ENTRE A MÁQUINA E A FÉ

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
ANDERSON NUNES PINTO
ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: PACIENTES E MÉDICOS EM UM PROGRAMA DE
HEMODIÁLISE
RIO DE JANEIRO
2013
ANDERSON NUNES PINTO
ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: PACIENTES E MÉDICOS EM UM PROGRAMA DE
HEMODIÁLISE
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação do Núcleo de Tecnologia
Educacional para Saúde da Universidade Federal
do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para
obtenção do grau de mestre em Educação em
Ciências e Saúde.
Área de concentração: Ensino
Orientadora: Profª Eliane Brígida Morais Falcão
RIO DE JANEIRO
2013
P659e
Pinto, Anderson Nunes.
Entre a máquina e a fé : pacientes e médicos em um
programa de hemodiálise / Anderson Nunes Pinto. – Rio
de Janeiro : NUTES, 2013.
157 f. ; 21 cm.
Orientadora: Profa. Eliane Brígida Morais Falcão.
Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e
Saúde) -- UFRJ, NUTES, Rio de Janeiro, 2013.
Bibliografia: f. 101-106.
1. Assistência médica. 2. Hemodiálise - Tratamento. 3.
Religiosidade. I. Título. II. Falcão, Eliane Brígida Morais.
CDD 616.125088
Ficha elaborada pela Biblioteca de Recursos Instrucionais/NUTES
Anderson Nunes Pinto
ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: pacientes e médicos em um programa de hemodiálise
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação em
Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do Título de Mestre em
Educação em Ciências e Saúde.
Aprovado em __________________________________
______________________________________________________
Profa. Dra. Eliane Brigida Morais Falcão – UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Ana Elisa Bastos Figueiredo – FIOCRUZ
______________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca – UFRJ
Dedico este trabalho aos meus pais, Ana Maria
Nunes Pinto e Valdeci Alves Pinto. Valeu a pena
o esforço de vocês pela minha educação.
Dedico também a minha filha Sofia, pela
passagem do seu quarto aniversário.
AGRADECIMENTOS
À minha esposa Cristiane e às minhas filhas, Andressa e Sofia, pela compreensão e tolerância
em virtude dos meus afastamentos para dedicar-me às atividades acadêmicas;
À Profª Eliane Brígida Morais Falcão, pela generosidade e confiança com que me abriu a
oportunidade de estar no Laboratório de Estudos da Ciência e com que me orientou neste e
em outros trabalhos realizados no NUTES;
Ao Prof. Marco Antônio Alves Brasil, chefe do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do
HUCFF/UFRJ pelo fundamental apoio dado ao longo do mestrado;
Ao Prof. Maurilo de Nazaré de Lima Leite Jr. e ao Dr. Egivaldo Fontes Ribamar pela
confiança depositada em mim ao autorizar a realização da pesquisa no Programa de
Hemodiálise;
Aos colegas do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica pela confiança e estímulo;
Aos colegas da turma 2011 de mestrado NUTES e do Laboratório de Estudos da Ciência,
especialmente a Viviane Vieira, pelo companheirismo e solidariedade;
Aos funcionários da Secretaria Acadêmica da Pós-Graduação do NUTES Lúcia Cristina
Castanho Cardinelli e Ricardo Hadlich pela presteza no atendimento sempre que foi
necessário;
À Alessandra Galvão da Silva pela ajuda na configuração deste trabalho.
Permanece um sentimento de que Deus também está
na jornada.
Santa Teresa de Ávila
RESUMO
PINTO, Anderson Nunes. Entre a máquina e a fé: pacientes e médicos em um programa
de hemodiálise. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e
Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
Esta dissertação é resultado de uma pesquisa realizada em um programa de
hemodiálise de um hospital público universitário do Rio de Janeiro. O seu objetivo foi
investigar a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento em pacientes
e médicos de um programa de hemodiálise. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas
com 30 pacientes e 20 médicos do referido programa. Foi usada como base teórica a Teoria
das Representações Sociais de Moscovici e a metodologia qualiquantitativa de análise do
discurso do sujeito coletivo (DSC) de Lefèvre e Lefrève. Os resultados revelaram o
reconhecimento, pelos investigados da presença e da importância das práticas e crenças
religiosas no contexto da assistência médica, valorizadas sobretudo como um recurso, tanto
no enfrentamento das dificuldades da doença e do tratamento, no caso dos pacientes, como no
enfrentamento das situações difíceis vividas no exercício profissional, no caso dos médicos.
Embora isto seja reconhecido pelos médicos, a religiosidade não é objeto de estudo em de
abordagem sistemática na rotina assistencial, o que é percebido pelos pacientes como
desvalorização da sua religiosidade. O apoio de grupos sociais aos pacientes como os
familiares e religiosos revelaram-se um dado relevante na adesão ao tratamento. O conjunto
dos resultados indica a religiosidade como tema relevante a ser incluído na agenda de estudos
para incremento da qualidade da formação médica. Há necessidade de melhor divulgação
entre os médicos sobre o impacto da religiosidade na saúde, bem como sobre a sua abordagem
no contexto assistencial.
Palavras-chave: Religiosidade. Educação médica. Pacientes da hemodiálise. Médicos.
ABSTRACT
PINTO, Anderson Nunes. Between the machine and faith: patients and doctors in a
hemodialysis program. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (Master of Science in Education and
Health) - Educational Technology Center for Health Federal University of Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2013.
This dissertation is the result of a survey conducted in a hemodialysis program of a public
university hospital in Rio de Janeiro. Its aim was to investigate the relationship between
religiosity and attitudes towards disease and treatment on patients and physicians a
hemodialysis program. Were conducted semi-structured interviews with 30 patients and 20
physicians of the program. Was used as the theoretical basis of the Theory of Social
Representations Moscovici and methodology of qualitative and quantitative analysis of the
discourse of the collective subject (DSC) and Lefevre Lefevre. The results revealed the
recognition by investigated the presence and importance of religious beliefs and practices in
the context of medical care, particularly valued as a resource, both in facing the difficulties of
the disease and treatment, in the case of patients, as in facing difficult situations experienced
in professional practice for doctors. Although this is recognized by doctors, religiosity is not
the object of study of systematic approach in routine care, which is perceived by patients as
devaluation of their religiosity. Support from social groups to patients as family and religious
proved an important finding in treatment adherence. The overall results indicate religiosity as
relevant topic to be included in the research agenda to improve the quality of medical training.
There is need for better dissemination among physicians about the impact of religion on
health, as well as on its approach in their health care.
Keywords: Religiosity. Medical education. Hemodialysis patients. Physicians.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1. "O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao
tratamento?”
40
Quadro 2. “Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?”
44
Quadro 3. “Como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?”
49
Quadro 4. “O que significa fazer hemodiálise para você?”
56
Quadro 5. “Sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”
65
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Adesão ao DSC dos médicos relativos à primeira questão "o que você pensa sobre a
religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?”
43
Tabela 2. Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você lida com a sua própria
religiosidade no contexto do trabalho?”
49
Tabela 3. Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você aborda a religiosidade
dos seus pacientes?”
54
Tabela 4. Adesão ao DSC dos pacientes relativos à questão “o que significa fazer hemodiálise
para você?”
64
Tabela 5. Adesão ao DSC dos pacientes relativos à questão “sua religião lhe ajuda no
enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”
73
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – Roteiro de entrevistas com os pacientes
ANEXO B – Roteiro de entrevistas com os médicos
ANEXO C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os pacientes
ANEXO D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os médicos
ANEXO E – Expressões-chaves e ideias centrais – médicos
ANEXO F – Expressões-chaves e ideias centrais – pacientes
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CCS – Centro de Ciências da Saúde
DSC – Discurso do sujeito coletivo
HUCFF – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
NUTES – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
14
2 JUSTIFICATIVA
2.1 A relação histórica entre religiosidade, ciência e saúde
2.2 A influência da religiosidade no contexto da saúde
19
19
23
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
3.2 Objetivos específicos
30
30
30
4 METODOLOGIA
4.1 Marco Teórico: a Teoria das Representações Sociais de Moscovici
4.2 Abordagem metodológica: o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)
4.3 Sujeitos
4.4 Contexto da pesquisa
31
31
32
34
36
5 RESULTADOS
5.1 Perfil dos médicos
5.2 DSC – médicos
5.3 Perfil dos pacientes
5.4 DSC – pacientes
39
39
39
55
56
6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
6.1 Discussão do DSC dos médicos
6.2 Discussão do DSC dos pacientes
6.3 DSC – médicos e DSC – pacientes: semelhanças e diferenças
75
75
82
92
7 CONCLUSÕES
98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
101
ANEXOS
107
14
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa intitulada “Entre a Máquina e a Fé: pacientes e médicos em um
programa de hemodiálise” reflete questões suscitadas ao longo de meus 17 anos de vida
profissional, primeiramente como técnico de enfermagem (07 anos) e depois como psicólogo
(10 anos), quase sempre atuando em hospitais públicos e, na maioria das vezes, servindo a
população de baixa renda. Tenho atuado junto a pacientes em situações-limite da existência,
seja por serem vítimas de doenças agudas graves, seja por serem portadores de doenças
crônicas incapacitantes, não raro agravadas pelas precárias condições sociais de vida.
Trabalho atualmente em um hospital universitário no atendimento a portadores de diversas
patologias e condições médico-hospitalares, tanto no ambulatório geral, como nas
enfermarias, respondendo a pedidos de parecer das diversas clínicas e fazendo o
acompanhamento psicológico quando indicado. Em suma, tenho trabalhado ao longo da
minha carreira com doentes crônicos em vários momentos da evolução de suas doenças e de
seus respectivos tratamentos.
Tenho me deparado frequentemente com pacientes (e familiares) que possuem crenças
religiosas com discursos e atitudes diversas frente à doença crônica e ao tratamento, ora
favoráveis, ora desfavoráveis do ponto de vista terapêutico: negação da realidade da doença,
esperança com relação à cura, coragem diante de tratamentos difíceis, resistência diante das
reagudizações clínicas, resignação diante de perdas irreparáveis, etc. Apenas para ilustrar, há
tanto aquele que, à espera de um milagre, recusa-se à cirurgia de amputação do membro
irrecuperável, como aquele que segue à risca o tratamento proposto pelo médico, visto como
um “instrumento nas mãos de Deus”. Seja como for, em minha experiência profissional a
religiosidade vem se mostrando como algo muito presente na história e na relação dos
pacientes com seus problemas de saúde. No caso dos pacientes portadores de insuficiência
renal crônica, tenho observado no meu cotidiano que as referidas atitudes são freqüentes,
independente do nível escolar e socioeconômico.
Nos últimos anos tenho me voltado para o cuidado psicológico aos pacientes
portadores de insuficiência renal crônica, atendendo a uma importante demanda existente no
hospital onde trabalho. A rotina de atendimento da Psicologia consiste em fazer avaliações
iniciais dos pacientes (antes de começar ou no início do tratamento), fazer interconsulta (ação
do profissional de saúde mental junto a equipe solicitante de um serviço hospitalar, visando
15
esclarecer, diagnosticar e propor condutas para um determinado problema psicológico e/ou
psiquiátrico), responder a pedidos de parecer feitos pelos médicos e acompanhar pacientes em
casos de dificuldades de ajustamento à doença e/ou ao tratamento, instabilidade emocional ou
reações psicológicas à doença e/ou ao tratamento com sintomas depressivos e ansiosos.
A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma síndrome que pode ser causada por
diferentes nefropatias e consiste em lesão renal e perda irreversível da função dos rins, órgão
responsável por diversas funções homeostáticas. À medida que a perda da função renal
progride, o paciente pode desenvolver diferentes manifestações clínicas. Em termos
epidemiológicos, a IRC é considerado um problema de saúde pública nacional,
caracterizando-se por alta morbimortalidade e taxas de incidência e prevalência crescentes nos
últimos anos (LAGE; MONTEIRO, 2007). A IRC é considerada uma condição sem
alternativas de melhoras rápidas, de evolução progressiva, que causa problemas médicos,
sociais e econômicos (RESENDE ET AL, 2007).
As técnicas de tratamento, desenvolvidas nas últimas décadas, para os pacientes IRC
são a diálise (hemodiálise e diálise peritoneal) e o transplante renal, denominadas Terapias
Substitutivas Renais. De acordo com dados do Ministério da Saúde, no Brasil, a hemodiálise
representa 89,63% da terapêutica dialítica, geralmente antecedendo o transplante no percurso
de tratamento do paciente (LAGE; MONTEIRO, 2007). O número estimado de pacientes em
programa de diálise em todo o mundo é de aproximadamente 1.200.000, número este que
aumenta em média 7% ao ano. No Brasil, dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)
de 2006 apontam a existência de mais de 70 mil pacientes em terapia substitutiva (MOURA
JUNIOR et al, 2008).
A hemodiálise é um tratamento de apoio à função renal e consiste na remoção de
substâncias tóxicas e excesso de líquido por uma máquina de diálise, em um procedimento
cuja duração leva de 2 a 4 horas, necessitando ser realizado numa freqüência de 2 a 4 vezes
por semana. A máquina funciona como um rim artificial, pois contém um filtro especial que
purifica o sangue do paciente (PEDROSO & SBARDELOTTO, 2008). Uma série de
complicações técnicas e efeitos colaterais podem afetar o paciente, tais como: ruptura de
membrana, coagulação sanguínea, mal-estares, dores nas pernas, sede, sensação de cansaço,
prurido, dor óssea, vômitos, câimbras, cefaléias, convulsões, demência, disfunções sexuais e
transtornos do sono (ROSA, 2005). Sendo assim, o tratamento hemodialítico pode ser
responsável por um cotidiano restrito e as atividades dos pacientes tornam-se limitadas após o
16
início do mesmo, favorecendo o sedentarismo e a deficiência funcional, fatores que se
refletem na vida diária do paciente (RESENDE ET AL, 2007).
Tem sido observado que muitos pacientes em hemodiálise apresentam prejuízos
psicossociais importantes, estando submetidos a um estresse constante relacionado às
exigências do tratamento, a dificuldades de acesso aos serviços e aos procedimentos de saúde,
à vulnerabilidade física, tendo baixa expectativa de vida, e a restrições na vida laborativa e
social (RESENDE ET AL, 2007; PICCOLOTO & BARROS, 2002). Esta condição médica
também está associada à maior prevalência de transtornos depressivos, transtornos ansiosos e
suicídio (JÚNIOR J. ET AL, 2008). Assim sendo, tem sido ressaltada a importância dos
aspectos psicossociais no tratamento da IRC como fatores de proteção e de promoção da
qualidade de vida dos pacientes, dentre os quais aparece a religiosidade (CUKOR ET AL,
2007; RUDNICKI, 2007).
A religião é uma dimensão cultural importante das sociedades humanas, que tem
exercido historicamente a função de prover significados para que os sujeitos possam
interpretar a sua experiência e organizar a sua conduta. Segundo GEERTZ (1989, p.104-5),
“... religião é um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas,
penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da
formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas
concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações
parecem singularmente realistas.”
A definição acima deixa claro que a religiosidade pode exercer uma poderosa
influência na formação e determinação das atitudes, considerando, de acordo com
RODRIGUES, ASSMAR & JABLONSKI (2000, p.100) que
“Atitude é uma organização duradoura de crenças e cognições em geral,
dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, e que
predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este
objeto.”
Fortemente interessado em compreender o fenômeno da relação entre religiosidade e
atitudes frente à doença e ao tratamento, constatei que o conhecimento oriundo da minha
formação psicológica não era suficiente. Em minha especialização em Envelhecimento e
Saúde do Idoso, cursado na ENSP/FIOCRUZ voltei-me para a questão da finitude e do
sentido da vida em idosos hospitalizados, portadores de doenças clínicas, de baixa renda e de
nível escolar variando entre o fundamental e o médio. Embora não fosse o meu foco na
17
ocasião, deparei-me com a religiosidade dos idosos durante as entrevistas realizadas em
minha pesquisa, tendo sido a fé em Deus um dos motivos mais apontados pelos mesmos como
algo que lhes dava sentido à vida e disposição para viver. Fortemente motivado pelo desejo de
melhor compreender meus pacientes (e seus familiares) do ponto de vista religioso, entrei
para um curso de Teologia. Não por acaso, o tema da minha monografia de fim de curso foi
“O Conceito de Sofrimento da História da Teologia: dos Apóstolos aos Reformadores”.
Durante a produção deste trabalho tive a oportunidade de conhecer o pensamento de Max
Weber ao ler “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Esta leitura despertou o meu
interesse em aprofundar a questão do ponto de vista das Ciências Sociais. Weber discorre
sobre a diferença de atitude entre protestantes e católicos com relação à busca do bem-estar:
enquanto estes adiavam a felicidade para uma vida além, aqueles a procuravam nesta vida
através do trabalho e da produção de riqueza. Chamou a minha atenção também o que
denominou “ascetismo intramundano” em que as pessoas evitariam prazeres relacionados ao
ócio e aos excessos no beber e no comer, considerados pecaminosos, e viveriam de modo
disciplinado, modo de vida que hoje em dia é considerado favorável à promoção da saúde
(WEBER, 2004). Além disso, retive a advertência de WEBER quanto ao risco de se fixar em
uma única interpretação causal da história e da cultura, admitindo que as idéias religiosas
tanto influenciaram quanto foram influenciadas pela totalidade das condições sociais
(WEBER, 2004).
Tive a clareza de que tinha um longo caminho a percorrer no meu esforço de
compreender o fenômeno que observava em meu trabalho clínico. Portanto, meu caminho
seria não só o da Psicologia, o da Teologia ou o da Sociologia, mas o da reflexão integrada de
diferentes perspectivas teóricas oferecidas pelas diversas áreas de investigação do
comportamento humano.
Meu passo seguinte nesta direção foi inscrever-me, na condição de aluno especial, na
disciplina “Ciência e Religiosidade” do Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde/UFRJ, ministrada pela professora Eliane Brígida de Morais Falcão.
As aulas ajudaram-me a entender que há um pano de fundo que condiciona a relação entre a
religiosidade e a educação na instituição hospitalar, pois embora instituída pela modernidade e
regida pela lógica científica, a educação em saúde também sofre a mediação simbólica e
sociocultural da religião. Assim sendo, a relação entre religiosidade, saúde e educação é
particularmente importante no contexto de um hospital universitário que, além da assistência,
18
tem o compromisso com a produção de conhecimento e a formação de recursos humanos.
