emocionalmente e cuidarem-se sozinhos. Há ainda grande dificuldade de Laura em ouvir seu parceiro, e este a ela, ambos não se reconhecem narcisicamente. Estão vinculados, aprisionados em suas heranças transgeracionais. Como no vínculo dos pais de Laura, atravessado também pela violência conjugal, Laura e Roberto mantêm-se simbiotizados às famílias, repetindo a violência vivida. Conclusão As histórias apresentadas apontam para a diversidade dos vínculos e que o entendimento do vínculo conjugal violento deve-se a cada vínculo construído. No entanto, elementos inconscientes foram observados na análise dos casos. Assim, observou-se que a demanda de reconhecimento narcísico no vínculo conjugal é demandada ao parceiro e, no caso das mulheres entrevistadas, elas encontraram grande dificuldade em ouvir esses homens, negando-lhe esse reconhecimento narcísico e subjetivo. 102 Foi obsevado ainda, que as heranças transgeracionais se fizeram presentes na constituição do vínculo violento, de dois, dos três casais entrevistados, denotando assim, que tais heranças atravessam os sujeitos e instaura a ordem da repetição. O pacto denegativo, que diz respeito ao que é negado no vínculo, traduz a impotência de um casal em se constituírem como sujeitos autônomos e independentes, mantendo o vínculo violento. As idealizações de se encontrar uma relação plena e perfeita, e o processo de desilusão vivenciado naturalmente nesse processo, no primeiro casal entrevistado, abriu vias à violência no vínculo, demonstrando que quando tal processo não é bem manejado pelo casal, pode abrir vias à violência. Por fim, na constituição do vínculo violento, a dinâmica conjugal e intersubjetiva são elementos importantes para se compreender o fenômeno analisado. Referências ARAÚJO, Maria de Fátima. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, Maringá, V.7, n. 2, p. 3-11, 2002. CYPEL, Lia Rachel Colussi. Psicanálise dos vínculos de família e casal e a subjetivação do indivíduo nos dias atuais. In: Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal. São Paulo: Zagodoni, 2012, p.57-65. Gregori, Maria Filomena. 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São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006, p. 97-120. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ Um estudo acerca da construção do vínculo conjugal: quando surge a gravidez Laura Fernandes Merli1; Isabel Cristina Gomes2 1 Doutoranda do Programa de Psicologia Clínica do IPUSP, São Paulo, SP - e-mail: [email protected] Coordenadora do Laboratório Casal e Família: Clínica e Estudos Psicossociais, IPUSP, São Paulo, SP – email: [email protected] 2 Resumo 103 O conceito vínculo pode ser compreendido como um movimento mais ou menos estável de investimentos, representações e ações que unem dois ou mais sujeitos para realização de alguns de seus desejos. O encontro com o outro mobiliza em cada indivíduo conteúdos e funcionamentos inconscientes e primitivos. Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa de Mestrado que buscou refletir acerca das motivações conscientes e inconscientes no estabelecimento de um vínculo conjugal frente a descoberta de uma gravidez. Utilizando-se da metodologia de pesquisa clínico-qualitativa, realizou entrevistas semi-aberta com quatro casais na faixa etária dos 25 aos 35 anos, cujo vínculo conjugal foi precedido e determinado pela concepção do primogênito. Como resultados, observou-se um vínculo conjugal enfraquecido em detrimento do exercício parental, com a necessidade de inserção de terceiros como mediadores e mantenedores da vinculação entre o casal. Os dados apontam que os participantes da pesquisa apresentam-se ainda muito presos às suas famílias de origem, com dificuldade para assumirem a responsabilidade por uma família, embora esta já exista. Diante deste panorama, acredita-se que a constituição do vínculo conjugal tenha por função manter recalcado a impossibilidade de saírem da posição de filhos e tornarem-se sujeitos de si. Palavras-chave: Parentalidade; Conjugalidade; Transmissão Psíquica Introdução A pesquisa aqui apresentada utilizou como referencial teórico a Psicanálise de família e casal. O método psicanalítico de atendimento a família e casal tem seu percurso histórico iniciado a partir das idéias de Freud. Posteriormente este corpo teórico sofreu modificações, autores como, Klein, Bion e Winnicott vão assinalar a passagem de uma Psicanálise voltada para o intranpsíquico à uma valorização dos mecanismos interpessoais, enfatizando a necessidade do indivíduo se relacionar com o outro. Winnicott traz uma complementação importante ao ponto de vista intrapsíquico quando evidencia em sua teoria o ambiente externo e o conceito de vínculo. O conceito de vínculo é amplamente estudado pelos autores da Psicanálise Vincular ou das Configurações Vinculares, que tem na França como principais fundadores Eiguer e Käes e na América Latina, Berenstein e Puget. Entretanto, os autores de família e casal não constituem um grupo homogêneo, utilizam esquemas teóricos diferentes e, desta forma, faz-se necessário um delineamento do referencial adotado nesta pesquisa. O conceito de vínculo é aqui utilizado referindo-se a condição de ligação de pelo menos duas estruturas distintas, isso é dois egos. Eiguer (2008) afirma que o vínculo consiste em uma relação de reciprocidade entre dois sujeitos ou mais, cujos funcionamentos psíquicos estão articulados e se influenciam mutuamente. O contato com o outro ativa em cada sujeito funcionamentos e conteúdos conscientes e inconscientes, o outro é, então, ao mesmo tempo lugar e realização dos desejos primitivos (Spivacow, 2005). Considerando-se o vínculo conjugal, complexos familiares e imagos parentais estão envolvidos e são reeditados no encontro com o outro. Kaës (2011) descreve o vínculo como um “… movimento mais ou menos estável dos investimentos, das representações e das ações que associam dois ou mais sujeitos para a realização de alguns de seus desejos.” O autor afirma que para formar laços e associar-se em grupos é necessário sermos investidos e investirmos libidinalmente uns aos outros. Ainda, Kaës (2003) compreende o sujeito como sujeito do grupo, desta forma, seu destino está atrelado ao encadeamento geracional e ao grupo no qual está inserido. O autor ao tratar do conceito de transmissão geracional, afirma que a transmissão psíquica consiste em um conjunto de questões que ultrapassam a diferença entre gerações e organizam-se sobre as categorias dos interditos, do recalque dos desejos e da culpa. Kaës (2005) descreve dois tipos de transmissão psíquica, a transmissão intergeracional que refere-se ao material metabolizado ou elaborado psiquicamente pela geração atual, passado à geração posterior, este material diz respeito aos conteúdos conscientes, como costumes, valores e 104 crenças que são transmitidos, respeitando a lealdade geracional. E a transmissão transgeracional que não apresenta metabolização psíquica e diz respeito ao indizível, impensável e inconfessável, sendo por assim dizer conteúdos não pensados, não elaborados, transmitidos inconscientemente para seus membros. A respeito do vínculo conjugal, Benghozi (1994), descreve a existência de uma díadecasal, sendo esta um meio de funcionamento emergente entre as duas partes, que contempla mais do que a soma dos psiquismos, formando um sistema casal, com estruturação, regras de funcionamento e modo de regulação definidos, isto é, um aparelho psíquico de casal. FéresCarneiro (1998), refletindo a respeito do casamento contemporâneo, aponta que a maior dificuldade do vínculo conjugal “… reside no fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois sujeitos, dois desejos, duas percepções do mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal. A contemporaneidade propicia ao casal uma série de possibilidades de vivência da conjugalidade, muitas delas diferenciando-se do modelo tradicional de casamento. Estas relações são muitas vezes caracterizadas por um relacionamento igualitário entre os parceiros, com valorização do companheirismo e ausência de obrigação quanto a procriação. O modelo tradicional de família heterossexual, monogâmica e nuclear não é mais considerado único, abrindo espaço para múltiplos arranjos, como os casais que decidem viver juntos sem legalizar o relacionamento, casais que vivem em diferentes locais, casais que optam por não terem filhos. Diante deste panorama, esta pesquisa propôs pensar a conjugalidade de casais construída precocemente pelo surgimento da vida parental, buscando compreender as repercussões desta gravidez inesperada na construção da conjugalidade, bem como, debater a interferência da parentalidade exercida precocemente no estabelecimento e manutenção da conjugalidade e refletir acerca da influência da transmissão psíquica, inter e transgeracional, neste tipo de formação conjugal. Metodologia Utilizou-se o Método clínico-qualitativo proposto por Turato (2008), segundo o autor este é um refinamento do método qualitativo, e tem como foco principal do pesquisador os sentidos e as significações dos fenômenos sendo estes capturados por meio da escuta e da observação dos sujeitos da pesquisa. A amostra foi constituída por quatro casais na faixa etária dos 25 aos 35 anos, que estavam casados legalmente ou vivendo juntos por um período mínimo de três anos e máximo de oito anos, relações estas precedidas e determinadas pela concepção do primeiro filho. A faixa etária foi determinada para constituir-se em uma população adulta devido a imensa gama de estudos realizados sobre gravidez na adolescência. O período mínimo de três anos foi escolhido, pois apesar do código civil brasileiro não estabelecer um tempo mínimo para a união estável, é o tempo considerado pela jurisprudência. O período máximo de oito anos foi determinado para constituir uma amostragem homogênea, evitando grande discrepância no tempo de vinculação do casal. O contato foi estabelecido primeiramente por meios digitais, sendo enviado um convite de pesquisa trazendo dados gerais sobre os objetivos da mesma. Após o primeiro contato realizado pelos sujeitos interessados, agendou-se a entrevista. Os dados foram coletados através de entrevistas realizadas na residência do casal, pois acredita-se que este espaço possa trazer dados expressivos sobre o funcionamento do casal. A entrevistas foram previamente autorizadas pela assinatura do termo de consentimento. Utilizouse um roteiro de entrevistas semi dirigido, que abordou dados da dinâmica do casal, histórico da família nuclear e história da família de origem de cada um dos cônjuges incluindo três gerações. 105 As entrevistas foram gravadas para maior fidedignidade dos dados, e depois de transcritas, realizou-se uma análise dos dados de forma qualitativa, a partir de raciocínio clínico, baseado no referencial psicanalítico. Resultados e Discussão Esta é uma pesquisa qualitativa, que não objetiva a realização de um tratamento estatístico dos dados, buscando prevalência em cada um deles; mas sim, uma possibilidade de diálogo acerca das semelhanças. A respeito dos aspectos transferenciais envolvidos nas entrevistas de coleta de dados, observou-se o estabelecimento de uma transferência positiva dos sujeitos com a pesquisadora. Esta transferência positiva foi em grande parte facilitada pela relação de confiança e intimidade estabelecida com figuras femininas, de forma geral, suas mães. A maioria das mulheres buscou formar uma parceria com a pesquisadora, como tentativa de confirmação da imaturidade do marido e falta de suporte oferecido pelo mesmo à relação. Todos os casais contaram com fluência suas histórias, abordando os aspectos íntimos de seus relacionamentos. E em algum momento do discurso, apontavam para o caráter de novidade da situação, afirmando nunca terem retomado suas histórias. Acredita-se que estes casais não puderam pensar acerca de suas vinculações devido a fragilidade das mesmas, necessitando da presença de um intermediário para essa reflexão. Apesar do discurso manifesto observou-se que todos os casais carregam consigo o julgamento moral de terem saído dos padrões tradicionais da constituição conjugal, tendo sido de fundamental importância a todos o reencontro com suas histórias, frente a um espaço neutro. Alguns participantes inclusive apontaram o “efeito terapêutico” que esta retomada da trajetória do casal propiciou. O período entre o início do relacionamento e a descoberta da gravidez variou de 3 meses à 1 ano e 9 meses. Todos descrevem este período de relacionamento como um namoro frívolo, sem pretensões à construção de um relacionamento compromissado ou possível estruturação familiar. Em sua maioria, os participantes experenciavam, suas primeiras relações amorosas e ainda habitavam a casa de suas famílias de origem. Diante da notícia da gravidez, todos os homens descreveram preocupação quanto ao abandono do lugar de filho em suas famílias de origem para assumir a responsabilidade por sua própria família, mesma preocupação apresentada por uma das mulheres. A respeito das outras mulheres os conflitos foram distintos: uma delas demonstrou inquietação quanto ao papel feminino, apontando que o desejo de desenvolvimento e ascensão profissional é incompatível à construção de uma família; outra regrediu a posição de filha, ausentando-se acerca da decisão pela continuidade da gravidez ou escolha pelo casamento creditando esta decisão aos pais. A decisão pelo casamento por parte das mulheres se dá em função da busca por amparo e segurança na figura masculina, este tipo de escolha nos remete a definição freudiana de escolha anaclítica de objeto, na qual o individuo busca, no objeto amado, o objeto perdido da infância, sendo este, a mulher que alimenta, o homem que protege ou as figuras substitutivas que venham ocupar este lugar de cuidado, tentando reconstruir a ligação original, os sentimentos que permeavam a relação com o pai ou com a mãe (Freud, 1914). Os homens apresentam outras nuances a respeito da decisão pelo casamento, mas de uma forma geral observou-se uma preocupação acerca da vivência parental e a possibilidade de perder o lugar de pai. Evidenciando a construção de um vínculo conjugal pautado na vivência parental. O início do vínculo conjugal foi marcado por conflitos, incluindo discussões freqüentes a respeito dos valores e do futuro da relação; reclamações por parte das figuras femininas do não comprometimento das figuras masculinas na construção do grupo familiar, o que nos remete ao modelo tradicional de casamento. Os casamentos foram perpassados por separações e suspeitas de traições, todas elas reavaliadas em função dos filhos, atentando para influência desta gravidez na continuidade do vínculo conjugal, bem como, o motivo para suportar as diferenças. 106 A capacidade de dialogar e negociar se fez presente, de forma muito incipiente em apenas um dos casais. Frente aos conflitos, os sujeitos optam por pedir suporte às suas famílias de origem, não apresentando a possibilidade de diálogo entre o casal. Nos relatos ficou evidente a existência de planos individuais distintos, que não se articulam, inclusive a repeito da decisão por mais filhos. Sobre as questões de gênero notou-se indivíduos extremamente presos aos padrões tradicionais do casamento, onde a mulher posiciona-se como a responsável pelos cuidados das crianças e organização do lar. Sem a divisão relativamente igualitária das tarefas domésticas, carregam consigo o discurso do cuidado solitário dos filhos. Notou-se em todos os casos a impossibilidade de uma flexibilização dos papéis feminino e masculino. A respeito da transmissão geracional observou-se, na maioria dos casais, a transmissão de uma conjugalidade estruturada na interface com a parentalidade, exceto em um dos casos, no qual o casal carrega consigo a vergonha pela traição à uma descendência tradicional. Em todos os casos, ficou evidente um padrão de relacionamento conjugal focado na vivência parental e ausente de vinculação afetiva, transmitido pelas gerações. Concluindo, observou-se uma identidade conjugal enfraquecida, em detrimento do exercício da função parental. Os filhos cumprem com o papel de mediadores e mantenedores desta conjugalidade, ocupam o papel de impedir a construção de um espaço de intimidade do casal, apontando para a impossibilidade dos mesmos em se depararem diretamente com o outro da relação. Acredita-se que a constituição do vínculo conjugal tenha por função manter recalcado a impossibilidade de saírem da posição de filhos e tornarem-se sujeitos de si. Considerações Finais O objetivo desta pesquisa foi pensar a conjugalidade de casais construída na interface com a parentalidade, em função de uma gravidez precoce. Buscou-se explorar as motivações conscientes e inconscientes na escolha pela constituição de um vínculo conjugal, em um momento em que a contemporaneidade oferece inúmeras possibilidades de ser família e casal, entre elas, de uma vivência parental dissociada da conjugal. Além da interferência da transmissão psíquica geracional e do modelo tradicional de casamento. A partir da metodologia de pesquisa clínico-qualitativa obteve-se um recorte da experiência dos participantes, sem a intenção de generalizar os dados aqui obtidos a uma ampla população. Os dados obtidos vão de encontro à hipótese levantada, apontando a fragilidade do vínculo conjugal assim estabelecido, necessitando da inserção de terceiros, em função da dificuldade em deparar-se com o outro da relação. Os casais apresentam dificuldade na criação de um espaço de intimidade do casal. A escolha amorosa se faz pautada no modelo edipiano e cumpre a função de assegurar os lugares de filhos nas suas famílias de origem. Os participantes da pesquisa são indivíduos ainda muito determinados pelos modelos das famílias de origem, vivenciando casamento e família tradicionais e, pelo menos em dois casos, fortemente ligados a questões edípicas, sem a possibilidade de exercerem a criatividade permitida pelos modelos contemporâneos. Observou-se sujeitos ainda muito ligados aos papéis de filhos, talvez em função da precocidade da gravidez, reacendendo conflitos edípicos, resultando na estruturação de uma conjugalidade pautada na reprodução do modelo tradicional de vinculação conjugal, apesar de estes serem casais da contemporaneidade. Referências BENGHOZI, P. (1994). Paradoxalidade do Laço de Aliança e Malha Genealógica dos Continentes do Casal e da Família. In: RAMOS, M. (org). Casal e Família como Paciente. São Paulo: Escuta. EIGUER, A. (2008). Jamais moi sans toi. Paris: Dunod. FÉRES-CARNEIRO, T. (1998). Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Psicol. Reflex. Crit. 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Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MCT01 – TÍTULO: Grupoterapia com Crianças e Adolescentes ............................................................................................................. PSICOTERAPIA DE GRUPO COM CRIANÇAS – DIFICULDADES E FACILIDADES NA IMPLANTAÇÃO Suzana Mayumi Beatriz S. Fernandes Resumo O objetivo desta comunicação é refletir sobre as facilidades e dificuldades da implantação de grupos infantis numa instituição Casa de Acolhimento Psicológico. Ao pensar num grupo composto por crianças, imagina-se como elas poderiam se beneficiar da dinâmica grupal e como a terapeuta poderia contribuir neste espaço, para o alívio das angústias infantis. Quanto às facilidades e dificuldades; Ao apresentar a proposta de um grupo de crianças no setor de saúde mental houve uma boa aceitação do serviço, desde a autorização da administração à aceitação dos pais e responsáveis pelos infantes. Porém, nas entrevistas com as crianças pode-se observar a presença de algumas resistências, isto por meio de discursos apresentando medos e vários questionamentos. Hoje a casa conta com um grupo funcionando, desde Maio de 2012, com perspectiva de continuidade e ampliação, e podemos observar certo desenvolvimento por parte dos infantes. Palavras-chave: psicoterapia de grupo, crianças, saúde mental. Introdução 108 Não é novidade ouvirmos falar de enormes filas de espera para atendimento infantil. Também não é novidade começarmos atendendo crianças na Universidade e assim que nos formamos vamos à busca de adultos para atendimento. Nesta instituição onde o atendimento infantil é menor, as filas enormes e as faltas acentuadas, a ideia de permanecer 45 minutos sem atender várias crianças e ver a procura aumentar foi a mola propulsora de pensar sobre grupos. O desconhecimento foi uma dificuldade, mas com ajuda de antigos mestres e novos conhecimentos foi iniciado o trabalho grupal na Instituição. Segundo Svartman (2003, p.33), agrupar pessoas é possibilitar o surgimento de forças transformadoras, já que a existência humana é uma experiência ininterrupta de transformações. Considerando as afirmações de Zimerman (2010, p.82), o ser humano desde o nascimento participa de diferentes grupos, numa busca por identidade individual e na necessidade de uma identidade grupal e social. Portanto o ser humano passa grande parte de sua vida convivendo em diversos tipos de agrupamentos, iniciando no familiar, passando pelo escolar, formando grupos espontâneos, e com a vida adulta os grupos vão se formando, se desenvolvendo e diversificando. Mediante a experiência com os grupos terapêuticos voltados para o publico adulto, observa-se entre outros elementos, a manifestação de autoanalise, insights, diluição de ansiedades e medos, autoconhecimento, enfim, uma diversidade de acontecimentos que fortalecem esse público, aumentando suas resiliências para lidar com seus conflitos internos e externos. Contudo, dialogando com alguns autores, percebemos que as evoluções que ocorrem no grupo terapêutico para adultos, ocorrem também nos grupos infantis. Para Fernandes (2003, p.231): “o grupo ajuda na reorganização das características psíquicas básicas de cada criança, que tem ainda o seu mundo psíquico em organização”. O grupo proporcionará à criança a oportunidade de aprender a lidar com as diferenças, pois no contato com outras crianças, num espaço seguro, ela aprende a se relacionar de forma mais sadia, a respeitar os limites do outro e os seus próprios, e a compartilhar seus medos, fantasias e conquistas. Assim como ouvir sobre maneiras de viver diferentes das próprias condições domésticas. Pensando no mundo agitado de hoje, cheio de mudanças, compromissos inúmeros que as pessoas assumem, ou não assumem; negligenciam verificamos que as crianças não percebem o mundo em mudança, mas encontraram este mundo, assim com as mudanças já em andamento. Como diz Fernandes (1977, p.17) “não vivem a mudança do século, mas vivem nele”. Num mundo em que os fatos se sucedem de maneira vertiginosa, nós os terapeutas infantis nos propomos a resguardar espaços de escuta, de reflexão e pensamento, articulando o amor pela verdade, a atitude cientifica de busca, de aproximação, compromisso com a época e a permanência de valores universais. A proposta de psicoterapia de grupo vem em função de ajudar o paciente a reviver em sua afetividade os traumas precoces e eliminar ou diminuir a ansiedade, o medo e a culpa que estes acarretam em sua mente. Tanto o terapeuta como o ambiente onde são efetuadas as sessões necessitam cuidados especiais para favorecer este processo. O foco será tirar da capsula envolvente os traumas, ou a libido de seus focos pré-fixados para que possa estabelecer-se uma relação mais equilibrada entre o ego e objeto, como diz SLAVSON (1964, 123-124). O objetivo então é a chamada redistribuição da libido, fortalecimento do ego, adaptação do superego e correção da autoimagem, obtidas através da transferência, catarses, insight, prova de realidade e sublimações. A Psicoterapia de grupo permite a seus participantes através da presença de certo número de crianças e a consequente variedade de interações uma experiência reconstrutiva específica. 109 Para agrupar não foram priorizadas as questões somáticas e os diagnósticos determinados pelos médicos, não que sejam menos importantes, mas pensou-se num grupo que acolheria a criança de forma integral, ou seja, um grupo que cuidaria da criança, e não de sua doença ou sintoma. Também porque no decorrer das entrevistas com as crianças e pais, foram unânimes as ausências de relatos se referindo a sintomas, portanto compreendemos que os sintomas eram apenas parta vozes de conflitos vivenciados por eles. Tanto na sociedade como na família. Foram consideradas as sugestões de Zimerman (2003) quanto a formação de um grupo infantil, o autor sugere homogeneidade quanto ao tipo de patologia que a criança apresenta, psicótica ou não psicótica, vale ressaltar que o grupo referido trata-se de uma composição com crianças não psicóticas. Em relação à faixa etária, consideramos o que Fernandes (2003, p.232) sugere, segundo a autora, “as crianças podem ter de um ano a um ano e meio de diferença de idade, salvo quando a maturidade não estiver dentro do esperado, pois teriam dificuldade de entrosamento”. Como Trabalhar? Dificuldades e Facilidades Encontradas Dificuldades À medida que ficou claro que esta atividade era um desejo particular e seria coordenada por mim, foi iniciado um processo de autorização junto à administração da instituição. Os pais foram chamados e durante as entrevistas, dentre todos os assuntos falados, a mudança para o atendimento em grupo também foi abordada. Algumas resistências apareceram: 1. “Um monte de crianças nesta sala?” uma mãe questionou. 2. “Será que meu filho fica? Ele é muito tímido”. Outra dificuldade encontrada foi a disponibilidade dos pais em levar as crianças para o atendimento, pois muitos trabalham e não podiam contar com um adulto para acompanhar a criança até o serviço. Vários pais levantaram questões como estas, e todas estas perguntas foram sendo respondidas ao longo da entrevista, sempre tentando deixar bem claro que a ideia de atendê-los em grupo seria uma boa opção. Como já foi mencionado anteriormente. Com relação às crianças, algumas resistências também foram encontradas: 1. “Tenho medo que batam em mim”. 2. “Vai ter lição de casa?” Houve um cuidado diante estas questões apresentadas pelas crianças; as perguntas foram respondidas e o sentimento de medo foi amenizado por meio de esclarecimentos referente a proposta do grupo, quanto as regras, e respeito entre os integrantes. As crianças apresentaram associações entre o grupo escolar e o grupo terapêutico, temendo que situações conflitantes que enfrentam na escola pudessem ocorrer também no contexto da grupoterapia. As conversas que tivemos de esclarecimento foram úteis e sempre direcionadas para a prática da psicoterapia de grupo. Da possibilidade de vivenciarem o grupo e lá descobrirem como funcionaria, o que poderiam fazer, como poderiam se sentir dentro do grupo. Facilidades 110 A casa de acolhimento psicológico, onde foi montado o grupo infantil, é um equipamento do setor de saúde mental, vinculado ao SUS (sistema único de saúde), logo é composto por uma fila de espera extensa, no que se refere à demanda infantil. Devido ao tempo em que os pais e/ou responsáveis estavam aguardando para que seus filhos fossem chamados para atendimentos, quando foi apresentada a proposta para o grupo infantil, logo eles vieram para a entrevista e aceitaram a modalidade grupal para o atendimento de suas crianças. Embora tivessem apresentado algumas dúvidas, já citadas em relação a abordagem grupal, considero que ouve uma aceitação positiva, pois após as explicações quanto ao objetivo da formação do grupo, os pais e responsáveis se mostraram bastante flexíveis com a nova ideia. Quanto ao espaço, no serviço existe uma sala específica para atendimento infantil, equipada com alguns brinquedos e jogos, um local apropriado para atendimento grupal. Mesmo com as dificuldades de locomoção dos pais para levarem as crianças nos dias de consulta, pode-se observar que o número de absenteísmo é mínimo, o que colabora para um bom desenvolvimento do trabalho junto ás crianças. Outro fator observado que colabora com o desenvolvimento do grupo, é que as crianças gostam de frequentá-lo, encontraram ali um espaço acolhedor, seguro e continente, de seus medos, ansiedades e fantasias. Encontramos também no grupo um espaço para a expressão simbólica. A simbolização no seu mais amplo significado é um processo de transformação da experiência em representações internas simbólicas. É nesse sentido o processo básico do pensamento. Num sentido mais restrito refere-se aos produtos da fantasia, essa forma de pensamento particular que segue o livre curso interno das tendências, sem adaptar-se à realidade externa. Para Jung (1964) símbolo é algo mais amplo que ultrapassa o âmbito do reprimido. É uma linguagem universal que expressa toda experiência, dificilmente verbalizável. Idéias Finais Durante o processo de formação havia muitas expectativas, ansiedade, e medo do novo, porém com cada etapa que se avançava e com a leitura das literaturas, tais sentimentos foram diminuindo. Com o grupo já formado, nas primeiras sessões foi possível observar que não havia necessidade de levar atividades prontas com expectativas do que teria como resultado. O mais importante era apropriar o local deixando e observando as crianças se relacionar, ora com os colegas, ora com os brinquedos e materiais, e por meio do lúdico ela mostravam seu mundo, sua forma de interagir, suas habilidades e dificuldades. Pôde-se perceber que atender as crianças no contexto grupal facilita a elaboração de conteúdos internos, a criança se depara com o diferente e com as possibilidades de conviver no grupo mesmo com estas diferenças, ampliando suas resiliências para o convívio extra o grupo. Houve situações em que as mães solicitaram um retorno dos atendimentos; todas foram atendidas individualmente, e no relato de uma mãe ela disse: - Minha filha não dá mais “piti”, quando eu falo não ela obedece, mesmo fazendo “cara feia” ela me obedece. Na escola também melhorou, agora entende que quem manda na sala é a professora. Outra mãe relatou: - Meu filho está falando mais, parece estar mais independente, consegue fazer coisas sozinho, me solicita menos. Percebi que as manchas brancas (vitiligo) na boca dele sumiram, ficaram apenas algumas nas mãos. 111 Essas foram as ideias vindas do mundo familiar das crianças, mas dentro do mundo grupal as situações se sucediam, e onde cada um pode encontrar-se, confrontar-se, repetindo ali situações cotidianas, num ambiente de contenção e permissividade. O grupo pode reinstalar a grande família, pode fazer com que vivam nas transferências as relações parentais necessárias. Quando um grupo terapêutico se constitui, ele passa a organizar no plano micro e macro a estrutura que é a instituição social. Na medida em que o processo grupal avança, o grupo elabora conflitos mais primitivos, desidealiza o terapeuta, tolera mais as frustrações e, ao se relacionarem melhor, as situações tornam-se menos dramáticas. A capacidade das crianças de adaptação à realidade específica de cada um é mais evidente, e é uma adaptação ativa, criativa, e não de submissão. Referências Bibliográficas FERNANDES, B.S. Porque psicoterapia de grupo com crianças. Revista da Associação Brasileira de psicoterapia Analítica de Grupo, São Paulo, V. 06, 1977. p.17. FERNANDES, W.J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES,B.S. Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003. p.33. FERNANDES, W.J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES,B.S. Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003. p.231. JUNG, C.G. Chegando ao insconsciente. Em: JUNG, C.G.; HENDERSON, F.M.L.; JACOBI, J. e JAFFÉ, A. O Homen e seus símbolos. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1964. p.18-103. SLAVSON, S.R. Tratado de psicoterapia grupal analítica. Buenos Aires: Paidós. 1964. p.40-44. ZIMERMAN, D.E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 82. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MCT02 – TÍTULO: Novos Olhares sobre as Famílias ............................................................................................................. A DINÂMICA DAS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES Jéssica Mírian de Souza¹ Maria Zita Figueiredo Gera² ¹ Uni-FACEF CENTRO UNIVERSITÁRIO DE FRANCA, Departamento de Psicologia, IC PIBIC CNPq, [email protected] ² Uni-FACEF CENTRO UNIVERSITÁRIO DE FRANCA, Departamento de Psicologia, GEDE, [email protected] Resumo Devido às constantes modificações pelas quais a sociedade tem passado, principalmente a partir do século XX, grandes mudanças ocorreram e continuam ocorrendo no núcleo familiar. Em decorrência dessas mudanças, torna-se oportuno o estudo dessa problemática que tem como objetivo ampliar conhecimentos sobre a dinâmica das novas famílias buscando conhecer o significado da família para seus membros. Para tanto, foi realizada uma pesquisa exploratória com análise qualitativa dos dados. Os participantes são integrantes de 4 famílias tradicionais e reconstituídas de diferentes configurações, moradoras na cidade de Franca-SP. Nas famílias tradicionais foram entrevistados o casal e pelo menos um dos filhos, já nas famílias 112 reconstituídas, da mesma forma, foram entrevistados os membros da família atual. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, gravadas e transcritas para avaliação posterior, por meio de análise de conteúdo. A partir dessa, foram constituídas três categorias de análise, sendo apresentada neste momento uma delas: - vivências das novas configurações familiares, mudando frente aos desentendimentos familiares graves indicando que o melhor é tomar atitudes que possibilitem vivências de qualidade. Palavras-chave: dinâmica familiar; diferentes configurações familiares; famílias nucleares (tradicionais); famílias reconstituídas. Introdução Em decorrência das transformações que tem ocorrido na família a partir do século XX, se faz necessária e urgente uma constante atualização do conhecimento das mudanças bem como da dinâmica desta instituição. Os seres humanos, desde o início da vida têm como contexto imediato a família, mas esta está sujeita às influências mais amplas e em constante transformação, seja do bairro em que moram, da comunidade que convivem, ou mesmo da sociedade da qual fazem parte (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). Segundo Dias (1992), uma família saudável é aquela que sabe lidar com várias verdades possíveis, onde cada um tem a liberdade de expressar seu pensamento, são aquelas em que há comunicação. Vale lembrar que a ausência de conflito não significa que o relacionamento é saudável, pelo contrário, muitas vezes não existe conflito porque não tem encontro real entre os familiares. Para que a relação humana seja saudável é preciso haver esclarecimento e autenticidade, uma compreensão mais real e menos projetiva. O que não se pode esquecer é que as famílias são grupos que têm uma dinâmica muito intensa e que cada família nunca é a mesma, afinal, os filhos se casam, homem ou mulher ficam viúvos, modificando de alguma forma a sua dinâmica e estrutura (BRUN, 2004). _______________________________________ Além do mais, os sentimentos são criados na convivência social e por isso a família se constrói e se modifica no seu percurso. [...] do ponto de vista psíquico, as famílias são sempre construídas e os filhos sempre adotivos, pois são os laços afetivos que, como todo investimento, vão valorizar o significante família [...](CECCARELLI, 2007, p. 96). A noção de família tem se ampliado; atualmente é possível observar mudanças na sua estrutura e dinâmica mais nitidamente. Desta forma, ela já não pode ser entendida apenas sob a ótica de um único modelo – o tradicional. As novas configurações familiares revelam mais do que diferenças na forma de estruturação, revelam uma nova forma de ser e viver em família. Ceccarelli (2007) também define as novas organizações familiares: [...] formas de ligação afetiva entre sujeitos onde existe, ou não, uma forma de exercício da parentalidade que foge aos padrões tradicionais: famílias monoparentais, homoparentais, adotivas, recompostas, concubinadas, temporárias, de produções independentes, e tantas outras [...] (CECCARELLI, 2007, p. 91 – 92). Considerando que o foco desta pesquisa é a dinâmica/relacionamento das famílias nucleares, ou tradicionais e das reconstituídas, este estudo trata especificamente desses dois modelos. Segundo o referido autor: [...] muitas vezes, o novo é sentido como uma ameaça, pois nos obriga a reavaliar as representações que confortavam nossas angústias. É com dificuldade que abrimos mão de valores e teorias que nos têm sido tão caras para ler o real [...] (CECCARELLI, 2007, p. 90). 113 Além do reconhecimento das mudanças ocorridas na família, sem dúvida, é necessário reconhecer também que os aspectos desta reorganização familiar de uma forma ou de outra, interferem na qualidade das relações, pois exige modificações na rotina diária de cada um dos seus membros (OLIVEIRA, et al., 2008). “(...) as dificuldades de funcionamento familiar não estão, necessariamente, associadas à sua configuração, mas sim, às relações que se estabelecem entre seus membros”. (GROSSMAN; ROWAT apud OLIVEIRA et al., 2008, p. 89). Sendo assim, a preocupação deve centrar-se nas relações familiares que se estabelecem e não necessariamente no tipo de configuração. A competência ou saúde da família depende de fatores como o desempenho de papéis específicos e a delimitação da função de autoridade nas figuras parentais, a qual é fundamental para um funcionamento familiar saudável e para o bemestar de seus membros (Féres-Carneiro, 1992; Féres-Carneiro, 1998). Além disso, a qualidade da comunicação estabelecida entre os cônjunges e a satisfação conjungal também constituem preditores de uma boa saúde física e emocional das crianças (Erel & Burman, 1995; Féres-Carneiro, 2003; Kreppner, 2000) (OLIVEIRA et al., 2008, p. 89). Tendo em vista a diversidade das configurações familiares cotidianas, conclui-se que há questões a serem constantemente estudadas com serenidade e interlocução de várias áreas. Afinal, a família é algo muito complicado tanto para se viver quanto para se pensar nela, e o que existe são apenas “retratos instântaneos da realidade” (ROMANELLI, 2012). Desta forma, o objetivo deste estudo é ampliar conhecimentos sobre a dinâmica das novas famílias buscando conhecer o significado da família para seus membros. Metodologia Esta pesquisa tem caráter exploratório e envolveu estudo bibliográfico e pesquisa de campo. Participaram 4 famílias de classe menos favorecida, sendo 2 tradicionais e 2 reconstituídas, moradoras na cidade de Franca – SP. Foram entrevistados o pai, a mãe e um dos filhos indicados por alguns moradores do bairro. Os dados foram coletados através de entrevista semi-estruturada com o apoio de um roteiro previamente preparado e posteriormente avaliados através de análise de conteúdo. Resultados e Discussão Categoria de análise A partir dos objetivos propostos foram constituídas três categorias de análise das quais será apresentada uma delas: -Vivências das novas configurações familiares. Esta categoria visa compreender como as famílias, tanto as tradicionais como as reconstituídas, percebem a realidade da instituição familiar considerando as mudanças pelas quais tem passado. A mãe da família 1 T (tradicional) bem como o pai da família 1 T mostraram em suas falas alguns aspectos negativos, principalmente em relação aos filhos. “(...) É muito difícil, mulher com filho conhece outra pessoa, já põe dentro de casa... As vezes tem caso que dá certo, que combina né... mais a maioria que eu conheço não tem estrutura... É filho indo embora por causa de padrasto, é padrasto agredindo os enteados... (...) Eu acho que as crianças que sofre muito né, não tanto os pais...” Mãe – Família 1 T O pai da família 1 T destacou uma situação diversa: “(...) se nós separar hoje, e minha mulher arrumar outro homem, você acha que ele vai tratar as minhas filhas, o meus filhos como se fossem dele? Você acha que ele não vai olhar na minha 114 filha com segunda intenção? Não é possível constituir outra família, lógico que não”. Pai – Família 1 T Já a família 2 T, acredita que constituir outra família pode ser menos prejudicial aos filhos do que manter-se na família tradicional com intenso conflito. Mãe e filha relatam: “(...) Viver com briga não compensa. É melhor não viver junto... Eu acho que prejudica os filhos, dos dois jeitos prejudica”. Mãe – Família 2 T “Ruim. Ah, ficar brigando também não tem jeito né, mais ter um pai novo é ruim, ou uma mãe nova”. Filha – Família 2 T Em relação às famílias reconstituídas, as mães das famílias 3 R e 4 R que viveram a situação de constituir uma nova família mostram o lado positivo dessa nova constituição, já que na família tradicional viviam em intenso conflito, pois ambos os maridos eram alcoólatras e a mãe da família 4 R disse que era agredida pelo seu primeiro marido. “Não tem problema nenhum se você soubé levá. Eu tenho dois filhos que não é dele mas passou a ser, porque ele passou pro nome dele, o que é meio complicado. Meu ex-marido era muito trabalhador, mas bebia muito, e além de tudo era usuário de drogas. Meu filho mais velho seguiu o exemplo do pai e aconteceu que ele ta preso. Minha filha resolveu tocar a vida dela pra frente, fazer faculdade...” Mãe – Família 3 R “(...) Da primeira família que eu tive essa tá sendo bem diferente, eu tenho mais companheirismo, mais diálogo. Mais aconchego entre a família, os filhos. (...) Meu ex-marido é alcoólatra, me agredia, me espancava muito, e eu fui tolerando por causa dos meninos... No meu casamento lá não tinha diálogo, não tinha conversa, era só chingamentos, espancamento. Meus meninos, até hoje eles falam: aqui a mãe tá no céu...”. Mãe – Família 4 R O pai da família 3 R, referindo-se à sua família atual, expressou-se: “(...) os dois meninos tá no meu nome, eu pus e não tem nem como eu querer separar que eu não separo, porque pra mim é assim, o mesmo amor que eu tenho pelos meus eu tenho por eles também. Graças a Deus ta tudo em ordem. Ah sei lá, muitas vezes arruma uma pessoa que não é igual, então eu acho que pode tomar uma atitude pra viver de outro jeito”. Pai – Família 3 R No mesmo sentido, o pai da família 4 R falou: “Eu acho que a pessoa deve sim buscar uma segunda chance mas a gente deve pensar nas outras pessoas que está perto, como filhos. As vezes muita gente casa com uma pessoa que não gosta dos filhos dela, aí é onde começa novamente os conflitos né...” Pai – Família 4 R Assim é que o pai da família 3 R bem como o pai da família 4 R acreditam que as pessoas devem tomar uma atitude e buscar formas de conviver melhor, também pensando nos filhos, o que foi evidenciado em suas falas. Esta busca por uma melhora na qualidade de vida foi prevista por Rogers (1979): [...] o casamento permanente do futuro será até melhor do que o casamento presente, pois os seus ideais e as suas mentes serão de ordem mais elevada. Os consortes exigirão mais da sua união do que exigem hoje. [...] A dissolução da união, embora penosa, não será uma catástrofe social, e a experiência talvez seja um passo necessário ao desenvolvimento pessoal dos indivíduos em sua marcha para a plena maturidade (ROGERS, 1979, p. 16-17). 115 Enfim, a pesquisa mostrou que quanto às mudanças que as novas formas de constituição familiar têm trazido para a dinâmica familiar, as opiniões se dividiram. Os membros das famílias tradicionais, contrários à separação e à reconstituição familiar devido a aspectos prejudiciais principalmente para os filhos, mostraram, ao mesmo tempo, que é preferível a separação quando os conflitos são muito intensos. Já as famílias reconstituídas deixaram claro que frente a desentendimentos graves o melhor é tomar uma atitude que possibilite um viver com melhor qualidade. Conclusão Esta pesquisa possibilitou reflexões valiosas a respeito da categoria aqui apresentada: Vivências das novas configurações familiares. Quanto às mudanças da dinâmica das novas constituições familiares, as opiniões se dividiram. As famílias tradicionais mostraram-se mais resistentes à separações, divórcios e recasamentos, tendo em vista aspectos prejudiciais principalmente aos filhos. Ao mesmo tempo consideraram que, em muitos casos, é preferível a separação do que um convívo conflituoso que igualmente prejudica os filhos. As famílias reconstituídas, por sua vez, mais do que expressar suas opiniões em relação à forma como viam as novas configurações, vivenciaram casamentos infelizes e separaram pelo fato dos maridos serem alcoólatras e usuários de drogas, além de representarem más influências para os filhos. Os filhos destas apesar das dificuldades de enfrentamento desta nova situação concordaram que o segundo casamento foi melhor do que a convivência conflituosa. Considera-se, assim, que os objetivos desta pesquisa foram alcançados, embora os resultados não possam ser generalizados dada a natureza da mesma. Eles podem constituir-se em subsídios para outros estudos relacionados a este tema tão emergente na sociedade. Referências BRUN, Gladis. Pais, filhos & Cia. Ilimitada. 2. ed. Rio de Janeiro : Record, 2004. CECCARELLI, Paulo Roberto. Novas configurações familiares: mitos e verdades. Jornal de Psicanálise, São Paulo, v. 40, n. 42, p. 89-102, jun. 2007. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S010358352007000100007&script=sci_arttext&tlng=en> Acesso em: 23 dez. 2012. DIAS, Maria Luiza. Vivendo em família: relações de afeto e conflito. 6. ed. São paulo: Moderna, 1992. OLIVEIRA, Débora de et al. Impacto das configurações familiares no desenvolvimento de crianças e adolescentes: uma revisão da produção científica. Interação em Psicologia, Curitiba, v.12, n.1, p. 87-98, jan./jun. 2008. PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally W.; FELDMAN, Ruth D. Desenvolvimento humano. Tradução de Daniel Bueno. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. ROGERS, Carl R. Novas formas de amor: o casamento e suas alternativas. Tradução de Octavio Mendes Cajado. 5. ed. Rio de Janeiro: I Olvmpio, 1979. ROMANELLI, Geraldo. Diversidade das configurações familiares cotidianas. Palestra proferida no I Encontro de Pesquisas sobre famílias, promovido pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Campus de Franca, 2012. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ 116 A IMPOSIÇÃO DO NOME DO PAI Juan Adolfo Brandt Psicólogo, Psicanalista, Mestre e Doutor em Psicologia Social, Pesquisador do campo da violência psicológica em relações marcadas por assimetria de poder – e-mail: [email protected] Resumo Nesta apresentação é colocado o debate a respeito das implicações que decorrem da realização de programas promovidos por instituições públicas em favor do preenchimento do nome do pai na certidão de nascimento da criança ou jovem que não teve o reconhecimento da paternidade. Nosso propósito é promover a reflexão sobre as razões de ser da incapacidade materna para nomear o nome do pai de seu filho, bem como sobre as consequências para a qualidade do vínculo filho-mãe nas diversas possibilidades de resolução da questão que é colocada nessa proposta. Trata-se de uma reflexão teórica, fundada ainda em informações obtidas junto a algumas pessoas do público atingido, ou escuta dessas pessoas, bem como leitura crítica de notícias que circulam particularmente na mídia Internet, sobre essa questão social, incluindo estatísticas oficiais sobre os resultados do programa coordenado pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Verificada com o olhar da crítica que quer compreender o sofrimento humano, essa questão adquire envergadura de drama humano abafado, para o qual o autor propõe que a sociedade se interesse de modo a questionar as letras da Lei e/ou a ação das instituições quando elas se tornam persecutórias. Palavras-chave: vínculo; filiação; paternidade. Introdução A motivação para a propositura deste debate decorre de estarem sendo criadas situações angustiantes no Brasil, ao serem fomentados seguidos programas a cargo de operadores de direito, coordenados pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que realizam campanhas em que crianças e jovens que não têm o nome do pai registrado na certidão de nascimento, têm suas mães intimadas, no âmbito do ambiente escolar, para serem ouvidas em oitivas, juntamente ou em paralelo com seus filhos, a respeito dessa questão. Em sequência essas mães e jovens são intimados a nomearem o nome do pai faltante. Certos operadores de direito sustentam-se no ditame legal (BRASIL, 1992) que afirma o direito ao reconhecimento da paternidade sem levarem em consideração que podem existir razões que tornam esse reconhecimento difícil ou impossível de ser realizado. A pergunta que deve fundamentar o debate é: Cabe promover o sofrimento de uma parte da população para atender a um ditame legal que não considera as nuances psicossociais de todas as demais partes que são partícipes na questão envolvida? Trata-se de reflexão sobre uma questão social que está na mídia Internet, mas não é debatida abertamente. Contudo, a literatura sobre parentalidade vigente não discute a questão que está sendo debatida, uma vez que os impedimentos à nomeação do pai não podem ser supostos unicamente como uma negativa por mero capricho da mulher considerada inconsequente em conflito com o mundo masculino. É preciso reconhecer que devem existir – e de fato existem – muitos motivos para a impossibilidade de nomear-se um pai, encontrando-se nesse campo a impossibilidade por total desconhecimento – por parte da mulher - do homem que foi agente da fecundação, ou então o temor da violência, e também a vergonha que está fundada na culpa, quando a mulher não conseguiu evitar o ato sexual fecundador violento numa rua escura numa situação de dominação violenta qualquer, ou finalmente, quando não foi possível resistir ao encontro incestuoso que vitima uma adolescente que mantém relação afetiva com o agente do abuso sexual. Deve ser acrescentado que ao reconhecer-se desconhecedora do nome do homem com quem teve o encontro sexual, a mulher é impactada por profunda 117 vergonha, e nessa situação vê ameaçada a sua auto-imagem e consequentemente a sua relação com seu filho. Não é sem razão que os resultados da campanha nacional pelo preenchimento do nome do pai em certidões de nascimento se apresentam aquém de seu potencial estatístico, pois o próprio CNJ – conselho Nacional de Justiça - indica que 22,8 mil audiências entre mães, filhos e os supostos pais foram realizadas, pelo menos 12,4 mil exames de DNA foram providenciados, tendo sido abertas cerca de 26 mil ações de investigação de paternidade; isto para mais de 219 mil mães intimadas (CNJ, 2013). Fica evidente que foram efetivas as ações relativamente a um máximo de 28% das intimações, sem levar-se em consideração que tal efetividade no sentido de preencher o nome do pai ou elucidar pontos obscuros a respeito disso, pode ser efetiva quantitativamente, mas não obrigatoriamente corresponde a uma ação de caráter humanista, seu sentido qualitativo e podem ter sido provocadas situações de importante conflito intra e intersubjetivo. Autores como Kaës (2005) e Fernandes (2005) contribuem para esclarecer sobre a importância da negatividade, um campo discutido no âmbito da psicanálise vincular, que coloca em pauta a impossibilidade de falar sobre algo que não pode ser reconhecido, uma vez que o seu reconhecimento compromete a possibilidade de ser sujeito em toda a sua completude no âmbito do encontro intersubjetivo. Nesse sentido, algo precisa ser negado pelo sujeito para que este possa ser aceito pelos outros do grupo. Como reconhecer que não se é quem se é na visão dos outros e mesmo assim manter os lugares que se ocupa no encontro intersubjetivo e assegurar ao outro que ele manterá os lugares que já ocupa, sem entrar em sofrimento psíquico? É preciso que certas coisas sejam deixadas de lado para participar do grupo. O campo do negativo tem importante função como organizador psíquico. O objetivo desta reflexão é colocar em pauta junto à nossa sociedade, a necessidade de repensar a aplicação da Lei ou então, a revisão da própria Lei. Metodologia A pesquisa está sustentada na verificação de programas institucionais voltados para campanhas de preenchimento do nome do pai nas certidões de nascimento de jovens que não têm o pai reconhecido. Conta-se, ainda, com relatos de mulheres que entregam seus filhos para adoção, relatos sobre a incidência de incesto que foram divulgados durante o Encontro Lusobrasileiro de Grupanálise e Psicoterapia de Grupo realizado em Belém do Pará no mês de novembro de 2012, relatos esses feitos a partir da experiência de profissionais da psicologia, bem como as informações que podem ser coletadas cotidianamente na mídia sobre a violência sexual, o que inclui organismos do Governo Federal que repetidamente lançam campanhas nacionais contra o abuso sexual de crianças e adolescentes. Esse material permite a discussão à luz da psicologia. Discussão Ao acessar-se o site do MPDFT (2013) que informa sobre o programa Pai Legal do Ministério Público do D.F., podem ser encontrados indicativos sobre o modo de realizar-se a busca de pais para o preenchimento de certidões de nascimento. Veja-se o recorte seguinte: Criado em 2002 pela Promotoria de Justiça de Defesa da Filiação, o Programa Pai Legal nas Escolas atende os alunos menores matriculados na Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. O Programa percorre as regiões administrativas do DF, em atendimentos coletivos que ocorrem cinco a seis vezes por ano, sendo realizadas nas escolas próximas ao local de residência das crianças ou em centros comunitários com capacidade para receber um grande número de pessoas. Nestas audiências são realizados, gratuitamente, reconhecimentos voluntários de paternidade, firmados pelos pais biológicos e também são abertos os procedimentos preliminares de paternidade quando o suposto pai se nega ou se encontra impossibilitado de comparecer. É possível a 118 abertura de procedimentos desta natureza também em caso de supostos pais já falecidos, presos, residentes em outro Estado, e ainda quando a mãe disponha de dados, ainda que poucos, que possam auxiliar na localização de supostos pais cujo paradeiro seja desconhecido. A partir desse recorte coloca-se em pauta a necessidade de uma leitura crítica dos resultados que decorrem da atuação desses agentes do sistema judiciário, na medida em que tal ação confronta o bem-estar psíquico ou mesmo a saúde mental dessas mães ao não levar em conta que está presente uma impossibilidade de nomear o pai de seu filho. Em muitas situações houve um homem que foi responsável por um ato sexual não desejado, não consentido por parte de uma mulher, ou houve a condição de ser impossível a ela evitar o ato sexual, ato esse que estabeleceu uma consequente gravidez abominada. Nesse caso a impossibilidade para nomear decorre da presença - e lembrança - de violência, também de abuso. Acrescente-se que, em muitos casos, está presente um radical desconhecimento do nome do pai devido à situação traumática fortuita de encontro com o outro que nas sombras do anonimato perpetra o ato de violência sexual. Também está presente um terrível medo da repetição da violência ou violência maior. Deve ser acrescida ainda outra possibilidade, a do incesto, sempre negado e tão presente em nossa sociedade. Os encontros clínicos da experiência em clínica psicanalítica colocam, com certa frequência, a questão do incesto. Como falar do pai, avô, tio incestuoso dentro da família que se quer preservar? A experiência no atendimento de mulheres que querem entregar para adoção seus filhos recém-nascidos ou por nascer, justamente por não poderem lidar com a realidade do trauma que também “fala” de vergonha, é mais um aspecto a referendar a presente discussão. Além disso, muitas dessas mães foram abusadas desde quando eram crianças e muitas delas engravidaram durante a adolescência. Como tratar como sendo de adulto o ato acontecido na infância? Analisando-se o programa do MPDFT denominado Pai Legal, que pugna pelo preenchimento do nome do pai em certidões de nascimento, verifica-se que as ações elencadas têm o poder de criar situações constrangedoras para as mães e seus filhos, pois essas pessoas são intimadas a comparecerem a audiências, algumas dentro das escolas, para a identificação do pai. Não há como desconhecer que fica caracterizada a coação quando é feita a exposição forçada que não respeita o direito à privacidade. Veja-se que as instituições públicas que pugnam pela imposição do nome do pai, tratam como ato de adulto a ocorrência da vida infantil da menina violentada, abusada, vítima de relação incestuosa, seduzida pelo adulto que não reconhece nela a ingenuidade infantil. Ao tratar dessa forma a questão da ausência do nome do pai, a instituição pública trata como mãe má (KLEIN, 2006) aquela mulher que, por amor à vida, não perpetrou o aborto, diferentemente de tantas outras mulheres que, em desespero, abortam pelos mesmos ou outros motivos. A culpa por ter sido violentada é recoberta pela vergonha de não poder dizer ou de ter que dizer o que não se pode dizer sem reconhecer a vergonha da própria incapacidade em evitar o ato sexual danoso. A mulher sofre porque não quis matar seu feto, devido às consequências sociais que decorrem de não havê-lo matado. É notória a facilidade com que a mulher pode recorrer ao aborto, mesmo sendo ilegal. A esse respeito cabe a referência à obra de Balint (1994), que em seu texto The mother love and love for the mother, discute sobre um direito primitivo e atávico, ao aborto, bem como coloca em pauta o ato de amor que está presente na recusa a esse aborto. Ao mesmo tempo essa autora faz alusão à dívida de gratidão do filho [talvez quase todos os filhos] em relação àquela mulher que, apesar de tantas ocorrências deletérias, não abortou. Afirma Balint que nas culturas primitivas a mulher podia abortar quando havia fome e não existia alimento para o restante da prole ou para ela mesma e indica, a partir de referências da antropologia, que nas culturas primitivas a mulher que matava seu feto não era questionada, pois era reconhecido que precisava cometer tal ato. Percebe-se que os programas de imposição do nome do pai induzem a atualização de traumas para os quais o único remédio acessado pelas vítimas [as mães] foi o de deixar o tempo 119 passar para esquecer. Contudo, ao provocarem a busca do nome do pai, esses programas dão novo sentido, ou melhor, talvez estabeleçam a falta de sentido em uma questão que teve que ficar “adormecida”. Além disso, a mulher carente em termos econômico-sociais, dificilmente terá tido acesso a apoio psicoterapêutico. As possibilidades de sofrimento se ampliam ainda, na medida em que tais situações potencializam o conflito intrafamiliar. Sim, pois acossada pela instituição pública, deve a mulher dizer algo, e se não diz, é vista como negligente pela sociedade e também passa a ser vista pelo filho como não-confiável. No extremo absurdo desse contexto o filho tem a instituição pública como aliada contra a sua própria mãe. Essa conexão nefasta atualiza a atuação dos regimes totalitários que instam filhos contra seus pais. Além disso, quando se chega, nessas condições, à nomeação do nome de pai que falta, qual será a qualidade que esse nome estará representando? Aquele que é nomeado vai representar a paternidade em qual sentido ou constituirá maior falta de sentido? Como pode ser arguido que o preenchimento do espaço vazio do nome do pai com um pai que não cabe nesse espaço porque tal espaço psíquico foi preenchido pelo imaginário, por histórias que protegem, constituirá a solução de um problema no âmbito psíquico? Terá o legislador considerado o âmbito do psiquismo ao estabelecer de modo tão impróprio, simplesmente que toda criança tem o direito de ter o nome de seu pai, sem levar em consideração que o direito de ter não pode tornar-se imposição? Terá a instituição pública responsável por um programa de imposição do nome do pai levado em conta o sofrimento que impede a nomeação e as consequências da não nomeação quando é cumprido o programa ou ainda, as consequências da nomeação ou informação desabonadora? Por outro lado, buscar o preenchimento da lacuna do nome do pai num mundo em que é possível ser filho sem pai, devido a novas lógicas de parentalidade, seja por produção independente, seja por adoção ou ainda por uso de tecnologia, procedimentos esses que estabelecem novas realidades de naturalidade para a “inexistência” de paternidade, coloca dois pesos e duas medidas para um fato que contém grande semelhança nas consequências. Como fará a instituição pública quando deparar com o jovem que não tem o nome do pai justamente porque sua fecundação, gestação ou afiliação decorreu de procedimentos que fogem do que seria do âmbito da naturalidade? Lembramos, a partir de Freud (1913) e depois por Enriquez (1991), que o nome do pai somente surgiu a partir da entrada na cultura, depois que os tempos violentos da horda foram, pelo menos em parte, superados, pois é com a formação do grupo que planeja e executa o assassinato do pai primevo, que ocorre o reconhecimento da existência de um pai da horda, no momento em que a horda evolui para grupo. Portanto, o pai da horda é reconhecido somente a posteriori, quando a horda evolui para a cultura. Contudo, o reconhecimento da mãe é fato já na horda, antes do grupo, e é pela mãe que se realiza a passagem do plasma germinativo. Ela pode consentir em cumprir a função de dar andamento a essa passagem ou pode interromper o processo provocado pelo homem recorrendo ao aborto. No imaginário é a mulher que contém os bebês e o homem surge somente como o agente que faz surgirem da mulher, os bebês. Conclusão Concluindo, coloca-se em pauta junto à nossa sociedade, não somente a necessidade de serem revisados os programas que têm o propósito de preencher o nome do pai em certidões de nascimento por modelos que se aproximam da coação, propondo-se que sejam procuradas formas não-invasivas de cumprir com o espírito da Lei, de modo a proteger as famílias vitimadas pela violência e abuso, mas também se faz o alerta de que é necessário legitimar as novas formas familiares que, sem dúvida, implicam no estabelecimento de novos estatutos para as questões da parentalidade, que por sua vez, impactam a aplicabilidade da lei que pretende assegurar um nome de pai para todo cidadão. No extremo pode-se supor que poderemos chegar a impasses, por falta ou desconhecimento radical, por motivos tecnológicos e razões legais, das questões relativas à parentalidade e suas nuances, que colocam sob suspeita a própria qualidade da Lei. Referências 120 BALINT, A. Love for the Mother and Mother Love (1rst. Publ.: 1939). In: M. BALINT. Primary love and psycho-analytic technique. (1rst.Publ.:1952, repr. 1985, 2nd. imp.). London: Maresfield Library. 1994, pp. 109-127. BRASIL. Lei 8.560/92: Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências.1992. CNJ. Programa de reconhecimento de paternidade Pai Presente. In: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/21652-programa-garante-cerca-de-18-mil-reconhecimentosde-paternidade. Acessado em 09/04/2013. ENRIQUEZ, E. Da Horda ao Estado: Psicanálise do vínculo social (2ª. Ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1991. FERNANDES, M.I.A. Negatividade e vínculo – a mestiçagem como ideologia. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2005. FREUD, S. Tótem y Tabú. (Trad. De José L. Etcheverry). In: Obras Completas de Sigmund Freud – Ordenamiento, comentarios y notas de James Strachey, com la colaboración de Anna Freud (2ª. Ed., vol. 13). Buenos Aires: Amorrortu (originalmente publicado em 1913). 1994. KAËS, R. Os espaços psíquicos comuns e partilhados – transmissão e negatividade. São Paulo: Casa do Psicólogo.2005. KLEIN, M. (2006). Algumas conclusões teóricas relativas à vida emocional do bebê (originalmente publicado em 1952). In: Melanie Klein. Inveja e gratidão e outros trabalhos – 1946 – 1963 (volume III das obras completas de Melanie Klein). Rio de Janeiro: Imago. MPDFT. Programa Pai Legal. In: http://www.mpdft.gov.br/portal/index.php/conhecampdftmenu/programas-e-projetos-menu/78-pai-legal-nas-escolas/83-pai-legal-nas-escolas. Acessado em 09/04/2013. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ O PROCESSO IDENTIFICATÓRIO EM FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS Maria Lucia de Souza Campos Paiva Psicanalista, doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Membro da AIPCF (Associação internacional de Psicanálise de Casal e Família). Endereço: Rua: Pe. Carvalho, 236; São Paulo, SP; [email protected] Resumo Na contemporaneidade, convivemos com inúmeros modelos de família. Entre os vários modelos, a família reconstituída tem despertado interesse aos estudiosos e tem sido objeto de pesquisas. O presente trabalho pretende discutir, por meio da apresentação de um atendimento clínico familiar, as peculiaridades do processo identificatório de um filho mais velho, de pais separados, que passa a morar com a mãe e seu novo parceiro. Pretende-se, à luz da intersubjetividade, abordar a dificuldade desta família em constituir uma membrana familiar e as vicissitudes que permeiam o processo identificatório. Sabemos que a história familiar herdada das gerações anteriores faz-se presente na formação do psiquismo do sujeito. Dependendo do modo como o sujeito a recebe, pode-se tornar prisioneiro dessa herança, pela impossibilidade de elaborá-la, ou pode se tornar herdeiro, no sentido de conseguir se apropriar dos conteúdos recebidos. Tudo dependerá da possibilidade que o psiquismo desse sujeito tem de elaborar as heranças psíquicas adquiridas. Em uma família reconstituída, há uma tecelagem de várias heranças psíquicas; das várias famílias que interferem na vida do sujeito e seu processo de subjetivação. Assim sendo, este trabalho pretende retomar a conceito freudiano das séries complementares, além de autores da atualidade para abordar o tema. 121 Palavras-chave: Família reconstituída; Identificação; Herança Psíquica. Introdução A família reconstituída, enquanto uma possibilidade de organização familiar, não é algo recente, pois separações conjugais e novas uniões permeiam a história da humanidade. Contudo, com a legalização do divórcio, abriu-se a possibilidade de se legalizar esses novos arranjos familiares, que se formam quando pelo menos um dos cônjuges já vivenciou anteriormente um matrimônio que foi desfeito e possui um ou mais filhos desse relacionamento anterior. Desse modo, após a legalização do divórcio, a família reconstituída passou a ocupar um novo status social. Observa-se, na contemporaneidade, que esse modelo familiar tem se tornado cada vez mais frequente e tem despertado o interesse de pesquisadores (TOMÉ, SCHERMANN, 2004; CINTRON BOU, WALTERS-PACHECO, SERRANO-GARCIA, 2008) devido às vicissitudes que permeiam esse tipo de organização familiar. O interesse em estudar tal tema surgiu a partir da progressiva demanda, por parte de famílias reconstituídas, por um atendimento psicoterapêutico familiar. De modo geral, foi possível observar que as queixas que as famílias apresentam versam em relação à dificuldade em termos de organização familiar; no estabelecimento dos laços afetivos entre os filhos das primeiras uniões e os parceiros de seus pais; o exercício da parentalidade, bem como, dificuldades em assumir novos papéis na nova dinâmica familiar (madrasta/padrasto, enteados, entre outros). Outro aspecto constatado é a indefinição em termos de lugar que o padrasto ou madrasta ocupa em relação aos enteados; ora se percebem exercendo a função materna/paterna, ora se consideram como o terceiro excluído na dinâmica familiar. Assim sendo, o objetivo desse trabalho é abordar o tema sobre o processo identificatório em famílias reconstituídas. Optei por escolher tal tema por considerá-lo relevante no desenvolvimento emocional do sujeito. Decidi apresentar alguns recortes de um atendimento clínico familiar com o intuito de ilustrar e aprofundar as vicissitudes da questão mencionada. Apesar de se tratar de um atendimento familiar, busca-se entender os sintomas do filho mais velho, à luz da dinâmica familiar estabelecida, enfocando o desenvolvimento do processo identificatório dele. Acredita-se que os sintomas desse filho estão relacionados, como a dificuldade da família em constituir uma membrana familiar, o que, a meu ver, corrobora na intensidade do sintoma de Abaé. Escolho nomeá-lo Abaé, por ser um nome indígena, que significa “uma outra pessoa”. A escolha de um nome nada usual na nossa língua brasileira tem um sentido especial, pois nasce de uma construção que é delineando a respeito dos meandros do processo de identificação desse rapaz. Metodologia Trata-se de um estudo de caso, extraído de um atendimento em psicoterapia familiar. A análise dos dados foi feita a partir de um referencial psicanalítico. Resultados e Discussão A seguir, é apontado alguns fragmentos do atendimento clínico familiar, com o intuito de discutir o processo identificatório em uma família reconstituída. Recebi uma ligação de homem de meia idade, buscando atendimento familiar. Disse que a coordenadora da Pré-Escola do filho de cinco anos estava encaminhando a família para um atendimento familiar. Perguntei sobre a família, se poderiam comparecer todos os membros ao atendimento e o pai entendeu que era para ele vir sozinho. Contou que estava tudo muito difícil, não sabia mais o que fazer. Tentei entender quem era a família para decidir com ele quem viria e ele disse que Abaé não era seu filho, mas era filho da primeira união de sua esposa. 122 Disse que tinha um filho pequeno e que os quatro moravam juntos. Optei, então, por fazer uma entrevista inicial com o casal para entender do que se tratava. A mãe e o padrasto de Abaé vieram para a primeira entrevista e a mãe contou que parara de trabalhar por causa de um quadro de depressão que ela vivia. Relataram que a vida familiar estava muito difícil, que a casa era uma bagunça, “Já disse para o meu psiquiatra que qualquer dia a Vigilância Sanitária irá lá em casa, nem o lixo é colocado para fora do apartamento!” Aos poucos fui entendendo que moravam em um apartamento muito pequeno, com dois quartos. A mãe, o pai, o filho menor e a cachorra dormiam na cama do casal e no outro quarto dormia Abaé. Perguntei como a família se organizou assim e, eles contaram que o apartamento foi comprado, quando os pais de Abaé eram casados. Na época, a mãe pagava o financiamento e, quando o casal se separou, o pai de Abaé decidiu que o apartamento deveria ser registrado no nome do filho que tinha na época três anos. Como a mãe queria se separar logo, aceitou e registrou o imóvel no nome do filho. Então, como ele era o dono do imóvel, tinha um quarto só para ele. Mãe e padrasto de Abaé contaram que ele era agressivo com os dois, fumava maconha constantemente no quarto, inclusive plantava a erva. Falavam de um jovem de 22 anos que, pela descrição deles, parecia um rapaz bastante perturbado. Diziam que já tinham desistido dele, que estavam preocupados com o filho menor. Esse sim precisava de cuidados e eu deveria ajudá-los nesse sentido. “Sabe, Abaé diz que se eu tô incomodado que ele fuma em casa, que eu procure outro lugar para morar”, disse o padrasto revelando sua indignação e impotência frente ao que Abaé impunha à família. Apontei a necessidade de Abaé comparecer aos atendimentos. “Ele não virá, nem adianta! Brigamos o tempo todo!” A resistência do casal chamava muito a minha atenção, além da falta de esperança que tinham em relação a esse filho. “A Belinha, nossa cachorra, também não ajuda, faz cocô no chão do quarto”. Descreviam uma situação que me parecia o caos e, por várias sessões, expuseram o lugar de privilégio que Abaé ocupava. Depois de várias sessões, Abaé compareceu ao atendimento familiar. Antes de vir, Abaé estava preocupado se eu iria internálo, pois disse para a mãe que o amigo fora a uma psicóloga e a família, com a ajuda da psicóloga, o internou. Assegurei que meu intuito era ajudar a todos, pois entendia que havia um sofrimento geral na família, disse também que precisava que ele viesse para ajudá-los. Estava apreensiva para conhecer Abaé. Pensava que filho seria esse que a mãe e o padrasto tinham medo, por um lado e, muita raiva, por outro. A tensão vivida pela família estava presente dentro de mim, mesmo antes de conhecê-lo! O uso da maconha por Abaé era um tema muito difícil para a família, pois, segundo o casal, ele usava maconha por ser da religião Rastafári. Ele abençoava a erva em seu quarto e a colocava dentro da Bíblia. Segundo o padrasto, o problema era ele fumar no apartamento, o ambiente cheirava e havia uma criança na família. Se ele fumasse na rua, não haveria problema. Ficava evidente que o tema era tratado com preocupação, por causa do filho menor. Não havia espaço para o sofrimento do rapaz, já que a mãe deixava evidente que quem sofria era ela com tudo que a família vivia. Ao conhecer Abaé, vi um menino e pensei, nesse primeiro encontro, que ele era muito diferente de tudo o que haviam dito sobre ele. Ao conversarmos sobre a família, Abaé disse que cada um na família devia cuidar de suas coisas, da própria “sobrevivência”. A palavra sobrevivência, usada por Abaé, ecoou dentro de mim. Ele sobrevivia ao que? Vivia em uma tribo que não era a dele? Quem deveria sair da casa, ele ou o padrasto? Quem era o indesejado? Freud (1916-1917), na Conferência XXIII, ao escrever sobre Os Caminhos na Formação dos Sintomas, retoma o conceito das séries complementares que havia sido apresentado em seu trabalho anterior. Por séries complementares, Freud entende que o sintoma tem sua origem nas vivências infantis, nas vivências traumáticas e na filogenética. O consumo constante de maconha por Abaé pode ser entendido como um sintoma. Entendo o uso frequente da droga como uma tentativa de sobrevivência, um desejo de aplacar a tensão vivida, uma busca desenfreada por um gozo em que a pulsão de morte dirigia a cena. Freud (1924) reafirma que todos os processos psíquicos tendem a reduzir a quantidade de tensão vivida. A intensidade do sintoma de Abaé pode ser entendida nas raízes da trama familiar. 