Particularmente tenho atuado também em educação, sendo coordenador de um curso de
especialização em psicologia hospitalar e da Residência Multiprofissional no hospital em que
atuo.
Finalmente, devo dizer que a minha inserção no NUTES/UFRJ aumentou a minha
motivação em pesquisar mais profundamente sobre o assunto, o que me levou a inscrever-me
para o ingresso no Curso de Mestrado. Acredito que a pesquisa em curso possa contribuir não
apenas para a minha formação, mas de fato ter relevância acadêmica e social, conforme a
justificativa a seguir.
19
2 JUSTIFICATIVA
2.1 A relação histórica entre religiosidade, ciência e saúde
Os progressos da pesquisa científica relacionados com a medicina referem-se apenas a
um recente e inconcluso período da história da humanidade. Durante a maior parte, a magia, a
religião e a cura quase sempre andaram juntas (HENRY, 1998; ROSSI, 2001). A associação
entre religiosidade e saúde possui raízes histórico-culturais muito antigas, presentes em mitos
gregos, em rituais indígenas e nas inscrições bíblicas, que influenciaram e ainda influenciam a
cultura. Encontra-se, frequentemente, em relatos de pacientes de diversas religiões, alusão à
percepção de causalidades religiosas de suas doenças assim como da cura desses males,
ilustradas por falas como: “Deus quis assim” ou “se Deus quiser ficarei bom” (FARIA E
SEIDL, 2005). Também há a associação entre saúde e bênção divina assim como entre doença
e pecado ou punição (PAIVA, 2007). Um exemplo recente disso pode-se ser encontrado entre
certos grupos evangélicos que associam a AIDS a represália divina à suposta “perversão” e
“perversidade” dos homossexuais (MACHADO, 1996). São tradicionais as peregrinações a
espaços considerados sagrados com objetivo de pedir curas ou “pagar promessas” por curas
recebidas. Uma característica comum das religiões é a sua relação com o sofrimento e a
morte, pois elas oferecem um sistema de crenças que dá sentido aos acontecimentos, para
além do mero acaso ou falta de sorte (VASCONCELOS, 2006). Sendo a realidade assim
entendida e, em certa medida, controlada, experimenta-se um conforto diante do sofrimento
conforme o cotidiano nos mostra em diferentes situações: missa de sétimo dia, visitas de
padres e pastores em hospitais muitas vezes por demandas de pacientes, o uso do terço e de
imagens de santos bem como da Bíblia em momentos críticos.
O movimento intelectual iluminista gerou o modelo racionalista de conhecimento das
ciências modernas, assistindo-se a partir do século XVII a um progressivo processo político e
cultural de separação entre a Igreja e o Estado e entre a vida religiosa e a organização do
funcionamento das instituições públicas, que se denominou de secularização (HENRY, 1998;
ROSSI, 2001). Essa mudança significa fundamentalmente o enfraquecimento da autoridade
religiosa sobre as pessoas, que passaram aos poucos a verem as religiões mais como recursos
a serem adicionados segundo as circunstâncias ou necessidades do que como princípios
inquestionáveis aos quais se deve obediência (RIVERA, 2010). Numa cultura moderna, em
20
que se reconhece a autonomia dos diversos segmentos da vida individual e social, a saúde e a
doença não têm de passar pelo crivo religioso (PAIVA, 2007). Não mais as atividades
médicas seriam exercidas dentro da esfera sagrada, como nos mosteiros e sob a
responsabilidade dos monges que tratavam tanto do corpo quanto da alma, mas assim em
instituições médicas racionalizadas, com emprego do método científico (FIGUEIREDO,
2006).
O enfraquecimento da autoridade religiosa sobre as pessoas reflete-se não na ausência
de crenças ou práticas religiosas, mas no enfraquecimento do compromisso com as
instituições religiosas e os seus dogmas. Observa-se nos dias atuais uma tendência ao
individualismo e à mobilidade religiosa. Isto significa dizer que o fato de uma pessoa declarar
ser adepta de uma religião específica não implica em uma adesão exclusiva às crenças e
práticas daquela religião, assim como o fato de uma pessoa declarar não ter religião, não
implica que ela não tenha crenças ou práticas religiosas. Deve-se observar, no entanto, que o
referido enfraquecimento da autoridade religiosa na sociedade é relativo, perdendo a religião a
sua força na esfera institucional e pública, mas não necessariamente na esfera privada onde se
pode observar uma diversidade de crenças em diversos segmentos sociais.
Segundo Berger, a secularização pode ser entendida como sendo de dois tipos: a
objetiva e a subjetiva. A objetiva refere-se ao enfraquecimento da religião como uma
instituição e a subjetiva refere-se ao enfraquecimento da religião enquanto crença (MARIZ,
2006). Seja como for, o impacto da modernidade, os efeitos da urbanização no campo
cultural, a industrialização capitalista e o avanço do conhecimento científico levaram a
importante mudança no papel das religiões nas nossas sociedades e na vida dos indivíduos.
Sua perda de influência na vida política correspondeu também a um processo de
individualização, em que sua importância passou a ser concentrada na vida privada das
pessoas, embora se assista contemporaneamente à busca de espaço público pelas religiões
(CASANOVA, 1994; BERGER, 2001).
Porém, as religiões continuam presentes de forma relevante. O mundo de hoje, com
algumas exceções, é tão religioso quanto antes do início do processo de secularização, e até
mais em certos lugares, como é o caso da Rússia através do renascimento da religião cristã
ortodoxa após a queda do regime comunista, da África sub-saariana através da expansão do
islamismo e da América Latina através do crescimento dos evangélicos (BERGER, 2001). Na
América Latina, especialmente, os estudos disponíveis sobre religiões populares urbanas
21
mostram que à medida que avança a urbanização social e cultural, nem sempre se observa a
racionalização secularista de suas crenças, e, inclusive, revitalizam-se a magia e as
superstições. A influência crescente dos movimentos pentecostais, dos cultos afro-brasileiros
e de expressões mágico-religiosas no catolicismo popular mostra que a urbanização nos países
latino-americanos pode igualmente estar na origem de transformações do campo religioso
que, longe de diminuir a magia, o simbolismo e o fervor religioso, os incrementa, uma vez
que estimula a criatividade religiosa no povo (PARKER, 1996).
No Brasil, trata-se de um traço marcante de sua cultura. Segundo o Censo demográfico
de 2010 realizado pelo IBGE, 92 % da população se considera religiosa (IBGE, 2012). Os
resultados do referido Censo confirmam estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas em
2009 a partir dos microdados da PNAD/IBGE segundo o qual a religiosidade está em alta na
alvorada do novo milênio, com diversificação das crenças alternativas em comparação à
década passada, sendo constatada uma tendência para uma crescente situação de pluralismo e
diversidade religiosa no país (NERI, 2011, p.639). Mas já no Censo de 2000, respondendo à
pergunta: “qual a sua religião?”, chegou-se a trinta e cinco mil respostas diferentes, o que
traduz uma pluralidade de crenças disseminadas por todo o país (TEIXEIRA E MENEZES,
2006). Este quadro de multiplicidade de ofertas religiosas e liberdade de escolha vêm se
mantendo desde o CENSO de 2000, tendência que pode ser considerada como resultado do
processo de modernização, liberalização e democratização operado no país e também da
diversidade de suas tradições culturais: religiões afro-brasileiras, cristãs e dos imigrantes
(ANTONIAZZI apud TEIXEIRA E MENEZES, 2006).
Observa-se, concomitantemente, o aumento do total dos sem-religião, que passou, do
CENSO demográfico de 2000 para o de 2010, de 7,4% da população para 8,04% (IBGE,
2000; SOMAIN, R., 2012). Deve-se assinalar, entretanto, que os que se declararam “sem
religião” não constituem um grupo de indivíduos que necessariamente não possuem crenças
religiosas. Pesquisa realizada em 2004 em 23 capitais e 27 municípios brasileiros sobre
mobilidade religiosa mostrou que 41,4% dos indivíduos sem religião justificaram a própria
condição afirmando que possui uma religiosidade própria sem vínculo com igrejas e somente
0,5% não acreditavam em Deus (FERNANDES, s.d.).
Um fenômeno considerado um traço característico da cultura brasileira é o sincretismo
religioso, que consiste no entrelaçamento de entidades, símbolos e discursos religiosos
(STEIL, 2001). Um exemplo concreto é a umbanda que, a partir de elementos extraídos do
22
catolicismo, do espiritismo, das religiões africanas e indígenas, constrói um sistema religioso
com uma coerência interna (ibid). Porém questiona-se se o sincretismo não seria, ao invés de
uma síntese de elementos religiosos diversos, uma constante que pode ser observada em todas
as religiões e culturas, sendo próprio dos sistemas sociais reproduzir-se e perpetuar-se através
da incorporação de símbolos e signos de outros sistemas e da reavaliação permanente dos seus
próprios (SANCHIS, 2001). Neste caso, o sincretismo seria uma dimensão possivelmente
universal na história das religiões, mas sendo mais encontrado na sociedade brasileira do que
em outras sociedades.
Pode-se afirmar, todavia, que a diversidade religiosa no contexto brasileiro é vista não
apenas comparando as religiões entre si, como também comparando as orientações existentes
dentro da mesma religião. As religiões afro-brasileiras são múltiplas (candomblé, batuque,
umbanda, pajelança, xangô, etc.) e as religiões protestantes possuem um amplo espectro de
denominações (assembléia de Deus, batista, congregação cristã do Brasil, Deus é Amor,
Igreja Universal do Reino de Deus, etc.). Da mesma forma, o catolicismo é diverso,
diferenciando-se pela incorporação de diferentes tendências em seu interior. Toda esta
diversidade pode implicar em diferentes atitudes diante dos problemas da vida e,
particularmente, daqueles relacionados á saúde.
Estudos contemporâneos também mostram que a vivência religiosa pode ser
importante na vida particular de profissionais de saúde e de pesquisadores da área da saúde
pública. Mostram ainda que existe uma demanda oculta entre membros da comunidade
científica para se fazer uma reflexão crítica sobre o assunto. Contudo constata-se pouco
debate científico sobre a presença de crenças religiosas entre cientistas e entre profissionais no
trabalho de saúde (VASCONCELOS, 2006; FALCÃO, 2010). Um exemplo da presença de
crenças religiosas no contexto acadêmico-assistencial em saúde encontra-se em um estudo
realizado em uma instituição hospitalar universitária com o objetivo de melhor conhecer
visões, valores e atitudes dos médicos docentes em relação aos pacientes em processo de
morrer. Constatou-se a ausência de um discurso religioso, não obstante 75% de o grupo
investigado ter declarado a sua fé em Deus, o que sugere, segundo a autora, que investidos de
seu papel de médicos e comprometidos com a idéia de cura científica, referirem-se a um Deus
salvador poderia parecer um afastamento das atribuições profissionais (FALCÃO, 2009).
Enquanto isso, uma extensa literatura de auto-ajuda, em grande parte inspirada em
tradições religiosas, passa a ser divulgada amplamente na sociedade, proclamando idéias e
23
estratégias de saúde integradas a uma visão religiosa. Variadas publicações dos mais diversos
tipos (livros, revistas, textos on-line, etc.) sobre a importância, o significado e as formas de
utilização da religiosidade no enfrentamento dos problemas de saúde passam a ser
consumidas amplamente pela população e, até mesmo, pelos profissionais de saúde. Apesar
de toda essa mudança cultural, o debate acadêmico em saúde continua, via de regra, bastante
restrito em relação à incorporação de aspectos religiosos na compreensão das atitudes dos
pacientes e dos profissionais de saúde, tanto no processo de adoecimento, quanto no de cura e
prevenção (VASCONCELOS, 2006).
2.2 A influência da religiosidade no contexto da saúde
Historicamente, o discurso médico-científico tem se caracterizado pela busca da
neutralidade e da objetividade, como também pelo menosprezo aos aspectos culturais
presentes no relacionamento com os pacientes (HELMAN, 2003). A medicina ocidental como
um todo, incluindo a psiquiatria, por muito tempo se caracterizou pela negligência ou
oposição ao estudo da religiosidade como um fator possivelmente relevante para a saúde,
caracterizando as experiências religiosas dos pacientes como evidências de psicopatologias
diversas. A religião foi denominada, por LARSON E LARSON (1997), o fator esquecido na
saúde física e mental. Freud na psiquiatria e Stanley Hall na psicologia, por exemplo,
acreditavam que a religião gerava neurose e que teorias psicológicas iriam substituir as
religiões como propiciadoras de visão de mundo e fonte de tratamento. Tais atitudes em
relação à religião não eram baseadas em pesquisas científicas nem em estudos sistemáticos,
mas primordialmente nas crenças e nas opiniões pessoais desses pioneiros. Como
conseqüência, o campo da saúde mental subestimou e frequentemente desqualificou as
crenças e práticas religiosas dos pacientes (KOENIG, 2007).
Entretanto, este quadro está em processo acelerado de mudança. KOENIG, um dos
maiores pesquisadores do tema na atualidade, afirma que várias pesquisas sugerem que as
crenças e as práticas religiosas podem estar associadas com maior bem-estar, melhor saúde
mental e um enfrentamento mais bem-sucedido de situações de alto estresse (KOENIG,
2007). Além disso, outros pesquisadores afirmam que o conhecimento e a valorização dos
sistemas de crenças dos clientes colaboram com a aderência do indivíduo, assim como com
melhores resultados das intervenções (PERES; SIMÃO; NASELLO, 2007). Também a
24
influência da religiosidade tem demonstrado ser possível fator de prevenção ao
desenvolvimento de doenças, na população previamente sadia, e eventual redução de óbito ou
impacto de diversas doenças (GUIMARÃES, 2007). Outros estudos têm enfatizado o possível
incentivo que práticas religiosas oferecem a hábitos de vida saudável, suporte social, menores
taxas de estresse, depressão e redução de mortalidade, provendo suporte e significado de vida
(GUIMARÃES; AVENUM, 2007). Por fim, a literatura tem demonstrado a existência de
relação entre religiosidade e qualidade de vida (PANZINI, 2007). A seguir, alguns exemplos
de tais pesquisas.
KOENIG, GEORGE & TITO, pesquisadores da Duke University e, realizou,
juntamente com os seus colaboradores, uma pesquisa com uma amostra de 853 adultos
internados no Duke University Medical Center (Carolina do Norte, EUA), concluindo que as
atividades religiosas, atitudes e experiências espirituais eram predominantes no enfrentamento
à doença e estavam associadas a maior apoio social recebido pelo seu grupo religioso, mas
também por outros grupos, e pelo seu cônjuge, e melhor saúde física e psicológica (KOENIG,
GEORGE & TITO, 2004).
CARLETON ET AL, psicólogos pesquisadores da De Paul University, realizaram uma
pesquisa com 2100 adolescentes americanos de baixa renda no contexto urbano. Os resultados
desta pesquisa deram suporte para a hipótese de que recursos de enfrentamento religioso
podem servir para interromper a ligação entre estresse e sintomas depressivos (CARLETON
ET AL, 2008).
IRONSON ET AL, pesquisadores da University of Miami na área da medicina
comportamental aplicada ao HIV/AIDS, avaliaram em 100 pacientes durante 4 anos de
seguimento os efeitos de mudanças na religiosidade após o diagnóstico de soropositividade
para o HIV e suas conseqüências sobre as dosagens de CD4 e carga viral. A mudança na
religiosidade dos pacientes, isto é, considerar-se mais religioso após descobrir que era HIV
positivo e frequentar mais serviços religiosos, foi fator preditor independente para redução da
carga viral e aumento dos valores de CD4 (IRONSON ET AL, 2006).
AUKST-MARGETIC ET AL (2005), pesquisadores do Department of Psychiatry /
University Hospital Zagreb, realizaram um estudo com 115 pacientes portadoras de câncer de
mama recrutadas de uma unidade de radioterapia de um hospital especializado em tratamento
de câncer que foram acompanhadas durante seis meses. A religiosidade foi associada a uma
25
prevalência significativamente menor de depressão e considerada um fator protetivo contra a
depressão e de ajuda no processo de recuperação (AUKUST-MARGETIC ET AL, 2005).
STRAWBRIDGE ET AL (1997), pesquisadores do Institute for Health & Aging da
University of Califórnia, avaliaram 6298 pacientes da Califórnia, EUA, entre 16 e 94 anos,
durante 28 anos de seguimento, com o objetivo de analisar a associação de longo prazo entre a
frequência a atividades religiosas. Os praticantes regulares de atividades religiosas tiveram
menores taxas de mortalidade, tendo interrompido o tabagismo, adotado atividade física
regular e aumentado o suporte social.
No Brasil, DALGALARRONDO ET AL (2004), pesquisadores da UNICAMP,
fizeram um estudo transversal com uma amostra de 2287 estudantes de escolas públicas e
particulares da cidade de Campinas, SP, verificaram que o uso pesado de pelo menos uma
droga foi maior entre os estudantes que na infância não tiveram educação religiosa,
concluindo que, entre outras variáveis, como nível sócio-econômico, tipo de escola e apoio e
compreensão familiar, a educação religiosa na infância está relacionada a um possível efeito
inibidor no uso de drogas.
VOLCAN ET AL (2003), pesquisadores da Universidade de Pelotas, RS, realizaram
um estudo transversal com 464 estudantes universitários da cidade de Pelotas, RS, a fim de
examinar a influência do bem-estar espiritual na saúde mental dos estudantes. Estes
pesquisadores basearam-se no conceito de bem-estar espiritual que consiste na percepção
subjetiva de bem-estar do sujeito com relação às suas crenças religiosas, incluindo um sentido
de relação com Deus e um sentido de satisfação e propósito na vida. Segundo este estudo, os
estudantes que apresentavam bem-estar espiritual baixo ou moderado tinham o dobro de
chances de possuir tais transtornos, concluindo que o bem-estar espiritual atua como fator
protetor para transtornos psiquiátricos menores.
Há também exemplos específicos da relação entre religiosidade e saúde nos pacientes em
hemodiálise. FILKESTEIN ET AL (2007), pesquisadores da Columbia University College of
Physicians and Surgeons, realizaram uma pesquisa com 200 pacientes em tratamento de
hemodiálise e diálise peritonial investigando a relação entre percepções religiosas e espirituais
e qualidade de vida. Os resultados sugeriram forte associação positiva, sem diferenças entre
pacientes em hemodiálise e pacientes em diálise peritonial.
SPINALE ET AL (2008), pesquisadores da George Washington University Center,
realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a relação entre espiritualidade, apoio social e
26
sobrevida em 166 pacientes com doença renal terminal e concluíram que existe uma
associação entre espiritualidade e sobrevivência que pode ser parcialmente explicada pelo
aumento da percepção de apoio social em pacientes em hemodiálise que participam de
atividades religiosas.
KIMMEL ET AL (2003), pesquisadores da mesma instituição acima, realizaram um
estudo multicêntrico (centros de diálise da Virgínia, de Washington e Nova York, EUA) com
165 pacientes renais terminais dialíticos para investigar as percepções dos pacientes sobre a
sua qualidade de vida, encontrando nos resultados uma associação entre crenças espirituais,
qualidade de vida e satisfação com a vida, juntamente com a percepção de apoio social e o
controle da dor.
BERMAN ET AL (2004), pesquisadores da University of Pennsylvania, realizaram
uma pesquisa com 74 pacientes de dois centros de hemodiálise da Filadélfia (EUA) com o
objetivo de investigar a relação entre religiosidade e satisfação com o cuidado médico, a
satisfação com a vida e a adesão ao tratamento. Os resultados encontrados nesses pacientes
mostraram que maior religiosidade está associada a maior satisfação de vida e mais satisfação
com os cuidados médicos.
Entre as produções brasileiras encontram-se MADEIRO ET AL (2010), pesquisadores
da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade de Fortaleza, CE, que fizeram um
estudo sobre adesão ao tratamento de hemodiálise em 45 pacientes renais crônicos de uma
unidade de diálise de um hospital público de grande porte em Fortaleza. Os resultados
mostraram a fé em Deus como um dos principais fatores de promoção da adesão ao
tratamento de hemodiálise.
Também CORDEIRO ET AL (2009), pesquisadores da Universidade de Goiás
realizaram um estudo sobre qualidade de vida com 72 pacientes de uma clínica conveniada ao
SUS do município de Goiânia, GO. Os resultados mostraram que pacientes religiosos
referiram ter menos dificuldades no trabalho e enfrentar melhor os sintomas da doença renal
(fadiga, prurido, cefaléia e náusea) quando comparados com pacientes que afirmaram não
possuir religião.
É importante ressaltar que o uso de enfrentamento religioso só faz sentido se essas
crenças fizerem parte do sistema de valores geral da pessoa. Dessa forma, não se defende o
uso da religiosidade no enfrentamento de sua doença, mas sim de sua valorização e incentivo
quando o paciente possui crenças religiosas e, em virtude disso, já o faz em sua vida. Neste
27
sentido é útil considerar o conceito de enfrentamento. LAZARUS e FALKMAN (1986)
definem enfrentamento como esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo
de exigências ou demandas internas ou externas, que são avaliadas como sobrecarga aos
recursos pessoais. Os esforços despendidos pelos indivíduos para lidar com situações
estressantes, crônicas ou agudas, têm-se constituído em objeto de estudo da psicologia social,
clínica e da personalidade, encontrando-se fortemente atrelado ao estudo das diferenças
individuais. Porém, grande parte da literatura sobre enfrentamento concentra-se em estudos
do campo da psicologia da saúde, mais especificamente direcionada a condições de
cronicidade
e
realização
de
procedimentos
médicos.
Estratégias
cognitivas
ou
comportamentais para lidar com eventos estressores, advindas da religião ou da
espiritualidade da pessoa, foram definidas como enfrentamento religioso (ANTONIAZZI;
DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998).
O enfrentamento religioso nem sempre é eficaz no sentido de efetivamente contribuir
no tratamento. PARGAMENT ET AL argumentam que a religião pode assumir funções
diferentes nos diversos estilos de solução de problemas que variam conforme a atribuição de
responsabilidade e do nível de participação da pessoa na resolução do problema
(PARGAMENT ET AL, 1998). Os estilos de solução de problemas podem inibir ou promover
o desenvolvimento de competência pessoal e iniciativa, favorecendo a esquiva ou atrasando a
busca de cuidados médicos ou modalidades de tratamento. Os referidos autores identificaram
padrões positivos e negativos de enfrentamento religioso das situações de doença. Várias
características foram consideradas representativas do padrão positivo, como busca de apoio
espiritual, perdão religioso, enfrentamento religioso colaborativo, ligação espiritual,
purificação religiosa e redefinição benevolente do estressor. Já as características do padrão
negativo foram o descontentamento religioso, a redefinição punitiva do estressor por Deus, a
presença de conflitos interpessoais com membros do grupo religioso, a atribuição da causa ao
demônio e o aparecimento de dúvida sobre os poderes de Deus para interferir na situação
estressora (FARIA, J.B.; SEIDL, E.M.F. , 2005).
Ainda problematizando a importância da relação entre a religiosidade e a saúde, é
interessante considerar a Teoria do Apoio Social tal como desenvolvida por Vincent Valla
(2001). Esta teoria tem como idéia central o seguinte: quando as pessoas sentem que conta
com o apoio de um grupo de pessoas (associação, vizinhança, igreja, por exemplo), isso tem o
efeito de causar melhora em sua saúde. Esse apoio normalmente ocorre, de forma sistemática,
28
entre pessoas que se conhecem, razão pela qual frequentemente envolve uma instituição ou
entidade como pano de fundo. É assim que cabe considerar esse apoio social como uma das
explicações do extraordinário crescimento da presença das classes populares nas igrejas de
todas as religiões, mas principalmente nas chamadas “evangélicas” ou “pentecostais”. Atrás
dessa procura está também o processo do crescimento da urbanização, o consequente aumento
das demandas dos bens coletivos e individuais e, ao mesmo tempo, a dilapidação dos direitos
sociais e humanos. Segundo o pensamento de Valla, a falta de apoio institucional, nesta
época de mudanças sociais intensas, faz com que as igrejas sejam, muitas vezes, a principal
alternativa que oferece um sentido para a vida e para convivência solidária. Afirma ainda que,
por outro lado, a frágil presença dos partidos políticos, de associações e do próprio Estado
entre os pobres, faz dos grupos religiosos as alternativas de suporte social e fonte de
motivação para enfrentar a pobreza.
As referidas perspectivas teóricas apontam para certas possibilidades de interpretação
do fenômeno, concordando entre si no sentido de que a religiosidade pode ser um recurso de
enfrentamento às doenças e aos respectivos tratamentos. No entanto, apontam também para
possíveis aspectos prejudiciais dessa relação, mostrando que a religiosidade pode ser um fator
deletério e que se acentua em função do enfraquecimento da presença do estado e de
condições para o pleno exercício da cidadania. Em suma, não é fácil distinguir quando a
religiosidade constitui ajuda ou obstáculo ao alcance de resultados adaptativos no processo de
enfrentamento. A presente pesquisa segue a trilha aberta da dúvida, pretendendo compreender
se e como a religiosidade participa do processo saúde-doença no caso específico dos pacientes
renais crônicos do programa de hemodiálise de um hospital universitário.
Não obstante os estudos acima sugerirem a existência de uma associação favorável
entre religiosidade e a saúde, é razoável questionar se tal associação existiria em todos os
casos, considerando as diferenças contextuais em que os mesmos foram realizados. Foi
observado neste levantamento bibliográfico que a grande maioria dos estudos foi realizada em
países mais desenvolvidos economicamente, com um nível escolar mais elevado e mais
secularizados. Além disso, predomina no segmento religioso destas sociedades a adesão à
religião cristã na vertente protestante. Cabe investigar se os resultados seriam os mesmos no
contexto brasileiro, visto que há relativamente poucos estudos aqui. A presente pesquisa visa
contribuir no sentido de conhecer as peculiaridades do fenômeno dentro de um recorte social
diferenciado, investigando a realidade de pacientes em um programa de hemodiálise de um
29
hospital público e universitário no Rio de Janeiro, ou seja, em um grupo cujo perfil sócioeconômico é predominante de baixa renda e baixa escolaridade e cujo perfil religioso é de
maioria católica e mais diversificado do que o perfil dos países onde foram realizados os
estudos citados, com acesso a serviços de um hospital quaternário e profissionais de alta
qualificação.
Por último, cabe ressaltar que este trabalho está em consonância com a Portaria do
Ministério da Saúde nº 1168/GM de 15 de junho de 2004, que institui a Política Nacional de
Atenção ao Portador de Doença Renal, uma vez que pretende contribuir para aumentar o
corpo de conhecimentos necessários para a boa prática assistencial. Está escrito em seu Art.
3º:
X - qualificar a assistência e promover a educação permanente dos profissionais de
saúde envolvidos com a implantação e implementação da Política de Atenção ao Portador de
Doença Renal, em acordo com os princípios da integralidade e da humanização.
IX - capacitação e educação permanente das equipes de saúde de todos os âmbitos da atenção,
a partir de um enfoque estratégico promocional, envolvendo os profissionais de nível superior
e os de nível técnico, em acordo com as diretrizes do SUS e alicerçada nos pólos de educação
permanente em saúde.
30
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
O objetivo geral deste trabalho é investigar a presença de crenças religiosas entre
pacientes e médicos e como a religiosidade é expressa face à doença e ao tratamento em um
programa de hemodiálise de um hospital universitário.
3.2 Objetivos específicos
2.2.1 Investigar os discursos relativos à religiosidade presentes no grupo de pacientes do
Programa de Hemodiálise do HUCFF que justificam, influenciam ou interferem, se for o caso,
nas atitudes frente à doença, ao tratamento e à equipe de saúde;
2.2.2 Investigar os discursos relativos à religiosidade presentes no grupo de médicos do
Programa de Hemodiálise do HUCFF que justificam, influenciam ou interferem, se for o caso,
nas atitudes frente à doença, ao tratamento e aos pacientes;
2.2.3 Investigar se os pacientes percebem que suas crenças religiosas ou atitudes para
enfrentamento de sua doença e o seu respectivo tratamento inspiradas em suas crenças
religiosas são valorizadas pelos médicos do Programa de Hemodiálise;
2.2.4 Discutir os possíveis conflitos entre os discursos produzidos pelos pacientes e o
discursos produzidos pelos médicos do Programa de Hemodiálise.
31
4 METODOLOGIA
4.1 Marco Teórico: a Teoria das Representações Sociais de Moscovici
Buscou-se para este trabalho um referencial teórico e uma metodologia adequados
para os seus objetivos e que já têm sido usados na área da saúde, conforme será mostrado
mais abaixo. É usada a abordagem quantiqualitativa, dentro do referencial teórico das
Representações Sociais e a Metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).
O termo “representação social” foi cunhado por Serge Moscovici para designar
especificamente o tipo de fenômeno ao qual a sua interpretação teórica se aplicava. Moscovici
elabora o conceito de representações sociais a partir do conceito de representações coletivas
de Durkheim. Para este, a estabilidade da transmissão e da reprodução das representações
coletivas é o que as diferencia fundamentalmente das representações individuais (JODELET,
2001, p. 47). Uma das principais mudanças que Moscovici introduz com relação a este
conceito está na questão da estabilidade ao longo do tempo em dado grupo social. Enquanto
as representações coletivas mantêm-se estáveis por longo tempo, tendendo a sua permanência,
as representações sociais mudam no ritmo cotidiano das interações sociais, tendendo a
impermanência. O interesse maior de Durkheim era compreender as forças e as estruturas que
mantinham a sociedade coesa e estável. Neste sentido, as representações coletivas exerceriam
um poder coercitivo. Em outras palavras, pode-se afirmar que a ênfase do pensamento de
Durkheim era compreender o que fazia a sociedade não mudar ao longo do tempo. Moscovici
apresentou uma proposta inversa: ele queria compreender o que fazia a sociedade mudar e
como, ou seja, quais os processos que mantinham a sociedade coesa e estável e, ao mesmo
tempo, mantinham em si contradições capazes de produzir mudanças na sua estrutura.
Moscovici interessou-se pelo potencial transformador das minorias sociais bem como das
inovações culturais (MOSCOVICI, 2010, p.14-15). Embora tenham certa estabilidade, as
Representações Sociais se caracterizam pelo dinamismo de sua produção e reprodução.
Para MOSCOVICI (2010), as representações sociais devem ser vistas como uma
“atmosfera” com relação ao indivíduo ou grupo e como uma maneira específica de um grupo
para compreender e comunicar o que sabe. Trata-se do universo consensual onde a sociedade
possui uma voz humana em contraste com o universo reificado, que é o espaço próprio das
ciências. Por isso, o universo consensual é o espaço do conhecido e do familiar e o universo
32
reificado é o do imparcial e do submisso. Os dois processos necessários para a produção de
uma representação social são a ancoragem e a objetivação. Enquanto o primeiro assegura a
inclusão do estranho no universo consensual, o segundo busca transformar algo abstrato em
algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que exista no mundo físico
(ibid, p. 49-53).
4.2 Abordagem metodológica: o Discurso do Sujeito Coletivo
Baseada nos pressupostos da teoria das representações sociais, Lefèvre & Lefèvre
criaram a abordagem metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Esta abordagem
foi elaborada visando responder a pergunta sobre como obter descrições de pensamentos,
crenças e valores em escala coletiva, partindo-se do pressuposto de que era possível produzir
algum tipo de soma de discursos. Para tanto criaram o conceito de Discurso do Sujeito
Coletivo, que é uma proposta de organização e tabulação de dados qualiquantitativos de
natureza verbal, obtidos de depoimentos, coletados em pesquisas empíricas. Para obter os
dados é preciso fazer perguntas abertas para o conjunto de indivíduos que de alguma forma
compõem essa coletividade e deixar que esses indivíduos se expressem o mais livremente
possível (LEFÈVRE & LEFÈVRE, 2003, p.15-16).
Os DSC são confeccionados usando-se as figuras metodológicas das expressõeschaves e das idéias centrais. As expressões-chaves são pedaços, trechos ou transcrições
literais do discurso que revelam a essência do depoimento, a partir dos quais são construídos
os Discursos do Sujeito Coletivo. Uma vez identificadas todas as expressões-chaves, essas
devem ser analisadas e agrupadas por semelhança. Cada conjunto de expressões-chaves
semelhantes é nomeado por uma idéia central que expressará o sentido básico do conjunto de
expressões-chaves semelhantes. As idéias centrais são, portanto, nomes ou expressões
lingüísticas que revelam e descrevem, da maneira mais sintética, precisa e fidedigna possível,
o sentido de cada um dos depoimentos analisados e de cada conjunto homogêneo de
expressões-chaves, sendo não uma interpretação, mas uma descrição do sentido de um
depoimento ou de um conjunto de depoimentos (ibid, p.17).
O DSC é um discurso-síntese redigido na primeira pessoa e composto pelas
expressões-chaves que têm a mesma idéia central. É assim, uma abordagem metodológica
que, utilizando uma estratégia discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação
33
social, bem como o conjunto das representações que conforma um dado imaginário (ibid,
p.18-19). Cabe esclarecer que se busca reconstruir tantos discursos quanto se julgue
necessários para expressar as representações sociais sobre um fenômeno (ibid, p.19-20).
O DSC tem se mostrado uma abordagem proveitosa no campo da saúde para o estudo
da relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento, como sugerem as
pesquisas a seguir. Em uma pesquisa realizada por TEIXEIRA & LEFRÈVE (2008)
procurou-se identificar o significado da intervenção médica e da fé religiosa para o paciente
idoso com câncer. Em outra pesquisa realizada pelos mesmos autores e utilizando a mesma
metodologia, buscou-se identificar o significado da fé religiosa no trabalho da enfermeira e o
significado atribuído pela enfermeira á fé religiosa no tratamento e na vida do paciente idoso
com câncer (TEIXEIRA & LEFÈVRE, 2007). Como último exemplo de utilização da técnica
DSC neste campo, CARVALHEIRA, TONETE & PARADA (2010) realizaram uma pesquisa
que objetivou compreender a experiência relativa à morbidade materna grave, a partir de um
grupo de mulheres que vivenciou esse problema, mostrando, entre outros, a utilização do
recurso da religiosidade.
Para a presente pesquisa, a coleta de dados foi feita mediante entrevistas semiestruturadas orientadas por questões abertas abordando opiniões, condutas e atitudes com
relação à religiosidade e o seu papel no contexto assistencial. Também foram coletados dados
sobre o perfil religioso e sócio-demográfico. Os sujeitos foram estimulados a discursar o mais
livremente possível a partir de questões relacionadas ao objetivo do trabalho. Os dados foram
anotados e posteriormente analisados. A freqüência de expressões-chaves encontradas para
cada idéia central no grupo investigado foi medida por meio de porcentagem. Este
procedimento permite melhor visualização da adesão a cada idéia central.
Tendo em vista os objetivos da pesquisa, os discursos do sujeito coletivo foram
elaborados e organizados em torno de determinadas questões. Para os médicos foram as
seguintes: 1ª) “o que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e
ao tratamento?”; 2ª) “como você lida com a sua própria religiosidade no ambiente de
trabalho?”; 3ª) “como você aborda a religiosidade dos pacientes?”. Através das respostas a
estas questões pretendeu-se mostrar as representações sociais dos médicos no contexto da
hemodiálise a respeito da religiosidade dos pacientes (primeira questão), da religiosidade dos
médicos (segunda questão) e da religiosidade como tema na relação médico-paciente. Já no
caso dos pacientes as questões foram: 1ª) “o que significa a hemodiálise para você?”; 2ª) “A
34
sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no tratamento?”. No caso da primeira
questão, pretendeu-se mostrar as representações sociais dos pacientes sobre a hemodiálise, a
fim de melhor compreender a relação possível entre o a religiosidade dos pacientes e o seu
principal recurso de tratamento; no caso da segunda questão, pretendeu-se mostrar as
representações sociais dos pacientes sobre se e como a religiosidade dos pacientes participam
do seu processo terapêutico.