123 Mas quais seriam as experiências traumáticas vividas por ele que originaram a intensidade de tal tensão? O tema Édipo ocupa um lugar central na organização familiar. Pode-se pensar que nos alicerces da resolução do Complexo de Édipo se funda uma família. O rapaz ou a moça identificando-se com o progenitor do mesmo sexo, busca um novo companheiro formando, então, uma nova família. Ademais, o primado do Édipo institui, no grupo familiar, a lei reguladora do desejo e da proibição, ou seja, organiza a dinâmica familiar. Segundo Freud (1921), a identificação cumpre um papel relevante nos primórdios do Complexo de Édipo. No caso do menino, ele demonstrar interesse especial pelo pai, almejando tornar-se como ele quando crescer. Há “dois laços psicologicamente distintos: uma catexia de objeto sexual e direta para com a mãe e uma identificação com o pai que o toma como modelo.” (p.115) Os pais de Abaé apresentaram dificuldades de relacionamento durante o período em que estiveram casados. A mãe, que vinha de uma família em que os vínculos afetivos eram muito difíceis de serem estabelecidos, decidiu se separar do pai de Abaé, por ser um homem muito violento. Contou que Abaé presenciou cenas em que ela apanhava do ex-marido. Separaram-se quando Abaé era muito pequeno e os dois passaram a morar com a avó materna do menino. Após a separação, o menino deixou de conviver com o pai biológico. Freud (1921, p.117) aponta que a identificação possui três fontes. Distingue a primeira identificação como sendo originária do laço afetivo, que se instaura nos primórdios do desenvolvimento, em uma fase pré-edípica, por meio de uma incorporação do objeto, segundo um modelo canibalístico, presente na fase oral. Penso que quando Abaé ainda era um bebê, ocupou o lugar de objeto de desejo de sua mãe. Essa ligação afetiva primária levou-o a incorporar a mãe, enquanto objeto de amor. O segundo tipo de identificação é uma identificação regressiva. “... a identificação apareceu no lugar da escolha de objeto e que a escolha de objeto regrediu para a identificação.” (Freud, 1921, p.116). Esse tipo de identificação “...se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio da introjeção do objeto no ego.” (p.117). Segundo ele, o ego assume características do objeto. A última fonte e, terceira modalidade de identificação, ocorre na ausência de qualquer investimento sexual. Esse tipo de identificação possibilita o surgimento de um novo laço afetivo. Entendo que os pais de Abaé separam-se no momento em que já havia sido instaurada a mediação de um terceiro, que produziu um corte na relação mãe-criança. Considero que não foi possível uma identificação com o pai biológico, propriamente dita, não só por causa do pouco contato que teve em pequeno com ele, mas por que sua mãe sempre o desqualificou em seu discurso. Para justificar tal hipótese, retomo a história de Abaé. Relataram que quando o menino tinha nove anos, a mãe conheceu o atual companheiro. Na época, o menino e o padrasto se entenderam muito bem, jogavam muito futebol e, segundo o padrasto, interessou-se primeiro pelo garoto do que pela companheira. Aos poucos, o casal foi se aproximando e resolveram ficar juntos. O padrasto relatou que sempre teve Abaé como um filho, mas não entendia como as coisas tinham mudado tanto. A maconha passou a fazer parte da vida do rapaz na adolescência, época em que sua mãe tentava engravidar do segundo filho. Sua mãe, devido à idade, teve dificuldade em engravidar e, quando conseguiu, teve um aborto espontâneo. Quando nasceu o irmão menor, o bebê ocupou o lugar do filho desejado no imaginário do casal parental. A chegada de um irmão/rival, penso que colocou em cheque que lugar Abaé ocupava na família. Entendo que a chegada de mais um membro na família gerou maior desequilíbrio na dinâmica familiar. Para entender tal hipótese, exponho algumas ideias que considero relevantes acerca do grupo familiar e que interferem e acentuam o sintoma de Abaé. Levanto a hipótese que a mãe e o companheiro estabeleceram um laço conjugal frágil e não conseguiram constituir um grupo familiar propriamente dito, ou seja, uma organização 124 familiar delimitada por uma membrana porosa. Entendo que uma das funções dessa membrana familiar seria de promover um ambiente de trocas, tanto entre os membros do grupo como propiciar um intercâmbio fora do âmbito familiar, trocas em um espaço social. Outra função seria a de contenção e metabolização das angústias, presentes em cada sujeito do grupo, tanto oriundas do mundo externo, como as produzidas dentro da própria família. A membrana familiar porosa contém em si a ideia de algo que delimita o pertencimento, o reconhecimento e a inclusão de cada membro grupo. Por meio desta delimitação grupal, a história familiar herdada das gerações anteriores faz-se presente na vida psíquica de cada um da família. Cada membro ocupa um lugar na cadeia geracional que lhe é designado e um lugar na dinâmica da família nuclear. Dependendo do modo como o sujeito a recebe esta herança e este lugar que lhe foi designado, o sujeito pode se tornar um prisioneiro desta herança, pela impossibilidade de elaborá-la, ou pode se tornar um herdeiro dela, no sentido de conseguir se apropriar dos conteúdos recebidos. Tudo dependerá da possibilidade que o psiquismo desse sujeito tem de elaborar as heranças psíquicas adquiridas. Penso que o desejo do casal de ter um filho trouxe a Abaé o questionamento em relação a que lugar ele ocupava na dinâmica familiar, ou seja, significou perguntar-se sobre seu lugar libidinal na família. Já havia perdido o contato com o pai biológico e seu padrasto desejava um filho legítimo, tirando-lhe do lugar de relevância que até então ocupara. Um dia, o casal chegou em casa com o filho pequeno e encontraram Abaé fumando maconha na sala com um amigo. O padrasto, indignado, ligou para a polícia e os dois adolescentes “passearam” de camburão pela cidade. Abaé contou, em uma das sessões, a agressão sofrida pelos policiais. A narrativa do rapaz vinha impregnada de dor e indignação. O relato me fez pensar sobre a dificuldade que esse casal tem em colocar a “lei” dentro da própria casa e o quanto, ao buscarem uma lei externa, colocaram o “filho” frente a uma vivência de um grande desamparo. Considero que Abaé esteve em contato com dois pais em sua história de vida. Em uma família reconstituída, nem sempre é dada a chance e/ou a missão de o padrasto assumir a parentalidade. Não entendo que deva ser a função de um padrasto assumir o papel de pai de um enteado. Entretanto, dependendo do modo como a família se organiza, pode ser um papel vivido quando esse homem faz parte de uma família reconstituída. A entrada desse padrasto iniciou-se de um jeito ambíguo: amigo ou pretendente da mãe do menino? Compreendo que na relação Abaé/padrasto há um paradoxo: é “adotado” pelo padrasto como o filho desejado e, ao mesmo tempo, indesejado. Para a mãe, ele ocupava o lugar de um filho desejado, mas tinha muita dificuldade em sustentá-lo nesse lugar, uma vez que ainda estava muito presa aos fantasmas de sua família origem, havia questões mal elaboradas com seus próprios pais. Além disso, a mãe identificava, em seu discurso, como o portador de traços de seu ex-marido, o que, possivelmente, não ajudava Abaé em seu processo de identificação com uma figura masculina. Para o padrasto, penso que a entrada de Abaé na adolescência, foi vivenciada como a chegada de um indesejado, de um rival ameaçador, que questionava a autoridade paterna do padrasto. Assim sendo, com a chegada do próprio filho, Abaé vivencia, novamente, fantasias de abandonado e rejeição. Pierre Lévy-Soussan (2010, p.60) aponta que “na adoção, a articulação entre conjugalidade e filiação é ainda mais solicitada em razão da ausência da segurança narcísica [réassurance narcisique] própria à experiência corpórea da gravidez e da forte idealização do biológico como “verdade imutável”, “única fundadora da filiação”. Para este autor, na adoção, “a filiação se origina na legitimidade do desejo e do reconhecimento afetivo”. No processo de filiação, “é a mãe que contribui para instituir “seu homem” como o pai de seu filho.” A mãe de Abaé aceitou que o novo companheiro assumisse com ela a parentalidade, mas não conseguiu ajudá-lo a sustentar tal adoção. Muitas vezes, no discurso da mãe, aparecia uma raiva muito grande em relação ao filho mais velho, pois, na fantasia dela, ele formava uma aliança com a família do ex-marido. Abaé ficou muitos anos sem ver o pai biológico e, quando teve contato com ele, a mãe achou que ele se preocupava demais com o pai e a avó paterna. 125 Considerações Finais A família buscou uma ajuda terapêutica quando a vida familiar tornou-se intolerável. A família de Abaé ilustra o quanto as famílias têm dificuldade em entrar em contato com o próprio sofrimento e muitas vezes negam o mal estar vivido. O caso aponta para a dificuldade que as famílias reconstituídas têm em se organizar e que os seus membros sintam-se pertencentes ao núcleo familiar. Os sintomas de Abaé expõe a dificuldade que ele estava tendo em seu processo de identificação, apropriar-se das heranças recebidas e elaborá-las. O modo que seu padrasto e sua mãe organizavam o próprio casamento e a ausência de uma voz masculina mais forte, deixavamno imerso em um forte sentimento de desamparo. O processo terapêutico possibilitou não só a elaboração das heranças psíquicas, bem como que cada membro da família ocupasse um lugar diferente e estabelecesse novas formas de se vincular. O casal pôde entender e elaborar o que se passava com o filho mais velho. Além disso, a mãe pôde entender a necessidade que o filho tinha em resgatar o vínculo com o pai biológico. Referências CINTRON BOU, F. N.; WALTERS-PACHECO, K. Z.; SERRANO-GARCIA, I. Cambios...: ¿Cómo influyen en los y las adolescentes de familias reconstituidas? Interamerican Journal of Psychology. v. 42, n. 1, p. 91-100, 2008. FREUD, S.. Psicologia de grupo e a análise do ego. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XVIII: Além do princípio de prazer. Rio de Janeiro: Imago. 1980 (Trabalho original publicado em 1921). p. 115-126. FREUD, S. O problema econômico do masoquismo. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XIX: O Ego e o Id e outros trabalhos. p Rio de Janeiro: Imago. 1980 (Trabalho original publicado em 1924). p.197-212. LÉVY-SOUSSAN, P. Trabalho de filiação e adoção. In Ivonita TRINIDADE-SALAVERT, (org), Os novos desafios da adoção – Interações psíquicas, familiares e sociais. Rio de Janeiro: Companhia de Freud. 2010. p. 45-80. TOME, G. L.; SCHERMANN, L. Padrasto, o novo pai: nova postura paternal. Aletheia, n. 19, p. 2130, 2004. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ PARA ALÉM DAS CONSIDERAÇÕES, UM PENSAMENTO SOBRE (DES)IGUALDADE FAMILIAR Anamaria Silva Neves1;Ethyene Andrade Costa²;Isabela Bianco Rodrigues³;Karoline Silva Gomes4;Nayara Paula de Oliveira5;Noilma Alves Martins6;Pablo Henrique Alves Guerra7 1 Profa. Doutora lotada no Inst. de Psic. da Univ. Fed. de Uberlândia (UFU) [email protected]; UFU - [email protected]; 3UfU - [email protected]; 4 UFU [email protected]; 5 UFU [email protected]; 6UFU [email protected]; 7 UFU [email protected]. 2 Resumo 126 O presente trabalho tem como objetivo fundamental compreender as vivências, recursos e conflitos enfrentados por transexuais frente às novas composições familiares. Tal relato de experiência foi organizado metodologicamente por revisão bibliográfica do tema e primou pela questão da parentalidade exercida por esses sujeitos (transexuais e travestis). O referido procedimento foi complementado com participações em campo, com interlocuções com travestis e profissionais engajados em enfrentar situações que envolvam esse grupo. A pesquisa dos textos, sob a perspectiva interdisciplinar, aponta que, no âmbito jurídico, há demandas necessárias para consolidar legalmente a constituição dessas novas configurações familiares. Contudo, o presente trabalho tenta entender o processo familiar e social em que a transexual viveu e se constituiu e, assim, compreender a família que ela constituirá. As novas parentalidades resgatam aspectos referentes aos valores e modelos familiares formados ao longo da história e que as questões legais, sociais e da saúde, ainda pautadas numa tal normatividade, carecem ser revisadas. Esse estudo permite rever alguns constructos edificados e cristalizados socialmente e que, na contemporaneidade, nos convocam a assumir novos lugares na intervenção psicológica com olhar critico e uma postura dialógica. Palavras chave: Transexualidade; Parentalidade; Família. Introdução A “sagrada família” de hoje, como lugar exclusivo e único de procriação e sexualidades legítimas, é uma construção social recente do ocidente (Hervieu-Léger, 2003). A família é um lugar onde se estruturam e transmitem valores sociais. Porém, se faz necessário pensar para além dos laços consanguíneos para apreender os novos arranjos familiares da contemporaneidade. Sendo então esta instituição passível de mutações sociais e históricas, conceituá-la torna-se uma tarefa difícil para a ciência. Nesta tentativa, apresenta-se uma possibilidade de pensar a família sendo, [...] uma unidade dinâmica, um grupo social, um espaço de convivência fundamental ao desenvolvimento de seus membros; contudo, possui características e funções próprias, que são historicamente questionadas e redefinidas. A família não comporta uma definição unívoca, primordialmente centrada em parâmetros excludentes (NEVES, 2008, p.34). Os arranjos familiares foram se metamorfoseando durante os séculos, ao ponto que se pode pensar parentesco e filiação sendo construções sociais (Zambrano, 2006 apud Hériter, 2000). Sendo assim, a família começa a ser pensada em outras configurações e, nesse contexto, surge a homoparentalidade e as famílias regidas por travestis ou transexuais. Essas famílias tem se configurado, segundo Amazonas & Braga (2006), em consequência de diversas transições sociais, culturais, políticas e econômicas, como por exemplo, a longevidade humana, o divórcio, as mudanças nos papéis parentais e de gênero, entre outras. Além disso, novas tecnologias como a reprodução assistida, e a possibilidade de adoção, vêm expandindo e diversificando tal instituição. Para se tratar dessas novas possibilidades e modalidades familiares, é interessante ressaltar que socialmente a classificação sexual foi construída ancorada na diferença anatômica entre os sexos. Mas esqueceu-se de discutir, por muito tempo, que existem sujeitos que não se identificam com os padrões sociais do que é feminino e do que é masculino e que, assim, passam a perceber seu corpo como um erro. Como é o caso dos transexuais e travestis (Zambrano, 2006). Segundo Butler (1999), é imprescindível que haja uma desconstrução da naturalização da sexualidade, onde a não heterossexualidade não seja visualizada como desvio, para que as pessoas (transexuais, travestis e homossexuais) possam elaborar e entender seu papel cultural, e não se forme uma dicotomia dissonante entre corpo e “alma”, e não sejam colocados como minoria e à margem. 127 Neste lugar, que deixa marcas de preconceitos, se torna desafiador pensar como homossexuais, travestis e transexuais podem constituir família e assumir a parentalidade, já que foi naturalizado o pensamento que só pai e mãe podem ser aqueles que dão vida a uma criança, e esqueceu-se que além do vínculo biológico, existem o parentesco, a filiação e o exercício de função parental. Por isso questiona-se e estuda-se a dinâmica da família homoparental para que possa ser pensado que qualquer um pode ser bom/mau pai/mãe. (Zambrano, 2006) Torna-se pertinente a reflexão sobre as seguintes questões: por que ainda há tanto medo por parte dos casais homossexuais em abrir um processo de adoção conjuntamente? O que foi construído socialmente que torna essa adoção tão difícil? E as leis, o que elas dizem? Segundo Uziel (2002), a lei tem uma dificuldade em acompanhar as transformações sociais por causa da rapidez em que estas são concebidas. Contudo, a lei é um reflexo do tempo no qual foi composta e por isso deveria ser capaz de estar em movimento. Ao pensar a transexualidade e suas diversas facetas, há ainda que se considerar o sofrimento, tanto físico quanto emocional, para o sujeito e seus pares. A cultura contemporânea – pensando em todas as construções históricas que a constituiu – parece configurar uma sociedade com raízes rígidas e com base em pré-noções e estereótipos calcados em e com préconceitos, o que acaba por tratar as minorias citadas como à margem desta normatividade padrão. Tais minorias encontram na prostituição uma saída: É na convivência nos territórios de prostituição que as travestis incorporam os valores e formas do feminino, tomam conhecimento dos truques e técnicas do cotidiano da prostituição, conformam gostos e preferências (especialmente sexuais) e muitas vezes ganham ou adotam um nome feminino. Este é um dos importantes espaços onde as travestis constroem-se corporal, subjetiva e socialmente (PELÚCIO, 2005). Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo discutir acerca da emergência dessas novas famílias constituídas por transexuais. Metodologia O presente estudo, que se delineia em um relato de experiência, envolveu a revisão bibliográfica sobre o tema para que se pudesse contextualizar e abarcar aspectos direcionados. Contamos com o apoio de produções artísticas e vivências em campo, buscando promover a proximidade investigativa de se conhecer um pouco mais sobre as famílias que vêm se constituindo a partir da transexualidade. Na busca pela compreensão do universo transexual, fomos a campo buscar contato direto com os sujeitos. Entrevistamos uma transexual, professora da rede pública e, neste encontro, foram abordadas temáticas que envolveram a infância, formação acadêmica, direitos reivindicados, cirurgia, mudança de registro social, e sua relação com seu próprio corpo. A entrevista trouxe luz à questão familiar, e emergiram os conflitos com sua família de origem – no caso, pautada por conturbações significativas – e trajetos afetivos alternativos com a família que ela vem constituindo – onde tenta estabelecer os vínculos pautados no respeito com o próximo. Outra experiência para a elucidação do estudo foi o diálogo constituído com uma antropóloga, que apresentou um olhar profissional que trabalha com esse grupo de pessoas (transexuais), apresentando o suporte existente no SUS. Poemas, filmes e outros recursos audiovisuais, possibilitaram adentrar, pela cena do mundo artístico, revelador dos processos de subjetivação, o universo que perpassa as relações dos transexuais. Resultados 128 A entrevista com a transexual nos faz perceber que, não distante da literatura, as reações familiares são difíceis, desde a infância, quando o individuo não se reconhece em seu próprio corpo. Podendo chegar ao ponto de sofrer retaliações de sua família, a busca por modificações corporais, e uso de hormônios, muitas vezes na clandestinidade, passa a ser um processo ainda mais perigoso. Outro aspecto enfrentado diz respeito aos valores já enraizados que ditam uma heteronormatividade em que transexuais não podem se ajustar. A cirurgia de transgenitalização atualmente é oferecida pelo SUS, porém, o caminho para chegar até ela é longo e poucos são os que conseguem. A profissão, a prostituição e os diversos paradigmas que perpassam as histórias contam de uma repetição e de violência. Porém, fica nítido o desejo de constituir família e de ser aceito, a despeito da diferença e dos desafios de um corpo mutante. A entrevista com a travesti apresentou aspectos árduos da vida das transexuais que vão desde a luta por direitos a uma documentação formal digna até o direito à constituição de uma família e adoção de crianças. Sob outro viés, o diálogo com a antropóloga e pesquisadora do tema, revelou outro vértice, alertando para a necessidade imediata de acolhimento, do contato e de escuta junto às transexuais. Ela relata que os estudos sobre a melhoria nas condições de vida desses sujeitos permite que a sociedade acesse também novas possibilidades de se apreender o conceito de alteridade, novas configurações de famílias e parentalidades. Aliado a tais fenômenos, pensar sobre a transexualidade também desloca o pensamento jurídico e médica para uma nova ordem, democrática e aberta. A mídia crítica e a literatura argumentam que a ascensão de movimentos sociais reivindicatórios para que haja mudança em direção a uma maior igualdade de leis e justiça no tocante a essas novas configurações de família, incluindo as transexuais é um caminho inequívoco. Nesta perspectiva, profissionais tem uma responsabilidade de promoção de uma leitura e atuação cada vez mais voltada para atender essa diversidade. Pensar família, transexuais e filhos é uma versão possível. As novas famílias revelam a cultura, o tempo histórico e uma sociedade em movimento. A atualidade desmonta o modelo único e excludente da família tradicional e exige que novos estudos investiguem a abrangência a potência de novos formatos afetivo-familiares. Discussão É fundamental compreender que ‘‘a constituição da república assegura ao homem e à mulher o direito ao planejamento familiar com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável’’(Helena, H, 2012), e mesmo que não haja nada explícito na mesma que exclua o direito de exercê-la por parte de transexuais, estes preferem pela adoção informal justamente por não ser assegurado legalmente. Os direitos reprodutivos, entendidos como direitos fundamentais ou humanos, que compreendem o direito de “decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre eles, e de acessar as informações e instruções e serviços sobre o planejamento familiar’’ (Helena,H,2012, p 551) que antes não eram pensados como pertencentes ao âmbito da saúde e cidadania, agora já o são. Na lei – n. 9.263,art.2, de 12 de janeiro de 1996 – “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta os direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem, ou pelo casal’’, incluindo o direito da autonomia reprodutiva e declarando o também direito de todo cidadão, e proibindo qualquer tipo de controle demográfico, integrando essas ações ao SUS. (Helena, H, 2012). A corrente contrária à que a lei seja exercida de forma absoluta, e principalmente à extensão da mesma às pessoas (homossexuais e transexuais), enfatiza que o direito à procriação não deve ser um direito absoluto, “estando sempre limitado pelos direitos da criança por nascer, fundamentalmente por seu direito à dignidade e à formação de sua personalidade no seio de 129 uma família com a dupla imagem de genitores, paterna e materna” (Helena, H, 2012, p 552), pois, “se este direito às vezes é contrariado pelas vicissitudes da existência, não deve ser desconhecido por uma escolha deliberada”. (Ferrer, F. 1995 apud Helena, H, 2012). O que aparece então é uma restrita possibilidade de extensão do direito, na percepção dos sujeitos nas diversas formas de sexualidade e dos papéis a serem adotados a partir de então. Essa é a questão da restrição causada pela imposição do status jurídico inflexível, especificado anteriormente. Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), transexual é a pessoa qualificada como paciente portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e autoextermínio, justificando sua inclusão na CID. Conforme o CFM, a definição do transexualismo deve obedecer aos seguintes critérios mínimos: a) desconforto com o sexo anatômico natural; b) desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; c) permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; e d) ausência de outros transtornos mentais. Para o CFM, apenas os casos de transexualismo, isto é, de indivíduos que atendam a todos os requisitos mínimos que estabeleceu, são transexuais. (Helena, H. 2012) Tal definição acaba por estigmatizar estas pessoas, que na verdade, não dependem de uma operação ou de um reconhecimento médico para se considerarem do sexo oposto ao que possuem biologicamente. Mas ainda assim a cirurgia de transgenitalização é legalmente oferecida pelo SUS. Porém, mesmo que a faça, a insuficiência de definições não acaba por aqui. Depois de realizada a cirurgia de mudança de sexo, o/a transexual ainda dependerá de decisões judiciais que o permitam alterarem sua documentação. Feito isso, esta pessoa (transexual) teria um status corporal e civil enquadrado na definição homem ou mulher, e ainda assim o processo de constituição familiar é dificultado pelas leis, seja ele pela união estável, casamento, adoção ou reprodução assistida. A possibilidade dos transexuais se valerem dessas técnicas de reprodução assistida para exercer seu direito à procriação, já existente, só veio a surgir após a edição da “Resolução n. 1.597/2010 pelo CFM, segundo a qual podem ser receptoras das referidas técnicas todas as pessoas capazes que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites daquela resolução.” (Helena, H. 2012, p 556) Não obstante, a cobertura a esta classe não aparece de forma explícita. Todos esses preconceitos aliados à falta de informação, reformulação de leis, que dificultam o processo de adoção, ou mesmo a possibilidade da reprodução assistida, faz com que, para essas pessoas, muitas vezes, seja vetado o direito de constituir uma família sendo protegida pela lei do próprio país. Com base em todos os levantamentos até então citados, torna-se relevante a reflexão sobre o caminho trilhado por esses indivíduos, que muitas vezes quando ainda crianças se encontram em estado de angústia, por não saber o que está acontecendo consigo e não reconhecendo o próprio corpo, enfrentando um árduo processo de subjetivação. Essas pessoas, quase sempre, crescem sem o apoio da família, sob o crivo cruel da discriminação desde a escola e das demais instituições. Isso faz pensar nos grandes índices de transexuais que tem por modo de trabalho, a prostituição. De modo generalizado a sociedade recrimina e condena tal profissão. Recriminados, os transexuais encontram na prostituição uma profissão e um modo de se afirmar com o sexo, afirmar no caso de trans-mulheres uma feminilidade. Em comum, as travestis guardam o desejo febril por um corpo transformado; um encantamento pela noite que pode se transformar, 130 subitamente, em desprezo ou desejo de que tudo seja diferente – que em outras possibilidades se desenhem, que um homem as queira de fato, de serem tratadas como “gente normal”. “Porque a gente é normal. Ou você tá vendo algum bicho aqui?”, pergunta Fabyanna Ferraz enquanto me olha profundamente (PELÙCIO, 2005). O caminho de mudança parece encontrar desde já, algumas dificuldades, visto que foi percebido um pequeno número de estudos (em relação à “demanda” família) sobre a questão da transexualidade, e quem sabe essa curiosidade epistemológica possa reverberar positivamente na construção de novos saberes. Até porque, seguindo a perspectiva de Richard Miskolci e Larissa Pelúcio (2006), Assim, no caso dos intersex, aceitar a categorização masculino /feminino a partir da construção de um sexo ou da patologização de sua condição pelas pessoas transexuais, coloca-nos diante de um dilema que não pode ser resolvido no plano do individuo. O que faz compreensível o argumento butleriano de que é necessária capacidade crítica para reagir a essas mesmas normas. O que só é alcançável de forma coletiva, ou seja, não serão sujeitos individuais que modificarão a ordem, e sim grupos organizados que busquem articular uma alternativa ao que existe (...) (p.05). É neste movimento que se entende aqui a necessidade de criticidade, visto que, percebe-se que os constructos sociais em que a normatividade padrão foi construída possuem pré-noções e pré-conceitos, colocando à margem as pessoas (transexuais), o que acaba por dificultar e até impedir que as mesmas constituam famílias e sejam reconhecidas socialmente. Nota-se então a necessidade de uma maior flexibilidade dos âmbitos sociais para se pensar a diversidade que a contemporaneidade vem configurando. Conclusão As inquietudes apresentadas neste trabalho permanecem após seu término. Os relatos desta experiência apontam algumas conclusões preliminares, como o escasso número de estudos específicos sobre família e transexualidade que é encontrado. Trata-se de um movimento emergente que caminha com a contemporaneidade, no qual de forma lenta, o sujeito social é convidado a repensar os modelos de família. Sendo assim, a conclusão preliminar aponta que, a partir do surgimento de novas configurações familiares novos constructos teóricos devem ser pensados, moldes profissionais reformulados e novas leis criadas. Referências ALVES, R. O Desejo de Ensinar e a Arte de Aprender- Fundação Educar DPaschoal. Campinas, 2004. AMAZONAS, M. C. L. A.; BRAGA, M. G. R.. Reflexões acerca das novas formas de parentalidade e suas possíveis vicissitudes culturais e subjetivas. Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, Dec. 2006. BARBOZA, H. H. Proteção da autonomia reprodutiva dos transexuais. Rev. Estud. Fem., Florianópolis,v.20,n.2,Aug.2012. BUTLER, J. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. HÉRITIER, Françoise. A coxa de Júpiter. Revista Estudos Feministas, Florianópolis: CFH/UFSC, v. 8, n. 1, p. 98-114, 2000.] HERVIEU-LÉ GER, D. Preface, In: GROSS, M. L´Homoparentalité. 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Esse desejo veio através de discussões nas orientações, que aconteciam de forma isolada, realizada com professores, nas quais percebi a necessidade de um espaço para que os agentes escolares - diretores coordenadores pedagógicos, professores - falassem sobre suas dificuldades com os alunos e suas famílias e sobre questões de rotina de trabalho na escola. A princípio o trabalho de grupo foi oferecido aos professores o qual não aconteceu, devido a não adesão dos mesmos, mas foi instituído um grupo de reflexão com diretores das escolas municipais, coordenado por mim de maio de 2006 até dezembro de 2008. Algumas reflexões foram elaboradas sobre o não acontecimento do grupo com os professores e a possibilidade do grupo com os diretores. Palavras-chave: Grupos de Reflexão; Grupo na Educação; Serviço de Apoio à Escola. Introdução 132 Ao pensarmos em grupo, e nos fenômenos grupais que acontecem dentro da instituição educacional podemos remeter ao estudo de trabalho de grupos, que nos fornece dados para pensar como as relações se estabelecem e se mantêm no cotidiano escolar. Em algumas situações as relações que se estabelecem na escola podem interferir na escolarização do aluno, podendo gerar conflitos e mal entendidos, que se arrastam pelos anos de escolaridade prejudicando o desenvolvimento da criança/adolescente, a relação com sua família, com a escola e a vida pessoal e profissional daqueles que no espaço escolar, realiza seu trabalho. Bleger (1980) coloca que uma instituição pode ser pensada como um conjunto de normas, padrões e atividades que estão agrupadas em torno de valores e funções sociais. Neste sentido podemos considerar a escola como uma instituição, pois há um conjunto de normas e atividades que são direcionadas por um conjunto de valores e funções sociais. Emílio (2004) ao estudar a “inclusão escolar” aponta que o contexto escolar deve ser considerado como um espaço de relações, onde os fenômenos e processos grupais e vinculares estão presentes. Para Andrade (2005) é dentro dos grupos que podemos entender como a escola se compõe e a estrutura de papel se constitui na relação dialética instituído-instituinte. O trabalho com grupos em instituições tem uma contribuição importante de um grupo de psicanalistas argentinos representados por um de seus expoentes, Pichon Rivière (1994), que define grupo como uma reunião de pessoas que mantém uma relação constante de tempo e espaço, ligadas por sua mútua representação interna, que aparece de forma implícita ou explícita através da proposta de cumprirem com uma tarefa. Ao realizar um trabalho como psicóloga com grupos de crianças e adolescentes com dificuldades de comportamento em seu processo de escolarização, num serviço de apoio escolar, surgiu-me então a ideia de utilizar o grupo de reflexão com os professores das escolas com as quais trabalhava, já que em momentos de orientação isolada com os mesmos, percebia que tal situação os angustiava e os impedia de lidar de uma forma menos conflituosa com a mesma, em grau de estar comprometendo a escolarização desses alunos e o trabalho do professor. Diante da não adesão dos professores ao grupo de reflexão e por acreditar nos benefícios do trabalho com grupos, pois vivenciava através do curso de especialização (na SPAGESP) a vivência da terapia pessoal em grupo, de grupo de reflexão nesta instituição, levei a proposta de grupo de reflexão para os diretores, e o grupo funcionou de maio de 2006 a dezembro de 2008. Um dos precursores sobre a prática do grupo de reflexão em instituições é Delarossa (1979), onde na Associação Argentina de Psicologia e Psicoterapia de Grupo, realizou uma experiência de ensino e formação de grupo terapeutas que surgiu em função da necessidade de trabalhar as tensões nas relações com os pacientes psiquiátricos, oriundas das atividades com os professores e coordenadores do serviço assistencial. Com o seu desenvolvimento, os grupos de reflexão tiveram sua aplicação em outras áreas que não só do ensino/aprendizado. Enquanto ferramenta de trabalho de grupo foi utilizada em outras situações que ocorrem tensões grupais decorrentes da realização de outras tarefas (trabalho etc.). Então, os grupos de reflexão têm sua aplicabilidade, nas áreas das relações humanas e de seus problemas, visa o aprender a lidar com as tensões originadas no trabalho, na convivência institucional e com a resolução das ansiedades ligadas a elas. Por isso, o grupo de reflexão acaba sendo terapêutico quando bem sucedido. Zimermam (2001, p. 193 - 194) remete-se à etimologia da palavra, ao se referir ao Grupo de Reflexão, “... sugere que cada um e todos do grupo façam uma renovada e continuada flexão sobre si próprios, assumindo as responsabilidades que lhe são próprias”. 133 O Grupo de Reflexão como técnica é pouco usado no trabalho do psicólogo, nas instituições, mas vejo nele um instrumento de intervenção junto aos agentes escolares, onde possam pensar e refletir as questões da escola, enquanto membros de um grupo. Fernandes (2003, p. 205 – 207) ressalta outro aspecto salutar de tais grupos, “... é neste espaço reflexivo que as queixas e dúvidas, podem ser elaboradas, compreendidas e posteriormente resolvidas, e não fiquem circulando nos corredores, impregnando o espaço institucional e dificultando o fluir do trabalho”. Assim implantei um trabalho de grupo de reflexão com diretores de escolas municipais, oportunizando um espaço onde pudessem estar pensando juntos sobre as dificuldades apontadas em relação aos alunos, suas famílias, encontradas no dia a dia da escola – anunciadas pelos professores – bem como a possibilidade de ser um instrumento de trabalho para profissionais da instituição. Neste trabalho proponho analisar alguns aspectos do processo de implantação do grupo de reflexão com os diretores municipais, em serviço de apoio escolar. O NACE O Núcleo de Apoio à Comunidade Escolar - NACE era um serviço de apoio vinculado ao Departamento Municipal de Educação – onde uma equipe interdisciplinar formada por profissionais das áreas da psicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia e assistência social realizavam um trabalho de apoio às escolas (Educação Infantil e Ensino Fundamental – I e II ciclos) da Rede Municipal de Ensino, de uma cidade no interior de São Paulo. Neste serviço o trabalho de apoio compreendia o atendimento de crianças e adolescentes com dificuldades de comportamento, de fala, de aprendizagem na leitura e escrita e de convivência familiar. Neste trabalho também eram realizadas orientações às famílias (pais ou responsáveis) e às escolas (professores, coordenadores pedagógicos, vice-diretores e diretores). Desde o início (2000), este serviço de apoio também compreendia realizar orientações às escolas que aconteciam de forma isolada, sem seguimento, mas de forma periódica (entrevistas devolutivas de casos em atendimentos ou encerradas), era frequente a psicóloga ouvir relatos de professores, coordenadores e diretores sobre “um não saber lidar” com o aluno que apresentava algum tipo de dificuldade no seu processo de escolarização. Tais dificuldades podiam ser identificadas como a heterogeneidade dos alunos que ia desde características do desenvolvimento psicológico, deficiências múltiplas oriundas deste processo até dificuldades específicas de aquisição do aprendizado da leitura e escrita - passando por interferências da dinâmica sócio familiar, em que estavam inseridas - e pelo nível de competência do professor e da liderança escolar, em lidar com esta criança ou adolescente. Diante de tais relatos, as psicólogas que trabalhavam neste serviço elaboraram uma proposta de trabalho de grupo, para que os professores pudessem ter um espaço para refletir tais dificuldades. As ocorrências de queixas de crianças com dificuldades de comportamento e de aprendizagem podem ser originadas e até alimentadas nas relações grupais que se estabelecem no espaço escolar entre os grupos de alunos, entre o grupo de alunos e professores, entre os professores e família e entre alunos e família, como aponta Emílio (2004) quando cita que a escola pode ser vista como um lugar privilegiado para ocorrência de fenômenos grupais. A proposta para trabalhar com os professores através da técnica grupal foi então elaborada e sugerida como uma forma das psicólogas do NACE trabalhar com os professores, as inquietações e conflitos surgidos nestas relações interpessoais, identificadas por eles como um não saber lidar com os alunos “difíceis”. Para essas psicólogas seria uma alternativa de intervenção junto a esta clientela, pois se acreditava que possibilitando ao professor apropriar-se deste espaço (NACE), de uma forma que pudesse atender um maior número deles, através de um trabalho de grupo, mais estruturado e 134 não mais o individual, na porta da sala de aula inapropriada; ou nos HTPs (Horário de Trabalho Pedagógico) que é um espaço de trabalho pedagógico, e não para trabalhar questões terapêuticas – próximo aos seus pares viabilizando o surgimento das questões grupais que poderiam estar determinando relações que estariam promovendo sentimentos de desajustes no ensinar e no aprender dentro da escola. O Projeto do Grupo O projeto foi levado ao conhecimento do Diretor do Departamento Municipal de Educação e Cultura (DMEC) – hoje Secretaria Municipal de Educação – que demonstrou interesse e sugeriu que o mesmo deveria ser comunicado aos diretores e coordenadores pedagógicos das escolas através de reunião. Nesta reunião o projeto foi exposto informando o motivo que levou a sua elaboração (necessidades dos professores em conhecer como lidar com alunos indicados como “problemas”), que o trabalho seria realizado em grupo, com encontros semanais e horário fixo de uma hora de duração, no NACE, com disponibilidade de horários acessíveis – pensando em professores que trabalham dois períodos. Através de uma carta convite, com data para iniciar os grupos, as diretoras levaram a proposta de trabalho aos professores de suas escolas, junto com fichas de inscrição que os mesmos deveriam preencher e devolver ao NACE, com os horários de grupo escolhidos. A data de início deste trabalho foi agendada para 27/03/06 e os eventuais participantes (os professores) teriam um prazo de uma semana para se manifestarem. Em conversa com os diretores percebi o empenho deles em argumentar com os professores na tentativa de participarem do trabalho, então prorroguei o prazo para que os professores pudessem reorganizar sua rotina funcional e pessoal no sentido de se adequar a um novo compromisso, já que observei a dificuldade dos mesmos, em rearranjar seus horários. O trabalho de grupo com os professores não teve andamento por não adesão dos participantes. Por acreditar na legitimidade deste projeto e nos benefícios dos seus efeitos a comunidade escolar, convidei as diretoras das quatro escolas (com as quais eu trabalhava) para participarem de um trabalho de grupo, elas aceitaram e o grupo aconteceu de maio de 2006 a dezembro de 2008. O objetivo deste trabalho é refletir sobre o não acontecimento do grupo com os professores e a possibilidade do grupo com os diretores. Metodologia Participaram deste trabalho diretoras da Rede Municipal de Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). Foram 03 (três) participantes, sendo todas do sexo feminino. Como o presente estudo envolve a participação de seres humanos, alguns cuidados éticos foram tomados para a inclusão dos participantes, com a finalidade de assegurar seus direitos e preservar o sigilo das respostas. Primeiramente, obteve-se a anuência do responsável pela Instituição. Em seguida, antes do início da coleta dos dados foi ressaltado o caráter voluntário da contribuição do profissional, assim como esclarecidos os detalhes da sua participação através da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este Termo foi elaborado de acordo com a resolução nº 196/96 que regulamenta a “pesquisa envolvendo seres humanos” (Brasil: Ministério da Saúde, Conselho Nacional da Saúde, 1996). Também foi explicitado que a não aceitação de participação no estudo não traria nenhum prejuízo ao trabalho do profissional na Instituição. 135 A sessão foi audiogravada, com consentimento das participantes e transcrita na íntegra e literalmente. Na sua síntese foi utilizada uma abordagem qualitativa e a análise de conteúdo temática (Triviños, 1992; Minayio, 1994). Resultados E Discussão Para efeito deste trabalho faremos a análise de algumas questões observadas na sessão de grupo que ocorreu durante um processo de mudança de gestão administrativa da cidade (eleição municipal do ano de 2008). Os dados coletados e analisados referem-se à sessão do último encontro do grupo (02 de dezembro de 2008), à qual durou uma hora e 30 minutos, 15 minutos além do combinado, com a falta de uma das diretoras e a chegada usual atrasada de uma segunda. A terceira diretora inicia a sessão desculpando-se por ter faltado na anterior, em função de ter ido a uma consulta médica, agendada previamente, para o mesmo dia e horário do grupo. Neste movimento das participantes em relação a vir/chegarem/estar no grupo pode-se observar o comprometimento grupal relativo das mesmas, em função das faltas e atrasos recorrentes, sugerindo uma irresponsabilidade incompatível com o papel de líder de um grande grupo que é a escola: Lívia: Então a semana passada eu tinha médico, e o médico é só com hora marcada, e ele só atende de terça-feira e era justamente o horário (do grupo), às 8h que eu tinha que estar lá. Terapeuta: Ah, tá. Lívia: (...) eu sei que as meninas avisaram... Terapeuta: Avisaram. Lívia: A Nair veio? Terapeuta: Veio. Lívia: A Marta falou que viria hoje, Terapeuta: Talvez tenha acontecido algo a mais, né Lívia? Lívia: A Nair, porque a Nair é que viria, a Marta falou que a Nair viria. Terapeuta: Ela deve estar chegando por aí, é o horário dela. (...) Durante o transcorrer da sessão pode-se observar o grupo possibilitando a reflexão das propostas de “reforço” para as crianças com dificuldades de aprendizagem, onde tais propostas – segundo a fala das participantes do grupo - perpetuaram a dificuldade dos alunos, o fracasso escolar da sala de aula (de reforço) e não resolveu o problema da dificuldade de aprendizagem dos alunos participantes dessas propostas: Lívia: Falando em reforço, o que também colaborou para não dar certo, (...), aí outra coisa o que se propõe na aula de reforço: que a didática seja diferente de sala de aula... Nair: Hum... Lívia: E isso tem outros recursos de uma maneira mais dinâmica e tal... mas não é, na prática fica a mesma coisa, aquele monte de folhinha, o professor já está exausto porque já deu aula de manhã, às vezes é uma classe difícil, e aí... fica aquele gato pingado, porque não há o comprometimento dos pais... Nair: Hum. Lívia: Porque é uma outra situação também... aí você vai e enxerga ...fica lá as crianças cada um com o seu livro, fica sentado... Nair: É... desmotivado... cansado... Lívia: Não funciona...por conta do comprometimento... mesmo porque Marisa... tem o horário da Educação Física, tem o horário da Educação Artística... eu falo que tirar o aluno da Educação Física ou Artística, mas uma vez por semana... conversa com o pai, conversa com o aluno: “Olha você está necessitado, então eu vou ficar essa horinha com você, na próxima semana você participa”, aproveitar esse momento... sei lá... eu penso assim... quando há um comprometimento do professor com a sala de 136 aula, com o aluno... sei lá acho que eles poderiam dar esses horários também... como eu estou falando, não todos os dias... Nair: Certo. Lívia: Porque o aluno também precisa da aula de Educação Artística, Educação Física... Nair: Hum... Lívia: Mas se ele está com dificuldade, então vamos aproveitar esse momento... Nair: Não cortando, mas na aula de Educação Física... eles brigam, eles encontram... então já que não quer aproveitar a aula de Educação Física, pega esse aluno que tem dificuldade, né , pega outros dois... vai revezando... Lívia: Sei lá... é uma forma que a gente... de ajudar... Nair: Hum... Em relação à função do coordenador pode-se pensar na necessidade do mesmo rever sua atuação - em trabalhos de supervisão ou de aprimoramento - quando a participante chama a atenção da sua fala para o mesmo e não para o grupo, como segue: Nair: E o problema é que elas vão arrastando então: “Se a gente não dá conta eu vou pensar da próxima vez ...”, porque tem uma professora que vai deixar, que já avisou, que deixou uma sala. Tudo bem, ela já avisou. Então vou informar a professora da sala que ela já não tem mais a professora de Artes, porque a professora já deixou uma sala. Então é uma série de coisa, mas o que acontece, Marisa é que tem professor que quer ir arrastando porque ainda está ganhando, então o ganho financeiro não pode perder agora o que está fazendo com os alunos, dane-se não é meu filho. As participantes deste trabalho demonstram ao usar o espaço de reflexão entre os pares, como: possibilidade de escuta, reflexão sobre soluções pensadas e atitudes tentadas, desafios encontrados; a técnica grupal oportunizando a discussão dos problemas do dia a dia da escola: Lívia: Mas veja bem, de tudo isso que a gente coloca aqui, de todos esses problemas que a gente enfrenta... Com as crianças... É... Porque assim nós diretoras acaba refletindo aonde? Eu tenho essa visão, de todos esses problemas acaba refletindo na aprendizagem, tudo que a gente fala aqui acaba refletindo eu tenho isso assim como meta: melhorar a qualidade de ensino. Nair: aham. Outras características encontradas nas falas das diretoras foram a repetição dos padrões de comportamento e conflitos vivenciados no contexto grupal, no grupo, como acontece nas ações dos professores ao cumprir com uma proposta pedagógica oferecida pela escola e aceita por eles a princípio: não ouvir o outro, não seguir regras, como aparece no seguinte relato: Nair: Eu já tive professora que pegou reforço, queria trabalhar somente com os alunos dela, só que como ela falta muito na sala de aula, com reforço também, não dava para ficarem, então elas falaram para pegar o reforço “Ah eu quero dá só para os meus alunos” (fala das professoras) então eu não fiz força para que ela ficasse porque ela vai até um bom tempo depois ela começa a faltar, porque a sala é dela, ela é efetiva, mas faltou segunda-feira, faltou ontem, segunda-feira, ela pediu uma abonada, vive faltando, aquele problema de atestado, para ela bem tanto faz como tanto fez, porque ela continua. Lívia: Deixa-me falar... Considerações Finais Em relação a não adesão dos professores ao trabalho de grupo podemos aventar algumas hipóteses, como: dificuldades frente à sobrecarga de horário de trabalho (professores trabalhando em mais que um período) – receia- se colocar em grupos, um projeto que não surgiu da necessidade do próprio grupo de professores, uma resistência desse profissional sempre que sugerido algo a mais do que se tem na rotina, ou ainda a percepção de um modelo pré-concebido sobre a proposta, quando vem do psicólogo, atrapalhando a percepção da importância do trabalho de grupo como facilitador. Ao implantar este trabalho de grupo de reflexão com diretoras de escolas municipais de ensino, num serviço de apoio escolar pude observar que o trabalho de grupo é uma ferramenta 137 de trabalho do psicólogo, que disponibiliza um espaço para, o fluir de pensamentos e sentimentos presentes nas relações interpessoais, no trabalho das diretoras dessas escolas, que podem ser esclarecidos, compreendidos, e assim proporcionar uma saúde funcional e mental às mesmas. O espaço do grupo a princípio pode possibilitar o que as participantes queriam falar, para emergir do material, do conteúdo grupal, dar oportunidade ao próprio grupo se autorregular. Neste sentido podemos ver a ingerência das diretoras, frente seus professores para assuntos sérios, como não efetivando propostas pedagógicas (reforço escolar), como uma reflexão feita de forma inadequada e as sugestões de ajuda foram colocadas de forma crítica, informal, e de cobrança e não de construção. Assim pode-se inferir uma fragilidade destas diretoras no exercício do papel, tanto na relação com o seu grupo de professores, como no seu papel de membro do grupo. No que se refere ao papel do coordenador, o grupo possibilitando a construção do mesmo, implementando adequações pertinentes a esta função como situar o membro do grupo que chega atrasado, como a participação no grupo possibilita a transformação das participantes diante das situações apresentadas, desmanchar a tendência das participantes em dirigirem-se à coordenadora do grupo em vez do grupo como um todo. Referências Bibliográficas ANDRADE, A. S. Sociodrama Educacional – uma estratégia de pesquisa - ação em psicologia escolar institucional; in: MARRA, M. M.; FLEURY, H. J. Intervenções Grupais na Educação, São Paulo: Agora, 2005, p. 49 – 66. BLEGER, J. (1984). Psico-higiene e Psicologia Institucional. Porto Alegre: Artes Médicas. BOGDAN, R. & BIKLEN, S. 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ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000, p. 193-194. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MCT04 – TÍTULO: Sustentabilidade dos Vínculos na Contemporaneidade 138 ............................................................................................................. ATENDIMENTO PSICOLÓGICO GRUPAL VIA INTERNET: Uma perspectiva psicanalítica Carla Pontes Donnamaria Psicóloga, Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia como Profissão e Ciência da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas); [email protected] Resumo O emprego das novas tecnologias na oferta de atendimento psicológico à distância tem se expandido aceleradamente. Não havendo uma expansão correlata de estudos sobre o assunto, a prática é regulamentada no Brasil com restrições. O presente trabalho tem por objetivo apresentar parte dos resultados de uma tese de doutorado, intitulada “experiências de atendimento psicológico grupal via internet: uma perspectiva psicanalítica”. O estudo em questão, embasado no aporte teórico-metodológico da Psicanálise aplicada aos grupos, objetivou investigar e analisar experiências de atendimento psicológico grupal à distância, em comunicação via internet, em tempo real, por vídeo e voz. Participaram dois grupos, reunindo cinco pessoas cada um, em sessões semanais de uma hora e trinta minutos, realizadas entre os meses de abril a outubro de 2011. Resultados revelam que a dinâmica grupal online reproduz muitas das vicissitudes da dinâmica grupal presencial, incluindo a mobilização de seus participantes pela busca de uma identidade comum, pelos incômodos diante dos silêncios mais constantes, pela transformação de problemas pessoais em problemas de grupo, instaurando e fortalecendo sentimentos de vínculo, e pela abertura de um espaço para a ressignificação dos problemas vividos. Conclui-se que o grupo online pode constituir um espaço terapêutico efetivo, não obstante algumas limitações e diferenciações. Palavras-chave: Psicologia e Informática; Terapia online; Grupos; Psicanálise. Introdução A despeito da carência de pesquisas sobre a temática do atendimento psicológico à distância no Brasil, e das consequentes restrições à modalidade promulgadas pelo Conselho Federal de Psicologia (2000; 2005; 2012), é grande a quantidade de serviços de finalidade terapêutica ofertados na Internet. Queiramos ou não incorporá-los à nossa prática profissional, entendemos que apenas a construção de um conhecimento em torno desse tema poderá indicar quais os verdadeiros riscos e benefícios envolvendo essa realidade. Vale notar que relacionamentos à distância tendo em vista finalidade terapêutica não são propriamente uma novidade. As experiências de Carlino (2010) e de Scharff (2012), em referências ao atendimento por telefone, atestam isso. De todo modo, é a partir da nova tecnologia que a prática e as discussões em torno dela se ampliam, sendo de fato uma novidade no campo da ciência. Em consonância com o objetivo da ampliação do atendimento psicológico à população, o atendimento via Internet pode significar a disponibilização dos serviços em circunstâncias em que o encontro presencial está impossibilitado. Os principais beneficiários seriam os emigrados não familiarizados com a cultura ou com o idioma do novo país; pessoas com dificuldades de locomoção; moradores de centros carentes de serviços de psicologia; pessoas impedidas de manter a frequência presencial devido rotina de viagens; pacientes que teriam o atendimento interrompido devido a mudanças de cidade, estado ou país, ou que estariam momentaneamente 139 impossibilitados de comparecer ao atendimento presencial (BARNETT e SCHEETZ, 2003; ESPARZA, 2008; FARAH, 2004; PACHUK e ZADUNAISKY, 2010; ROCHLEN, ZACK e SPEYER, 2004). Tratando-se de uma prática regularmente exercida há quase duas décadas em vários países, dentre os quais: Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Rússia, Argentina, Holanda e Israel (BARAK et al., 2008; SIMPSON, 2009; SOTO-PÉREZ et al., 2010). No Brasil, Prado e Meyer (2006), contando com a participação de psicólogos de diferentes abordagens teóricas no desenvolvimento de um sistema de psicoterapia breve através de mensagens eletrônicas em formato de comunicação assíncrona, desenvolveram a primeira e única pesquisa até então realizada no país envolvendo o tema da terapia online. Os resultados, envolvendo a questão da aliança terapêutica, mostraram-se favoráveis. Pesquisas internacionais, já em maior número e utilizando os diferentes formados de comunicação via Internet (texto, áudio e vídeo) corroboram esses resultados (COOK e DOYLE, 2002; HANLEY, 2009; GERMAIN, 2010). Outros, com foco na eficácia dos tratamentos, apresentam resultados favoráveis envolvendo questões como dificuldades conjugais (JEDLICKA e JENNINGS, 2001), problemas sexuais (HALL, 2004), transtornos alimentares (SIMPSON et al., 2006; TATE, JACKVONY e WING, 2006), ansiedade e depressão (BARAK et al., 2008; HOLMES et al., 2009), fobia social (TITOV et al., 2009) e estresse pós-traumático (KNAEVELSRUD e MAERCKER, 2007). Kopel, Nunn e Dossetor (2011) referem ainda resultados favoráveis envolvendo crianças e adolescentes. No âmbito das questões éticas nos atendimentos online, há vários artigos do cenário internacional propondo diretrizes, havendo, dentre outras recomendações, um consenso entre os autores em relação ao uso do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, detalhando as informações sobre as condições de atendimento, de confiabilidade e de privacidade (BARNETT e SCHEETZ, 2003; CARLINO, 2010; FENICHEL et al., 2002; JARNE, 2001; KING E MOREGGI, 1998; LEIBERT et al., 2006; LEROUX, 2008; LUDMER, 2008; PACHUK e ZADUNAISKY, 2010; RAGUSEA e VANDECREEK, 2003; SIMPSON, 2009; SULER, 2001; ZUR, 2007). No Brasil, não obstante as atualizações nas regulamentações promulgadas pelo Conselho Federal de Psicologia, prevalecem, desde o ano de 2000, o reconhecimento dos serviços mediados por meios eletrônicos de comunicação à distância desde que de natureza pontual e informativa (nomeados de Orientação Psicológica), bem como a restrição da psicoterapia via Internet apenas para a finalidade de pesquisa (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2000, 2005, 2012). E não poderia ser mesmo diferente, uma vez que os estudos e as discussões em torno desse tema praticamente não avançaram. Não obstante a isso, no final do ano de 2012, contra os 200 websites cadastrados pelo Conselho Federal de Psicologia, existiam mais de vinte mil oferecendo terapia online, conforme constatamos através de pesquisa livre em sites de busca da Internet, a partir do unitermo “psicoterapia online”. Visando colaborar na construção desse conhecimento, realizamos a tese de doutorado intitulada “Experiências de atendimento psicológico grupal: uma perspectiva psicanalítica”, que teve por objetivo investigar experiências de atendimento psicológico online, na modalidade de grupo, em comunicação via Internet, em tempo real, por vídeo e voz, tendo como um de seus objetivos específicos o de alcançar uma compreensão acerca das potencialidades do grupo online de se constituir em um dispositivo terapêutico efetivo para sensibilizá-lo de seus processos psíquicos inconscientes. Acrescenta-se que, em relação à escolha da modalidade grupal, consideramos, além dos benefícios próprios da grupalidade, o fato de a Internet tornar possível a reunião em tempo real de pessoas de diferentes localidades, de distintas culturas, com o potencial de trazer, dessa forma, novas possibilidades ao campo das terapias. Método 140 Participantes: 10 pessoas, na composição de 2 distintos grupos (5 pessoas por grupo), sendo que no primeiro grupo predominaram pessoas com formação em Psicologia, havendo um perfil mais heterogêneo no segundo grupo. As idades variaram de 23 a 48 anos. Todas mulheres (ainda que não houvesse restrição quanto ao gênero), todas brasileiras, residentes no Brasil ou no exterior (Estados Unidos e Argentina), com escolaridade entre superior incompleto e doutorado, e todas até então desconhecidas entre si. Instrumento: aos grupos formados por vídeo e voz, foram empregadas as regras fundamentais do método psicanalítico: associação livre, que no grupo se transforma em “fala livre circulante” (FOULKES, 1967) e da abstinência (das relações sociais entre as pessoas do grupo e da psicóloga em relação às trocas verbais que escapassem às experiências vividas pelas próprias pessoas do grupo), sendo igualmente empregadas as regras complementares em relação ao dia da semana e horário das sessões, totalizando 24 sessões semanais de 90 minutos cada (ANZIEU, 1993). À psicóloga coube informar ao grupo o seu estatuto, formular as consignas e oferecer ao mesmo o máximo de liberdade possível para o seu funcionamento e evolução, limitando suas intervenções ao objetivo de instigar a reflexão do grupo acerca das ideias e dos sentimentos mobilizados no desenvolvimento da experiência. Considerações Éticas: tendo em conta os preceitos estabelecidos na Resolução CFP 012/2005, em vigor à época do estudo, o projeto de pesquisa foi inicialmente submetido ao Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, sendo por este aprovado, sob protocolo n 920/10. Em seguida, um website contendo as informações sobre a pesquisa e demais itens previstos na mesma Resolução, foi submetido ao processo de credenciamento de sites pelo Conselho Federal de Psicologia. Visando à criação de um ambiente virtual preservado do acesso de pessoas não autorizadas, foi utilizado um software que permitia à psicóloga proceder como uma anfitriã que convidava as participantes (através de um link de acesso encaminhado por mensagem eletrônica) a entrar na sala virtual e ali permanecerem conectadas por áudio e imagem, de modo que pudessem ver e ouvir umas às outras, incluída a própria imagem, durante todo o tempo da sessão. Duas senhas de acesso eram utilizadas: uma para a abertura do software pela psicóloga, e outra para o acesso das participantes à sala virtual. As mensagens contendo o link e a senha, que era renovada semanalmente, eram encaminhadas sempre com um dia de antecedência à sessão. Além disso, os participantes, por ocasião de entrevistas prévias individuais, eram orientados a respeito das providências necessárias para a manutenção do sigilo nas comunicações (incluindo a atualização dos programas antivírus em suas máquinas e a alocação das mesmas em um espaço físico reservado da presença de terceiros), além de outras condições previstas em Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Procedimento: Após aprovação do website e obtenção do selo de credenciamento, iniciou-se um processo de divulgação da proposta, contando com a colaboração de pessoas da rede profissional e social da pesquisadora, através do envio de mensagens eletrônicas que remetiam a pessoa interessada ao referido website. A partir das solicitações de participação, eram realizadas entrevistas individuais através dos mesmos recursos de vídeo e voz escolhidos para a realização dos grupos. Essa entrevista tinha por finalidade esclarecer os objetivos bem como o caráter experimental da proposta, verificar os critérios de inclusão/exclusão dos participantes, coletar os dados do participante, conhecer as motivações para seu ingresso, Foi acordado com as participantes que os grupos funcionariam no formato semiaberto, significando que (considerando o limite de 5 pessoas por grupo) novos integrantes poderiam ser acolhidos até a 12ª. sessão, quando se tornariam, então, fechados. Com o consentimento do grupo, realizou-se a gravação do áudio das sessões, preservando, dessa forma, a fidedignidade do material que seria submetido à análise. 141 Complementa-se que caso em algum momento fosse identificada a necessidade de algum tipo de encaminhamento, a psicóloga se responsabilizaria pelas devidas orientações e encaminhamentos, o que não ocorreu. Análise do material: tendo em vista colocar em evidência o sentido latente do material produzido, iniciamos pela transcrição integral das sessões, incluindo as informações linguísticas (registro da totalidade dos significantes) e paralinguísticas (anotações dos silêncios e dos aspectos emocionais, como risos, tonalidades da fala, dentre outros). Cumprida essa primeira etapa, procedemos à leitura flutuante (TURATO, 2003) do material produzido, visando à formulação das primeiras hipóteses. Em seguida, considerando as restrições e especificidades definidas por Kaës (2005) para o procedimento de análise do material associativo, foram realizados recortes das falas das participantes e destacados os fragmentos que fossem representativos das hipóteses e das inferências obtidas, de modo a agrupar elementos que pudessem confirmá-las ou refutá-las, tendo em conta: a linearidade dos enunciados, a sincronia de certas associações e os efeitos das ressignificações. Feito isso, foi empreendida a interpretação propriamente dita à luz do referencial teórico adotado para a realização deste estudo, buscando ultrapassar a mera descrição dos conteúdos registrados, para apontar os sentidos subjacentes do material produzido, etapa que contou com a participação do orientador do estudo e de mais duas colegas psicólogas, todos experientes com o citado aporte teóricometodológico. Resultados e discussão A seguir, considerando os objetivos delineados neste estudo, apresentaremos algumas falas das participantes e as reflexões suscitadas na análise do material obtido na realização dos grupos e sua interlocução com o levantamento bibliográfico. Os nomes das pessoas são fictícios e alguns dados foram omitidos, respeitando o sigilo ético. 1) O encontro com a nova pluralidade Na primeira sessão do grupo A, após a recepção das participantes na sala virtual e apresentação das consignas pela psicóloga, um breve silêncio é interrompido com a seguinte fala: Márcia: _Eu tenho uma curiosidade de saber quem são as pessoas (...). Eu posso até começar falando um pouquinho... A sugestão da participante para uma rodada de apresentações corresponde ao primeiro fenômeno comum dos grupos não diretivos compostos por pessoas até então desconhecidas entre si. Para além do objetivo manifesto de identificar quem fala a quem, Kaës (2011, P. 123) defende a tese de que essa iniciativa tem como objetivo profundo “tranquilizar-se e proteger o ego e o grupo que começa a tomar forma contra a angústia diante do desconhecido, tanto do exterior quanto do interior”. A mesma participante ainda diz: Márcia: _[...]. Não sei como é que funciona, sei que estou aí com um monte de gente... (Risos). Essa fala, em evidente contraste com a realidade do grupo e em meio a risos, teria sido uma das formas inconscientes de enunciar a angústia diante do desconhecido. As associações que se seguem representam outras maneiras que os grupos encontram para lidar contra o sentimento de insegurança que a nova situação lhes suscita, e que nesse caso é nova em duplo sentido, sendo pessoas desconhecidas entre si e que nunca experimentaram uma terapia online: Karina: _Você não parece ter 46 anos. ... Karina:_ Nada a ver com psicologia... (Risos). Mas eu trabalho com Internet há dez anos. 142 Paula: _Ah, mas você trabalha um pouquinho com isso também, né? As diferenças são negadas, compensadas e amenizadas. Esses mecanismos caracterizam o movimento do grupo de se articular com as semelhanças e se evitar as diferenças, como que procurando homogeneizar sua realidade interna. Com isso, cria-se a ilusão de um espaço psíquico comum e indiferenciado, o que promove a representação psíquica de uma unidade integrada, um corpo de grupo, “garantia primeira contra o impensável sentimento de inexistência” (KAËS, 2000, p. 93). 2) Evolução Acompanhando a evolução dos grupos, notamos algumas falas que enunciavam de modo extratransferencial - ou seja, “através de sentimentos embutidos nas narrativas de fatos exteriores” (ZIMERMAN, 2001,p. 136) – a forma como as participantes se mobilizavam para superar a ansiedade vivida no “aqui e agora” da experiência: Aline (Grupo A, 1ª. Sessão): _Acho, assim, essas experiências que a gente faz às vezes são duras, tem uma burocracia própria do local que a gente tá, que a gente ainda não conhece, né? É preciso ultrapassar barreiras. (...). Dá vontade de desistir, mas depois que você consegue passar, aí te dá uma sensação de conquista, de... É bem legal! ... Felícia (Grupo A, 2ª. Sessão): _ .... Eu estava falando também das minhas dificuldades, né?... Que os professores falam rápido... O idioma tá meio complicado. Aline: _É, aos poucos... Faz pouco tempo que você tá aí, né? Daqui a pouco já pegou. Márcia: _É mais do dia a dia mesmo, né? Você deve conversar com as pessoas! Felícia: _É... Márcia: _Vai dar certo! Contra a própria ansiedade nesse momento de recém-constituição, o grupo se mobilizava em expressões que suscitavam esperança. Posteriormente, vencidas as barreiras iniciais, um novo movimento é introduzido no grupo: Aline (Grupo A, 4ª. Sessão, falando de seu filho de 4 anos): _Me preocupa porque eu vivi isso quando eu era pequena. Eu não ficava na escola. Eu chorava que meus pais tinham que ir lá me buscar de volta. [Traz outras lembranças desse período]. Nossa... Isso eu lembro direitinho... Chorava que eu não queria ficar lá de jeito nenhum. Então... Eu falo... Me pega nesse sentido. Do ponto de vista transferencial, era o grupo quem também estava se adaptando, superando a fase inicial característica do encontro com uma nova pluralidade (KAËS, 2011) e podendo, então, trazer a primeira queixa, envolvendo temas como a separação e o medo de sofrer. Na sequência, Márcia diz: Márcia (Grupo A, 4ª. Sessão): _.... É engraçado,Aline, que ouvindo você falar... Quando eu tava na escola... Me veio um insight aqui... Eu também era muito assim... Eu também ia prá escola com aquele sentimento de que... Eu era diferente. (...). E isso é motivo, né, de... Tudo que é diferente, chama atenção. [Comenta lembranças desse período]. Aí você fica ali... participou de uma experiência... e que não foi boa (Começa a chorar). Então, assim, acho que isso mobiliza a gente mesmo, para o resto 143 da vida. (...) E, do meu pequeno, eu sinto muito isso. Ele é muito parecido comigo, e... então é isso mesmo, não quero que ele sofra, né? Como numa sala de espelhos, cada integrante do grupo entra em contato com aspectos de sua própria imagem social, psicológica e corporal, podendo também estabelecer, através desse processo, relações entre presente e passado (FOULKES e ANTHONY, 1967). 3) A entrada do “estrangeiro” Mudanças na configuração do grupo influenciaram na sua dinâmica. Isso ocorre, por exemplo, quando o grupo A recebe uma nova integrante: Aline (Grupo A, 7ª. Sessão): _Então... Estou curiosa! Quero saber da Luana. (Risos). Quem é a Luana, o que ela faz, onde ela tá... Principalmente, né? Onde ela tá (Risos). Porque cada uma que tá aqui é de um lugar diferente do Brasil. “A introdução de um novo membro em um grupo já existente tem quase sempre a probabilidade de causar uma reação-G envolvendo certa expressão de ansiedade” (FOULKES, 1976, p. 122). Os risos, nesse contexto, denotavam essa “reação ao estrangeiro” (FOULKES e ANTHONY, 1967). Aline (Grupo A, 7ª. Sessão): _Uma coisa interessante nesse grupo. Até quem entra aqui é itinerante. Morou aqui... Foi pra lá... Virou pra cá... (Risos). Todo mundo tem essa característica. Para adaptar-se à nova configuração, o grupo repete o movimento observado na primeira sessão, quando a apresentação não tinha apenas o propósito de identificar quem falava a quem ou fornecer pontos de referências, mas “tranquilizar-se e proteger o ego e o grupo que começa a tomar forma [ou, nesse momento, adaptar-se a uma nova forma] contra a angústia diante do desconhecido” (KAËS, 2011, p. 123). Os grupos enfrentaram ainda outras situações de ansiedade características, quando se depararam com os atrasos, com as faltas, com os abandonos e com os silêncios. As instabilidades no funcionamento do instrumento de comunicação, interferindo na dinâmica dos grupos em vários momentos, são adicionados a essa lista, exacerbando os sentimentos persecutórios. Foi possível perceber, no entanto, que as tensões e ansiedades deflagradas diante desses problemas foram se atenuando ao longo das sessões. 4) Ressonâncias Na oitava sessão, Luana (grupo A) compartilha o conflito que enfrentava em sua vida conjugal, envolvendo o tema da traição, e que refletia em dúvidas quanto à continuidade de seu casamento. O relato da participante ressoa no grupo em diferentes associações. Aproximando-se ao final da sessão, Márcia diz: Márcia: _Com relação a nossa experiência, Carla, assim... Eu confesso que eu tenho algumas resistências, porque... Já teve vários assuntos aqui, e eu queria falar alguma coisa, e dá receio... Dá mesmo! (...). Na verdade, eu tenho uma pessoa... (...). E eu não consigo deixar de ficar mexida com o relato da Luana hoje (começa a chorar). (...). Eu me senti um pouco culpada. (...). Como seria hoje... se meu marido descobrisse? (...). Fere muito a gente, né? (Chora). A partir do relato de Luana, Márcia se identifica com o papel da traidora. A angústia que essa experiência provoca a impele a se revelar ao grupo. Luana comenta: Luana: _(...). Assim... Cada caso é um caso, né? (...). Na verdade, eu vou ser sincera, o tempo todo eu fico procurando entender o que está se passando até com ele, porque eu tenho um carinho enorme por ele. (...). E 144 além dele ser o pai da minha filha, ele tem um papel importantíssimo na minha vida, de pessoa mesmo que eu admiro, que mesmo com todo o ocorrido, essa admiração não foi jogada por terra. No grupo “uma fantasmática circula entre os membros; é ela que os reúne, tanto na sua coesão operante como na sua angústia coletiva” (ANZIEU, 1993, p. 54). Entra em cena o invólucro grupal, que contém os pensamentos, as palavras e as ações, estabelecendo uma interface entre o dentro e o fora, com a função de limitar, conter e proteger. Dessa forma, o grupo se protege da fragmentação, e tal como uma mãe protetora, ajuda a transformar em pensamento o que está carregado de afeto. Na fala a seguir, Márcia verbaliza o que significou para ela fazer a sua revelação ao grupo: Márcia (Grupo A, 9ª. Sessão): _Bom... Eu queria dizer que foi muito bom falar da última vez, aquelas coisas... Parece que eu fiquei mais inteira, sabe? Parece que tava faltando... um pedaço. (Breve silêncio). Eu achei a Fê mexida também.... Do ponto de vista individual: o reconhecimento de sentimentos, pensamentos e desejos até então rechaçados como parte de si mesma. Do ponto de vista grupal: o sentimento de maior integração ao grupo (BECHELLI e SANTOS, 2005). Márcia (9ª. Sessão): _Na verdade, assim, por que eu não coloquei para o grupo antes? Porque você tem medo do julgamento, né...? Quando Márcia explica o porquê de não ter revelado antes ao grupo, ela também está expressando o sentimento de aceitação e respeito experimentado no momento em que o fez. Sentindo-se menos temerosa e menos angustiada, a pessoa tem condições de recuperar seu movimento psíquico e poder refletir sobre a experiência vivida, possibilitando que se passe do agir ao pensar (FOULKES, 1976). Na décima sessão, a participante comenta a experiência de ter se revelado: Márcia (Grupo A, 10ª. Sessão): _Falar de mim sempre é difícil. Seja pessoalmente, seja na Internet, é difícil. Mas falar sempre é bom, né? Dá uma tranquilizada. Na verdade, você se sente também acolhida, né? Por que... As pessoas... Parece que entendem... Demonstram isso na feição. Você olha para as pessoas assim, você vê... A Aline, ela é superemotiva também... Eu sinto uma afinidade muito grande com ela, sabe? É bacana. Considerando que as relações especulares dentro do grupo tendem a reavivar no sujeito experiências emocionais que tiveram origem em suas primeiras ligações de objeto (KAËS, 2004), o grupo como uma imago materna boa permitiu a Márcia sentir-se acolhida e ter sua ansiedade aliviada. 5) Deixando a envoltura Algumas das associações produzidas na última sessão do grupo destacado neste trabalho (Grupo A) também foram destacadas tendo em vista a particularidade desse momento de término: uma sessão de despedida que caracteristicamente evoca reações emocionais específicas (FOULKES, 1976). Apenas Aline participou desse último encontro. De todo modo, é a experiência grupal o principal foco da sessão. Aline fala desse término: Aline: _Pra mim sempre teve uma carga de investimento grande quando eu fiz e participei. Sempre. (Emociona-se). E agora a gente tá no fim (Risos). Não dá pra ficar chorando. Mas é que é isso, me mobiliza muito. (Breve silêncio). Questões muito significativas, então é por isso. As falas de Aline na última sessão refletem o sentimento positivo de convivência no grupo virtual. O grupo foi vivenciado como um espaço para reflexões, como um local no qual se abrem 145 novas possibilidades. Aline se lembra ainda de uma experiência que teve em uma comunidade indígena e do choque que sentiu no retorno: Aline: _...Até você se readaptar... Claro, acontece rápido, mas o primeiro momento, até você sair do avião... até então, né? Você tá saindo de lá... Você dentro com tudo aquilo. De repente você sai, aquele aeroporto... aquele monte de gente... falando na tua cabeça... A representação do grupo como um corpo, reiteradamente constatada nas pesquisas de Kaës (2000), é reproduzida nesta fala de Aline. O avião seria a metáfora de uma envoltura corporal, produzida pelo grupo, estabelecendo os limites dentro-fora. Sair dessa fronteira angustia. Da mesma forma como o grupo representado como corpo não está dentro nem fora do sujeito, o avião não está no céu e nem na terra, mas num espaço transacional, no sentido winnicottiano dessa ideia. A experiência foi como uma viagem que terminou, cada uma indo para seu destino. Considerações Finais A despeito das dificuldades enfrentadas (em especial, oscilações e quedas de conexão), os resultados desta pesquisa revelam que a dinâmica grupal online é capaz de reproduzir vicissitudes da dinâmica grupal presencial, incluindo a inicial mobilização de seus participantes pela busca de uma identidade comum, pelos incômodos diante dos silêncios mais constantes, pela transformação de problemas pessoais em problemas de grupo, instaurando e fortalecendo sentimentos de vínculo, e pela abertura de um espaço para a ressignificação dos problemas vividos. Conclui-se, assim, que o grupo online pode constituir um espaço terapêutico efetivo, não obstante algumas limitações e diferenciações. Referências ANZIEU, D. O grupo e o inconsciente: o imaginário grupal. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1993. BARAK, A.; HEN, L.; BONIEL-NISSIM; SHAPIRA, N. A comprehensive review and a meta-analysis of the effectiveness of internet-based psychotherapeutic interventions. Journal of Technology in Human Services, 2008, n. 26, p. 109-159. BARNETT, J.; SCHEETZ, K. Technological advances and telehealth: ethics, law, and the practice of psychotherapy. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 2003, n. 40, v. 2, p. 86-93. CARLINO, R. Psicoanálisis a distancia. Buenos Aires: Lumen, 2010. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP n° 003/2000 de 25 de setembro de 2000 Regulamenta o atendimento psicoterapêutico mediado por computador. Disponível em: < http://www.pol.br/legislacao/pdf/resolucao/003-00.pdf >. Acesso em: 13 março 2009. 