Os pacientes e os médicos foram convidados a participar com, no mínimo, uma
semana de antecedência, sendo informados sobre a instituição de origem da pesquisa, os
objetivos gerais do trabalho e o anonimato dos dados. As entrevistas são realizadas
individualmente em uma das salas de consulta ou no espaço onde se realizam as sessões de
hemodiálise, de acordo com a vontade dos sujeitos. No dia da entrevista são recapituladas as
informações comunicadas na ocasião do convite para participar da pesquisa e, em seguida, é
apresentado ao sujeito o termo de consentimento livre e esclarecido e, caso consinta, é
solicitado a assinar o mesmo. Cabe ressaltar que a coleta de dados foi iniciada após a
apresentação do projeto de pesquisa ao chefe de serviço da hemodiálise a fim de obter a sua
autorização.
4.3 Sujeitos
Os sujeitos para a pesquisa foram 20 pacientes presentes entre portadores de
patologias e condições médicas que determinam a necessidade de fazer hemodiálise, sendo,
na grande maioria dos casos, pacientes portadores de insuficiência renal crônica inscritos no
programa de hemodiálise de um hospital universitário. Também foram sujeitos 20 médicos do
referido programa, entre 21 membros em atividade, sendo eles do staff, residentes, diaristas e
plantonistas. Quanto à escolha dos pacientes, o principal motivo consiste no fato do
pesquisador ser psicólogo do programa de hemodiálise e constatar na sua rotina de trabalho a
importante presença das crenças e da prática religiosa entre os pacientes assistidos. O segundo
motivo, que está associado ao primeiro, é o fato de entre os sujeitos estarem pacientes que se
encontram, em maior ou menor grau, em situações de sofrimento físico e psíquico e com
limitada expectativa de vida, o que fez considerar, como hipótese, que neste grupo haveria
uma maior necessidade de buscar a religião como um recurso importante no sentido de
promover conforto, esperança e sentido para a vida. O terceiro e último motivo é que a
35
literatura aponta para a grande importância do suporte simbólico, afetivo e de cuidados para
os pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Quanto aos médicos, o motivo é o fato
de atuarem em um serviço universitário de um hospital de alta complexidade que, além da
assistência, dedica-se ao ensino e à pesquisa, envolvendo nessas atividades tanto os médicos
do staff quanto os residentes, o que abre um questionamento sobre as peculiaridades na
abordagem realizada por esse grupo de profissionais às questões religiosas trazidas pelos
pacientes: seria a religiosidade um tema valorizado e abordado pelos médicos no cotidiano de
trabalho no programa de hemodiálise?
Os sujeitos são pacientes adultos, de ambos os sexos, sem distinção de nível sócioeconômico, escolaridade e religião. Os critérios de exclusão para a escolha dos pacientes
foram:
1) Ter menos de 18 anos de idade;
2) Ser portador de transtornos mentais graves;
3) Ser portador de retardo mental;
4) Apresentar quadros psiquiátricos agudos;
5) Apresentar quadros clínicos agudos;
6) Estar internado;
7) Estar realizando a hemodiálise no setor destinado aos pacientes aos pacientes portadores de
hepatite C, ou seja, em espaço distinto dos demais pacientes em hemodiálise não internados.
O critério de inclusão dos pacientes foi concordar em participar da pesquisa mediante
a assinatura do paciente do termo de consentimento livre e informado e da assinatura do
pesquisador do termo de responsabilidade.
Ressalte-se que os pacientes haviam sido previamente informados sobre o seu
diagnóstico pelos seus médicos de referência, o que pôde ser verificado em registro feito em
prontuário ou diretamente com os médicos.
36
Para efeito da verificação das condições mentais, é considerada a avaliação
psicológica de rotina realizada pelo psicólogo da equipe. Já quanto às condições clínicas, é
considerada a avaliação médica de rotina realizada pelos nefrologistas. Ambas as avaliações
podem ser acessadas no prontuário dos pacientes.
Os critérios de exclusão dos médicos foram:
1) Ser médico parecerista atuando no programa de hemodiálise;
2) Ser médico do ambulatório do hospital não atuante no programa de hemodiálise.
Já os critérios de inclusão dos médicos foram:
1) Ser médico nefrologista;
1) Fazer parte da escala de serviço do Programa de Hemodiálise;
2) Concordar em participar da pesquisa mediante a assinatura do termo de consentimento livre
e informado e da assinatura do pesquisador do termo de responsabilidade.
A pesquisa foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ (Parecer consubstanciado nº 23260).
4.4 Contexto da pesquisa
O programa de hemodiálise do hospital universitário onde foi realizada a pesquisa
funciona no setor de nefrologia, 7º andar. Funciona de segunda-feira a sábado, sendo cada dia
dividido em três turnos com quatro horas de duração cada. Os pacientes são provenientes dos
ambulatórios e das enfermarias do hospital ou de outros serviços da rede de saúde, através da
central de regulação de vagas da área programática de saúde.
Cada paciente comparece três vezes por semana em turno e horário determinado. O
programa atende 8 pacientes em cada turno e, assim, cerca de 48 pacientes por semana. Além
desses pacientes, há atendimentos de emergência e outros voltados aos pacientes internados
com insuficiência renal crônica. Não se trata de um centro de hemodiálise; portanto, os
37
pacientes permanecem em tratamento até conseguirem vaga em um centro de diálise da rede
mais próximo de sua residência. Este período de espera varia de semanas a anos.
O espaço físico onde é desenvolvido o programa de hemodiálise é parte do andar
destinado à Nefrologia. Possui uma área externa onde há uma sala de espera e uma copa. Na
sala de espera, os pacientes aguardam a chamada a ser feita pela equipe de enfermagem para
início da sessão. Este é o principal espaço de interação entre os pacientes. Na copa, os
pacientes podem realizar refeições e conversar livremente com qualquer membro da equipe
multiprofissional. Já a área interna é onde são realizadas as sessões. É dividida em duas alas,
ficando cinco pacientes em cada ala por sessão. Os pacientes ficam sentados em poltronas que
formam um semicírculo no espaço destinado a realização das sessões. Os pacientes
conseguem falar uns com os outros, porém precisam falar usando um volume de voz mais alto
que o normal. A poucos metros dos pacientes fica uma bancada onde os profissionais fazem
anotações e outras tarefas de rotina. Na área interna todos os profissionais circulam e
interagem frequentemente com os pacientes. Os pacientes podem interagir com aqueles que
ficam na ala oposta, porém antes ou depois das sessões. Já os profissionais circulam mais
livremente no espaço físico do setor durante as sessões, interagindo entre si com mais
frequência. Além das áreas descritas, o programa de hemodiálise conta com uma recepção
administrativa e duas salas para consultas, sendo estas de uso multiprofissional.
Cumprindo o que determina a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (art.6º da resolução nº 154, de 15 de junho de 2004, que estabelece o regulamento técnico
para o funcionamento dos Serviços públicos e privados de Diálise), o programa de
hemodiálise possui uma equipe multiprofissional constituída por médicos, enfermeiros,
técnicos de enfermagem, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta e psicólogo.
A assistência religiosa no hospital é coordenada pelo programa de humanização que
existe desde 2002. Este programa implementa o que está determinado pela Lei nº 9982, de 14
de julho de 2000, que dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades
hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais e militares. Antes
da criação do programa de humanização, a assistência religiosa era oferecida conforme a
demanda, sem a regulação institucional. Atualmente, o programa de humanização atua no
sentido de garantir aos pacientes o direito à assistência religiosa de modo a não ferir o direito
de quem não quer e não solicita assistência religiosa, evitando assim o proselitismo e os
conflitos religiosos. O programa reúne-se periodicamente com os líderes religiosos que atuam
38
no hospital para definirem rotina e procedimentos comuns. Atualmente existe o oferecimento
de assistência religiosa pelos católicos e pelos evangélicos. Na hemodiálise não existe rotina
estabelecida para visitação, porém os pacientes podem participar das reuniões semanais que
acontecem em salas do hospital.
39
5 RESULTADOS
5.1 Perfil dos médicos
Foram entrevistados 20 médicos, do total de 21 médicos atuantes no Programa de
hemodiálise, apenas não sendo entrevistado o médico chefe do programa devido ao exercício
de suas funções administrativas fora do espaço próprio da assistência aos pacientes. Destes,
10 são membros do staff e 10 são residentes de nefrologia. Quanto ao sexo, metade é do sexo
masculino e outra é do sexo feminino. Quanto à idade, 10 possuem menos de 30 anos, 7 entre
31 e 50 anos e 3 acima de 50 anos. Quanto à rotina de trabalho, 10 atuam tanto como médicos
diaristas quanto como plantonistas, 7 são exclusivamente plantonistas e 3 são exclusivamente
diaristas. Pode-se constatar que o grupo investigado apresenta uma proporção equilibrada
tanto no que se refere ao status institucional (ser do staff ou residente), sexo, idade e rotina de
trabalho. Todos foram receptivos ao convite e participaram com interesse. O tempo médio das
entrevistas foi de 30 minutos.
Quanto ao perfil religioso, 8 dos entrevistados declararam não ter religião, mas
acreditar em Deus; 7 declararam ser católicos; 2 espíritas; 1 evangélico; 1 agnóstico e 1 ateu.
Entre os médicos que tem religião, todos declararam ser praticantes, embora mais da metade
tenha declarado não freqüentar reuniões religiosas com regularidade. Todos afirmaram
praticar a sua religião de modo privado, geralmente através de orações ou rezas espontâneas e
individuais. Entre os que declararam não ter religião, todos declararam possuir crenças e/ou
práticas religiosas, mas sem adesão exclusiva às crenças e práticas de uma única religião.
Comparando-se com os dados do Censo de 2010, que revelou 8% de "sem religião", pode-se
observar que o grupo investigado é menos aderido a uma religião do que a população
brasileira vista em seu conjunto, mas bem próximos se forem considerados aqueles que
declararam acreditar em Deus.
5.2 DSC - médicos
Foram produzidos três discursos relativos à primeira questão, seis relativos à segunda
questão e cinco relativos à terceira questão. Os discursos produzidos não foram mutuamente
40
excludentes, o que significa que eles expressam representações sociais presentes em todos os
componentes do grupo investigado, podendo variar ao longo do tempo a sua expressão verbal.
A seguir, os discursos produzidos pelo grupo investigado referentes à primeira questão.
Quadro 1 - "O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença
e ao tratamento?”
IDÉIAS CENTRAIS
DSC DOS MÉDICOS
1 – EU PENSO QUE A RELIGIOSIDADE DSC 1
PODE DAR UM APOIO PSICOLÓGICO Eu respeito todas as religiões. No fundo, eu acredito
que tudo é a mesma coisa. É uma questão de se
AO TRATAMENTO (adesão de 90 %)
identificar mais com uma ou com outra. A religião em
si quer o bem, mas os homens interpretam mal. Há
casos que muitos dizem não ter mais jeito, drogados,
bandidos, que se apegam à religião e mudam. A
religião tem o seu papel na sociedade, não pode ser
ignorada. Eu não sou nem um pouco preconceituosa:
quantas pessoas não saem das drogas! De fato, a
religião muda a vida das pessoas, independente do
que se está pregando. A religião ajuda muito. Em
geral eu penso que é uma coisa boa. Na verdade,
considero a religiosidade uma coisa totalmente útil. É
muito importante os pacientes se apegarem à religião.
É um recurso, um suporte, uma forma de entender o
que está acontecendo. É mais um reforço ao
tratamento. Tudo o que o paciente faz para se ajudar,
não atrapalhando o tratamento é bom. Quando
ocorre em paralelo é excelente, nada que entre em
conflito com o verdadeiro tratamento. É mais um
alicerce psíquico para continuar na luta contra uma
doença de elevada letalidade.
Acho que a hemodiálise é um território para a
psicologia. Aqui a demanda é imensa. Acho que os
pacientes precisam de mais apoio psicológico. Acho
que é assim: os médicos atendem 500 pacientes, mas
eles só têm um médico. Eu acho que eles valorizam
demais a gente, eles não deveriam dar tanta atenção
às coisas pessoais. Na hemodiálise temos um contato
muito próximo e muito prolongado com o paciente.
Aqui parece que o ambiente é menor e os conflitos
ficam mais intensos, fica tudo mais próximo... Cria um
laço inevitável. Tem que ser próxima, mas se for
demais... O paciente te desvaloriza como médico.
Muita gente confunde proximidade com intimidade.
Achar que os pacientes só vão falar da doença é um
engano. Eles precisam desabafar, falar da sua vida. É
difícil impor uma barreira, é estranho... Eles te
sugam! Tudo eles falam: minha filha está com dor,
meu marido está me tratando mal, meu vizinho está
com um problema, tudo é a gente! Os pacientes trazem
para nós todas as suas insatisfações que estão
41
vivendo, as dúvidas, desde a dor no joelho até a briga
com o irmão... É muito difícil eles chamarem por uma
coisa positiva, é sempre problema! Cadê a nossa
alma, alguém levou?
A religião é como um psicólogo. Em muitas situações,
sei que isso é importante por causa do psicológico
deles. A gente tá lidando com pacientes crônicos com
bastantes problemas psicológicos. Na hemodiálise os
pacientes são especialmente graves, a gente lida com
paciente crônico, não tem cura. Eu acho interessante
em um processo difícil como esse da hemodiálise. Os
pacientes renais crônicos têm uma doença
estigmatizante: se eles não tiverem o apoio da
religião, fica difícil. Eles passam por um sofrimento
muito grande, têm uma vida social limitada e baixa
auto-estima. O paciente renal crônico sofre o tempo
todo; a religião é para ele não se tornar o próprio
sofrimento. Às vezes é uma coisa a que os pacientes se
apegam pra não deprimirem e, assim, não perderem
os laços familiares, não se isolarem e não tentarem o
suicídio. Pessoas sem religiosidade tendem muito mais
à depressão. Acreditar em alguma coisa é superválido
para confortar. Às vezes o paciente sabe que não vai
ter tratamento, então a religião dá conforto. É um
atenuante para quem vive com uma doença crônica e
serve como válvula de escape das suas preocupações e
ansiedades.
A religiosidade é um aporte importante para o
paciente saber como lidar com a doença. O paciente
com doença renal terminal estabelecida não vai
receber um milagre de cura, mas pra enfrentar a
doença, buscar coisas positivas pra vida dele... Ajuda
a enfrentar a sua situação e os seus traumas. É bom
para ele encarar as coisas de uma forma melhor.
Independente de em que o paciente creia, ele precisa
ter fé, ter esperança, de algo que sirva como
motivação pra ele viver, acreditar que existe uma
chance para ele. Todo mundo precisa, mas no
momento de doença a pessoa está mais fragilizada. A
religiosidade dá força e gana de viver; dá um sentido
pra vida deles, pra aquilo que eles estão passando.
Principalmente quando os pacientes começam a
hemodiálise, eles precisam se agarrar em alguma
coisa. Muitas vezes eles vão ao tratamento como se
fosse o fim. Eles precisam da religiosidade pra ter
esperança, pra entender melhor que as coisas não
acabam porque começou a fazer hemodiálise. Muitos
pacientes acham que estão jogando pra perder, que a
vida já acabou. É uma forma de manter os pacientes
com certa motivação porque a perspectiva de vida
delas é nula.
A religiosidade pode ajudar como uma forma de
resignação. O paciente diz: “estou passando esse
problema pela vontade de Deus”, “Deus quis assim”,
“Deus sabe o que está fazendo”, já que ele não tem
perspectiva de sair da hemodiálise. Quem é mais
religioso aceita e tolera melhor a doença, como se
fosse uma provação: talvez suporte para ter uma
42
recompensa no futuro. Quem tem fé é mais tranqüilo.
Por outro lado, quem não tem religião é mais rebelde,
faz o que não deveria fazer. Todos os que seguem uma
religião, seguem mais o tratamento e são mais
cooperativos. Geralmente o paciente religioso é mais
aderente, é mais obediente e mais perseverante. A
religiosidade ajuda a ele se manter de pé e a não
deixar de se tratar. Principalmente no caso da
insuficiência renal crônica, cada pessoa vai se cuidar
dependendo da sua crença. Às vezes nós mesmos
estamos duvidosos com relação ao tratamento e ao
prognóstico e eles vêm com um pensamento positivo.
Parece que há uma necessidade de ter fé. O remédio
que a gente não encontra na farmácia tem que buscar
em outro lugar.
2 – EU PENSO QUE A RELIGIOSIDADE
DSC 2
PODE SER UM PROBLEMA PARA O A religião é usada como pretexto para matar e
TRATAMENTO (adesão de 50%)
dominar. A religião serviu muito para dominar os
povos, catequizar. A religiosidade é importante desde
que não seja ao extremo, até o limite em que não
interfere no tratamento. Os que são mais religiosos,
mas sem excesso, se dão melhor. Mas há religiões que
podem ser obstáculos para o tratamento. Quando a
religião não serve para motivar o tratamento, mas sim
para buscar a cura, é um obstáculo. Quando se pede a
cura, aí vem o lado da negociação, o lado ruim da
religião. Uma coisa que sai da realidade, que não tem
nenhum fundamento técnico... Isso pode prejudicar
muito a adesão deles. É meio complicado quando
começa a influenciar na parte médica... A gente não
consegue fazer o que é melhor pra o paciente por
causa de questões religiosas. É uma coisa que pode
ser muito boa, mas que acaba sendo muito ruim. Têm
alguns pacientes que são muito ignorantes e alguns
líderes religiosos acabam usando isso... O pastor disse
que vai curar, que as coisas não são como são e a
coisa acaba indo para um lado ruim. Passam por uma
lavagem cerebral e acham que a religião explica tudo.
Às vezes, a fé pode ser prejudicial: se for radical, a
pessoa deixa de seguir uma orientação médica... Se o
médico prescreve um remédio, diz que não vai tomar,
e até deixa o tratamento... O paciente diz: “Deus vai
me curar”, acha que tudo quem resolve é Deus e não
precisa fazer mais nada. O radicalismo é, sem dúvida,
um problema.
43
3 – EU PENSO QUE O PAPEL DA DSC 3
RELIGIOSIDADE NO TRATAMENTO
PRECISA SER BEM AVALIADO
(adesão de 15%)
Já tive pacientes de várias religiões, eles não
expressaram essa situação da religiosidade
influenciar a adesão ao tratamento. Nenhum paciente
chegou pra mim e disse que a religião está ajudando
ou piorando a vida dele. A minha impressão é que
favorece mais a adesão ao tratamento e que traz mais
benefícios, mas depende muito de cada um. Quem tem
religião vê a doença como castigo ou como algo que
está acontecendo, mas vai melhorar. Quem não tem
religião, vê de modo mais científico. Uns aceitam mais
e outros menos, mas não dá pra dizer que os religiosos
têm atitudes melhores que os não religiosos. Talvez
isso dependa da personalidade, da estrutura familiar e
da religiosidade, que viria em 3º lugar. Se você está
frágil emocionalmente, não tem uma estrutura
familiar, aí vem a religião. Não é uma substituta: pode
ter uma importância maior ou menor. É mais uma
questão de relação com a equipe multiprofissional
fazer o paciente entender e aceitar o tratamento.
Talvez a religião seja uma válvula de escape para
alguns. Não tenho uma posição, mas acho que não
interfere nem positiva nem negativamente.
Tabela 1 – Adesão aos DSC dos médicos relativos à questão "o que você pensa sobre a
religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?”
DSC DOS MÉDICOS
ADESÃO (%)
DSC 1 - Eu penso que a religiosidade pode
dar um apoio psicológico ao tratamento
DSC 2 - Eu penso que a religiosidade pode
ser um problema para o tratamento
DSC 3 - Eu penso que o papel da
religiosidade no tratamento precisa ser
bem avaliado
90%
50%
15%
Com relação à primeira questão, podem-se observar representações com características
positivas onde a religiosidade é associada a um possível recurso psicológico de enfrentamento
da doença e do tratamento, ainda que alertem para a possibilidade de que ela possa ser usada
como substituta do tratamento e do próprio médico, bem como considerem que o seu papel
precisa ser melhor avaliada em cada caso. Cabe ressaltar que o grupo usou os termos
“religião” e “religiosidade” de forma genérica, sem fazer distinção entre eles.
44
A seguir, os seis discursos relativos à segunda questão: "Como você lida com a sua
própria religiosidade no contexto do trabalho?"
Quadro 2 – "Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?”
IDÉIAS CENTRAIS
DSC DOS MÉDICOS
4 – EU EVITO CONVERSAR SOBRE
DSC 4
RELIGIÃO COM OS MÉDICOS NO
A religião é um tema muito comum e muito pouco
falado. Os médicos conversam muito pouco sobre
religião. É muito difícil. Entre os médicos é um
assunto que não circula, não se discute, não se
pergunta... Isso não é abordado, não se explicita isso.
Geralmente ele é rápido. A conversa fica estagnada
porque um é católico, outro é evangélico, outro é
espírita... Acaba não fluindo. Também porque médico
é uma pessoa muito cética. Até para não ser julgado,
avaliado. Ia virar uma discussão muito teórica.
Médico é muito teórico.
Acho que é uma coisa muito pessoal. Por isso eu não
falo, cada um tem a sua. Quando conversamos sobre
questões pessoais, a religião não aparece. Sei da
religião de um ou de outro, dos mais próximos.
Geralmente eu percebo um respeito, talvez se evite
conversar sobre o assunto para não se criar conflitos.
As pessoas, em geral, não param pra ficar discutindo
religião. Cada um tem a sua própria e ninguém entra
em controvérsia. Ninguém tenta mudar a cabeça de
ninguém. Ninguém fica: “por que você acredita nisso
ou naquilo?”. Geralmente é fora do hospital, a gente
conversa e se respeita. Acontece de conversar mais
com a enfermagem sobre esse assunto. A minha
percepção é que na hemodiálise há muito mais
profissionais da enfermagem religiosos.
Aqui na Hemodiálise é muito pouco, ninguém aqui
conversa muito sobre isso... Nunca aconteceu, não tem
papo sobre religião. Não é rotina. Acontece mais
informalmente do que direcionado aos pacientes,
exceto quando há casos marcantes. Ocorrem
conversas informais sobre alguma coisa relacionada a
algum paciente, mas não é usual. Não me lembro
quando foi a última vez... Aqui não me lembro de
conversar sobre isso... Só quando tem o caso de uma
paciente difícil, quando reclamam das Testemunhas de
Jeová ou quando há uma situação que está sendo
comentada, por exemplo, quando alguém faz uma
chacina por motivos religiosos... Mas não é muito
comum. Além disso, o trabalho está sempre agitado,
sobra pouco tempo para conversar mais sobre isso. A
gente fala mais sobre futebol do que sobre religião... A
gente quer extravasar, jogar fora esse estresse,
conversar sobre coisas mais leves. Dificilmente a
gente parar pra pensar nesse assunto. Esse assunto é
HOSPITAL (adesão de 90%)
45
muito deixado de lado pelos médicos.
5 – EU TENHO CRENÇAS RELIGIOSAS
DSC 5
E ELAS TÊM SIDO ÚTEIS NO MEU
Deus é tudo. É a primeira coisa na vida de todo
mundo. Eu acredito em algo superior, acima de tudo.
Acho que é uma coisa boa. Eu acredito que Deus seja
uma pessoa superior, um espírito maior, quem sabe de
todas as coisas, que é presente em todas as situações,
de quem eu tenho necessidade e de quem eu tento pelo
menos chegar próximo. Mas talvez Deus seja uma
energia maior, nada personificado, nada humanizado.
Não sei se é uma pessoa, uma energia, uma força, um
espírito... Talvez o meu Deus seja a vida... E com
todas as suas imperfeições. Talvez ele seja a justiça, o
responsável pelo bom curso do mundo, da hora e da
forma como as coisas acontecem. Deus é um nome,
mas poderia chamar de outra coisa. Eu tenho a idéia
de que Deus é o que cada um prega. O importante é
que eu tenho uma relação com Deus e acredito nele.
Eu acredito que Deus tenta nos ajudar nos momentos
difíceis. Seria a solução pra tudo... Ao mesmo tempo a
gente não pode achar que ele vai resolver tudo.
Para o médico a religiosidade também é importante.
Tive um colega que era ateu, mas conversando com
ele, percebi que ele não era tão ateu assim. É da
formação humana acreditar em algo além do que está
vendo. Acho que ninguém é tão ateu. Se você não tiver
religião perde o sentido do que está fazendo. A
religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações
difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores
condutas. A religião me ajuda a entender o sofrimento
das pessoas, os pacientes que tratam mal, a
convivência no ambiente de trabalho. No momento em
que a gente acaba de perder um paciente que, em
nossa opinião, teria chance de sobreviver.
Peço a ajuda dele em termos de sucesso nos
procedimentos, nos concursos, nos planos... Peço a
bênção dele pra fazer tudo isso bem. Eu agradeço a
Deus pelas coisas positivas que acontecem e nas
dificuldades eu peço luz para encontrar as soluções.
Posso dizer que isso acontece diariamente. Minha fé
em Deus tem uma participação muito grande, efetiva,
no meu trabalho. Eu sempre peço a Deus que ele me
ajude, que eu não faça mal a ninguém. Faço as minhas
orações e rezas antes de chegar ao plantão. Pra fazer
as coisas certas, pra olhar o caminho certo sobre
como conduzir o paciente. Nos procedimentos médicos
peço a Deus pra me guiar. Eu sempre rezo antes de
começar um procedimento e depois eu agradeço. Eu
peço pra Deus guiar as minhas mãos quando eu vou
fazer uma punção. Faço isso por causa do paciente e
principalmente quando estou sozinho. Pra minha
prática profissional é muito importante acreditar em
Deus porque a gente lida com a vida das pessoas... Em
várias situações a gente lida com pacientes graves. É
uma situação em que se está exposto, grave, lidando
TRABALHO (adesão de 80%)
46
com a vida dos pacientes. A gente procura alguma
força sobrenatural que tranqüilize e dê mais ânimo.
Do meu modo, eu ponho em prática as minhas
crenças. A gente aprende que deve amar ao próximo.
O ser bom está muito envolvido com religião. O
importante é fazer coisas boas. Acredito que se você
fizer o mal, ele volta pra você. Se você ficar com
pensamentos negativos, isso atrai coisas negativas. A
idéia de ajudar o próximo me influencia no dia a dia
da profissão e em tudo. Sempre que a gente está com o
paciente procura dar um conforto, um carinho. Eu
sinto retribuição e é muito gratificante. É um
diferencial. Em nível técnico pode ser semelhante, mas
faz diferença no trabalho com o paciente. As minhas
crenças me ajudam no trabalho indiretamente: em que
a gente tem que fazer a nossa parte, o nosso papel, e
em cuidar do paciente de uma forma humana, que a
gente tem que fazer o bem. O paciente da hemodiálise
é muito carente... Talvez tentar o máximo de benefício
para ele. Mas me ajuda principalmente a lidar com a
questão dos pacientes terminais.
Acho importante acreditar em alguma coisa. Se não a
impressão que dá é que é que tudo fica perdido...
Aonde se vai depois da morte, o que existe além do
que se está vendo, qual o motivo para algumas coisas
acontecerem e pessoas aparecerem na sua vida... Tem
umas pessoas que te tocam mais, pacientes... Nesses
casos você faz mais, vai além porque você quer. A sua
vida se torna muito difícil se você não acreditar em
uma força superior. As coisas perdem muito o sentido.
Por que uma pessoa tão boa sofre, por que umas
sofrem mais do que as outras? Penso muito nisso. Se
não pensar nisso, deixa de ser humano. Algumas
frases ficaram: “a gente tem que passar por uma
missão” e “o espírito, quando a gente se mata, não
encontra luz”. Talvez a gente tenha uma caminhada
longa para melhorar os sentimentos, as relações, o
jeito de ser, de ver as coisas, de tratar as outras
pessoas.
6 - EU CONCILIO MINHAS CRENÇAS
DSC 6
RELIGIOSAS COM A MINHA
Tenho uma religiosidade íntima e tenho uma formação
científica. Eu não acredito em Adão em Eva. Eu
acredito em Darwin. Mas quando a surgiu a primeira
molécula? Deus estava ali. Botar a culpa no acaso pra
tudo é muito fácil... Não me satisfaz. Já tive conflitos
com meus colegas de trabalho. Um era criacionista, o
outro era ateu: são dois extremos. Respeito, mas não
concordo. Eu tento me manter com um pensamento
racional, mas acho que isso não exclui a religiosidade.
Isso não interfere nas decisões racionais. Eu tento
intercalar religião e ciência. Acho que as duas coisas
andam juntas. Deus dá inteligência ao homem pra ele
se virar, né? São complementares.
Eu não tenho uma religião padronizada. Tenho uma
FORMAÇÃO CIENTÍFICA
(adesão de 45%)
47
religiosidade própria, não institucional. Acho que
nenhuma instituição religiosa é 100%. Acho que a
religião tem erros enormes. Talvez a igreja tenha mais
erros que acertos. Vou à missa numa boa, mas fico ali
pra renovar minhas forças, não pra ficar concordando
com aquilo que está sendo dito. Tem muita coisa que
eu não concordo na minha religião. Por exemplo, ser
contra o uso de preservativo. Eu, como médico, não
posso concordar com isso. Existe esse sentimento
ambíguo. Tenho discordâncias técnicas, como na
questão do aborto, controle da natalidade, distanásia.
Mas sou profundamente mística.
Eu tenho uma religiosidade ligada à natureza. Sinto
que há algo que emerge da gente que não pode ser
demonstrado pelo método cartesiano-positivista, mas
que está presente em tudo que é vivo. Ao mesmo
tempo, não tem como fazer ciência com religião. Não
é que ciência e religião estejam uma contra outra, mas
são universos paralelos. Não dá pra fazer cálculos,
dizer que se deve fazer isto ou aquilo com a religião.
Na medicina a gente estuda e coloca em prática.
Adquirir conhecimento é importante, mas o problema
é a aplicabilidade.
Há uma interface entre religiosidade e medicina. Há
inúmeras camadas de conhecimento a serem
esclarecidas. Eventualmente em situações difíceis eu
rezo. Mas no trabalho tenho que ser frio e calculista,
separar as coisas, tenho que ser técnico. Eu acredito
nisso: que Deus faz milagres por meio das coisas
materiais. O transplante seria um milagre. Os
milagres são feitos através das atitudes dos outros,
não através de um raio que vai cair na cadeira e tirar
o paciente da máquina.
7 - AS MINHAS CRENÇAS RELIGIOSAS DSC 7
EMERGEM EM SITUAÇÕES
RELACIONADAS À MORTE
(adesão de 25%)
Acho que muitas crenças e das vivências pessoais
interferem nas decisões médicas. As crenças
interferem na decisão de até onde vai investir no
paciente ou não. Há situações em que não há regras
absolutas. Existem vários conflitos entre religião e
ciência, até que ponto você pode ou deve investir no
paciente. De um ponto de vista profissional, penso por
um lado; de um ponto de vista religioso, por outro
lado. Para quê trazer de volta uma pessoa que não
interage, toda sequelada? Por que não deixar seguir o
curso natural da vida? Talvez Deus estivesse
chamando o paciente para outra chance em outra
vida. Com relação à morte, acho que a gente acaba
criando um bloqueio, não sei explicar. Acho que o
médico não fica totalmente insensível, mas cria uma
barreira. O paciente morre e daqui há pouco a gente
está vendo TV... As pessoas que não vivem o dia a dia
do hospital não entendem isso. Mas quando vemos
pessoas com quadros irreversíveis ou que vão a óbito,
acaba vindo o assunto sobre por que estamos aqui... A
48
gente se pergunta se está fazendo as melhores
escolhas, se está aproveitando bem a vida, se não
deveria trabalhar menos, se deveria passar mais
tempo com a família. Quando o paciente sabe que vai
falecer, diz: “doutora, estou sentindo que estou
morrendo” e depois morre... Todo mundo fica
apavorado. Qual é a explicação pra isso? Não tem
explicação. Isso gera uma polêmica, um nervosismo
entre os médicos. Tem uns que acreditam em vida após
a morte, outros acham que é uma besteira.
8 - EU TENHO DÚVIDAS SOBRE A
DSC 8
MINHA RELIGIOSIDADE
Não sei se acredito em Deus... Às vezes sim, às vezes
não. Talvez ele exista. Deus é... Eu não sei... É difícil...
Eu não consigo definir. Não consigo chegar a uma
explicação... Talvez Deus seja... Um pensamento
coletivo. Alguém? Não sei caracterizar muito bem. A
gente não consegue aferir. Deus não é uma coisa pra
ser definida. Acho que creio em Deus... Não sei se é
Deus. Eu só penso em Deus nas horas que eu quero
que ele me guie em alguma coisa, pra algum
procedimento mais difícil aqui... Na verdade eu
sempre peço a ele. Mas dizer que eu creio... Não é
claro pra mim. É um conflito. Racionalmente não
acredito que Deus existe. Mas toda vez que meu filho
fica doente eu peço a Deus por ele. Às vezes eu penso
que a vida é só o que existe aqui... Parece que é só
biológico mesmo. Nas outras vezes... Essa necessidade
de conforto... Eu me sinto confortado pela religião.
Não é algo concreto. Eu me sinto em dúvida entre o
meu juízo crítico e as minhas necessidades. Eu não sei
se essa parte da atenção, do carinho, está relacionada
à minha personalidade ou à minha religião. Eu não sei
se eu crescesse no meio ateu se eu seria da mesma
maneira. Eu acho que não, mas não tenho certeza.
(adesão de 25%)
9 – EU SOU ATEU (adesão de 5%)
DSC 9
Eu sou ateu, não acredito em nada. Sempre me
apeguei muito a parte científica, na evolução, na
origem do planeta. Fui questionando e achando
desnecessária a religião.
49
Tabela 2 – Adesão aos DSC dos médicos relativos à questão "como você lida com a sua
própria religiosidade no contexto do trabalho?”
DSC DOS MÉDICOS
ADESÃO (%)
DSC 4 – Eu evito conversar sobre religião
com os médicos no hospital
DSC 5 – Eu tenho crenças religiosas e elas
têm sido úteis no meu trabalho
DSC 6 - Eu concilio minhas crenças
religiosas com a minha formação científica
DSC 7 - As minhas crenças religiosas
emergem em situações relacionadas à
morte
DSC 8 - Eu tenho dúvidas sobre a minha
religiosidade
DSC 9 - Eu sou ateu
90%
80%
45%
25%
25%
5%
Com relação à segunda questão, os discursos, ainda que revelem uma preocupação em
enfatizar que as crenças religiosas não interferem na atuação profissional e científica,
mostram que não só há crenças religiosas entre os médicos, como ela está presente na prática
profissional individual, destacadamente em situações relacionadas à morte, ainda que haja
uma preocupação em conciliar as crenças religiosas com a formação científica. Entretanto, a
religiosidade é também percebida como expressão pessoal de caráter privado, não sendo
mencionada nem discutida entre os seus pares no ambiente de trabalho.
Por último, os seis discursos referentes à terceira questão: “Como você aborda a
religiosidade dos seus pacientes?"
Quadro 3 - “Como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?"
IDÉIAS CENTRAIS
DSC DOS MÉDICOS
10 – EU NÃO COSTUMO PERGUNTAR,
DSC 10
MAS PODE SER ÚTIL (adesão de 75%)
Faz parte da formação médica, temos que perguntar...
Mas eu não valorizo isso. Poucas vezes, dificilmente
pergunto sobre a religião dos pacientes. Em geral eu
não pergunto por que esqueço. A gente parte do
princípio que todo mundo é católico... Mas se tivesse
que fazer anamnese, não perguntaria, não me
preocuparia. Quando faço anamnese, ela é muito
abreviada. O correto é perguntar, mas o que
acontece? Pra fazer a anamnese correta é uma
50
conversa de 1 hora, 1 hora e meia... Se for fazer a
gente não trabalha. Eles podem valorizar a religião de
uma forma que eu não valorizo. A gente não tem
tempo, se a gente entrar nesse assunto a gente não faz
nada. Às vezes na correria eu não pergunto... Na
maioria das vezes. Nesse processo de encurtar a gente
acaba eliminando a religião, por que não vai te dar
uma definição mais imediata de conduta. A nefrologia
é uma especialidade que lida com urgências. A
verdade é que isso não é uma prioridade. O tempo
para conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é
limitado.