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Palavras-chave: desvalimento; pós-modernidade; desamparo; apatia Abstract This paper intends to cause a reflexion about helplessness as a pathology inserted in a postmodernity context. From the incidence of a major number of helplessness patients in psyquiatric, psychologic and psychoanalistic clinics, there is a necessity to ask the influence of postmodern events as a breeding ground for psychic helplessness. It intends to question if helplessness is born by the impossibility of one’s psychic constitution in his family structure or by a condition of global and general helplessness and the influence of sócio cultural context that 148 may not allow a collective subjectivity constitution, resulting on a change in the global familiar structure. Key-words: helplessness; postmodernity; psychic helplessness; apathy Introdução O desamparo é o estado de impotência que o ser humano encontra perante um sofrimento e segundo Freud, o sofrimento pode originar-se de três distintas direções: da própria decadência corporal que nos leva à morte; do mundo externo e suas forças destrutivas, das quais podemos ser alvos e por fim das relações com os semelhantes. Há muito a palavra desamparo aparece na literatura psicanalítica. No texto “Projeto de uma psicologia científica”, Freud diz “ O desamparo original do homem é a fonte originaria de todos os motivos morais” (FREUD, 1895, p. 32), mas somente a partir de 1915, a palavra assume uma conceituação nos textos de Freud (BIRMAN, 1999). Nas últimas décadas, a palavra desamparo passou a aparecer com muita frequência no discurso psicanalítico significando uma estrutura psíquica cuja essência é o vazio. Estudos recentes de autoria do argentino Dr. David Maldavsky cunharam o termo desvalimiento para especificar essa estrutura psíquica. O objetivo desse trabalho é buscar compreender se a origem da patologia do desvalimento é resultante individual da desestruturação familiar ou resultante global da mudança de paradigmas na cultura e nos valores do mundo pós-moderno Metodologia Para esse trabalho, a metodologia usada foi a pesquisa e revisão da bibliografia psicanalítica e sociológica e a escuta psicanalítica de um paciente em consultório no período de Janeiro de 2008 a Setembro de 2012. Resultados e discussão A mudança de paradigmas na pós-modernidade Para o sociólogo Zygmunt Bauman (2001) estabeleceu-se a era da liquidez nos tempos pósmodernos. O descartável e fluido prevalecem sobre o duradouro e o sólido. O ideal de amor tornou-se ultrapassado pela facilidade do relacionamento virtual, pelos contratos frágeis e volúveis que fundamentam casamentos e relações humanas. A cultura ocidental pós moderna viu seus valores nobres e elevados diluírem-se como liquido que escapa das mãos e tomar lugar valores que se estabelecem em um modo de vida precário onde predomina a incerteza constante e o medo de exclusão. Os vínculos tem prazo de validade e são fundamentados na gamofobia. Segundo Gilles Lipovetsky (2002), existe hoje uma grande mutação global que gira em torno de um grande organizador: o consumismo que absorve os indivíduos. O discurso consumista promete a possibilidade de encontrar prazer fácil e rápido na realidade a nossa volta, promovendo a interação entre cultura e subjetividade. O valor de ser cede lugar ao valor de ter, opera-se no quantitativo ao invés do qualitativo. O sentido da vida obscurece e para compensá-lo exacerbase o individualismo hedonista. Há uma nova configuração familiar que começa a se construir com a liberação sexual da década de 60. A mulher adquire direitos, inclusive do seu próprio prazer, passa a compor a renda familiar com seu trabalho. O homem, antes único provedor, percebe-se ameaçado em sua autoridade e muitas vezes inferiorizado pela carreira bem sucedida da cônjuge. Incerto do seu papel, também perde a sua função de interdito edipiano. A mãe cede lugar à profissional que compensa a sua culpa de ausência e sua impossibilidade de atender as demandas afetivas do filho, com ausência de imposição de limites. Cindida em seu papel, diante de uma demanda pós moderna de competência, rapidez e posses, muitas vezes a afetividade materna é sobreposta 149 pelos cuidados maternos. Cuidadoras de creches públicas ou privadas serão responsáveis pelo cuidado ou amparo e desenvolvimento do bebê, num ambiente de rotatividade e desapego. A depressão, patologia da vida pós moderna sem sentido, torna-se epidemia e passa a ser reduzida a um transtorno neurofisiológico combatida com pílulas “mágicas” anti-depressivas que sustentam grandes lucros às industrias farmacêuticas. A depressão e a ansiedade são os sintomas do vazio da pós-modernidade. A violência se alastra no cotidiano, gerando medo. David E. Levisky (1997) sugere que numa sociedade na qual a violência se torna banalizada ou deixa de ser identificada como sintoma patológico social, há o risco de transformá-la num valor cultural válido a ser incorporado, gerando portanto condições para que a violência física e moral se transforme em elemento de afirmação social do jovem na cultura ocidental. Legitima-se assim a violência e perde-se a dimensão ética, característica cada vez mais evidente na nossa sociedade e que se manifesta através das grandes platéias para as lutas livres, UFC, dentre outras. É nesse cenário que o desvalimento parece eclodir com mais força e aparecer de forma mais frequente nos consultórios psiquiátricos, psicológicos ou psicanalíticos. Desvalimento Freud cita a consciência secundária como a instância relacionada ao trabalho interpretativo analítico de tornar consciente o inconsciente e também faz referência a outra consciência, a qual chamou de originária ou neuronal, anterior às marcas mnêmicas e às representações, a qual tem por finalidade captar a vitalidade pulsional como fundamento da subjetividade. Para que o sujeito se constitua é necessário haver a satisfação de suas demandas básicas de fome, sede, higienização, através das quais agregam-se o afeto, a contenção e o acolhimento da mãe ou de quem exerce a maternagem. As impressões sensíveis do sentir o afeto da mãe garante um investimento na percepção até então desinvestida e indiferente da consciência originária. Iniciam-se as bases para o surgimento da consciência secundária, na qual irão se inscrever as marcas mnêmicas. O investimento constante na consciência originária inscreverá uma organização do mundo sensível de forma diferente, que será a base para o desenvolvimento posterior do ego. Quando o investimento do afeto não ocorre ou é insuficiente nas primeiras semanas de vida, a percepção não investida irá impossibilitar a instalação da consciência secundária, gerando um vazio que comprometerá todas as fases de desenvolvimento posteriores, fragmentando ou inibindo o psiquismo. O desamparo e a identificação com a morte, resultado do vazio afetivo, promoverão a instalação da angústia automática, somática, uma vez que falta à mente a experiência do registro. Prevalece então o princípio de inércia sobre o princípio de constância que se faz necessário para a manutenção da saúde psíquica. André Green (1988) cunhou o termo “mãe morta” para referir-se a uma mãe fisicamente presente e afetivamente morta em função de uma depressão, um luto ou outras patologias. Uma imago fria que se constitui na psique do recém-nascido substituindo o objeto vivo, fonte da vitalidade da criança em figura distante, átona e inanimada. A mãe torna-se morta psiquicamente aos olhos da criança de quem cuida, comprometendo seu futuro libidinal, objetal e narcisista. A clínica do vazio O caso estudado refere-se ao paciente E. E. S., de sexo masculino, encaminhado para análise devido ao seu medo de dirigir veículos automotores, 22 anos, filho único de pais que já vinham de casamentos anteriores. E. aparentava uma formalidade excessiva no início do tratamento. Contava sua história sem nenhum sentimento subjacente. Falava da mãe cujo vínculo se desenhava por meio da posse, da manipulação e da imposição de regras e planos futuros para 150 E., a grande preocupação da mãe era sua atuação social, as viagens internacionais e sua aparência. E. sabia dizer a idade do pai, mas desconhecia a verdadeira idade da mãe, a qual era escondida de todos. O pai, quase com 70 anos, era um homem de caráter rígido, por vezes agressivo, controlador e ausente. E. tinha uma habilidade especial para desenhar. Trazia alguns de seus desenhos para a análise. O tema presente em seus desenhos era morte e destrutividade. Um dos seus desenhos era um Cristo dilacerado com vísceras à mostra e membros separados. Este desenho especialmente simbolizava a fragmentação e a dilaceração psíquica de E. A família costumava viajar duas vezes por ano para conhecer o mundo. E. apresentava-se sempre muito apático e indiferente a qualquer estímulo interno. Para ele, ir para qualquer lugar do mundo era como ir até o escritório do pai. Aos 22 anos, E. não comprava ou escolhia roupas para si, a mãe comprava e escolhia suas roupas. E. expressava profundo ódio dos pais em algumas sessões, em outras o discurso era contraditório e reconhecia que os pais era tudo que tinha na vida, dizia amá-los como se falasse de outra pessoa, sem qualquer afeto ou emoção. No segundo ano de análise E. se envolvera com drogas, iniciando com maconha, passando a seguir para o álcool, cocaína e crack. Nesse período, numa freqüência de três sessões semanais, expressava toda a sua destrutividade em relação aos pais, planejando minuciosamente e com requintes de crueldade, como os mataria. A análise foi interrompida por um período de nove meses devido a uma internação numa clínica de reabilitação. Após a alta médica, E. retomou a análise. Sexualmente, E. sempre buscava prostitutas para manter relações sexuais e procurava sempre manter-se fiel às profissionais com quem se relacionava. O período de internação serviu para estar em contato com todo tipo de internos e se interessar por satanismo. Aderiu a um grupo de práticas satânicas pela internet e logo se iniciou em rituais com matanças de animais. O pai, vistoriando-lhe o computador, descobriu as conversas de E. e ameaçou interná-lo por tempo mais longo. E. afastou-se do grupo de práticas satânicas e se aproximou de um grupo de jovens delinqüentes, alguns com passagens pela polícia. Nesse grupo conheceu K., uma jovem de 17 anos, por quem se apaixonou perdidamente. Passaram cinco meses namorando, entretanto as sessões desse período eram repletas de uma angústia e insegurança de E. em relação a um possível abandono de K. Controlava todos os passos da namorada, comprava-lhe presentes caros e a levava a jantares em restaurantes sofisticados. Depois de cinco meses, sob forte pressão e dominação de E., K. terminou o namoro. Aqui, percebe-se a compulsão à repetição na qual E. remonta a sua história com sua mãe. Logo após o término do relacionamento E. demonstrava novamente toda a sua destrutividade nos conflitos familiares, com o analista e com todos a sua volta. Acreditava poder voltar com K. e mergulhava em crenças místicas procurando apoio para suas confabulações e fantasias. Dizia sempre que K. era sua alma gêmea e que estaria com ela mais cedo ou mais tarde. O paciente desvalido aparenta uma indiferença para com a vida, uma apatia oriunda do princípio de inércia imposto pela pulsão de morte. Aparenta uma insensibilidade à dor e ao sofrimento com traços de caráter narcísicos, considerando que sua constituição estagnou-se antes de alcançar o reconhecimento do outro. No caso acima exposto, a apatia do paciente predominou em todo o processo analítico. Quando saía de sua apatia explodia em ódio e agressividade. Todo o trajeto do processo analítico, E. demonstrava a presença da angustia automática , apatia e prevalência da pulsão de morte. Falava sobre o seu amor por K. referindo-se ao seu domínio e posse. K. era a possibilidade de contato com a subjetividade que E. não acessava e nem tinha registro. Nesse caso, pode-se perceber uma aparente depressão, porém sem tristeza. Não houve a perda do objeto porque este nunca existiu, levando a E. à uma identificação com a morte, com o nada. A qualidade de transferência estabelecida, usando um termo de Zimerman era uma “transferência natimorta”, amorfa, que fazia com que E. nunca faltasse a uma sessão, mas também não demonstrasse nenhum afeto ou interesse pela sua análise. Vinha à análise como se 151 cumprisse um script, de cordialidade à agressividade para com o analista. A contratransferência possível de ser sentida era de desânimo, desistência e impaciência. O vazio tende a ser preenchido, no caso de E. com o abuso de substâncias que acreditava poder preencher o nada, mas que o entorpecia para não se dar conta do vazio e da inércia que vivia. Quanto aos traços de caráter, Bick (1968 apud COSTA, 2010, p. 67) cita a viscosidade como característica do desvalimento. A viscosidade pode ser traduzida como a necessidade do apego a um mundo imediato e sensível, aparecendo na análise sob a forma de docilidade lamuriosa, buscando despertar a compaixão do analista. São pacientes que pedem mais do que ver e ouvir o analista, precisam tocá-lo, invadi-lo, perguntar sobre sua vida pessoal, desviar a análise para um universo relacional estéril e frustrante, o qual resulta numa contratransferência de raiva e desejo de livrar-se do paciente. Elogiam o trabalho do analista mas são incapazes de promover mudanças relevantes durante o processo analítico. Meltzer e Williams (1990 apud COSTA, 2010, p. 68) citam como característica do desvalimento o cinismo que se apresenta como uma fachada sarcástica, de falso bem-estar ou felicidade que visa acobertar a desgraça de uma vida estéril, sem projetos e sem esperança. O traço abúlico citado por Maldavsky (1996 apud COSTA, 2010, p. 68) é a expressão final da pulsão de morte impondo a monotonia e a inércia. O desamparo leva a um desinvestimento do ego pelo narcisismo e pela autoconservação, evidenciando a eficácia do impulso de morte. E. apresentava um traço viscoso, uma adesividade ao analista a quem pedia endosso das suas ações e do seu pensar. Tentava invadir sempre o analista com perguntas pessoais referentes a outras atividades que o analista exercia e a lugares que possivelmente o analista freqüentava. A organização do pré-consciente de E. apresentava-se através de um discurso inconsistente, catártico e numérico. Logo que E. adentrava o consultório e deitava no divã, iniciava seu discurso por dizer: - Hoje eu tenho muita coisa para falar, deixa eu falar tudo primeiro senão não vai dar tempo de eu falar tudo que preciso. E por vezes, o analista tentava intervir, mas E. parecia não escutar e estar mergulhado no seu universo de inconsistência. O discurso numérico aparece em diversas sessões: - O Yantra é um círculo com 8 pétalas. Exatamente oito anos de diferença entre eu e a K.. Fico surpreso com tantos sinais! Eu nasci no dia 08 do mês quatro, Buda deu 84.000 ensinamentos no mundo. Você já ouviu falar da quarta dimensão? - Não, mas o que.... - É onde habitam os reptilianos, eles não são seres maus, apenas não sabem lidar com sentimentos. É exatamente como K. A Tara vermelha, você sabe o que é? Pois é, é o estado desperto de iluminação do budismo. Existem 21 taras e quando eu comecei a namorar a K., ela ia completar 21 anos. Eu comecei a namorá-la às 5 tarde, era a hora que conversávamos quando saiamos da casa de F. (amigo), no quinto mês, Maio, durou exatamente cinco meses e terminamos às 5 horas da tarde. 5 é o número da almagêmea. E a lua azul, você chegou a observar? Não, não é mesmo? Ela tem um período de sete dias, atinge o ápice no terceiro ou quarto dia e justamente nesse período eu sonhei com K. Era um sonho estranho. Ela estava deitada num negócio tipo esse (aponta o divã) inerte, olhar vazio, como se não tivesse vida, um boneco, uma estátua sem vida... num ambiente cinza... cinza é a neutralidade. Somando tudo que eu já tinha, o sonho só confirma que eu vou estar com ela. Além do discurso inconsistente, catártico e numérico, E. projeta no seu sonho a sua própria imagem, o seu vazio e a sua inércia na vida, sua apatia. - Tá muito próximo a acontecer alguma coisa, o que você acha? - O que te leva a pensar dessa forma? 152 - Eu não sei explicar, mas você não percebe isto? Aqui, um traço de viscosidade, a busca do endosso do analista todo o tempo. Buscando trazer E. para sua realidade, o analista pergunta: - Como está a sua atuação em casa, com sua família? - (Irritado) Não sei por que você sempre pergunta a mesma coisa, meus pais nunca vão melhorar, eles nunca vão mudar. Embora o analista insista na indagação, E. sempre atribui a responsabilidade dos conflitos familiares aos pais e novamente foge para seu mundo místico, inconsistente, numérico e colorido: - Estive estudando sobre Kali yuga, a deusa da morte, aspecto de tara e protetora das diversidades sexuais. É uma polaridade feminina gritante, conhecida como “a negra”. Kali é a mãe dos vitoriosos, dos auspiciosos. Não se parece nem um pouco com Hela, que é metade uma mulher bonita e metade um corpo podre e que controla os mundos inferiores. Aparece aqui um espectro da pulsão de morte, na figura da deusa negra. Hela talvez possa mostrar o que ele aparenta e o que ele sente; alguém bonito, apresentável, mas que por baixo se sente em decomposição, imerso num mundo inferior, de onde não consegue sair. Para a clínica do vazio, faz-se necessária uma inovação técnica, uma vez que não se fundamenta no prazer-desprazer de uma erogeneidade representada, mas no princípio primitivo carente de inscrições psíquicas de tensão-alívio de descargas. A atividade interpretativa torna-se ineficaz e é sentida como uma intrusão pelo desvalido. O trabalho na clínica do vazio é fundamentado na busca de tornar consciente uma percepção, uma vez que não estamos buscando o que foi reprimido ou expulso, mas o que não foi vivenciado, experimentado. O projeto analítico tem por finalidade a construção de experiências, senti-las, vitalizá-las e pensá-las, um caminho possível para se construir significação no vinculo analítico. O analista deverá funcionar como a “mãe viva” em oposição à “mãe morta”, suprindo os buracos psíquicos, importando-se, facilitando, reanimando, explicando, reconhecendo, contendo, discriminando e inter-relacionando. O sujeito desvalido no contexto pós-moderno. O mundo pós-moderno é pautado por mudanças radicais nos paradigmas vividos anteriormente. As tradições que moldavam o comportamento dos indivíduos promovendo uma conexão entre gerações, ruíram de tal forma que as gerações mais antigas perderam sua conexão com as gerações novas. A perenidade de valores e instituições, enquanto estabilidade e ordem faliu, resultando num sentimento constante de incerteza e insegurança no homem pós-moderno. Para o psiquiatra vienense Viktor Frankl (1991), as principais características do vazio existencial são a presença do tédio e a impossibilidade de planejar e pensar o futuro, resultando num estado de fadiga e desvitalização diante da existência. O mundo passa a ser explicado pela razão, conduzindo o homem moderno à busca de conhecimento científico e afastando-o do contato com seus próprios afetos. Os afetos saem da subjetividade para serem objetivamente dissecados pela neurociência. A identidade pósmoderna se constrói pela aquisição, impelindo o homem a competir cada vez mais agressivamente para ser reconhecido pelo que possui. A coletividade se desmantela diante da ruína das tradições e da perenidade, resultando num isolamento característico de um individualismo narcísico. A angústia instalada na pós-modernidade, que indaga um sentido para a vida, é silenciada pela busca constante de atividades, festas ruidosas, mega eventos, divertimentos intermináveis, drogas e sexo. A perda do sentido e da direção, resultante da desreferenciação e entropia (todos os discursos são válidos, tudo vale) incidem numa crescente epidemia de depressão. Mães deprimidas podem 153 ser geradoras em potencial de sujeitos desvalidos. Segundo Gilles Lipovetsky (2002), a hipermodernidade, termo usado para sugerir a continuidade da pós modernidade, é caracterizada pelo consumismo, individualismo, a ética hedonista e a fragmentação do tempo e do espaço. O medo gerado pela insegurança e incerteza de um futuro próximo é difuso, pois a ameaça pode vir de qualquer direção, resultando na exclusão do outro, do “diferente”, no isolamento que sacrifica a liberdade em detrimento da auto-preservação. Nesse contexto o sujeito desvalido passa despercebido, mescla-se e dilui-se no desvalimento existencial da pós-modernidade. Encontra no mundo um eco para o seu desamparo. Conclusão A pós-modernidade tornou-se um campo fértil para o crescente surgimento de pacientes desvalidos, uma vez que encontramos características do desvalimento individual num âmbito global, tais como: fragmentação, desamparo social, perecibilidade, valores superficiais e mutáveis, a estética substituindo a ética, agressividade inusitada e imprevisível, exacerbação do individualismo e do narcisismo, resultando no não reconhecimento do outro, a objetividade prevalecendo sobre a subjetividade, tudo isto sustentado pela falta de sentido existencial que induz ao hiperdimensionamento e hipervalorização do aqui e do agora, onde habita um mundo de incertezas e insegurança que impossibilita a perspectiva de um futuro. A depressão que embota o afeto já não aparece como patologia isolada, mas como patologia de uma época, fragmentando vínculos e impossibilitando o fluxo afetivo da mãe para seu bebê, impedindo portanto, uma constituição subjetiva estruturada, resultando em filhos com diversos graus de desvalimento. Por se tratar de um fenômeno de grandes proporções, o desvalimento passa despercebido e se torna característica constitutiva de uma maioria num mundo desvalido de subjetividade. Referencias Bibliográficas BAUMAN, Z. Modernidade Liquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001 BIRMAN, J. A Dádiva e o Outro: Sobre o Conceito de Desamparo no Discurso Freudiano. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro: 1999. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/physis/v9n2/02.pdf> acesso em 08 de Setembro de 2012 COSTA, G. P. A clínica psicanalítica das psicopatologias contemporâneas. Porto Alegre: Artmed, 2010 FRANKL, V. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Petrópolis: Vozes, 1991 FREUD, S. (1895) Projeto de uma psicologia científica. Rio de Janeiro: Imago, 1995 GREEN, A. Narcisismo de vida, narcisismo de morte. São Paulo: Escuta, 1988 LEVISKY, D. L. Aspectos do processo de identificação do adolescente na sociedade contemporânea e suas relações com a violência. In:___. Adolescência e Violência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000 LIGER, O. Um olhar psicanalítico sobre a contemporaneidade e suas emergências. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2010 LIPOVETSKY, G. La era del vacío. Barcelona: Editorial Anagrama, 2003; Petrópolis: Vozes, 2002 ZIMERMAN, D. E. Manual de técnica psicanalítica: uma revisão. Porto Alegre: Artmed, 2004 ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ 154 TRÂMITES DO VÍNCULO TRANSFERENCIAL NO SÉCULO XXI Esperidião Barbosa Neto Psicólogo; professor da Universidade Federal de Alagoas; especialista em Filosofia política, Psicologia Social e Psicopedagogia; mestre em Psicologia clínica; doutorando em Psicologia clínica, com pesquisa em psicanálise, pela Universidade Católica de Pernambuco. E-mail: [email protected] Resumo A decadência da função paterna gerou uma mudança de paradigma nas relações vinculares. Antes o sujeito se orientava a partir de um eixo vertical nas suas identificações, agora as relações são marcadas pela horizontalidade: “todos são iguais” segundo o ideal de consumo. O sujeito da nossa época encontra-se em estado de inércia, atormentado por um sofrimento não identificado, “um não saber o que se quer”. Esse desconforto subjetivo se reflete na clínica, cujo vínculo transferencial, para que se sustente, exige novas formas de manejo do analista, desde que não se desvirtuem os princípios da prática psicanalítica. O presente trabalho se propõe apresentar certas dificuldades para o estabelecimento do vínculo transferencial, segundo os novos sintomas, e a disposição interna do analista em função do tratamento. Apresentaremos, primeiro, Os eixos das identificações; depois A desconfiguração do inconsciente e, por último, o vínculo transferencial e a disposição interna do analista, com o relato de uma observação clínica. Esperamos poder fomentar discussões sobre novas formas de se promover o estabelecimento de vínculo do sujeito à clínica, na atualidade. Palavras-chave: eixo das identificações; vínculo transferencial; disposição interna do analista. Introdução Na atualidade a clínica psicanalítica se depara com novas patologias. Freud (1918/1976) já havia previsto essa problemática ao afirmar que, “mais cedo ou mais tarde chegaremos a isso” (p. 210), referindo-se a neurose que se tornaria algo preocupante no futuro das sociedades. Compreendemos que o pronunciamento de Freud advertia, sobretudo, para a condição do analista, frente aos novos desafios, quanto à sua disposição interna no sentido do tratamento. A decadência da função paterna e o advento de uma nova ordem no processo das identificações, hoje em dia, refletem na clínica. O novo modelo, o da identificação horizontal das referências, pelas quais se constituirá o sujeito, tem como efeito a precariedade do processo simbólico. Nosso esforço, enquanto praticantes da psicanálise, dá-se em dois sentidos: apreender as condições pelas quais se instituem as novas patologias, aliadas ao sofrimento que se repete sob a ilusão de alívio a partir dos objetos de consumo disponíveis; pensar a disposição do analista enquanto propiciadora do estabelecimento do vínculo transferencial. No Século XXI dissemina-se a ilusão de que tudo é possível ao sujeito, segundo os ideais de consumo. A partir dessa ideia, perderam-se as referências quanto aos limites no desenvolvimento da criança, pondo-se em questão o recalque e, em conseqüência, a formação do inconsciente. Para Malman (2004), se não há recalque, não há inconsciente, criando-se um mal-estar cujo sujeito não sabe o identificar. O desejo não se configura como tal, instala-se um sintoma: “o não saber o que se quer”. O estabelecimento do vínculo transferencial, condição necessária à análise, torna-se muito difícil, cabe ao analista se dispor internamente no sentido 155 de dar mobilidade ao desejo do sujeito, fazendo-o tomar a palavra, pela qual se abrirão possibilidades para o simbólico. Este trabalho se propõe apresentar algumas dificuldades de se estabelecer o vínculo transferencial, segundo os novos sintomas, e a disposição interna do analista em função da eficácia do tratamento. Metodologia Apresentaremos, primeiro, uma discussão a respeito dos Eixos das identificações: daremos ênfase à função paterna como estruturante do sujeito, pontuaremos o declínio dessa referência. Em seguida trataremos sobre a Desconfiguração do inconsciente: o sintoma da nossa época e a desconsideração do Outro simbólico. Por fim enfocaremos o Vinculo transferencial e a disposição interna do analista: a clínica diante dos novos sintomas, o desafio do analista para superar as dificuldades de estabelecimento do vínculo transferencial; destacaremos a condição interna do analista nesse processo, ilustrada por uma observação clínica. Resultados Ao apresentar algumas dificuldades de se estabelecer o vínculo transferencial, segundo os novos sintomas na nossa época, observamos a necessidade de se pensar a clínica além do modelo tradicional do Século XX. O fragmento clínico apresentado demonstrou que é imprescindível a disposição interna do analista no sentido do tratamento, para que este se mantenha e adquira êxito, cujas alternativas não desvirtuem os princípios da psicanálise. Considerações finais O mal-estar do nosso tempo se configura pela transição da referência vertical à horizontal, no desenvolvimento do sujeito. As novas gerações, sob a ideia de liberdade, voltamse para os objetos de consumo disponíveis, encontrando neles, apenas, a prevalência do gozo. Cremos haver, no futuro, um momento de estabilidade, uma nova ordem pela qual o sujeito se constitua na condição de possibilidade de mudança – capaz de simbolização. Na atualidade cabe à psicanálise saber lidar com esse gozo, até que a nova ordem se estabeleça – no analisante e na cultura -, e o sujeito possa tomar a palavra. Por enquanto, a psicanálise tem credibilidade no seu papel. Referências FREUD, S. (1912) A dinâmica da transferência. In: _____. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. v. 12, p. 131-143. FREUD, S. (1915) Observações sobre o amor transferencial. In: _____. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. v. 12, p. 207223. FREUD, S. (1917) Conferências introdutórias sobre psicanálise. In: _____. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. 16, p. 397417. FREUD, S. (1918) Linhas de progresso na terapia psicanalítica. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. 17, p. 199211 KIERKEGAARD, S. (1843) A repetição. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2009. 146 p. LACAN, J. De los nombres Del padre. Buenos Aires: Paidós, 2010. 110 p. LEADER, D.; GROVES, J. Lacan para principiantes. Buenos Aires: Era Naciente, 2010. 170 p. LEBRUN, J-P. Um mundo sem limite: ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004. 214 p. 156 MELMAN, C. Formas clínicas da nova patologia mental. Recife: Centro de Estudos Freudianos, 2004. 243 p. ROBINSON, D. & ZÁRATE, O. Kierkegaard para principiantes. Buenos Ayres: Era Naciente, 2004. 175 p. RODRIGUES, E. (2009). [email protected]. In: LUNA, D.; RODRIGUES, E. Real gozo. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2009. cap. 3, p. 56-73. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MCT05 – TÍTULO: O Dispositivo Grupal na Promoção da Saúde Mental ............................................................................................................. ANTROPOFAGIA E SUSTENTABILIDADE: VÍNCULOS EM MULHERES DEPENDENTES DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS Ricardo Trapé Trinca; Mariana Verpa Sanches; Felipe Alckmin Carvalho; Patrícia Goldback; Silvia Brasiliano PROMUD - Programa da Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo IPq- HC- FMUSP. Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, PROMUD, 05403-903, São Paulo, SP, Brasil, Fone: (11) 3082-1876; E-mail: [email protected] Resumo Diferentes autores têm colocado a drogadicção entre os quadros clínicos caracterizados por falhas nas bases de constituição da subjetividade, como expressão da falta de capacidade simbólica. Esta ausência de simbolização aparece sob a forma de atuações, nas quais incorporações antropofágicas substituem o processo de elaboração. Neste sentido, o grande desafio do tratamento de pessoas dependentes de substâncias psicoativas é a possibilidade de formação de um discurso que possa mediar, através da simbolização, a relação entre o sujeito e sua antropofagia. Assim, é fundamental criar condições para a construção de vínculos sustentáveis, que permitam a emergência da angústia para o trabalho de elaboração psíquica. O objetivo deste trabalho é refletir sobre as possibilidades e limites encontrados por uma equipe multidisciplinar de um programa ambulatorial específico para de mulheres dependentes químicas, que trabalha para construir vínculos que promovam elaboração psíquica. A partir da análise da transferência, questiona-se a natureza dos vínculos e a própria direção do processo terapêutico. palavras Chave: Drogadicção; tratamento; vínculos; equipe. 1 - Introdução O presente trabalho é fruto da prática de uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogos, psiquiatras, nutricionistas e advogada, em um ambulatório especializado no tratamento de mulheres dependentes de substâncias psicoativas, o Programa da Mulher Dependente Química do Hospital das Clínicas do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (PROMUD – Ipq – HC – FMUSP). O PROMUD é um programa de ensino, pesquisa e tratamento com 16 anos de existência. O atendimento é 157 predominantemente ambulatorial, semanal e de abordagem clínico-psiquiátrica, psicoterapia grupal – individual para casos específicos – de orientação psicanalítica e terapêutica nutricional. Tratar de psicanálise e drogadicção nunca foi tarefa simples. Os grandes mestres ocuparam-se pouco das questões relacionadas ao abuso de substâncias psicoativas, sendo que o aprofundamento clínico e teórico neste fenômeno data de apenas algumas décadas (STERN, 1997; BIRMAN, 2011). Freud (1913), em "Sobre o Início do Tratamento (Novas Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise)", afirmava que o analista só pode comunicar suas ideias ao paciente e revelar-lhe seus significados ocultos após a formação de um vínculo transferencial adequado. Dentro de um serviço ambulatorial, institucionalizado, admite-se esse pressuposto. Assim, permanece como o primeiro objetivo da abordagem de orientação psicanalítica ligar o paciente à figura do analista. Respeita-se a formação do vínculo médico-paciente, analista-paciente e paciente-instituição, pois se compreende que cada pessoa, através da combinação de fatores inatos e da disposição de influências nos primeiros anos de vida, construiu uma maneira específica, única, de conduzirse na vida erótica, especificidade que a acompanha nas relações ou vínculos que estabelece posteriormente (FREUD, 1913). Freud afirma que o sujeito produz um clichê estereotípico (ou muitos deles), um padrão de satisfação nos objetos que encontra, sendo que este padrão é constantemente reimpresso ao longo de sua vida (FREUD, 1912). Destaca-se que a equipe multiprofissional também está inserida neste padrão, portanto é aceitável e normal que uma parte da libido dirija-se também à equipe do serviço, tomando-a como parte do clichê ou do padrão de ligação, satisfação e objeto. Vale ressaltar que a transferência é estabelecida não apenas pelas ideias conscientes, mas também pelos conteúdos inconscientes (FREUD, 1912). Desta forma, parte do tratamento, afirma FREUD (1912), é seguir a libido, as imagos infantis, rastreá-las, poder tornar as influências dos primeiros anos de vida e o jeito de conduzir-se e ligar-se na vida e a outras pessoas, algo consciente, não impeditivo do crescimento individual. No atendimento a pacientes dependentes de substâncias psicoativas, observa-se claramente este processo, tanto no paciente quanto no manejo do analista frente aos conteúdos ou aos padrões de relacionamento do paciente e no seu modo de conduzir sua vida. A prática no serviço, os atendimentos em grupos e os conteúdos que emergem corroboram com afirmações de Freud relacionadas ao manejo transferencial. Além disso, durante o tratamento, a transferência se apresenta, por um lado, como um convite para o paciente repetir a sua compulsão à repetição e, por outro, transformá-la em um motivo para a recordação de memórias recalcadas. Tornamos a compulsão inócua, e na verdade útil, concedendo-lhe o direito de afirmar-se num definido. Admitimo-la à transferência como a um playground no qual se espera que nos apresente tudo no tocante a instintos patogênicos, que se acha oculto na mente do paciente. [...]. A transferência cria assim, uma região intermediária entre a doença e a vida real, através da qual a transição de uma para a outra é efetuada (FREUD, p. 169 e 170, vol. XII, 1914). Uma vez instaurada as condições iniciais para o processo analítico, inicia-se o trabalho de seguir a libido e de recordar as influências dos primeiros anos de vida. No atendimento de pacientes dependentes de substâncias psicoativas, somado a estas recordações, a pessoa começa a rememorar também a relação entre o uso de sua droga de escolha e sua vida emocional, especialmente no que diz respeito à sensação de prazer proporcionada pelo consumo dessa substância e as relações que foram se estabelecendo entre o sujeito e a sua droga. Nessas lembranças, percebe-se a dificuldade de se conduzir pela vida e a sua recusa, como um não ver, um não dizer, um não sentir - sem qualquer percepção do que se recusa ou do que é evitado – substituída por uma sensação inconsciente de que o prazer não é mais a ligação que une o sujeito e a droga. Olievenstein (1990), por sua vez, elucida pontos importantes sobre o drogadicto, sobre sua ligação com a droga e a maneira de conduzir-se na vida: 158 O que queremos dizer então é que, desde o início, a história do futuro toxicômano é feita em uma sucessão de equilíbrios instáveis [...], onde o clima, a atmosfera é tão importante como as relações de causalidade. [...]. A dependência se organizará em uma contínua sinusóide de investimentos maciços e de desinvestimentos também imperativos, súbitos, globais [...] Repetimos, a dependência não é um fenômeno passivo, é um fenômeno psíquico ativo, em parte voluntarista, que se refere a um não-dito específico do toxicômano (OLIEVENSTEIN p. 16 e 17, 1990). Desde uma perspectiva psicanalítica é fundamental para o manejo do tratamento refletir sobre os vínculos transferenciais dos pacientes. O objetivo deste trabalho é contribuir para a ampliação do entendimento da drogadicção, especialmente a feminina, a partir da compreensão das possibilidades e limites do trabalho de uma equipe multidisciplinar em uma abordagem ambulatorial institucional, que visa à construção de vínculos que permitam a elaboração psíquica. Tomando por base a análise da transferência, questiona-se a natureza dos vínculos e a própria direção do processo terapêutico. 2 – Metodologia O presente trabalho foi desenvolvido no PROMUD. Trata-se de um trabalho primordialmente centrado na escuta clínica e na observação atenta de movimentos inconscientes caracterizados como atos, ou seja, comportamentos destituídos de mediação simbólica apresentados por mulheres dependentes de substâncias que buscam ajuda neste serviço. Considera-se importante enfatizar que tais observações não foram realizadas apenas a partir do vínculo estabelecido com um profissional específico, mas com a instituição, como uma entidade com a qual as pacientes se vinculam. Neste sentido, a análise da transferência foi compreendida como um tipo de vínculo formado pela paciente e a instituição. O método desta investigação, portanto, é um método específico para esta abordagem. 3 - Resultados e Discussão Mesmo com a crescente produção científica acerca da drogadicção e possíveis interlocuções com a psicanálise verificadas nas últimas décadas, faz-se premente revisitar seus pressupostos iniciais, principalmente no que tange ao conceito de transferência. A recomendação freudiana de estabelecer o vínculo é essencial para o manejo clínico. Quando se trata de pacientes dependentes de substâncias psicotrópicas, cuja forma de ligar-se ao mundo só é maciça na relação com a droga, é indispensável à formação do vínculo para iniciar qualquer tipo de comunicação. No tratamento ambulatorial, há um tempo para que este processo aconteça. A fase inicial do tratamento ambulatorial da dependência química feminina envolve encontros com psiquiatra, psicólogo e nutricionistas, a fim de verificar o quadro global da paciente, a gravidade de seus sintomas e seu nível de engajamento para o tratamento, a fim de elaborar estratégias de intervenção planejadas a nível individual. Neste processo inicial o vínculo entre paciente e equipe multidisciplinar começa a ser estabelecido e uma primeira comunicação se inicia. A análise da transferência permite constatar a qualidade do vínculo estabelecido entre pacientes e equipe, que pode variar de uma relação maciça, na qual o paciente liga-se fortemente à figura do analista ou a outro membro da equipe, ou como Olievenstein (1990) menciona, uma relação marcada por “equilíbrios instáveis”, na qual o paciente ora investe no tratamento e na equipe e ora falta, recai, e se ausenta por algum período. 159 Trata-se de um vínculo, tal como pudemos nomear, de um vínculo antropofágico, não como a produção de um Macunaíma, mas um tipo de vínculo em que há a voracidade, e consequentemente, a destruição de relações que poderiam, aparentemente, deixá-las com fome ou em desamparo. O ataque antropofágico por assim dizer, é promovido por aquele que não tolera estar em falta, e que, portanto, ataca vorazmente, tanto para tentar ser preenchido por algo que sente que lhe falta, tanto para destruir invejosamente aquilo que se imagina que outro tenha, e que não quer dar. O vínculo sustentável, por sua vez, é aquele baseado na tolerância e na compreensão dos limites ou impossibilidades do outro. Antecipando essa característica do funcionamento das pacientes dependentes de substâncias psicotrópicas e tendo como base as dificuldades no tratamento deste tipo de patologia, foi criado no serviço um protocolo de convocação das pacientes, que se ausentam após um período de ligação produtiva. Quando o paciente retorna, e tem condições psíquicas, trabalha-se a relação com a droga, com a equipe, com a vida. Ao longo do processo analítico, da relação transferencial, percorre-se as ligações libidinais, o vai e vem ou a ligação quase simbiótica. Mas o fundamental no processo é tornar todo este conteúdo consciente e passível de análise. Trazer o não dito, o não sentido, o não prazer à tona, à realidade e tornar o material inconsciente útil, permitindo assim, novas formas de conduzir-se na vida que não mais através da droga. Este é um dos fenômenos psíquicos que se observa em um serviço ambulatorial institucionalizado. Há muitos outros aspectos que estão presentes no tratamento, porém não é possível esgotá-los no presente trabalho. 4 - Considerações Finais É possível afirmar que mesmo nos dias atuais, os postulados freudianos estão presentes nos atendimentos clínicos, inclusive, em atendimentos ambulatoriais como uma forma eficaz de compreensão do universo emocional dessa população. Através da observação e da prática clínica nota-se a relação transferencial estabelecida em um serviço ambulatorial como um critério básico para a compreensão e para o tratamento dessas pacientes. Apenas quando podemos compreender o tipo de vínculo que elas estabelecem com o tratamento é que podemos encontrar formas de tratá-las. No tratamento de pacientes mulheres dependentes de substâncias psicoativas percebemos, com muitos anos de prática clínica, que o cuidado com o estabelecimento do vínculo, ou melhor, de um vínculo sustentável, é essencial para a evolução do tratamento. 5 - Referências BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a nova psicanálise e as formas de subjetivação. 8°. ed, Rio da Janeiro, p. 144–150. Civilização Brasileira, 2011. FREUD, S. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição Standard brasileira. O caso Schereber, Artigos sobre a técnica e outros trabalhos. vol. XII (1911-1913). p. 109-111; 137139;161-163. Rio de Janeiro, 1996. OLIEVENSTEIN, C. e cols. A dependência: um fenômeno psíquico ativo. In: OLIEVENSTEIN, C. (ed) A clínica do Toxicômano: a falta da falta. Artes Médicas, Porto Alegre, 1990. STERN, J. Uma experiência de pequeno grupo. In: EDWARDS, G.; DARE, C. (Eds.). Psicoterapia e tratamento de adições. Artes Médicas Sul Editora, p. 237-241. Porto Alegre, 1997. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ Pôster 01 – TÍTULO: Vínculos e seus Efeitos no Desenvolvimento Humano 160 ............................................................................................................. ADOLESCÊNCIA E ORIENTAÇÃO VOCACIONAL: A ESCOLHA PROFISSIONAL Flávio Eduardo Piva Bosso1; Flávia Toledo Lima2; Vinícius Assugeni Sobreiro Dias3 Faculdade Municipal Professor Franco Montoro - [email protected]; [email protected]; 3 [email protected] Resumo O presente trabalho se desenvolveu como requisito de Trabalho de Conclusão de Curso para o curso de Psicologia, na Organização Não-Governamental Jovem em Ação – Conquistando Seu Espaço, voltada ao preparo de adolescentes para o mercado de trabalho, esta situada na cidade de Itapira, com oito estudantes do 3° ano do Ensino Médio, frequentadores do Programa de Aprendizagem e Educação Profissional (PADEP). O processo de Orientação Vocacional ocorreu em três encontros diários, com duração de uma hora e meia e foram utilizados como instrumentos, dinâmica para interação e apresentações relacionadas ao conhecimento das escolhas e influências profissionais, as áreas, universidades e os programas oferecidos pelo governo. Ao final, propôs-se o debate e reflexão como intuito de levantar as necessidades e dificuldades que acometem estes adolescentes, despertando perspectivas que possam vir determinar suas escolhas profissionais. PALAVRAS-CHAVE: adolescente, orientação, escolha profissional. Introdução A escolha de uma profissão é uma etapa de grande importância na vida de um indivíduo, em especial adolescentes que passam por diversos tipos de pressões nessa fase de sua vida e a escolha deste assunto remete à necessidade social, logo, a escolha da profissão é vivenciada como um momento determinante, pois com o avanço da tecnologia e a grande complexidade do mercado de trabalho, muitas incertezas pairam nos adolescentes que buscam conquistar autonomia própria por meio de uma escolha correta na profissão, logo, de acordo com Kowarski (2012), a Orientação Vocacional desempenha a importante função de clarificar os conflitos que estão na origem de dificuldades de escolhas. Vieira (2008), menciona que os adolescentes almejam uma profissão, sem antes haver um conhecimento do que se trata afinal determinada ocupação e enfatiza que a orientação vocacional é uma forma preventiva que objetiva auxiliar o jovem no processo de maturação em relação à escolha, logo, faz-se necessário que os adolescentes concretizem seus interesses por uma profissão e busquem probabilidades que poderão ser ampliadas dentro do ramo escolhido. As escolhas profissionais, na maioria das vezes, são motivadas por interesses, gostos, por indicação ou mesmo por salários, entretanto, tais escolhas podem não levar a uma satisfação pessoal e mesmo profissional, e esclarece Vieira (2008), é fundamental que o jovem venha sendo preparado, no decorrer de sua vida acadêmica, para o momento da escolha, assim quando chegar a hora ele sentir-se à com mais estrutura emocional para as consequências que derivarão desta escolha, prosseguindo ou retomando novos caminhos. No entanto, a escolha da profissão não é uma decisão tomada de forma isolada, é resultado de um processo contínuo composto de uma série de decisões e segundo Lucchiari (1993), o momento de uma escolha da profissão coincide com um propósito no qual o jovem almeja, quem ele quer ser e quem não quer ser e nessa fase, conforme pontua ainda a autora, começam a aparecer os primeiros confrontos com a família, as expectativas e desejos desta vão 161 aparecendo mais claramente, e o jovem fica confuso, até diferenciá-los dos seus próprios. Neste contexto, analisar a situação de trabalho e a expectativa dos jovens em relação ao processo de escolha profissional por meio de Orientação Vocacional passa a ser um objeto de suma importância na atualidade, uma vez que a escolha da profissão requer um processo de decisão que envolve todo um projeto de vida e neste processo, da influência da família, do rol de amizades, as aptidões pessoais, gosto, cultura, ou seja, torna-se um dilema para muitos adolescentes, que geralmente passam por isso sem assistência, pela falta de oportunidade em contar com um serviço de orientação vocacional. A hipótese que orientou esta pesquisa foi identificar os aspectos sociais, econômicos, culturais e emocionais que envolvem o processo de escolha de uma profissão, de maneira que se possa proporcionar aos adolescentes a assistência no processo de construção das reflexões, motivações, compreensões e informações relacionadas à carreira profissional. Metodologicamente, este trabalho foi realizado a partir de três encontros diários, no período da manhã, com oito adolescentes na faixa etária de 17 anos, estudantes do 3° ano de Ensino Médio em escolas públicas, frequentadores da ONG Jovem em Ação – Conquistando Seu Espaço, inclusos no Programa de Aprendizagem para o Desenvolvimento de Educação Profissional (PADEP). Este estudo foi configurado especificamente pela coleta de dados em campo, seguindo como referencial teórico a proposta de Oficinas em Dinâmica de Grupos, caracterizado como uma prática de intervenção psicossocial, que, segundo a psicóloga Maria Lúcia Miranda Afonso (2007), é um trabalho idealizado em grupos, onde os participantes compartilham de um mesmo objetivo, sendo focalizado em torno de uma demanda a que o grupo se propõe a elaborar, num contexto social. Pondera ainda à autora, que a elaboração que tende as Oficinas permite aos participantes a espontaneidade que surgem no ambiente grupal, que envolvem os sujeitos de maneira integral, isto é, nas formas de pensar, sentir e agir. O objetivo geral deste estudo visou assistir ao jovem na solução das dificuldades que enfrenta ao encarar a escolha de sua profissão através de programa de orientação vocacional e como objetivos específicos, levar o jovem a pensar sobre sua escolha profissional, relacionando com sua história pessoal de vida e como fruto do processo de desenvolvimento pessoal; auxiliar o jovem a refletir sobre a importância do trabalho, sua função na sociedade e função para realizálo; oferecer maiores informações sobre as profissões, universidades e mercado de trabalho; possibilitar uma discussão sobre as oportunidades de profissionalização oferecidas pela sociedade e permitir ao jovem que expresse seus sentimentos em relação ao vestibular, seu aspecto seletivo e expectativas da sociedade e da família em relação a ele. Metodologia A pesquisa foi realizada tendo-se como proposta um programa voltado à orientação vocacional, a partir da realização de três encontros diários, de duração de uma hora e meia, em grupo, com os adolescentes da entidade. Os alunos receberam instruções sobre a pesquisa a que foram submetidos, sendo informados de que se tratava de uma pesquisa na área de Psicologia e a concretização desta pesquisa foi facilitada pelo uso de oficinas de grupo como metodologia suporte, tomando-se como referencial teórico a proposta de Oficinas em Dinâmica de Grupos, de Maria Lúcia Miranda Afonso. Esta intervenção psicossocial consiste na reunião de grupos por tempo determinado, estruturando-se numa espécie de contrato, focado num tema ou demanda inicial, logo, propõese um trabalho com enfoque em questões prioritárias, na qual o grupo é convidado a discutir suas vivências, relacionado à forma de pensar, agir e elaborar significados afetivos. Participantes Inicialmente, foram convidados a participarem da pesquisa doze adolescentes que frequentam a ONG Jovem em Ação – Conquistando Seu Espaço, no entanto, somente oito aceitaram. São estudantes do 3° ano do Ensino Médio, de ambos o sexo, na faixa etária de 17 162 anos e no qual estão inclusos no Programa de Aprendizagem para o Desenvolvimento de Educação Profissional (PADEP). Análise dos Dados Para a análise dos dados, foram coletados pelo método descritivo-qualitativo, partindo da observação das falas e comportamentos dos jovens aprendizes ao longo dos encontros. A coerência das falas, estabilidade e/ou instabilidade das mesmas são meios de revelar a condição atual do jovem frente à escolha profissional. Observou-se no grupo o desenvolvimento da complexidade das questões apontadas pelos jovens, o respeito aos colegas e a contribuição e/ou depreciação da fala destes e a partir dos interesses e dúvidas dos adolescentes, discutiu-se as questões levantadas no grupo durante os encontros e na análise ocorrida no decorrer dos encontros, possibilitando, portanto, a uma percepção baseada num senso comum vivenciado na atualidade por eles. Deste modo, a partir da reflexão dos adolescentes, tornou possível estimulá-los à livre expressão, de forma que os aspectos conflituosos relacionados à escolha profissional pudessem ser identificados e debatidos, permitindo assim à compreensão sobre a diversidade das profissões, dos campos de atuação, das dificuldades inerentes ao processo de escolha e as múltiplas influências a que o processo decisório está sujeito. Instrumentos Foram utilizados como instrumentos para a coleta de dados: Folha de autorização da instituição para realização da pesquisa, com informações quanto aos objetivos da mesma para a execução do projeto; Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, contendo explicações sobre os objetivos da pesquisa e a assinatura do (a) responsável legal pelo aluno participante, para fins acadêmicos e de pesquisa. No 1° encontro, utilizou-se uma dinâmica de quebra-gelo, onde foi entregue o texto “O louco”, do escritor libanês Khalil Gibran, assim como foi realizada a apresentação da proposta desta pesquisa e feitos os esclarecimentos conforme a demanda levantada com os adolescentes; No 2° encontro, utilizou-se uma apresentação em PowerPoint, direcionado para a discussão e reflexão sobre os temas “A escolha profissional” e “As influências que levam às escolhas profissionais”, em seguida, foi proposto para o grupo um diálogo e discussão, após a exposição do relato da história profissional do pesquisador. Na escolha das profissões, discutiu-se o preconceito e pré-conceito que determinadas profissões são vistas em sociedade, assim como as influências dos pais, da família, norteado pelas expectativas, valores e projetos pessoais e tão como se procurou demonstrar que as influências dos amigos, do meio sociocultural, assim como o grupo social são determinantes para o adolescente no momento de sua escolha profissional. Por fim, visou-se elucidar as dúvidas de acordo com a demanda levantada, no intuito para que houvesse a reflexão acerca dos temas expostos; No 3° encontro, realizou-se novamente a apresentação em PowerPoint, visualizando por exposição as áreas profissionais, a saber, áreas de ciências humanas, ciências exatas e ciências biológicas e da saúde, foram apontados as universidades de ensino próximas a região de Itapira, no qual oferecem os cursos de interesse e os programas oferecidos pelo governo para auxiliar o ingresso no ensino superior. Ao final do encontro, no encerramento, realizou-se uma avaliação, incentivando a necessidade de reflexão e discussão para com as questões levantadas durante os três dias de encontro, para assim elucidar eventuais dúvidas ainda presentes em relação ao tema da pesquisa. Materiais e Equipamentos 163 Foram realizados durante os encontros um retroprojetor, um computador (notebook) e distribuição do texto “O louco”, no formato de papel sulfite A4. Resultados e Discussão O resultado desta pesquisa permitiu entender o processo de escolha profissional dos adolescentes, nos quais se possibilitou verificar os critérios, as influências e as dificuldades que esse processo está sujeito e que implica em uma decisão. Durante o processo, num contexto geral, puderam-se observar alguns sentimentos, como medo, dúvidas e insegurança, pelo fato de acharem que não vão conseguir realizarem uma escolha satisfatória. Iniciado o primeiro encontro, os participantes mostraram-se num primeiro momento duvidosos em relação ao tema de Orientação Vocacional, com informações confusas e imprecisas sobre o mercado de trabalho e a realidade das profissões e isto se confirmou ao longo dos outros encontros. Iniciado o primeiro encontro, estabeleceu-se um contrato e explicitou-se a forma de trabalho a ser desenvolvida, no entanto, pode-se ressaltar que tal atividade ficou em “segundo plano”, por conta das eventuais dúvidas surgidas no decorrer do encontro, tais como percebidas nas falas dos adolescentes: “o que é psicologia?; qual a função do psicólogo?; é verdade que psicólogo fica louco?” ou então, “tem de ter paciência para trabalhar como psicólogo?; quero estudar Direito, mas estou em dúvida se faço Mecatrônica, porque falaram que ganha mais; meu pai é farmacêutico, mas quero ser enfermeira, o que estuda a Enfermagem?”. Em relação às dúvidas apresentadas, Afonso (2007), disserta que a participação voluntária e a expressão dos desejos dos participantes devem ser respeitadas, para que assim, o grupo venha a trabalhar sua demanda e a se apropriar de seu trabalho, logo, desta maneira, trabalhadas as informações surgidas, proporcionou-se um ambiente mais descontraído e houve maior interação dos adolescentes com o pesquisador, momento este ocorrido na dinâmica de quebra gelo, com a distribuição do texto sugerido, “O louco”. Note-se que foi produtiva tal situação, todos participaram da leitura e foi proposto no final uma reflexão acerca do tema. Entretanto, no decorrer dos encontros, foi percebida a desmotivação e a falta de vínculos entre alguns participantes, logo, observou-se neste quesito que permaneciam quietos, tanto com o pesquisador e tão como com o colega de classe, limitando-se a uma fala “estou com sono, chego tarde da escola e acordo cedo” ou “estou cansado, hoje é sexta-feira”. Outra situação percebida foi a frequência de participação de alguns alunos nos três dias de encontro, alguns compareceram todos os dias enquanto outros somente no primeiro dia, por este motivo, o grupo iniciou-se com doze alunos e no final contabilizou-se oito alunos. Em relação ao segundo dia de encontro, foi realizada aula expositiva relacionado com os temas “A escolha profissional” e “As influências que levam às escolhas profissionais”, e a consequência levantada pelos adolescentes era voltada para o possível retorno financeiro, pois alguns alunos colocaram como critério seu gosto e interesse pela profissão, no entanto, tinham muitas dúvidas e baseados num senso comum, “quero fazer algo que dá dinheiro, como médico, psicólogo, advogado” ou “é verdade que fazer História é pra ficar falando da história do Brasil”? E de acordo com Andrade, Meira & Vasconcelos (2002), a Orientação Vocacional é mais do que um momento para a descoberta da profissão a seguir, pois é um processo onde resultam conflitos e preconceitos que são pensados para sua superação. Ressalta-se aqui, neste momento, após o relato da história profissional por parte do pesquisador, tal critério foi posto de lado e discutiuse o significado e o sentido atribuído à escolha. Prevaleceu-se, por exemplo, a decisão de se escolher uma profissão conforme a situação financeira, algo que pudesse satisfazer tanto pessoalmente quanto profissionalmente a condição de uma escolha satisfatória para a formação profissional, no entanto, outros critérios observados foram as influências dos pais, pois como alguns adolescentes relataram, apesar de gostarem de determinada profissão, terão que deixá-la de lado e optarem por outra, já que a situação financeira de seus pais não favorecem a uma escolha possível, assim como, por outro lado, houve relato apontando que os pais determinam ou sugerem a carreira de seus filhos e que sigam a mesma profissão na qual trabalham, como situado nesta fala de uma adolescente, “meu 164 pai é farmacêutico e quer que eu faça Farmácia, mas gosto de Enfermagem, mas não sei bem agora o que quero, quanto custa uma faculdade de Enfermagem”? A influência dos amigos, meio social e cultural não foi levantada no grupo pelos adolescentes, no entanto, foi exposto na apresentação, facilitando a discussão, reflexão e visando desta forma as informações necessárias que envolvem este fator de influência para a escolha profissional. No decorrer da apresentação, desfizeram-se também as imagens distorcidas e estereótipos que os adolescentes possuíam, baseados novamente, no senso comum, das atuações em determinadas profissões, conforme exemplo relatado nesta fala, por uma adolescente, “pra estudar Psicologia, não tem de ser só as mulheres?” Percebeu-se, no decorrer do terceiro e último dia, que os adolescentes aceitaram a proposta de pensar a escolha profissional como um projeto futuro de vida, apesar das poucas e confusas informações que possuíam a respeito do tema, além, claro, das dificuldades, influências, critérios e sentimentos que os acompanham, no entanto, isto ficou claro com a última apresentação, das referidas áreas, das universidades e as opções do governo em facilitar tais estudos, demonstraram grande interesse, porém atrelados às poucas informações a respeito, como situado nestas falas, “nossa quanto curso tem pra estudar”, “acho que invés de estudar no IESI, vou pra FACAMP”, “vou prestar o ENEM”, assim como outras do gênero. Com os resultados dessa pesquisa, constatou-se que os adolescentes estão preocupados em fazer uma escolha que possam vir a satisfazer suas necessidades, em que eles procuram conciliar seus gostos com o dia-a-dia em que vivenciam as situações e este processo, caracterizado pelo meio das oficinas de dinâmica, constituiu-se como espaços de socialização, linguagem, trocas de experiências e comunicação. Considerações Finais O objetivo, com esta pesquisa, era o de compreender o processo de decisão profissional por parte dos adolescentes, levando-os a pensar e refletir sobre suas escolhas profissionais, relacionando com sua história particular de vida e como fruto de seu desenvolvimento pessoal, logo, oferecendo maiores informações e possibilitando uma discussão acerca das dificuldades que encontra ao encarar a escolha de sua profissão, tão como o conceito e expectativas que possuíam em relação à orientação vocacional. Partindo desta investigação, pode-se observar que as escolhas profissionais trazem sentimentos diversos, tais como, medos, dúvidas, angústias, confusão, incerteza, insegurança. O surgimento desses sentimentos pode ser atribuído pelo fato de os adolescentes não estarem preparados para o mercado de trabalho, no sentido de escolher uma profissão que se adeque a seu gosto, além do mais, a falta de informação, as expectativas e concepções de futuro, os conflitos familiares, os contextos socioculturais e representações sociais, entre outros, contribuem ainda mais em aumentar as angústias e o sofrimento. Diante disto, esta pesquisa funcionou como facilitadora deste processo, uma vez que tais situações puderam ser exploradas e através do método das Oficinas, possibilitou-se amenizar as dúvidas, ansiedades e angústias que afligiam os adolescentes. E aliado a outros aspectos que envolvem o processo decisório, proporcionaram, num primeiro momento, a consciência de uma tomada de decisão, salientando que os critérios de escolha parte e é de responsabilidade do próprio adolescente. Assim, sugere-se uma continuidade desta pesquisa, já queo processo de orientação vocacional constitui um importante trabalho de prevenção, auxiliando os jovens em suas reflexões sobre si mesmos e na aprendizagem de suas escolhas, visto que através do autoconhecimento e do conhecimento das áreas e formas de atuação profissional, os adolescentes terão a possibilidade de realizar uma escolha de maneira mais segura, logo, proporcionará aos adolescentes mudanças pessoais, iniciando assim um aspecto essencial para a identidade, contudo, a escolha da profissão não é única, ela ocorre ao longo da vida. 165 Referência Bibliográfica AFONSO, M. L. M (ORG). Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. 2ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda, 2007. Disponível em:<http://books.google.com.br/books?id=QZRFRVS38OAC&printsec=frontcover&dq=inauthor:%2 2MARIA+LUCIA+MIRANDA+AFONSO%22&hl=pt-BR&sa=X&ei=MR3FTSeI4zlggeEyOmsBw&ved=0CDoQ6AEwAA#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 24 out. 2012. ANDRADE, J. M.; MEIRA, G. R. J. M.; VASCONCELOS, Z. B. O processo de orientação vocacional frente ao século XXI: perspectivas e desafios. Psicol. cienc. prof. v. 22 n. 3 Brasília set. 2002. Disponível em:<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S141498932002000300008&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 out. 2012. JOVEM EM AÇÃO: CONQUISTANDO SEU ESPAÇO. Disponível em:<http://www.jovememacaoitapira.com.br/>. Acesso em: 22 out. 2012. KOWARSKI, T. Orientando caminhos profissionais: orientação vocacional. Compreendendo a orientação vocacional. Disponível em: <http://orientandocaminhos.sites.uol.com.br/vocacional4.html>.Acesso em: 20 out. 2012. LUCCHIARI, D. H. P. S. Pensando e vivendo a orientação profissional. 7ª ed. São Paulo: Summus Editorial, 1993. Disponível em: < http://books.google.com.br/books?hl=ptBR&lr=&id=WQRWCHdKLP8C&oi=fnd&pg=PA7&dq=bohoslavsky+e+orienta%C3%A7%C3%A3o+profissi onal&ots=wNqZ8GcuAA&sig=alqU4u7AXa9x9d04c6ykrAiDDmw#v=onepage&q=bohoslavsky%20e%20 orienta%C3%A7%C3%A3o%20profissional&f=false>. Acesso em: 23 out.2012. VIEIRA, S. I. S. Orientação profissional: limites e possibilidades para uma prática possível na escola. Disponível em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1426-6.pdf>. Acesso em: 25 out. 2012. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ FALSO SELF Fabiana Kozicz Reis Bacharel com formação de Psicólogo pelo INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA (2007-2011). [email protected] Resumo O artigo tem como objetivo relatar um caso clínico, sinalizando caminhos possíveis para superar e encontrar a viabilidade de ser, a partir, de uma literal castração, visto a mutilação do órgão genital masculino. Os desafios para o encontro de quem se é, ou, ainda, a compreensão de quem não lhe permitiram ser, surge neste espaço, em que o analista se coloca como objeto de amor, a fim de que, pela transferência, o paciente acesse àquilo que não pode ser representado, senão a partir dessa relação à medida que se desenvolve poderosos afetos e permite o paciente reviver e reencontrar o seu “corpo prazer”. Ao entregar-se neste encontro com o desconhecido de si, por meio dessa relação de pura fala, surpreendentemente deparamo-nos com as profundezas e contradições escondidas de nós mesmos e, para isto, é preciso um ato de coragem. Colocarmonos neste lugar com o outro e em trabalho para o outro exige lenta decifração do sentido de um afeto que não se queria reconhecer. Palavras-chave: Castração; Escuta; Afeto; Interpretação. 166 Introdução Objetiva-se contribuir com os estudos da psicologia clínica, enfocando a abordagem da psicanálise na compreensão da elaboração psíquica do paciente, a partir do episódio de mutilação do órgão peniano. O paciente é do sexo masculino e aos quatro anos de idade foi submetido a uma cirurgia para a extirpação do pênis, visto que havia um desvio do canal uretral, mas erroneamente os médicos que o avaliaram, informaram que ele tinha ovários e tratava-se de um hermafrodita, porém foi ignorado o fato de ter testículos. A questão do erro cirúrgico não prescreve e há, atualmente, acompanhamento pelo Ministério Público. Freud, em sua teoria, nos apresenta a importância especial que os acontecimentos nos primeiros anos de vida têm, até a idade de cinco anos, uma vez que são estruturantes no funcionamento do adulto. Esses anos incluem o primeiro surgimento da sexualidade, contemplando fatores decisivos para a vida sexual na maturidade. Paralelamente as referências teóricas, lançamo-nos ao próprio sentido dado por este paciente, para a compreensão da imagem inconsciente trazida por seu corpo simbolizado e agente de transformação de sua realidade. Metodologia Os relatos clínicos apontam para a dificuldade de reconhecer em si uma identidade sexual e busca-se, a partir das sessões psicoterapêuticas, trabalhar com o paciente o reconhecimento de seu corpo e a integração corpórea e psíquica. A identificação com o mundo masculino é notadamente marcada em suas manifestações e, a partir da evolução do tratamento, o paciente demonstra interesse em conhecer as possibilidades de viabilizar a reconstituição de seu corpo. Neste sentido torna-se fundamental apresentar-lhe as possibilidades existentes, seja para recuperar o corpo masculino ou, ainda, pertencer a identidade imposta a partir da mutilação de seu órgão peniano, com características físicas por meio médico-cirúrgico. Registre-se que há um corpo indefinido sobreposto ao seu corpo masculino, devido a mutilação ocorrida na infância, motivo pelo qual, torna-se necessário a busca por sua identidade, espaço que o paciente demonstra ter encontrado nas sessões psicoterapêuticas. Esclarecer as possibilidades de viabilizar um corpo masculino ou feminino permite-lhe a busca de uma identidade que seja compatível com o seu mundo psíquico. Discussão Atualmente o paciente refere-se a si mesmo como menina nas sessões psicoterapêuticas e emerge em seu discurso o forte vínculo que estabeleceu com o futebol. Em todas as horas disponíveis quer jogar futebol, acompanha diariamente notícias esportivas, campeonatos nacionais e internacionais, visto que o time para o qual torce é estrangeiro, assim como em campeonatos mundiais de futebol, a escolha da seleção também é estrangeira. Com efeito, nos parece que o paciente encontrou uma solução para descarregar a angústia vivida, recorrendo ao futebol, desde muito criança como relembra, a possibilidade de ter espaço para o encontro de uma nova satisfação. Recorremos, em análise, para apresentar aos pacientes a fala metafórica utilizada, que se apresenta como algo deslocado, propiciando o acesso ao inconsciente. Nestes relatos, revela o quanto a identificação com os times estrangeiros transparece como um deslocamento, possibilitando constatar a negação do afeto dos pais por um time, e, ainda, utilizando uma metáfora sobre o sentir-se estrangeiro. Questão que remete ao inconsciente do paciente, representando um enigma acerca de sentir-se ligado ao estrangeiro. Ou, ainda, será que sente- 167 se um estrangeiro neste corpo? Quais os sentimentos que o remetem a esse outro lugar ou a essa outra nação? O desejo por jogar em outro país e a possibilidade de tornar-se cidadão nesta outra nação, se apresenta como a viabilidade de naquele país reconhecer-se, remetendo-o para este outro lugar para o encontro de si mesmo. Freud (1914) afirma que o analisando não recorda o que foi reprimido, mas sim o atua. Não reproduz como lembrança, mas como ato, ele o repete, naturalmente sem saber que o faz. Nesse sentido, torcer por um time e uma seleção estrangeiros remetem a sua criança, não ao familiar, mas ao estranho que é para si mesmo, aproximando ao fenômeno inquietante de Freud. Este outro que o habita, mas que, ao mesmo tempo, não lhe é reconhecido, uma vez que olhá-lo implicaria um retorno de fantasmas infantis. A identidade do paciente surge como não possível, mas emerge em outro momento, enquanto que a imposição de passar a ser menina aparece não mais como solução, pois impede-o de alcançar seu grande desejo, o de jogar profissionalmente. Na infância restou-lhe a obediência, mas agora o paciente descobre a viabilidade de falar sobre o ocorrido e a possibilidade de escolher sua sexualidade, ou seja, sua identidade, porém como é possível fisicamente ser um homem se por experiência o paciente nada sabe sobre masculinidade. O ato castrador incide sobre o vínculo mãe-filho, tendo como agente o pai, que representa a lei da proibição do incesto. Ressaltando que a castração, para Lacan, não é tanto uma ameaça ou uma inveja, mas um ato de corte que incide sobre esse vínculo, e a solução do problema decorrente desta castração não se sustenta no dilema de ter ou não ter o falo, mas, primordialmente, em reconhecer que não o é, como resgata Nasio (2008) sobre a teoria lacaniana. E somente a partir deste reconhecimento que, homem ou mulher, poderá normalizar sua posição natural. Como pode este paciente tornar-se desejante, se ao ser colocado como objeto de desejo do outro, ao que, normalmente, a criança se identifica, está impedido de gozar? Sinalizamos como encontro de satisfação, substituto ao gozo, o futebol. A situação presente permeia a confissão de sua paixão pelo futebol, possibilitando o trabalho clínico acerca de suas ambigüidades trazidas neste discurso, assim como a questão da sua identidade para a realização do seu desejo. Notadamente o paciente recorre a uma posição defensiva e identifica-se com o futebol, traduzindo que a sua vida é jogar e que é identificado pelos colegas como bom (a) jogador (a). Ao que tudo indica, acolhemos a teoria desenvolvida por Winnicott (1960) acerca da distorção do ego em termos de falso e verdadeiro self, em que a mãe que não é suficientemente boa, não sendo capaz de complementar a onipotência do lactente, e assim falha repetidamente em satisfazer o gesto do lactente, ao invés, ela o substitui por seu próprio gesto, que deve ser validado pela submissão do lactente. Sendo esta submissão o estágio inicial do falso self, e resulta da inabilidade da mãe de sentir as necessidades do lactente. No falso self submisso há a reação às exigências do meio e o lactente parece aceitá-las. A solução encontrada pelo paciente foi um arranjo diante da permutação que lhe infligiram, autorizado pela mãe, sem haver interposição do pai, lhe tiram o pênis e o vestem de mulher. Cabe-lhe a submissão, como forma encontrada de existir a esta imposição. Winnicott (1960) traz a função materna como possibilidade de pressentir as expectativas e necessidades mais precoces do bebê. E a partir desta identificação ela sabe como protegê-lo, de modo que ele comece por existir e não por reagir. Situando-se aí a origem do self verdadeiro que não pode tornar uma realidade sem o relacionamento especializado da mãe. Esse fato aponta a possibilidade encontrada de reação pelo paciente a partir da mutilação, uma vez que o verdadeiro self depende do gesto espontâneo, e passar a ser menina afasta-o da livre vontade, é uma imposição. Winnicott (1960) apresenta, ainda, conseqüências para o psicanalista na maneira de análise com o paciente de falsa personalidade, em que o analista só pode falar com o falso self do paciente sobre seu verdadeiro self. Podendo-lhe apontar e especificar a ausência de algum 168 aspecto essencial, tornando-os claros no momento exato, abrindo assim comunicação com o self verdadeiro. Reconhecer sua não-existência possibilita-o a emergir este oculto desde sua infância, a partir do estabelecimento de uma verdadeira comunicação sem a necessidade de subterfúgios, para tornar claro ao paciente as ambigüidades que lhe impõem constantes defesas. Nasio (2008) refere-se a toda imagem de uma sensação física, como sendo imagem só se for investida, quando se dá sentido ao que se sente, ou seja, toda experiência corporal significando algo para o sujeito. A partir dos três anos, a imagem do corpo-visto predominará na consciência, enquanto que as imagens do corpo vivido predominarão no inconsciente. Registre-se que o conteúdo das imagens inconscientes do corpo forma-se durante a vida uterina e ao longo da primeira infância, apesar de recalcadas, permanecerão vigorosamente ativas ao longo da existência e se manifestarão em todas as expressões espontâneas do nosso corpo adulto, por expressões atuais das imagens gravadas por nossas sensações antigas. A identificação do paciente com o futebol sugere uma maneira de manifestar espontaneamente a imagem inconsciente de seu corpo referido à primeira infância. Identifica-se uma desordem sobre essa imagem inconsciente de seu corpo, gravado em seu psiquismo, com o corpo visto, podendo, então, ser-lhe apresentada a ambigüidade neste existir, desde o momento da cirurgia até o presente. Ao acolher seu discurso e apontar o entendimento dessa fonte de satisfação encontrada por meio do futebol, se estabelece uma comunicação do que lhe faz sentido, do que é possível ser. Ao reconhecer seu desejo, é possibilitado contradizer os enunciados maternos e surge seu direito autônomo de ser, emergindo sua identificação com o mundo masculino. Centrado no discurso ambivalente, há o reconhecimento, por mim analista, do corpo nascido masculino. Reconheço-o desde que era bebê, nominar o inominável. Considerações Finais Safra (2006) coloca que a mente se desenvolve a partir das fraturas na experiência pessoal. Ao ocupar a posição de analista está implicada a figura/afeto, a fim de possibilitar a oferta de sustentação necessária para que o paciente restaure essas fraturas, permitindo-o representar e desvelar sobre o acontecido. Tornar visível o que se escondeu, no campo psicanalítico, é possível a partir da tolerância e compreensão estabelecida no espaço analítico, permitindo restabelecer o contato com essas experiências, por impossibilidade de representação, recalcadas. Cabe ressaltar a identificação do paciente, no transcorrer do tratamento psicoterapêutico, com a figura masculina, sem ser possível, até o presente momento, emergir essa identidade como definitiva. Neste espaço é possível legitimar o que sente, contradizer o que lhe impuseram e reconhecer seu corpo indefinido, porém nascido masculino, reestabelecendo assim sua atividade de pensar, uma vez violada pela mãe, mas que agora lhe é permitido o direito autônomo de ser e a viabilidade de escolher seu verdadeiro eu. Para que passe a existir, assim como transparece quando está no campo de futebol, implica o resgate dessa experiência de mutilação, por meio da interpretação de sua comunicação, ou seja, para jogar profissionalmente há a questão que o inviabiliza de vestir-se de menina ou jogar num time feminino, extrapolando essa resolução, está implicado o alcance para permiti-lo abrir mão deste lugar imposto de submissão. O real apresenta-se nesse momento como uma possibilidade de diminuir sua ambivalência ao sofrimento, uma vez que é necessário imprimir sua identidade. Desta forma, abre-se um espaço para simbolizar o que em ato cessou de acontecer e tornou-se um sintoma aprisionante, uma eterna repetição em busca do estrangeiro, além da fronteira. Referências Bibliográficas 169 AULAGNIER, P. Um intérprete em busca de sentido –I. São Paulo: Escuta, 1990. FREUD, S. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranóia relatado em autobiografia: (“O caso Schreber”): artigos sobre técnica e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. NASIO, J.-D. Lições sobre os sete conceitos cruciais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. NASIO, J.-D. Meu corpo e suas imagens. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2009. SAFRA, G. Hermenêutica na situação clínica: o desvelar da singularidade pelo idioma pessoal. São Paulo: Edições Sobornost, 2006. WINNICOTT, D.W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ INTERVENÇÃO NAS RELAÇÕES INICIAIS PAIS-BEBÊ: FAVORECENDO CONEXÕES Monique Vaz Marques¹; Cecília Harumi Tomizuka²; Mariângela Mendes de Almeida³ ¹ Psicóloga – Especialização em Psicologia da Infância (UNIFESP) e aperfeiçoamento em Intervenção Precoce na Relação Pais-Bebê (Instituto Sedes Sapientiae). [email protected] ² Pediatra – Especialização em Psicanálise com Crianças/ em formação (Instituto Sedes Sapientiae) e aperfeiçoamento em Intervenção Precoce na Relação Pais-Bebê (Instituto Sedes Sapientiae). [email protected] ³ Psicóloga e Psicoterapeuta – Mestrado pela Tavistock Clinic e University of East London , Coordenadora do Núcleo de Atendimento a Pais-Bebês (Setor de Saúde Mental/Depto. de Pediatria/UNIFESP), Docente do Instituto Sedes Sapientiae e Membro Filiado ao Instituto de Psicanálise da SBPSP. [email protected] Resumo As questões que movem este trabalho relacionam-se a questionamentos acerca do nascimento psíquico do bebê e como os conflitos e fantasias familiares, transpassando gerações, interferem no desenvolvimento dos filhos. Serão abordados conteúdos referentes aos vínculos iniciais paisbebês e suas ressonâncias no desenvolvimento emocional da criança. Discutiremos, também, a relevância da terapia conjunta pais-bebês como alternativa de intervenção quando as crianças apresentam sintomas ou alteração no percurso de seu desenvolvimento. Estes questionamentos e discussões, serão conectados ao relato de um caso clínico atendido no Núcleo de Atendimento a Pais-Bebês do Setor de Saúde Mental da Pediatria da UNIFESP. Palavras-chave: psicoterapia pais-bebê; intervenção nas relações iniciais; terapia conjunta Introdução Ao recebermos na clínica crianças muito pequenas, surgem questionamentos sobre os sintomas apresentados por elas. Normalmente, as queixas trazidas são relacionadas a dificuldades na alimentação, na regulação do sono, no controle vesical/esfincteriano, choro excessivo, irritabilidade, agitação, ansiedade ou preocupação dos pais quanto ao desenvolvimento da criança. Questionamos se estas disfunções relacionam-se apenas com o “mundo interno” ou perturbações do funcionamento da criança, ou se surgiram a partir de dificuldades na interação com o ambiente, o “mundo externo” e as pessoas que fazem parte dele. 170 Foi o caso de Lorenzo, criança encaminhada para o Núcleo de Atendimento a Pais- Bebês do Setor de Saúde Mental a pedido de sua mãe, que muito preocupada, não compreendia nem o sintoma do filho, nem seu desespero frente a isso. Lorenzo, aos 3 anos e 7 meses, passou a receber queixas constantes da escola acerca de seu comportamento que havia mudado há algum tempo. Ele estava agressivo com os amigos, não conseguindo ter controle de sua agressividade. Estando inserido em um contexto de violência, funções parentais e fraternais desorganizadas, segredos familiares e papéis pré determinados, Lorenzo e sua mãe, Janete, foram atendidos em Intervenção nas Relações Iniciais Pais-Bebês no Setor de Saúde Mental da Pediatria da UNIFESP. A partir da observação da interação entre eles, dos microeventos que surgiam no caminhar das sessões, da expressão simbólica que Lorenzo nos oferecia em sua brincadeira, entre outros “aconteceres” das sessões, pôde-se proporcionar um ambiente acolhedor para angústias e conflitos. Assim, “tabus” puderam ser demistificados, segredos puderam ser ditos, brincadeiras foram traduzidas para conversas de adultos e conversas de adulto para brincadeiras, culminando na possibilidade de uma comunicação clara e confiável entre mãe e filho. Percebemos que, quando o ambiente que envolve a criança fornece meios para que cada um tenha claramente seu papel, e possa singularizar-se à sua maneira, o corpo talvez não precise buscar formas de “comunicar-se” por meio de sintomas, já que em seu lugar, palavras exercem esta função. Partindo do pressuposto de que nos desenvolvemos em interação com outras pessoas desde nosso nascimento e que elas tem função indispensável para que humanos tornem-se humanos, abordaremos neste trabalho os entrelaces e ressonâncias que a história psíquica da família de uma criança tem em sua vida, e, como o atendimento conjunto pais-bebês pode auxiliar e facilitar no clareamento de aspectos relacionais que podem estar interferindo no desenvolvimento do indivíduo. Tendo como base o relato do caso clínico citado acima, pretendemos aprofundar teoricamente questões que emergiram no decorrer dos atendimentos e supervisões, como: os atendimentos conjuntos pais-bebês como possibilidade de dar voz a conflitos existentes nos núcleos familiares e conectá-los com os microeventos que ocorrem ao vivo, na sessão, por meio de intervenções de valor metafórico compartilhadas com toda a família; como o brincar, dentro da sessão, pode ser um forma de comunicação e elaboração de questões conflitivas e como a transmissão psíquica pelas gerações aparecem como influência no desenvolvimento; e, também, aprofundar questões referentes à sintomatização de crianças a partir de mandatos inter/transgeracionais e possíveis processos interventivos que sejam relevantes para a compreensão e dissolução de tais sintomas bloqueadores do desenvolvimento. Metodologia Aprofundamento teórico dos temas propostos e análise de um caso clínico baseada na teoria considerada. Foram realizados onze atendimentos com a dupla mãe-criança e duas terapeutas no Núcleo de Atendimento a Pais-Bebês do Setor de Saúde Mental da UNIFESP. Neste Núcleo, após ter sido realizada a triagem são oferecidos atendimentos conjuntos com os pais, o bebê e dois (duas) terapeutas. Resultados e Discussão O caso descrito será o de Lorenzo que, aos 3 anos e 7 meses, iniciou o período dos atendimentos. As sessões realizaram-se no Setor de Saúde Mental da Pediatria da Universidade Federal de São Paulo, com a dupla mãe-bebê e duas terapeutas. Inicialmente os atendimentos aconteciam uma vez na semana, tendo posteriormente o espaçamento para sessões quinzenais. O pai não participou pois não tem contato com o filho. Mãe e pai separaram-se durante a gestação de Lorenzo, e o pai, por ter outra família, nunca aproximou-se do garoto. 171 A criança foi encaminhada para o Setor de Saúde Mental da UNIFESP pela psicóloga da Enfermaria Clínica do Hospital São Paulo, a pedido da mãe, com queixa de agitação e agressividade na escola. A triagem foi realizada no Setor e Lorenzo foi encaminhado para Intervenção na Relação Inicial Pais-Bebê do mesmo. Após alguns atendimentos verificou-se necessária a continuidade do trabalho interventivo por um período maior já que a queixa permanecia e conteúdos conflitivos ainda estavam emergindo. Lorenzo tinha 3 anos e 7 meses e morava, naquele momento, com a mãe Janete. Ele não tinha contato com o pai, mas este era um nome constante em seu cotidiano. Seu contexto familiar pode ser descrito como conturbado e permeado por diversas brigas, muitas vezes presenciadas pela criança. Mãe e filho haviam mudado de casa há pouco tempo, quando deixaram de morar com uma das filhas de Janete (irmã de Lorenzo), pela qual o garoto tinha muito carinho. Após presenciar uma briga entre sua mãe e sua irmã, Lorenzo passou a apresentar comportamentos agressivos na escola. Tendo como base a teoria exposta nos primeiros tópicos deste trabalho, podemos conectar vários aspectos exemplificados no caso de Lorenzo. Após a triagem, baseando-nos na queixa da mãe e da dinâmica familiar um pouco conturbada, optamos pelo encaminhamento para um atendimento conjunto entre paisbebês/crianças, onde o olhar seria ressaltado para o vínculo entre eles e para a relação que o sintoma podia ter com conflitos na interação. Pudemos ter contato, nas sessões, com momentos que podem representar amostras da interação entre mãe e filho e a ressonância que esta interação tem na vida dos dois. Durante os atendimentos, pôde-se proporcionar um espaço de acolhimento e facilitador de expressão das angústias, medos e fantasias da mãe. Ao mesmo tempo, pudemos traduzir estes conteúdos que angustiavam Janete, para uma linguagem mais próxima de Lorenzo. Situação contrária também acontecia, quando, fazíamos uma releitura das brincadeira dele de forma que chegasse até Janete, mas de forma sutil e muitas vezes, metafórica. Um exemplo seria quando algumas mudanças estavam acontecendo na vida de Lorenzo e Janete, e ele brincava de pedreiro, e ordenava que nós consertássemos o que havíamos destruído. Dissemos para ele: “É Lorenzo, talvez aqui mesmo nós desconstruímos alguns muros e agora estamos podendo reconstruir de outra maneira, né?!” Nestes momentos em que estávamos conectadas às angústias de Lorenzo e de Janete, pudemos proporcionar uma “metabolização” prévia dos conteúdos e devolvê-los para eles de forma palpável. Nesta situação, utilizamos a empatia metaforizante como recurso terapêutico. Este caso é um exemplo de como a transmissão de conflitos psíquicos, fantasias e desejos da mãe afetam a singularização de uma criança. Lorenzo estava envolto por expectativas e angústias que não pertenciam a ele, mas estavam presentes a todo momento nas falas da mãe, em seu manejo com ele, no segredo não revelados, na dificuldade de integrar aspectos agressivos e de entrar em contato com a agressividade. Nos atendimentos, pudemos fornecer um setting seguro para acolher estas fantasias e esta agressividade reprimida, possibilitanto assim, que o fato considerado “segredo/tabu” acerca da morte do outro filho e o papel de Lorenzo nesta relação culposa e mal resolvida, emergisse e pudesse ser verbalizado, possivelmente, não necessitando mais ser atuado. Também foram feitas intervenções que possibilitaram que Janete percebesse Lorenzo como um sujeito único, separado do outro filho e dela mesma. A partir das releituras das brincadeiras da criança que eram feitas em toda sessão, a mãe pôde, aos poucos, perceber significados nessa forma de expressão do filho e comunicar-se com ele de outras formas. Considerações Finais 172 A partir do recorte deste caso, pode-se concluir o quão significativos foram os atendimentos para a dupla mãe-bebê, facilitando a remissão de sintomas e possibilitando um novo olhar para a relação. São verificados resultados relevantes nos atendimentos voltados para a relação paisfilhos em períodos precoces do desenvolvimento, pois, neste caso, sintomas ainda não se cristalizaram e muitas vias alternativas podem ser construídas. Referências MENDES DE ALMEIDA, M.; SILVA, M. C. P.; MARCONATO, M. M. (2004) Redes de Sentido: evidência viva na intervenção precoce com pais e crianças. In: Revista Brasileira de Psicanálise, Vol. 38 (3): 1-0. SOLIS-PONTON, L. Org. (2004) Ser pai, ser mãe: parentalidade: um desafio para o terceiro milênio/ (organização da tradução brasileira: Maria Cecília Pereira da Silva) – São Paulo: Casa do Psicólogo. STERN, D. (1997) A Interação Pais/Bebê. In: A Constelação da Maternidade. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas. WINNICOTT, D. W. (2000) A Preocupação Materna Primária. (1956) In: Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Ed. Imago. WINNICOTT, D.W. (1994) O Valor da Consulta Terapêutica (1965). In: Explorações Psicanalíticas. Porto Alegre :Artes Médicas. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ GRUPOS E INSTITUIÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA DE INTEVENÇÃO GRUPAL EM INSTITUIÇÃO ESCOLAR Natalia Cristina Trematore1; Cláudia Alexandra Bolela Silveira2 Psicóloga graduada pela Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, email: [email protected]. Docente e Membro da SPAGESP e Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, email: [email protected] Resumo Este trabalho mostra a evolução de uma prática interventiva grupal realizada no ano de 2011, em uma Escola Municipal desenvolvida por uma estagiária quintoanista de Psicologia, coma lunos com dificuldades na interação e nos relacionamentos escolares. O objetivo: oferecer um espaço para trabalhar o relacionamento interpessoal através de atividades operativas. Os grupos tinham uma frequência semanal com duração de 1 hora, no período contrário ao horário da aula. Observou-se o quanto as tarefas no grupo operativo favorecem as manifestações do inconsciente e possibilitam uma integração entre os membros ao operar e falar de si no grupo. Foi possível dialogar nas divergências com a intervenção da estagiária, conversar sobre situações de agressividade, preconceito, vivências do meio escolar e familiar, através do vínculo que os membros do grupo constituíram ao longo do ano com esta experiência grupal. As mudanças quanto ao espaço, comuns nas instituições, provocaram angústia, havendo constante 173 desorganização e reorganização sempre que mudava de salas, o que possibilitou trabalhar no grupo as questões de limite. Um fenômeno possível de observar foi em relação aos ataques aos membros novos que iniciaram ao longo do processo e os sentimentos de perda em relação aos membros que deixaram o grupo no decorrer do ano. Quanto ao encerramento ocorreu um movimento de negação dos membros uma vez que foram indiferentes ao anúncio. Palavras-chave: intervenção grupal, grupos em escolas, grupo operativo. Introdução O trabalho apresentado foi realizado com base no chamado grupo operativo e para isso segue um pouco do conceito dessa modalidade grupal. Fernandes (2003) aponta que em meados da década de 1940, Kurt Lewin criou a técnica dos grupos T, baseado em estudos sobre psicologia social e visando uma melhor coordenação de pequenos grupos. Lewin influenciou o movimento grupal no mundo todo, sendo que, na Argentina, Pichon-Rivière, estimulado por Lewin e também por Bion e Foulkes, elaborou, a partir de 1958, a técnica dos grupos operativos (GOs), combinando conhecimentos de coordenação dinâmica e contribuições da psicanálise, com o objetivo de apoiar e manter uma tarefa: o aprendizado. Segundo Zimerman (1993, p. 168 apud FERNANDES, 2003, p. 196), “é muito difícil fazer uma delimitação entre grupo operativo e grupo terapêutico pela razão que eles se tangenciam e, muitas vezes, se imbricam”. Fernandes (2003) destaca que praticamente todas as modalidades de grupo terapêutico, em especial os psicanalíticos, funcionam de acordo com os princípios gerais dos grupos operativos, ao mesmo tempo em que estes exercem indiretamente uma ação terapêutica. Há muitas concepções do que seja um GO. Segundo Bleger, (1961, p. 55 apud FERNANDES, 2003, p. 197) “grupo operativo é (a reunião de) um conjunto de pessoas com um objetivo em comum, o qual tenta abordar, operando como equipe”. O fato de existir o mesmo objetivo supõe necessidade de que os membros do grupo realizem um trabalho ou tarefa comum a fim de alcançarem esses objetivos, tarefa que é um organizador dos processos de pensamento, de comunicação e de ação que ocorrem na situação de grupo. Fernandes (2003) diz que Pichon se interessou por problemas de aprendizagem com relação à Saúde Mental. Ele observou que para aprender é preciso assumir o papel do paciente, o que envolve perigo, e ressaltou que, para Bachelard, há sempre um obstáculo epistemofílico quando se procura o conhecimento. O objeto de conhecimento situa-se quase como um inimigo do sujeito, que tem de penetrá-lo conhecê-lo. Esse obstáculo no caso é o paciente, o desafio a ser conhecido. O autor também traz que o primeiro grupo estudado foi em 1951, que foi realizado por seis estudantes que frequentavam um hospital que receberam a orientação de se aproximarem dos pacientes e não estudá-los. Logo surgiram situações fóbicas na vivência hospitalar e no grupo, sob a forma de resistência, o que era interpretado como resistência a aprender. No grupo, as resistências fragmentavam-se e diluíam-se, permitindo certa elaboração e alguma reestruturação grupal, configurando-se como um meio eficaz de aprendizado. Assim, foi possível verificar que os seres humanos possuem um esquema referencial, que é um conjunto de conhecimentos e de atitudes que os seres humanos têm e com os quais trabalham com o mundo e consigo mesmo. É fundamental que se tenha uma boa percepção sobre esses mecanismos tão utilizados no dia-a-dia, em que se verifica que o homem em situação estabelece tarefas buscando noções para estabelecer melhor a relação com a situação a fim de que possa operar na prática. Sobre o trabalho com grupos operativos Fernandes (2003), coloca que o GO deve configurar um esquema conceitual, referencial e operativo (ECRO), de caráter dialético, em que as contradições referentes ao campo de trabalho devem ser resolvidas como tarefa durante o 174 transcorrer do grupo. A unidade ensinar-aprender tem caráter dialético e contínuo, de aprendizagem mútua, em espiral. Nesse tipo de grupo, acontece atividade centrada na mobilização de estruturas estereotipadas, nas dificuldades de aprendizagem e de comunicação, por ansiedades despertadas pela mudança. O autor ainda destaca que a tarefa grupal prioritária será a construção de um ECRO grupal comum para poder estabelecer uma comunicação com afinidades entre os esquemas referenciais do emissor e do receptor. Tal elaboração do ECRO comum implica um processo de aprendizagem. O esclarecimento, a comunicação e a aprendizagem coincidem com a resolução da tarefa, a cura, que cria um novo ECRO. No grupo operativo, coincidem o esclarecimento, a comunicação, a aprendizagem e a resolução da tarefa. Cada integrante tem um esquema de referência, mas, com o trabalho grupal configura-se um ECRO grupal. Geralmente, o grupo passa de estereotipado para uma estrutura com maior mobilidade de papéis, sendo importante o papel do líder (autocrático, democrático, laissez-faire ou demagógico). Resumidamente, no grupo operativo ocorre: uma adaptação ativa à realidade; a possibilidade de assumir novos papéis; a possibilidade de assumir maior responsabilidade; a perda de papéis inadequados para o aqui-e-agora na tarefa; os sentimentos de pertença, de cooperação e pertinência que operam no ser humano, ao acontecer de forma harmônica, oportunizam grande produtividade. Para finalizar, conforme mostra Fernandes (2003), os grupos operativos podem ser usados em hospitais, escolas, instituições, comunidades terapêuticas, empresas, etc. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é refletir sobre a importância de um trabalho grupal em uma instituição. Metodologia O trabalho foi realizado de março a novembro de 2011 em uma escola Municipal de Ensino Fundamental do Ciclo I, de uma cidade do interior de São Paulo desenvolvida por uma aluna/estagiária, quintoanista do Curso de Psicologia com alunos do 4º e 5º ano indicados pela escola, cujo motivo era dificuldades na interação e nos relacionamentos escolares. Os grupos tinham uma frequência semanal com duração de 1 hora, no período contrário ao horário da aula das crianças, assim, um grupo foi realizado no período da manhã e outro à tarde. Uma característica foi ser grupo aberto, no qual crianças deixaram de participar ao longo do ano e outras iniciavam o grupo. Os encontros aconteceram a partir de tarefas que eram propostas pela estagiária como pintura, desenho, modelagem e temas a serem trabalhados. A análise dos dados ocorreu por meio dos diários de campo do estágio a partir da teoria de Pichon RIvière, de Winnicott. Resultados O grupo do período da manhã iniciou com o total de oito crianças, sendo três alunos de quarto ano, porém, de salas diferentes e cinco de quinto ano, também de salas diferentes. No decorrer do ano, uma criança saiu do grupo e outras três entraram. No primeiro encontro algumas crianças mostraram-se caladas e outras não. No início dos encontros G. era considerado o menino mais agressivo de todo o grupo e algumas crianças sentiam-se incomodadas com a presença dele, já que fazia ataques verbais e até tentativas de ataques físicos contra os colegas. 175 Pode-se dizer que esses comportamentos agressivos dentro do grupo aconteciam, porém, eram respondidos de outra maneira, e não da mesma maneira agressiva que se apresetava. No decorrer do grupo ele foi se sentindo acolhido, pois, em vários momentos foi possível conversar sobre suas atitudes e sobre o que causam nas outras pessoas. Para Winnicott (1982), a agressão tem dois significados. Por um lado constitui direta ou indiretamente uma reação à frustração. Por outro, é uma das fontes de energia de um indivíduo. O autor diz que às vezes a agressão se mostra claramente e consome-se, e precisa de alguém para enfrentá-la e fazer algo que impeça os danos que ela poderia causar. Outras tantas vezes a agressão não se mostra abertamente, aparecendo os impulsos sob a forma de um determinado tipo oposto. A agressividade do menino foi aos poucos sendo acolhida pelo grupo e assim, o menino foi estabelecendo um vínculo sadio com os colegas. Fernandes (2003, p. 43), destaca que Enrique Pichon-Rivière foi o profissional que mais usou a conceituação de vínculo, unindo os seus conhecimentos psicanalíticos com outras contribuições, especialmente da sociologia. Ele ampliou o conceito de relação de objeto, propondo uma estrutura mais complexa que inclui um sujeito e um objeto em interação, em movimento, com expressões psicológicas internas e externas, que interferem uma com a outra durante o tempo todo. O conceito pichoniano de vínculo está relacionado com o de comunicação e o de conduta, assim como a noção de papel. Segundo esse autor, como destaca Fernandes (2003, p. 43), “devemos entender o inconsciente como uma espécie de reservatório, no qual são acumuladas pautas de conduta em relação com vínculos e papeis que o individuo desempenha frente aos demais”. Fernandes (2003, p. 44) mostra que existem duas visões principais do vínculo, que são as seguintes: 1 – como entidade interna e externa ao mesmo tempo – visão que corresponde à minha, à de alguns colegas do NESME, como Donato e colaboradores (1995), Pichon, Quiroga, Bion, Zimerman e outros; 2 – como entidade apenas interpessoal – visão de importantes pensadores, como Puget, Berenstein, Bernard e outros ilustres colegas argentinos e uruguaios. Para Fernandes (2003, p. 44), o conceito que lhe parece adequado: “vínculo é a estrutura relacional em que ocorre uma ‘experiência emocional’ entre duas ou mais pessoas ou partes da mesma pessoa. Pode ser intra-subjetivo, intersubjetivo e transubjetivo”. Zimerman (2000) destaca que é fundamental que o grupoterapeuta reconheça a natureza dos vínculos das relações que unem, ou separam pessoas que cotidianamente estão reunidas em grupos. Dependendo de como os diversos vínculos se combinam entre si, vai resultar uma possibilidade infinita de distintas configurações vinculares, cada uma com características próprias e singulares. Em alguns encontros foi percebido o papel de liderança assumido por R. Para Zimerman (2000 p. 140), o papel de líder surge em dois planos. Um é o que, naturalmente, foi designado ao grupoterapeuta. O outro é o que surge de forma espontânea, entre os membros do grupo. Nesse caso, a liderança adquire matizes muito diferenciados, desde os líderes construtivos que exercem o importante papel de integradores e construtores do esprit de corps, até os líderes negativos, nos quais prevalece um excessivo narcisismo destrutivo. Outro papel assumido por algumas crianças foi o de porta voz que é definido por Zimerman (2000, p. 138): como sendo cabível ao portador deste papel mostrar mais manifestamente aquilo que o restante do grupo pode estar, latentemente, pensando ou sentindo. No entanto, essa comunicação do porta-voz não é feita somente através da voz (reivindicações, protestos, verbalização de emoções, etc.), mas também através da linguagem extraverbal das dramatizações, silêncios, actings , etc. Uma forma muito comum do porta voz é a função do indivíduo contestador. Nesses casos é 176 imprescindível que o grupoterapeuta (da mesma forma que os pais, numa família) saiba discriminar quando a contestação é, sistematicamente, de ordem obstrutiva, ou quando ela representa ser necessária, corajosa e construtiva. Esse papel pôde ser percebido, por exemplo, quando alguma criança pedia silêncio diante da bagunça dos outros colegas e dizia o quanto isso estava atrapalhando e alguns membros do grupo, em seguida, concordavam. Também pode ser percebido quando queriam falar de algum assunto, como por exemplo, sexualidade, uma criança insinuava de alguma maneira (com gestos, palavras) sua curiosidade sobre o assunto e as outras crianças mostravam-se interessadas. Ao longo do ano houve algumas mudanças de setting e isso pode ser percebido. Algumas crianças mostraram-se angustiadas e com mudanças de comportamento. Por exemplo, um encontro precisou ser realizado na sala da direção, algumas crianças mostraram-se resistentes, diziam que não iam entrar. O setting se comporta como uma situação meramente passiva, ele está sob uma contínua ameaça em vir a ser desvirtuado e serve como um cenário ativo da dinâmica grupal, que resulta do impacto de constantes e múltiplas pressões de toda ordem. Zimerman (2000, p.145) afirma que o setting deve ser preservado ao máximo e que algumas funções são destinadas a ele, tais como: Estabelecer o aporte da realidade exterior, com as suas inevitáveis privações e frustrações; ajudar a definir a predominância do princípio da realidade sobre o do prazer; prover a necessária delimitação entre o “eu” e os “outros”, por meio da função de desfazer a especularidade e a gamelaridade típica desses pacientes; auxiliar, a partir daí a obtenção das capacidades de diferenciação, separação e individuação; definir a noção dos limites e das limitações que provavelmente estão algo borrada pela influência da onipotência e onisciência próprias da “parte psicótica da personalidade” (BION, 1967 apud ZIMERMAN, 2000, p. 145), sempre existente em qualquer paciente; desfazer as fantasias do analisando, que sempre está em busca de uma ilusória simetria (uma mesma hierarquia de lugar e papéis) e de uma similaridade (ser igual nos valores, crenças e capacidades) com o analista; reconhecer que é unicamente sofrendo as inevitáveis frustrações impostas pelo setting, desde que essas não sejam exageradamente excessivas ou escassas, que o analisando (tal como a criança no passado) pode desenvolver a capacidade para simbolizar e pensar. Uma das funções mais nobres do setting consiste na criação de um novo espaço onde o analisando terá a oportunidade de reexperimentar com o analista a vivência de antigas e decisivamente marcantes experiências emocionais conflituosas que foram mal compreendidas, atendidas e significadas pelos pais no passado e que por consequência habita a consciência do adulto. Diante disso, é possível compreender o motivo das alterações de comportamento de alguns integrantes diante das mudanças de sala e também com a entrada de novos. No último atendimento foi percebida uma forte negação do grupo. No início estavam se comportando como se os atendimentos não fossem terminar. Para Fadiman e Frager (1986, p. 20) “a negação é a tentativa de não aceitar na realidade um fato que perturba o ego”. Esse grupo apresentou uma grande evolução ao longo do ano. Foi possível observar a construção de vínculos sadios entre os membros e a capacidade de interação entre eles. Apesar dos ataques diante da entrada de novos membros, pode-se dizer que o grupo conseguiu acolhêlos e a interagir tranquilamente com eles. O grupo da tarde iniciou-se com um total de sete crianças, sendo duas do terceiro ano, quatro do quarto ano e um do quinto, sendo que este saiu do grupo no primeiro semestre. No 177 início, as crianças mostraram-se mais unidas, porém, ao longo do trabalho muitos foram se distanciando e muitas vezes ocorriam ataques a um membro do grupo. A respeito disso, pode-se pensar no papel denominado bode expiatório que é descrito por Zimerman (2000, p. 138) como: toda a “maldade”do grupo fica depositada em um individuo que, se tiver uma tendência prévia, servirá como depositário, até vir a ser expulso, o que, aliás, é comum. Nesse caso, o grupo sairá em busca de um novo bode... Decorre daí a enorme importância de que o grupoterapeuta reconheça e saiba manejar tais situações. Outras vezes, o grupo modela um bode expiatório sob a forma de um “bobo da corte” que diverte a todos que, por isso mesmo, ao contrário de uma expulsão, o grupo faz questão de conservá-lo. Esse papel foi desempenhado na maioria das vezes por um menino que era vítima de preconceito, mas, que não revidava e se mantinha no grupo como sendo o “bobo da corte” para alguns integrantes. Esse fato incomodava algumas crianças, na maioria das vezes as meninas. Com relação a isso, pode-se dizer que a essas crianças o papel atribuído era de apaziguadores, como Zimerman (2000, p. 139) descreve: Esse é um papel que aparece com grande frequência e costuma ser desempenhado por algum membro do grupo que tem muitas dificuldades de se confrontar com situações tensas, especialmente aquelas que envolvem outros participantes num clima de agressividade, de modo que ele executa o papel e a função do que costumamos chamar de “algodão entre os cristais”. Nesse caso, cabe ao grupoterapeuta assinalar esse temor à agressão, caso contrário, parecerá ao grupo que realmente é perigosa a emergência desse aspecto, quando na verdade ele existe em todos os indivíduos, de uma forma mais ou menos reprimida, e o seu espontâneo surgimento no campo grupal se constitui como uma especial oportunidade de reexperimentar velhas experiências emocionais que foram mal resolvidas na época, o que pode possibilitar novas significações e uma nova maneira mais adulta e sadia de enfrentar a agressividade. Em alguns momentos foi possível conversar sobre a agressividade por parte de alguns membros e nessas conversas puderam entender que a agressão a um colega é devido a um grande medo de se tornar igual a ele. Com relação aos fenômenos grupais, vale destacar os actings que ocorreram ao longo do ano. Segundo Zimerman (2000, p. 181), a definição de acting é muito imprecisa pelo fato de que os autores emprestam significados distintos a esse fenômeno que normalmente surge nos processos terapêuticos. No sentido estrito do termo, acting out designa uma determinada conduta que se processa como substituta de sentimentos que não se manifestam no consciente. Isso costuma ocorrer devido a uma das seguintes quatro condições: quando os sentimentos represados correspondem às fantasias que estão reprimidas e que não são recordadas, ou não são pensadas, ou não são comunicadas pela verbalização, ou não conseguem ficar contidas dentro do indivíduo. Ainda para o autor, o acting é mais frequente e intenso nos grupos: quebra de sigilo: é um acting que pode assumir uma consequência deletéria, tanto para os demais componentes do grupo, que se sentem ameaçados e desunidos, como para a imagem do grupoterapeuta e, principalmente, para a reputação do tratamento que tem junto ao público. Essa forma de atuação tem maior risco de acontecer no início do funcionamento da grupoterapia, em razão de que os integrantes ainda não formaram um espirit de corps, e o nível de ansiedades despertadas é muito elevado. Da mesma forma, um elemento novo que ingressa num grupo em andamento pode representar um risco de inconfidência devido à necessidade de extravasar a sua ansiedade fora do grupo. A quebra de sigilo por parte de uma criança pode ser visto como um ataque aos colegas e também como uma necessidade dele de extravasar sua ansiedade em um lugar fora do grupo. 178 Esse grupo, ao contrário do da manhã, encontrou dificuldade em estabelecer vínculos efetivos, porém, em vários atendimentos foi possível conversar sobre esse afastamento. Quanto ao encerramento do grupo, quando este foi comunicado pela estagiária, aproximadamente um mês antes, ocorreu um movimento de negação do grupo diante da informação por não manifestar nada em relação ao término. Conclusão Com a experiência relatada acima foi possível observar os fenômenos que ocorrem em um campo grupal. As atividades favorecendo as manifestações inconscientes das crianças, vinculadas ao contrato de confiança estabelecido no grupo, o que possibilitou o desenvolvimento de vínculos saudáveis e mudanças de atitudes de algumas crianças no grupo e nas relações escolares extra grupo. Foi possível dialogar nas divergências com a intervenção da estagiária, conversar sobre situações de agressividade, preconceito, vivências do meio escolar e familiar, através do vínculo que os membros do grupo constituíram ao longo do ano com esta experiência emocional. As mudanças quanto ao espaço no qual o grupo acontecia, comuns nas instituições, provocaram angústia nas crianças, pois, elas foram se apropriando do espaço para o grupo, havendo constante movimento de desorganização e reorganização sempre que mudavam de salas, o que foi possível trabalhar no grupo, inclusive as questões de limite, quando estavam em salas com materiais da escola que não poderiam ser utilizados pelo grupo. Um fenômeno possível de observar foi em relação aos ataques aos membros novos que iniciaram ao longo do processo e os sentimentos de perda em relação aos membros que deixaram o grupo no decorrer do ano. Enfim, o espaço oferecido a estes grupos de crianças constituiu uma oportunidade de trabalhar manifestações inconscientes provenientes da relação grupal por meio das atividades operativas vivenciadas ao longo dos encontros. Tal experiência denota a importância de iniciativas como estas para atuar com grupos na instituições escolares. Referências FADIMAN, J.; FRAGER, R. Teorias da personalidade. São Paulo: HARBRA, 1986, p. 20. FERNANDES, W.J.; Grupos Operativos. In: FERNADES, B.S; SVARTMAN, B.; FERNANDES, W.J. et al. Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003 ZIMERMAN, D.E.; Fundamentos básicos das grupoterapias. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2000 WINNICOTT, D.W. A criança e seu mundo. 6 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982 ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ Pôster 02 – TÍTULO: Sujeito e sociedade – a sustentabilidade da vida em grupo ............................................................................................................. A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SUJEITO 179 Esperidião Barbosa Neto Psicólogo; professor da Universidade Federal de Alagoas; especialista em Filosofia política, Psicologia Social e Psicopedagogia; mestre em Psicologia clínica; doutorando em Psicologia clínica, com pesquisa em psicanálise, pela Universidade Católica e Pernambuco. E-mail: [email protected] Resumo Há que se pensar a constituição dos vínculos, na contemporaneidade. Sob o imperativo do consumo, o sujeito não dispõe de um lugar de onde possa tomar a palavra, e torna-se vulnerável a sugestionabilidade. Ele é o que for necessário ser, segundo os objetos de consumo disponíveis; é leve e insustentável, incapaz de vínculo consistente e duradouro. Essa falta de gravidade gera um mal-estar difícil de ser nomeado, um esvaziamento de sentido. Este trabalho tem por objetivo mostrar, partindo de um ponto de vista filosófico, a incapacidade do sujeito em estabelecer vínculos, na contemporaneidade, e a clínica psicanalítica como lugar de endereçamento ao Outro simbólico. Primeiro apresentaremos a ideia de esvaziamento do ser, a partir da filosofia de Kierkegaard e da patologização do sofrimento em nossa época; em seguida a clínica psicanalítica como lugar da fala endereçada ao Outro; por último, o lugar subjetivo do sujeito, capaz de superar a si mesmo. Temos a expectativa de fornecer alguns elementos para se pensar o sujeito contemporâneo e sua instabilidade, por um lado, e a clínica psicanalítica como lugar do sentido e de sustentabilidade do vínculo, por outro. Palavras-chaves: filisteu; Outro; fala; repetição; vínculo. Introdução O homem contemporâneo vive o momento da volatilidade, tudo é passageiro. O tempo de ser – ou do ser – está em questão na medida em que o mercado exige do sujeito ser o que for necessário às vias de consumo, instalando-se um mal-estar: à proporção que o objeto de consumo é substituído, para atender aos objetivos do mercado, o sujeito desliza nesse tempo, gerando-se um fator compulsivo. De objeto em objeto, ele perde-se no tempo, a pulsão se repete em cada objeto, cujo gozo resiste à elaboração da vida. Esta se repete em forma de círculo, de modo que o desejo não se torna, de fato, desejável, não se usufrui ou se extrai prazer dele. Estamos sempre instáveis ao extremo, sem um ponto de fixação a alguma referência ou conteúdo interno, flutuantes ou leves, a ponto de ceder, com facilidade, aos apelos do consumo. Na atualidade o mundo parece viver uma transição. Diz-se que o tempo não é mais o mesmo, os valores são outros. Uma observação mais apurada sugere que, de fato, a constituição do sujeito perdeu sua consistência enquanto via de referência segundo o eixo de identificação vertical. Contudo, não caímos num abismo sem saída, conforme o parecer saudosista. Desse modo, acreditamos que a questão está no tempo: tempo histórico da humanidade, tempo do desenvolvimento da pessoa, tempo do conteúdo interior: o tudo-agora ou o antes-e-odepois como instante da vida. Contudo, ao invés de nos mantermos num lamento sem fim, vale ressaltar que estamos no espaço da humanidade, a história continua a ser construída, como nos faz ver Ana Lúcia Francisco: “... não somos humanos por natureza. A humanidade vai se construindo e o humano é inconcluso” (Francisco, 2012, p. 19). Nesse tempo de instabilidade humana, passagem de um modelo de referências a outro, as pessoas não estão preparadas para o sofrimento, e assiste-se a uma patologização dele, isto é, o sofrimento é transformado em dor, porque para esta há o antídoto, sobretudo gerado pela indústria farmacêutica. Identificado com o diagnóstico, o sujeito não fala por si mesmo, ao invés da palavra há o ato: sem sentido, sem questionamento, pura pulsão. A clínica psicanalítica aparece como lugar possível à fala, endereçamento dela a um Outro lugar onde as questões podem encontrar algum sentido. Nele o sujeito pode se posicionar, 180 em meio ao sofrimento, tomar a palavra como ser de existência. Há de surgir uma nova ordem na organização psíquica do sujeito pela qual se configurará a consistência nas relações entre as pessoas. Enquanto isto, cabe pensar o sintoma da nossa época, aparelhando-nos, do ponto de vista da clínica, no sentido de minimizar o sofrimentos sem nome. Neste trabalho nos propomos mostrar, partindo de um ponto de vista filosófico, a incapacidade do sujeito em estabelecer vínculos na contemporaneidade, e a clínica psicanalítica como lugar de endereçamento ao Outro simbólico, considerando-se, por um lado, o mal-estar gerado pelo esvaziamento do ser e, por outro, a clínica como lugar da fala e da produção de sentido. Metodologia Primeiro apresentaremos a ideia de Esvaziamento do ser, a partir do sentido kierkegaardiano do não-ser e da cultura de patologização do sofrimento, típico da nossa época; em seguida enfocaremos A clínica psicanalítica como lugar da fala e do endereçamento ao Outro simbólico, de onde o sujeito pode se posicionar; por último o Lugar subjetivo do sujeito, capaz de superação de si mesmo, pondo-se, ele próprio, em questão. Resultado Mostramos a incapacidade do sujeito, em nossa época, de estabelecer vínculo consistente e duradouro, gerando-se um mal-estar. Apresentamos a clinica psicanalítica como lugar possível à produção de sentido. Observamos que é possível a instauração de uma nova ordem na organização psíquica pela qual o sujeito possa se situar no seu mundo, subjetivamente, apesar das circunstâncias mercadológicas capazes de esvaziá-lo como ser de existência. Considerações finais O mal-estar do nosso tempo se configura pela transição da referência vertical à horizontal. Cremos haver, no futuro, um momento de estabilidade, no qual o sujeito se constitua na condição de possibilidade de mudança. As novas gerações, sob a ideia de liberdade, voltam-se para os objetos de consumo disponíveis, encontrando neles, apenas, a prevalência do gozo. Cabe à psicanálise, neste momento, saber lidar com esse gozo, até que uma nova ordem se estabeleça – no analisante e na cultura -, e o sujeito possa tomar a palavra. Referências CASANOVA, M. Heidegger. Curso ministrado na Universidade Católica de Pernambuco, em 26 de abril de 2012. BAUMAN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. 141 p. BERNARADES, A. C. Tratar o Impossível: a função da fala na psicanálise. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. 182 p. FRANCISCO, A. L. (2012). Psicologia clínica: prática em construção e desafios para a formação. Curitiba: CRV, 2012. 74 p. FREUD, S. (1893). Estudos sobre a histeria. In: _____. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. V. 2, p. 91-152. KIERKEGAARD, S. A repetição. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2009. 146 p. LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. 937 P. 181 MELMAN, C. Formas clínicas da nova patologia mental. Recife: Centro de Estudos Freudianos de Recife, 2004. 243 p. MELMAN, C. O homem sem gravidade. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003. 211 p. POE, E. A. A carta roubada. 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Mestre em Psicologia – email: [email protected] Resumo O presente trabalho vem relatar a experiência de estágio curricular de Promoção de Saúde na Comunidade, do curso de Psicologia da Universidade de Franca, vivenciado no ano letivo de 2012, onde foi possível perceber que trabalhar as Habilidades de Vida propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) pode causar melhorias consideráveis na vida da população, inclusive proporcionando mudanças positivas nos pensamentos e atitudes dos participantes, bem como dos estagiários que aprenderam consideravelmente durante o preparo e execução das atividades, isso devido à troca de experiências que ocorreu entre os grupos. O estágio foi desenvolvido em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), com grupos de pacientes triados do projeto de Matriciamento Psiquiátrico, porém era aberto a toda população interessada. A freqüência dos grupos era semanal, constituindo-se de 12 encontros (um para cada habilidade, um de apresentação e um de encerramento), com duração de uma hora e meia por encontro e coordenados por 1 ou 2 estagiários. Palavras-Chave: Promoção de Saúde na Comunidade; Habilidades de Vida; Matriciamento Psiquiátrico. Introdução Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) saúde não é apenas a ausência de doença, mas a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social [...] (SEGRE; FERRAZ, 1997). A promoção de saúde, como vem sendo entendida nos últimos 20-25 anos, representa uma estratégia promissora para enfrentar os múltiplos problemas de saúde que afetam as populações humanas. Partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus determinantes, propõe a articulação de saberes técnicos e populares, e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução 182 [...] de um lado, como reação à acentuada medicalização da vida social e, de outro, como uma resposta setorial articuladora de diversos recursos técnicos e posições ideológicas. Embora o termo tenha sido usado a princípio para caracterizar um nível de atenção da medicina preventiva (LEAVELL; CLARK, 1976 apud BUSS 2000), seu significado foi mudando, passando a representar, mais recentemente, um enfoque político e técnico em torno do processo saúdedoença-cuidado. (BUSS, 2000) Coerente com o enfoque da promoção de saúde, a Organização Mundial de Saúde propõe programas de Ensino de Habilidades de Vida visando desenvolver comportamentos adaptativos e socialmente adequados, a fim de capacitar pessoas para negociar eficazmente com as demandas e desafios do cotidiano (OMS, 1997 apud GORAYEB 2002). Existe uma série de habilidades que podem ajudar os indivíduos a terem comportamentos que favoreçam sua saúde, pois possibilitam a transformação de conhecimentos, atitudes ou valores em ações positivas (FALLAS & VARGAS,1999 apud MINTO, 2006). A OMS tem advogado o uso generalizado de programas de ensino das Habilidades de Vida, como forma de reduzir os comportamentos de risco à saúde. As técnicas usadas para facilitar o ensino das Habilidades de Vida incluem a interação grupal, dramatizações, dinâmicas de grupo, jogos, discussões e atividades em pequenos grupos (OMS, 1997) apud (GORAYEB, 2002). As Habilidades de Vida propostas pela OMS são: tomada de decisão, resolução de problemas, pensamento criativo, pensamento crítico, comunicação eficaz, relacionamento interpessoal, autoconhecimento, empatia, lidar com as emoções e lidar com o stress (MANGRULKAR et al., 2001 apud GORAYEB, 2002). Os programas de Ensino de Habilidades de Vida podem ser desenvolvidos em diferentes contextos, incluindo escolas, centros comunitários, Unidades Básicas de Saúde (UBS), etc. O conteúdo a ser desenvolvido deve se adequar às características e especificidades da população para a qual será proposto (OMS, 1997 apud GORAYEB, 2002). O desenvolvimento do programa de Ensino de Habilidades de Vida vem demonstrando ser uma maneira eficiente de realizar a psicologia aplicada à comunidade. Entende-se que os psicólogos têm em suas mãos um instrumento para ajudar na transformação social e construção de um mundo melhor (GORAYEB, 2002), com isso o presente artigo visa descrever as intervenções grupais do estágio em Promoção de Saúde na Comunidade com ênfase no Ensino de Habilidades de Vida, que foi realizado com pacientes que buscaram atendimento psiquiátrico na rede pública de Saúde de uma cidade do interior de São Paulo, e relatar os efeitos da aplicação dessas Habilidades de Vida nos participantes, além do aprimoramento pessoal e profissional dos estagiários. Metodologia O estágio de Promoção de Saúde na Comunidade aconteceu nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da cidade de Franca - SP, no ano de 2012, em parceria com o Projeto de Matriciamento Psiquiátrico (PMP), na qual os estagiários do curso de Psicologia observavam e recrutavam os pacientes nas reuniões grupais deste projeto. Este estágio aconteceu em duas etapas sendo uma no primeiro semestre e a outra no segundo. Em cada grupo, houve 12 encontros (apresentação, 10 Habilidades de Vida e encerramento) com duração de uma hora e meia, sendo discutido um tema especifico em cada um deles. Cada encontro foi composto por 3 partes, sendo, aquecimento, atividade principal e fechamento, e era trabalhado o tema proposto para o dia através de dinâmicas, vídeos, músicas, poesias e demais maneiras descontraídas e reflexivas. Os pacientes tinham liberdade para se manifestarem ou não, e no decorrer das atividades ocorriam as discussões e trocas de experiências. Resultados e Discussão 183 Os grupos existentes nos dois semestres tiveram como maior público as mulheres, e a maior queixa foi depressão, o que vai ao encontro de vários estudos realizados em diversos países, na qual a depressão é mais freqüente em mulheres, com uma prevalência de duas a três vezes maior que em homens (WEISSMAN et al, 1996 apud FLECK et al, 2003). Embora seja a depressão uma patologia bastante presente em nossos grupos, vimos que esses participantes em boa parte, conseguiram aplicar as Habilidades de Vida no seu cotidiano, o que resultou segundo relatos dos mesmos, consideráveis melhoras no dia-a-dia, animo para a vida e força de vontade para mudar esse quadro patológico. Inicialmente, alguns participantes ficaram inibidos e até desconfortáveis para se expressar perante os grupos, porém aos poucos passaram a interagir e foi nítido como o trabalho em grupo pôde proporcionar reflexões para esses participantes, e o quanto a troca de experiências faz com que o outro aprenda, cresça e se fortaleça. O trabalho em grupo propicia uma capacidade de pensar as experiências emocionais cotidianas e aprender com elas; no grupo, o sujeito faz inúmeras introjeções de como os outros lidam com os problemas. O grupo é o agente da cura e a tarefa constitui um organizador dos processos de pensamento, comunicação e ação que se dão entre os membros do grupo (ZIMERMAN et al, 1997 apud SANTOS; ANDRADE, 2003). No decorrer dos encontros o número de participantes presentes foi bastante variado, visto que era um grupo aberto a todos os interessados, principalmente aqueles com demanda psiquiátrica, porém foi possível perceber que os participantes que tiveram maior adesão aos encontros obtiveram maior capacidade para pensar e modificar de maneira positiva suas condutas e atitudes cotidianas. Tal conclusão dá-se pelos momentos onde os participantes relataram suas experiências e passaram a identificar e aplicar as Habilidades de Vida trabalhadas. Conclusão Conforme mencionado acima, o trabalho em grupo favorece a troca de experiências, a reflexão e a discussão dos temas, aumentando as possibilidades de que novas atitudes e práticas sejam adotadas por seus membros, podendo ser um facilitador da melhoria da qualidade de vida. Neste trabalho, verificou-se que o contexto grupal favoreceu a expressão de idéias e sentimentos, além da troca de experiências. Foi observado que o resultado da intervenção variou de acordo com a freqüência dos participantes e características do grupo, mas no geral, trabalhar as Habilidades de Vida pode ser benéfico na vida das pessoas. Referências BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Rev. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 5, n.1 Rio de Janeiro 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n1/7087.pdf Acesso dia 17 de out. de 2012. FLECK, M. P. et al. Revisão das Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (versão integral). Rev Bras Psiquiatr.2009; 31 (Supl I):S7-17. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbp/v31s1/a03v31s1.pdf. Acesso dia 14 de abril de 2013 GORAYEB, R. O Ensino de Habilidades de vida em Escolas no Brasil. Psic., Saúde & Doenças [online]. 2002, v.3, n.2, p. 213-217. Disponível em: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/psd /v3n2/ v3n2a09.pdf Acesso dia 21 de out. De 2012. MINTO, E.C. et al. Ensino de Habilidades de Vida na Escola: Uma experiência com adolescentes. Rev. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 3, p. 561-568, set./dez. 2006. SEGRE, M; FERRAZ, F. C. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, Oct. 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-891019970 00600016&lng=en&nrm=iso. Acesso dia 01 de Nov. de 2012 184 SANTOS, F. R; ANDRADE, C. P. Eficácia dos trabalhos de grupo na adesão ao tratamento de hipertensão arterial. Revista APS, v.6, n.1, p.15-18, jan./jun. 2003. Disponível em: http://www.ufjf.br/nates/files/2009/12/Educacao.pdf. Acesso dia 14 de abril de 2013 ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ PARTICIPAÇÃO E PERTENCIMENTO: RELATOS DO MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL Patricia Kriger; Paula F. de Medeiros Paiva; Tissyana Carrião Guimarães; Tatiane Lucheis Pereira e Érich Montanar Franco Universidade Presbiteriana Mackenzie – Rua da Consolação, 930 – Cep 01302-907 – Consolação – São Paulo – SP – Brasil. e-mail:[email protected] Resumo O presente trabalho buscou uma aproximação do cotidiano dos militantes do Movimento da Luta Antimanicomial. Foram realizadas entrevistas com diferentes atores, e houve participação do grupo em reuniões, palestras e manifestações organizadas pelo Movimento. A partir destas vivências concluiu-se que participar do Movimento transcende o papel de militância, se atinge a vida pessoal e profissional dos participantes além de conquistar mudancas na sociedade. Os sujeitos, principalmente o usuário do serviço de saúde mental, encontram um local plural, que respeita a diversidade, e permite a manifestação de múltiplas subjetividades. É um espaço simbólico que permite o re-enraizamento, ou seja, o fortalecimento de vínculos. A Luta Antimanicomial não terminou, os manicômios foram fechados, mas ainda há manicômios nas relações que estão pulverizados na sociedade, discussão que fica ainda mais recente se levarmos em conta as atuais políticas de exclusão para drogas. Palavras-chave: movimentos sociais; enraizamento; humanização; vínculos. Introdução Os movimentos sociais podem ser definidos como um coletivo organizado que questiona e atua politicamente para a conquista de mudanças sociais (RIBEIRO, 2011). As reivindicações visam transformações, transições ou até revoluções embasadas em ideologias e valores compartilhados pelos seus integrantes. Neste trabalho, nossa atenção se voltou para o Movimento da Luta Antimanicomial, que surge em um contexto histórico de exclusão e higienização e traz a proposta de modificar os processos, leis e representações sociais envolvidos na avaliação, diagnóstico e tratamento em saúde mental. A Luta antimanicomial no Brasil foi fortemente influenciada pelas conquistas legais ocorridas na Itália, que se expressam na Lei nº 180\1978, também conhecida como Lei Basaglia (GOULART, 2007). Havia, e ainda há, uma busca pela compreensão sobre as doenças ou condições humanas, mas as pessoas em sofrimento psíquico ainda carregam um estigma, tendo sido transformadas em desajustadas, irracionais, perversas, alienadas e loucas (LÜCHMANN e RODRIGUES, 2006). Segundo Silva (2008), as formulações teóricas no Campo da Saúde Coletiva foram de grande importância para a superação do modelo asilar, pois: [...] permitiriam abordar as dimensões simbólica, ética e política do processo saúde-doença, para além do registro biológico, assim como 185 possibilitariam incluir os trabalhadores e a sociedade civil no circuito de decisões sobre as políticas públicas de saúde, fortalecendo a transdisciplinaridade e a participação social (SILVA, 2008 p. 161). A abordagem do sujeito de forma integral e a participação social nas discussões e decisões a respeito das doenças mentais trariam tanto um melhor tratamento, quanto uma mudança de paradigma. A vinda de Franco Basaglia e outros importantes autores para o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições em 1978, além de eventos como o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que ocorreu no mesmo ano, impulsionaram ainda mais o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. Já existiam diversas denúncias e acusações ao governo militar, principalmente sobre o sistema nacional de assistência psiquiátrica, que incluía práticas de tortura, fraudes e corrupção. Por meio de congressos e de encontros, o movimento se ampliou, aproximando-se de outros atores sociais, como usuários e familiares. Na ocasião, foi apresentado o lema antimanicomial: Por uma sociedade sem manicômios. As discussões orientaram-se para uma abordagem da loucura para além do limite assistencial. (LÜCHMANN e RODRIGUES, 2006) O Movimento Nacional da Luta Antimanicomial foi fundado oficialmente a partir do Manifesto de Bauru em 1987 e seus enunciados são: Movimento – um modo político peculiar de organização da sociedade em prol de uma causa; Nacional – um conjunto de práticas vigentes em pontos mais diversos do nosso território; Luta – um enfrentamento, algo que põe em questão poderes e privilégios; Antimanicomial– uma posição clara então escolhida, juntamente com a palavra de ordem indispensável a um embate político, e que desde então nos reúne: por uma sociedade sem manicômios (LOBOSQUE apud LÜCHMANN e RODRIGUES, 2006, p. 403). Além de uma função política institucional, os movimentos sociais também representam vínculos mais profundos e significativos para seus integrantes. Bosi (2003) utiliza a condição de operário e a migração como modelos para refletir sobre a perda de raízes culturais. Para ela, o deslocamento geográfico também tem consequências políticas, pois separa o indivíduo de suas referências e limita sua participação real e ativa, alienando-o. Como consequência há um esvaziamento da significação humana, perdendo-se o sentido e as lembranças. A importância da memória é central no pensamento de Bosi (2003) e, segundo a autora, o capitalismo transforma o passado em mercadoria e enfraquece as tradições. Neste cenário de desenraizamento, somente a militância pode propor de novo a totalidade passado-presente como um mesmo tecido de lutas e esperanças (BOSI, 2003). Desta forma, os movimentos sociais constroem identidades culturais inclusivas, e preservam tradições compartilhadas por um coletivo. Arendt (2001) destaca a ação e o discurso como sendo reveladores do homem para o mundo; o agir e falar, então, são maneiras pelas quais o homem revela ativamente sua identidade pessoal e única. Assim o Movimento da Luta Antimanicomial, vai muito além da simples busca do que o paciente perdeu – suas raízes: seria uma ferramenta para a busca de renascimento nessa “terra de erosão” (BOSI, 2003), resgatando o caráter humano da vida destes sujeitos, possibilitando-o assumir sua voz e ação (ARENDT, 2001). Assim, partindo do conceito de movimento social e da história e posição do Movimento da Luta Antimanicomial perante o tratamento de sujeitos com sofrimento psíquico, foram levantadas hipóteses de que os movimentos sociais seriam um lugar de re-enraizamento dos participantes, uma vez que suas ações são embasadas em discursos que revelam a identidade de seus membros. O presente trabalho tem por objetivo apresentar reflexões sobre o Movimento da Luta Antimanicomial elaboradas a partir de uma experiência de estágio básico em Psicologia Social. Durante a atividade realizada buscamos uma aproximação do cotidiano desse movimento bem como os sentidos da participação para os integrantes. Método 186 Além da observação de atividades relacionadas ao movimento em questão, como o Encontro Mensal da Frente da Luta Antimanicomial de São Paulo e o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, foram realizadas entrevistas com seus participantes. No contato com os membros do movimento, buscamos estimulá-los à reflexão e a livre expressão acerca da experiência de cada um na Luta Antimanicomial. Os procedimentos de análise consistiram na identificação de unidades de sentido, que nos auxiliaram na organização do material coletado, e na reflexão apoiada nos escritos de Hannah Arendt e Ecléa Bosi. Esse trabalho foi desenvolvido como tarefa obrigatória da disciplina: Estagio Básico em Psicologia Social, no 5º semestre do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Resultados e Discussão A partir das diversas entrevistas e experiências junto aos militantes da Luta Antimanicomial, percebemos que o movimento social é um espaço no qual são produzidas e afirmadas formas de viver e pensar que não se restringem ao âmbito do próprio movimento; elas constituem esses sujeitos. Dentre os maiores motivos para o desenraizamento, Bosi (2003) destaca a separação da formação pessoal e a natureza da tarefa, entre a vida no trabalho e a vida familiar, de vizinhança e cidadania. No movimento os sujeitos possuem uma práxis militante que atinge sua vida pessoal e profissional e sua participação é reforçada pela conquista de mudanças na sociedade, estas são reconhecidas como produto da luta: “Sem luta não há mudanças”. O movimento da Luta Antimanicomial não é homogêneo, pois agrega diversos atores – logo, diversos discursos – mas garante sua integração na medida em que se mantém coerente com seus princípios e objetivos. A heterogeneidade, portanto, é uma de suas característica, e a participação efetiva dos militantes produz a polifonia. A tensão entre as diferentes posições amplia a consciência em relação aos pontos de convergência entre seus membros. A contradição é uma condição humana, e o movimento da luta Antimanicomial não as nega, antes aceita-a e tenta identificá-la para superá-la. Existe, no movimento, o reconhecimento das relações de poder em diversos âmbitos da sociedade e a tentativa de se construir um espaço de horizontalidade, no qual todos os integrantes sejam eles usuários, profissionais ou familiares, tenham voz e se identifiquem como militantes, sem distinção. A valorização dessa relação democrática nas unidades de atendimento como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e o grande apoio para propostas como a rede de economia solidária também foram encontrados no discurso dos militantes. Ao participarmos de eventos como “Café com CAPS”, o Encontro Mensal da Frente Estadual da Luta Antimanicomial e visita a um CAPS AD, entramos em contato com a forma de agir e pensar do movimento. De acordo com os relatos nota-se um forte componente de humanização na pertença ao movimento, pois este espaço permite ao sujeito enraizar-se na luta contra as forças alienantes do discurso dominante. Assim, os vínculos com o movimento transcendem a esfera racional – ainda que o movimento gere reflexão crítica e conhecimento técnico – e criam laços fraternos entre seus membros. Esse engajamento dos sujeitos num coletivo heterogêneo propõe uma integração tanto com os outros membros do movimento quanto consigo, na medida em que reflexão crítica e ação ocorrem conjunta e coletivamente. Conforme Arendt (2001), participar do movimento, revela o sujeito, na medida em que o transforma e constitui, da mesma maneira que ele próprio compõe o movimento, dialeticamente. Mesmo com as diversas conquistas do movimento, a luta continua. As críticas vão se modificando ao longo do tempo. Os manicômios não foram fechados, e alguns apenas mudaram de nome e invadiram outros espaços. E, segundo um dos entrevistados, “há, ainda, os manicômios das relações”. Portanto, existem motivos para manter e ampliar a luta. 187 Considerações finais Durante a atividade de estágio houve a desmistificação de concepções acerca desses coletivos. Foi possível perceber que o movimento social estudado não é românticos, idealista e pouco efetivo, e sim, tem função ativa na saúde pública brasileira. Além disso, percebemos que o Movimento não é algo distante e confinado a um local ou grupo, ele é vivido no cotidiano de todos os militantes; e a experiência de estágio básico em psicologia social nos aproximou do sentido desta participação para seus integrantes, que além de compartilharem da ideologia e princípios, se conectam pela ação, e por sua prática cotidiana permeada pelos ideais do Movimento. Por fim, vimos ainda que as transformações sociais alcançadas pelo Movimento são grandes e de extrema importância, porém há muito que ser feito, ou seja, enxergamos que o enfrentamento proposto há mais de trinta anos se faz ainda atual em todo âmbito nacional. Referências Bibliográficas ARENDT, H. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. GOULART, MSB. Histórias da Psicologia no Brasil. Petrópolis: Vozes. 2007. LUCHMANN, Lígia Helena Hahnand RODRIGUES, Jefferson. O movimento antimanicomial no Brasil. 2006, vol.12, n.2 Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232007000200016. Acessado em 18/04/2012 RIBEIRO, P. Movimentos Sociais: breve definição. 2011. Disponível em: HTTP://www.brasilescola.com/sociologia/movimentos-sociais-bre-definicao.html. Acessado em 21/04/2012. SILVA, MBB. Só os militantes suportam lidar com a loucura? A Reforma Psiquiátrica em questão a partir de seus trabalhadores. Physis, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, 2008. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ PLANTAO PSICOLÓGICO NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA Fernanda Maria Donato Gomes¹; Sonia Maria Alves de Paiva² ¹ Psicóloga, membro e docente da SPAGESP e docente da Universidade Paulista – UNIP – Campus São José do Rio Pardo – [email protected] ² Enfermeira, Doutora em Enfermagem Psiquiátrica, docente da Pontifícia Universidade Católica – Campus Poços de Caldas [email protected] Resumo A partir da experiência de uma das autoras na supervisão de estágio Plantão Psicológico e a observação da aderência da população no uso deste serviço, as autoras propoem uma reflexão a respeito das possibilidades da implantação do Plantão Psicológico nos Programas Saúde da Família. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, desenvolvido no município de Mococa. A amostra foi composta pela psicóloga que atende nos PSFs . A profissional foi informada sobre a pesquisa e solicitada a responder às questões norteadoras. A análise dos dados foi realizada mediante a categorização das respostas obtidas nas entrevistas e revelou que o cotidiano do trabalho do psicólogo no PSF, apresenta intersecções com o modelo de atendimento do Plantão Psicológico. Concluindo, verificou-se que ter um psicólogo em cada PSF, compondo a equipe mínima, seria um ideal a ser atingido. Torna-se necessário uma discussão a nível das políticas públicas quanto a proposta do atendimento psicológico na atenção primária, de modo a tornar a 188 proposta mais resolutiva, bem como a formação do profissional para que o egresso esteja capacitado para fazer a clínica no Programa de Saúde da Família, de modo mais humanizado e de acordo com a realidade da comunidade. Palavras-chave: Plantão Psicológico, Saúde Mental, Programa Saúde da Família. Introdução Vários autores (LASCH, 1984; Wacquant, 2002) tem observado um período de crise e instabilidade nas instituições como família, estado e escola, na sociedade contemporânea. Tais estudiosos têm voltm ado seu olhar para as relações entre as mudanças estruturais na sociedade moderna e as transformações subjetivas. Destacando um cotidiano vivido como um exercício penoso de sobrevivência. Neste sentido, não são apenas os casos mais graves de sofredores mentais que se encontram diante de uma crise emocional. O cidadão comum que não está gravemente enfermo, também experiência no seu cotidiano alterações, desequilíbrios, estados de dúvidas e incertezas. No entanto, é fato que nossos aparatos em Saúde Pública, não dão conta da demanda existente. Assim, os atendimentos acabam por afunilarem e são priorizados os casos mais graves: psicoses, adições, distúrbios alimentares com risco de morte. O programa Saúde da Família foi criado em 1994, pelo ministério da saúde com o objetivo de ser a porta de entrada do sistema de saúde, priorizando o aumento qualitativo e quantitativo de serviços de saúde à população brasileira. Este programa teve como premissa inovadora, abandonar a primazia do modelo assistencial e criar uma nova concepção de saúde, baseada principalmente na prevenção, na promoção de qualidade de vida. As autoras pretendem estudar como o Plantão Psicológico pode inserir-se no atendimento dentro do Programa Saúde da Família. Metodologia Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa. O estudo foi desenvolvido no município de Mococa, situado no interior de estado de São Paulo. Referente à Saúde Mental, o município conta com 5 (cinco) Programas de Saúde da Família, um CAPS II, um CAPS - AD, um CAPS I, uma Oficina terapêutica, entre outros serviços de saúde. Uma psicóloga atua nos cinco PSFs, atendendo em cada um, uma vez por semana . A amostra foi composta por essa profissional. O estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais para apreciação e ao Secretário Municipal de Saúde, atendendo todas as diretrizes emanadas da Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (1996). Procedimentos Metodológicos: A psicóloga foi informada sobre a pesquisa e foi solicitada sua contribuição, em participar do estudo. Em seguida foi informado sobre os objetivos e solicitado-lhe que respondesse às questões norteadoras. As respostas foram gravadas de acordo com o seu consentimento. A análise dos dados foi realizada mediante a categorização das respostas obtidas nas entrevistas, de acordo com Minayo (1992). Resultados e Discussão Segundo Sterian (2003) os atendimentos emergenciais devem ser uma possibilidade da pessoa pensar em si mesma dentro de sua singularidade, e não apenas como um diagnóstico, desta forma este tipo de atendimento pode oferecer a oportunidade de resgate da própria história, de suas necessidades, limitações e possibilidades. Os dados obtidos da entrevistada demonstraram ter essa mesma compreensão. A entrevistada percebe o paciente no PSF, como um individuo integrado, levando em conta as questões biopsicossociais que o influenciam, ampliando-se assim o olhar sobre o usuário, considerando toda a sua complexidade e não apenas o sofrimento físico. 189 Quanto ao papel do psicólogo no PSF, pela resposta obtida, constatou-se que o atendimento pode ser realizado de acordo com as necessidades do cliente, que incluem ajudá-lo a aceitar mudanças no seu cotidiano. De acordo com essa fala, o adoecimento é vivido como uma situação de crise, um desequilíbrio repentino, um estado de dúvida ou incerteza, segundo Cunha (1982); ou ainda como “uma paralisação da continuidade do processo de vida” (MOFFATT,1983). Desta forma os atendimentos psicológicos feitos nos PSFs possibilitam o acolhimento do indivíduo em crise, que afeta vários aspectos de sua vida como os decorrentes da desestabilização das relações familiares, provocada pela doença. A ênfase do trabalho do psicólogo do PSF centra-se no individuo como um todo, rompendo com o modelo assistencial, que é a proposta do PSF, exercendo um cuidado não apenas das doenças, mas na assistência à integralidade do usuário do serviço. A entrevistada destaca como uma das atividades centrais do trabalho do psicólogo no PSF, a prevenção. O Plantão Psicológico também tem esse caráter de prevenção. A pessoa é atendida quando está em sofrimento; nesse momento, a intervenção pode ter uma eficácia terapêutica imediata, como também pode evitar que tais conflitos possam se tornar maiores no futuro (ROSENTHAL, 2004) Ancona-Lopez (1996) enfatiza a importância do primeiro contato como o usuário ser significativo para este, independente de seu encaminhamento posterior para outro tipo de atendimento. A autora considera ainda que a triagem tradicional é baseada no modelo médico assistencialista, que não enfatiza a integralidade. Sendo assim, sugere que a porta de entrada do sujeito na instituição seja um momento de acolhimento dos seus sentimentos e dificuldades a partir de sua vivência. A entrevistada relata o interesse da população em ser atendida pelo psicólogo. No entanto, o atendimento psicológico fica prejudicado pela triagem, priorizando os casos mais urgentes. Tal constatação fica clara quando a entrevistada refere como é o cotidiano de seu trabalho nos PSFs, atende dezesseis pacientes uma vez por semana. A característica principal do Plantão Psicológico é a ausência de agendamento. Desta maneira, as pessoas podem buscar ajuda no momento de suas necessidades. Cautella (2004) considera que a busca espontânea, já traz em si, um ganho terapêutico, pois o usuário não foi convocado, comparece ao serviço por vontade própria, o que revela seu desejo de ajuda e este fato, na opinião do autor é fundamental para que ocorram mudanças. Conclui-se, portanto, que o atendimento em esquema de Plantão seria de grande utilidade para a comunidade de usuários dos PSF Quanto aos impedimentos de se instalar este tipo de atendimento dentro das unidades básicas de saúde, a entrevistada elenca dois tipos de fatores. Em primeiro lugar a falta de recursos do município para fazer as contratações, sendo no seu entendimento necessário, um psicólogo para cada PSF para implantar o esquema de Plantão. A segunda dificuldade estaria na formação do Psicólogo que requer uma formação diferenciada da clínica tradicional. Fugiro et al (2006), afirmam que“ a psicoterapia é a base da identidade do psicólogo”. No entanto, ressalta que atualmente é premente a necessidade de adequar este fazer do psicólogo às novas demandas, principalmente as provenientes das instituições públicas. Segundo os autores, os psicólogos devem adequar-se às outras possibilidades de manejo, que diferem do consultório particular. Tais como tempo, local e duração dos atendimentos. Spink (1992) também destaca a necessidade da construção de novos saberes por parte do profissional de psicologia, que pretende atuar nos ambulatórios e unidades de saúde. Conclusão A análise dos dados revelou que o cotidiano do trabalho do psicólogo no PSF, apresenta intersecções com o modelo de atendimento do Plantão Psicológico. Tanto os atendimentos do PSF como o Plantão Psicológico centram-se no usuário do serviço como um ser integrado e indissolúvel que não pode ser fragmentado entre corpo e mente; bem como entendem que o 190 individuo tem grande participação no seu processo de ajuda física e mental e o psicólogo é um facilitador desta experiência. Outra similaridade entre essas duas modalidades de atendimento ocorre na dimensão preventiva, priorizando a atenção primária. No Plantão Psicológico, o objetivo é o atendimento no momento em que a pessoa está precisando de ajuda, o que pode significar que os conflitos que a levaram a buscar ajuda podem ser vividos com menor intensidade. Ou ainda, que ao encontrar um espaço de escuta a pessoa possa reorganizar-se naquele mesmo momento. Como já mencionado, nos atendimentos psicológicos feitos nos PSFs, existe uma triagem que tem como objetivo avaliar a necessidade e a urgência da demanda do usuário. Existe uma prioridade nos atendimentos mais urgentes e é necessário um encaminhamento. Já no Plantão Psicológico todos os casos são atendidos, a prioridade é fazer um acolhimento do usuário do serviço e que este primeiro encontro com o profissional de psicologia possa ser significativo para a pessoa que busca ajuda; facilitando o olhar para si mesmo e para o momento que está vivendo de outra perspectiva, ainda que possa haver necessidade de se fazer um encaminhamento para outro serviço. Apesar de a entrevistada revelar a necessidade e o desejo de grande parte da população pelo atendimento psicológico, considerou-se que as questões econômicas são o maior impedimento para a implantação do Plantão, e para tal, seria necessário a contratação de um psicólogo para cada PSF. Concluindo, verificou-se que ter um psicólogo em cada PSF, compondo a equipe mínima, seria um ideal a ser atingido. No entanto, acredita-se que ainda com os recursos humanos que se têm, é possível um trabalho gerido pela criatividade. Torna-se necessário uma discussão a nível das políticas públicas quanto a proposta do atendimento psicológico na atenção primária, de modo a tornar a proposta mais resolutiva, bem como a formação do profissional para que o egresso esteja capacitado para fazer a clínica no Programa de Saúde da Família, de acordo com as necessidades da população. Requer ainda o questionamento do papel da universidade na gestão dos saberes e práticas do perfil pedagógico do profissional que se deseja formar, atendendo o compromisso com a política de saúde mental e com a sociedade. Referências ANCONA-LOPEZ, Silvia. A Porta de entrada da entrevista de triagem á consulta psicológica. Tese (Doutorado), Pontifícia Universidade Católica, SP, 1996. CUNHA, A.G., Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1982. CAUTELLA, W, In: Frutos Maduros do Plantão Psicológico. Mafoud, Miguel (org) Plantão Psicológico: novos horizontes. São Paulo: editora CI, .p.97-.114. 2004 FUGIRO R.C.P. et.al. in RAMOS, C. (org.) Práticas Psicológicas em Instituição: uma reflexão sobre os serviços-escola. São Paulo:Vetor Editora, p.80 – 98, 2006. LASCH, Christopher. O mínimo eu: Sobrevivência psíquica em tempos difíceis. São Paulo: Brasiliense, 1984. MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. R.J.: HUCITEC-ABRASCO, 1992 MOFFATT, A. Terapia de crise: teoria temporal do psiquismo. 2ª. Ed. São Paulo: Cortez Editora, 1983. ROSENTHAL, R. W.. Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapiential: uma proposta de atendimento aberto á comunidade. In Mahfoud Miguel (org). Plantão Psicologico – Novos Horizontes. São Paulo: Editora C.I, 2004. SPINK,M.J. A construção social do saber sobre saúde e doença: uma perspectiva psicossocial. Saúde e Sociedade, v.1, n2, 125-139, 1992. 191 STERIAN, A. Emergências Psiquiátricas: Uma abordagem psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. WACQUANT, Loïc. The Zone. In LINS, Daniel (Org). Cultura e subjetividade.São Paulo: Papirus, 2002. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ Pôster 03 – TÍTULO: Grupos e Saúde Mental ............................................................................................................. ENSINO DE HABILIDADES DE VIDA: IMPACTO NA VIDA E NO USO DE PSICOTRÓPICOS Marina de Felipe Antônio1; Viviane Rodrigues da Costa2; Cristiane Pereira Pedro Garcia3 1 Graduanda de Psicologia. Universidade de Franca , Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201 – email: [email protected] 2 Graduanda de Psicologia. Universidade de Franca , Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201 – email: [email protected] 3 Docente e supervisora de estágio. Mestre em Psicologia. Universidade de Franca , Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201 – email: [email protected] Resumo O presente estudo é resultado de uma experiência de estágio em Promoção de Saúde na Comunidade realizado no interior paulista, no qual foi utilizado o ensino de Habilidades de Vida em um grupo de pacientes triados do projeto de Matriciamento Psiquiátrico. Pesquisas na área relatam eficácia desse ensino em vários contextos e portanto, o objetivo desse artigo foi verificar os possíveis benefícios do ensino das Habilidades de Vida nos participantes desse grupo, no que diz respeito ao impacto na vida e no uso de psicotrópicos. O estudo foi realizado com todos os participantes presentes no encontro de encerramento do grupo de Habilidades de Vida, durante o ano de 2011. A pesquisa se utilizou de um questionário, sendo os dados analisados através da criação de categorias, obtendo como resultado o número e o percentual de respostas dos sujeitos participantes. Com os resultados podemos verificar que a maioria dos integrantes do grupo era do sexo feminino, com faixas etárias variadas, sendo a depressão o diagnóstico predominante. Após a realização do grupo, 51,5% declararam ter diminuído o uso de medicamentos psicotrópicos, relatando que a habilidade mais aprimorada foi de Relacionamento Interpessoal, e demonstrando assim que o ensino de Habilidades de Vida conseguiu alcançar um impacto positivo na vida dos participantes. palavras-Chave: Promoção de Saúde; Habilidades de Vida; Psicotrópicos. Introdução O ensino de Habilidades de Vida é uma proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS) cujo foco é promover saúde através de ações educativas. (WHO, 1997 apud MINTO et al, 2006). De acordo com Gorayeb (2002, p. 213) “Habilidades de Vida são capacidades para 192 comportamento adaptativo positivo, que possibilitam negociar eficazmente as demandas e desafios do cotidiano”. Trata-se de um conjunto de dez habilidades: autoconhecimento, pensamento crítico, pensamento criativo, relacionamento interpessoal, empatia, comunicação eficaz, lidar com sentimentos, lidar com estresse, tomada de decisão e resolução de problemas. (GORAYEB, 2002, p. 215). Segundo Spence (2003 apud MURTA el al., 2009, p. 182), programas que utilizam as Habilidades de Vida baseiam-se em metodologias grupais, vivenciais e interativas, por serem facilitadoras no processo de “desenvolvimento de fatores de proteção associados a competências individuais para lidar com situações de risco, incluindo habilidades de enfrentamento ao estresse (como habilidades para lidar com crises), habilidades cognitivas (como pensamento conseqüencial) e habilidades sociais (como assertividade e empatia)”. Devido a isso, elas estão sendo inseridas em programas de Promoção de Saúde, por possibilitar aos indivíduos uma melhora em sua qualidade de vida e bem-estar. O ensino de Habilidades de Vida faz parte do estágio de Promoção de Saúde na Comunidade, do curso de Psicologia da Universidade de Franca e foi desenvolvido em Unidades Básicas de Saúde (UBSs), com grupos de pacientes triados do projeto de Matriciamento Psiquiátrico. A frequência dos grupos era semanal, constituindo-se de 12 encontros (uma para cada habilidade, um de apresentação e um de encerramento), totalizando 8 grupos abertos, de duração de uma hora e meia por encontro e coordenados por 1 ou 2 estagiários. Pesquisas vêm relatando eficácia desse ensino em vários contextos e com públicos variados. No Brasil, estudos pioneiros sobre o ensino de Habilidades de Vida vêm sendo realizados pelo Programa de Promoção de Saúde na Comunidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto (GORAYEB, 2002) e as avaliações realizadas com os participantes desse programa evidenciaram melhora na interação grupal, no estabelecimento de relações interpessoais fora do grupo e aumento de consciência sobre situações de risco e habilidades requeridas para seu manejo adequado (GORAYEB et al., 2003). Tendo em vista esses apontamentos, o presente artigo busca verificar os efeitos da intervenção do Ensino de Habilidades de Vida nos pacientes triados do projeto de Matriciamento Psiquiátrico. Metodologia Participaram do estudo todos os participantes (33) que estavam presentes no encontro de encerramento do grupo de Habilidades de Vida, durante o ano de 2011, em uma cidade do interior paulista. A pesquisa se utilizou de um questionário, construído pelas pesquisadoras e respondido pelos participantes, o qual avaliava a intervenção e a repercussão do grupo na vida dos pacientes. Os dados foram analisados através da criação de categorias, obtendo como resultado o número e o percentual de respostas dos sujeitos participantes. Resultados E Discussão A maioria dos integrantes do grupo era do sexo feminino (85%) e isso pode se dever ao fato do adoecimento ser socialmente aceito para as mulheres, e o papel de doente se ajustar melhor aos outros papéis e responsabilidades femininas, o que não ocorre para o sexo masculino, no qual o papel de adoecido é mais estigmatizante (D'ÁVILA, BAPTISTA; FORTES, 2003 apud PENIDO; FORTES; RANGÉ, 2005). Com relação à faixa etária, o grupo era bem diversificado, com indivíduos de 30 a 40 anos (30%), 41 a 50 anos (34%), 51 a 60 anos (27%) e acima de 61 anos (9%). Os diagnósticos citados pelos participantes e que os motivaram na busca de auxílio psicológico foram: Depressão (39,5%), Transtorno de Ansiedade (6%),Neurocisticercose (6%), além dos pacientes com comorbidades (27,5%). Como podemos ver, a Depressão foi a mais frequente no grupo, o que confirma os estudos sobre prevalência da mesma em diferentes países ocidentais (FLECK et al, 2003), que afirmam que ela é um transtorno muito presente, sendo de duas a três vezes mais 193 evidentes em mulheres do que em homens, o que poderia justificar a prevalência desse transtorno no grupo pesquisado, composto em sua maioria por mulheres. Os participantes do grupo tiveram uma média de frequência de 9 encontros, demonstrando uma boa adesão à intervenção. Após a realização do grupo, 51,5% declararam ter diminuído o uso de medicamentos psicotrópicos, o que evidencia a eficácia em aliar o tratamento farmacológico com programas de promoção de saúde. Quando os participantes foram questionados sobre as mudanças que a intervenção provocou neles, os mesmos citaram situações cotidianas, as quais, quando categorizadas, indicavam aprimoramento das seguintes habilidades: Relacionamento Interpessoal (24%), Comunicação Eficaz e Autoconhecimento (14% cada uma), Lidar com Sentimentos (12%), Pensamento Crítico (9%),Tomada de Decisão (7%), Resolução de Problemas (3,5%) e Empatia (1%). Além das Habilidades, os participantes citaram como efeito positivo do grupo a melhora do estado emocional (10,5%). Como podemos observar, a habilidade mais aprimorada foi a de Relacionamento interpessoal, o que vem ao encontro do estudo de Gorayeb et al.(2003), no qual os pacientes também relataram melhora nessa habilidade. Conclusão Com os resultados acima, podemos inferir que o Ensino de Habilidades de Vida causou impacto positivo sobre os participantes, visto que os mesmos puderam observar melhoras na vivência de suas situações cotidianas, nos relacionamentos interpessoais e, principalmente, no que diz respeito à qualidade de vida e bem-estar. Referências FLECK, M. P. A. et al. Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (versão integral). Revista Brasileira de Psiquiatria;v. 25; n. 2; p. 114-22. 2003. GORAYEB, R. O ensino de habilidades de vida em escolas no Brasil. Psicologia, Saúde & Doenças, v. 3, n. 2, p. 213-217, 2002. GORAYEB, R.; CUNHA NETTO, J. R.; BUGLIANI, M. A. P. Promoção de saúde na adolescência: experiência com programas de ensino de habilidades de vida. In Z. A. Trindade & A. N. Andrade (Orgs.). Psicologia e saúde: um campo em construção (pp.89-100). São Paulo: Casa do Psicólogo. 2003. MINTO, E. C. et al. Ensino de Habilidades de Vida na escola: uma experiência com adolescentes. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 3, p. 561-568, set./dez. 2006. MURTA, S. G. et al. Prevenção primária em saúde na adolescência: avaliação de um programa de habilidades de vida. Estudos de Psicologia, v.14, n.3, setembro-dezembro/2009. PENIDO, M. A.; FORTES, S.; RANGÉ, B. Um estudo investigando as habilidades sociais de pacientes fibromiálgicas. Revista brasileira de terapias cognitivas; v.1; n.2; Rio de Janeiro; dez. 2005. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ TERAPIA DE GRUPO SUPORTIVO-EXPRESSIVA COM MULHERES ACOMETIDAS POR CÂNCER DE MAMA: PROCEDIMENTOS E RESULTADOS Larissa Pena Leite1; Rodrigo Sanches Peres2; Manoel Antônio dos Santos3 1. Psicóloga pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected] 194 2. Psicólogo. Doutor em Psicologia. Professor Adjunto 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – NEPPS-USP-CNPq. E-mail: [email protected] 3. Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Doutor em Psicologia Clínica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Líder do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – NEPPS-USPCNPq. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Apoio: CNPq. E-mail: [email protected] Resumo No contexto internacional, a terapia de grupo suportivo-expressiva tem se revelado proveitosa na assistência psicológica a mulheres acometidas por câncer de mama. O presente estudo tem como objetivo apresentar uma revisão sistemática da produção científica acerca do emprego da terapia de grupo suportivo-expressiva junto a essa população. O material foi obtido mediante consultas às bases de dados MedLine, PsycINFO e LILACS. As buscas contemplaram publicações veiculadas entre 2001 e 2011. Foram considerados pertinentes 14 artigos derivados de estudos empíricos. Todos foram recuperados na íntegra e submetidos à apreciação em termos de duas dimensões de análise: procedimentos e resultados. Os achados mostram a utilização pontual tanto da hipnose quanto do relaxamento. Alguns artigos relataram emprego de material informativo sobre a doença. A maioria dos artigos revisados concluiu que a terapia de grupo suportivo-expressiva tende a produzir benefícios em termos psicológicos (declínio de indicadores de estresse e transtornos afetivos) e sociais (ampliação e consolidação da rede de apoio social), sobretudo quando se estende por mais de três meses. Contudo, essa modalidade de atendimento grupal permanece pouco difundida no país, o que sugere a necessidade de estudos nacionais para o preenchimento de tal lacuna. Palavras-chave: processos grupais; Psico-Oncologia; câncer de mama. Introdução É notória, na perspectiva da prestação de um cuidado humanizado em saúde, a relevância da assistência psicológica a mulheres acometidas por câncer de mama. Tal assistência pode ser desenvolvida mediante o emprego dos mais diversificados recursos técnicos. Não obstante, vários autores – Spiegel et al. (1999), Helgeson, Cohen, Schulz e Yasko (2001), Cameron et al. (2007) e Kissane (2009), dentre outros – propõem que as modalidades assistenciais grupais são especialmente proveitosas para pacientes oncológicos, pois a universalidade da queixa facilita a expressão de sentimentos e a troca de experiências relacionadas à doença e a seu tratamento, potencializando, como consequência, a ocorrência de processos de mudança. Ademais, sentimentos de isolamento e solidão podem ser trabalhados de modo resolutivo em grupo, o que auxilia a diminuir o estigma associado ao câncer de mama (SPIRA; REED, 2002; DIE-TRILL, 2007). No contexto internacional, a terapia de grupo suportivo-expressiva tem se revelado proveitosa na assistência psicológica a mulheres acometidas por câncer de mama. Conforme Spiegel e Spira (1991), trata-se de uma intervenção de orientação cognitivo-existencial, com duração limitada e cujas sessões tem caráter semiestruturado. Seu objetivo básico, ainda de acordo com os referidos autores, é promover a construção de novos laços sociais, fomentar a expressão emocional e favorecer o enfrentamento das repercussões do adoecimento, sendo que, para tanto, o coordenador – adotando um estilo predominantemente interativo – encoraja a discussão de tais questões entre as participantes por meio do estabelecimento de um elevado nível de coesão grupal. A literatura científica especializada – sobretudo internacional – foi enriquecida na última década por uma série de estudos que se propõem a descrever ou avaliar o funcionamento de diferentes modalidades assistências grupais desenvolvidas junto a mulheres acometidas por câncer de mama. Tais estudos se alinham aos interesses da Psico-Oncologia, campo de caráter multidisciplinar situado na interface entre a Psicologia e a Oncologia e voltado às dimensões emocionais do câncer (HOLLAND, 2002). Trata-se de um campo recente, que tem produzido conhecimentos que, como bem observou Mehrotra (2008), ainda não foram totalmente 195 integrados à assistência. O mapeamento desses conhecimentos, portanto, representa um dos caminhos possíveis para a reversão dessa situação. Justamente por esse motivo diversas revisões sistemáticas da literatura em Psico-Oncologia têm sido realizadas nos últimos anos. Ocorre que as revisões sistemáticas da literatura viabilizam a síntese de um conjunto de pesquisas dedicadas a um determinado tema, as quais devem ser localizadas, selecionadas e avaliadas de modo criterioso para evitar possíveis vieses e, assim, viabilizar a devida incorporação de evidências científicas ao exercício profissional (COOK; MULROW; HAYNES, 1997). Logo, as revisões sistemáticas da literatura têm inegável valor prático, sobretudo face ao contínuo fluxo de informações que caracteriza a contemporaneidade. Assumindo tais assertivas, o presente estudo foi concebido com o objetivo de apresentar uma revisão sistemática voltada à apreciação da produção científica acerca do emprego da terapia de grupo suportivo-expressiva junto a mulheres acometidas por câncer de mama. Metodologia O material necessário para a composição do corpus do presente estudo foi obtido mediante execução de buscas eletrônicas nas bases indexadoras MedLine, PsycINFO e LILACS. A seleção dessas bases bibliográficas se justifica tendo em vista que são reconhecidas por indexarem, após um rigoroso processo de avaliação, os principais periódicos científicos da atualidade em Ciências da Saúde e Psicologia. As buscas eletrônicas foram realizadas em Outubro de 2011 a partir do cruzamento dos descritores supportive-expressive group therapy e breast cancer. Para possibilitar a obtenção de resultados mais precisos, foram adotados os seguintes limites para as buscas: humans, female, English, Spanish, Portuguese, published in the last 10 years. Ou seja: foram buscadas referências publicadas entre Outubro de 2001 e Outubro de 2011 em língua inglesa, espanhola ou portuguesa, e concernentes a estudos desenvolvidos com mulheres acometidas por neoplasias mamárias. Os títulos de todas as referências, obtidas a partir das buscas eletrônicas, foram inicialmente examinados visando a subsidiar a eliminação de eventuais repetições. Uma vez descartados os artigos duplicados, os resumos das referências selecionadas mediante emprego desse procedimento foram submetidos a uma leitura preliminar, cujo propósito básico foi determinar o material efetivamente pertinente ao presente estudo. Tal leitura foi norteada em função de dois critérios de inclusão específicos. O primeiro deles é o formato. Apenas as referências publicadas em periódicos científicos como artigo empírico foram selecionadas. O segundo critério é a temática. Foram selecionadas somente as referências voltadas especificamente à descrição ou avaliação do funcionamento de grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama. As referências selecionadas foram recuperadas na íntegra e submetidas à apreciação mediante a execução de leituras analíticas. Tais leituras analíticas foram realizadas de modo independente pelos dois primeiros autores do presente estudo, sendo que os achados foram organizados em duas dimensões básicas, a saber: procedimentos e resultados. Vale destacar que os achados consensuais de início foram aceitos automaticamente. Já os achados a princípio discordantes foram discutidos caso a caso até que se alcançasse um comum acordo. Resultados e Discussão As buscas eletrônicas nas bases de dados resultaram na localização de 17 referências. Com base na leitura preliminar dos resumos desses artigos, que foi norteada pela utilização dos critérios de inclusão já referidos, três referências foram excluídas. Sendo assim, 14 referências foram consideradas pertinentes ao presente estudo, a saber: Bordeleau et al. (2003), Butler et al. (2009), Classen et al. (2001), Classen et al. (2007), Fobair et al. (2002), Giese-Davis et al. (2002), Giese-Davis, DiMicel, Sephton e Spiegel (2006), Goodwin et al. (2001), Grassi, Sabato, Rossi, Marmai e Biancosino (2010), Kissane et al. (2004), Kissane et al. (2007), Lemieux et al. 196 (2007), O’Brien, Harris, King e O’Brien (2008) e Spiegel et al. (2007). Nenhum dos artigos selecionados é de autoria de pesquisadores brasileiros. No que se refere aos procedimentos, os achados oriundos de tais estudos mostram a utilização pontual, no desenvolvimento da terapia de grupo suportivo-expressiva, de duas estratégias diferenciadas, a saber: a hipnose (BUTLER et al., 2009, CLASSEN et al., 2001, SPIEGEL et al, 2007) e o relaxamento (BORDELEAU et al. 2003, KISSANE et al., 2007). Além disso, uma referência (O’BRIEN et al., 2008) se sobressaiu por fazer menção ao emprego de um equipamento de teleconferência para a realização de sessões de terapia de grupo suportivoexpressiva. Tal equipamento foi capaz de agregar mulheres australianas que residiam na zona rural e não poderiam se reunir presencialmente em um serviço de saúde situado nos grandes centros urbanos. É relevante mencionar também que os autores de alguns dos estudos revisados recorreram ao uso de material informativo sobre câncer de mama (BUTLER et al., 2009, CLASSEN et al., 2007; GIESE-DAVIS et al., 2002, GOODWIN et al., 2001, 2002, SPIEGEL et al., 2007) no decorrer das sessões de terapia de grupo suportivo-expressiva. Tal recurso é comum em intervenções psicoeducacionais, as quais, segundo Helgeson et al. (2001), tendem a ser proveitosas junto a mulheres acometidas pelo câncer de mama, especialmente a curto prazo. Porém, intervenções psicoeducacionais se alinham ao estilo dedutivo de coordenação de grupo. Para Spira e Reed (2002), o estilo interativo, que combina os estilos dedutivo e indutivo, é mais propício à aplicação no cotidiano, por parte das participantes de grupos de apoio, de estratégias de enfrentamento discutidas durante as sessões e apontadas como mais adaptativas, quer seja por meio da troca de experiências ou das intervenções do coordenador. No que tange aos resultados, vale destacar que a maioria das referências selecionadas aponta que a terapia de grupo suportivo-expressiva tende a promover diversos efeitos benéficos. Grassi et al. (2010), por exemplo, observaram que mulheres com comorbidade psiquiátrica – diagnosticadas, especificamente, com transtornos afetivos – que frequentaram sessões semanais da intervenção em pauta por um período de quatro a seis meses, relataram diminuição dos níveis prévios de desesperança e preocupação ansiosa em relação ao câncer de mama. Outras referências mostraram que uma participação prolongada – atingindo até um ano – promoveu a supressão de afeto negativo e elevou a contenção de comportamentos agressivos (GIESE-DAVIS et al., 2002), amenizou sintomas de estresse (CLASSEN et al., 2001; LEMIEUX et al., 2007), fortaleceu o funcionamento social e preveniu episódios depressivos (KISSANE at al. 2007), assim como intensificou a adesão ao tratamento médico (KISSANE et al., 2004) em mulheres que apresentavam metástases. O’Brien et al. (2008) também obtiveram resultados favoráveis em termos do declínio de indicadores de estresse com o desenvolvimento da terapia de grupo suportivo-expressiva, envolvendo equipamento de teleconferência junto a mulheres que haviam desenvolvido metástases. Giese-Davis et al. (2006), por seu turno, identificaram que tal população tendia à menor inclinação dos níveis de cortisol – hormônio cuja produção cresce em situações estressoras – desde a primeira sessão desse tipo de intervenção, quando realizada presencialmente, no caso. Já Butler et al. (2009) constataram que a terapia de grupo suportivo-expressiva, quando atinge um ano de duração e, sobretudo, se é associada à hipnose, pode atenuar a intensidade dos episódios de dor ao longo do tratamento. De modo análogo, Fobair et al. (2002) verificaram resultados benéficos com essa intervenção no que diz respeito à redução de dor. Vale destacar que estes últimos autores trabalharam com sessões semanais ao longo de apenas quatro meses, as quais foram especificamente voltadas a mulheres lésbicas recém-diagnosticadas com câncer de mama. Algumas referências, contudo, demarcam certos limites da terapia de grupo suportivoexpressiva. Classen et al. (2007), adotando uma versão ainda mais breve – com apenas três meses de duração – do mesmo modelo de intervenção, observaram que mulheres com sintomas mais acentuados de ansiedade e depressão não apresentaram melhoras significativas. Bordeleau et al. (2003) não verificaram influência do grupo na qualidade de vida de mulheres que apresentavam metástase, em que pese o fato delas terem frequentado sessões por um ano ou 197 mais. E vale reforçar que prejuízos na qualidade de vida, associados ao adoecimento, permaneceram recorrentes (MAJEWSKI; LOPES; DAVOGLIO; LEITE, 2012), o que implica em uma ressalva à eficácia da terapia de grupo suportivo-expressiva. Ademais, Kissane et al. (2007) relataram que tal intervenção não contribuiu para o prolongamento da sobrevida de mulheres que se encontravam em estágios mais avançados da doença, o que refutou os resultados de estudo anterior (SPIEGEL; BLOOM; KRAEMER; GOTTHEIL, 1989), que havia identificado a existência de diferenças estatisticamente significativas em relação a essa variável em comparação com grupo controle. Entretanto, Kissane (2009) salienta que, mesmo não aumentando o tempo de sobrevida, a terapia de grupo suportivo-expressiva tem se revelado eficaz no sentido de promover diversos benefícios psicossociais importantes junto a mulheres acometidas por câncer de mama. O referido autor ainda destaca que o curso da doença é determinado por uma complexa conjunção de fatores, não podendo, assim, ser reduzido a uma única variável. Considerações finais O presente estudo proporcionou um panorama da produção científica de uma década acerca do emprego da terapia de grupo suportivo-expressiva junto a mulheres acometidas por câncer de mama, no que tange, especificamente, aos procedimentos e resultados reportados em artigos derivados de estudos empíricos, publicados em periódicos de alta qualificação científica. Os achados oriundos de tais estudos mostram a utilização pontual tanto da hipnose quanto do relaxamento durante as sessões. Ressalte-se ainda que alguns artigos relataram o emprego de material informativo sobre a doença. Ademais, a maioria dos artigos revisados concluiu que a terapia de grupo suportivo-expressiva tende a produzir benefícios em termos psicológicos (declínio de indicadores de estresse e de transtornos afetivos) e sociais (ampliação e consolidação da rede de apoio social), sobretudo quando se estende por mais de três meses. Contudo, essa modalidade de atendimento grupal permanece pouco difundida no país, permanecendo como um campo ainda inexplorado por pesquisadores brasileiros. Isso sugere a necessidade de estudos nacionais para o preenchimento de tal lacuna e, consequentemente, para a devida incorporação das evidências científicas relacionadas à terapia de grupo suportivoexpressiva à assistência psicológica voltada a mulheres com câncer de mama. Referências BORDELEAU, L.; SZALAI, J. P.; ENNIS, M.; LESZCZ, M.; SPECA, M.; SELA, R.; DOLL, R.; CHOCHINOV, H. M.; NAVARRO, M.; ARNOLD, A.; PRITCHARD, K. I.; BEZJAK, A.; LLEWELLYNTHOMAS, H. A.; SAWKA, C. A.; GOODWIN, P. J. Quality of life in a randomized trial of group psychosocial support in metastatic breast cancer: overall effects of the intervention and exploration of missing data. Journal of Clinical Oncology, Alexandria, v. 21, n. 10, p. 19441951, 2003. BUTLER, L. D.; KOOPMAN, C.; NERI, E.; GIESE-DAVIS, J.; PALESH, O.; THORNE-YOCAM, K. 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Washington: American Psychological Association, 2002. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ CONTRIBUIÇÕES DA TECNICA DE GRUPOS OPERATIVOS PARA A COMPREENSÃO DA DINAMICA DO CMDR DE PINHALZINHO Flávia Toledo Lima1; Flávio Eduardo Piva Bosso2; Vinícius Assugeni Sobreiro Dias3 Faculdade Municipal Professor Franco Montoro – [email protected] Faculdade Municipal Professor Franco Montoro – [email protected] 3 Faculdade Municipal Professor Franco Montoro - [email protected] 2 Resumo A Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado de São Paulo iniciou em 1992, um processo de reestruturação da instituição, no qual se recomendava a criação de um Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR) em cada município. O CMDR de Pinhalzinho é um dos conselhos municipais instituído como instrumento de orientação as políticas públicas. O presente trabalho analisou seis reuniões do CMDR de Pinhalzinho, no ano de 2012, com o objetivo de identificar os vínculos e relações presentes entres os membros do conselho. As falas, as práticas e as relações manifestas nas reuniões do CMDR de Pinhalzinho foram interpretadas pelo método do Grupo Operativo. Foram avaliados os vínculos, as relações entre os papéis manifestos no grupo e os vetores da constituição grupal do modelo do “cone invertido” de Pichon-Rivière. O modelo utilizado permitiu identificar significativo sentimento de pertencimento dos conselheiros ao grupo e cooperação entre eles, bem como apontou deficiência na pertinência, em conseqüência da falta de liderança e de foco nas reuniões. A relevância das constatações obtidas a partir da teoria de Pichon-Rivière demonstra o potencial da mesma para o estudo dos conselhos municipais. 200 PALAVRAS-CHAVE: Conselhos; grupo operativo; vínculos. Introdução O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR) de Pinhalzinho foi criado em mil novecentos e noventa e quatro para atender a recomendação da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado de São Paulo referente à criação de um CMDR em cada município do Estado de São Paulo a fim de que os mesmos instrumentalizem o Sistema Estadual Integrado de Agricultura e Abastecimento, ou seja, os conselhos foram criados com para discutir e legitimar as políticas públicas no âmbito do desenvolvimento rural. Abramovay (2001) ressalta que os conselhos municipais são inovações institucionais e que se estruturam de modo a incorporar representantes da sociedade civil e do Estado, inclusive aquelas categorias e grupos sociais, como os agricultores familiares, que antes estavam excluídos do espaço público institucional e do debate com os representantes do Estado. Segundo Ferreira e Cardoso (2004), o CMDR constitui um amplo canal de participação da comunidade na definição de prioridades, na coordenação das ações técnicas e educacionais para o meio rural. Segundo Ferreira e Cardoso (2004) a análise do histórico de vários conselhos evidencia que as falhas mais comuns são falta de participação dos produtores nas ações dos conselhos municipais, falta de executores para realizar as atividades programadas, pouca divulgação dos trabalhos, desconhecimento do papel dos conselhos e falta de mecanismos adequados para articular as forças locais ligadas ao meio rural. Segundo Bleger (2003) toda organização tende a ter a mesma estrutura que o problema que deve enfrentar e para o qual foi criada. Costa (1994) expõe que a sociedade civil, com seu conjunto de associações voluntárias, absorve, condensa e conduz de maneira amplificada para a esfera pública os problemas emergentes nas esferas privadas. Conforme exposto os conselhos rurais sofrem de problemas públicos e privados, no entanto, apresentam amplas possibilidades de atuação e obtenção de conquistas que podem ser alcançadas a partir da desobstrução de interações que entorpecem a comunicação, a percepção da realidade e a existência grupal. Segundo Zimerman (2000), um conjunto de pessoas reunidas em um local, ainda que tenham o mesmo objetivo, constituem um agrupamento de pessoas. Para que o agrupamento de pessoas se constitua num Grupo Operativo deve haver a interação em torno de um objetivo comum e a existência de vínculos. A interação voltada a um objetivo comum é um processo em que necessidades comuns são compartilhadas de forma a constituir uma trajetória singular do grupo rumo a suas metas. Essa trajetória é denominada tarefa por Pichon-Rivière. Segundo Pichon-Rivière (2005), o momento da tarefa ocorre quando o objeto de conhecimento se torna acessível após a ruptura da pauta dissociativa e estereotipada que impede a aprendizagem da realidade e obstrui a rede de comunicação. Bleger, Liberman e Rolla em Pichon-Rivière (2005) resumem que as finalidades e propósitos dos Grupos Operativos estão centrados na mobilização de estruturas estereotipadas por causa da ansiedade despertada por qualquer mudança, abandono do vínculo anterior e insegurança diante ao novo. Nos grupos operativos, a cooperação, a comunicação, a aprendizagem e a execução de tarefas criam um novo esquema referencial a partir de novos vínculos. O vínculo é o elemento internalizado presente na relação entre dois seres, que podem ser indivíduos ou o próprio grupo. Assim, para que um agrupamento de pessoas se transforme em um Grupo Operativo é necessário que ocorra a internalização do próprio grupo por cada individuo. 201 Por ser o vínculo produto de várias subjetividades Pichon-Rivière (2005) esclarece que o mesmo é uma estrutura complexa de interação, não linear, mas em espiral, fundamento do dialogo operativo, em que a cada giro há uma realimentação do ego e esclarecimento da realidade. No dialogo operativo cada resposta cria uma nova pergunta, e assim ocorre à comunicação, aprendizagem e leitura critica da realidade, por meio de um processo de sucessivas mudanças. O presente trabalho analisou seis reuniões do CMDR de Pinhalzinho realizadas no período de março a outubro do ano de 2012, com o objetivo de identificar os vínculos e as relações presentes entres os membros do conselho. Na ultima reunião do CMDR de Pinhalzinho foi realizada uma intervenção partir da concepção de Grupo Operativo de Enrique Pichon-Rivière em que foi solicitado aos conselheiros presentes montar dois quebra cabeça em subgrupos com a finalidade de trabalhar a importância da estrutura para o bom funcionamento grupal. Metodologia A pesquisa analisou seis reuniões do CMDR de Pinhalzinho no período de março a outubro do ano de 2012. Para a analise das reuniões foi utilizado o método do Grupo Operativo dentro da concepção de Enrique Pichon-Rivière. Na ultima reunião foi realizada uma intervenção partir da concepção de Grupo Operativo de Pichon-Rivière, em que foi proposta a montagem de dois quebra cabeça em subgrupos com a finalidade de trabalhar a importância da estrutura para o bom funcionamento grupal. Entre as principais tarefas realizadas pelo CMDR de Pinhalzinho podemos citar a reorganização da logística da patrulha agrícola municipal, a pesquisa do preço da hora máquina e dos implementos disponíveis nos municípios da região, a discussão da situação e formas de ampliação da política de aquisição de produtos da agricultura familiar para a merenda escolar e a vivencia da importância da comunicação e do trabalho em grupo por meio da montagem dos quebra cabeça. Pela observação dos vínculos e da forma como o grupo realizou as tarefas foi avaliada a organização interna do próprio grupo, identificado os principais papéis presentes no grupo e caracterizado os vetores do Esquema do Cone Invertido proposto por Pichon-Rivière. A observação dos vínculos iniciais entre os membros do CMDR de Pinhalzinho e suas modificações foram avaliadas pelos vetores afiliação, pertença, cooperação, pertinência, comunicação, aprendizagem e telê ao longo da realização dos encontros do grupo. Resultados e Discussão Os seis encontros realizados junto ao CMDR de Pinhalzinho permitiram a observação de vários aspectos relevantes que serão discutidos a partir da temática que se relacionam e não necessariamente pela seqüência cronológica em que aconteceram. A pertinência da realização do estudo do CMDR de Pinhalzinho começou a se caracterizar no segundo encontro realizado com o grupo. No dia dez de maio de dois mil e doze foi realizada uma reunião com o objetivo de legitimar documentos, no entanto, a expectativa de uma reunião sem questionamentos e aceitação passiva do exposto não foi confirmada. Os conselheiros presentes se mostraram insatisfeitos com o que foi proposto. Um dos conselheiros falou que não ficou sabendo do edital da chamada pública da merenda escolar e lamentou que “as coisas tivessem chegado nesse ponto sem eles ficarem sabendo”, essa fala, assim como a fala de outro conselheiro, “a reunião é para a prefeitura receber vinte mil em cascalho”, seguida de um riso irônico, indicavam a existência de outros problemas mais urgentes a serem discutidos nas reuniões do que apenas legitimar políticas públicas oficiais. 202 Naquele momento os dois conselheiros se tornaram porta-voz do grupo e denunciaram a insatisfação com o papel social que estavam desempenhando. Também foi possível perceber que embora os conselheiros não tivessem consciência de como poderiam mudar aquela situação esperavam que algo acontecesse e as coisas se modificassem. Os conselheiros queriam ser ativos, consultivos, deliberativos e reivindicavam esse direito como se algo que pudesse ser dado sem ser construído por eles mesmos. Essa postura pode ser interpretada pela teoria dos supostos básicos de Bion (1975), segundo o suposto básico de “acasalamento” no qual grupo espera que seja gerado um “messias”, redentor de todos. Segundo Zimerman (2008) as esperanças messiânicas do grupo podem estar depositadas em uma pessoa, uma ideia, um acontecimento ou outro elemento qualquer, que virá salva-los e fazer todas as dificuldades desapareceram. De maneira geral os participantes das reuniões são otimistas em relação ao futuro, eles imaginam que coisas boas vão ser conquistadas, porém não planejam formas organizadas para atingir os objetivos coletivos que desejam. Bion (1975) também esclarece que os supostos básicos de “acasalamento”, “dependência” e “luta e fuga” não se contrapõem entre si, pelo contrário, eles podem coexistir em um mesmo grupo de maneira alternada. Em vários momentos o grupo identificou pessoas e instituições externas como inimigo, principalmente no referente à comercialização de alimentos para a merenda escolar. O grupo identificava o prefeito e alguns funcionários da prefeitura como inimigos que boicotavam a venda dos agricultores familiar, bem como atribuíam desinteresse e ignorância ao prefeito e alguns de seus funcionários. Posteriormente as merendeiras das escolas foram percebidas como inimigas, no sentido de rejeitarem alimentos de trabalhosa manipulação. A partir da teoria da atribuição de papeis esses atores percebidos como inimigos também podem ser considerados sabotadores. O suposto básico da “luta e fuga” se caracteriza por pela resistência ao novo, em que o grupo luta e rejeita qualquer situação nova, o grupo foge de novas situações e cria um inimigo externo ao qual atribuem todos os males e contra quem devem combater. Em outro momento a resistência à mudança foi em relação a substituição do antigo secretário do CMDR de Pinhalzinho pela nova técnica da Casa da Agricultura do município, os conselheiros só concordaram com a mudança após saberem que o antigo secretário continuaria participando das reuniões do conselho. O suposto básico de “dependência” se caracteriza pela necessidade de eleger um líder carismático e protetor, um líder que garanta a segurança material e espiritual, mesmo que de modo ilusório. O grupo em vários momentos tentou atribuir uma liderança carismática a algum de seus membros - como o vice-presidente do CMDR, a nutricionista e o técnico da Casa da Agricultura do município vizinho - no entanto, a postura das pessoas a quem a liderança carismática foi atribuída não sustentou a ilusão na capacidade do mesmo atender as necessidades do grupo. De maneira geral o conselho não tem liderança, vários conselheiros em algum momento assumem o papel de líder, porém não se mantém no papel ao longo da reunião. No CMDR de Pinhalzinho nem sempre o papel de liderança é desempenhado pelo presidente e/ou secretária do conselho que institucionalmente deveriam exercer a liderança. Embora esses conselheiros em alguns momentos exerçam o papel de lideres, o que se observa na prática é o rodízio e a indefinição quanto ao desempenho do papel de líder. Segundo Bion (1975) são muitos os tipos de lideranças espontâneas que surgem nas variadas circunstancias. O autor também destaca que nem sempre a liderança formalmente designada coincide com a liderança que surge espontaneamente, e, destaca que um grupo sem liderança tende à dissolução. 203 A forma de liderança predominante entre os membros do conselho é laissez-faire, nela os objetivos não são claramente apresentados e consequentemente ocorre à ineficácia na obtenção dos resultados. A postura de liderança é ausente ou evitada. O líder não se assume um plano de ação, não decide sozinho sobre assuntos importantes, ignora suas responsabilidades e abre mão de sua autoridade. Poderíamos inferir na hipótese de falta de liderança e perspectiva de dissolução do grupo, no entanto, a presença constante nas reuniões, o interesse e comprometimento da maioria dos conselheiros para com grupo não apontam para a dissolução do mesmo, mas, sim para o desenvolvimento e estruturação dos papeis no grupo. A organização da estrutura do grupo é precária e a fim de demonstrar isso aos conselheiros foi proposta a tarefa de montar dois quebra cabeça. A atividade foi realizada em por duas duplas, e, dois conselheiros do grupo não participaram da atividade. Após o termino da tarefa foi solicitado aos participantes que falassem o que sentiram ao realizar a atividade. Vários participantes destacaram o trabalho em grupo, as vantagens de contar com a ajuda do outro, o receio em prejudicar o outro, a dificuldade em interagir com o outro, a necessidade de se comunicar com o outro para conseguir realizar a tarefa e o cooperar e compartilhar também foram destacados. Alguns conselheiros disseram que montar o quebra cabeça com a ajuda do outro facilitou e outros disseram que foi um fator que dificultou a realização da tarefa. Um dos participantes expressou que seria mais fácil realizar a tarefa sozinho, porque não teria que ficar negociando as peças com o outro. Essa fala também é observada na postura dos conselheiros, individualmente eles são eficientes na tomada de atitude do que coletivamente. Assim, embora as emergências decorrentes da realização da tarefa de montar os quebra cabeça demonstrem a percepção da importância de vários vetores – comunicação, cooperação e telê – do Esquema do Cone Invertido de Pichon-Rivière em nenhum momento os participantes se referiram a aspectos relacionados à estrutura. Eles vivenciaram o estado de desestruturação e estruturação do conjunto das peças, mas não expressaram isso, de forma que o tema “da importância da estrutura para o bom funcionamento grupal” não foi trabalhado conscientemente por meio do diálogo. O grupo de maneira geral levanta proposta de realização de coisas que devem ser feitas por outras pessoas, ou mesmo, sem pré-estabelecer quem deveria fazer o que. O que deveria ser feito é dito de maneira genérica e frequentemente cai em esquecimento até que volte naturalmente ao mesmo assunto em outras reuniões ou assuntos. Raramente as coisas se tornam operacionais e concretas. Embora essa característica do grupo aponte para a necessidade do desenvolvimento dos vetores da comunicação e pertinência, quando os conselheiros estavam envolvidos com a tarefa de montar os quebra cabeça eles demonstraram muita pertinência para com a tarefa, de forma que mesmo quando os participantes não envolvidos com a tarefa questionavam ou comentavam algo eles permaneciam concentrados no que estavam fazendo. E a comunicação entre eles, embora uma dupla tenha relatado dificuldade em exercê-la, foi realizada de maneira efetiva e permitiu a conclusão da tarefa. As características identificadas podem estar indicando uma falta de foco dos conselheiros durante as discussões que ocorrem nas reuniões, as tarefas podem estar sendo percebidas de forma difusa, podem estar sem coordenação espacial e temporal nas reuniões, já no momento em que a tarefa de montar o quebra cabeça foi apresentada de maneira concreta, com foco no espaço e tempo foi realizada com pertinência. Cabe destacar que quando os conselheiros foram questionados o que sentiram quando foi feita a proposta de montar o quebra cabeça, vários deles disseram não gostaram, no entanto, não manifestaram o desacordo. Um dos conselheiros usou a frase “eu não concordo, mas respeito” após a realização da atividade. Essa frase também demonstra respeito e cooperação com as decisões tomadas pelo grupo, embora individualmente a opinião seja contraria a da maioria do grupo. 204 A capacidade de expressar uma opinião oposta à aparente predominante opinião do grupo, assim como a capacidade do grupo de acolher uma opinião diversa da predominante, indica um grau de crescimento grupal ideal a ser alcançado. Tal ideal é coerente com o apresentado por Lancetti (1995) no qual o acontecer grupal trabalha para a criação de solidariedade, para propiciar expressões múltiplas e produzir singularidade. E com o pensamento de Fernandez (2006) em que os grupos operativos criaram condições para que palavras e corpos sufocados nas hierarquias instituídas pudessem se por em movimento, ligarem-se a outras formas sociais, bem como criar novos sentidos para as práticas coletivas. Na quinta reunião analisada ao ser questionada a disponibilidade de frutas para serem vendidas para a merenda a escolar os conselheiros apontaram a necessidade de conhecer tudo que é produzido no município. Esse interesse demonstra que os conselheiros desconhecem a identidade do conselho que representam, não possuem a internalização do CMDR e sentem insegurança em agir em nome do mesmo. Segundo Pichon-Rivière (2005) tudo que acontece no grupo, assim como sua maneira de atuar, pode ser representado pelo Esquema do Cone Invertido. O trabalho grupal configura a espiral que vai se internalizando gradativamente mediante o desenvolvimento dos vetores da afiliação-pertença, cooperação, pertinência, comunicação, aprendizagem e telê. A observação dos vetores propostos pelo Esquema do Cone Invertido de Pichon-Rivière aponta que o sentimento de afiliação e pertencimento está presente na metade participativa dos conselheiros, os que são assíduos, pontuais e interessados. Há outros participantes que vem esporadicamente, ou por necessidade institucional ou pessoal, nesses embora a afiliação exista o sentimento de pertencimento ao grupo não existe. A identificação com a tarefa existe, porém mais idealmente do que operacionalmente. As tarefas são idealizadas, engrandecidas, supervalorizadas e a prática e operacionalidade é pequena. O engrandecimento da idealização da tarefa pode ser verificado na montagem de um dos quebra cabeça em que uma das duplas montou a figura em dois fragmentos distintos, porém entre os fragmentos havia muito espaço vazio e a dupla alegava que estava faltando peças sem perceber que a imagem já estava completa e só faltava unir os dois fragmentos. A dupla estava idealizando uma imagem bem maior do que real tamanho do quebra cabeça. Essa distorção na percepção do tamanho da realidade às vezes se faz presente em falas dos conselheiros, em alguns momentos a importância do conselho e a idealização de sua capacidade de atuação sofre maximização e os conselheiros acreditam que muitas coisas podem ser conquistadas, em outros momentos, essa percepção é minimizada. No entanto, a percepção maximizada é predominante e de certa forma sustenta a existência do conselho. Outro aspecto importante relacionado à percepção da importância do CMDR é a permanente dúvida dos conselheiros quanto à capacidade de atuação do conselho. Assim, como que tentando descobrir qual o “tamanho real” do CMDR de Pinhalzinho, várias tarefas vão sendo realizadas e conquistas e frustrações vão construindo sua história e identidade. Referente à cooperação os conselheiros se mostram prestativo em cooperar uns com os outros, porém, é necessário que se coloque claramente o que se deseja que seja feito, se não nada é realizado, não há iniciativa própria, liderança própria, por outro lado, não há sobreposição de papeis, atividades e responsabilidades nem desrespeito de uns para com os outros. De maneira geral, os conselheiros demonstram interesse em ouvir os outros, em conhecer o ponto de visto e a realidade dos outros, procurando somar e colaborar com o que é exposto e proposto. 205 A falta de pertinência para a realização das tarefas aparece mais como uma falta de foco e esclarecimento, do que da capacidade de se concentrar e direcionar-se para a realização da mesma. Referente ao vetor da comunicação foi observado que as falas frequentemente são centralizadas em algumas pessoas. Embora o grupo saiba escutar o que seus membros dizem, em vários momentos as falas são simultâneas ou sobrepostas sem pausas para reflexão. As falas e escutas existem, porém a comunicação não avança e acaba frequentemente sendo desviada para algum ponto de interseção dos assuntos, são fragmentos de assunto com pouca operacionalidade. As informações e decisões importantes que surgem nas falas frequentemente se perdem entre assuntos sem relevância que são abordados simultaneamente. Segundo Pichon-Rivière (2005) as falhas no processo de comunicação são decorrentes dos ruídos que ocorrem entre o emissor e o receptor, os ruídos dificultam a comunicação e a aprendizagem. O mesmo autor acrescenta que por meio da aprendizagem ocorre a instrumentalização do conhecimento e a constituição de uma nova forma de interagir, operar e incorporar o conhecimento e reduzir a resistência a mudanças. Assim, compreendemos a importância da comunicação e da aprendizagem para que o conselho se constitua efetiva como grupo e se liberte das relações estereotipadas. Os vetores aprendizagem e telê ficam comprometidos em conseqüência de falhas na comunicação. As aprendizagens são fragmentadas, não constituem significativa compreensão e transformação da realidade. Conseqüentemente, o vetor telê positivo, como o trabalho para a constituição de novas interações e superação da resistência à mudanças ensaiam os primeiros passos. Segundo Moreno apud Pichon-Rivière (2005), o vetor telê se refere a capacidade ou disposição que cada membro do grupo tem para trabalhar com pessoas. A telê é positiva, quando o processo de aprendizagem, comunicação e disposição para a tarefa estão presentes. Na telê positiva há aceitação e disposição para trabalhar com o outro. Na telê negativa há dificuldade em trabalhar com o outro, a comunicação, a aprendizagem e execução da tarefa ficam prejudicadas. As reuniões do CMDR de Pinhalzinho revelaram que os conselheiros apresentam telê positiva, disposição para trabalhar uns com os outros, porém a falta de conhecimento dos objetivos do grupo, falta de estruturação da identidade do grupo, falta de liderança e foco para a identificação e realização das tarefas pertinentes ao grupo impedem a manifestação da telê positiva. Considerações Finais A teoria de Pichon-Rivière aplicada ao estudo das falas, práticas e constituições vinculares dos conselheiros do CMDR de Pinhalzinho revelou aspectos da constituição grupal como liderança laissez-faire, rotação das lideranças, falta de foco, desconhecimento da identidade do grupo, falta de internalização do conselho e insegurança na representação dos produtores rurais. A técnica de Grupos Operativos e a avaliação dos vetores do Esquema do Cone Invertido permitiram caracterizar significativo sentimento de pertencimento dos conselheiros ao grupo e cooperação entre eles. A pertinência na realização das tarefas é pequena em conseqüência da falta de liderança e foco nas reuniões. A comunicação apresenta falhas que comprometem a aprendizagem e a telê. Os conselheiros apresentam disposição para trabalhar uns com os outros, telê positiva, porém a deficiência na comunicação compromete o conhecimento dos objetivos do grupo e aprendizagem da realidade por meio de ações concretas. O Esquema do Cone Invertido propõe que o desenvolvimento da comunicação e da aprendizagem permitiria que o grupo se libertasse das relações estereotipadas e se constituísse efetivamente como um conselho rural. 206 O presente trabalho demonstrou a pertinência da teoria de Pichon-Rivière para o estudo e fortalecimento dos conselhos municipais com constituição semelhante ao CMDR de Pinhalzinho. A pesquisa também apontou a necessidade da continuidade do estudo no CMDR de Pinhalzinho por meio de Grupos Operativos com tarefas voltadas ao desenvolvimento da aprendizagem, do conhecimento e da telê entre os conselheiros. Referências Bibliográficas ABRAMOVAY, R. Conselhos além dos limites. In: Revista Estudos Avançados, vol. 15, nº 43, set/dez. 2001. BION, W.R. 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Porto Alegre, Artmed, 2. ed. 2008. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ UMA EXPERIÊNCIA DE ASSISTÊNCIA MÉDICA NO CAPS-AD GUARUJÁ: UM MODELO DE GRUPO Fellipe Miranda Leal Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas, Prefeitura Municipal de Guarujá, São Paulo, Brasil. [email protected] Resumo Atualmente a saúde mental enfrenta um importante desafio que consiste na elaboração de modelos eficientes para a assistência aos transtornos mentais relacionados ao uso de álcool e/ou outras drogas, os quais estão consolidados hoje como um problema de saúde pública. Nesse contexto, os CAPS-AD aparecem como elementos fundamentais na construção de dispositivos eficazes no combate a esta problemática, mas vem sendo constatas inúmeras dificuldades no desenvolvimento das propostas terapêuticas destes equipamentos. A assistência em grupo é apontada em diversos estudos como uma ferramenta efetiva, porém há poucos relatos de experiências de atendimento médico utilizando-se o formato de grupo. Esse trabalho descreve uma experiência no CAPS-AD do Guarujá de atendimento médico realizado em um modelo de grupo e estabelece uma comparação com a assistência individual, anteriormente aplicada nesse mesmo serviço. Entre os resultados, observou-se que triplicaram os atendimentos médicos, 207 assim como o número de casos novos. Esses dados apontam que esse modelo de grupo oferece um maior acesso ao CAPS-AD. Essa análise ainda não permite afirmar com dados objetivos que esse modelo proporciona melhores resultados terapêuticos. Palavras Chaves: Álcool e Drogas; CAPS-AD; Assistência Médica em Grupo. Introdução Entre as principais discussões de saúde mental na atualidade estão as dificuldades envolvendo a assistência aos dependentes de álcool e/ou outras drogas e outros transtornos associados ao uso destas substâncias psicoativas. É um desafio elaborar dispositivos eficazes para enfrentar esta complexa problemática na saúde pública. O CAPS-AD é a principal instituição pública de atenção especializada aos transtornos mentais decorrentes do uso abusivo e dependência de álcool e/ou outras drogas, que vem recebendo incentivos diversos mas ainda apresentando muitos entraves na assistência destes pacientes (Brasil, 2004). Além disso, estudos vêm apontando uma taxa cada vez mais elevada destes transtornos e assinalando os embaraços nos modelos atuais de assistência médica nos CAPS-AD, com um destaque para o elevado número de abandono do tratamento. O trabalho em grupo vem se mostrando uma importante ferramenta nos CAPS-AD, a troca de experiências parece fortalecer o tratamento, esse destaque é apontado em diversos estudos, porém percebe-se uma escassez de relatos de experiências de atendimento médico utilizando-se o formato de grupo (Alves, 2009; Marques, 2012; Pfluck, 2011). Esse trabalho tem como objetivo descrever a experiência da transformação do modelo de atendimento médico no CAPS-AD do Guarujá, passando do molde “ambulatorial”, isto é, atendimentos individuais, para um formato de assistência médica em grupo, comparando assim as características destes dois modelos. Metodologia A análise deste estudo se refere ao período de junho de 2011 a abril de 2013. Entre junho de 2011 e julho de 2012, foi realizada uma assistência médica no formato conhecido como “ambulatorial”: o médico comparecia no equipamento por 2 períodos (1 período = 4 horas) na semana para o atendimento de pacientes agendados. Neste modelo foi possível colher os seguintes dados a partir do caderno de agendamento médico: a média de agendamentos por mês, o número de consultas de retornos, faltas e casos novos atendidos por mês e a proporção destes entre homens e mulheres. No segundo período observado, entre agosto de 2012 e abril de 2013, foi alterado o modelo do atendimento médico, passando a ocorrer em apenas 1 período de 4 horas por semana e sem necessidade de agendamento, caracterizando um grupo aberto. O grupo apresenta duração de 1 hora e o restante do período é reservado para o atendimento individual dos participantes que o julgarem necessário. Nesse modelo pode-se levantar a média de participantes por mês, a média de casos novos por mês e novamente a relação de gênero. Além disso, foi realizada uma descrição e análise do conteúdo destes atendimentos em grupo. Resultados e Discussão Entre os resultados encontrados, observou-se que a média mensal de agendamentos no modelo “ambulatorial” atingiu 56 pacientes, ocorrendo uma média mensal de 25 faltas e atingindo 31 atendimentos realizados como média mensal, sendo 6 destes casos novos. Já no modelo de grupo a média mensal de atendimentos chegou a 48 pacientes, a média de casos novos por mês subiu para 9 pacientes e a relação de gênero apontou uma redução de mulheres no atendimento em grupo. 208 Considerando que no segundo modelo houve redução a metade da carga horária semanal de trabalho por parte do profissional médico, podemos afirmar que foi triplicada média do número de casos novos por mês e também triplicou-se o número de atendimentos. Cabe sublinhar que foi bastante positiva a aceitação pelos pacientes deste formato de atendimento e que ao longo das semanas o conteúdo dos grupos se direciona para um amadurecimento deste modelo. Conclusões Com os dados analisados até o momento é possível estabelecer que este modelo de assistência médica em grupo para pacientes com transtornos mentais decorrentes do uso abusivo e dependência de álcool e outras drogas em CAPS-AD mostra-se um alternativa eficaz para facilitar o acesso à assistência médica nesses equipamentos, inclusive para casos novos. Ratificase também a hipótese de que no modelo de agendamento de atendimentos individuais ocorre um número elevado de faltas, tanto em consultas de retorno como em casos novos. A continuidade deste estudo permitirá analisar o efeito deste modelo de assistência médica em grupo nas taxas de abandono do tratamento e na evolução terapêutica destes pacientes. Referências ALVES, VS. Modelo de Atenção à Saúde de Usuários de Álcool e Outras Drogas no Contexto de Atenção Psicossocial (CAPSad). Salvador, 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Editora do Ministério da Saúde. Brasília, 2004. MARQUES, NRP; FRANCHINI, B; MAUCH, LMI; ESLABÃO, AD; SANTOS, EO. CAPS AD e a Importância do Grupo de Prevenção a Recaída: Relato de Experiência. Pelotas, 2012. PFLUCK, NCD. Práticas Educativas em Saúde: A Experiência do Grupo Educativo para Usuários do CAPSAD de Gravataí/RS. Porto Alegre, 2011. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM À PORTADORA DE DEPRESSÃO PÓS PARTO: UMA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA. Camila de Castro Teixeira 1; Zélia Nunes Hupsel 1 2 2 Graduada em Enfermagem pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), Enfermeira Residente em Saúde Mental e Psiquiátrica do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo (IPQ FMUSP). São Paulo- SP, Brasil. Endereço e-mail: [email protected] Professora Assistente da disciplina de Enfermagem Psiquiátrica na Saúde do Adulto/Idoso do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). São Paulo- SP, Brasil. Endereço de e-mail: [email protected] Resumo A depressão pós parto normalmente surge nas primeiras quatro semanas após o parto podendo variar de intensidade, pode atingir o grau máximo nos primeiros seis meses após o parto. No Brasil é considerado um problema de saúde pública, afeta aproximadamente de 18 a 39,4% das puérperas. Além disso, interfere na formação do vínculo mãe e filho e traz repercussões para o desenvolvimento infantil. O estudo teve como objetivo identificar e propor, fundamentado em publicações nacionais, a assistência de enfermagem à pacientes portadoras de depressão pósparto. Trata- se de uma pesquisa bibliográfica descritiva. Foram incluídos artigos científicos nacionais publicados de 2001 a 2011 em periódicos indexados na base de dados LILACS e livros de 209 referência psiquiátrica. A atuação do enfermeiro é muito extensa na atenção primária com ações que permitem a promoção da saúde mental e prevenção da Depressão Pós-Parto. Também favorece a identificação dos fatores de risco e dos sintomas devido o rastreamento que é possível realizar durante o pré-natal e consultas do puerpério. Palavras chave: Depressão Pós-Parto; Enfermagem. Introdução A depressão pós parto é classificada como um “distúrbio depressivo maior” e está situada no grupo dos transtornos psiquiátricos das alterações do humor. Inicia-se normalmente nas primeiras quatro semanas após o parto, podendo variar de intensidade alcançando sua intensidade máxima nos seis primeiros meses (SANTOS JUNIOR, SILVEIRA, GUALDA 2009; TOWNSEND,2002). Por menor que sejam os sintomas, existe uma interferência na interação que se estabelece entre a mãe e a criança, isso faz com que o vínculo desse binômio fique prejudicado. Além da conturbação entre o vínculo, também existe a repercussão que isso pode causar no desenvolvimento infantil; a literatura informa que as chances dos filhos de mães depressivas terem depressão são cinco vezes maiores quando comparadas a aqueles cujas mães não possuem esse distúrbio psiquiátrico (SCHWENGBER, PICCINNI, 2003). No Brasil essa situação é considerada um problema de saúde pública, pois afeta aproximadamente 18 a 39,4% das puérperas (dados de junho/2004 a maio/ 2006). No período pós-parto os sintomas não são diferentes da depressão que ocorre em outros períodos da vida, podendo ser diagnosticada e tratada em nível básico de atenção à saúde, mas apenas 25% das puérperas afetadas têm acesso ao tratamento, sendo somente 50% dos casos diagnosticados (RUSHI et al, 2007). Frente a esse contexto explicado por alguns autores, também vale salientar que diante experiências práticas, nos deparamos com profissionais da saúde despreparados para atender essa população com sintomas depressivos. Esse despreparo impossibilita que a mulher seja atendida com sucesso, independente da especialidade do profissional da saúde. Portanto, é de extrema importância que a equipe de enfermagem e demais profissionais entendam a magnitude e os prejuízos dessa patologia psiquiátrica, para conseguir detectar precocemente os possíveis agravos que podem ocorrer no puerpério, que envolve o binômio mãe e filho, a família dentre outros. Sendo assim, o objetivo do estudo é identificar e propor, fundamentado em publicações nacionais, a assistência de enfermagem à pacientes portadoras de depressão pós-parto. Material e método Trata- se de uma pesquisa bibliográfica descritiva, baseada em artigos científicos nacionais escritos por profissionais da saúde sobre Depressão Pós Parto e a Assistência de Enfermagem, publicados entre 2001 e 2011. Para a busca dos artigos nacionais foi utilizado o site Biblioteca Virtual em Saúde (BIREME) e a base de dados online Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Foram incluídos oito artigos para a pesquisa. A coleta de dados foi realizada de 30/11/2011 a 02/01/2012. Após a análise dos artigos, os dados foram organizados por semelhança de conteúdo, além de ser acrescentado propostas fundamentadas em literatura pertinente. Resultados e Discussão 210 Tabela 1: Intervenções para mulheres com depressão pós parto. São Paulo, SP. 2012 n=28* Distribuição das Intervenções na Depressão Pós-Parto. N % Promoção da saúde mental e prevenção da depressão pós parto 8 28,5 Uso da Escala de Avaliação da Depressão Pós Parto (EPDS) 5 17,9 Ações terapêuticas 5 17,9 Abordagem humanizada 4 14,3 Psicoterapia 4 14,3 Tratamento Farmacológico 2 7,1 28 100 TOTAL *Total de intervenções citadas pelos autores, segundo os oito artigos. A tabela 1 apresenta as principais intervenções que podem ser aplicadas às portadoras de DPP, descritas nas oito publicações utilizadas para o estudo, de acordo com o número de citações realizadas pelos autores. Nota-se que a intervenção mais descrita nos artigos foi promoção e prevenção da DPP (8/28, 28,5% da amostra). Quando se trata de promoção da saúde mental e prevenção da depressão pós-parto fica evidente que existe ampla possibilidade de atuação do enfermeiro, principalmente na atenção primária, para realizar inúmeras intervenções ainda no pré-natal. Para que isso aconteça é importante que seja feito uma abordagem individual e integral as gestantes, levando em consideração o seu contexto histórico com relação à situação familiar, social, econômica, cultural e espiritual, que irá interferir no ciclo gravídico puerperal de forma negativa ou positiva; este atendimento favorecerá a adesão ao tratamento (BIAPINA et al, 2010; FELIX, GOMES, FRANÇA, 2008). Durante o acolhimento é possível conhecer a história da gestante para planejar os cuidados de acordo com a realidade vivenciada. Além disso, o momento é propicio para conhecer os sentimentos, anseios e expectativas das futuras mães, por se tratar de um processo caracterizado por trocas afetivas e físicas que envolvem os sentimentos de empatia, confiança e aceitação (KOGIMA, REIS, 2009; VALENÇA, GERMANO, 2010; ZANOTTI et al, 2003). Ainda é valido frisar que deve ser estimulada a participação da família e do parceiro nessa condição, isso oferece apoio e segurança para a gestante (FELIX, GOMES, FRANÇA, 2008; LOTERO, 2003; VALENÇA, GERMANO, 2010; WEDEL, WALL, MAFTUM, 2008). É fundamental que o enfermeiro junto com a equipe multiprofissional identifique a vulnerabilidade, os fatores de risco da DPP e os sintomas depressivos no ciclo gravídico puerperal. Durante a gestação e puerpério as gestantes de baixo risco podem evoluir para alto risco e desenvolver esse transtorno ainda na gestação. Essa atitude pode prevenir as complicações do período puerperal e favorecer o planejamento precoce das intervenções de enfermagem e da equipe multidisciplinar (BIAPINA et al, 2010; FELIX, GOMES, FRANÇA, 2008; VALENÇA, GERMANO, 2010; ZANOTTI et al, 2003). Ao falar especificamente da atenção primária podemos citar diversas estratégias preventivas como a visita domiciliar as gestantes, que facilita a identificação dos fatores de risco e sintomas da depressão, além de estreitar o laço afetivo entre a equipe de saúde, paciente e família. Também é importante a atuação do agente comunitário de saúde, esse atua 211 como elo entre o serviço de saúde e a paciente, sendo o facilitador do rastreamento dessa mulher (KOGIMA, REIS, 2009; VALENÇA, GERMANO, 2010; ZANOTTI et al, 2003). No ciclo gravídico puerperal a mulher passa por um período de alterações fisiológicas, físicas e mentais. Diante esse fato é importante que esta conheça e entenda as mudanças decorrentes da gestação e os cuidados que devem ser designados a ela e ao seu bebê. Para isso o profissional de saúde deve incentivar a participação em grupos de gestantes com finalidade educativa referente ao processo de cuidar e fornecer orientações de acordo com o que é demandado pelas mães nas consultas. Devem ser orientadas quanto à importância do pré-natal e consultas puerperais, alterações corporais e mentais, medos e tabus referentes à gestação e ao parto, atividade sexual, prevenção sobre doenças sexualmente transmissíveis, informações sobre os benefícios legais, alimentação, atividade física, aleitamento materno, cuidados com a criança, ou seja, todas as informações pertinentes a essa nova rotina (FELIX, GOMES, FRANÇA 2008; VALENÇA, GERMANO, 2010; ZANOTTI et al, 2003). Para a identificação da depressão no pós-parto a literatura apontou a Emdiburg Postnatal Depression Scale (EPDS) como a escala mais apropriada para a avaliação dos sintomas depressivos que podem estar presentes nessa fase. É um instrumento de autoregistro e pode ser aplicada por qualquer profissional da saúde sem especialização em saúde mental. A EPDS é composta por dez questões, onde as opções são pontuadas (0 a 3) de acordo com a presença e a intensidade do sintoma. A paciente escolhe as respostas que relatam o modo como está se sentido na última semana. O score maior ou igual a 12 sugere uma possível depressão pós-parto (BIAPINA et al, 2010; FELIX, GOMES, FRANÇA, 2008; LOTERO, 2003; PRIMO, AMORUM, 2007; VALENÇA, GERMANO, 2010; ZANOTT et al, 2003). No puerpério o enfermeiro pode desenvolver diversas ações terapêuticas que são efetivas para a identificação ou diminuição dos sintomas. A escuta terapêutica é a principal ferramenta do relacionamento interpessoal, pois ajuda a compreender as circunstâncias vivenciadas pela puérpera. Além disso, constrói um alicerce para que sejam compartilhados os conflitos, as dúvidas e os temores da maternidade para oferecer apoio emocional (KOGIMA, REIS, 2009; PRIMO, AMORIM, 2007; VALENÇA, GERMANO, 2010). É importante assistir na internação e nas visitas domiciliares o comportamento materno com relação aos cuidados do bebê e a interação do binômio mãe e filho para atuar ativamente no processo de adaptação maternal (WEDEL, WALL, MAFTUM 2008). Também pode orientar quanto à prática de atividades físicas, como a caminhada, têm se mostrado efetiva na prevenção e redução dos sintomas quando praticadas de duas a três vezes por semana, por pelo menos 30 minutos, também é uma alternativa adicional para aqueles que não aderiram à terapia farmacológica. Tem como vantagem a ausência de efeitos colaterais e a segurança (BIAPINA et al, 2010). Ainda, é possível ensinar alguns métodos de relaxamento porque ajuda a mãe a lidar com suas emoções e aumenta a autoconfiança (PRIMO, AMORIM, 2007). Isso faz com que a mulher seja um agente ativo e favorece a tomada de decisão. Quanto à terapia farmacológica, há uma preocupação quanto aos efeitos dos antidepressivos sobre o recém-nascido. O lactente pode apresentar irritabilidade, sedação, baixo ganho de peso e desmame. Para evitar essas complicações, as classes farmacológicas mais utilizadas pelos médicos são os antidepressivos tricíclicos (ADTs) ou os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Clinicamente é preferível utilizar aqueles medicamentos que tenham menor probabilidade de se concentrar no leite materno, sendo indicado a sertralina e a paroxetina da classe ISRS e apresenta maior eficácia e tolerabilidade do que os ADTs (BIAPINA et al, 2010; FELIX, GOMES, FRANÇA, 2008). Também é necessário estimular o aleitamento materno, quando não há contra indicação, para facilitar a interação afetiva e de confiança entre mãe e filho, além de não deixar que a formação do vínculo seja interrompida. Outro tipo de terapêutica utilizada é a psicoterapia. Essa pode ser escolhida como tratamento coadjuvante à terapia farmacológica ou pode ser indicada isoladamente em casos leves. Os profissionais de saúde a utilizam em atividades educativas de grupos ou individual. Para a depressão pós parto, vem sido discutida a eficácia de três modalidades distintas: a terapia comportamental que propõe a modificação de comportamentos disfuncionais, a terapia 212 cognitiva que sugere a mudança do conceito que o paciente tem da depressão e a terapia interpessoal que destaca as barreiras nas relações interpessoais. A terapia interpessoal é a mais discutida por trazer assuntos exclusivos como o relacionamento com o parceiro, com o bebê, com a família, o retorno ao trabalho e os sentimentos que estão predominantemente aflorados nessa ocasião (BIAPINA et al, 2010; FELIX, GOMES, FRANÇA, 2008; LOTERO, 2003). Com relação à psicoterapia o enfermeiro psiquiátrico pode realizar as atividades educativas em grupo ou individual com finalidade terapêutica. Isso é evidente porque essa categoria apresenta um bom manejo e preparo para utilizar as técnicas da comunicação terapêutica e estabelecer um relacionamento interpessoal para contribuir na formação do vínculo enfermeiro-paciente e consequentemente oferecer apoio e segurança. Entretanto, os enfermeiros generalistas também podem criar um ambiente, um vínculo terapêutico e estratégias do processo de comunicação desde que se sintam aptos e seguros (ZANOTTI et al, 2003). É perceptível que as ações de enfermagem são amplas com relação à depressão pósparto. O enfermeiro e a equipe multidisciplinar deve conhecer o contexto histórico pessoal, cultural, econômico e social da gestante; Compreender os sentimentos e anseios da futura mãe e se possível da família; Identificar os fatores de risco e fatores agravantes que podem levar a depressão pós parto; Planejar intervenções de educação em saúde no pré-natal; Aplicar as escalas de avaliação da DPP no pós parto para pacientes que apresentam fatores de riscos; Realizar visitas domiciliares durante a gestação e no puerpério; Vigiar o comportamento materno na internação e consultas puerperais; Reconhecer os sintomas da depressão pós parto e encaminhar para os serviços especializados; Orientar as gestantes a realizar atividade física e relaxamento durante o ciclo gravídico puerperal; Quando identificado a doença, orientar quanto terapia farmacológica e estimular adesão ao tratamento; Incentivar o aleitamento materno quando não houver contra indicações, para manter o vinculo mãe e filho; Oferecer apoio e segurança; Empregar as ações terapêuticas através do relacionamento interpessoal; Adotar intervenções educativas com o parceiro, os familiares e praticar psicoterapia individual e em grupo quando habilitado. Conclusão O atendimento a mulher que está no ciclo gravídico puerperal deve ser motivo de preocupação para a sociedade e para os profissionais da área da saúde, pois estas apresentam diversas mudanças fisiológicas, cognitivas e comportamentais que levam a mulher a realizar mudanças no seu dia-dia. Quando esses hábitos alterados não são assistidos adequadamente e o sistema biopsicossocial da mulher não se encontra saudável, há o risco do desenvolvimento de transtornos psiquiátricos nessa nova fase de adaptação levando a repercussões desastrosas, refletindo na criança, no parceiro e nos seus familiares. A enfermeira deve procurar na sua prática diária agregar conhecimentos específicos sobre essa temática e reconhecer seus medos, anseios e insegurança quanto aos assuntos que não são do seu domínio. Ainda, deve identificar o risco potencial que cada mulher apresenta frente às complicações da gestação e do puerpério. Isso torna possível a solicitação de outros atendimentos quando não é mais possível intervir isoladamente, além disso, estimula o trabalho em equipe. Com isso, pode-se sugerir que os profissionais de saúde orientem as gestantes quanto às atitudes saudáveis que possam prevenir complicações no puerpério. Algumas dessas atitudes podem ser elencadas como a atuação na atenção primária, com ações de promoção e prevenção, intervenções no âmbito intrahospitalar através das atitudes preventivas e da identificação de sinais e sintomas e no puerpério, através das consultas de enfermagem e do rastreamento das puérperas nas visitas domiciliares, observando os cuidados maternos e os sentimentos da mulher após o parto. 213 Referências Bibliográficas BIAPINA, F.L.P. et al. Depressão pós-parto: tratamento baseado em evidências. Revista Femina. Rio de Janeiro, v. 38, n. 3, p. 161-165, mar/2010. FELIX, G.M.A; GOMES A.P.R; FRANÇA P.S. Depressão no ciclo gravídico-puerperal. Com. Ciências Saúde. 