A religião é mais importante a médio e longo prazo
pra saber como o paciente vai interpretar as coisas:
para fazer um diagnóstico ou traçar uma conduta, não
faz diferença. Acredito que religião não tem muito a
ver. Acaba sendo uma anamnese mais dirigida para a
parte médica. Acredito que não seja tão importante
para o que estou procurando: doenças, a parte clínica.
É mais importante saber quanto está o potássio, se o
paciente está taquipneico... Nunca passei por uma
situação em que precisei saber da religião para definir
uma conduta para o paciente. Naquele momento a
gente fica tão direcionado àquela coisa que a gente
precisa resolver... Eu foco logo no que traz o paciente
ao hospital. Só quando há situação de cirurgia
pergunto a religião pra saber se tem problema com
transfusão de sangue. A religiosidade não é muito
importante, o que faz a diferença é no caso das
Testemunhas de Jeová: se eu vejo que é um paciente
que vai precisar de hemotransfusão eu pergunto se é
Testemunha de Jeová. Pra mim não faz tanta diferença
assim. Além disso, normalmente a melhora clínica
acontece sem esse recurso.
Além do mais, depois que a gente passa a conhecer o
paciente ele fica sabendo das nossas coisas e a gente
fica sabendo muito mais das coisas deles. No decorrer
da relação com o paciente a gente percebe qual é a
religião deles. Às vezes os pacientes perguntam a
nossa religião e, conversando sobre o assunto, a gente
fica sabendo a religião deles. Quando a gente vai
conhecendo as pessoas elas vão demonstrando,
fazendo comentários, aí fica evidente qual é a sua
religião. Procuro perceber a situação social com
quem está acompanhando, saber se a pessoa é muito
sozinha. Vejo muitos pacientes sozinhos. A religião sai
como conseqüência da observação de questões
sociais. Mas não converso com os pacientes sobre
religião. De graça não converso, só se ele perguntar.
Normalmente eles não tocam no assunto. Se fosse
importante conversar sobre religião com os pacientes
eu faria. Mas já aconteceu de conversar sobre
religião. Alguns pacientes ficam agradecidos pela
resolução de um caso e rezam para agradecer. Eles
também perguntam sobre a nossa religião. Às vezes
eles falam: “deixe Deus entrar na sua vida”. Por mais
que eu não queira mudar de religião, eu escuto o
ponto de vista deles e falo o meu.
51
Perguntar sobre a religião dos pacientes? Taí... Tem
que perguntar... Mas geralmente eu não pergunto não.
Tenho perguntado muito raramente sobre religião...
Faz muito tempo que eu não pergunto. Faz parte da
anamnese... É um item da história social ou dos seus
hábitos de vida. Eu perguntava sobre a religião dos
pacientes quando aprendi a fazer anamnese... É um
hábito que a gente vai perdendo, quanto mais a gente
vai se afastando de quando a gente aprendeu a fazer
anamnese. Não sei por que não faço... Talvez por uma
falha mesmo. Não é costume perguntar. Acho que a
maioria não pergunta. Tanto que raramente se vê a
religião nas anamneses. Isso tá mudando...
Antigamente a maioria era católica e as pessoas não
perguntavam... Mas estão crescendo as religiões
evangélicas e espíritas.
Não consigo ver se é certo ou errado questionar sobre
religião. Tem pessoas que fazem, outras não. Cada um
tem o seu jeito de trabalhar. Acho importante
conversar sobre religião com qualquer paciente. Mas
não dou muita ênfase... Converso muito pouco com os
pacientes sobre religião. Só quando o assunto surge a
gente conversa. Eu tenho curiosidade de saber, de
entender a pessoa pela religião dela. Nunca fiz isso,
mas acho importante, principalmente com os mais
rebeldes. Teria a função de tranqüilizar. É importante
também por causa dos problemas que podem
acontecer futuramente... Os pacientes deixam de fazer
o tratamento. Acho importante perguntar para saber
com quem se está lidando e para ter uma boa relação
médico-paciente. Isso cria uma aproximação. Ao
mesmo tempo em que falo sobre religião eu posso
saber sobre as condições sociais, moradia, posso me
aproximar mais da realidade do paciente. Também
sobre o que eles esperam da doença. No caso da
religião, se ele sabe que Deus quis assim e por que
está passando por isso fico mais tranqüilo. É
importante conversar com o paciente sobre qualquer
assunto. Nós damos oportunidades para todos,
respeitamos a todos. Não sei se estou fazendo certo ou
errado... O fato é que eu não dou muita importância.
Não sei se outros médicos dão, talvez se forem
religiosos.
11 – EU ACHO PROBLEMÁTICO
DSC 11
ABORDAR A RELIGIOSIDADE DOS
De uma forma geral, eu não converso com os
pacientes sobre religião. Falar sobre isso é uma
questão muito pessoal, individual. É muito delicado,
acho isso complexo. É como perguntar pelo time de
futebol, pelo partido político. Prefiro não interferir. Só
quando a gente percebe que a entrevista está indo pra
esse lado é que a gente pergunta sobre religião. Eu
acho que saber a religião em si não é importante, mas
a relação do paciente com a religião. Geralmente não
pergunto sobre religião, mas se crê em Deus. Não
pergunto para não entrar em conflito. Na minha
PACIENTES (adesão de 50%)
52
opinião, o mais importante é buscar em que o paciente
tem fé para ajudar na sua adesão ao tratamento. A
gente vive numa sociedade que é muito preconceituosa
com relação a algumas crenças. Principalmente
porque a população é muito ignorante. Me
impressionam quando dizem: “para Deus tudo é
possível”. Religião não, mas falar de religiosidade é
mais fácil: falar sobre Deus, sobre a vida, sobre a
morte, sobre a doença. Mas quando coloca um rótulo
complica. É totalmente possível falar de uma coisa
sem falar sobre a outra.
Na hemodiálise, por tratar de uma doença muito
grave, é preciso tomar cuidado para o paciente não
achar que ele merece passar por isso. Do ponto de
vista técnico é importante perguntar por causa da
transfusão no caso das Testemunhas de Jeová. Há um
potencial conflito. Eu nunca vivi isso, não sei como me
portaria. É uma discussão ética, e até jurídica,
grande. Não me sinto preparado pra isso não. Do
ponto de vista humano, né? O médico não é uma
máquina... Mas isso é muito pessoal. É importante não
se envolver demais, nem virar gelo. Acho que essa
pesquisa é muito importante para orientar a gente a
como abordar melhor os pacientes, para tentar
raciocinar sobre como isso pode estar interferindo,
como abordar a religiosidade com o paciente. O
médico geralmente não usa muito isso, não é uma de
suas opções de trabalho.
12 – EU ABORDO A RELIGIOSIDADE
DSC 12
DOS PACIENTES EM SITUAÇÕES
Talvez em algumas situações seja importante
conversar sobre religião com o paciente. Quando é
importante para o paciente a gente logo percebe por
que ele traz a religiosidade pra conversa. Se faz parte
do dia a dia dele é importante conversar. Para Eu
converso sobre religião quando o paciente está
precisando, está deprimido, quando ele dá abertura.
Quando percebo que o paciente está mais carente
emocionalmente, pergunto se ele tem religião e
reforço a sua religiosidade. Às vezes os pacientes nos
procuram porque estão muito tristes e você acaba
usando a religião para ajudar os pacientes. Isso
acontece principalmente quando lido com óbito: cito
Deus para que os familiares tenham algum conforto.
Acontece também no caso de doenças mais graves. Há
alguns momentos, quando o paciente está terminal,
que uma palavra, um gesto de carinho... ”Ah, vai dar
tudo certo! Vamos ter fé que vai dar tudo certo!”. De
um modo espontâneo acaba entrando na religião. Não
entro em detalhes, como a vida após a morte, cada
religião tem suas idéias. Eu não consigo deixar de
fazer isso, no sentido de confortar, especialmente em
situação de óbito, de acordo com a base religiosa do
paciente. Já rezei por eles em alguns momentos, tentei
passar uma energia positiva. Quando o paciente não
quer se tratar também apelo para a religião e digo:
ESPECIAIS (adesão de 35%)
53
“tem coisas que a gente tem que passar”. Dentro de
um contexto, é um recurso de convencimento para
fazer o paciente aceitar o tratamento. Para equilibrar
as coisas... Para os pacientes ou é o médico ou é a
religião. Oriento a seguir nos dois, religião e
tratamento. Também faço isso quando a pessoa está
desanimada. Eu acho que o mais importante é
preparar o paciente para o que ele vai passar.
13 – EU ABORDO A RELIGIOSIDADE
DSC 13
DOS PACIENTES USANDO AS SUAS
Eu pergunto sobre a religião dos pacientes. É um item
da história social ou dos seus hábitos de vida. Acho
que é importante perguntar para saber com quem se
está lidando e para ter uma boa relação médicopaciente. Quando os pacientes querem conversar
sobre religião eu sento e escuto. Os pacientes
costumam me perguntar sobre a minha religião. A
minha resposta é: todas as formas de buscar a Deus
são válidas. Na verdade muitas vezes converso sobre
religião. Já recebi advertências: “você não é analista,
você não é psiquiatra”. Tem que se colocar no lugar
do outro. Às vezes os pacientes dizem: “para Deus
tudo é possível”. Percebo o pensamento de cura
milagrosa. Mas se a pessoa diz que Deus vai curar, eu
não falo isso. Também nunca falo que não existe:
enquanto isso, eu vou tratando. Eu não acredito em
Deus, mas não passo a minha posição para os
pacientes. Eu apóio a crença deles, não tenho
problema com nenhum tipo de religião. Só faço essa
observação: eles devem pedir a Deus serenidade,
resignação, coragem, paciência, sabedoria, que lhe
mostre caminhos, mas não deixem de fazer a
hemodiálise. Eu uso o argumento de que Deus cuida
da gente pela tecnologia e que tudo tem um propósito.
No caso do transplante falo que só Deus sabe quando
vai ser. Uso as crenças da religião da pessoa. Não vou
trazer coisas que eu acredito. Também não entro no
mérito da religião nem fico discutindo: a diversidade é
muito grande. Uso Deus da marca genérica, não uso
das marcas comerciais. Eu uso mais ou menos o que a
pessoa diz. Às vezes os pacientes falam, aí eu
respondo, pergunto... Você percebe que o paciente
quer ouvir. Às vezes o paciente fala e eu respondo
“vamos ter fé”, quando eu percebo que é importante
para ele. Sempre falo aos pacientes e aos familiares
que a gente está fazendo o melhor que pode ser feito e
que é importante ter fé.
CRENÇAS RELIGIOSAS
(adesão de 30%)
14 - SIM, EU USO MINHAS CRENÇAS
DSC 14
RELIGIOSAS (adesão de 30%)
Eu não dispenso a religiosidade apesar de ter uma
formação científica. Quando preciso, uso a
religiosidade como um artifício de um processo de
convencimento. É importante para convencer os
pacientes da necessidade de aderência ao tratamento.
54
É uma forma de tentar confortar também. Às vezes os
pacientes nos procuram porque estão muito tristes e
você acaba usando a religião para ajudar os
pacientes. Até quem diz que não, na hora que o bicho
pega... Tem que se apegar a uma religião. Senão ele
sente um vazio tão grande... Aí eu digo: “procure uma
religião”. Acho que Deus nos faz trilhar os rumos
certos. Alguns caminhos são árduos, até o do filho
dele... Foi o mais árduo de todos. Então a gente não
deve reclamar. Falo isso para os pacientes, não de
uma maneira direta, mas de uma maneira mais amena.
Acredito na reencarnação, na evolução espiritual, na
prática do bem, que quando a gente morrer vai para
outro plano. Algumas vezes tentamos transmitir isso
para os familiares após o óbito dos pacientes e para
os pacientes em situação de sofrimento. Alguns
pacientes falam que Deus mandou a hemodiálise como
uma provação. O paciente fala: “por que eu fiquei
renal crônico?”. Não existe um dilema real nesse
caso. Cada um tem que fazer a sua parte, não é só
Deus. Vários pacientes de hemodiálise me perguntam:
“doutor, por que eu?”. No caso de muitos deles a
gente sabe que certamente Deus não tem nada a ver
com isso. O cara não tomou remédio, não fez dieta,
por que Deus é o culpado? Não sei se estou
ultrapassando uma barreira na relação médicopaciente, mas eu falo que Deus só dá o que a gente
pode suportar. É uma crença minha e que é um alento
para o paciente. Na verdade, eu falo muito sobre isso:
que as coisas não acontecem por acaso, que o
paciente está passando por um problema que pode não
entender agora, mas que existe uma razão.
Tabela 3 – Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você aborda a
religiosidade dos seus pacientes?"
DSC DOS MÉDICOS
ADESÃO (%)
DSC 10 – Eu não costumo perguntar, mas
pode ser útil
75%
DSC 11 – Eu acho problemático abordar a
religiosidade dos pacientes
50%
DSC 12 – Eu abordo a religiosidade dos
pacientes em situações especiais
35%
DSC 13 – Eu abordo a religiosidade dos
pacientes usando as suas crenças religiosas
DSC 14 - Sim, eu uso minhas crenças
religiosas
30%
30%
55
Com relação à terceira questão, os discursos revelam que a abordagem da
religiosidade é, antes de mais nada, individualizada no sentido de que não é objeto de trocas
entre os pares. Os discursos mostram que o grupo investigado identifica dificuldades nesta
abordagem, sendo a limitação do tempo a principal justificativa para não abordar a
religiosidade. Mas as dificuldades apresentadas são também de ordem subjetiva caracterizadas
pela insegurança sobre se e como se deve abordar o tema, sendo que, em situações especiais, a
abordagem parece ser vista como mais adequada. Mesmo com dificuldades, o grupo
investigado busca caminhos de lidar com a religiosidade de seus pacientes, incluindo suas
próprias crenças, o que é coerente com o perfil religioso do grupo onde apenas um se declarou
ateu. O grupo percebe que a religiosidade pode ser considerada como recurso psicológico de
apoio na vivência de situações consideradas difíceis e onde está envolvido o sofrimento
humano e a terminalidade da vida humana.
5.3 Perfil dos pacientes
Foram entrevistados 18 pacientes homens e 12 mulheres. Com relação à idade, houve
o predomínio de pessoas com mais de 40 anos, sendo que, desses, 15 tem de 40 a 60 anos e 10
tem mais de 60 anos. Quanto ao restante, apenas 5 têm menos de 40 anos.
Com relação à escolaridade, a maioria possui o nível fundamental: 12 incompleto e 6
completo. Apenas 5 pacientes possuem o nível superior. Os demais possuem o nível médio
incompleto (3) ou completo (4). Quanto à ocupação, a metade encontra-se aposentada. Quanto
ao demais, 9 são do lar e 6 são profissionais ativos.
Com relação às doenças de base1, a maioria é portadora de hipertensão arterial
sistêmica (HAS): 18. Destes, 11 possuem também outra doença crônica (glomeruloesclerose
segmentar focal, infeccção por HIV ou trombocitose essencial, diabetes). Os demais são
portadores de outras doenças crônicas, sendo 7 portadores de diabetes (3 com HAS também).
Outras doenças de base encontradas foram: lupus eritematoso sistêmico, câncer de bexiga,
artrite reumatóide, cirrose hepática alcoólica, glomerulonefrite, linfoma, insuficiência
cardíaca congestiva.
1
Doenças de base são as doenças causadoras da insuficiência renal crônica e que levam à necessidade
do tratamento dialítico.
56
Quanto ao tempo de hemodiálise, mais da metade (22) está realizando o tratamento há
mais 02 anos. Destes, 7 fazem há mais de 03 anos. Os restantes, há menos de 01 ano (9).
Quanto à religião, a maioria é católica (14 pacientes), seguida da religião evangélica (8
pacientes). Outras religiões declaradas foram: a kardecista (2), o candomblé, a messiânica e a
espiritualista. Apenas 3 pacientes declaram não possuir religião, porém possuem crenças
religiosas. A maioria participa regularmente das atividades coletivas de sua religião e o fazem
desde a infância (14). Apenas por motivo de saúde, 4 pacientes afirmaram que não participam
regularmente das atividades. Todos os pacientes religiosos declararam praticar a sua religião
de modo individual e privado. Todos os pacientes, tendo ou não religião declarada, afirmaram
crer em Deus.
5.4 DSC - pacientes
Foram produzidos nove discursos relativos à primeira questão “O que significa fazer
hemodiálise para você?” e sete discursos relativos à segunda questão “Sua religião lhe ajuda
no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”. Assim como no caso dos médicos, os
discursos produzidos não foram mutuamente excludentes. A seguir, os discursos relativos à
primeira questão “O que significa fazer hemodiálise para você?”.
Quadro 4 - “O que significa fazer hemodiálise para você?”
IDÉIAS CENTRAIS
DSC DOS PACIENTES
15 – EU JÁ SOFRI COM A
DSC 15
HEMODIÁLISE (adesão de 83%)
Acabou acontecendo de fazer hemodiálise. A gente
pensa que nunca vai acontecer com a gente, ninguém
pensa em ficar doente. Eu sempre via no hospital, a
gente não dava importância... Eu nunca imaginei... De
repente começou. Desmaiei em casa, fui ao posto e o
médico descobriu que eu estava perdendo os rins. O
médico falou que eu estava renal. Falou pra mim: “eu
vou te internar agora porque você está morrendo”.
Fiquei internado, dali fui para a hemodiálise. O
médico falou que ia botar o catéter e depois uma
fístula. Falou de várias restrições, que eu não poderia
comer tudo que eu tinha no quintal, ter a obrigação de
vir toda semana ao hospital... Me deu uma tristeza
muito grande. Eu não acreditava. Pensava: “Deus não
vai fazer isso comigo!”. Naquele impacto eu fiquei
57
parado, frio, sem ação, tão desorientado que não
pensei em nada, não tive reação... Depois passou
muita coisa na minha cabeça: “por que aconteceu
comigo? Logo comigo? Fulano fez o diabo e está com
saúde enquanto eu... Será que Deus virou as costas
pra mim? Deus não vai fazer isso comigo Eu achava
que não estava renal, que isso não tinha acontecido.
Não parava de pensar: “meu Deus, vou ter que fazer
hemodiálise? Não, Deus não vai fazer isso comigo!”.
Não estava aceitando de jeito nenhum.
Quando eu entrei e vi a máquina pela primeira vez
entrei em desespero! Eu pensei que ia fazer e não ia
resistir. Fiquei arrasado, pensando em desistir. Eu não
queria mais fazer. Eu não acreditava que ia para
aquela máquina e ficar quatro horas ali! Quando eu
pensava que alguém ia ficar cinco horas me
esperando, deixando o que estava fazendo... Saber que
vai depender da máquina... Ficar preso a uma
máquina dia sim, dia não, tira todo o seu norte,
objetivo, realizações, coisas a fazer na sua vida. Eu
era um cara perfeito, era completamente ativo e que ia
ter que ficar como um objeto! Comecei a achar que eu
era inútil, que não era um cara normal... Eu achava
que minha vida não ia ter valor algum. O que eu
pensei ali foi que não só os meus rins pararam, mas a
minha vida parou. Eu tinha projetos, sonhos... Muita
coisa foi abandonada. Toda vez que eu fazia
hemodiálise era como se eu fosse abusado
sexualmente. Aquilo era muito violento! Era como se
tivesse arrancando a minha alma.
Também não era tão simples como eu imaginava.
Depois que eu descobri, fiquei muito chateado.
Entendi, mas não aceitei. Vem às complicações, se não
se cuidar direitinho, se não se resguardar passa mal:
fraqueza nas pernas, desânimo de vida, preguiça,
tontura, pressão alterada, tonteira, acabava a
hemodiálise eu caía, botava a comida pra fora... Há
várias restrições: não poderia comer tudo que eu tinha
no quintal, teria a obrigação de vir toda semana ao
hospital... Depois da hemodiálise eu me sentia um lixo.
O catéter eu achava estranho no pescoço. Eu pegava o
ônibus, todo mundo olhando pra sua cara e você tem
que fingir que não está sendo olhado. É pesado,
horrível, pra tomar banho. Só depois que botaram a
fístula melhorou. Mas era o jeito: ou fazia ou morria...
Fiquei psicologicamente arrasado, sofri muito. Entrei
em depressão, tomei remédios de tarja preta. Senti
muita, profunda tristeza... Fiquei chorando uma
semana inteira, muito pensativo, triste pelos cantos,
não dormia, não queria sair, só chorava. Eu não
podia entrar, voltava pra casa chorando. Pensei: “Ah,
meu Deus! Não vou agüentar, eu vou morrer!”.
Também fiquei apavorado, com um medo danado,
incrível, de fazer. De imediato pensei que ia morrer,
que quando eu visse o sangue passando ia morrer.
Tinha dia que eu ficava segurando nas paredes,
entrava de cadeira de rodas. Eu chorava demais, foi
muito triste, não podia entrar aqui, voltava pra casa
58
chorando. Isso durou um bom tempo. Pensei em
desistir. Para mim foi a pior coisa. Minha reação foi
péssima, fiquei transtornado... Foi um tsunami! A casa
caiu, o mundo acabou... Realmente tinha acabado
tudo. Desabei, fiquei totalmente desestabilizado. Tive
sentimentos que ainda não estão catalogados. Foi
horrível, uma doideira, pirei legal... Quis me suicidar
e tudo. Comecei a maquinar a possibilidade de acabar
com a minha vida: dar um tiro na cabeça, me jogar da
janela da enfermaria, de cima da ponte... A gente
costuma dizer: “tem uma luz no fim do túnel”. No meu
caso, não tinha um túnel! O médico explicou: “Sua
vida mudou: ou faz hemodiálise ou vai correr risco de
vida”. Eu disse: “se não tem mais cura, prefiro
morrer!”. Antes o sentimento muito forte era de
morte. Neste momento teria sido bom receber a
orientação de um psicólogo ou o apoio de alguém pra
falar alguma coisa, uma palavra que me desse ânimo...
Mas não tive nem dentro da minha família.
16 - O APOIO DOS OUTROS É
DSC 16
IMPORTANTE PARA FAZER A
Eu ouvia falar na hemodiálise. O pessoal faz um bicho
de sete cabeças sobre a hemodiálise, te bota medo.
Pra mim era aquele dragão. Eu tive colegas pacientes
que me diziam que a pior coisa que alguém poderia
ouvir de um médico era que precisava fazer
hemodiálise, que era melhor se matar. No começo
tinha muita gente que morria e meu medo era esse.
Fiquei com aquilo na cabeça: “meu Deus, será que é
tão ruim assim?”. No começo eu relutei, não queria
vir. Fiquei apavorado, nervoso. Isso durou um bom
tempo.
Depois foram conversar comigo. O médico mandou me
buscar em casa. Ele conversou comigo, que eu tinha
que conhecer melhor antes de desistir. O médico
falou: “não, depois você vai pensar direitinho”. Outro
médico falou: “o rim é um órgão que quando pára a
gente ainda sobrevive. Dá pra fazer transplante,
diálise... Não é coisa de outro mundo”. Aí eu pensei
que era para o meu bem. Passei a me concentrar nisso
e me fortaleceu. Me lembrei disso quando comecei a
fazer e ainda me lembro. O psicólogo e a assistente
social falaram que eu ia me recuperar, ia superar, era
só fazer direitinho, que tudo faziam comigo era só
para melhorar. Depois que eu conversei com o
psicólogo eu melhorei, saiu uma nuvem da minha
cabeça. Também fui conversando com a fisioterapeuta,
com a nutricionista, com a secretária e fui me
acalmando. Aí eu mudei de opinião, fui vendo que eu
tinha que fazer, que era para o meu bem e parei de
faltar.
Fiz uma visita antes e isso também me ajudou
bastante. Conversei com uma paciente e ela me falou:
“a gente tem que agradecer a Deus por ter essa
máquina!”. Eu pensei: “é mesmo. Essa máquina é
uma bênção, ajuda a baixar as taxas”. Quando eu
HEMODIÁLISE (adesão de 67%)
59
entrei na máquina vi que não é aquele bicho de sete
cabeças que pensava. Aí eu peguei as enfermeiras
falando: “calma, daqui a pouco isso aqui vira uma
família”. E vi todo mundo numa boa: a gente começou
a conversar, a brincar... Era uma família. Quando a
gente fica assim, a gente esquece de tudo. Na semana
seguinte já estava mais conformado. Saí daquela fase
de fraqueza. Às vezes eu me revolto, mas depois que eu
comecei nunca mais parei.
Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro
despertamento. Tem dia que eu tenho que vir pra cá e
digo: “vou ficar”. Minha família diz: “Não, você tem
que ir”. Se eu reclamo de ir para a hemodiálise, meus
familiares dizem: “não reclama... Graças a Deus
existe essa máquina”. Se eu digo que não quero ir,
eles falam pra mim: “vamos tocar a vida! você vai ter
que viver! Tem que dar a volta por cima! Viva!”. Se
não fosse a minha família, eu teria desistido a muito
tempo. Diante da insistência da minha família, “não
pára, sem isso você não vai sobreviver”, eu mudei de
opinião. Eles não me deixam vir sozinho de jeito
nenhum. Quando não é um, é outro. Ter a família ao
lado é uma coisa que ajuda muito. É muito importante
mesmo! O negócio é o seguinte: mesmo doente, eu vejo
os parentes, converso, abraço... Estou doente, mas
estou com vida!
Muitos pensam que é um sofrimento muito grande: não
é não. No começo foi difícil, mas me animei com as
conversas, o carinho, sempre alguém dando apoio...
Acho importante o apoio das pessoas, o carinho, a
dedicação, te tratar como se você tivesse saúde, fazer
as coisas de boa vontade. O apoio moral e o
companheirismo são muito positivos. Tem muitas
pessoas, vizinhos, que sempre ajudam. O apoio moral
é o que me fez firmar.
17 – EU SOFRO COM A HEMODIÁLISE
DSC 17
(adesão de 50%)
Pra mim a hemodiálise não tem importância nenhuma.
É um saco! É muito chato, ruim, horrível! Tem hora
que não agüento mais, tenho vontade de desistir. Até
hoje eu não aceito a idéia. Faço por que sou obrigada.
Eu venho porque tenho que vir, se não vai ficar pior.
Pra mim não é uma coisa boa, mas o que eu posso
fazer? Tem alternativa? Só de saber que vai ficar
preso num lugar desses... Quem é que gosta? O
pessoal diz: “se acostuma”. Mentira! Não tem como
se acostumar não. Parece que o corpo vem, mas a
mente não vem.
É um sofrimento inútil. A gente está fazendo isso, mas
sabe que não adianta: o rim não vai melhorar. Se
fosse uma coisa que melhorasse a gente, mas faz a
gente ficar mais fraca. De repente eu passo mal e tem
que parar a máquina. O meu problema agora é a
máquina. São umas dores nas pernas, uma falta de
ar... Saio cansada. Um dia estou bem, outro dia estou
mal. Dá dor no peito, dor nos joelhos, passo o dia
deitado... Aquela massa muscular, aquela vitalidade,
60
eu senti que fui perdendo, por mais que eu faça o
tratamento.
Sua qualidade de vida é praticamente zero. A
hemodiálise não dá qualidade de vida, ela só prolonga
a vida. Ela me prejudicou muito. A nossa vida, muda
tudo... Eu tive que parar de trabalhar, sempre
trabalhei muito. Parei mais em casa, quase não saio.
Eu viajava, não posso mais porque fico com medo de
passar mal. Fazia exercícios... Praticamente a nossa
vida acaba. Fica restrita a isso: vir pra cá três vezes
por semana, sair de casa de manhã e voltar à noite, já
pra ficar deitada... Perde o dia todo, não tem mais
tempo pra nada.
Também atrapalha a vida da minha família também
por que tem que me trazer. Me aborrece o fato das
pessoas deixarem de trabalhar e estudar pra me
trazerem. Não quero prejudicar ninguém... Eu era uma
pessoa muito ativa, cuidava da família, cuidava de
tudo, de repente, fiquei totalmente dependente. Ter que
depender dos outros aborrece. Nunca tive dependência
de nada, de repente ficar dependente de tudo...
Vir prá máquina e ficar quatro horas está fora do
contexto de uma vida normal. Tenho milhões de coisa
pra fazer e estou aqui... Você fica preso, parece uma
prisão. As pessoas que fazem isso são como
extraterrestres. Às vezes eu me sinto como um
extraterrestre. Tinha que ficar com o cateter no
pescoço, morria de vergonha. Eu pegava o ônibus,
todo mundo olhando pra sua cara e você tem que
fingir que não está sendo olhado. É pesado, horrível,
pra tomar banho. Depois que botaram a fístula
melhorou, mas até pouco tempo escondia o braço...
Eu não penso muito na doença e na hemodiálise. Se
pensar é pior.
18 – EU ESTOU RESIGNADO COM A
HEMODIÁLISE (adesão de 63%)
DSC 18
No início foi pauleira, foi brabo. Não é fácil encarar
isso. Depois fui vendo que eu tinha que fazer. Com o
tempo fui me acostumando, buscando uma
conformação de aceitar o tratamento, não se deixar
levar, entregar os pontos. É uma fase, tem condições
de melhorar e já melhorou.
Para mim a hemodiálise significa viver, seguir em
frente. É a única maneira de sobrevivência que tem:
Sem ela já teria morrido, sem ela nada feito. A
importância é continuar vivendo... Mais ou menos, aí
está nas mãos de Deus. Eu penso em não morrer. Se
desistir, como é que vou viver? Não tem como desistir.
Tenho que viver para poder criar meus filhos. Se
preciso fazer, vou continuar fazendo, acompanhando
os médicos.
A hemodiálise faz parte da minha vida. Tem que se
habituar a ela. Faz parte da rotina, venho pra cá,
volto pra casa e tenho uma vida normal. Às vezes você
acorda de manhã e não quer vir. Às vezes você quer
61
ficar em casa. Por uma questão de mau-humor, não
por querer desistir do tratamento. A hemodiálise é
prioritária. É a minha vida, né?
Aprendi a conviver com a hemodiálise. Tinha a
questão estética por causa da fístula, mas depois eu fui
me tranqüilizando. É meio cansativo e dolorido. Mas
hemodiálise é pro resto da vida, não tem jeito não, tem
que se acostumar. Ninguém gosta de fazer isso, mas
não adianta se desesperar. O meu caminho é esse.
Minha vida depende disso agora. Não tinha mais nada
a fazer.
Eu tenho que deixar fazerem isso, senão... Se não fizer,
vai ser um problema muito sério. Fico com medo de
passar mal. Pensei: “A hemodiálise ajuda a baixar as
taxas”.Tudo sobe: pressão, creatina, fósforo,
colesterol... Só de levar tudo, é bem bolado, é positivo.
A gente tem que usar aquilo que for melhor para o
organismo. Tem que ser valorizada como você
valoriza a vida. Enquanto o organismo aceitar, você
vai bem.
Procuro tirar lições das situações que estão
acontecendo. Tudo aconteceu no seu devido momento.
Se é meu, eu tenho que abarcar e levar até o fim.
Agora não esquento mais, vejo as coisas de outra
maneira. Ser humano é ser humano. As coisas
acontecem em nosso organismo por que tem que
acontecer. Não tem que contestar a natureza. Tem que
aceitar, se tratar e deixar correr. Contra a natureza
ninguém consegue lutar. Se você se desesperar é pior
ainda. Se olhar bem, tem doenças piores, ainda tem
esse recurso. Hoje existe hemodiálise, houve um tempo
que não tinha. A hemodiálise é uma coisa que salva
muitas pessoas. Ajuda muito. Foi a melhor coisa que
inventaram pra isso. Eu sou um privilegiado porque
tem muita gente que não consegue lugar pra fazer
hemodiálise. Tem gente que não encontra esse
tratamento e eu tive sorte.
Hoje eu estou bem, tranquilo. Eu não me revolto, não
me permito entrar em depressão. Eu não gosto de
hemodiálise, mas traz benefícios pra mim. Não venho
com alegria, seria masoquismo... Venho com a
consciência de que tenho que fazer. Eu tive que
escolher: fazer ou morrer. Tem a conformidade de que
futuramente vou poder ficar bem melhor. Quando eu
saio daqui eu nem lembro que estou doente. Hoje pra
mim é um esporte.
19 – EU NÃO SABIA SOBRE A
DSC 19
HEMODIÁLISE (adesão de 37%)
Os médicos disseram que os meus rins tinham
parado... Pensei: “vou morrer!”. Não foram
conversar, mas queriam logo me trazer pra fazer
hemodiálise. Fiquei apavorada, né? Na primeira vez,
entrei com naturalidade, sem saber o que era... Levei
um susto sem saber o que fazer. Passou um monte de
62
coisas na minha cabeça... “o que é isso,
hemodiálise?”. Sinceramente, não sabia nada sobre o
tratamento, nunca tinha ouvido falar, não tinha
conhecido ninguém que tinha feito, não tinha
informação. Os médicos não passam, se a gente não
perguntar... Não sei explicar direito por que, mas eu
fiquei meio retraído... O médico vai explicar e eu não
vou entender, então deixa pra lá... Me mandaram vir
fazer e eu vim...Pensei: “seja o que Deus quiser!”.
Eu pensava que estava com câncer, com AIDS, por
causa do meu emagrecimento, que não ia durar muito
tempo, que ia correr risco de ter outros problemas,
problema de coração, que ia fazer e não ia resistir,
que tem gente que morre durante o tratamento.
Perguntando a equipe, não encontrei uma explicação,
nem os médicos souberam explicar. Só entendi que o
meu rim não filtrava mais, que o negócio era tirar o
líquido e a impureza. Mas tive curiosidade de saber
mais como é que era. Pesquisei na internet e descobri.
Fui estudando e entendendo. Fui vendo que o que
acontece comigo acontece com muitas pessoas: tem
muita gente ficando renal. Não é injustiça, isso
acontece mesmo... A hemodiálise é para melhorar,
mas é muito pouco divulgada. Tem muita gente que
não conhece.
20 – EU FAÇO HEMODIÁLISE PARA
DSC 20
TER QUALIDADE DE VIDA
A hemodiálise pra mim é qualidade de vida. É uma
para viver melhor. Pra mim significa viver de novo.
Quem me conhecia antes e me conhece agora sabe que
eu estava morto. Hoje sou outra pessoa. Depois que eu
comecei a fazer hemodiálise... Puxa! Uma maravilha!
Minha qualidade de vida mudou 100%. Quem me
conhecia antes e me conhece agora sabe que eu estava
morto. Tenho mais disposição, passo menos mal. Antes
eu não conseguia subir escada, aquela canseira que eu
sentia, saiu tudo. Era muito cansaço, sentia até
quando tava falando... A pressão era altíssima...
Melhorou tudo, até o meu astral: estou mais tolerante,
motivada, estou querendo trabalhar de novo. A
hemodiálise me dá condições de tocar a minha vida,
me dá a chance de poder sonhar. A gente não pode se
deixar levar, senão a gente vai ficar sempre deitada e
desistir da vida. Tem que curtir a vida. Por que eu vou
me revoltar se a hemodiálise só me traz benefícios? É
muito ruim ficar intoxicada. Como é que eu ia ficar
intoxicada, vomitando? Eu gosto de vir pra
hemodiálise, às vezes eu conto os dias pra vir. Pra
mim está uma beleza, adoro.
(adesão de 30%)
63
21 – EU FAÇO HEMODIÁLISE
DSC 21
ENQUANTO ESPERO O
Acho que todo mundo espera o transplante. Houve
muita conversa que tinha que fazer bem a hemodiálise
pra não perder a chance de fazer o transplante.
Quando soube que poderia fazer o transplante eu
fiquei todo bobo! Eu penso comigo assim: “eu tenho
que melhorar, ficar bom, fazer esse transplante logo”.
Não posso fraquejar até fazer meu transplante. É o
único motivo para largar a hemodiálise. Enquanto não
chegar um órgão compatível a hemodiálise eu vou
fazendo. Transplantado é outra vida. Lembrar do
transplante me anima.