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E-mail: [email protected] Resumo Quando a adoção acontece pelos meios legais, há necessidade de uma intervenção Judiciária e avaliações de diversos profissionais, dentre eles, os Técnicos Judiciários Psicólogos, atuantes na Vara da Infância e Juventude. O estudo pretende demonstrar como estes profissionais assistem e decidem os pretendentes aptos ou não à adoção. A metodologia aplicada refere-se à pesquisa clínico-qualitativa, onde os sentidos e as significações dos fenômenos são o foco principal do pesquisador. A amostragem é composta por 2 profissionais Técnicos Judiciários, Psicólogos das Varas da Infância e da Juventude da Cidade de São Paulo, que atuam em avaliações de diversas situações que compõem a adoção. O profissional Técnico, na avaliação, procura conhecer os pretendentes à adoção, trabalhar a escolha pela adoção e verificar possibilidades de construção de vínculos parentais via adoção. Para tanto, utilizam alguns procedimentos (entrevistas, escuta, observação, orientação e em alguns casos testes projetivos ou cognitivos). Palavras - Chave: Adoção; família; processos legais; atuação do psicólogo. Introdução Há poucos estudos nacionais, de referencial psicanalítico, que abordam os Técnicos Judiciários frente à atuação nos processos de adoção. Cabe-nos conhecer os critérios adotados por esses profissionais: como se colocam frente à avaliação de pretendentes no processo de adoção. Reconhece-se também nesse estudo uma função de relevância social ao descrever o exercício da Psicologia Jurídica e, como estes profissionais influenciam nas transformações das dinamicas familiares que estão diretamente ligadas às escolhas e definições legais de parentalidade e filiação. A adoção, na maioria dos casos, não ocorre por meio de relações de parentesco e/ou por uma atribuição de consanguinidade, mas por um reconhecimento legal e constituição de um “vínculo parental”. Para Gomes e Levy (2009) parentalidade é o exercício de serem pais, adotivos ou biológicos. Estes precisam ter um filho (adotivo ou biológico) que se inscreve numa cadeia de desejos, expectativas e fantasias. Para as autoras vale lembrar que a criança adotiva encontra-se entre duas parentalidades, uma simbólica e apoiada a um vínculo afetivo, e outra apoiada em uma realidade biológica igualmente infiltrada de fantasmas arcaicos. Para Levinzon (2004), nem todas as famílias representam uma configuração na qual há uma continuidade biológica, e as relações parentais que se formam na família adotiva baseiamse mais especificamente nas intersecções afetivas que caracterizam os membros. Os pretendentes à adoção são pessoas que buscam a adoção por uma criança que nunca será de sua “carne”, mas filho do desejo. Segundo Levinzon (2004), a criança chega à família por um caminho diferente do usual. Em cada processo de adoção há no mínimo três partes envolvidas: Os pais biológicos, os pais adotivos e a criança, além da instituição ou pessoas que atuam como intermediárias. Para a autora, os pais adotivos necessitam da ação de um órgão governamental (no Brasil, os Fóruns). Na família adotiva é comum dizer que o exercício parental surge ou é correspondente a um segundo nascimento, um nascimento psíquico ou um (re)nascimento. Esse nascimento se constrói na reciprocidade intersubjetiva, o que significa “ser-os-pais desse filho” e o “ser-o-filho desses pais”. É o desejo de serem “pais” que o profissional da justiça deve levar em consideração (Benghozi, 2010). Acredita-se que estes profissionais, quando se pronunciam a favor ou contra o exercício parental expressam argumentos e decisões significativas sobre conjugalidade e parentalidade. Considera-se, então, importante conhecer a dinâmica conjugal para se planejar sobre o projeto familiar da adoção, além de contribuir para maior adaptação da criança e dos pais em 215 um arranjo parental e rede familiar extensa, como avós, tios e outros. Isto aconteceria como forma de prevenção acerca do que a clínica psicanalítica atribui a “dinâmica familiar desestruturada que pode interferir negativamente no desenvolvimento das crianças, que por sua vez, num futuro serão geradoras de outras famílias” (Gomes, 2011 p. 18). É importante ressaltar que o presente trabalho é decorrente de uma pesquisa mais ampla, em andamento, cujos objetivos visam conhecer e descrever como se dão as avaliações de pretendentes à adoção pela equipe Técnica de psicologia e investigar os modelos de famílias que perpassam ou perpassaram na construção de suas decisões. As análises de dados parciais demonstram que para avaliação de pretendentes a adoção, os profissionais Técnicos Judiciários utilizam alguns procedimentos (entrevistas, escuta, observação, orientação e em alguns casos testes projetivos ou cognitivos). Quanto aos modelos de família que subsidiam alguns pedidos de adoção na atualidade, as novas configurações familiares têm ganhando existência legal e buscam por aceitação social o status “natural”. Metodologia A pesquisa, citada aqui, utiliza-se do método clínico-qualitativo proposto por Turato (2008) em que procura conhecer as leis das reações do homem frente às condições ou decisões ambientais. A análise dos dados utiliza-se de conceitos básicos colhidos da teoria psicanalítica para o uso na pesquisa clínico-qualitativa. É importante esclarecer que esta pesquisa não se trata de uma investigação psicanalítica no sentido estrito desta concepção, mas de uma investigação clínico-qualitativa que usa da psicanálise a fim de extrair alguns elementos no contexto investigativo e debruça-se sobre a escuta do sujeito pesquisado. A coleta de dados se deu por meio de entrevistas semidirigidas, que foram gravadas e transcritas para maior fidedignidade dos dados coletados. Rios (2007) aponta que a utilização de entrevistas semidirigidas permite não apenas um alcance informativo, mas também desempenha uma possibilidade de acessar conteúdos inconscientes e conscientes ou pode desempenhar uma função terapêutica, sendo um espaço que possibilita a reflexão acerca do fenômeno pesquisado. De acordo com Turato (2008), a entrevista de pesquisa consiste em um processo interativo moldado pela articulação entre pesquisador e sujeito de pesquisa, enfatizando a transferência, contratransferência e associação de ideias. Nos resultados parciais apresentaremos apenas o material de duas participantes. As participações dos colaboradores foram voluntárias, não houve necessidade de contatar o Juiz, uma vez que esta pesquisa apenas descreve a atuação da equipe Técnica de psicologia nos casos de adoção. Após conhecimento do teor da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento, foram realizados dois encontros com duração média de uma hora e trinta minutos cada. Percebeu-se durante as entrevistas ganhos emocionais viabilizados pelos entrevistados, pois puderam falar sobre o assunto em pauta. Logo, para não fugir do objetivo da pesquisa e nem torna-las um tratamento psicológico ao entrevistado, estipulou-se apenas a quantidade já citada em um local previamente escolhido pelo entrevistado (a), o consultório do (a) profissional, ou o Fórum (local de trabalho). Foram atribuídos nomes fictícios as participantes, profissionais que trabalhavam no Fórum 1(para não identificação do local de trabalho, os Fóruns consultados foram nomeados em sequencia numérica). Resultados e Discussão A adoção permeia questões complexas. Em cada processo “de adoção” há no mínimo seis partes envolvidas, os pais biológicos, os pretendentes a adoção, os pais adotivos, a criança, instituição Judiciária, instituições de acolhimento ou pessoas que atuam como intermediárias. Quando a adoção acontece pelos meios legais, há necessidade de uma intervenção Judiciária e avaliações de diversos profissionais, dentre eles, os Técnicos Judiciários Psicólogos, atuantes na Vara da Infância e Juventude. Discorreremos essa análise comentando como ocorrem as avaliações de pretendentes a adoção. Os pais biológicos, desde o início, tem o reconhecimento implícito dos seus filhos, enquanto os pretendentes a adoção, se deparam inicialmente com uma 216 ação Judiciária. A adoção, do ponto de vista dos pretendentes, perpassa por entraves burocráticos. Já para o profissional Técnico Judiciário é fundamental conhecer, bem, os pretendentes e trabalhar com eles a escolha pela adoção, além preparar condições que possibilitem a construção de vínculos familiares adotivos. A Técnica Judiciária Beatriz, compreende o quanto é importante o período de preparação para adoção. Percebo que trabalhando bem o antes de adotar, a preparação dá melhores condições aos vínculos que esta família [família substituta – grifos da pesquisadora] irá constituir. (Beatriz- Técnica Judiciária) De modo geral, Beatriz expõe sobre os vínculos que a família adotiva “irá constituir”, referindo-se a afetos e reconhecimentos necessários para que o grupo familiar substituto se constitua, e assim criam e recriam a própria organização familiar. Segundo Hamad (2002), o profissional de justiça ou “aquele que decide”, passa precisamente pela necessidade de não esvaziar as entrevistas com os pretendentes de toda sua originalidade. Para Paiva (2004), as entrevistas devem considerar as especificidades regionais e a subjetividade ligada a cada caso, mas aponta que normalmente os profissionais psicólogos apresentam elementos comuns como critérios e procedimentos técnicos na pratica profissional com os pretendentes, utilizando-se de “entrevistas; testes projetivos; escuta e orientações”. Como já mencionado anteriormente, em relação aos instrumentos utilizados na avaliação com os pretendentes a adoção, os profissionais Técnicos de Psicologia enfatizam como principal procedimento o uso de longas e repetidas entrevistas. A entrevista, a observação, a escuta, a orientação e alguns testes são instrumentos e técnicas de investigação em psicologia. Para Bleger (1995) a investigação científica em psicologia, especificamente no uso de entrevista aberta, o entrevistador tem ampla liberdade para as perguntas ou para suas intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade necessária em cada caso particular. Considerada dessa maneira, a entrevista aberta possibilita uma investigação mais ampla e profunda da história, emoções e escolhas do entrevistado. Na entrevista, o profissional Técnico Judiciário, tem ampla liberdade para conduzir perguntas ou intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade necessária e particularidades de cada caso. Considerada dessa maneira, a entrevista proporciona uma investigação da história, emoções e escolhas do entrevistado. Amanda comenta que procura compreender em uma “escuta” a disponibilidade de pretendentes à adoção exercerem a parentalidade. É pela escuta que eu verifico se estes pretendentes têm disponibilidade para exercer funções paternas ou maternas. Pergunto a eles, como será a inserção desta criança na história deles? Onde esta criança irá ficar? Quem irá cuidar enquanto eles trabalham? Eu procuro perceber se esta criança ao ser adotada terá espaço, ou irá invadir o espaço dos candidatos a pais. Eu penso tanto no espaço físico, como no espaço emocional paterno e materno. (Amanda – Técnica Judiciária). A escuta é o princípio fundamental nos processos de avaliação, e tem o intuito de desnudar aspectos psicológicos, sociais e as motivações dos requerentes por adoção. A observação também é uma atitude constante na avaliação de pretendentes a adoção. Consiste em uma técnica na qual as variáveis observadas propiciam uma interferência do avaliador no sentido de captar a comunicação não verbal, dados passíveis de interpretação. Os dados coletados a partir da observação fornecem subsídios para diagnosticar uma situação, facilitar a análise do caso e a escolha das técnicas e procedimentos de sequência para as pessoas que compõem a história investigada (Danna; Matos, 2006). (...) O entendimento daquilo que não é dito. Por exemplo, as pessoas dizem eu quero um filho da mesma cor que a minha. Como a minha família é branca, eu quero um branco. Eu sou asiático, eu queria um asiático. Caso não se tenha um olhar do que estas argumentações significam, até parece natural querer alguém parecido, mas aí é revelado, pela fantasia, a tentativa de estabelecer a extensão do biológico e dependendo do caso 217 negar a infertilidade, é uma leitura que a psicologia que vai dar. A psicologia é capaz de ler nas entrelinhas. A questão emocional, faz toda a diferença... (Beatriz – Técnica Judiciária) Para Hamad (2002), os pretendentes a adoção normalmente “insistem na possibilidade de transmissão genética”, o bebê, a criança perfeita da mesma cor de pele dos pretendentes, como formas de esconder a dor da infertilidade; a fantasia da herança genética herdada pela criança, entre outras questões específicas da adoção. Para o autor os profissionais que avaliam pretendentes a adoção devem observar se desde o preenchimento do perfil, os pretendentes optam pelo “filho que queriam ter”, a fantasia do filho “bebê” como parte do corpo. Ou se de fato os pretendentes expressam o desejo parental. O teste também é utilizado pelos profissionais judiciários, mas como dado complementar, pois a principal técnica de trabalho é a entrevista. Para Rappaport (1977), é expresso nos testes projetivos a possibilidade de desvelar os aspectos mais profundos e latentes da personalidade. Os testes defrontam o indivíduo com um material-estímulo que possibilita a liberdade de expressão. Caso a gente precise de algum aprofundamento na avaliação dos casos, precisamos encaminhar para outras redes, ou serviços da comunidade. Procuro, até, fazer alguns testes projetivos como o HTP, mas levo muito em consideração a escuta das entrevistas. (Amanda – Técnica Judiciária) Os testes, em determinadas situações, são usados para dar sequência no andamento de um caso. Paiva (2004) comenta sobre o emprego dos testes psicológicos, mais especificamente dos testes projetivos, podendo ser utilizados em alguns casos, “pois eventualmente facilitam a expressão dos pretendentes”. Quando se utilizam de testes, “caso precise de alguns aprofundamentos”, estes são considerados apenas mais um dos recursos ou técnicas que possibilitam que o sujeito fale mais sobre si. As profissionais utilizam a entrevista para investigar com os pretendentes “as motivações por adoção; A criança a ser adotada; Idade da criança e fantasias; A questão da hereditariedade; Quando e se há esterilidade dos pretendentes como pano de fundo para adoção; O nascimento da família adotiva; A adoção na perspectiva dos avós e outros familiares, amigos ou vizinhos”. Para Hamad (2002), cabe aos profissionais que avaliam os pretendentes a adoção investigar o desejo da adoção pela adoção e não o desejo como paliativo de uma esterilidade. Para o autor é oportuno interrogar os pretendentes a adoção sobre o que está em jogo no momento em que buscam uma criança adotiva. Em sua experiência muitos pretendentes não têm consciência dos motivos de suas procuras por adoção. Para Benghozi (2010), parece essencial assinalar e apreender os projetos parentais, distinguir o desejo de ter um filho ou querer um filho. Hamad (2002) assinala que o auxílio na elaboração do luto pela infertilidade é um dos trabalhos a ser feito por estes profissionais, na impossibilidade de fazê-lo encaminhá-los a outros profissionais especializados. A orientação se apresenta como um procedimento, o esclarecimento sobre questões relativas à adoção, os processos burocráticos, informações de documentos necessários para um cadastro de adoção, orientações para diversas etapas que contempla esta realidade. Depois da escuta pode surgir à necessidade de encaminhamentos, em alguns casos são solicitados exames médicos, avaliação psicológica ou atestados de insanidade físicas e/ou mental previstos em Lei 12.010/09. No Fórum 1, uma das etapas da “preparação psicossocial” acontece também em grupos de apoio a adoção. A cada dois meses nós fazemos um grupo aqui no fórum, falando o “geralzão” da adoção, questões da legislação e passo a passo do processo da adoção. Eles [Os pretendentes – grifos da pesquisadora] costumam fazer muitas perguntas. Depois nós encaminhamos todos os pretendentes para os grupos de apoio a adoção. (Amanda – Técnica Judiciária) Outra coisa, eles passam três meses refletindo em um grupo de apoio adoção que não faz parte do Judiciário, e depois dão sequência no processo de adoção. Eu gosto de saber que eles participam de grupos de apoio a adoção, os pretendentes nos relatam que lá, nos 218 grupos de apoio, dizem o que pensam, eles ouvem muitas experiências e situações de adoção. Sei que, após passarem por grupos de apoio a adoção, os pretendentes vêm, até, esclarecidos referente aos procedimentos legais. Claro! Depois a gente assume e acompanha os casos até a adoção. (Beatriz – Técnica Judiciária) Amanda e Beatriz vão incluindo, também, temáticas mais esclarecedoras no seu processo de decisão, sobre quem estaria ou não apto à adoção. Por exemplo, percebendo o lugar que a criança vai ocupar na família e/ou na relação conjugal, desses pretendentes, pode ser um fator mais decisivo do que o próprio arranjo familiar. Quando questionada sobre os parâmetros adotados nos processos de avaliação de pretendentes à adoção, elas salientam: Nas entrevistas procuro perceber se os pretendentes a adoção estão se preparando para a chegada de um filho ou filha. Claro! Cada história é uma história, não tem um padrão único de família. E a gente aprende a ter uma escuta diferente. Digo que a gente costuma fazer um “bate-papo” com os pretendentes à adoção. Nossas conversas fazem com que eu “avaliadora” e eles pretendentes a pai e/ou mãe, sejamos capazes de sentir se há disponibilidade para serem pais. (Amanda – Técnica Judiciária) (...) Eu preciso saber se aquela família sente que pode exercer paternidade ou maternidade, assim como a criança precisa se sentir filho ou filha. (Beatriz – Técnica Judiciária) Quando a adoção acontece por um casal, Amanda e Beatriz costumam observar o investimento de cada um no projeto de adoção e o desejo parental. Observam como se dão as relações conjugais e o desejo de cada um em relação ao outro. Segundo Hamad (2002), o profissional que avalia os pretendentes a adoção deve interrogar-se e interroga-los sobre o projeto de adoção, enfatizando a importância de se perceber alguns aspectos fundamentais: A dinâmica conjugal e quando a procura pela adoção é do casal, considera importante que o trabalho de escuta perpasse pelo par conjugal, ouvir e observar o desejo dos dois no exercício parental, não se dirigir ao casal como um conjunto que anula a diferença entre os cônjuges “sempre levo em consideração as duas pessoas que, apesar do que elas chamam de projeto comum, são regidas, cada qual, pela dinâmica de seu inconsciente”. (Hamad, 2002 p. 46). Para Gomes (2011) é importante conhecer a história do casal para uma melhor compreensão do lugar da criança ou adolescente na fantasia dos pais. Quando eles têm uma relação conjugal, procuro verificar como se deu e se dá o relacionamento conjugal. Primeiro, preciso entender como é composto o grupo familiar do pretendente. (...) Por exemplo; o atendimento com um casal pretendente a adoção é completamente diferente de um atendimento com uma pessoa solteira. (...) Com o casal eu procuro compreender através das entrevistas a motivação para adoção de cada um [do par conjugal – grifos da pesquisadora]. Observo as motivações dos dois, se há segurança da escolha pela adoção. Procuro sempre perguntar se eles têm certeza se cabe uma criança na história deles. (Amanda) No casal eu procuro observar as regras que organizam o par, isto do ponto de vista consciente e inconsciente. Vejo a função dos membros da família, o desejo de cada um pela adoção, possibilidades de exercerem funções maternas e ou paternas. Importante é observar elementos que atravessam o grupo familiar… (Beatriz) As profissionais afirmam que as entrevistas realizadas com os requerentes podem acontecer individualmente e/ou em grupo. Com casal, as entrevistas acontecem com ambos os parceiros juntos e/ou separadamente. E, podem variar tanto na duração, quanto em relação ao 219 número de encontros necessários. Ocorrem também entrevistas com a família extensa, avós e outros. A Literatura internacional tem mostrado benefícios da adoção na perspectiva de avós adotivos. O lugar dos avós e outros membros da família extensa, tios, primos até mesmo amigos e vizinhos, demonstram se a criança será “bem-vinda”, aceita, ou se acontecerão investimentos não somente do(s) pais adotivos, mas também da família extensa. Os avós assumem uma posição de “apoio ao pedido dos filhos ao exercício parental”. Hamad (2002) percebe uma grande importância no lugar dos avós em uma adoção. Os avós assumem uma posição de “apoio ao pedido dos filhos no exercício da parentalidade. Eles fazem uma benção e inscrevem a criança adotada na cadeia geracional”. Assim, os postulantes não tem que lidar sozinhos com a hereditariedade familiar daquele que não quis que um homem e/ou uma mulher fosse estéril. Indaga a importância do profissional que avalia os pretendentes aptos a pais adotivos escutarem com atenção o projeto de adoção, por parte dos requerentes e dos potenciais avós. A adoção geracional propicia a aceitação da esterilidade e a aceitação da criança adotada e de alguma forma este laço geracional “suspende o interdito do exercício parental”, (Hamad, 2002 p. 48 – 49). Gosto de saber, até, como será esta adoção para os avós, perceber se os avós apoiam a adoção dos netos. Interessante também é saber se há caso de adoção na família, isto dirá algo de uma nova história de adoção. Eu quero perceber se os pretendentes e avós, estão se preparando para a chegada de uma criança (Amanda) A adoção geracional propicia a aceitação da esterilidade e o acolhimento da criança adotada, de alguma forma o apoio dos avós afirma a possibilidade de um “laço”. Na atualidade há uma variedade de formas de parentalidade e filiação, “não tem um padrão único de família”. Amanda atua no Tribunal de Justiça há 24 anos, parece que ela passou a criar parâmetros que põem em jogo a questão da parentalidade, da relação do casal com essa nova criança, e principalmente, sobre a importância de como se constrói o vínculo entre eles, conforme aponta. Questões essas que, estão acima do modelo de família em que esta criança será inserida. Assim, ela conclui: Eu acho que a gente teve que modernizar a nossa forma de pensar sobre as organizações de família. Quando os pretendentes querem ser pais ou mães a adoção dá certo. Adoção de homossexuais dá certo também. Adoção de pessoas sozinhas também dá certo. Então aquela imagem da família que era um perfil, um padrão único determinado judicialmente como o adequado para adoção em que a gente só podia habilitar aqueles pretendentes que fosse um casal, um homem e uma mulher, já não é o perfil atual. A opção por casal homoafetivo era algo discriminatório, hoje a família é organizada de várias maneiras. Com o passar do tempo eu e alguns profissionais antigos, da Justiça, entendemos que família é muito mais do que apenas um único perfil “um casal heterossexual”. Um único cuidador que assuma os cuidados por uma criança pode ser uma família. (...) A gente não pode acreditar que dois homens ou duas mulheres não dão certo como casal. O que a gente tem que observar, não é como esta família é organizada, mas as motivações para adoção. As motivações para exercerem a função de ser pai e ser mãe, que não é uma tarefa fácil. (Amanda) Toda essa trajetória de Amanda acompanha as mudanças e questionamentos acerca da instituição familiar, incluindo também, o conceito de que a “família é muito mais do que apenas um único perfil, um casal heterossexual”, traz em seu discurso, que na contemporaneidade também se constituem famílias por casal homoafetivo. Essas manifestações tiveram uma repercussão significativa no âmbito da discussão sobre família, o que levou principalmente à “quebra de paradigmas” que fundam a lógica heteronormativa tradicional familiar. As mudanças ocorridas na família possibilitaram alterações na legislação. Entretanto, a família substituta composta por pais ou mães homossexuais, embora muito comentada, vêm se constituindo gradativamente no âmbito da Justiça. A adoção efetiva pelo casal ou parceria homossexual revela-se apenas em poucos casos no Brasil. No caso da adoção por homossexuais o 220 que mais se praticava era a adoção monoparental, ou seja, um dos cônjuges tornava-se o requerente no processo de adoção. Isto porque a união estável entre casais homossexuais não era permitida pela Justiça, logo a família homoparental não era considerada uma possibilidade de família substituta. Beatriz, ao falar de “arranjos familiares”, considera que não há um modelo ideal. Falando de modelo. Em termos de composição, eu acho que não existe um modelo ideal. Não importa se é uma família nuclear, ou com dois homens ou duas mulheres, pai ou mãe solteiros. Não existe modelo de família ideal, o que realmente existe são pessoas que se encontram, a criança deseja estar com pessoas que considera família e que ela pode contar. Ter uma família é não se sentir sozinho no mundo... (Beatriz) Para a Técnica Judiciária Beatriz, com 5 anos de atuação nessa área, ter uma família significa, principalmente, “não se sentir sozinho no mundo”. Ela parece incorporar as mudanças em torno da família de um modo mais natural. Por fim, as famílias contemporâneas possibilitaram mudanças nos perfis de famílias adotivas. Hoje os homens solteiros, embora ainda com maior dificuldade, conseguem adotar; a mulher sozinha já não é mais uma família marginalizada e há os pares homoafetivos exercendo também a parentalidade. Considerações Parciais Quando a adoção acontece pelos meios legais, há necessidade de uma intervenção Judiciária e avaliações de diversos profissionais, dentre eles, os Técnicos Judiciários Psicólogos, atuantes na Vara da Infância e Juventude. Para o profissional Técnico Judiciário é fundamental conhecer, bem, os pretendentes, trabalhar a escolha por adoção e preparar condições que possibilitem a construção de vínculos familiares via adoção. Para a avaliação de pretendentes a adoção são utilizados alguns procedimentos - entrevistas, escuta, observação, orientação e em alguns casos testes projetivos ou cognitivos. Na avaliação dos pretendentes, a adoção acontece para diversos arranjos familiares como: uma pessoa (adoção monoparental); casais heterossexuais ou homoafetivos (adoção conjugal) e em família reconstituída (adoção unilateral). A adoção Legal pode acontecer para qualquer pessoa com no mínimo 18 anos e 16 anos mais velha do que a criança adotada. Na adoção conjugal as profissionais consideram importante avaliar o desejo do par conjugal quanto a escolha por adoção. Percebem também o desejo por adoção entre os membros da rede familiar como avós, tios, amigos, vizinhos e outros. Independente do arranjo familiar, os profissionais Técnicos Judiciários avaliam a possibilidade de "pretendentes a adoção" expressarem disponibilidade para o exercício parental e que sejam capazes de se prepararem para a chegada da criança e constituírem todo o processo de filiação. Outro dado significativo que caracteriza a avaliação de pretendentes a pais refere-se às mudanças nos arranjos familiares da atualidade que tiveram uma repercussão significativa no âmbito da discussão sobre família adotiva, o que levou estes profissionais à “quebra de paradigmas” que fundam a lógica heteronormativa tradicional familiar. Historicamente a adoção era garantida a casais heterossexuais, jovens e sem filhos. Com o passar do tempo os profissionais da justiça foram levados a relativizar os critérios para avaliar uma família adotiva, deslocando a abrangência para pessoas solteiras, famílias estrangeiras e, mais recentemente, pares homoafetivos. O trabalho do Técnico Judiciário proporciona aos pretendentes uma escuta singular, considerando cada conteúdo e história em sua particularidade, não privilegiando qualquer dado ou elemento do discurso. Partem ainda da concepção que os pretendentes tragam uma demanda de avaliação. Estas profissionais estabelecem alguns encontros “pontuais” com os pretendentes a adoção, pois suas entrevistas tem focos e tempo para resolução e construção de pareceres 221 favoráveis ou não ao exercício parental. Lidam diretamente com o desejo parental, seus aspectos conscientes, afetivos, ambivalentes e etc. Portanto, coordenar a avaliação dos pretendentes às condições da realidade apresentada é um constante desafio para os profissionais que lidam com a adoção, pois ao mesmo tempo, uma habilitação de pretendentes para adoção irrefletida pode provocar sérias consequências. Por fim, o campo de reflexão sobre aquilo que contribui para uma adoção bem-sucedida parece útil, pois abre espaço para maior acuidade na consideração do que é importante na escolha do pretendente que busca ou não o exercício parental. Referências BENGHOZI, P. Malhagem e filiação. Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social. 1 ed. São Paulo: Vetor, 2010. BLEGER, José. Temas de Psicologia - Entrevistas e Grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1995. GOMES, I. C; LEVY, L. O mal-estar e a complexidade da parentalidade contemporânea. Cadernos de Psicanálise/ Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro. v.25, n. 28,2009. GOMES, I. C. O sintoma da criança e a dinâmica do casal. São Paulo: Zagodoni, 2011. HAMAD, N. A criança adotiva e suas famílias. Companhia de Freud: Rio de Janeiro, 2002. DANNA, M. F.; MATOS, M. A. Aprendendo a observar. São Paulo: Edicon, 2006. LEVINZON, G. K. Adoção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. PAIVA, L. D. Adoção: significados e possibilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. RAPAPORT, D. Testes de diagnóstico psicológico. Buenos Aires, Paidós, 1977. RIOS, M. G. Casais sem filhos por opção: análise psicanalítica através de entrevistas e TAT. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. TURATO, E. R. Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teóricoepistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ O LUGAR DA FAMÍLIA NA APRENDIZAGEM: UM ESTUDO DE CASO Fernanda de Freitas1; Hernani Brunório2; Maria Carla Borges Sorbello3 1. Psicóloga graduada pela UNIFAE – e-mail: [email protected] 2. Psicólogo graduado pela UNIFAE – e-mail: [email protected] 3.Psicóloga, Mestre pela PUC-Campinas, Docente da UNIFAE e-mail: [email protected] Resumo O objetivo central deste estudo foi evidenciar a importância da família para a relação criançaaprendizagem, compreendendo como a desestrutura pode influenciar no desenvolvimento deste processo. Como método de pesquisa foi utilizado um estudo de caso, participando um adolescente do sexo masculino de treze anos de idade, na ocasião frequentando a rede pública de ensino, com queixa de dificuldade de aprendizagem e agressividade. Utilizou-se de um referencial psicanalítico para discussão dos resultados, juntamente com os vários saberes da Psicopedagogia. Observou-se que as experiências vividas pelo participante deste estudo: separação dos pais, abandono pelo pai e pouco tempo de convívio com a figura materna, foram fatores que podem ter comprometido seu bom desempenho escolar. A importância desse tema se justifica pelo fato da família ser considerada como objeto de atenção psicoeducacional no sentido de um apoio para o desempenho da função educativa. Acredita-se que tal estudo pode 222 servir não somente para explicitar a dinâmica geradora das dificuldades de aprendizagem, mas também para compreender a forma como tais elementos podem ser significativos para aquela criança ou adolescente, oferecendo aos profissionais formas possíveis de intervenção para melhor atuar, desenvolvendo trabalhos preventivos de orientação escolar e aos pais. Palavras-chave: Família, Dificuldade de Aprendizagem, Psicopedagogia Introdução A família é, para a Psicologia, de suma importância, pois é o primeiro ambiente no qual se desenvolve a formação da personalidade dos indivíduos. Assim, a família é considerada o primeiro espaço psicossocial, a mediadora entre o homem e a cultura, a matriz da aprendizagem humana (MACEDO, 1994). Quando se faz referência à família, no imaginário coletivo, a maior expectativa é que ela produza cuidados, proteção, aprendizado dos afetos, construção de identidades e vínculos relacionais de pertencimento, capazes de promover melhor qualidade de vida a seus membros e afetiva inclusão social na comunidade e sociedade em que vivem. No entanto, estas expectativas são possibilidades, não garantias, pois a família vive num contexto que pode ser fortalecedor ou esfacelador de suas possibilidades e potencialidades (CARVALHO, 2002). Neste sentido, a família é o primeiro e mais importante agente socializador, fundamental para desencadear os processos evolutivos das pessoas, atuando como propulsora ou inibidora do seu desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social (DESSEN e POLONIA, 2007). No contexto da aprendizagem, tanto os fatores orgânicos quanto psicológicos e ambientais podem interferir no rendimento da criança, destacando-se o papel da família no bom desenvolvimento e interação da criança com as questões escolares (WEIS, 1997 apud SANTOS e GRAMINHA, 2005). Para este mesmo autor, existe uma tendência das crianças com baixo rendimento terem sido expostas a um número maior de adversidades que podem ter afetado seu desenvolvimento na escola Com um estudo de caso, buscou-se compreender a formação dinâmica do contexto familiar e seus reflexos no desenvolvimento da aprendizagem. Utilizou-se de um referencial psicanalítico para discussão dos resultados, juntamente com os vários saberes da Psicopedagogia. A importância desse tema se justifica pelo fato da família ser considerada como objeto de atenção psicoeducacional no sentido de um apoio para o desempenho da função educativa. No âmbito social esse estudo poderá oferecer aos profissionais formas possíveis de intervenção para melhor atuar, desenvolvendo trabalhos preventivos de orientação escolar e aos pais. Este estudo teve por objetivo evidenciar a importância da família para a relação criançaaprendizagem, destacando como a falta ou desestrutura desta pode influenciar no desenvolvimento deste processo. Metodologia Participou do estudo M. um adolescente do sexo masculino com 13 anos de idade, com queixa de dificuldade de aprendizagem, cursando a 6ª série do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública situada em São João da Boa Vista-SP. O estudo foi realizado no NEAP – Núcleo de Estudos e Atendimentos em Psicologia, situado no Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – UNIFAE em São João da Boa Vista-SP. Foram utilizados determinados instrumentos: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; Entrevista semiestruturada de anamnese psicológica; EOCA – Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (VISCA, 1987); Par Educativo (VISCA, 1987); H.T.P. Casa – Árvore – Pessoa (BUCK, 2003); Escala de Inteligência Weschsler para Crianças - WISC-III (WESCHLER, 2002); TDE. – Teste de Desempenho Escolar (STEIN, 1994) e Dinâmicas de grupo. 223 Resultados e Discussão A partir dos instrumentos utilizados na avaliação psicopedagógica, pode-se perceber que M. possuia um nível de inteligência médio, quando comparado com crianças da sua faixa etária, o que indica a inexistência de déficit intelectual, embora apresentasse um atraso nas capacidades fundamentais de desempenho escolar. Observou-se que as experiências vividas pelo participante deste estudo: separação dos pais, abandono pelo pai e pouco tempo de convívio com a figura materna , foram fatores que podem ter comprometido seu bom desempenho escolar. O abandono pode ser sentido como sendo da sua própria incapacidade; assim como trouxe M., demonstrando, durante suas atividades de que ele não se sentia importante e valorizado. Como aponta Souza (1995) esses sentimentos incrementados à situação de solidão e abandono, fazem com que o indivíduo sinta-se incapaz de satisfazer às exigências dos pais, merecendo o abandono, não podendo contar com alguém que o auxilie a dar outro significado para seus sentimentos. Considerações Finais Neste estudo, de fato existe um abandono real do pai, uma vez que não existe contato físico, comunicação e ajuda financeira. Desta forma, a mãe por sua vez, fica sobrecarregada, pois desempenha dois papéis “pai e mãe”, tendo pouca disponibilidade para atender as necessidades do filho, assim, M. permanecia só para lidar com suas angústias. Isso permitiu sugerir que M. tinha dificuldade de usar adequadamente o seu pensar. Sugeriu-se que uma orientação aos pais de M. seria necessária para auxiliá-los a perceber como suas atitudes podem estar funcionando como impedimento no processo de exploração do mundo de seu filho, neste sentido, poderiam tornar-se pais mais próximos não só fisicamente, mas, sobretudo, psiquicamente. Referências BUCK, J. N. tradução de Renato Cury Tardivo: H-T-P: casa – árvore – pessoa, técnica projetiva de desenho: manual e guia de interpretação. São Paulo: Vetor, 2003. CARVALHO, M. C. B. O Lugar da Família na Política Social. In: CARVALHO, M. C. B. et al. A Família Contemporânea em Debate. 4 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2002. p. 15-22. MACEDO, R. M. A Família do Ponto de Vista Psicológico: lugar seguro para crescer? Caderno de Pesquisa. São Paulo, n. 91, p.62-68, Nov. 1994. Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/788.pdf Acesso em: 3 de mai. 2011. SANTOS, P. L.; GRAMINHA, S. S. V., Estudo comparativo das características do ambiente familiar de crianças com alto e baixo rendimento acadêmico. Paidéia. Ribeirão Preto, v. 15, n. 31, mai./ago. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br Acesso em: 2 de mai. 2011. SOUZA, A. S. L. Criança e Sua Relação com o Conhecimento. In: Pensando a Inibição Intelectual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1995. p. 5-35. STEIN, L. M. Teste de Desempenho Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica. Epistemologia Convergente. Porto Alegre, Artes Médicas, 1987. WECHSLER, D. WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – adaptação brasileira da 3ª edição. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. 224 ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ A AGRESSIVIDADE COMO UM PEDIDO DE CONTENÇÃO: UM ESTUDO DAS RELAÇÕES FAMILIARES Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes1; Ana Paula Medeiros2; Carolina Ruiz Longato3; Valéria Barbieri4 1 Doutora e Psicóloga do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] 2 Mestranda do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] 3 Mestranda do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] 4 Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] Resumo Uma queixa frequente dos cuidadores que procuram atendimento psicológico para as crianças atualmente refere-se à agressividade. A família tem papel preponderante no surgimento e manutenção da patologia infantil. Este trabalho pretende refletir acerca da dinâmica familiar na compreensão dessa patologia, por meio de um caso clínico de um menino atendido pelo Serviço de Triagem e Atendimento Infantil e Familiar da clínica de Psicologia de uma universidade pública. A criança atendida, Luís, 9 anos, passou pelo processo de triagem em quatro sessões: entrevista com sua avó, sessão lúdica, entrevista familiar diagnóstica e devolutiva. O processo foi analisado segundo referencial psicanalítico winnicottiano. A queixa inicial era de extrema agressividade da criança. Percebeu-se nos cuidadores (avós) grande temor em relação à impulsividade do neto, com dificuldade de compreender quais as atitudes de uma criança de sua idade. Havia receio de que a criança apresentasse os mesmos comportamentos impulsivos de sua mãe, que trouxe tanto sofrimento aos avós. Os cuidadores apresentaram dificuldades em suprir necessidades afetivas e holding da criança, o que pode levar a dificuldades na constituição de sua identidade e no estabelecimento de vínculo apropriado com o mundo externo. Luís foi encaminhado para psicoterapia e a avó foi encaminhada para orientação. Palavras-chave: agressividade; identidade; relações familiares; triagem. Introdução Atualmente, uma das queixas mais frequentes dos cuidadores que procuram atendimento psicológico para as crianças refere-se à agressividade. Entretanto, Andrade e Bezerra Jr. (2009) apontam para a necessidade da diferenciação entre violência e agressividade, baseando-se na adequada compreensão sobre o que efetivamente se passa em cada situação, para, com isso, ser possível manejá-las de forma a contribuir para o desenvolvimento saudável da criança. As ideias desenvolvidas por Winnicott (2000) demonstram o papel fundamental da agressividade e a importância do ambiente no processo de desenvolvimento emocional do indivíduo. Segundo o autor, a agressividade é uma das fontes permanentes da vida psíquica, que, em conjunto com a sexualidade, provém do instinto amoroso e da motilidade, sendo, então, fundamental para que a criança consiga passar por um processo de diferenciação eu/não-eu. Winnicott (1975) ainda destaca que para ampliar seu mundo subjetivo e compartilhar um mundo objetivamente percebido, o bebê deve usar de sua agressividade para tentar destruí-lo. Neste momento, é necessário que o objeto sobreviva e mantenha a atitude e independência do bebê, para que possa ser criada a percepção de um eu que se relaciona a um não-eu, que resiste e não retalia. Na medida em que permite a separação entre o que é eu e o que é não-eu, a 225 experiência do impulso destrutivo é integradora. Assim, a criança percebe que não é onipotente, que pode agir no mundo e expressar sua agressividade. Nesse sentido, a teoria winnicottiana enuncia um valor positivo para a agressividade. Nesse sentido através é possível compreender que por meio de comportamentos agressivos, a criança testa o ambiente, tentando estabelecer uma relação de confiabilidade, esperando que o ambiente cumpra seu papel de continência e provisão, que em algum momento foi interrompido. Se o ambiente cumprir esse papel de forma satisfatória, a criança pode descobrir e assimilar seus impulsos, desfrutando da liberdade para agir e ser espontânea, demonstrando autocontrole e socialização preservada (WINNICOTT, 1999). Apesar de poder provocar sérios incômodos aos familiares, essas situações ‘agressivas’ fazem parte do processo de recuperação do indivíduo e representam um sinal de melhora quando são dirigidos a pessoas das quais ele se sente próximo afetivamente (ANDRADE; BEZERRA JR., 2009). Um ambiente que sobreviva aos aspectos destrutivos do indivíduo e que ofereça a possibilidade de reparação dos eventuais danos causados por este, permite à criança internalizar valores como aceitação de responsabilidades, esforço de contribuição social e interesse ativo pelo outro (WINNICOTT, 1982). Nesse sentido, a provisão do afeto e de condições ambientais acolhedoras, que propiciem segurança e liberdade e que ofereçam oportunidades de expressão, contribuição e participação, são fundamentais para que a criança seja capaz de exercer sua agressividade de forma saudável e não-destrutiva e de se responsabilizar por seus atos, exercendo um movimento importante de prevenção da violência e também de sua maturidade. É nesse sentido que Winnicott e outros autores apontam para a agressividade como uma forma de expressão que pode ter um valor positivo, de movimento, criatividade ou esperança (ANDRADE; BEZERRA JR., 2009). Por outro lado, se a criança se encontra em um ambiente que demonstra atitudes invasivas ou não confiáveis, ela pode apresentar atitudes violentas, devido à incapacidade de usufruir de forma criativa de sua agressividade. Quando a falha do ambiente é excessiva e intrusiva, com demasiada indiferença ou repressão, a violência pode aparecer de um modo que o indivíduo não se sentirá responsável por seus atos, já que foi privado em sua experiência subjetiva (BEZERRA JR., 2005). A falta de limites impede a criança de exercitar sua capacidade de se organizar, de ser criativo e de experienciar atividades instintivas com segurança. Contudo, vale ressaltar que o limite não está relacionado apenas à interdição, mas à consistência, à segurança e ao acolhimento dos aspectos amorosos e destrutivos do indivíduo. Nesse sentido, a violência pode se manifestar relacionada a uma ausência de medidas de contenção e à falta de um ambiente suficientemente bom, que sobreviva às expressões da agressividade sem se sentir ameaçado (ANDRADE; BEZERRA JR, 2009). Em um processo de psicoterapia, cabe ao terapeuta, portanto, sobreviver às investidas da criança e reconstruir com ela ritmo, fidedignidade e confiança, ou seja, é preciso que o terapeuta proporcione ao paciente sentimentos que foram perdidos e que o impediram de vivenciar uma experiência suficientemente boa (MAIA et al., 2007). A fim de refletir acerca da relevância da dinâmica familiar na compreensão da agressividade expressa por uma criança, este trabalho apresenta o caso clínico de Luís (9 anos), atendido pelo Serviço de Triagem e Atendimento Infantil e Familiar (STAIF) de uma universidade pública. Metodologia Participaram do processo de triagem Luís (9 anos), Ana (avó materna), Carlos (avô materno) e Luísa (sua irmã de 7 anos). A avó buscou atendimento na clínica psicológica da universidade devido às queixas de agressividade intensa, desobediência, falta de controle, agitação, nervosismo e medo de ficar sozinho, apresentadas por Luís. A família foi chamada a participar do processo de triagem, que 226 foi realizado em quatro sessões: entrevista com a avó da criança, sessão lúdica com a criança, entrevista familiar diagnóstica (em que todos os membros da família foram convidados a participar) e devolutiva. Cada etapa do processo foi transcrita e analisada segundo o referencial psicanalítico de Winnicott. A seguir, serão apresentados os principais aspectos observados em cada uma das sessões. Resultados e Discussão Com relação à entrevista inicial, foi possível notar comprometimento e colaboração da avó materna, que respondeu às perguntas de maneira clara, fornecendo o máximo de informações possível. Em relação à queixa sobre o neto, a avó pareceu preocupada e incomodada com os comportamentos dele, emocionando-se em alguns momentos, principalmente ao comparar as atitudes de Luís com as de sua filha (mãe da criança). Ela contou que conseguiu a guarda de Luís e de sua irmã, Luísa, quando o menino estava com cinco anos de idade, devido à negligência da mãe, que chegava a agredir fisicamente as crianças quando perdia o controle. A mãe de Luís havia sido adotada por Ana e Carlos quando ainda era criança. Era comum que ela fugisse de casa; tinha vários parceiros sexuais e já havia morado na rua e trabalhado com tráfico de drogas, como “aviãozinho” (sic). Além destes comportamentos, ela já havia agredido fisicamente a mãe adotiva, fazia uso constante de álcool e provocara um aborto com 8 meses de gestação. Referindo-se à relação entre os irmãos, a avó relatou que um dependia do outro e que, por isso, eram muito unidos. Apesar disso, Ana declarou que eles eram muito ciumentos e que competiam por atenção e espaço. É possível entender o comportamento das crianças como uma reação à privação de cuidados que sofreram na primeira fase da vida, ou seja, eles acabam por se unir como forma de se proteger das carências vividas, ao mesmo tempo em que competem pela atenção e cuidado do outro, com receio de perder aquilo que recebem, principalmente da avó. Esta mesma ideia pode ser entendida na expressão de outro comportamento relatado pela avó: o medo de Luís ficar sozinho. Assim, entende-se que a criança teme reviver as experiências vividas anteriormente e que estão ligadas à privação de afeto. Por esse mesmo motivo, o menino comporta-se de modo agitado, impulsivo, nervoso e fechado. A criança parece testar, a todo o momento, as figuras presentes no seu cotidiano, como se tentasse descobrir se o objeto se mantém vivo apesar da tentativa de destruição (WINNICOTT, 1999). Em contrapartida, a avó relatou que o neto era muito carinhoso e inteligente, demonstrando a presença de aspectos amorosos preservados, que podem ser trabalhados em psicoterapia, a fim de fortalecê-lo (MAIA et al., 2007). Pode-se pensar que Luís, em meio às atitudes violentas de que foi personagem ativo, trava uma luta contra a violência sofrida por ele, denunciando as sucessivas falhas do ambiente. Nesse sentido, seus sintomas podem ser entendidos como uma estratégia de sobrevivência psíquica (ANDRADE; BEZERRA JR., 2009). Além disso, com os detalhes fornecidos pela avó durante a sessão, foi possível perceber o medo que a família tem que a criança apresente os mesmos comportamentos impulsivos de sua mãe. Desta forma, destaca-se a importância de realizar um trabalho também com a família, no sentido de orientar a respeito deste medo e de que os envolvidos possam entender as origens do comportamento da criança, podendo ajudá-lo a sentir-se em um ambiente seguro e constante. Com relação à sessão lúdica com Luís, o menino estabeleceu uma brincadeira com desenho em que a terapeuta deveria copiar todas as suas produções. Nesta atividade, a criança fez com que a psicóloga escrevesse em um papel "Vó te amo", cópia de seu desenho, solicitando que ambos os papéis (da criança e da terapeuta) fossem entregues ao final da sessão. Este comportamento permite pensar em uma identificação intensa da criança com o outro, como se este fosse uma extensão dela mesma, ou precisasse ser, para que a criança possa existir e expressar o que sente. Há, portanto, prejuízo na diferenciação eu-outro, o que pode dificultar o 227 contato com o mundo externo e ocasionar muitos de seus comportamentos, como os agressivos, de violência, de medo e descontrole (WINNICOTT, 2000). Ainda durante a sessão lúdica, Luís demonstrou intensa angústia, testando os limites do setting, como um pedido de contenção da psicóloga, como no momento em que quis pular da janela da sala. Houve dificuldade na expressão espontânea e criativa, além de demonstrar prejuízos no processo de simbolização. Conforme dito anteriormente, no pedido por limites a criança busca por contenção e por alguém que se preocupe com ela e que esteja presente mesmo com suas atitudes destrutivas (ANDRADE; BEZERRA JR, 2009). Quando a criança consegue transferir essas dificuldades para o espaço da psicoterapia, como o fez Luís, há um bom indício de que a presença constante da psicóloga poderá auxiliá-lo a reviver suas experiências anteriores e, assim, possibilitar que ele retome seu desenvolvimento emocional (MAIA et al., 2007). Na sessão familiar, que contou com a presença de Luís, sua irmã, sua avó e seu avô, pôdese confirmar uma das ideias já discutidas anteriormente: a de que os avós têm um grande temor da impulsividade do neto, como se tudo o que ele fizesse fosse capaz de machucar, desorganizar e bagunçar o outro e a si mesmo. Assim, Luís acaba sendo visto como uma criança perigosa e que distancia os outros, uma vez que seu comportamento não é visto como um pedido de contenção e limites, mas como uma falta de controle e presença de maldade. Assim, destaca-se a importância de mostrar aos envolvidos o motivo das atitudes de Luís, de forma que possam responder a elas de uma maneira que auxilie a criança. Durante a sessão familiar, o avô pareceu acolher mais o neto no momento em que se aproximava para brincar com ele, possibilitando o uso da criatividade e da fantasia. Já a avó mostrou-se cansada, oferecendo somente apoio concreto na relação com o neto. Nota-se que não há relação de afeto entre eles, sendo possível perceber que Ana se sente ainda mais desgastada por não conseguir ser continente com a bagunça de Luís e não suportar os momentos em que ele demonstra sua força, virilidade e masculinidade. A avó pareceu identificar nos comportamentos da criança semelhanças com os aspectos ruins de sua filha, que lhe trouxe tanto sofrimento e preocupação. Consequentemente, comportamentos esperados para sua idade não são vistos como tal, mas sim como tentativas de destruição e violência. Desta forma, mais uma vez, o ambiente não favorece que Luís veja-se como uma criança diferenciada do outro, que pode se comportar de forma autônoma, expressando suas necessidades e angústias de forma livre. Em contrapartida, a avó demonstrou intensa identificação com a neta, em uma tentativa de reparar a relação com sua filha, oferecendo-lhe todo cuidado e apoio, até tentando adivinhar suas necessidades. Mais uma vez, nota-se que Luís tem a função de representar a pessoa perigosa e destrutiva da família, que não tem seus elementos bons trabalhados e evidenciados. Esta representação pode ser percebida até mesmo pela criança, que se percebe e se identifica com essas características negativas. Dessa maneira, Luís demonstrou confusão de identidade (inclusive com o nome parecido com o da irmã) imitando vários comportamentos da menina ou ainda demonstrando grande competitividade, como se precisasse assumir o lugar do outro para receber afeto, como se precisasse ser como o outro para ser aceito e amado. Estes comportamentos são reflexos de sua carência sentida por ele, da necessidade de receber afeto devido às privações que sofrera na infância. Apesar disso, deve-se destacar que a criança busca pelo objeto que foi perdido, demonstrando que há esperança e desejo pela mudança (ANDRADE; BEZERRA JR., 2009). Apesar das tentativas da criança em testar o ambiente para receber continência e limites, percebe-se que os avós apresentam dificuldades em suprir a necessidade afetiva e holding da criança. Essa dificuldade pode fazer com que o menino perceba que suas necessidades não podem ser supridas, minimizando seus sinais de esperança e podendo levar a dificuldades na constituição de sua identidade e no estabelecimento de vínculo com o mundo externo. Diante destas considerações apontadas pelo processo de triagem, Luís foi encaminhado para ludoterapia, com o intuito de ajudá-lo a reviver experiências para que seja capaz de retomar o seu processo de desenvolvimento emocional. Além disso, a presença de um terapeuta funcionará como uma figura constante, de confiança e que pode fornecer ritmo, permitindo a 228 vivência da criança de experiências favorecedoras da expressão de si e da relação com o ambiente (MAIA et al., 2007). Ana, devido às demonstrações de ansiedade, impotência e insuficiência, foi encaminhada para um serviço de orientação de pais, no intuito de fornecer um espaço que pudesse auxiliá-la na compreensão das origens e razões para os comportamentos do neto, podendo, assim, ajudá-lo na busca por limites, contenção e diferenciação do mundo externo. Considerações Finais A partir da discussão do caso clínico, depreende-se a relevância e a premente necessidade de compreensão dos sintomas manifestos de uma criança em sua profundidade, no intuito de pensar na melhor maneira de ajudar o paciente e outros envolvidos. Para isso, a dinâmica familiar também deve ser considerada, para que a compreensão da sintomatologia infantil seja aprimorada, bem como do ambiente em que a criança vive. Por se tratar de um estudo de caso, o presente trabalho não tem o objetivo de compreender as dinâmicas que envolvem a agressividade de crianças em outros casos ou contextos. Desta forma, este estudo pretende demonstrar estratégias de investigação e possíveis intervenções para casos como estes, servindo como norteador para outros trabalhos. Entende-se, então, que outros estudos devem ser realizados e divulgados, com o intuito de promover discussões e maior conhecimento a respeito da temática. Referências ANDRADE, E. V.; BEZERRA JR, B. Uma reflexão acerca da prevenção da violência a partir de um estudo sobre a agressividade humana. Ciência e saúde coletiva, v. 14, n. 2, p. 445-453, 2009. BEZERRA JR., B. A violência como degradação do poder e da agressividade. In: Sociedade BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE PORTO ALEGRE (org.). Pensando a violência com Freud. Porto Alegre: SBP de PA, p. 111-122, 2005. MAIA, M. V. C. M.; ZAMORA, M. H. R. N.; VILHENA, J.; BITTENCOURT, M. I. (2007). "Crianças 'impossíveis': quem as quer, quem se importa com elas?" Psicologia em estudo, v. 12, n. 2, p. 335-342, 2007. WINNICOTT, D. W. A agressividade em relação ao desenvolvimento emocional. In: ______. Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, p. 288-304, 2000. WINNICOTT, D. W. Raízes da agressão. In: ______ Privação e delinqüência. São Paulo: Martins Fontes, p. 102-110, 1999. WINNICOTT, D. W. A Família e o desenvolvimento individual. (M. B. Cipolla, Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1997. 264 p. WINNICOTT, D. W. O desenvolvimento da capacidade de se preocupar. In: ______ O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, p. 70-78, 1982. WINNICOTT, D. W. O uso de um objeto e relacionamento através de identificações. In: ______ O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, p. 121-132, 1975. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ BULIMIA NERVOSA: UMA ARTICULAÇÃO ENTRE ASPECTOS EMOCIONAIS E CONFIGURAÇÕES VINCULARES1 229 Carolina Leonidas2; Manoel Antônio dos Santos3 1 Agência de fomento: FAPESP (processo nº 2010/01154-3). Psicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Doutorado da FAPESP. E-mail: [email protected] 2 3 Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Líder do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-USP-CNPq). São Paulo. Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: [email protected] Resumo O presente estudo objetivou investigar possíveis relações entre os aspectos emocionais de uma mulher de 29 anos, com diagnóstico de bulimia nervosa (BN), e o modo como se configura sua rede de apoio social. Os instrumentos utilizados foram: entrevista semiestruturada, Genograma e Mapa de Rede. Observou-se que a rede significativa da participante é ampla, mas apresenta membros mal distribuídos entre os quadrantes do Mapa de Redes e maior concentração em pessoas da família de origem. O acúmulo de eventos estressores contribuiu para a precipitação da BN, dentre os quais se destacam a infidelidade do marido e outras decepções amorosas. Apesar da rede social da participante incluir um número considerável de membros e ter sido considerada ampla, nota-se que essas pessoas não desempenham papel significativo no fornecimento de apoio frente a situações angustiantes, fazendo com que a participante se sinta sozinha e desamparada. Evidenciou-se relação entre aspectos da personalidade e o empobrecimento da rede social, o que parece incrementar os sentimentos de tristeza, solidão e isolamento social, comprometendo o potencial de apoio e intensificando vivências de desamparo e menos valia. Palavras-chave: bulimia nervosa; apoio social; redes sociais; caso clínico. Introdução Os transtornos alimentares (TA) têm recebido grande atenção por parte da mídia, devido à gravidade dos sintomas envolvidos e do grau de morbidade e mortalidade que acometem as pessoas diagnosticadas com esses quadros. A literatura considera que essa problemática tem causas múltiplas e complexas, com sintomas que têm em comum a grave perturbação do comportamento alimentar (BORGES et al., 2006; OLIVEIRA & SANTOS, 2006). A bulimia nervosa (BN) é um dos TA de maior prevalência na população e se caracteriza pela ocorrência de episódios de compulsão alimentar, nos quais o indivíduo ingere grandes quantidades de alimento em curto período de tempo, seguidos de rituais que visam à eliminação do excesso consumido e à manutenção do baixo peso, tais como uso de laxantes, anorexígenos, realização de exercícios físicos excessivos, entre outros (PACCOLA, 2006). Pessoas diagnosticadas com BN apresentam características impulsivas e tendem a ser narcisicamente centradas e instáveis no plano da autoestima e das emoções. Frequentemente apresentam transtorno de personalidade do tipo borderline em comorbidade com o TA. Considerando que o TA pode possibilitar a ocorrência de prejuízos no comportamento social e interpessoal das pessoas acometidas, este estudo teve como objetivo investigar as possíveis relações entre os aspectos emocionais de uma mulher com BN e o modo como se configura sua rede de apoio social. Para tanto, nos apoiamos na conceituação de rede social de Sluzki (1997), de forma combinada com o construto de apoio social proposto por Bullock (2004). Para esta autora, redes sociais devem ser compreendidas em termos estruturais. Importa perceber como se dão as interações que o indivíduo estabelece com as instituições sociais que o envolvem (família, vizinhança, organizações comunitárias e religiosas). Já o construto apoio social coloca o foco nas trocas interpessoais que são estabelecidas entre os membros da rede. 230 Metodologia Este estudo foi desenvolvido segundo enfoque de pesquisa qualitativa, na modalidade de estudo de caso individual. A participante é uma mulher de 29 anos, com diagnóstico de BN, que se encontrava vinculada a um serviço especializado no tratamento de TA. Os instrumentos utilizados foram: roteiro de entrevista semiestruturada, Genograma, Mapa de Redes e consulta ao prontuário hospitalar da participante. Foi obtida aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HC-FMRP-USP, processo nº 2155/2010. As participantes firmaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para preservar o anonimato, a participante recebeu um nome fictício (Marina), escolhido por ela ao final da entrevista. Discussão Marina iniciou o tratamento no serviço especializado no ano de 2006, com 26 anos de idade, relatando que provocava vômitos e restringia a alimentação desde o ano de 2004, quando pesava 75 kg. A participante havia ganho 15 kg após o nascimento de sua filha, que estava com sete anos de idade naquela época. Ao procurar o serviço de saúde, Marina apresentava diagnóstico de AN do tipo bulímico, peso corporal equivalente a 57,6 kg, 1,69 m de altura e IMC = 20,2 kg/m², considerado adequado pelos critérios do DSM-IV-TRTM (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002). Segundo dados do prontuário hospitalar, Marina apresentava grave distorção da imagem corporal, que segundo informações colhidas começou após um problema vivenciado no casamento. Sentia tremores antes e depois das refeições, que diminuíam após os vômitos. No momento da entrevista, realizada em 2010, Marina encontrava-se em seguimento no serviço havia quatro anos. Trabalhava como auxiliar em uma instituição e como dama de companhia de uma pessoa idosa. Havia tido mais um filho, que estava com três anos de idade. O diagnóstico da participante havia evoluído para um quadro de BN, em comorbidade com transtorno de personalidade borderline. A participante pesava 60,7 kg e tinha a mesma altura, apresentando IMC = 21,5 kg/m², considerado compatível com os padrões de normalidade definidos pelo DSM-IV-TRTM. No prontuário hospitalar constava que a participante referia estar se sentindo bem, sem problemas em casa ou no trabalho. Havia se separado do marido, mas este ainda morava na mesma casa com ela e os filhos, apenas dormindo em quarto separado. Apresentava dificuldade para seguir o esquema alimentar sugerido pela nutricionista e apresentava episódios de vômitos de uma a duas vezes por dia. Referia sentir-se gorda. Durante a entrevista, Marina relatou que não recorria aos vômitos após todas as refeições, apenas quando se sentia nervosa ou quando acontecia algo mobilizador em sua vida, como uma decepção. Confidenciou que a descoberta de uma traição do marido foi a frustração inicial que fez com que começasse a se sentir insatisfeita com seu corpo e a dar início aos rituais de restrição e purgação alimentar. O marido havia mantido relações sexuais com a prima da participante, que descobriu a traição e logo passou a apresentar os sintomas de TA. Eu achei, assim, que eu amava ele demais, eu não queria perder ele, imaginava que pelo fato de ele ter me traído com a minha prima, e minha prima era assim, bem magrinha... Eu nunca fui gorda, sempre tive esse corpo... Eu pensei assim: “Nossa ele gosta de mulher bem magra, então se eu ficar assim bem magra igual ela, ele nunca vai largar de mim, não vai me abandonar”. Então foi onde eu comecei a comer e vomitar, fazer regime, daí eu comecei a tomar um monte de remédio, tomei um monte de chá, foi assim que começou tudo. Desde então, Marina considera que o TA “não vai ter cura, não vai ter fim”. Relata que não consegue focar o pensamento em nada além da alimentação, da obsessão com o formato do corpo e o peso. Realiza comparações constantes com sua filha de 11 anos, que segundo ela tem um “corpo lindo. Lindo, lindo, lindo”. 231 Quando ela tá se trocando, tá assim de calcinha e sutiã, eu fico assim, babando. Teve época que assim, eu e ela brigávamos constantemente, até comentei com a psicóloga, ela disse: “Mas não é certo, ela é uma criança, tá se desenvolvendo agora”. E ela, pra me provocar, ela ficava me insultando: “Olha o meu corpo, você não tem meu corpo” [...] E isso me irrita muito, eu falo: “Calma lá, eu ainda vou chegar lá, ainda vou usar as suas roupas, aquele vestido que você não tá usando eu vou usar”. Houve uma época de piora dos sintomas do TA, quando a participante ficou internada durante um mês: ela havia parado totalmente de comer e relatava que não tinha mais vontade de viver e que queria se matar. Apesar da gravidade dos sintomas relatados nessa época, Marina não consegue atribuir essa piora a algum evento estressante ocorrido em sua vida. Houve também um período de melhora, quando a participante teve seu segundo filho. Passou um ano sem frequentar o serviço e achou que havia “se curado”. No entanto, após sofrer o revés de uma nova decepção amorosa, Marina voltou a apresentar os sintomas. Eu acho assim, eu acho que eu fui buscar uma liberdade que eu nunca tive. Eu comecei a namorar meu ex-marido eu tinha dez anos, namorei até os 17. Casei, logo já fiquei grávida, daí fui trabalhar, inventei de trabalhar, comecei como garçonete em uma lanchonete. Daí lá você faz novas amizades, conhece gente nova, e acabei me envolvendo com uma pessoa. Daí o que aconteceu, gostei dessa pessoa, tive um envolvimento, me iludi, daí acho que por causa dessa ilusão que eu tive a recaída. Marina considera que “deu o troco para o marido”, apesar de ter sido “iludida” e de sofrer muito pelo homem por quem se apaixonou depois de se separar. O casamento de Marina havia sido muito conturbado, permeado por traições de ambas as partes e por separações que duravam pouco tempo. A participante relata que “tinha medo de se separar e não ter condições de criar a filha sozinha”, até que passou a acreditar em suas capacidades e decidiu se separar, “ir em busca de sua felicidade”. Desde o início dos sintomas de TA, a participante relata vivenciar muita ansiedade, por querer emagrecer cada vez mais. Também vivencia muitos sentimentos de culpa e arrependimento após a alimentação, por acreditar que não deveria ter comido. Esse sentimento desperta os vômitos, que fazem com que Marina “se sinta pior ainda”. Em função dessa necessidade de vomitar após as refeições, a participante deixou de realizar atividades de lazer que envolvessem comida, tais como ir a festas e lanchonetes. Porque tem lugar assim, principalmente lanchonete, que não tem banheiro, alguma coisa assim, aí você fica no desespero... Às vezes eu tinha que levar sacolinha pra vomitar dentro... Durante a construção do Genograma, Marina contou que era adotada. Relatou que, aos cinco anos de idade, a mãe lhe contou sobre a adoção, mas a participante demorou a desejar conhecer sua família biológica. Quando finalmente decidiu conhecer essa família, se decepcionou muito. Relatou que pensava: “Essa é a mulher que me teve?”, e que não conseguia olhar para a mãe biológica. Atualmente, a participante mantém contato com seus irmãos biológicos, mas mantém distância da mãe em função de um sentimento de raiva em relação a ela. Quanto ao pai, Marina relatou não saber quem é, e quando questionada a respeito, apenas respondeu que nunca se interessou por conhecê-lo. A mãe adotiva foi considerada a principal fonte de apoio de Marina, apesar de considerar que o TA é uma “frescura” da filha e se recusa a acompanhá-la no tratamento. No que concerne a amizades, Marina relata ter poucos amigos e nenhuma amiga de verdade, para quem ela “possa chegar e contar tudo”. As vizinhas constituem a rede de amizades da participante, mas se trata de uma relação conflituosa, na qual as amigas julgam Marina, dizendo que o TA é “frescura” e que ela “quer aparecer”. A rede social significativa da participante é composta por 22 pessoas, caracterizando uma rede ampla: três amigas do trabalho, quatro vizinhas, a faxineira de uma das vizinhas, a filha dessa faxineira, os quatro irmãos adotivos, os três irmãos biológicos, a mãe adotiva, os dois filhos e um sobrinho. Dois psicólogos do serviço também foram inseridos como Relações Íntimas no quadrante do serviço de saúde. Nota-se que a maioria dos membros concentrava-se no quadrante da Família. Os membros da rede social de Marina não mantêm contato entre si – à 232 exceção dos membros da família – e há distância geográfica entre eles, caracterizando uma rede com baixa densidade e alta dispersão. Considerações Finais O presente estudo teve como objetivo investigar as possíveis relações existentes entre a organização emocional de uma mulher com BN e o modo como se configura sua rede de apoio social. Nesse sentido, observou-se que a rede significativa é ampla, porém apresenta membros mal distribuídos entre os quadrantes do Mapa de Rede, havendo maior concentração na família. A ausência de vínculos e de contato entre os membros da rede social, assim como a distância geográfica existente entre eles, caracteriza a rede como dispersa e pouco densa. Tais características da rede podem estar relacionadas com os picos de agravamento dos sintomas do TA, uma vez que estes ocorrem a partir de eventos estressores, durante os quais a participante não pode contar com o apoio da família. Apesar da rede social de Marina incluir um número considerável de membros e ter sido considerada ampla, nota-se que essas pessoas não desempenham papel significativo no fornecimento de apoio no enfrentamento de situações angustiantes, fazendo com que a participante sinta-se sozinha e desamparada. Acredita-se que esses sentimentos podem comprometer o potencial de apoio da rede, intensificando ainda mais as vivências de desamparo e menos valia e, consequentemente, aumentando a vulnerabilidade da paciente e contribuindo para o agravamento dos sintomas de TA. Enfatiza-se a importância de se considerar os aspectos de personalidade, dos vínculos e das redes de apoio social como estratégias facilitadoras e ampliadoras das ações de assistência em saúde. Esse conhecimento pode fornecer subsídios valiosos para o aprimoramento do tratamento dos TA, uma vez que a dimensão relacional está intimamente associada a características de personalidade que, juntamente com outros fatores etiológicos, contribuem para precipitar e manter o quadro psicopatológico. Referências ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM-IV-TRTM – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: Texto revisado. Tradução de C. O. Dornelles, 4ª ed. revisada. Porto Alegre: Artmed, 2002. 329 p. BORGES, N.J.B.G.; SICCHIERI, J.M.F.; RIBEIRO, R.P.P.; MARCHINI, J.S.; SANTOS, J.E. Transtornos alimentares: Quadro clínico. Medicina (Ribeirão Preto), v. 39, n. 3, p. 340-348, 2006. BULLOCK, K. Family social support. In: P. J. Bomar (Org.), Promoting health in families: Apllying research and theory to nursing practice. Philadelphia, PA: Saunders, 2004. p. 141-161. 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Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRPUSP). Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. E-mail: [email protected]. 2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRPUSP). Bolsista de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Email: [email protected]. 3 Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Doutor em Psicologia Clínica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Líder do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde – LEPPS-USPCNPq. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Apoio: CNPq. Endereço: Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-901, Ribeirão Preto-SP. E-mail: [email protected] Resumo Os Transtornos Alimentares (TA) são quadros psicopatológicos nos quais se percebem graves alterações no comportamento alimentar. Aspectos socioculturais, características da personalidade do indivíduo e da dinâmica familiar são fatores desencadeadores e mantenedores dos TA. Sobre a dinâmica familiar, a literatura centra-se nas dificuldades de separação entre mãe e filha. A figura paterna passa quase despercebida, no cenário do tratamento e no meio científico. O presente estudo teve como objetivo investigar aspectos da relação pai-filha no contexto dos TA. Participaram do estudo um pai (Laércio, 55 anos) e sua filha (Vânia, 18 anos) com diagnóstico de Anorexia Nervosa. Ambos responderam, separadamente, a um roteiro de entrevista semiestruturado e ao procedimento de Desenho de Família com Estória (DF-E). O referencial teórico utilizado foi a Psicanálise. Na relação da díade, permeiam desejos pouco elaborados, em que os conflitos são constantemente evitados por meio da idealização, mas que escapam em manifestações sintomáticas, como os sintomas alimentares. A recusa ao alimento aparece como uma forma de evitar o amadurecimento, já que amadurecer significa encontrar melhores possibilidades de elaboração dos próprios desejos, que podem ser conflitantes com as exigências paternas. Os dados apresentados revelam a complexidade das configurações vinculares da relação pai-filha no contexto dos TA. Palavras-chave: Anorexia Nervosa; transtornos alimentares; relação pai-filha; paternidade. Introdução Transtornos Alimentares (TA) são quadros psicopatológicos caracterizados por graves alterações no comportamento alimentar e distorção da imagem corporal (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002). Dentre os TA, Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN) figuram como os quadros mais recorrentes (ANDRADE; SANTOS, 2009). Esses transtornos acometem, predominantemente, adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, de raça branca e com nível socioeconômico alto. Apesar desse padrão, a literatura demonstra mudanças na incidência desses quadros: surgimento em adolescentes mais jovens e em indivíduos do sexo masculino (HAY, 2002). Hoek e Hoeken (2003) verificaram que a incidência de TA é de 8 em 100 mil indivíduos da população por ano. Todavia, não existe um consenso entre a prevalência na população indicada 234 pelos estudos, que apenas concordam no fato de que vem se observando um aumento considerável no número de casos. Com altos índices de morbidade e mortalidade, o tema vem ganhando maior visibilidade social, apresentando-se como um importante desafio à saúde pública no século atual (BIGHETTI et al. 2007). A literatura aponta que a etiologia dos TA é de ordem multifatorial. Dentre os fatores desencadeadores e mantenedores desses quadros, destacam-se propagação de padrões de beleza com medidas antropométricas cada vez menores (OLIVEIRA; HUTZ, 2010), aspectos da personalidade da pessoa, como sentimentos constantes de insatisfação, receio de mudanças, hipersensibilidade e perfeccionismo (ANDRADE; SANTOS, 2009) e aspectos disfuncionais da dinâmica familiar. No que se refere à dinâmica das famílias de pessoas com TA, predomina a dificuldade no estabelecimento de limites nítidos entre os membros, o que leva à confusão entre os papéis que cada um desempenha na organização familiar, prejudicando a constituição da identidade (OLIVEIRA; SANTOS, 2006; SOUZA; SANTOS, 2006). Diversos estudos que relacionam o desenvolvimento dos TA com as dificuldades de separação mãe-bebê (LANE, 2002; MIRANDA, 2010). A literatura aponta a figura de uma mãe que teria dificuldades em se separar do bebê e que, por isso, mantém com o filho um vínculo fusional. Assim, parece que a sintomatologia dos TA estaria associada a problemas desenvolvimentais, localizados na primeira infância, quando os vínculos iniciais estabelecidos com a mãe ainda não possuem um caráter objetal, sendo muito estreitos, quase que fusionais (MIRANDA, 2010). Seguindo esse pressuposto, estudos que abordam a temática dos TA dedicam-se à compreensão das relações estabelecidas entre mãe e filha, sendo que, em contraponto, a figura paterna fica em um segundo plano ou sequer é nomeada (SOUZA; SANTOS, 2006). Contudo, sabese que a figura paterna tem função importante na constituição da personalidade e identidade do indivíduo desde o nascimento (WINNICOTT, 1975; ZIMERMAN, 1999). Nodin e Leal (2005), em estudo que buscava identificar as representações paternas de mulheres com AN, com o auxílio do Teste de Apercepção Temática (TAT), uma técnica projetiva, encontraram que os aspectos intrusivos da relação mãe-filha em pacientes com AN prejudicam a passagem normal da filha pelo período edipiano. Os autores concluem que a figura paterna acaba por ter mais importância por sua ausência do que pela presença ao longo do desenvolvimento psicossexual de indivíduos com Anorexia Nervosa, já que não conseguiria se impor como figura de identificação alternativa pela falta de acesso à triangulação edípica. Sobre a figura paterna, Gabbard (2006) afirma que existe um padrão característico de envolvimento paterno com filhas que desenvolvem AN: seriam pais apoiadores, mas de forma superficial, que “abandoriam” suas filhas nos momentos mais necessários. No que se refere ao desempenho da função paterna dentro do contexto familiar, teorias com fundamentação psicanalítica propõem que o pai exerce fundamentalmente o papel de interventor na dinâmica relacional mãe-bebê, contribuindo com a separação simbólica da díade, o que aconteceria no período edípico (ZIMERMAN, 1999). Já no que concerne às etapas anteriores à vivência do Complexo de Édipo existe pouco desenvolvimento teórico sobre a função paterna. Parece que as teorias que embasam a compreensão do humano acompanham as tradições arraigadas na sociedade: a mulher aparece como a principal cuidadora dos filhos, enquanto que o pai seria o provedor material e econômico. Entretanto, com a inserção da mulher no mercado de trabalho e a emergência dos novos rearranjos familiares nas últimas décadas, observa-se uma tendência a modificações dessa organização familiar. O homem tem sido cada vez mais chamado a dividir com a mulher o cuidado do lar e dos filhos (ROMANELLI, 2003). Winnicott, em uma vertente psicanalítica própria, baseada em uma teoria do amadurecimento humano, também dá um papel de destaque à função materna ao longo de sua obra (ROSA, 2009). Entretanto, a teoria do desenvolvimento emocional desenvolvida pelo autor propõe que, a cada momento do amadurecimento do indivíduo, existe a necessidade de lançar 235 mãos de elementos conceituais diferentes, o que pode ser expandido para a função da figura paterna. Desse modo, no percurso do amadurecimento humano, a cada etapa do desenvolvimento o pai teria uma função diferente na vida do indivíduo, desde seu nascimento. Considerando a escassez de literatura sobre a inserção da figura paterna no contexto dos TA, o presente estudo teve como objetivo investigar aspectos da relação pai-filha no contexto dos TA. Método O presente estudo é exploratório, descritivo e transversal, inserido em um enfoque de pesquisa qualitativa, fundamentada no referencial teórico psicanalítico. Optou-se pela abordagem qualitativa por ser apropriada ao estudo de fenômenos complexos, de natureza social e que não sejam passíveis de quantificação, com o pressuposto de que o entendimento do contexto social e cultural no qual o indivíduo está inserido é elemento importante para o alcance do objetivo da pesquisa (GLAZIER; POWELL, 1992). O referencial psicanalítico foi escolhido porque exige flexibilidade e leveza por parte do pesquisador, de modo a aprimorar a compreensão do objeto de estudo, com a tentativa de captar a dinâmica inconsciente do fenômeno estudado (TRINCA, 2002). Desse modo, a perspectiva psicanalítica apresenta pressupostos teóricos e epistemológicos definidos, mas está sempre sensível e disponível à emergência de novos fatos, que exigem novos esforços teóricos de interpretação. Participaram do estudo um pai e sua filha, que receberam nomes fictícios de Laércio e Vânia, respectivamente. A filha, paciente do Grupo de Apoio em Transtornos Alimentares (GRATA) do HC-FRRP-USP, tem diagnóstico de Anorexia Nervosa do tipo purgativo. Separadamente, responderam a um roteiro de entrevista semiestruturado e completaram o procedimento de Desenho de Família com Estória (DF-E). O roteiro de entrevista semiestruturado abordou questões relativas ao ponto de vista de cada um sobre sua “relação com o outro” da díade pai-filha (como que esta vem se constituindo desde o nascimento da filha até os dias atuais, se houve alterações após o aparecimento do TA e quais são suas perspectivas para o futuro); se percebem influências dos outros membros do contexto familiar no relacionamento entre eles (se existe, como que acontece) e como se dá participação do pai no tratamento da paciente (se existe, como que ela se dá). O procedimento de Desenhos de Família com Estórias (DF-E), instrumento gráfico projetivo de investigação da personalidade, foi introduzido por Trinca (1972) como uma técnica auxiliar na investigação clínica de personalidade, a ser utilizado dentro do contexto do diagnóstico psicológico (Trinca, 1989, 1990). Desse modo, foi proposto como um recurso auxiliar à entrevista clínica, permitindo ampliar e aprofundar o exame das principais áreas de conflito psicológico. Trata-se de uma adaptação tanto de técnicas gráficas quanto temáticas. Teve sua origem na técnica gráfica do Desenho da Família (Corman, 1967) e foi desenvolvido a partir dos padrões do Procedimento de Desenhos-Estórias (Trinca, 1976), que é uma técnica aperceptiva temática. Resultados e Discussão Primeiramente, será apresentada uma caracterização dos participantes, na tentativa de apresentar um panorama geral da vida dos entrevistados. Em seguida será feita a apresentação e análise dos dados obtidos. O pai, Laércio, 55 anos, com ensino médio completo, tinha concluído curso técnico de massagista e estava aposentado. Ele relata ter se aposentado para poder “cuidar melhor da família” (sic), entretanto, ainda trabalhava como massagista. Laércio tem apenas Vânia como filha. Sua esposa aqui será chamada de Patrícia (53 anos). Na casa, além de marido, mulher e filha, residiam a mãe de Laércio e um de seus irmãos, ambos portadores de deficiância. O 236 participante estava casado havia 18 anos. Conta que, na época, decidiu se casar por conta da gravidez da esposa. Vânia, 18 anos, filha de Láercio, havia acabado de interromper o primeiro ano de graduação em Biotecnologia e começado a trabalhar como operadora de telemarketing. A participante relata que interrompeu os estudos porque não estava satisfeita com o curso. Na verdade, ela desejava cursar medicina e pretendia iniciar cursinho pré-vestibular para atingir este objetivo. Havia acabado de iniciar um namoro com um rapaz de 16 anos, que tinha um filho de quatro anos. Relata que o pai não estava satisfeito com esse namoro, porque o rapaz não seria “trabalhador” (sic). Vânia começou a apresentar os sintomas de TA havia cerca de dois anos e meio. Há um ano e meio era atendida pelo GRATA. Laércio se descreveu como um pai protetor e preocupado com a filha, sempre presente no cuidado da mesma: “O relacionamento da gente foi sempre assim, que eu sempre fui um pai coruja, sou um pai coruja” (Laércio). Ele descreve um relacionamento bastante próximo com a filha, em que os dois conseguem dialogar com frequência sobre suas vivências: “Então o que se passa com ela, ela conta pra mim, e o que se passa comigo, algo assim de família, algum problema assim, eu também passo pra ela, então a gente é muito, assim, amigo um do outro”. Pode-se inferir que, em certos momentos, este pai deseja ser como uma mãe para filha, facilitando a confusão de papéis dentro da dinâmica da família: “eu fiz o que uma mãe faria com a filha, eu também fiz como pai [...] a mesma coisa que eu fosse uma mãe orientando uma filha hoje sobre coisas boas e ruins” (Laércio). Segundo ele, a mãe trabalhava muito tempo fora de casa (é concursada em dois cargos públicos), então disse que se aposentou para poder ficar mais tempo em casa e cuidar melhor da filha, de sua mãe e do irmão com necessidades especiais, o que tornou seu relacionamento com a filha mais próximo Winnicott (1975) propõe que o pai, principalmente nas fases inicias do desenvolvimento, tem a função de dar suporte à díade mãe-bebê, podendo exercer, muitas vezes, o papel de uma mãe secundária. Todavia, de acordo com esta teoria, em nenhum momento o pai deve ocupar ou usurpar o papel da mãe, já que ela é a pessoa mais capacitada para compreender as necessidades da criança, devido ao vínculo que se forma entre ambas já no período da gestação. Analisando o relato de Laércio, à luz da obra de Winnicott, infere-se que essa confusão de papéis pode ter causado prejuízos para o desenvolvimento da filha, já que, por mais que o pai se esforce para atender às necessidades da Vânia, ele jamais o fará como a mãe. A justificativa dada pelo pai para essa inversão dos papéis é a extensa e exaustiva jornada de trabalho da mãe. Esse dado lembra a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, que gera, cada vez mais, a necessidade de dividir os cuidados do lar e dos filhos com o homem (Romanelli, 2003). Esses achados se conectam com as contribuições de Nodin e Leal (2005) sobre o fato de que as mudanças recentes na sociedade têm trazido a necessidade da maior participação paterna no cuidado dos filhos, que precisam ser estudadas e incorporadas nas teorias que sustentam a compreensão do ser humano. Assim, antes de caracterizar a dinâmica da família de Laércio como desviante e potencialmente prejudicial para o desenvolvimento da filha, é necessário considerar as características de transição da sociedade contemporânea. O vínculo formado entre pai e filha pode ser visto positivamente, já que indica a presença paterna regular e constante no cuidado da filha, que é um requisito importante para a constituição da identidade do indivíduo (Henningen, 2010). Entretanto, observa-se no relato do pai que ele mostra dificuldade de percepção da individualidade da filha, resultando em certa invasão nas vivências de Vânia. Exemplo disso é quando Laércio contou que julga importante a filha consultar o pai em todo e qualquer processo de tomada de decisões, inclusive em assuntos que envolviam sua intimidade afetiva, como quando relatou que descobriu por si só o envolvimento sexual da filha com o namorado e, por julgar que houve “desrespeito” por parte do rapaz, exigiu que ela interrompesse o namoro, o que não condizia com a vontade de Vânia. 237 Desse modo, percebe-se a dificuldade de ambos em compreender o outro como ser portador de necessidades próprias: o pai não percebe que a filha tem seus próprios desejos e autonomia em relação ao melhor modo de conduzir o namoro e a filha interrompe o namoro em função do desejo do pai, abdicando de seu desejo e se submetendo à sua exigência. A dinâmica do relacionamento estabelecida entre pai e filha lembra o que a literatura traz sobre a relação simbiótica e invasiva entre mães e filhas no contexto dos TA (LANE, 2002; MIRANDA, 2010). Isto possibilita inferir que Laércio, na tentativa de ocupar o lugar deixado em aberto pela mãe nos cuidados da filha, pode ter desenvolvido também características maternas semelhantes àquelas encontradas nas mães de pacientes com TA. O pai se diz apoiador, mas ao mesmo tempo, exigente e, pela enorme preocupação que diz ter com o bem-estar da filha, acaba sendo bastante exigente: “a gente nunca deu castigo e nunca bateu, a gente só é energético [sic] com ela” (Laércio). De acordo com Winnicott (1975), o pai teria importância fundamental para a separação do vínculo fusional entre mãe e filho, com possibilidade de intervir e colocar limites que dêem contorno às atitudes e comportamentos da filha. Nodin e Leal (2005) apontam para o fato de que o pai de filha com TA teria dificuldades de exercer esse papel, contribuindo para a perpetuação do vínculo simbiótico observado com a mãe, fazendo com que o pai, no contexto dos TA, seja uma figura mais conhecida pela ausência do que pela presença. Winnicott (1975) afirma que o pai maduro é aquele que consegue assumir a função de interditor dos desejos da criança, sem com isso tolher sua criatividade e espontaneidade. Assim, é necessário unir o rigor com a demonstração de afeto. O segredo estaria no equilíbrio entre a apresentação da lei e a atitude amorosa. A função paterna pressupõe, portanto, o provimento de doses equilibradas de lei e amor. O exercício da autoridade é, em certa medida, necessário para que o pai possa assumir a função de interventor e interditor da relação mãe-filha, mas também é essencial o fornecimento de um ambiente “suficientemente bom”, que ampare o filho na frustração de seus desejos (ROSA, 2009). Nos dados obtidos com Vânia, principalmente na entrevista, apareceu a tentativa de representação de uma família e um pai idealizados, sem conflitos, o que pode estar indicando tentativa de afastamento dos conflitos vivenciados pela família. Vânia, inicialmente, menciona um pai presente, cuidadoso e atencioso sempre quando necessário. Em certos momentos, ele seria rigoroso, principalmente quando o assunto são os relacionamentos amorosos da filha e a doença, porém, segundo Vânia, é porque ele se preocupa com ela e essa preocupação faria bem para o seu bem-estar. Entretanto, no procedimento do DF-E, apareceu a imagem de um pai extremamente exigente e castrador, em que a demonstração de afeto é confundida com invasão e punição. Nesse sentido, a filha acaba por vivenciar sentimentos ambivalentes em relação à figura paterna: ora a raiva e o desejo de contrariar o pai, ora o sentimento de culpa por sentir que não corresponde às expectativas paternas. Sabe-se que o indivíduo acometido por TA apresenta marcada dificuldade em se separar do ambiente familiar e amadurecer psiquicamente (MIRANDA, 2010). Esse padrão imaturo de relacionamento, no qual o pai teme o crescimento da filha e esta, por sua vez, teme a não aceitação do pai ao manifestar seus movimentos no sentido do amadurecimento e diferenciação, parece reforçar e manter a sintomatologia. Na relação da díade estudada permeiam desejos pouco elaborados, nos quais os conflitos estão sendo constantemente evitados por meio da idealização do ambiente familiar, mas que escapam em manifestações sintomáticas, como o próprio quadro de TA. Pode-se pensar que a recusa ao alimento aparece como uma forma de evitar o amadurecimento: a filha com dificuldade em lidar com seus próprios desejos, que podem ser conflitantes com as vontades do pai, e uma figura paterna com dificuldade de respeitar os limites da individualidade da filha e aceitar o seu processo de crescimento, por temer inconscientemente perder seu controle sobre a mesma. 238 Amadurecer significa encontrar melhores possibilidades de elaboração dos próprios desejos, rumo a novas sínteses que permitam um remanejamento em novas bases das necessidades e conflitos inerentes ao amadurecimento. Parece que, em certa medida, pai e e filha estão encontrando dificuldades em lidar com esse processo, apontando para uma família com dificuldades de estabelecer limites entre seus membros, o que corrobora a literatura da área (OLIVEIRA; SANTOS, 2006; SOUZA; SANTOS, 2006). Considerações Finais Ao adotar a estratégia de estudo de caso, o presente estudo reuniu uma amostra bastante circunscrita da população clínica, não permitindo generalização dos resultados, como toda pesquisa com enfoque qualitativo. Entretanto, espera-se que os dados encontrados possam incitar a realização de novas investigações, contribuindo com o desenvolvimento de pesquisas futuras relacionadas a temáticas que envolvam a figura paterna, ainda desconhecida no âmbito da produção de conhecimento sobre os TA. Devido ao número reduzido de estudos que trabalhem especificamente com o relacionamento pai-filho no contexto dos TA, assim como à escassez das contribuições teóricas no referencial psicanalítico sobre a função paterna em etapas precoces do desenvolvimento, encontrou-se dificuldade de estabelecimento do diálogo com a literatura. Apesar dessas limitações do estudo, percebe-se que, em parte, os dados encontrados corroboram o que se tem documentado sobre a figura paterna no contexto dos TA: pais com dificuldades de se aproximarem afetivamente das filhas e em exercer sua função de interventor no período das vivências edípicas, o que favorece a perpetuação do vínculo simbiótico entre mães e filhas. Essa condição é entendida pela literatura psicanalítica como um dos principais elementos constitutivos da subjetividade das pessoas que desenvolvem um TA. No entanto, no caso investigado notou-se uma particularidade que vale a pena ser ressaltada. O padrão de vinculação de Laércio com a filha é semelhante ao observado com as mães de pacientes com TA, resultando em um vínculo ambivalente e conflitivo. Esse achado aponta para a necessidade de novos estudos, pois denota que os padrões de relacionamento esperados dentro das famílias que têm um membro acometido pelo TA não são estanques. Os dados apresentados sugerem a complexidade das configurações vinculares que a relação pai-filha pode assumir no contexto dos TA e que a figura paterna assume grande importância na dinâmica dos TA, o que torna imprescindível sua abordagem tanto no tratamento, quanto no plano da pesquisa acadêmica. Referências ANDRADE, T. F.; SANTOS, M. A. A experiência corporal de um adolescente com transtorno alimentar. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v.12 n. 3, p. 454-468, 2009. ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM-IV-TRTM - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos alimentares: Texto revisado (Cláudia Oliveira Dornelles, Trad.) (4. ed. rev.). Porto Alegre: Artmed, 2002. BIGHETTI, F., SANTOS, M. A., RIBEIRO, R. P. P., OLIVEIRA, E. A., UNAMUNO, M. R. L., DOS SANTOS, J. E. Transtornos alimentares: anorexia e bulimia nervosas. In: C. E. Kalinowski (Org.), PROENF, Programas de Atualização em Enfermagem, Saúde do Adulto. Ciclo 2, Módulo 2. 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Email: [email protected] Resumo 240 Este trabalho nasceu do projeto de pesquisa para o Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica da Universidade Presbiteriana Mackenzie que teve como objetivo geral aprofundar o conhecimento sobre a percepção do homem contemporâneo acerca do processo de reconstrução de papéis masculino e feminino, vivenciados na conjugalidade. Buscou-se realizar um recorte da pesquisa, de caráter qualitativo exploratório, por meio da apresentação da análise obtida, à luz da teoria psicanalítica, de um dos quatro participantes selecionados por uma amostra por conveniência, com o intuito de identificar os “novos” papéis desempenhados e possíveis efeitos intrapsíquicos e inter-relacionais das modificações apontadas. Utilizou-se como instrumentos de coleta a entrevista semi-estruturada, cujo roteiro contemplou quatro eixos temáticos: família de origem; história do casal, filhos e percepção dos papéis na conjugalidade, e as pranchas 1, 4, 8RH, 10, 11, 13HF, 18HF e 16 do Teste de Apercepção Temática. Os resultados apontaram que, embora o sujeito reconheça os “novos papéis” na conjugalidade, a manutenção do relacionamento parece estar estritamente ligada às representações sociais dos gêneros. Observou-se que há muito a ser trabalhado no que se refere ao rompimento dos estereótipos que ainda aparecem de modo predominantemente patriarcal, o que acaba resultando em sofrimento e estranhamento nas relações conjugais. Palavras-chave: Conjugalidade; Papéis de gênero masculino e feminino; Pós-Modernidade. Introdução Este trabalho nasceu do interesse da pesquisadora em compreender um pouco mais a subjetividade masculina frente às transformações na estrutura da família tradicional burguesa, ocorridas a partir da segunda metade do século XX, uma vez que fatores como a ampliação do estado de direito e da democracia, o movimento de libertação da mulher, a abertura do mercado de trabalho à mão-de-obra feminina e a possibilidade de que relações insatisfatórias pudessem ser resolvidas com o rompimento conjugal, contribuíram para que houvesse mudanças gradativas nos papéis sociais de seus integrantes e nos padrões de interação conjugal (NETO; FÉRES-CARNEIRO, 2005). A modernidade é compreendida como a sociedade industrial, descendente da máquina, produtora de artigos padronizados em série, que teve origem no casamento da Ciência com a Liberdade individual burguesa. (SANTOS, 2000). O pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando a tecnologia eletrônica (individual e de massa) começou a invadir o cotidiano do mundo ocidental, visando a sua saturação com informações, diversões e serviços, na tentativa de seduzir e arrebanhar os sujeitos ao consumo. Esse período parece encarnar atualmente estilos de vida pautados no niillismo, como o vazio, a ausência de valores, e no hedonismo, em que os sujeitos se entregam ao presente, ao prazer imediato, ao consumo e ao individualismo (SANTOS, 2000). O mundo pós-moderno significa um mundo mediado por um diversificado aparato tecnológico de comunicação que, à sua maneira, simulam ou hiper-realizam as informações veiculadas, transformando-as em espetáculo (SANTOS, 2000). Entende-se, como relações conjugais, o envolvimento entre homens e mulheres (com o mesmo sexo ou com o sexo oposto) por meio do estabelecimento de laços de natureza sexual e afetiva que levam os parceiros a desejar uma vida compartilhada, independente da necessidade de procriação ou dos ritos, civil ou religioso, de institucionalização dessa união (OSÓRIO, 2002). A conjugalidade é compreendida como uma dinâmica relacional própria de cada casal, independente de ser homo ou heteroafetiva, de modo que a trajetória construída pelos parceiros depende de fatores pessoais, interpessoais, transgeracionais, econômicos, sociais e culturais (DINIZ, 2011). No decorrer do relacionamento, o casal constrói também um contrato inconsciente no qual cada um projeta o que traz consigo em relação às suas heranças familiares que vão sendo resssignificadas e transformadas ao longo do tempo e das vivências (PINCUS; DARE, 1981). Os casais desenvolvem, constroem uma realidade compartilhada em que as premissas individuais são modeladas reciprocamente, reforçadas ou modificadas ao longo do tempo, por meio das 241 experiências que passam juntos. Neste contrato estão inclusos os valores, os mitos, as ideias e expectativas para o futuro (WALSH, 2002). Sabe-se que na modernidade, os papéis eram claramente definidos, os valores atribuídos à instituição casamento eram intocáveis: as mulheres responsáveis pelas tarefas domésticas e educação dos filhos e os homens responsáveis em prover o sustento da família, assumindo papel de autoridade, garantindo que fossem cumpridas as regras socialmente estabelecidas (NETO; FÉRES-CARNEIRO, 2005). Nesse sistema de pensamento o poder era atribuído ao masculino (PAVLOVSKY, 1994). Atualmente, o que caracteriza uma família pós-moderna é a inexistência de um modelo dominante: o papel da mulher como “rainha do lar”, se confronta com o de profissional, de esposa, enquanto o homem perde seu papel de poder sobre a família (NETO; FÉRES-CARNEIRO, 2005). O casamento pós-moderno vai substituindo o modelo tradicional por novas representações que vão estabelecendo uma co-existência ou uma intersecção entre o novo e o velho, de forma que as consequências são claramente visíveis no desenvolvimento emocional do ser humano e nas diversas formas de sofrimento psíquico decorrentes (GOMES, 2006). Parece que o modelo de masculinidade esperado para o “novo” homem está baseado na capacidade de demonstrar sentimentos, de executar tarefas domésticas, participar na educação dos filhos e admitir a possibilidade de falhas no intercurso sexual (SILVA, 2006). Assim, perguntase: qual a visão do homem contemporâneo diante desse processo de reconstrução de papéis (masculino e feminino), vivenciados na conjugalidade? Este trabalho teve por objetivo aprofundar o conhecimento sobre a percepção do homem contemporâneo acerca do processo de reconstrução dos papéis vivenciados na conjugalidade, ou seja, dentro da instituição casamento. Para isso, buscou-se identificar, a partir do discurso de um dos sujeitos estudados, os “novos” papéis desempenhados por homens e mulheres assim como possíveis efeitos intrapsíquicos e inter-relacionais das modificações apontadas. Do ponto de vista acadêmico, este estudo se torna relevante devido à escassez de trabalhos científicos que tenham tido como foco a escuta do homem, que se tem percebido obrigado a rever o seu lugar nas relações com o sexo oposto e os seus modelos de masculinidade (SILVA, 2006). Do ponto de vista social, este estudo pode oferecer subsídios, para homens e mulheres, rumo ao encontro de um ponto de equilíbrio entre ambos os gêneros, que permitam que os sujeitos se sintam mais confortáveis junto ao sexo oposto. Metodologia O método de pesquisa utilizado no presente estudo foi do tipo qualitativo exploratório (MINAYO, 2002), que permite um conhecimento aprofundado de um determinado fenômeno. Ou seja, a pesquisa do tipo exploratória é utilizada quando se pretende examinar um tema pouco estudado (SAMPIERI et. al, 2006). O delineamento da amostra foi por conveniência, o que pressupõe uma amostra não probabilística, com participação voluntária e/ou aleatória (SAMPIERI et. al, 2006) de quatro homens, heterossexuais, casados ou em união estável há no mínimo um ano, com idades entre 25 e 60 anos, economicamente ativos, com o ensino fundamental completo e que não possuíssem vínculos com a pesquisadora. Utilizou-se como critério de exclusão sujeitos que estivessem passando por um período de crise ou término de relacionamento nos últimos seis meses. Tendo em vista os objetivos da pesquisa, optou-se pela realização de uma entrevista individual semi-estruturada, cujo roteiro baseou-se no guia de entrevista familiar e conjugal (PAIVA, 2009). Entretanto, para atender exclusivamente aos objetivos do estudo, o roteiro (Anexo I) foi adaptado de forma a contemplar quatro eixos temáticos: família de origem; história do casal, filhos e percepção dos papéis na conjugalidade. Segundo Minayo (2002), e entrevista semidirigida permite que o entrevistado discorra livremente sobre o tema proposto. 242 Além da entrevista realizou-se a aplicação de um teste projetivo, mais precisamente, as pranchas 1, 4, 8RH, 10, 11, 13HF, 18HF e 16 do Teste de Apercepção Temática (TAT). Segundo Silva (1989), a técnica projetiva refere-se à abordagem de aspectos qualitativos e psicológicos que permitem uma interação dinâmica entre os objetos do mundo externo e do mundo interno do sujeito. Tais pranchas foram selecionadas pelo fato das respectivas normas temáticas evocarem aspectos que vão ao encontro dos objetivos desse estudo. O TAT, ao contrário da entrevista, é capaz de trazer um rico panorama do mundo interno (inconsciente) do mesmo (FREITAS, 2000). Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie, os participantes foram contactados por telefone ou por email. A partir da disponibilidade do participante, conforme a Carta de Informação à Instituição e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo II), foi agendado um encontro com o mesmo em um ambiente em um local reservado, devidamente apropriado e preparado para aplicação dos instrumentos e para a coleta dos dados, que pudesse garantir a privacidade e a tranqüilidade necessária ao encontro. Foi oferecida aos participantes uma entrevista devolutiva com o intuito de informá-los acerca dos principais resultados da pesquisa, como forma de beneficiá-los. A análise do TAT foi, inicialmente, realizada individualmente, segundo o modelo interpretativo de Murray, conforme manual original do teste (MURRAY, 1943). Procedeu-se a análise formal e a de conteúdo, destacando todas as reações, verbais e não-verbais, precedentes ao início da narração; examinando as histórias do sujeito e a sua conduta durante a testagem, pois considerou-se que a partir dos conteúdos manifestos e latentes seria possível abstrair dados significativos (FREITAS, 2000). Do material obtido na entrevista foi realizada a análise de conteúdo, que consiste em uma análise de dados que trabalha com a palavra, permitindo produzir inferências do conteúdo trazido pelo sujeito, a partir da qual se busca categorizar as unidades de texto (palavras ou frases) que se repetem, inferindo uma expressão que as representem (MINAYO, 2002). Em outras palavras, as categorias se referem ao agrupamento de idéias ou de expressões, que apresentem elementos ou características comuns, em torno de um conceito que as abarque. O desenvolvimento da análise qualitativa se dá como uma espiral, que cobre várias facetas do mesmo objeto de estudo (SAMPIERI et. al, 2006). Assim, pretendeu-se organizar e interpretar as unidades, categorias, temas e padrões; compreender profundamente o contexto dos dados; descrevendo a experiência dos sujeitos estudados, utilizando-se da sua linguagem e expressões próprias e, por fim, relacionando os resultados à luz da teoria psicanalítica. Resultados e discussão Após o levantamento dos dados por meio de uma entrevista semi-estruturada e da aplicação do Teste de Apercepção Temática (TAT) com quatro homens heterossexuais, casados ou vivendo em união estável, elegeu-se um dos participantes para apresentação e discussão dos resultados, o qual será aqui denominado Fernando, nome fictício. A escolha do participante a ser apresentado foi decorrente da consonância entre os dados coletados e os objetivos da pesquisa. Casal Marido Esposa Idade 36 38 Escolaridade Superior completo Superior completo Profissão/ocupação Professor Advogada Filhos 1 filho de um ano Constelação familiar O casal e o filho Tempo de relacionamento 6 anos 243 Tabela 1 – Caracterização do sujeito participante Entrevista A seguir serão apresentadas as categorias de resposta que foram estabelecidas com o material da entrevista. O roteiro de entrevista foi adaptado de PAIVA (2009) e para fins de análise foram criadas quatro categorias de análise: família de origem; história do casal; filhos e a percepção dos papéis na conjugalidade. Conforme a tabela acima, Fernando, o sujeito entrevistado, possui 36 anos de idade, está casado há 6 anos e possui um filho de um ano. Sua esposa é dois anos mais velha do que ele, ambos são economicamente ativos e possuem nível superior completo. Vale ressaltar que a entrevista foi realizada somente com o marido. Família de origem Constituída pelo pai, pela mãe e irmão mais novo, foi descrita como “conflituosa” (sic), pois o Fernando presenciava brigas entre os pais constantemente. Tais desentendimentos levaram os pais à separação quando o mesmo era criança. Na adolescência, foi morar com o pai, com quem permaneceu durante alguns anos. Posteriormente, ao morar com a mãe, relatou que a mesma sustentava a casa e que ele teve que ajudar nas tarefas domésticas. Afirmou ter se tornado um adulto que não acreditava no casamento devido ao modo ele compreendia o relacionamento dos seus pais. Acrescentou que o pai faleceu há alguns anos e o deixou com muitas dívidas. A dinâmica da família de origem pareceu ter sido uma referência importante para o sujeito, pois o sentido atribuído a ela se refere a um modelo que deve ser seguido ou, pelo contrário, um modelo que deve ser modificado. Isto é, as experiências vivenciadas na família de origem pareceram constituir uma referência positiva ou negativa, que ele utiliza, consciente e/ou inconscientemente, como elementos importantes para fundamentar os seus valores, as suas crenças e as suas escolhas (PINCUS; DARE, 1981). Por exemplo, o fato de ele ter associado a separação dos seus pais, quando era bem pequeno, à sua descrença no casamento. Nesse sentido, conforme Chodorow (1979), a organização inconsciente, proveniente da natureza e da qualidade das relações sociais vivenciadas na infância, é de suma importância para a constituição da identidade de gênero masculino/feminino que o sujeito desempenha na vida adulta. História do casal Conheceram-se fazendo durante as aulas de um curso de inglês que fizeram juntos. O modo como se deu a escolha da parceira e a união pareceu ter sido um tema difícil para o participante, pois demonstrou nunca ter pensado objetivamente sobre isso, as falas se referiram a algo que “foi acontecendo” (sic). O relacionamento teve início com forte desejo sexual, sem maior compromisso e envolvimento, inclusive, porque o mesmo “não acreditava no casamento” (sic), porém, ao vivenciar uma situação de perda e de fragilidade concomitante ao acolhimento oferecido pela parceira, o relacionamento adquiriu outra conotação e maior profundidade. O sujeito apontou o fato de a esposa ser um tanto conservadora, no sentido de praticar uma religião, de cuidar do marido e de “achar que homem não cozinha” (sic) ter lhe chamado à atenção, pois tais características não estavam presentes na sua família de origem. Nesse caso, a escolha da parceira parece ter acontecido de um modo tipicamente pós-moderno, pautado em valores niillistas e hedonistas, em que o sujeito se entregou ao presente, ao prazer momentâneo, volátil (SANTOS, 2000). Entretanto, a situação narrada parece ter simbolizado o contrato inconsciente (PINCUS; DARE,1981) estabelecido pelo casal, pois na medida em que cada um projetou no outro os conteúdos relacionados às suas heranças familiares, como a “descrença no casamento” (sic) e a ideia de que “homem não cozinha” (sic), ambos puderam resssignificar e transformar certos valores e crenças, ao longo do tempo e das vivências do que passaram juntos. 244 Filhos A decisão de ter filho partiu da esposa, pois, na época, estava bastante comprometido com o trabalho. Relatou esse período como um momento difícil do relacionamento porque sua esposa “chegava em casa chorando ao saber que sua colega de trabalho havia engravidado” (sic). Após o nascimento do filho, o casal teve menos tempo para o relacionamento, diminuição da frequência e da satisfação sexual. Relatou a diminuição da atenção da parceira (que está dividida entre o marido e o filho) de forma um tanto queixosa, remetendo a revivência da triangulação edípica. Acrescentou que, após o nascimento do filho, predominam as ações de ordem prática como, por exemplo, troca de fraldas, mamadeira, etc. Afirmou ajudar a esposa, distraindo a criança enquanto a mesma realiza os cuidados. Papéis na conjugalidade Declarou compartilhar as despesas e as tarefas domésticas com a esposa. Concorda que os homens devem ajudar no cuidado com os filhos e que as mulheres adquiriram os mesmos direitos. Isto é, percebe a presença da mulher no mercado de trabalho como algo positivo, bem como a sua contribuição financeira nas despesas domésticas. Nesse sentido, o discurso do sujeito aponta, conforme Neto e Féres-Carneiro (2005), para mudanças gradativas nos papéis sociais dentro da relação conjugal, pois, segundo a fala dos entrevistados, os papéis não estão pautados, como na era burguesa, em funções claramente definidas e, portanto, permite-se uma flexibilização das tarefas e funções assumidas entre homens e mulheres. A atenção que a esposa dispensa com os problemas da sua família de origem e a superproteção que oferece ao filho o incomodam e geram conflitos. Para Gomes e Paiva (2003), os conflitos que permeiam a dinâmica do casal pós-moderno estão atrelados às dificuldades no estabelecimento dos papéis do homem e da mulher, entretanto, os dados das entrevistas foram insuficientes para se alcançar a mesma compreensão, mas levantam a hipótese de que estas dificuldades referentes ao estabelecimento dos papéis geram ansiedade, pois o sujeito se queixou de não ter o mesmo espaço que tinha no relacionamento antes de o nascimento do filho e se remeteu às expectativas que possuem em relação à mulher, ou seja, há percepção do predomínio do papel de mãe em detrimento do de esposa. Contribuições do Teste de Apercepção Temática (TAT) ao estudo da percepção do homem contemporâneo acerca dos “novos” papéis desempenhados por homens e mulheres. Nos protocolos do TAT, o sujeito pesquisado se identificou com a figura masculina, pois na criação das histórias, os protagonistas (heróis) eram descritos como “rapaz”, “menino” ou “homem”. Entretanto, os impulsos agressivos foram direcionados a figura paterna como, por exemplo, na prancha 8RH, em que narrou “Esse menino, Joseph, viu o seu pai ser morto (...) O assalto matou ele” (sic). Tal fato foi de encontro com o relato do sujeito, durante a entrevista, sobre o relacionamento com o pai, em que o mesmo afirmou ter sido bastante conturbado, pois o pai o deixou com muitas dívidas. Entretanto, as dívidas também apareceram nas suas histórias, transcendendo o seu valor monetário e adquirindo, no plano inconsciente, um valor afetivo, aparece como dívida simbólica, ou seja, uma dívida que não se paga efetivamente, com a qual se aprende a conviver. Na sua produção, também se destacou a prancha 18RH, em que a norma temática o serviu de gatilho para que relatasse o conflito entre um desejo homossexual e um desejo heterossexual, conforme a seguinte narração: “João bebeu bastante neste dia, foi pra uma festa, sua mulher está viajando, não está com ele. Ele nem sabe onde parou. Está gostando muito de uma massagem, precisa relaxar. Não sabe que são mãos de outro homem. Acabou parando num clube gay (pausa). Ele ainda vai esfregar o seu rosto no desse homem, vai sentir bastante prazer, até 245 perceber... se sentir enojado e se afastar. Vai vomitar e vão deixar ele dormir num canto. Quando acordar, vai se lembrar de algumas coisas, vai ter uns flashes e voltar para casa” (sic). Dessa maneira, a sexualidade parece ser uma temática mobilizadora de conflitos e como um campo que mereceria maior aprofundamento. Por fim, na prancha 16, frente a qual comumente se observam histórias auto-biográficas e de conteúdo idealizado, o sujeito narrou uma história sobre um dia feliz de um homem com sua esposa, em um uma viagem. Relatou que “João levou sua mulher pra ver a neve. Ela nunca tinha visto. Fazia tempo que não viajavam desde que o filho tinha nascido. (...) Tinha medo que M. [a esposa] não parasse de ficar pensando no filho. M. continuava muito preocupada com o filho. Aí eles entraram no skype, viram que estava tudo bem e o J. também ficou mais tranquilo” (sic). Nessa cena, a revivência da triangulação edípica ficou bem aparente, coincidindo com o relato da entrevista em que ele afirmou que sua esposa se encontrava bastante voltada para o filho e que o casal, passava por um período que tinham menos espaço para o relacionamento. Assim, a prancha permitiu a projeção desse desejo de ter a mulher para si, mas também a projeção da culpa por separá-la do filho. Considerações finais Este trabalho teve por objetivo apresentar um recorte do projeto de pesquisa para o Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que teve como objetivo geral que se propôs a aprofundar o conhecimento sobre a percepção do homem contemporâneo acerca do processo de reconstrução de papéis masculino e feminino, vivenciados na conjugalidade. Mais especificamente, buscou identificar, os “novos” papéis desempenhados por homens e mulheres, assim como possíveis efeitos intrapsíquicos e interrelacionais das modificações apontadas. Ao mesmo tempo, há de se considerar o caráter qualitativo deste estudo, do tipo exploratório, que teve como foco a singularidade dos participantes. Desse modo, elegeu-se um dos quatro participantes da pesquisa em questão e os resultados apontaram que, em relação à família de origem, houve mudanças na distribuição de tarefas domésticas e igualdade de direitos entre homens e mulheres na vida conjugal, pois ambos cônjuges estão inseridos no mercado de trabalho e compartilham das responsabilidades financeiras. Entretanto, o sujeito pesquisado parece valorizar peculiaridades que demarcam as diferenças entre os gêneros tais como os símbolos de força atribuídos aos homens e de delicadeza atribuído às mulheres. Isto é, ele percebe de forma positiva os “novos” papéis na conjugalidade, mas as fantasias que envolvem a escolha da parceira e a manutenção do relacionamento estão ligadas às representações inconscientes de masculino e feminino. Nesse ponto, os modelos parentais da família de origem parecem ter contribuído significativamente. Ao mesmo tempo, embora o discurso masculino durante a entrevista tenha apontado para um marido bastante solícito às necessidades domésticas, o material obtido por meio da técnica projetiva demonstrou que, talvez, o sujeito ainda não tenha se apropriado efetivamente do mundo doméstico e, ao contrário do que discurso lógico apresenta, o material subjetivo aponta para um aprisionamento aos modelos tradicionais no que se refere ao feminino e ao masculino. A sexualidade, termo sexualidade utilizado aqui num sentido ampliado, freudiano, e não só sinônimo de relação sexual genital, dos sujeitos pesquisados pareceu um campo problemático, enigmático para os participantes, na medida em que emergiu, no material projetivo, como uma fonte de conflitos, possivelmente decorrentes dainversão nos papéis relacionados ao gênero masculino e feminino e não efetivas modificações. Nesse sentido, percebeu-se a necessidade de novos estudos que pudessem aprofundar essa temática. Referências CHODOROW, N. Estrutura familiar e personalidade feminina. In: ROSALDO, M. Z.; LAMPHERE, L (Org.) A Mulher, a cultura e a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terrra, 1979. 246 DINIZ, G. Conjugalidade e violência: reflexões sob uma óptica de gênero. In: Casal e família: conjugalidade, parentalidade e psicoterapia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011. FERNÁNDEZ, A. A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporalidade e da aprendizagem. 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Líder do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde LEPPS-USP-CNPq. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Endereço: Avenida Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-901, Ribeirão Preto-SP. E-mail: [email protected] 2 Psicóloga. Doutoranda em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Bolsista de Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde - NEPPS-USP-CNPq. Email: [email protected] Resumo Nas últimas décadas a mulher ingressou no mercado de trabalho e desenvolveu competências profissionais, avanços conquistados por abdicar de parte de seu tempo dedicado à identidade tradicional feminina de esposa e mãe. Este estudo tem por objetivo compreender as vivências dos papéis femininos pela mulher, por meio dos diálogos mantidos no grupo de apoio de um serviço de reabilitação de mastectomizadas. Foram analisadas as convergências das falas das mulheres produzidas ao longo de um conjunto de oito encontros grupais, o que permitiu a construção de seis categorias temáticas: 1- Redescobrindo-se mulher após o câncer, com desejo de viver novos relacionamentos amorosos; 2- Tendo vontade de conhecer lugares não familiares e experimentar novas emoções na vida; 3- Repensando as relações familiares e o sentido de família; 4- Redimensionando o papel de mãe; 5- Sentindo vontade de aprender novas habilidades e capacitar-se, buscando um novo ofício e 6- Compartilhando experiências bem-sucedidas no grupo. O grupo apresentou-se com um recurso útil para a expressão das demandas psíquicas em relação aos papéis tradicionais de gênero (feminino versus masculino). Este estudo fornece subsídios para sensibilizar a escuta profissional, de modo a garantir um cuidado integral que leve em consideração os aspectos subjetivos da mulher mastectomizada. (CAPES) Palavras-chave: câncer de mama, identidade, gênero, grupo de apoio. Introdução O câncer de mama é o segundo tipo de neoplasia que mais frequentemente afeta as mulheres e um dos mais associados a desfecho fatal. O câncer ainda carrega o estigma da morte e é encarado pela população como um mistério temido. Seu caráter estigmatizante é muito difícil de ser neutralizado. Durante muito tempo foi considerado contagioso. A comunicação direta do diagnóstico ao paciente foi velada pelos médicos, por medo de que as pessoas sucumbissem ao saber da verdade (SONTAG, 1984). Para Vieira, Lopes e Shimo (2007), as experiências relacionadas com o câncer de mama têm um significado individual e representações diferenciadas para cada mulher que as vivencia, mas ressalvam que existem muitos sentimentos de ordem universal que atravessam essa clientela, tais como: a dor existencial de adoecer, raiva, perdas enfrentadas, estresse, depressão e a falta de fé na cura, independentemente da idade e do estado civil. Os autores relevam que é importante considerar o contexto em que a paciente vive, como sua condição socioeconômica e ocupacional, bem como a rede de apoio psicossocial. No contexto de adoecimento, o foco nas entidades concretas e aparentemente dissociadas das trocas subjetivas do cotidiano dos sujeitos, como a informação, a resposta e os modelos teóricos, pouco elucida a respeito de como se constitui o contexto terapêutico (NEUBERN, 2004). Segundo o autor, a ausência de espaço para reflexão sobre a singularidade dos sujeitos, a diversidade de suas experiências, a sutileza de processos simbólicos e comunicacionais das relações vinculares, impossibilitam a compreensão mais abrangente do que faz com que um contexto se torne terapêutico. De acordo com Bechelli e Santos (2004), a psicoterapia de grupo começou a constituir-se como campo de intervenção psicológica a partir de 1905 e caminha atualmente para ampliar a especificidade de sua aplicação em condições médicas e psicossociais. Para Yalom (2006), a 248 terapia de grupo é uma forma bastante efetiva de psicoterapia e pelo menos equivalente à psicoterapia individual em sua capacidade de proporcionar benefícios significativos. Segundo Guanaes e Japur (2001), a psicoterapia de grupo tem apresentado um acentuado crescimento na realidade brasileira, constituindo um dos principais recursos terapêuticos nos mais diferentes contextos de atendimento, sobretudo nas instituições. Tratam-se de grupos caracterizados pela definição de objetivos realistas e específicos, por uma relativa homogeneidade entre seus participantes, principalmente em relação à diagnósticos clínicos ou situações interpessoais similares, e por posturas mais ativas por parte do terapeuta de grupo. Desse modo, os grupos adquirem a função de ajudar as pessoas a lidarem com o estresse relacionado a situações emocionais ou crises. Uma das modalidades psicoterapêuticas mais utilizadas nas instituições de saúde é o grupo de apoio. No contexto do câncer de mama, essa estratégia tem sido largamente empregada em serviços de reabilitação psicossocial. Como se trata de uma doença que afeta diretamente a identidade e a sexualidade feminina, tendo em vista os significados associados ao órgão comprometido pelo tumor (DUARTE; ANDRADE, 2003), é importante considerar o impacto deflagrado sobre os papéis sociais desempenhados pela mulher acometida. Considerando esses pressupostos, este estudo teve por objetivo compreender as vivências dos papéis femininos pela mulher contemporânea, na perspectiva de mulheres com câncer de mama, por meio dos diálogos mantidos no grupo de apoio de um serviço de reabilitação de mastectomizadas. Método Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, conduzido dentro de um enfoque de pesquisa qualitativa. A abordagem qualitativa foi escolhida por se tratar de um estudo em condições naturalísticas, ou seja, aproveitando um contexto de tratamento preexistente. Isso significa que a existência do grupo precedeu a investigação e que o grupo teve continuidade depois de encerrado a pesquisa. Cenário do estudo Este estudo teve como cenário um serviço multiprofissional de reabilitação de mulheres mastectomizadas. O grupo de apoio tem caráter não-diretivo, o que facilita a interação das participantes e permite que os assuntos sejam espontaneamente trazidos para o centro das discussões, podendo constituir o foco do trabalho. Essa dinâmica favorece o cuidado das necessidades psicoemocionais, contribuindo para promover uma reflexão sobre as questões que afetam o cotidiano das participantes. Por se tratar de um grupo aberto, o número de participantes é variável – entre 20 e 40 mulheres em cada encontro – e a composição de cada encontro é única. O grupo é iniciado com uma rodada de apresentações, na qual as integrantes declinam seus nomes. Em seguida, abre-se a palavra às participantes, que são convidadas a exporem livremente suas questões, experiências, dúvidas ou problemas enfrentados em seu cotidiano, desencadeando o surgimento espontâneo dos assuntos, que catalisarão as atenções. Estabelece-se, assim, a dinâmica que conduzirá os processos dialógicos entre as mulheres presentes em cada encontro. Coleta de dados A coleta de dados foi realizada durante os grupos verbais realizados. O recorte utilizado neste estudo corresponde a oito sessões, realizadas com frequência semanal em um período de dois meses, transcritas pela pesquisadora em diário de campo. Os encontros foram registrados na íntegra. A descrição realizada possibilita que a pesquisadora tenha maior liberdade para reproduzir, posteriormente, o material verbal produzido, além de permitir-lhe maior fluidez e 249 disponibilidade para a escuta, podendo atentar às “falas originárias” das colaboradoras e penetrar o seu mundo, deixando-se impregnar por sua linguagem e gestos. No período de coleta dos dados, no início de cada grupo as pacientes foram informadas a respeito dos objetivos deste estudo e concordaram em ter a sessão transcrita, destacando-se que a não anuência não acarretaria qualquer prejuízo ao atendimento pela instituição. As participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (BRASIL, 2010). Para preservar o anonimato das participantes, os nomes próprios utilizados neste estudo são fictícios. Estratégia de análise dos dados Para sistematizar os resultados foi utilizado o método de análise de conteúdo proposto por Bardin (1977), que possibilitou delinear os núcleos de sentido que emanaram dos discursos das mulheres participantes. O material foi submetido à análise de conteúdo na modalidade temática, procedimento que visa a ultrapassar o alcance descritivo da mensagem, os conteúdos manifestos, até alcançar os conteúdos latentes, mediante a inferência, ou seja, uma interpretação mais profunda (MINAYO, 2008). Os dados foram organizados em categorias, levando-se em conta a variedade e regularidade das respostas e os padrões convergentes de conteúdo dos relatos. Fazer uma análise temática implica em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem algo para o objeto visado. Para tanto, foram seguidos os passos metodológicos recomendados pela literatura (MINAYO, 2008): (1) Pré-análise: consiste em leituras flutuantes e exaustivas, organização do material e sistematização de ideias e eixos estruturantes, que constituirão o corpus de análise; (2) Exploração do material: compreende uma categorização dos dados, a partir de expressões ou palavras significativas que dão origem a unidades de registros, por similaridade dos conteúdos; (3) Tratamento dos dados obtidos e interpretação referencial: concerne ao tratamento de dados e à interpretação dos significados dos conteúdos temáticos com base no referencial teórico assumido pela pesquisadora, podendo também abrir caminhos para novas dimensões teóricas e interpretativas. Resultados e Discussão A partir da análise do corpus de pesquisa foram construídas seis categorias, que tematizam as vivências dos papéis femininos e dos vínculos afetivos das participantes do grupo semanal de apoio e reabilitação às mulheres com câncer de mama. 1. Redescobrindo-se mulher após o câncer, com desejo de viver novos relacionamentos amorosos A redescoberta do feminino, após o adoecer de câncer de mama, foi um tema frequente no grupo de mulheres mastectomizadas, seja pelo fato de que a percepção da aparência física no espelho torna mais visível a experiência da doença, com suas marcas corporais em forma de cicatriz, seja pelos cuidados especiais tomados com as vestimentas, de modo a “ocultar” do olhar do outro a deformidade causada pela retirada da mama ou de parte dela. Mas a redescoberta do feminino fica ainda mais marcada quando a mulher se depara com a aprovação de sua visibilidade no social, na relação que estabelece com o outro, o que fomenta a coragem de vivenciar um novo tipo de relação com seu corpo, seus afetos e relacionamentos amorosos, que muitas vezes eram velados antes do adoecer. A doença passa a ser um ponto de abertura diante de si mesma como mulher e do outro, como possibilidade de relacionamento. 250 Depois que eu tive o câncer passei a olhar mais para mim no espelho, percebi que as roupas que usava eram fechadas e escuras, me incomodavam mais do que a careca, e que eu não precisava me esconder, podia usar um vestido, uma saia. Eu queria me sentir mais confortável comigo e passei a ficar mais vaidosa e a usar lenços para me enfeitar... me achava linda, na rua passaram até a me olhar mais... (Raquel, 43 anos, solteira). 2. Tendo vontade de conhecer lugares não familiares e experimentar novas emoções na vida Perceber sua singularidade no mundo implica em reconhecer a solidão que cada ser vivente habita, não comumente problematizada no cotidiano por gerar angústia. Mas, na medida em que a solidão de existir é reconhecida como possibilidade, ela se torna liberdade de existir, de experimentar o novo, sem que este seja estranho ou amedrontador, mas sim prazeroso na relação que a mulher descobre ao se perceber na sua própria companhia, sem necessariamente estar acompanhada de outras pessoas. É uma forma de legitimar sua identidade no mundo. Outro dia eu saí sozinha e fui ao shopping dar uma volta e entrei no cinema sozinha e assisti o filme “O divã”. Ai como gostei do filme, que é ótimo...e da sensação de liberdade que experimentei, de poder passear sozinha sem esperar os outros, porque antes eu ficava esperando alguém me chamar para ir ao shopping, desta vez eu me troquei e fui... (Alana, 44 anos, casada) Separei depois do câncer, não acho tão ruim. Foi ruim na época do tratamento, mas hoje que eu tenho saúde, eu viajo com as meninas aqui do grupo, tenho vontade de conhecer novos lugares... (Fátima, 52 anos, separada). A experiência de grupo de pares, composto por pessoas com problemas semelhantes, proporciona a vivência de um clima de notável valor terapêutico, na medida em que auxilia as participantes a aprenderem a lidar com sentimentos de solidão e isolamento. Tal possibilidade ocorre, segundo a literatura, pela ocorrência de feedbacks e sugestões construtivas de outras pessoas que enfrentam o mesmo problema (GOMES; PANOBIANCO, FERREIRA, KEBBE, MEIRELLES, 2003). 3. Repensando as relações com familiares e o sentido de família A dependência criada pelos vínculos afetivos e, por vezes, concreta do parceiro, é um tema bastante problematizado no grupo, constituindo um foco disparador de angústia. Diferentes depoimentos ilustram o medo da perda como algo concreto em suas vidas. No entanto, na medida em que refletem sobre o fenômeno em grupo, percebem a possibilidade de seguir em frente sem o vínculo com o parceiro, autenticando a identidade de mulher além do papel de esposa, que pode mudar de sentido com o falecimento do cônjuge. Ser dependente das coisas e das pessoas é muito difícil e muito ruim, porque se você perde essa coisa, você fica sem saber o que fazer. Por exemplo, minha sogra, quando o marido morreu, ela continuou a fazer suas coisas sozinha, pois ela não era dependente dele. Claro que ela gostava dele, mas a vida dela era mais do que ser esposa dele.” (Violeta, 45 anos, divorciada) 4. Redimensionando o papel de mãe O grupo, composto essencialmente por mulheres, por vezes demonstrou consternação diante da dor daquelas que compartilharam a dor provocada pelo distanciamento dos filhos, por perceberem a impotência diante dos problemas aparentemente sem solução, seja por um lar desfeito, seja pela dependência química ou pelo distanciamento afetivo e físico ao assumirem o casamento. O grupo auxilia as mulheres a desenvolverem recursos para lidar com o vínculo afetivo com os filhos, em especial a reconhecerem o limite que existe na relação maternal. Essas reflexões instauram a necessidade de redimensionar o papel de mãe e, ao mesmo tempo, permitir-se viver sua identidade de mulher. Eu tenho um filho drogado, já quase me acabou com a casa, vendeu tudo, roubou, foi preso...eu já ajudei ele muito, paguei advogado para tirá-lo da cadeia. Já sofri muito com isso, 251 mas aprendi a lidar com a situação e a viver minha vida, a me cuidar, estar com meu marido e amigas. Saio para passear, me sinto vivendo de novo. (Noêmia, 52 anos, casada) As diferenças existentes entre os sexos fundaram noções de desigualdades entre homens e mulheres, tornando-as vulneráveis à força e à razão masculinas, Assim se estruturaram as relações de poder. A mulher, por sua condição desigual em relação ao homem, por muito tempo viveu sob a tutela do masculino, primeiramente com o pai, depois com o marido. Sua feminilidade foi marcada pelos padrões cristãos, legitimada pela instituição do casamento e pelo cumprimento do destino reprodutivo e maternal da espécie (FOUCAULT, 1994). 5- Sentindo vontade de aprender novas habilidades e capacitar-se, buscando um novo ofício Antes do câncer eu era só dona de casa, cresci assim, minha avó e minha mãe eram donas de casa. Mas depois do câncer eu aprendi, com outras mulheres no grupo, que temos talentos e que eu podia desenvolver e até ganhar um dinheiro para mim. Foi quando eu fui no SESC e aprendi a oficina de bolos e doces, e depois disso eu faço bolos de aniversário para toda a vizinhança e o pessoal da igreja encomenda, e até de outros bairros. Me sinto produtiva. (Lúcia, 56 anos, solteira) A masculinidade e a feminilidade, como expressão de comportamento definidas socioculturalmente, a primeira à luz de características como força, agressividade, lógica e independência, aproximando-se do que se espera de um homem, e a segunda definida por atributos como fraqueza, submissão, dependência e emoção, aproximando-se de um comportamento dito feminino (TRINDADE; FERREIRA, 2008). Esse cenário, no qual há regras claras que estabelecem as diferenças entre o “ser homem” e o ”ser mulher”, começa a ser interpelado com a entrada das mulheres no mercado de trabalho e o advento dos métodos contraceptivos, entre os anos 1950 e 1960, que permitiram a desvinculação da atividade sexual da reprodução. Assim, parte da teoria que trata da sexualidade feminina em função da maternidade perde o sentido, juntamente com a crença da incapacidade das mulheres para a vida pública. Surge, então, o conceito de gênero, que questiona a determinação biológica dos sexos frente ao papel desempenhado por homens e mulheres, buscando valorizar a importância de atributos culturais designados a cada um dos sexos. A teoria de gênero enfatiza a perspectiva relacional e reconhece a relevância da escolha social na construção das várias maneiras de ser homem e ser mulher em nossa cultura (VILELA; ARRILHA, 2003). 6. Compartilhando experiências bem-sucedidas no grupo, seja no âmbito profissional ou das relações afetivas É possível notar as transformações veiculadas no depoimento de uma participante, que narra o quanto que passou a escolher um novo modo de viver e a fazer o que gosta sem sentir culpa ou obrigação de fazer tudo pelos familiares que co-habitam com ela, incluindo o movimento de dividir tarefas domésticas. Hoje sou alguém feliz e que faz o que gosta. Não fico mais pondo minhas obrigações de casa sempre na frente do que quero e não me sinto cobrada por não fazer todo o serviço de casa. Passei a dividir as tarefas com meus filhos durante os dias da semana. (Ivanilde, 53 anos, casada) A partir dos relatos analisados nota-se que o impacto do câncer, além de abalar os sentimentos e a estrutura dos relacionamentos amorosos, sociais ou familiares, ameaça também a unidade corpo-mente-espírito, levando as pacientes com câncer de mama a denegarem, inicialmente, suas necessidades como mulheres e, por vezes, a restringirem sua participação social, sendo seus maiores desafios se adaptar e continuar a desempenhar papéis sociais e atividades ocupacionais, em especial recuperar o ser feminino nas suas diferentes facetas (CAETANO; SOARES, 2005). Ao potencializar as interações, o grupo funciona como espaço adequado para a exploração da subjetividade, um tipo de “laboratório social”, no qual os membros revivem os papéis que 252 ocupam no dia a dia de suas relações. O grupo constitui-se, assim, como espaço terapêutico ao possibilitar a atuação de determinados fatores terapêuticos, que auxiliam o indivíduo a conscientizar-se de seu ser social (GUANAES; JAPUR, 2001). Segundo Yalom e Leszcz (2006), a literatura vem demonstrando a efetividade de grupos voltados ao tratamento do câncer de mama, constatando-se a redução da dor e o incremento do enfrentamento psicológico em mulheres com câncer primário e metastático. São reconhecidos os efeitos psicossociais positivos da terapia de grupo em pacientes com câncer, o que inclui melhora no estado de espírito e no nível de ajustamento, e diminuição do sofrimento emocional que ocorre após o diagnóstico e durante o período subsequente. A participação em grupos de apoio para mulheres com câncer de mama adquire significados como: possibilidade de troca de experiências, de receber e oferecer suporte social e informações significativas, de sair da situação de isolamento e do lugar de exclusão social a partir da oferta de pertencimento que o grupo promove. Para elas, os grupos funcionam como sustentáculo de continuidade do processo de recuperação e de adaptação à nova condição – como mulher mastectomizada, e ainda como ambiente psicofísico e psicossocial de transformação. Fazer parte de grupos de apoio a mulheres com câncer de mama faz com que a mulher apresente melhora na intensidade dos sintomas relacionados com o estresse, contato com amigos e familiares (PINHEIRO; SILVA; MAMEDE; FERNANDES, 2008). Considerações Finais O grupo tem se apresentado com um recurso útil para a expressão das demandas psíquicas das mulheres mastectomizadas, suas insatisfações e questionamentos em relação aos papéis tradicionais de gênero (feminino versus masculino), na medida em que buscam compartilhar suas tarefas domésticas com os demais membros da família, seja com o companheiro ou com os filhos. Esse movimento tem se configurado como um verdadeiro enfrentamento e luta por ampliar sua liberdade e direito de escolher como habitar seu novo corpo, imposto pelas limitações acarretadas pelos tratamentos do câncer, com estima e respeito a si mesma, considerando suas necessidades como mulheres que conjugam múltiplas identidades desdobráveis. Concluindo, este estudo fornece subsídios para sensibilizar a escuta profissional Este estudo fornece subsídios para sensibilizar a escuta multiprofissional para dar acolhimento às transformações recentes ocorridas nos papéis tradicionais de gênero, de modo a garantir um cuidado integral que leve em consideração os aspectos subjetivos da mulher com câncer de mama. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Press Universitaires de France, 1977. BECHELLI, L. P. C.; SANTOS, M. A. Psicoterapia de grupo: como surgiu e evoluiu. Revista Latino-americana de Enfermagem, v. 12, n. 2, p. 242-249, 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Manual Operacional para Comitês de Ética em Pesquisa. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/livros/Manual_ceps.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2010. CAETANO, J. A.; SOARES, E. 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Cidade Universitaria 05508-030 - Sao Paulo, SP – Brasil Telefone: (11) 30914911 Fax: (11) 30914173, Laboratório de Casal e Família, email: [email protected] Resumo Este trabalho é fruto de uma pesquisa de mestrado com o objetivo de investigar as representações parentais de casais homoafetivos masculinos. Diante do papel fundamental da família na constituição psíquica do indivíduo e do aumento dos novos arranjos familiares, é essencial o estudo das novas funções e formas de se relacionar. A fim de compreender tais 254 representações e possíveis influências na relação do casal homoafetivo e, possivelmente, na futura família homoparental, foram entrevistados cinco casais masculinos sem filhos. Como resultados encontramos casais muito ligados à suas famílias de origem; com questões conflitivas associadas ao processo de construção identitária homossexual; presos ao modelo de conjugalidade heteronormativa; cujos relacionamentos caracterizaram-se pela brevidade com que se tornaram compromissados, com a finalidade principal de apoio mútuo à assunção da identidade homossexual. Concluiu-se que o despreparo para deixar o lugar de filho é fator influente para não se pensar na parentalidade; o que se relaciona com conflitos de cerne familiar, especialmente a falta de aceitação da homossexualidade. Enfatizamos a necessidade de maior número de pesquisas nessa área, da psicanálise à interface interdisciplinar, para que se possa estabelecer uma ética pontuada no vínculo filiativo, baseada na construção de um novo modelo relacional, conjugal, familiar e parental. Palavras-chave: Parentalidade. Representação parental. Homoparentalidade. Família. Introdução O crescente aparecimento de novos arranjos familiares, incluindo a homoparentalidade, traz a necessidade de se construir conhecimento acerca das novas formas de se relacionar e vivenciar a parentalidade. Indagar sobre as implicações da parentalidade em suas diversas formas nos parece essencial diante da ampliação do leque de possibilidades do exercício do papel parental. Em meio às famílias monoparentais, pluriparentais, casais sem filhos por opção, dentre outras, nos deparamos com a polêmica e recente realidade da família homoparental. A homoparentalidade vêm ganhando visibilidade e aponta um momento de experimentação e construção de novas formas de ser e de relacionar-se, perpassando questões como a vivência de papéis e funções, bem como, das influências por parte da sociedade e redes de apoio geral. Segundo o Censo de 2010, há no Brasil mais de 60 mil casais homossexuais vivendo juntos, o que denota a existência de um número considerável de famílias homoparentais. Essa foi a primeira edição do recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a contabilizar a população de casais homossexuais que residem juntos (Lauriano e Duarte, 2011). Na contemporaneidade não há um modelo de família único, a ampliação de seu conceito e suas múltiplas possibilidades resultam na dificuldade de se abstrair um sentido único, que é o que vem sendo buscado. Nota-se a diluição dos papéis, a flexibilização da associação entre função e gênero e a re-invenção de formas de se relacionar na família (Tarnovski, 2004; Santos, 2004). É notável a importância cada vez maior dada aos laços afetivos e às escolhas e, essa possibilidade de mudança adaptativa é de extrema importância na constituição do indivíduo como ser social e gregário (Rodriguez e Paiva, 2009). Homoparentalidade é um termo francês e refere à família em que ao menos um indivíduo homossexual assume a responsabilidade por uma criança. Essa nova composição familiar tende a ser marcada pela ausência de papéis fixos entre os membros, pela inexistência de hierarquias e maior circulação das lideranças no grupo, pela presença de múltiplas formas de composição familiar e, conseqüentemente, de formação dos laços afetivos e sociais, o que possibilita distintas referências de autoridade, tanto dentro do grupo como no mundo externo (Passos, 2005). As famílias vêm se constituindo de forma mais ampla e, as funções de gênero se modificando. Na organização contemporânea os lugares masculinos e femininos na família não coincidem com os ocupados pelos homens e pelas mulheres; eles circulam e, com mais intensidade (Amazonas e Braga, 2006), caracterizando um acelerado processo de modernização que interfere e produz alterações na subjetividade e consequentemente na sociedade e em suas instituições (Figueira, 1986). 255 Pesquisas diversas mostram como os casais homoafetivos seguem o modelo heteronormativo, e remetem aos referenciais disponíveis na sociedade do que é a parentalidade (Manzi-Oliveira, 2009). A construção de uma família homoparental frente o ideário da família tradicional, ainda muito vivo no imaginário social, levanta questões sobre a noção de família e do que necessita uma criança na família. Pesquisas mostram que a imagem que as pessoas têm da homoparentalidade é carregada de preconceito e representações negativas (Grossi, 2003; Fonseca, 2008). Apesar de questionamentos e temores pesquisadores da área (Santos, 2004; Tarnovski, 2002) salientam que é a capacidade de cuidar e a qualidade do vínculo com os filhos o determinante da boa parentalidade e não a orientação sexual dos pais. Dentre as preocupações que permeiam a homoparentalidade encontram-se questões como; identificação primária da criança, o complexo de Édipo e a cena primária (Smola, 2010). O questionamento é se o casal homoparental poderá oferecer à criança a imagem diversificada da diferença sexual anatômica necessária para o desenvolvimento do psiquismo infantil (Carrasco, 2010). Apesar do desconhecimento, do preconceito e de todos os dificultadores dessa realidade da homoparentalidade, a família continua a ser desejada (Roudinesco, 2003). Diante dessa realidade, é de fundamental importância verificar como esses casais investem subjetivamente na possibilidade de tornarem-se pais. O esclarecimento acerca das representações parentais dos casais homoafetivos visa facilitar a construção da parentalidade, permitindo acesso aos fatores ainda desconhecidos que se entrelaçam com a função parental. O lugar dos pais para criar a vida mental e re-significar histórias exige abordar cientificamente a homoparentalidade (Lisondo, 2012). O objetivo da pesquisa foi investigar a representação parental dos casais homoafetivos masculinos, a fim de verificar como esta se relacionava ou não com suas imagos familiares. Metodologia A pesquisa que embasou este estudo investigou a representação parental de casais homoafetivos masculinos. O método escolhido foi o clínico-qualitativo (Turato, 2003) e foram utilizados os seguintes instrumentos: a Entrevista semi-dirigida e os Desenhos de Família com Estórias, uma variação do Procedimento de Desenho-estória, criado por Trinca (1989), do qual foi requerido apenas um desenho (a família que gostaria de ter). Foram entrevistados cinco casais de homens homossexuais masculinos vivendo em união estável (mínimo de dois anos juntos, o que é considerado pela jurisprudência brasileira como união estável legal para casais heterossexuais), sem filhos. Não houve restrição de idade ou relação com o desejo e/ou plano de ter filhos no futuro. Resultados e Discussão A singularidade encontrada na homossexualidade esta ligada ao preconceito sofrido pelos indivíduos, em especial como filhos diante da assunção de sua sexualidade e relacionamento conjugal, e o efeito negativo que tem a resistência desses pais em aceitar esse diferente, em suas subjetividades. A falta de apoio, o estremecimento dos laços familiares diante da homossexualidade parece ter sido o elemento fundamental na constituição de um sentimento turvo e complexo com relação à possibilidade de exercício da parentalidade. Os casais entrevistados vivem ainda a construção de uma conjugalidade concomitante com o processo de aceitação (principalmente por parte da família de origem) e elaboração identitária como homossexual. Esses (possíveis) futuros pais estão implicados à referência de seus próprios pais. O acesso à parentalidade supõe além da perda de sua posição de filho, a reativação da identificação destes com suas figuras parentais. A permuta simbólica de lugares, como organizadora da transmissão/sucessão geracional não é entrave para os casais homossexuais, mas ocorre de forma similar (Ducousso-Lacasse e Grihom, 2010). A orientação sexual não é um obstáculo ao 256 trabalho psíquico indispensável para a renúncia da posição de filho, entretanto, há um fator singular: esse processo de permuta ocorre de forma muito distinta, pois se por um lado o individuo precisa ser re-aceito como filho para poder pensar em deixar esse lugar de filho, com a chegada dos netos esses pais muitas vezes flexibilizam-se e aceitam (mesmo que com reservas e de forma prematura para seus psiquismos) a família homoparental. A pesquisa traz como conclusão que a falta de elaboração da questão homossexual (identitária e familiar/social) impede que esses casais homoafetivos masculinos cheguem à parentalidade, pois estão muito presos à suas famílias de origem, com questões e conflitos a resolver. Isso não quer dizer que no futuro estes mesmos colaboradores não tenham chances de desejar se tornar pais e até tornarem-se, mas que no dado momento seus psiquismos se ocupam com outras prioridades, como o complexo processo de construção inventiva de uma identidade, de uma relação conjugal, de uma família e por fim fazer parte de uma sociedade usufruindo de sua legislação. Considerações Finais Como já é sabido, o papel da família, e mais especificamente da parentalidade tem uma influência direta e enorme na constituição psíquica e das subjetividades, não só infantil, mas também adulta, já que essa se estrutura e associa-se com a infância. Dessa forma enfatiza-se o vínculo como fator chave nas relações familiares e consequentemente na saúde psíquica de cada ser humano. A proposta da ênfase no vínculo filiativo como base na construção de um novo modelo relacional, conjugal, familiar e parental pretende facilitar a compreensão dos processos de subjetivação que decorrem de distintas maneiras de se relacionar. É desafiador para a psicanálise pensar a realidade das experiências homoparentais, do ponto de vista teórico e prático. Qualquer que seja a idade, o sexo, a orientação sexual ou condição social, todos desejam uma família, o pertencimento, e a construção dessa nova família, a homoparental, em todo seu cenário, acontece como um processo lento e gradual, repleto de expectativas e cautelas. O decretado desejo pela adoção por parte de alguns participantes aponta a tentativa de formar uma família, sob o modelo tradicional de família na qual sem filhos não se constitui família. O caminho que irão trilhar para a parentalidade deve ser visitado pela psicanálise a fim de fornecermos ferramentas para pensar, refletir e compreender as vicissitudes da família nos dias de hoje. Reitera-se a necessidade de se encontrar referências para construção de uma concepção de família, sem negar suas diferentes formas de expressão. Em momento de tantas transformações, a busca de referenciais que dêem conta da realidade da família é imprescindível. Diante da necessidade de libertação da égide do biológico presente no ideário da família heterossexual tradicional, é preciso reconhecer o vínculo como fator chave nas relações familiares, permitindo à família funcionar como dispositivo de continência psíquica, além de envolver a criação de laços inconscientes e transmissão psíquica. O tema da homoparentalidade causa ainda muitos questionamentos e reservas, e diante disso nos cabe estudar e pesquisar a fim de fornecer respaldo teórico às novas formas de constituir família e parentalidade. Nos resta torcer para que os estudos seguintes possam dar continuidade ao estabelecimento de uma relação produtiva entre a psicanálise e as novas formas de construção de gênero e parentalidade na cultura contemporânea, em que as alteridades ultrapassem os limites do simbólico e da própria teoria psicanalítica, sendo cada indivíduo aceito em sua singularidade, para além das definições prescritas da heteronormatividade, em consonância com o contínuo processo de reinvenção dos modos de ser e de se relacionar. Referências Amazonas, M. C. L. A. & Braga, M. G. R. (2006). Reflexões acerca das novas formas de parentalidade e suas possíveis vicissitudes culturais e subjetivas. Revista Ágora (Rio J.) 9, (2) ISSN 1516-1498. 257 Carrasco, A. M. (2010). Adoção homoparental. In: Homoparentalidades: Nuevas familias. Eva Rotenberg & Beatriz Agrest Wainer (organizadoras). Lugar Editorial: Buenos Aires, 2a. edicion. Ducousso-Lacaze, A. e Grihom, M. (2010). Homoparentalité apports d’une approche psychanalytique. In: Le divan familial - Revue de thérapie familiale psychanalitique, (25). Paris: In Press Éditions. Figueira, S.A. (1986). Uma Nova Família? O moderno e o arcaico na família de classe média brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Fonseca, C. (2008). Homoparentalidade: novas luzes sobre o parentesco. Revista Estudos Feministas, 16, (3), 769-783. Grossi, M. P. (2003). Gênero e parentesco: famílias gays e lésbicas no Brasil. Cadernos Pagu, (21), 261-280. Lauriano, C. & Duarte, N. (2011). Censo 2010 contabiliza mais de 60 mil casais homossexuais. In: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/04/censo-2010-contabiliza-mais-de-60-mil-casaishomossexuais.html acessado em 01/05/2011. Manzi-Oliveira, A. B. (2009). 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São Paulo: Vetor. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ A FAMÍLIA: O CASAMENTO A PROBLEMÁTICA DOS RELACIONAMENTOS E A SEPARAÇÃO 258 Maria Zita Figueiredo Gera1 e Nádia Silva Rosa2 1 2 Uni-FACEF CENTRO UNIVERSITÁRIO DE FRANCA. E-mail: ([email protected]). Uni-FACEF CENTRO UNIVERSITÁRIO DE FRANCA. Bolsista PIBIC-CNPq. E-mail: ([email protected]). Resumo O objetivo desta pesquisa é ampliar conhecimentos sobre a problemática de casamentos que terminaram em separação, assim como conhecer as questões que tornaram impossível a vida em comum, resultando em separação, identificar os motivos que levaram à decisão, conhecer os desdobramentos da vida após a separação e compreender os impactos da separação sobre os filhos. Optou-se pela pesquisa exploratória, cujo, planejamento é bastante flexível de modo que possibilite considerar os mais variados aspectos relativos ao fato estudado: inclui levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e análise de exemplos que estimulem a compreensão. Participarão da pesquisa cerca de oito pessoas, homens e mulheres procedentes de casamentos desfeitos e que tenham filho (s) em comum, número considerado suficiente para estudar e explorar a realidade pesquisada. Para a coleta de dados serão utilizadas entrevistas semi-estruturadas, contando com um roteiro de questões elaborado, avaliados através de análise de conteúdo pela aluna/pesquisadora, cujos dados serão gravados, posteriormente transcritos e analisados. A pesquisa está em fase de coleta de dados, razão pela qual não há resultados. Tratando de um tema atual e que muda a cada momento, este trabalho pode trazer contribuições ao psicólogo nos atendimentos a seus pacientes. Palavras-chave: configurações familiares; relacionamentos; separação; pós – separação. Introdução A separação conjugal tem se tornado um fato crescente na sociedade atual e com ela, têm nascido novas configurações familiares: famílias separadas, monoparentais, recasadas e/ou reconstruídas, etc. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2009), a incidência de separações de casais é cada vez maior em nosso país, sendo que, em 2009, houve um divórcio para cada três casamentos no Brasil. Dados do mesmo órgão mostram que em, 2007, quando se completaram 30 anos da instituição do divórcio no Brasil, o número chegou a 1,49 divórcios por cada mil habitantes, sendo verificado um crescimento de 200% em relação a 1984, quando era de 0,46 por mil. Em números absolutos, os divórcios concedidos passaram de 30.847, em 1984, para 179.342, em 2007. A pesquisa apontou, por outro lado, que o número de casamentos realizados no país vem crescendo desde 2003. No total, houve 231.329 uniões desfeitas em 2007, entre separações e divórcios. Com relação à natureza das separações realizadas nesse período, verificou-se que a maior parte delas (75,9%) foi consensual, assim como na maioria dos casos de divórcio (89,1%) a responsabilidade pela guarda dos filhos menores foi concedida às mulheres. Estes dados demonstram o quanto a família e o casamento têm sofrido transformações na atualidade. Novas configurações familiares se tornam mais visíveis, desde a família nuclear, monoparental, homoparental, recomposta, desconstruída, gerada artificialmente, dentre outras. Autores como Carvalho (2009), na história do casamento toma como referência as grandes transformações ocorridas no século XIX, quando começa surgir a família nuclear formada pelo casal e seus filhos, a partir do conhecimento da importância da criança como ser social. Consequentemente passou–se a valorizar os cuidados, a educação e os laços afetivos entre pais e filhos. Nesse processo o papel da família, calcada em valores arraigados ao longo do tempo. Segundo Del Priore (2005), seria hipocrisia pensar que, nas últimas décadas do século XX, o amor não era considerado importante para a união conjugal, embora ele não tenha sido o 259 suficiente para garantir uma boa convivência, resultando muitas vezes em separação ou divórcio. Com relação ao processo separação e/ou divórcio CANO et al (apud BROWN, 2006), divide-o em três fases: a primeira compreende o primeiro ano após a separação, conformando um período de caos, confusão e crise; a segunda, o realinhamento, caracteriza-se por ser uma fase de transição, em que as questões econômicas, sociais e extrafamiliares vão sendo reorganizadas entre o segundo e terceiro ano após a separação; e, por fim, a fase de estabilização, na qual se poderia dizer que, com efeito, há uma reorganização do sistema familiar. A separação de um casal pode repercutir em todo contexto familiar. A mobilização emocional é intensa, sobretudo nas famílias que assumem a conservação do casamento como um valor central. Isso pode ocorrer quando os pais do casal que se separou, não aceitam a separação. A vergonha de ter um filho que está se separando faz com que muitos pais tentem manter a separação em segredo para parentes e amigos. A dificuldade de aceitar a separação de um filho pode ser tão grande que alguns pais passam simplesmente a negá – la, acham que o casal vai voltar atrás , que é tudo uma questão de tempo. A demora da oficialização da separação reforça essa crença: “assinar o papel”, pode nestes casos, ser a sacudidela de realidade para os familiares esperançosos de reatar o vínculo do casal. (MALDONADO, 2009, p. 126). Maldonado (2009 p.144) também expõe que com o final do relacionamento, em muitos casos, as crianças presenciam cenas violentas de medo, angústia, insegurança. Algumas crianças se isolam, passam horas no quarto, quase não falam, outras aumentam a solicitação ou adoecem. Nesses períodos, pai e mãe, aturdidos com os conflitos do término do casamento, nem sempre percebem ou atendem as necessidades dos filhos. O papel da mãe e do pai na vida de um filho é muito importante, no momento da separação, os pais estão em meio a tanta confusão, que não têm nem disponibilidade de dialogar ou estar presentes na vida de seus filhos, pois a falta dos mesmos pode acarretar prejuízos no desenvolvimento do indivíduo. “O papel do pai e da mãe vai desde o período de latência, onde devem estar abertos para discussões com os filhos sobre os assuntos que mais os incomodam” (D’ANDREA, 2006, p.101). Nestes tempos, temos que pensar e repensar os papeis de cada membro do casal após a separação, bem como, responsabilidades e as consequências que envolvem a dissolução de um casamento, tanto econômica, financeira, social e, principalmente, quanto à situação dos filhos. Esta pesquisa tem os seguintes objetivos: Aprofundar conhecimento sobre os encontros e desencontros na família que têm provocado dissoluções, conhecer a problemática dos casamentos que terminam em separação, bem como o período pós-separação e a continuidade da vida de cada um. Procedimentos Metodológicos Está sendo realizada uma pesquisa exploratória que segundo GIL (1991), tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. Participarão da pesquisa cerca de 8 pessoas homens e mulheres procedentes de casamentos desfeitos que tenham filho (s) em comum. A condição de haver filho (s) se prende à especificidades da questão e dizem respeito a interesse da aluna/pesquisadora. Tais sujeitos serão escolhidos aleatoriamente através de indicação de pessoas da comunidade que aceite e concordaram em participar do estudo e que residem numa cidade do interior do Estado de São Paulo. 260 Os dados serão coletados através de entrevista semi-estruturada que segundo Triviños (1987): É aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias [...], que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, [...] que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante (TRIVIÑOS, 1987, p. 146). As entrevistas serão realizadas individualmente pela aluna/pesquisadora contando com o apoio de um roteiro de questões acerca do tema da pesquisa, possibilitando maior proximidade do pesquisador com a realidade dos sujeitos. Para preservar a identidade dos pesquisados, eles não serão identificados por seus nomes. Resultados A pesquisa está em fase de coleta de dados, razão pela qual não há resultados. Contudo, espera-se encontrar uma realidade complexidade com diversidade de pontos de vista e de realidades contextuais. Referências CANO, Débora Staub et al . As transições familiares do divórcio ao recasamento no contexto brasileiro. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 22, n. 2, 2009 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010279722009000200007&lng=en&nr m=iso>. Acesso em 24 Out. 2012. CARVALHO, Dayla Mota de. Casamento: um estudo sobre as relações amorosas. (Trabalho de Conclusão de Curso em Psicologia). Franca: Uni-FACEF, 2009. DEL PRIORE, Mary, Histórias do amor no Brasil. São Paulo. 1 ed. São Paulo: Contexto. 2005. D’ ANDREA, Flávio Fortes. Desenvolvimento da personalidade: enfoque psicodinâmico. 17 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991. IBGE. Estatística de registro civil 2009. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em 15 de maio de 2012. MALDONADO, Maria Tereza. Casamento, término e reconstrução: o que acontece antes, durante e depois da separação. São Paulo: Integrare Editora, 2009. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1987. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR12 – TÍTULO: Vínculos Familiares e Transtornos Alimentares ............................................................................................................. CONFIGURAÇÕES VINCULARES NO CENÁRIO FAMILIAR DA ANOREXIA NERVOSA: A MENSAGEM TRANSGERACIONAL 261 Élide Dezoti Valdanha¹; Lilian Regiane de Souza Costa²; Manoel Antônio dos Santos³ ¹Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Email: [email protected] ²Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRPUSP). Bolsista de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. E-mail: [email protected] ³Livre-docente em Psicoterapia Psicanalítica. Professor Associado 3 do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Líder do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP-CNPq). Membro do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - GRATA (HC-FMRP-USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Email: [email protected] Resumo Pesquisas apontam que as relações familiares podem atuar como agentes mediadores no surgimento e manutenção da anorexia nervosa (AN), especialmente a configuração vincular mãefilha. O presente estudo teve como objetivo investigar as relações amorosas em três gerações de uma família de uma jovem diagnosticada com AN, tentando traçar paralelos entre o desenvolvimento psicoafetivo/psicossexual dessas mulheres e a ocorrência do TA na terceira geração. Foram entrevistadas três mulheres da família Azevedo (todos os nomes são fictícios): Mabel (jovem com AN), Alba (mãe) e Carmosina (avó). Os dados foram coletados por meio de um roteiro de entrevista semiestruturada e analisados a partir do referencial teórico da psicanálise, mais especificamente a transmissão psíquica transgeracional. Foi possível identificar que conteúdos psíquicos de alta voltagem emocional não puderam ser elaborados e que, posteriormente, converteram-se em legados que foram transmitidos para as gerações seguintes. As relações amorosas parecem se repetir nas gerações, bem como as vivências em relação ao próprio corpo. Sentimentos de inibição e vergonha em relação à sexualidade, que foram transmitidos da avó para a mãe e desta para sua filha, parecem bloquear o desenvolvimento afetivo em todas as gerações. O tratamento do TA, voltado não apenas para o paciente, mas incluindo a família, tem também como função tornar consciente os processos psíquicos latentes, permitindo que a família se reorganize emocionalmente e possa elaborar os conteúdos latentes transmitidos sem amarração simbólica. Palavras-chave: anorexia nervosa; transtornos da alimentação; desenvolvimento afetivo-sexual; relação entre gerações. Introdução De acordo com o DSM-IV-TR - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2002), a anorexia nervosa (AN) é um transtorno alimentar (TA) que se caracteriza por uma recusa radical do indivíduo a manter o peso corporal na faixa normal mínima de acordo com sua idade e altura, além de temor intenso de ganhar peso e presença de grave distorção da imagem corporal, que resulta em caquexia (fraqueza geral do corpo) e má disposição corporal decorrente da desnutrição (CLAUDINO; BORGES, 2002). Uma terapeuta familiar dissidente do paradigma psicanalítico, Mara Selvini-Palazzoli, estudou famílias que tinham um membro acometido por TA. A autora percebeu muitas características semelhantes entre as alianças intergeracionais (SOUZA, 2006). Para SelviniPalazzoli (1974), a AN seria uma resposta da filha aos conflitos preexistentes no relacionamento 262 conjugal dos pais. O sintoma seria uma resposta aos padrões disfuncionais de interação que vigoram nessas famílias. Tais famílias teriam dificuldades de dar suporte à criança em seu processo de separação-individuação e de exploração do ambiente exterior. Não é sem motivos que o transtorno, geralmente, eclode em uma etapa de transição psicossocial, como a adolescência, quando as exigências ambientais pressionam no sentido da conquista da progressiva autonomia dos filhos em relação aos pais. A fase da adolescência acarreta mudanças tanto no plano físico como psíquico, envolvendo o adolescente em processos de conflito e elaboração de luto pela perda da condição infantil. Os processos psíquicos em marcha apresentam potencial desestabilizador do equilíbrio emocional, aumentando a vulnerabilidade do adolescente, tornando-o suscetível às organizações psicopatológicas. Nesse período evolutivo, o corpo feminino desenvolve sua forma e curvas, emitindo sinais que funcionam como marcadores externos da entrada da menina na vida adulta. A mulher com AN apresenta dificuldade de enfrentar e incorporar positivamente essas mudanças corporais e psicológicas. Na tentativa de deter o processo de crescimento e diferenciação em relação ao corpo materno, busca refugiar-se em um corpo esquálido, emagrecido, que expressa dramaticamente sua impossibilidade de aceder à fase adulta (GASPAR, 2005). Como as bases da personalidade se estruturam no início da vida, estudos sugerem que a origem da problemática da distorção do comportamento alimentar remonta às etapas precoces do desenvolvimento psicoafetivo (DE FELICE, 2006; MIRANDA 2007), o que não raro direciona a atenção dos pesquisadores para a constituição do vínculo materno, e nesse sentido, também para a constituição da relação com o casal parental. O referencial teórico-conceitual que fundamenta o presente estudo é a psicanálise, mais especificamente a teoria da transmissão psíquica transgeracional. Essa formulação teórica delineia um campo de forças psíquicas inconscientes, que é resultado do trabalho reiterado de sucessivas gerações. Eiguer (1985) apresenta uma nova concepção sobre o grupo familiar, na qual os psiquismos individuais se encontram e, juntos, formam um coletivo. Desse modo, podese dizer que a organização familiar é composta por indivíduos que, em grupo, apresentam um funcionamento psíquico inconsciente diferente de seu funcionamento isolado. Cada família tem seu padrão de funcionamento particular e único. Quando um casal concebe uma criança, é estruturado um novo grupo familiar, que será vivido pelas gerações que sobrevirão. Esse cenário atua como ambiente de sustentação da entrada do sujeito na história, o que gera vivências de ser amado e reconhecido em seu núcleo familiar de origem. É no espaço intergeracional que a história de cada sujeito começa a ser contada, ou seja, a família de origem já traz consigo conteúdos de gerações anteriores. Portanto, a criança é alvo de expectativas tanto de seus pais como das demais gerações que a precederam (BERTIN; PASSOS, 2003). De acordo com Käes (2001), o “transgeracional” é o que foi transmitido sem ser devidamente simbolizado, o que impossibilita sua reelaboração posterior, tanto pela família, quanto no plano individual. A proibição de conhecer algo importante da vida familiar origina diferentes configurações familiares, de acordo com o investimento mobilizado (MAGALHÃES; FÉRES-CARNEIRO, 2004) para manter o segredo. A família é resultado do interjogo entre depositante, depositado e depositário, sendo que o depositado está relacionado aos afetos, sentimentos, fantasias e conflitos que cada membro da família (na condição de depositante) projeta em cada outro membro (depositário). Assim, não há um paciente “sintomático”, mas sim um funcionamento psicodinâmico que acontece e envolve toda a família. A pessoa que adoece é aquela que denuncia, por meio do seu sofrimento, o conflito familiar velado. Para sair da situação de sofrimento, o conflito necessita ser desvendado e elaborado por todo o grupo familiar. Segundo essa concepção, o filho repete a história não simbolizada da figura parental com quem se identifica, em uma tentativa de elaborar o que não pôde ser elaborado pelas gerações anteriores (SOIFER, 1980). O presente estudo teve como objetivo investigar como as relações amorosas em três gerações de uma família de uma jovem diagnosticada com AN, tentando traçar paralelos entre o desenvolvimento psicoafetivo/psicossexual e a ocorrência do TA. Hipotetiza-se que a 263 conjugalidade da avó materna e da mãe podem influenciar a terceira geração (a neta, diagnosticada com AN). Método O princípio metodológico que fundamentou a elaboração desta investigação foi o estudo de caso, sendo selecionado como “caso” a ser investigado a linhagem materna da família de uma paciente com TA. Para coleta de dados foram utilizados três roteiros de entrevista semiestruturada – um para cada participante. Foram entrevistadas três mulheres da família Azevedo. Todos os nomes próprios utilizados neste estudo são fictícios, com o objetivo de preservar a identidade das participantes. A filha Mabel, 25 anos, tem diagnóstico de AN; sua mãe, Alba, 51 anos, e sua avó materna, Carmosina, 87 anos. Os dados coletados foram analisados pelo método de análise de conteúdo temática, que permitiu elaborar os núcleos temáticos. Focaremos neste estudo os aspectos relacionados ao desenvolvimento afetivo-sexual das mulheres entrevistadas. Resultados e Discussão A avó Dona Carmosina tem 87 anos, é mãe de Alba (51 anos) e avó de Mabel (25 anos). A participante refere ter poucas lembranças de sua infância e adolescência. Relata que, desde cedo, assumiu responsabilidades semelhantes às de uma mãe, provedora do lar, aprendendo precocemente a exercer a maternagem, muito antes de ter seus próprios filhos, já que era a filha mais velha, responsável pelos cuidados dos irmãos menores. Sobre a vivência de seu próprio corpo, a participante conta que tem boa saúde, exceto por um problema de hipertensão arterial que ela tenta controlar quando necessário. Relata que nunca teve desejo de emagrecer, pois sempre se considerou “muito magra, bem magrinha”. Em relação ao desenvolvimento afetivo-sexual e relações amorosas, conta que conheceu seu marido assistindo a uma partida de futebol amador, na qual ele jogava. Namoraram por dois anos e viveram 38 anos juntos, quando ele faleceu. Viveu um namoro sério, que ela pontua como diferente da licenciosidade dos relacionamentos atuais. Fala de um bom casamento, com predomínio de paciência, controle das emoções e aparentemente sem conflitos no relacionamento conjugal. Dona Carmosina conta que sentia muita vergonha ao contar para o marido que estava grávida, atribuindo essa vivência ao fato de “ser caipira”. O corpo feminino parecia estar envolto em segredos e mistérios, não desvendados ou experimentados genuinamente por ela, o que tornava difícil qualquer comunicação que envolvesse a dimensão corporal. Relata que, ao contar para o marido que estava grávida, ele respondia alertando-a para que ela tomasse cuidado, de maneira a “não beber nada para por o filho para fora”, com medo de que o bebê viesse a falecer. No contato com a pesquisadora, notou-se que dona Carmosina falou de forma ligeira e breve sobre aspectos relacionados à gravidez, parecendo evitar o aprofundamento no tema. Em relação à AN da neta Mabel, a participante conta que tem conhecimento de que ela faz tratamento, porém não sabe dizer para qual doença. O corpo (erótico, biológico, campo de impulsos, afetos e sensações) parece constituir um tabu para dona Carmosina, circunscrito em mistérios insondáveis, pudor e segredos. Devido aos interditos, não é possível conversar sobre as funções do corpo, nem sobre doenças que ficam “marcadas” no mesmo. A mãe 264 Alba tem 51 anos e Mabel é sua filha caçula. Identifica entre as principais dificuldades de sua vida a convivência com os sintomas de TA da filha e o recente casamento de Mabel, que lhe traz muitas preocupações. A participante fala de sua mãe como uma mulher exigente em relação às responsabilidades delegadas às filhas, porém ausente no contato afetivo e íntimo. Não havia espaço para conversas em relação ao corpo feminino, que permanecia permeado por mistérios. Não havia diálogo e orientação em relação às mudanças próprias do desenvolvimento físico e emocional (menstruação, namoro, sexualidade, gravidez, parto). O corpo feminino parece envolver o principal não-dito da família. É vivido como um tabu, cercado por segredos e pudores que bloqueiam a possibilidade de conversação. Para Onnis, Gianuzzi e Romano (2007), o segredo é considerado patológico quando bloqueia o desenvolvimento do grupo familiar. Na família Azevedo, vivenciar o corpo com prazer não é uma experiência permitida, o que torna ilegítimas as conversas que abordam o tema. Alba fala de situações de sofrimento para compreender qual corpo seria o que lhe pertence, um corpo com funções eróticas e com capacidade de gerar uma nova vida. Quem acompanhava Alba para comprar roupas, algo que parece ser um campo que possibilitaria a criação da intimidade entre mãe e filha, era o pai. Ela se percebe como herdeira desse distanciamento afetivo da mãe, já que sente que a relação com seus filhos, em muitos momentos, foi marcada pela ausência e afastamento afetivo. Sobre as vivências de seu próprio corpo, ela diz que sente desejo de implantar próteses mamárias, para diminuir o desconforto que sente por ter mamas pequenas. Em sua juventude, quando teve seus filhos, conta que teve desejo de perder peso: não fazia dieta, mas controlava a alimentação. Usava roupas e outros métodos que disfarçavam o peso extra que adquirira durante as gravidezes. Em relação ao desenvolvimento afetivo-sexual, relata que conheceu seu marido em uma danceteria. Vivenciaram um período de namoro percebido por ela como muito curto (um ano) e sério, com horários de saída e chegada rigorosamente controlados pelo pai. Casaram-se no religioso, cercados de boatos de que Alba estaria grávida, devido à precocidade do casamento. O primeiro ano de vida conjugal foi qualificado por ela como o mais difícil. Sente que perdeu a atenção do pai, ao sair de casa, em favor de sua irmã, que nesse sentido teria sido beneficiada. As principais crises do casamento foram financeiras e em relação à criação dos filhos. Sente que o marido foi ausente, porém um bom pai, mas com poucas possibilidades de dialogar com ela e com os filhos. O diagnóstico de TA de Mabel na adolescência evidenciou a existência de muitos conflitos no núcleo familiar. Quando aconteceu a descoberta da gravidez de Mabel, Alba e seu marido estavam vivendo um período turbulento de crise financeira e no relacionamento conjugal, que desencadeava muitas brigas. O marido acreditava que Alba engravidara propositalmente e o casal vivenciou um período de intensos problemas emocionais. Mabel nasceu antes do tempo (no oitavo mês de gestação), pois apresentava sintomas de taquicardia ainda no útero. Desde aquela época já dava sinais de ser um bebê ansioso, agitado, que nascera em um ambiente turbulento, no qual as emoções intensas não podiam ser expressas plenamente ou ser elaboradas. Com um mês de idade, Mabel apresentou, de acordo com o relato da mãe, sintomas de uma “adolescência precoce” (sic), como penugem e corrimento. Foi necessária coleta de sangue e de outros exames. Nesse momento, o marido de Alba expressou sentimento de culpa por não ter desejado a gravidez, temendo ter transmitido tais emoções negativas à filha e que a rejeição possa ter gerado tais disfunções corporais. A partir desse episódio, o casal, principalmente Alba, parece ter se reestruturado para que nada mais faltasse para Mabel, que passou a receber atenção especial e a ser mais cuidada e mimada do que os outros filhos. Alba vivencia o casamento da filha como uma traição, já que sente que perdeu seu domínio “absolutista” no que concerne aos cuidados da caçula. Percebe o genro como uma pessoa muito diferente de sua filha. Tenta oferecer-lhe conselhos sobre o casamento, sem se dar conta de que repudia, na filha, tudo o que ela sente que faltou em seu próprio relacionamento 265 conjugal, que também aconteceu após um curto período de namoro. Mabel teve um problema no útero, que Alba associa com a falta de menstruação. Ela conta que não sabe se a filha poderá ter filhos. Parece haver receio de que a filha possa não exercer a maternidade, havendo assim uma interrupção na cadeia geracional. A filha Mabel teve o primeiro episódio de AN aos 14 anos. Devido à gravidade dos sintomas, ficou internada por sete meses em enfermaria psiquiátrica, período em que foi acompanhada pela mãe. Atualmente, trabalha na área em que se graduou. Recentemente, casou-se após um curto período de namoro. Conta muito brevemente de sua constituição familiar e de seus relacionamentos dentro desse grupo. A ausência de contato físico e afetivo fica bem marcada nos relatos sobre a infância e adolescência. Mabel claramente associa sua adolescência ao TA, como se fosse impossível separá-los. Conta que perdeu os laços com pessoas queridas nessa época, devido à mudança de cidade, e que não soube lidar com tais acontecimentos. Para Eiguer (1985), algumas famílias vivenciam todo tipo de separação com intensa dor, sem evidências de capacidades de elaboração de lutos. A cada dificuldade (crise) parece predominar apenas ideias dominantes de fracasso, pessimismo e temor em relação a um futuro projetado como insatisfatório. Na família de Mabel, são muitos os relatos de perdas e dos bloqueios gerados por tais acontecimentos, que parecem frear o desenvolvimento do processo de individuação, comprometendo a dinâmica do ciclo de vida familiar. Sobre o início dos sintomas de AN, Mabel conta que havia “uma pessoa” de quem gostava, da vizinhança, mas que cortou o relacionamento com ela sem maiores explicações. Depois de alguns dias, ele apareceu com uma garota muito magra, em sua opinião. Mabel diz ter associado o rompimento ao fato de se sentir gorda, acreditando que o rapaz rompeu com ela por seu possível sobrepeso. A partir desse episódio iniciou dietas para emagrecer. Interessante ainda lembrar que a origem dos sintomas aconteceu no limiar da adolescência, quando têm início as principais mudanças corporais decorrentes da puberdade. A relação mãe-filha mostra-se muito marcada por sentimentos ambivalentes: desejo de fundir-se à mãe, contrastando com o desejo de separar-se sem sofrimento. Mãe e filha parecem eternamente ligadas por laços intensos de amor e ódio, que não podem ser vividos de maneira espontânea devido ao seu potencial perturbador e à fragilidade das defesas. Essa dinâmica acarreta prejuízos ao seu desenvolvimento emocional, dificultando a construção de esquemas próprios de independência e autonomia. Sobre o desenvolvimento afetivo-sexual, conta que seu namoro foi muito curto (menos de 10 meses), vivenciado após o rompimento de um namoro de quatro anos – e que se casou rapidamente, assim como seus pais o fizeram. A mãe, Alba, ressente-se da situação, mostrandose magoada com a rapidez com que se desenrolou o relacionamento. Agora é o marido de Mabel quem fica com a carga de “sentir-se sufocado” pelos cuidados extremos, embora à distância, exercidos pela mãe. A participante conta que seu primeiro mês de casamento foi uma tristeza, já que a mãe sentia o seu enlace conjugal como uma traição. Mabel relata que foi tudo muito rápido. Percebe que assustou os pais, já que antes dependia extremamente deles, como um bebezinho, que não pode sobreviver se não receber cuidados; e então deu-lhes a notícia abruptamente, mas sem titubear, de que se casaria em breve. Sobre as vivências do corpo, a participante mantém o foco de seu relato na alimentação. Não aborda outros aspectos, relacionados, por exemplo, à sexualidade ou o relacionamento afetivo com o marido. O desenvolvimento afetivo-sexual parece estar seriamente bloqueado. Como sugere Lane (2002), há a busca por um corpo infantil, não condizente com o corpo de mulher que se desenvolve ao longo da adolescência. De acordo com Kaplan (2002), mulheres diagnosticadas com transtornos mentais apresentam problemas na vida afetivo-sexual. Mulheres com TA não se identificam com o próprio corpo e tendem a rejeitar o desenvolvimento de curvas femininas. Mulheres com AN apresentam 266 amenorréia, pouco interesse em relações afetivas, bem como diminuição da libido, conseguindo estabelecer uma relação íntima com um parceiro apenas após a recuperação (pelo menos parcial) do quadro psicopatológico. Essas mulheres também costumam apresentar dificuldades com a alimentação desde a infância, comportamento autoagressivo, ausência de cuidados maternos satisfatórios e tabus familiares que dizem respeito à nudez e à sexualidade (MANGWETH et al., 2005). Na família Azevedo foi possível constatar que o corpo é claramente considerado tabu. Não pode ser percebido, desvendado ou dialogado. As representantes de três gerações, ouvidas neste estudo, parecem vivenciar o próprio corpo como “um estranho familiar”, alheias aos seus sinais e necessidades. Considerações Finais A partir das evidências obtidas, pode-se postular que as relações familiares disfuncionais são coloridas por conteúdos psíquicos, que nessas famílias são repassados entre as gerações sem sofrerem as transformações necessárias para sua elaboração apropriada. Esses conteúdos encontram no sintoma anoréxico uma forma radicalizada de expressão do desconforto resultante do conflito psíquico. Conteúdos relacionados às vivências do corpo são transmitidos, sem possibilidade de uma experiência genuína e transformadora. Desse modo, não há o elaborar, que freia o automatismo do repetir. O corpo torna-se um segredo e uma fortaleza inexpugnável nas gerações de mulheres da família aqui analisada. Com o decorrer do tratamento e a melhora gradual dos sintomas da AN, o corpo não é mais alvo de intensa rejeição, mas pode ser mais aceito, sem que sejam desejadas grandes modificações. É possível estar atenta ao corpo de maneira saudável, percebendo sintomas de doenças, assim como uma sensação de corpo forte e saudável. O peso pode perder seu lugar de importância e, desse modo, as emoções podem ganhar espaço, sendo finalmente reconhecidas e vividas de maneira genuína. Espera-se que a equipe multiprofissional tenha preparo para auxiliar a família nesse processo, auxiliando os familiares a desenvolverem recursos para lidarem com os aspectos afetivos e corporais da sexualidade. Nesse contexto promissor, o corpo pode ganhar espaço junto às palavras, tornando-se representável, ou seja, simbolizado. Referências AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM-IV-TR. Washington (DC), 2002. BERTIN, I. P.; PASSOS, M. C. A transmissão psíquica em debate: breve roteiro das concepções psicanalítica e sistêmica. Interações, v. 8, n. 15, p. 65-79, 2003. CLAUDINO, A. M.; BORGES, M. B. F. Critérios diagnósticos para os transtornos alimentares: conceitos em evolução. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 24, n. 3, p. 07-12, 2002. BRUCH, H. Eating disorder: obesity, anorexia nervosa and person within. Nova York: Basic Books, 1973. DE FELICE, E. M. Vivências da maternidade e suas consequências para o desenvolvimento psicológico do filho. São Paulo: Vetor, 2006. EIGUER, A. Um divã para a família (L. M. V. Fisher, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. GASPAR, F. L. A violência do outro na anorexia: uma problemática de fronteiras. 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Contato: [email protected] 3 Mestranda do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected] Resumo A figura materna tem função primordial na saúde física e psíquica infantil, contribuindo para compreender a psicopatologia. Um dos maiores problemas atuais entre crianças é a obesidade, com consequências físicas e psíquicas alarmantes. Em seu tratamento, o aspecto emocional é pouco considerado. Este estudo pretende mostrar a importância do ambiente em que a criança vive, focando a percepção das mães em relação aos filhos obesos. Realizou-se um grupo com seis mães de crianças obesas, três meninos e três meninas, de idades entre 8 e 12 anos. As análises seguiram abordagem psicanalítica, enfatizando-se percepção do filho, ideia do tratamento, possibilidades de auxílio e confiança em si e na criança. Inicialmente houve resistência materna, descrença e dificuldade para ajudar os filhos a perder peso. Todas se perceberam impotentes diante do excesso de ingestão alimentar, demonstrando raiva, nojo e desprezo. Descreveram os filhos com características predominantemente negativas (preguiçoso, emburrado, sonolento, feio). Depois, as mães relataram maior motivação e capacidade de oferecer auxílio às crianças, percebendo-se como fundamentais no tratamento. Perceberam que exigiam das crianças e as cobravam pelo fracasso em perder peso. Ao entrarem em contato com seus próprios sentimentos, elas puderam perceber os filhos de maneira mais real, transmitindo-lhes confiança e esperança. Palavras-chave: mães; crianças; obesidade; tratamento. 268 Introdução A obesidade desponta como um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em franco desenvolvimento. Suas consequências físicas e psíquicas são alarmantes, hoje é considerada segunda causa de morte nos Estados Unidos. Apesar da importância do aspecto emocional envolvido nessa doença, os estudos privilegiam os aspectos biológicos e genéticos. Juntamente com tais fatores, torna-se imprescindível considerar o ambiente em que o indivíduo vive, especialmente o grupo familiar, por meio dos hábitos alimentares e do funcionamento psicodinâmico. Como parte importante da obesidade infantil, os pais relatam a dificuldade em auxiliar os filhos no tratamento, com falta de esperança em relação ao sucesso e receio de que os filhos sofram preconceito. Mesmo que a obesidade revele a dinâmica do comportamento alimentar do indivíduo e de sua família, não há um padrão familiar para o ambiente de indivíduos obesos, pois o excesso de gordura pode servir como proteção contra situações estressantes ou ainda significar a paralisação psíquica da pessoa diante das crises do desenvolvimento vitais (APPART; TORDEUS; REYNAERT, 2007). Ganley (1986) afirma que o estresse vivido em crises familiares pode acarretar o aumento do consumo de comida e, consequentemente, o ganho de peso. Strauss e Knight (1999) sugerem que o ambiente familiar é crítico no desenvolvimento da obesidade infantil: estudos mostram um aumento maior que o dobro de desenvolvimento da obesidade em crianças que tiveram baixas estimulações cognitivas, comparadas com aquelas que tiveram altos níveis de estimulação. Nesse sentido, Hyder (2003) assinala que o principal fator do aumento de peso em crianças está relacionado aos aspectos ambientais. Para Strauss (1999) esses aspectos envolvem a negligência, abuso e geralmente falta de suporte ambiental familiar. A família retrata o primeiro ambiente para socialização e os alimentos são um dos principais símbolos de união dos grupos, configurando a cultura alimentar, na qual a criança é iniciada durante ou após o desmame (RAMOS; STEIN, 2000; BIRCH; DAVISON, 2001). Além do ambiente micro social é preciso considerar que a sociedade de consumo é uma sociedade obesogênica na medida em que estimula o consumo alimentar. A dinâmica familiar assume papel considerável na mudança de práticas alimentares para controle ou tratamento da obesidade, porém, muitas vezes, a família atribui todo o dever de mudança de hábito alimentar aos filhos, negando assim sua parcela de responsabilidade. Os prejuízos de natureza biopsicossocial que a obesidade acarreta na infância e adolescência são inúmeros e atitudes negativas em relação às crianças obesas iniciam precocemente. Schwartz e Puhl (2003) destacam a grande quantidade de pesquisas que mostram a estigmatização social dessas crianças, sendo a atitude preconceituosa de outras crianças e a rejeição dos colegas as formas mais comuns de estigma. Suicídios de crianças obesas são considerados resultado dessa estigmatização severa dos seus pares. Outro estudo que denota tal estigmatização foi realizado com crianças de 4 a 11 anos. Elas foram convidadas a descrever crianças obesas e de peso saudável. Quanto às obesas, elas afirmaram serem feias, preguiçosas, estúpidas, desonestas, isoladas, enquanto as que estavam na média de peso eram consideradas limpas, saudáveis, atrativas, felizes e socialmente populares (WARDLE; VOLZ; GOLDING, 1995). Além disso, é menos provável que os companheiros de sala considerem as crianças obesas como “melhor amigo”, comparadas às não obesas (STEWART, 1995). Adolescentes femininas obesas relatam menos encontros, baixa participação nas organizações escolares e em outras atividades, comparadas com as não obesas. Neumark-Sztainer, Story e Harris (1999) verificaram que os professores também tinham preconceito em relação às crianças obesas, classificando-as de sujas, mais emotivas, menos prováveis a ter sucesso e com mais problemas familiares. 55% dos professores concordaram que a obesidade representa uma forma de compensação pela falta de amor ou atenção e 28% relataram que a pior coisa que pode acontecer para uma pessoa é ela se tornar obesa (PRICE; DESMOND; STELZER, 1987). 269 Em estudo com mães de crianças obesas, Maynard et al. (2003) investigaram a percepção delas em relação aos filhos. Participaram do estudo mães de 5500 crianças com idades entre 2 e 11 anos. Quase um terço destas mães (32,1%) afirmou que seu filho que tinha sobrepeso estava com o peso certo. Este resultado pode refletir uma falha ou relutância das mães em reconhecer o sobrepeso do filho, ou uma falta de conhecimento do que é estar acima do peso. Devido ao preconceito em relação à criança obesa, em qualquer ambiente, seja familiar, escolar ou social, várias pesquisas encontraram aumento de sintomas depressivos entre essas crianças (SHESLOW et al., 1993). Um estudo mais recente, com estudantes da terceira série do ensino fundamental, também demonstrou maiores sintomas depressivos em garotas acima do peso, confirmando a relação entre o índice de massa corporal e a depressão (FISBERG, 2005). No intuito de mostrar a importância do ambiente em que a criança vive, com foco na percepção materna acerca dos filhos obesos e do tratamento, este trabalho traz a experiência de um grupo com mães de crianças obesas. Metodologia Participaram do grupo seis mães de crianças obesas, sendo três crianças meninos e três meninas, de idades entre 8 e 12 anos. O grupo teve a duração de doze encontros e foi coordenado por diferentes profissionais (psicólogo, fisioterapeuta e nutricionista). Cada profissional ficou responsável por quatro encontros, cujas sessões eram intercaladas entre eles. Aqui serão abordadas as sessões com a psicóloga. Os temas abordados foram: percepção do filho, ideia do tratamento, possibilidades de auxílio e confiança em si e na criança. Os outros profissionais também trabalharam estes temas, de diferentes maneiras e de acordo com a especificidade. É importante ressaltar que os filhos estavam em tratamento para a obesidade, com outros profissionais (psicólogo, nutricionista e fisioterapeuta). Resultados e Discussão Logo no início do grupo, todas as mães se mostraram muito resistentes ao tratamento dos filhos, alegando que não aguentavam mais o excesso de comida e não sabiam como agir com eles. A fala mais comum era: “já fiz de tudo, não adianta, ele não quer emagrecer”. Como já visto em estudos científicos, as mães tendem a culpar os filhos pelo fracasso na perda de peso, como se eles não fossem capazes de emagrecer (BIRCH; DAVISON, 2001). Dessa maneira, neste grupo o fracasso em perder peso era responsabilidade da criança, como se ela não quisesse emagrecer ou não conseguisse. Em uma das sessões foi solicitado às mães que fizessem dois desenhos de seus filhos: primeiro como ela os viam, depois outro de como elas gostariam que eles fossem. No primeiro, metade das mães desenhou os filhos como mais obesos do que realmente eram, dando ênfase na região abdominal; as outras três desenharam com peso normal, como se eles não estivessem acima do peso. Assim, foi possível pontuar para as mães a percepção que elas tinham dos filhos: metade os via como muito mais obesos do que eram, outra metade não tinha a percepção da doença. De maneira geral, notou-se dificuldade das mães em ver o filho como ele realmente era (MAYNARD et al., 2003). Além disso, elas caracterizaram as crianças de maneira preconceituosa, com características como preguiçoso, emburrado, sonolento, nervoso e feio. Uma das mães disse não conseguir mais olhar para a filha, pois via que ela estava ficando cada vez mais sem forma, “seu corpo não é mais de uma menina”. Quanto ao segundo desenho, sobre como as mães gostariam que o filho fosse, todas fizeram as crianças como mais magras do que o normal, algumas com características de adulto (corpo esbelto, seios, roupas de adulto), sinalizando a necessidade de que não dessem problema e que fossem responsáveis e autônomos, sem precisar do auxílio materno. Ao descreverem as figuras, havia descrença em relação ao tratamento dos filhos, além do sentimento de impotência 270 delas, que não compreendiam o que poderia ser feito para ajudar as crianças: “assim é como eu queria que ele fosse, mas sei que não vai ser assim nunca”. A impotência das mães também foi notada quanto se referiam ao comportamento alimentar dos filhos, elas demonstravam raiva, nojo e desprezo quando contavam do excesso de ingestão alimentar das crianças: “eu tenho vontade de esganá-lo quando o vejo abrindo a geladeira”; “eu não sei mais o que fazer, para não bater nela, eu saio de perto”; “eu finjo que não vejo, mas minha vontade era dar uma surra daquelas”. No decorrer dos encontros foram sendo trabalhado com as mães o sentimento de incapacidade, a raiva, as exigências em relação aos filhos, além do preconceito e medo de que eles não perdessem peso. Dessa forma, as mães foram se sentindo mais capazes de oferecer ajuda para a criança, vendo-se como de fundamental importância para a autoimagem dos filhos, transmitindo confiança e esperança. Foi possível trabalhar a ideia de que a falta de suporte ambiental familiar pode colaborar com o surgimento ou manutenção da obesidade (STRAUSS, 1999). Outro aspecto salientado no grupo foi quanto à representação da família como o primeiro ambiente para a criança de socialização, assim, dentro deste grupo os alimentos são representativos dos principais símbolos (RAMOS; STEIN, 2000), além do que os pais são exemplos para o comportamento nutricional de seus filhos. Ao final, as mães puderam perceber o quanto cobravam das crianças autonomia e depositavam nelas os fracassos em perder peso. A percepção dos filhos passou a ser mais real, além disso, entraram em contato com as próprias cobranças e com o preconceito em torno da doença. Concomitante ao trabalho com a psicóloga, a fisioterapeuta ofereceu importantes contribuições para auxiliar na realização de exercícios físicos com as crianças e a nutricionista contribuiu com informações da dieta, mudando o cardápio de toda a família. Considerações Finais Ao final, o trabalho interdisciplinar com as mães contribui para oferecer maior confiança e assegurar a importância da participação da família no tratamento da obesidade infantil. Diante dessas considerações, torna-se inquestionável a implantação e desenvolvimento de programas de intervenção com abordagens multidisciplinares para crianças e adolescentes obesos, bem como para os familiares responsáveis por essas crianças. O sucesso do tratamento deve considerar o envolvimento da família, pois este grupo pode promover mudanças na alimentação das crianças, planejar e realizar atividades físicas para e junto dos filhos e, sobretudo, oferecer o apoio emocional que a criança tanto necessita para enfrentar a doença. Referências APPART, A.; TORDEURS, D.; REYNAERT, D. La prise en charge du patient obese: Aspects psychologiques. Louvain Medical, v. 126, n. 5, p. 153-159, 2007. BIRCH, L. L.; DAVISON, K. K. 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Diante da identificação de vínculos familiares ambivalentes, marcados pela manutenção da dependência extrema na infância e adolescência e pela exigência abrupta de autonomia a partir da juventude, o grupo se apercebe da importância dos primeiros vínculos na gênese de seus transtornos. O comportamento alimentar, então, começa a ser resignificado como tentativa de expressão das sensações de intrusão e abandono vividas de forma antes insolúvel por estas pacientes. O grupo psicoterápico, estabelecido como espaço de elaboração e continência, mostra-se então parte integrante de um projeto terapêutico para pessoas com Transtornos Alimentares. Palavras-chave: transtornos alimentares; psicoterapia grupal; anorexia e bulimia. 272 Introdução Nas ultimas décadas, houve crescimento do interesse sobre os transtornos alimentares, com vasta produção de artigos acadêmicos enfocando os aspectos multifatoriais envolvidos na gênese e manutenção desses quadros. Ao inicio, o atendimento individual era a forma indicada para o tratamento psicoterápico, devido aos fatores de personalidade e comportamento identificados nestes pacientes. A psicoterapia em grupo era apontada como oportunidade de aprendizado de novas condutas para perda de peso, estimularia a competição entre os participantes e seria ansiógena para pessoas com dificuldades de expor e identificar seus sentimentos, reforçando a patologia (Hall, 1985; Polivy, 1981). Assim, os aspectos benéficos de grupos terapêuticos, como a possibilidade de identificação, de relacionamento interpessoal e diminuição do isolamento social despertam, ainda atualmente, temores e recomendações de monitoramento para a ocorrência de identificações com pacientes mais graves, formação de dependências com membros do grupo que não podem servir de apoio, formação de vínculos extra grupo e as dificuldades de um terapeuta do grupo ser do sexo masculino (dificultando a colocação de aspectos da sexualidade), dentre vários outros cuidados recomendados (Polivy e Federoff, 1997). Presentemente, no entanto, os atendimentos em grupo para estes pacientes têm sido utilizados, notadamente em formatos psicoeducacionais, motivacionais e focais, com orientação cognitivo- comportamental (McIntosh e cols., 2005; Hudson e Ritchie,1999). Pouca literatura é disponível sobre grupos psicoterapêuticos de orientação psicanalítica (Willis,1999;Brunore cols.2004),sendo este enfoque ainda, principalmente, reservado a atendimentos individuais. Assim, nos parece de interesse descrever e discutir as possibilidades de atendimento de pacientes com Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa em psicoterapia de grupo de orientação psicanalítica. Metodologia Objetivo: discutir, por meio de experiência clinica, o atendimento psicoterápico de grupo, de base psicanalítica, a pacientes com transtornos alimentares. Métodos: Desenho do Estudo: Caso clínico. Será utilizada uma sessão de psicoterapia de grupo realizada em instituição de saúde mental 2 . O grupo descrito é composto por cinco pessoas do sexo feminino, com idades variando entre 21 e 40 anos, em tratamento intensivo em serviço público especializado. Duas participantes apresentam sintomas graves de Anorexia Nervosa, e as demais apresentam sintomas de intensidade grave de Bulimia Nervosa. Participam do grupo duas psicólogas com formação em psicanálise. Os dados pessoais e de identificação pessoal são alterados a fim de preservar o sigilo. Resultados e Discussão A inserção de um serviço especializado no atendimento a Transtornos Alimentares – PROATA – em um dispositivo CAPS teve, como objetivo, estruturar um atendimento intensivo a pacientes com sintomatologia grave, pouca continência familiar e/ou falha em tratamento ambulatorial ou internação especializada. Este tratamento requereu, então, a construção de um projeto antes inexistente em São Paulo, e que pudesse utilizar-se de mecanismos próprios do modelo CAPS. O atendimento transdisciplinar inclui, então, um grupo de psicoterapia de orientação psicanalítica, realizado uma vez por semana, e com duas terapeutas. O grupo presentemente descrito funcionava, na ocasião, há cerca de dois meses com os participantes deste relato. Encontra-se então em um momento no qual as queixas repetitivas sobre alimentação, forma corporal, peso, estão menos em evidencia. Uma das questões mais presentes no grupo é a reconstrução possível do significado do quadro alimentar, e uma das pacientes inicia seu relato associando o começo da Bulimia com a escolha profissional. Relata como seu desejo foi abandonado em função do desejo do pai, que achava a carreira escolhida muito custosa financeiramente e não se dispôs a pagar. Ela então relata que foi uma adolescente 273 superprotegida, que não podia sair, pois tudo era visto como perigoso. Assim, coloca para o grupo as dificuldades em viver o período da adolescência como aquele em que há certa moratória das consequências, como forma de preparo para a vida independente e adulta. Outras participantes do grupo identificam-se com a ausência do período adolescente em suas vidas, e relatam suas próprias vivencias deste período. Superproteção, infantilização nas relações com os pais, ausência do desejo próprio, são identificadas por todas. O grupo é questionado sobre a relação disto com as dificuldades com o corpo e alimentação. A mesma moça, que havia iniciado o tema para o grupo, conta que aos chegar aos dezoito anos, seu pai começa a exigir dela que more sozinha e se mantenha. Apavorada, muda-se para um apartamento e começa a trabalhar, sem sentir-se minimamente preparada para isto. Enquanto as pacientes com Bulimia Nervosa identificam-se e relatos de que superproteção da infância e adolescência é subitamente retirada, e uma exigência de estar por conta própria é feita, as pacientes com Anorexia contam a continuidade da dependência dos pais, que então é identificada por meio da doença. O paradoxo é discutido: a Anorexia Nervosa traz o desejo de ter uma numeração de roupa infantil, a mãe precisa realimentar sua filha, a maturidade é evitada, a ideia de emagrecimento é dura e inflexível. É possível então trazer uma imagem para o grupo: existem frutas, em alguns supermercados, que são colhidas cedo e congeladas. Na prateleira, parecem bonitas e maduras. Mas muitas vezes, quando vamos consumi-las, estão endurecidas ou verdes por dentro. Não são saborosas. O grupo parece então trazer a sensação de serem frutinhas de supermercado: amadurecidas a força, endurecidas em seu desenvolvimento, ficam sem sabor pela vida. As terapeutas colocam para o grupo a historia de cada uma, marcada pelo excesso e pela falta excessiva do outro em suas vidas. Ou demais ou de menos, impossível de digerir, de controlar, de apropriar-se. Assim, o grupo, constituído como lugar de elaboração, segue nos demais encontros pensando seus sentidos, buscando suas próprias medidas para o transtorno alimentar, até ser dissolvido pelo fim do projeto Proata/CAPS. "Eu sou dona, única, de meu corpo". Esta frase, subtítulo deste breve relato, vem do artigo de Mario Pablo Fuks, “O mínimo é o máximo - uma aproximação da anorexia” (2003), no qual são discutidos os aspectos subjacentes a essa pressuposição, que fundamenta a saída encontrada para a dificuldades de individualização, para os sentimentos de insuficiência e autoestima rebaixada, de descontrole sobre a própria vida e desejos de pessoas com Anorexia e Bulimia. Mas saída esta que também carrega o paradoxo de identificação com ideais familiares de autossuficiência, de recusa frente às falhas e dificuldades, ou como diz o autor, de recusa frente ao sofrimento. O encontro acima descrito do grupo propicia que este aspecto, envolvido na gênese dos sintomas, comece a ser desvelado. O grupo se emociona, ao perceber as próprias dificuldades, em um sofrimento que não pode mais ser recusado. Em parte porque partilhado, fora da família. Como quando adolescentes, encontramos pares que partilham nossas queixas e as validam e nos possibilitam avançar nos processos de construção da identidade, o grupo propicia vivencias faltantes na vida destas pacientes, e que são básicas para o caminho da real maturidade. Bibliografia Brunori, L; Gibbin, AM; Miglioli, M & Bussandri, M (2004): Analysis of the Therapeutic Course of an Eating Disorders Group. Group Analysis. Vol. 37(3): 387–399. Fuks, MP (2003): O mínimo é o máximo - uma aproximação da anorexia. Estados Gerais da Psicanálise: Segundo Encontro Mundial, Rio de Janeiro. Hall, A. (1985): Group psychotherapy for anorexia nervosa. In D.M.Garner e P.E. Garfinkel: Handbook of psychotherapy for anorexia nervosa and bulimia. Pp. 213-219. New York, Guilford Press. Hudson, I.; Ritchie,S. & cols (1999) : Consuming Passions: Groups for Women with Eating Problems. Group Analysis Vol. 32, 37–51. McIntosh, VVW; Jordan, J; Carter, FA & cols (2005) : Three psychotherapies for anorexia nervosa: A randomized, controlled trial. Am J Psychiatry: 162: 741–747. 274 Polivy, J (1981): On the induction of emotion in the laboratory: discret moods or multiple affects states? Journal of Personality and Social Psychology. 41; 803-817. Polivy, J & Federoff, I (1999): Group psychotherapy. In D.M.Garner : Handbook of treatment for eating disorders. Second Edition. Pp. 462- 475. New York: Guilford Press. Willis S: Group Analysis and Eating Disorders. Group Analysis, Vol. 32, 21–35. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ MR13 – TÍTULO: Grupoterapia com Adultos: autonomia e compromisso ............................................................................................................. O SIGNIFICADO DA AUSÊNCIA NA GRUPOTERAPIA: UMA REFLEXÃO Marina de Felipe Antônio1; Cláudia Alexandra Bolela Silveira2 1 Graduanda de Psicologia e estagiária de Processos Grupais Clínicos e Institucionais. Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, email: [email protected] 2 Docente e Membro da SPAGESP e Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, email: [email protected] Resumo A grupoterapia consiste em uma abordagem do trabalho psicológico que encontra dificuldades para sua constituição e manutenção uma vez que envolve as peculiaridades de cada membro. O fluxo, entradas e saídas de pacientes na grupoterapia trazem repercussões significativas no processo. Desta forma, torna-se importante pensar acerca do significado da ausência no grupo. O objetivo deste trabalho, portanto, é refletir sobre as ausências ocorridas no percurso de uma grupoterapia, realizada em um estágio em uma Clínica-escola de uma universidade do interior de São Paulo, com cinco pacientes adultos entre 35 e 70 anos de idade. A reflexão foi realizada a partir da análise dos dados dos relatos semanais das sessões, da teoria de grupo e dos fenômenos grupais observados, no período de Abril a Outubro de 2012. Com a reflexão foi possível perceber o quanto é difícil a adesão dos participantes e o quanto sua ausência repercute naqueles que permanecem, interferindo na dinâmica e conteúdos abordados no grupo. Este processo, porém, assim como pode favorece um nível de tensão, desequilibrando a homeostase, também pode facilitar a elaboração de uma série de sentimentos e/ou situações vivenciadas pelos membros que permaneceram no grupo. Palavras-chave: Grupoterapia; ausência; idosos. Introdução Quando falamos em grupo, devemos ter em mente que ele não significa apenas um mero somatório de indivíduos, mas um conjunto de pessoas capazes de reconhecerem-se em sua singularidade e que, ao mesmo tempo, exercem uma ação interativa com objetivos compartilhados. “Grupo é uma unidade que se manifesta como uma totalidade, de modo que, tão importante como o fato de se organizar a serviço de seus membros, é também a recíproca disso” (ZIMERMAN, 2007, p. 84). O grupo como um espaço terapêutico remonta a tempos imemoriais, afinal, o homem é um ser social, porém, a grupoterapia como uma abordagem psicológica só foi criada no século XX, se considerarmos como marco inaugural da prática grupal o trabalho pioneiro que Joseph H. 275 Pratt, em 1907 (SANTOS, 2005). Foram muitas as mudanças desde então, a própria sociedade mudou, mas mesmo após 105 anos de seu surgimento, a grupoterapia ainda enfrenta muitos desafios, a começar pela montagem de um grupo. Ainda hoje as pessoas resistem a essa modalidade, temem a exposição de seus conflitos e sofrimentos, na maioria das vezes, tão secretos. Outro grande desafio a ser enfrentado pelo terapeuta é saber lidar com as ausências de pacientes ao longo do processo - lidar tanto com a própria frustração, quanto com as repercussões que surgem no grupo, que sempre se afeta com cada falta ou saída de um membro. Segundo Zimerman (2007), em todo grupo coexistem duas forças contraditórias, um com tendência à coesão grupal, com os sentimentos de pertinência e pertencência, e outra com tendência à desintegração; e a coesão grupal “depende de sua capacidade de perder indivíduos e de absorver outros tantos, assim como de sua continuidade” (ZIMERMAN, 2000, p. 84) A ausência dos participantes em uma grupoterapia, principalmente se o grupo for fechado, acaba por interferir na dinâmica grupal, tanto no que diz respeito à quantidade de participantes quanto às repercussões da ausência abordada no processo (BECHELLI; SANTOS, 2002; ORMONT, 1992; ZIMERMAN, 2004 apud VILELA-SOUZA; SCORSOLINI-COMIN, 2011). Zimerman (2007) afirma que as faltas dos participantes nunca passam despercebidas e acaba provocando nas pacientes que permaneceram fantasias conscientes e inconscientes sobre o porquê dos participantes não estarem ali. Sendo assim, o objetivo do presente estudo é refletir sobre os significados que as ausências podem adquirir ao longo do desenvolvimento de uma grupoterapia. Metodologia Este trabalho constitui um relato da experiência do estágio em grupoterapia, realizado em uma universidade do interior de São Paulo. O grupo teve início em abril de 2012, após dois meses de busca por pacientes. A princípio o grupo era aberto, semanal e com duração de uma hora e meia, tinha como proposta a orientação de familiares que estivessem com alguma criança em atendimento na Clínica-escola da universidade. Ao longo do ano o grupo sofreu transformações e tornou-se um grupo fechado de idosas, também semanal e de uma hora e meia. No total, participaram do grupo cinco participantes. O grupo terminou em outubro de 2012. A análise dos dados foi realizada a partir dos relatos semanais das sessões, da teoria de grupo e dos fenômenos grupais observados. Os nomes dos membros aqui citados são fictícios para que se mantenha o sigilo da identidade dos mesmos. Resultados O grupo iniciou-se com três membros, dos quais apenas uma senhora (D. Maria, 70 anos), foi a todos as sessões. Os outros dois participantes foram apenas a dois atendimentos, com faltas entre eles. Uma justificou a saída e a outra não aceitava o desligamento, sempre dizia que estaria presente na próxima sessão e não comparecia. Com as ausências e desligamentos, o grupo estava apenas com D. Maria. Em Junho, mais duas pacientes, idosas, entraram no grupo, encaminhadas de outro setor da clínica. Sendo assim o grupo, que antes era de orientação de familiares, agora se tornou grupo de idosos. Uma das senhoras que entrou também foi apenas a um atendimento, justificando sua saída devido a uma viagem para casa de familiares que demoraria alguns meses, porém, não quis o desligamento, pois, gostaria de voltar ao grupo em outubro, mês que voltaria da viagem. A outra nova paciente vai ser chamada aqui de D. Ana (67 anos). A partir de junho, portanto, o grupo passou a se constituir apenas de dois membros, D. Maria e D. Ana, que nunca faltavam, gostavam bastante do grupo e afirmavam que lhe faziam muito bem. Entre elas criou-se um vínculo muito forte, um elo de confiança e troca de experiências, embora D. Maria ocupasse a maior parte da sessão com suas queixas e histórias. 276 A partir de agosto, porém, D. Maria deixou de vir aos atendimentos, não justificou a saída e também não foi possível nenhum contato com a mesma para saber o que havia acontecido. O grupo, portanto, acabou novamente ficando com apenas uma pessoa, D. Ana, que permaneceu, ironicamente, sozinha em sua grupoterapia, pois a grupoterapia não se tornou uma terapia individual só porque havia apenas um membro e D. Ana em quase todo atendimento fazia questão de se lembrar disso. Sempre se recordava de D. Maria, queria saber notícias suas, afirmava sentir falta de outras pessoas nas sessões, sentia falta de compartilhar as experiências, de ouvir o sofrimento do outro, sentia falta de poder ajudar o outro em sua dor. Castilho chama essa reação de ressonância, que ocorre quando um fato, sentimento ou experiência revivido por um dos participantes do grupo atinge a cada um dos outros integrantes. “O processo grupal agiliza o processo terapêutico, pois nem sempre o indivíduo faz o seu momento emocional, nem sempre ele escolhe o que falar e o que evitar em grupo”. (CASTILHO, 1998, p. 58). A partir dessas falas de D. Ana foi possível pensar que as faltas e até mesmos a saída de outros membros do grupo não passavam despercebidas pelos que permaneciam, ao contrário, poderiam representar uma séria de significados de acordo com aquilo que a pessoa estava vivendo fora do setting grupal. Para Castilho (1998), a saída de um dos participantes do grupo cria um nível de tensão nos participantes que permaneceram, desequilibra a homeostase e faz eclodir muitos sentimentos, como o medo da desintegração do grupo e sentimentos de perda. D. Ana era uma pessoa muito solitária e isso era uma queixa recorrente dela. Ela era separada do marido, morava com a filha que estava prestes a se casar e não conhecia quase ninguém da cidade, pois havia se mudado há pouco tempo. Ela viu a grupoterapia como uma forma de criar novos laços afetivos, evitando a solidão, mas ao invés disso, teve exatamente que lidar com a sua solidão vivenciada no próprio grupo, o que foi muito enriquecedor para ela. Assim como a filha que iria sair de casa e deixá-la sozinha, as pessoas do grupo também saíram e a deixaram. Ela precisava elaborar a Síndrome do Ninho Vazio, definida como sendo um desconforto emocional por parte dos pais ao verem seus filhos deixando a casa; uma época relacionada a mudanças e adaptações, onde os pais terão que lidar com a perda da função parental, podendo acarretar sintomas de depressão, dependência e desestruturação familiar. (SARTORI; ZILBERMAN, 2009). Com D. Ana pudemos perceber que a ausência dentro do grupo facilitou esse processo de elaboração da ausência da filha. Muitas vezes D. Ana recordava-se de alguma fala ou história de D. Maria muito tempo depois dela já ter deixado o grupo, o que mostrava o quanto o grupo se manteve internalizado em D. Ana. Ela precisava acreditar que aquilo ainda era um grupo apesar das ausências, pois também precisava acreditar que embora separada do marido e longe da filha, ela ainda tinha uma família. D. Ana era uma paciente muito resistente, tinha muita dificuldade de aprofundar-se em assuntos difíceis. Segundo Ribeiro (2007), a resistência pode ser definida como algo que ocorre entre um impulso e uma proibição, o qual cria um equilíbrio frágil, pois é uma situação de compromisso entre a consciência do desejo e sua negação. Ribeiro (2007), ainda fala sobre a resistência dentro de um grupo analítico, afirmando que pode representar o quanto o grupo não se sente seguro para deixar vir à tona todo esse conteúdo reprimido e a segurança é fundamental no processo de desbloqueio da repressão. A resistência funciona como uma prevenção para que o desejo siga seu curso sem intervenções externas. “A resistência surge quando o organismo ou o grupo não tem acesso às suas verdadeiras motivações e não se sente com permissão para se expor. A resistência é um mecanismo de prevenção e o grupo, ao longo de seu processo, vai formando sua própria resistência” (RIBEIRO, 2007, p. 75). Para D. Ana, a resistência se expressava através da própria situação da ausência grupal, ou seja, a ausência tornou-se um assunto “coringa” quando a mesma não queria falar sobre algo, uma forma de desviar o assunto que estava sendo discutido, perguntando, por exemplo, se o coordenador do grupo sabia como D. Maria estava, questionava sobre o porquê de sua saída ou algo que envolvesse os outros membros. A importância do grupo tornou-se ainda mais evidente quando o grupo já estava para encerrar em outubro. Durante todas as sessões desse mês ela se lamentava por ter ficado 277 sozinha durante três meses do grupo, perguntava se a outra senhora que havia prometido voltar em outubro havia entrado em contato com coordenador, recordava-se dela e de D. Maria, de histórias contadas ali, comentava do quanto havia sido importante a troca de experiências, o quanto havia se enriquecido com a fala delas. Durante esse mês, recordar-se do grupo parecia ser uma forma de elaboração de luto pelo fim da grupoterapia, que se assemelhou muito com o mês do casamento da filha, em que também se recordou de várias histórias vividas com a filha, de brigas e desavenças, de momentos felizes, tudo como uma forma de elaborar a sua solidão. conclusão Com a experiência de estágio acima relatada foi possível perceber o quanto é difícil a adesão dos participantes para uma grupoterapia e o quanto a ausência e/ou saída dos membros repercute naqueles que permanecem, interferindo na dinâmica e conteúdos abordados no grupo. Essa repercussão, embora possa acarretar um desequilíbrio da homeostase grupal, fazendo eclodir sentimentos de perda e desintegração, também pode favorecer a elaboração de algumas questões nos membros que ficaram, facilitando importantes reflexões sobre as ausências vivenciadas em suas próprias experiências pessoais, ajudando assim a lidar com os próprios sentimentos de abandono e solidão. Referências CASTILHO, A. A Dinâmica do Trabalho de Grupo, Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1998. RIBEIRO, J. P. A resistência olha a resistência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília; v. 23; n. especial, p. 73-78; 2007. SANTOS, M. A. Cem anos sem solidão: um século de psicoterapia de grupo (1905-2005). Revista SPAGESP, Ribeirão Preto, v. 6, n. 2, dez. 2005. VILELA-SOUZA, L.; SCORSOLINI-COMIN, F. A ausência dos participantes na grupoterapia e seus efeitos na dinâmica grupal. Revista SPAGESP; v.12; n.1; Ribeirão Preto; jun. 2011. ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ ¤ ~~~~~~ Grupoterapia com adultos: uma análise do movimento relacional. Mara Garcia Codônio; Cláudia Alexandra Bolela Silveira Graduanda de Psicologia e estagiária de Processos Grupais Clínicos e Institucionais. Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, email: [email protected] Docente e Membro da SPAGESP e Universidade de Franca, Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, email: [email protected] Resumo A grupoterapia com adultos consiste em uma técnica psicoterápica que oferece ao paciente um espaço para trabalhar suas ansiedades, angústias na relação grupal. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é realizar uma análise qualitativa da interação dos integrantes de uma grupoterapia. O grupo era constituído por quatro adultos com faixa etária entre 20 e 56 anos realizado no período de março a outubro de 2012, com frequência semanal e duração de 1h30. O instrumento para análise foram os fragmentos das sessões transcritas e a abordagem de análise psicanalítica. Verificou-se que inicialmente os integrantes falavam de si e pouco interagiam e quando o faziam evidenciava-se a manifestação do suposto básico de luta-fuga nos conflitos e contradições que surgiam, segundo a teoria psicanalítica de grupo. No decorrer dos atendimentos este processo foi-se modificando e os próprios integrantes passaram a fazer 278 colocações sobre a fala dos colegas de grupo, evidenciando o processo de emparelhamento e o movimento nas relações, nos vínculos estabelecidos no grupo. Palavras-chave: Grupoterapia com adultos, grupoanálise, relação grupal. Introdução Nos grupos terapêuticos, o vínculo do reconhecimento se processa num trânsito de dupla mão: além da necessidade vital, já mencionada, de ser reconhecido pelos demais, também acontece que o reconhecimento que um indivíduo faz dos outros não deve ficar limitado unicamente a uma percepção da presença física destes. (ZIMERMAN, 2000). Há um fenômeno no grupo, descrito por Foulkes com o nome de “ressonância” que consiste em um jogo de diapasões acústicos, ou de bilhar, a comunicação que é trazida por um membro do grupo ressoa em outro, o qual, por sua vez, vai transmitir um significado afetivo equivalente, ainda que, provavelmente, venha embutido numa narrativa de embalagem bem diferente, e assim por diante (ZIMERMAN 2000, p.147). Sendo assim o grupo terapêutico se torna um espaço de troca e sustentação dos sofrimentos, além de ser um depósito de ansiedades e neuroses, no processo grupal o indivíduo precisa diferenciar o que é seu e o que é do outro e reconhecer e aceitar por mais difícil que seja o que passou para os integrantes do grupo, para que se desenvolva a sessão terapêutica. “Em qualquer campo grupal, seja terapêutico ou não, é inevitável que surjam manifestações transferenciais.” (ALCANTARA,1972, p.9). O vínculo transferencial é a mola mestra do trabalho analítico com grupos. Em um grupo terapêutico, são desenvolvidos processos transferenciais múltiplos, os quais permitirão ao terapeuta conhecer as modalidades vinculares dos pacientes, assim como a organiz ação de seus grupos internos. (...) Pode-se interpretar a partir da transferência central e lateral ou a partir das ansiedades básicas. (Fernandes, 2003, p.179) No estágio de formação do grupo, uma preocupação importante é a entrada inicial dos membros para o grupo. As pessoas fazem várias perguntas conforme começam a se identificar com os outros membros e com o grupo em si. Algumas preocupações são: “O que o grupo pode me oferecer?”, “O que vão me pedir para fazer?”, “Minhas necessidades serão satisfeitas ao mesmo tempo em que contribuo para o grupo?”. Nesse estágio, as pessoas se interessam em descobrir o que é considerado um comportamento aceitável, determina a tarefa real definindo as regras do grupo. A participação e identificação em múltiplos grupos, experiência anterior com os membros do grupo em outros contextos e impressões sobre filosofia, metas e política da empresa podem afetar o comportamento inicial da pessoa na força-tarefa recém-formada (ALCANTARA, 1972). É preciso revisitar as experiências com grupos e atentar para o modo como Bion concebeu o sistema protomental. Acompanharemos algumas de suas proposições, a começar por aquela que prenuncia todo o desenvolvimento das interações entre as emoções nos indivíduos e nos grupos: “Existe uma matriz de pensamento que reside dentro dos confins do grupo básico, mas não dentro dos confins do indivíduo” (BION, 1970, p. 81, apud ÁVILLA, 2006, p.23). Nos seus estudos sobre grupos, Bion especula sobre as situações grupais ‘básicas, comuns e primitivas’, as quais ele denomina como ‘supostos básicos’, que, por sua vez, são ‘contidos numa matriz’, chamada de sistema protomental. Isso ocorre numa época primitiva dos indivíduos e dos grupos, em que o físico e o psíquico ainda estão inseparados, de sorte que, diz Bion, ‘quando a aflição originária dessa fonte se manifesta, ela pode manifestar-se tanto sob formas físicas quanto sob formas psíquicas’. Esse sistema protomental, composto pela matriz primordial de que fluem as arcaicas emoções pertinentes aos supostos 279 básicos, às vezes, também é chamado por Bion de ‘grupo embrionário’. (ZIMERMAN, 2004, p. 97 apud ÁVILLA, 2006, p.25). Fazem parte dos fenômenos grupais a transferência, contratransferência, acting, resistência, insights. É fundamental na formação do vínculo que as pessoas tenham objetivos comuns, sem perder seus próprios mecanismos, e que o terapeuta esteja atento a todos os fenômenos presentes, para que o grupo seja sustentado em suas emoções e dores, e para que o sujeito se sinta acolhido, construindo um sentido para ele e para o grupo. Metodologia O artigo aborda a experiência no estágio em grupoterapia, realizado em uma Universidade do interior do Estado de São Paulo. O grupo teve início em março de 2012 e encerrou em outubro de 2012. O trabalho proposto foi desenvolvido no estágio acadêmico em Processos Clínicos Grupais. Para tanto, foram realizadas sessões semanais em horário fixo, às oito horas da manhã, com duração de uma hora e meia cada atendimento, no Centro de Estágio e Pesquisa em Psicologia da Universidade. O grupo teve como característica ser aberto, ou seja, com entrada e saída dos pacientes ao longo de todo o tempo de duração do grupo. Foram realizados vinte e seis sessões. Os cinco últimos atendimentos foram frequentados somente por (A. 42). Os integrantes do grupo, cujos nomes são fictícios para garantia do sigilo da identidade dos mesmos, são: (P. 32. O paciente traz como queixa o medo, a insegurança e a ansiedade para se comunicar com pessoas novas e falar em público); (M. 36. A paciente traz como queixa o sentimento de impotência, falta de realização profissional, e sua mágoa por escolhas “erradas” feitas no passado que não consegue superar);(L. 22. A paciente traz como queixa a insegurança e medo para falar em público); (J. 21. O paciente traz como queixa o medo de falar); (Jr. 57. O paciente traz como queixa a dificuldade para se relacionar, seu medo de lugares fechados, e problemas de saúde que as irmãs colocam como obstáculo para ele não viver sozinho) e (A. 42. A paciente traz como queixa a falta de tolerância em seu trabalho, em casa com sua família e questionamentos sobre os mesmos). A análise dos dados foi realizada a partir dos relatos semanais das sessões com suporte na teoria psicanalítica grupal. Resultados O grupo teve início com três integrantes, sendo que dois deles haviam participado de atendimento grupoterápico e um foi encaminhado da psicoterapia individual para o grupo. No decorrer do tempo alguns membros saíram e novos integrantes entravam no grupo, por ser um grupo aberto e este aspecto estar bem estabelecido no enquadramento. Algumas saídas foram justificadas por oportunidades de trabalho, outras sem justificativa, por perder do contato com o paciente, sendo que um dos membros foi encaminhado para psicoterapia individual, devido à demanda que não correspondia ao trabalho analítico com o grupo. Foram trabalhados, conflitos, frustrações, desilusões, fobias em geral, perspectivas futuras, todas as relações estabelecidas proporcionaram entre os mesmos a oportunidade de reviver e reconhecer a semelhança de algum aspecto em suas vidas. Embora tenham surgido resistências no decorrer dos atendimentos ficou claro que o trabalho analítico com grupos contribuiu significativamente para a saúde psicológica e para a exteriorização dos sentimentos, bem como a elaboração dos mesmos, uma vez que o homem se constitui a partir das relações e interações sociais e dentro do grupo pode vivenciar de maneira saudável e confiante relações semelhantes às relações sociais que ocorrem fora do setting grupal. Apesar de uma parte dos membros ter participado de um trabalho terapêutico anteriormente, a insegurança com a presença do novo, tanto da terapeuta quanto dos 280 integrantes surge, e muitas vezes faz com que o novo integrante sinta a necessidade de ser reconhecido pelo grupo. Inicialmente o grupo demonstrou dificuldade ou talvez até receio ao expor sobre si e comentar a experiência do outro, mas, com o tempo percebeu-se um entrosamento melhor. A mentalidade grupal, postulada por Bion, parece ser de natureza onírico-mítica. A comunicação que existe nos supostos básicos tal como nos mitos, é de caráter coletivo e de autoria anônima. O suposto básico de dependência tem analogia com o mito da Teogonia em que os deuses proporcionam alimento e proteção. O suposto básico de luta e fuga parece representar aspectos da luta entre heróis e monstros. Bion relaciona ainda o suposto básico de acasalamento com o mito judeu-cristão do nascimento do Messias. ( FERNANDES, 2003, P. 117) No primeiro atendimento de cada indivíduo que passou pelo grupo, percebeu-se o suposto básico de dependência no qual o grupo necessita e elege um rol de características carismáticas para receber proteção, segurança e alimentação material ou espiritual. “Os vínculos com o líder tendem a adquirir uma natureza parasitária ou simbiótica, mais voltado para um mundo ilusório, onde o líder no caso seria a estagiária” (BION, 1974 apud SILVA, 1986, p.6). “P. fala sobre suas angústias e dores em relação ao marido da prima que morreu e deixou um filho pequeno, diz que tem os problemas dele e que não são nada perto de outros problemas, não só da prima, mas de outras pessoas. O grupo faz um momento de silêncio, esperando a estagiária dizer algo, assim, ela pergunta a P., se ele percebia a cobrança que estava se fazendo, sendo bravo consigo quando diz que queria fazer mais e que o problema dele é pequeno. A estagiária continua dizendo que não existem tamanhos de problemas e sim que os problemas têm significados diferentes para cada pessoa, sendo importante no grupo que todos tivessem liberdade, se sentissem à vontade para falar de tudo que lhes trazem sofriment