TRANSPLANTE (adesão de 23%)
22 – EU DOU UM SENTIDO
DSC 22
RELIGIOSO À HEMODIÁLISE
Nada acontece por acaso na nossa vida, sem a
permissão de Deus. Tudo tem objetivo. Existe uma
predestinação com relação a algum fato que você não
pode mudar. Eu acredito em causa espiritual. As
doenças surgem para purificar o espírito. Você tem
que passar por doenças para se purificar. Se a pessoa
entender que ela está sendo purificada, ela pode
deixar de sofrer. A hemodiálise é uma purificação do
sangue e o sangue é a materialização do espírito. Acho
que a doença e a hemodiálise são uma grande prova.
O ouro pra ficar bonito tem que passar pelo fogo, tem
que ser refinado.
A gente tem um fardo pra carregar. Tem uns que são
mais pesados, outros que são mais leves. A minha foi a
hemodiálise. É pra ver até onde o espírito agüenta.
Doenças e sofrimento... Jesus não passou? Tem
pessoas que parecem que são escolhidas. Deus escolhe
o cara para saber se ele é um ser humano de bom
coração. Eu acredito que fui escolhido por Deus. Tem
também as consequências da vida: excesso de
gorduras, açúcar, álcool... Mas Deus escolhe o cara
para saber se ele é um ser humano de bom coração.
Pra alguma coisa vai servir... Um exemplo pras
pessoas que estão passando por problemas, às vezes
até piores... Pra não desanimarem diante das
dificuldades, tocarem a vida pra frente, estudarem.
Deus está me usando pra edificar a eles. A minha
doença uniu mais a minha família. Meus familiares
estão sempre lá em casa, passaram a ajudar mais uns
aos outros. A hemodiálise é uma situação em que a
gente aprende a amar mais a Jesus e ao próximo. Foi
um ganho.
(adesão de 17%)
64
23 – EU FAÇO HEMODIÁLISE, MAS
DSC 23
NÃO ESPERO O TRANSPLANTE
Eu não tenho opção: ou eu faço hemodiálise ou eu
faço transplante. Eu quero a cura. Transplante é a
troca de doença. Se for para o transplante só saio da
máquina, mas vou continuar tendo uma vida toda
cheia de restrições, vou continuar tomando remédios.
Estou nas mãos de Deus: na hora que ele decidir que
acabou, acabou. De repente, ele põe um transplante
no meu caminho. Mas eu não fico contando com isso
não. Conheci pessoas que fizeram transplante e
tiveram que fazer de novo hemodiálise. Já pensou?
Você com um rim novo e ter que voltar a fazer
hemodiálise? Eu tenho até medo de fazer transplante e
ficar pior.
(adesão de 10%)
Tabela 4 – Adesão aos DSC dos pacientes relativos à questão “o que significa fazer
hemodiálise para você?”
DSC DOS PACIENTES
ADESÃO (%)
DSC 15 – Eu já sofri com a hemodiálise
83%
DSC 16 - O apoio dos outros é importante
para fazer a hemodiálise
DSC 17 – Eu estou resignado com a
67%
63%
hemodiálise
DSC 18 – Eu sofro com a hemodiálise
50%
DSC 19 – Eu não sabia sobre a
37%
hemodiálise
DSC 20 – Eu faço hemodiálise para ter
qualidade de vida
DSC 21 – Eu faço hemodiálise enquanto
espero o transplante
DSC 22 – Eu dou um sentido religioso à
hemodiálise
DSC 23 – Eu faço hemodiálise, mas não
espero o transplante
27%
23%
17%
10%
Os discursos relativos à primeira questão mostram que a hemodiálise é percebida pelo
grupo investigado como uma situação de vida muito difícil de ser enfrentada e que traz
sofrimento, sendo o momento inicial do tratamento considerado o mais crítico, quando
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predominam o sentimento de perplexidade e desespero, os incômodos com os procedimentos
e os efeitos colaterais, além da necessidade de apoio profissional e pessoal. Pode-se observar
claramente o quanto o grupo compreende o início da hemodiálise como um ponto de ruptura
na sua vida, tão violento em que se pensa até em suicídio. Neste quadro, predomina a
desinformação sobre a hemodiálise em que, na ausência de informações que poderiam ser
comunicadas de modo compreensível no contexto hospitalar, predominam as tentativas
individuais de buscar respostas sobre o que é e o que leva a fazer a hemodiálise, seja por meio
de especulações ou de pesquisas em fontes não indicadas pelos profissionais, como, por
exemplo, em sites da internet.
Ao mesmo tempo, os discursos mostram que a situação inicial de tratamento pode ser
superada, especialmente com o apoio, tanto de profissionais quanto de pessoas do seu meio
social, sendo vivida como algo normal e que promove a qualidade de vida. Neste momento de
superação o grupo oscila entre a experiência de resignação, em que se enfatiza o valor da
sobrevivência acima dos incômodos vividos no tratamento, e a euforia, em que se valoriza a
melhora do quadro clínico e a recuperação das possibilidades de viver mais plenamente.
Portanto, o grupo expressa de modo ambivalente o sofrimento por ter que fazer hemodiálise e
a satisfação por poder usufruir dos benefícios deste recurso médico.
Como elementos que auxiliam nesta superação, seja animando ou confortando,
encontram-se a esperança de poder realizar o transplante, embora não para todo o grupo, e o
sentido religioso dado à doença e ao tratamento. O transplante anima por ser considerada uma
“cura” e uma possibilidade de viver uma “outra vida”. Já o sentido religioso conforta pelo
motivo oposto: ao não esperar a “cura”, resta encontrar na religião razões para aceitar e
enfrentar a doença.
Por último, os discursos relativos à segunda questão: “sua religião lhe ajuda no
enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”.
Quadro 5 - “Sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu
tratamento?”
IDÉIAS CENTRAIS
DSC DOS PACIENTES
24 – AS MINHAS CRENÇAS ME
DSC 24
AJUDAM A SUPORTAR A DOENÇA E
Deus significa a minha vida, o meu alicerce. Deus tem
me sustentado, ele é fiel. Acredito com certeza que
66
O TRATAMENTO (adesão de100%)
Deus me ajuda muito. Nas minhas aflições eu sempre
clamo a Deus. Quando estou na pior é a Deus quem eu
busco. Não entro em desespero porque creio em Deus.
Se não fosse ele... Eu não agüentaria, não estaria aqui
na terra. Acredito na intervenção de Deus, no poder
dele. Se ele não ajudar quem vai ajudar? Ninguém! De
um jeito ou de outro, Deus sempre ajuda a gente. Tudo
que eu peço, Deus me devolve. Não sei como... Eu não
consigo quantificar, é um sentimento. Eu tenho fé, tem
que ter fé. Eu sinto que ele me ajuda e não tenho a
menor dúvida. Essa fé que eu tenho é que me fortalece.
Deus me ajuda muito nas coisas que eu preciso e não
tenho condições de obter. Eu penso muito em Deus, só
ele pode resolver certas coisas. É muito bom! Faz
uma diferença incrível, você não tem noção!
Todos os dias eu oro, rezo, escuto uma oração. Eu
sinto forças quando estou orando. Quando eu me sinto
angustiado eu leio a Bíblia. Estudo a Bíblia, ela
mantêm a minha esperança. A música religiosa
também ajuda, Também ajuda ouvir uns louvores,
procuro estar sempre ouvindo. Também ouço orações
e mensagens nos programas de rádio e televisão.
Busco ajuda nos cultos, freqüento as reuniões e as
atividades da minha paróquia. Eu sinto muita paz
quando estou na igreja. É mais na igreja, mas sinto em
toda parte, em todos os momentos da nossa vida Deus
nos acompanha. Não tem mais nada a fazer, nunca é
demais. Ajuda a manter acesa esta expectativa
positiva, não me deixa desviar o foco.
Minha fé me ajuda na situação em que estou agora, na
doença. É muito importante, tem sido fundamental pra
enfrentar a doença. Na hora em que a gente está
deitada, doente, a gente grita logo por Deus. Quando
eu vim pra cá eu não andava. Nos momentos mais
difíceis da minha doença eu me apego a Deus. No caso
de doença, se o homem não está conseguindo resolver,
só Deus mesmo. Deus é quem me dá forças pra
enfrentar a doença. Nada mais. Tive que buscar forças
nele para continuar. Tem hora que eu penso que uma
oração faz mais efeito que o próprio remédio. Eu já
tenho isso comigo que a fé em Deus e a oração feita
com fé trazem um efeito superior a qualquer
medicamento. Nos momentos mais difíceis, primeiro
falo com Deus e ligo pra igreja. Depois pego os
remédios. É justamente essa fé que me aponta para
um final feliz, uma saída pra essa situação. É Deus
quem me dá forças pra sobreviver. Penso mais nele
ainda e melhoro logo.
Pra mim, Deus está no que eu estou fazendo na
hemodiálise, desde quando entro até quando saio do
hospital. Os médicos ajudam, mas se não for a ajuda
de Deus a gente não vence de jeito nenhum. Deus me
dá condições para enfrentar a doença, mas tenho que
me esforçar. Eu peço muito a Deus quando estou
desanimada. Aí eu me sinto melhor, melhoro. Vou à
igreja aos domingos, assisto ao pastor, faço oração
em casa, peço muito pra ter força e continuar vindo à
hemodiálise. Como Deus me ajuda! Até dormindo... A
67
gente acorda ruim e pensa: “eu não vou, não”. Mas
Deus me dá forças e eu penso: “vou sim”. Eu rezo e é
aí que eu encontro forças pra seguir meu tratamento.
Dá vontade de desistir e aí eu recupero a vontade de
continuar. Peço a Deus força pra chegar e voltar pra
casa. Termino a hemodiálise e agradeço a proteção
dele; quando chego em casa também. Quando eu estou
vindo ou quando eu estou na hemodiálise, eu peço a
Deus pra que tudo dê certo. A punção dói, às vezes
não conseguem. Se estou com muita dor ou um
problema no cateter, ele me ajuda. Deus está me
protegendo. Às vezes eu estou passando mal e eu oro...
Graças a Deus sempre melhorei. Às vezes não tenho o
que pensar enquanto faço hemodiálise, aí eu fico
orando e, de repente, o tempo passa. Oro pra encher a
cabeça. Faço minha hemodiálise sem complicações.
Vejo tanta gente com complicações... Eu não sei
quando vou fazer o transplante, tem muita gente
esperando... Peço a Deus para não desanimar.
Se o Senhor não pode me curar, me dá paz de espírito,
para não sofrer e não sentir dor. Às vezes sinto um
vazio, um pânico... É como um vento que dá e passa.
Quando eu estou muito angustiado, triste, eu busco um
conforto nas orações. Eu converso com Deus, faço o
meu lamento, o meu desabafo, “ai, meu Deus! O que é
que está acontecendo?”, e me sinto confortado, as
coisas vão melhorando, acalmando... Eu sinto uma paz
e fico alegre. Em casa, quando alguém vem perto de
mim para orar, eu sinto uma melhora muito grande.
Aquela angústia, aquela dor, não foi o remédio...
Daquela hora em diante passo a me sentir melhor,
dormir melhor. Isso ajuda a ir em frente. Acredito que
Deus sempre dá um conforto espiritual, um tipo de
paz. Pra conviver com tudo isso, é preciso ter muita
paz. Se não você não agüenta, não. Por que se você
deixar os problemas da vida te levarem você vai tentar
se matar. Se não fosse pra Deus me ajudar, ele já
tinha me levado. Ele já tinha me tirado a idéia de ir
pra frente. No começo eu pedia a ele proteção e força
para não fazer nenhuma besteira. Eu não podia fazer
besteira porque a minha religião diz que quem se mata
é covarde e não tem sossego do outro lado. Mas minha
fé é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por
mim, não me deixa sozinho. Sem Ele eu não
conseguiria passar o que eu passo. Se eu estou
sofrendo hoje, amanhã será diferente.
Os ensinamentos da minha religião me dão sabedoria
para enfrentar as adversidades. Ajuda a ter mais
entendimento do que você ta passando e a ter uma
vida mais feliz. Ele me ajuda me dando sabedoria,
paciência, conhecimento... Conhecer as coisas dele.
Peço a Deus todo dia pra ele restaurar meu rim e me
dar sabedoria pra poder suportar tudo isso. Eu tenho
essa concepção: nada é por acaso. Muita gente diz:
“Deus não me ajuda”. Não! A gente tem que entender
que muita coisa acontece por nossa causa. A gente não
sabe o que fez na vida passada... Tudo tem um
merecimento. Se a gente pensar legal, Jesus sofreu pra
68
caramba... E Jesus é Deus! Jesus é um exemplo de
vida para mim. O cara queria o bem pra todo mundo e
ainda foi crucificado. Quando eu penso na minha
situação... Quem sou eu pra questionar isso? Por que
a gente não pode sofrer um pouco também? Faz parte
da vida. Acho que cada um tem que carregar a sua
cruz. Me consola quando eu penso no que Jesus
passou na cruz: qual é o sofrimento maior que este?
Ele veio pra isso. Não é que ele merecesse, ele tinha
uma missão. Ele não queria sofrer, mas suportou.
Penso: “por que está acontecendo isso comigo?”.
Olho pra trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo
diz que você tem que zerar o que você fez aqui para
partir do tempo. Eu poderia estar com um pensamento
totalmente contrário, com certa revolta. Mas eu
sempre peço a Deus assim: “se estou passando por
isso, não me dê nem mais nem menos, mas na medida
certa”. Aí eu suporto. Deus não lhe dá a vida que você
não possa suportar.
25 - EU ACREDITO NA CURA DIVINA
PARA A DOENÇA RENAL
(adesão de 73%)
DSC 25
Eu tenho pedido a libertação dessa doença. Se você
não tem saúde você não é nada. Deus te dando saúde é
a melhor coisa. Peço a ele pra dar vida aos rins, pra
eles fazerem o que eles faziam. Tenho buscado a cura
pela oração por que Deus pode todas as coisas, se for
da vontade dele. Deus levou consigo todas as nossas
enfermidades e todas as nossas dores. Ele tem o poder
de restaurar a saúde do ser humano. Na minha
religião há vários casos de cura. Já passei por várias
situações de risco de vida e Deus esteve ali para me
ajudar através das pessoas, dos médicos, da família,
nos momentos críticos pra me dar vida.
Eu acredito que, apesar do meu caso ser complicado,
um dia vou ser curado. Tem que acreditar, senão a
gente se entrega a doença. Eu tenho uma fé, uma
esperança de recuperação... Onde há fé, há esperança.
Se eu creio então é “show de bola”, a coisa vai
funcionar. Creio que Deus vai dar esse presente, essa
alegria para mim e minha família. Eu acredito que o
meu tempo na hemodiálise está contado. Por que eu
acredito em um milagre. E ele está muito próximo.
Mas não fico preocupado com o tempo. O tempo que
precisar eu fico fazendo hemodiálise. Na minha igreja
falam pra esperar em Deus a cura e ter fé. O milagre
acontece todos os dias. É só uma questão de tempo
Se Deus achar que eu devo ser curada, eu vou receber
um rim para transplantar. Estou nas mãos de Deus: de
repente, ele põe um transplante no meu caminho.
Acredito que vai chegar o mais rápido possível. Mas
não fico pedindo que isso vai acontecer. Alguém tem
que morrer pra eu receber... O que tiver que ser meu
vai ser no seu tempo. Quando vier o transplante, veio.
Enquanto isso eu vou fazendo a hemodiálise
tranquilamente. Se não tiver o transplante, acredito
69
que ele vai me dar a cura assim mesmo.
Eu acredito no milagre, mas tem que ter merecimento.
Talvez a minha fé não seja para tanto. Se Deus achar
que a pessoa deve ser curada, ela vai ser. Eu peço a
cura ao Senhor para mim e para os meus amigos da
hemodiálise. Se for da vontade dele curar, tudo bem.
Quem sabe um dia eu consigo?
26 – EU CONCILIO MINHAS CRENÇAS
DSC 26
RELIGIOSAS COM A MEDICINA
A ciência e a medicina vêm de Deus. Existe uma luta
entre o bem e o mal também na ciência. É a luta da
humanidade pelo bem. Percebe que a doença é uma
coisa do mal e começa a trabalhar essa questão, busca
uma solução para isso. É uma pesquisa incessante,
usa de todas as ferramentas que forem possíveis. Vejo
os médicos como agentes de Deus, como anjos, que
estão lutando contra esse mal. Obviamente que eu vou
procurar ajuda nos profissionais que tratam da
patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não são
coisas mutuamente excludentes. Eu procuro não ficar
bitolado na religião. A ciência está aí para contribuir.
O médico é uma coisa, o padre é outra. Geralmente o
médico é ateu. Já aconteceu de descobrir que o médico
era ateu. O ateu não acredita em nada, só acredita
nele mesmo. Então não adianta pedir. Cada um tem o
seu pensamento. Mas o padre não vai se meter com
médico nem o médico se meter com o padre. Não
misturo as coisas. Na minha concepção é o seguinte:
temos o lado espiritual e o lado material. O médico
não tem nada com o lado espiritual. Ele cuida do
corpo. Aí é evidente que não vai ter conflito. Tenho
consciência que os médicos estão aí para nos ajudar.
Que Deus esteja sempre na frente, mas em primeiro
lugar eu procuro os médicos.
Deus é o médico dos médicos; sem ele, médico nenhum
teria sucesso. O médico não é médico por que ele
estudou, mas porque Deus o constituiu para ser
médico, para cuidar das pessoas. Tudo o que o médico
faz, faz porque Deus quis, na esperança de um
tratamento que, junto com a fé em Deus, possa trazer
cura. Deus bota a mão para os médicos irem certo. Os
médicos falam, mas é Deus quem opera. Não há
contradição alguma, isto é o certo. Espiritualmente é
Deus, é o único que pode ser, mas tem que procurar o
médico. Deus está agindo no médico, dando
sabedoria, para saber qual é o problema que estou
tendo e qual é o remédio que eu estou precisando. Tem
os médicos, sem eles a gente não melhora. Eles são
fundamentais. Acho que é uma profissão divina,
inigualável. Pessoas que trabalham dedicadas,
cuidando do sofrimento dos outros.
Na minha igreja falam que a gente sempre tem que
estar no médico, que apesar de Deus curar, que tem os
profissionais que estão aqui o tempo todo... Falam pra
Deus abençoar os profissionais que estão com a gente,
(adesão de 70%)
70
que na hora que eles cuidassem da gente, que Deus
tocasse neles. Estou sempre pedindo a Deus que
oriente os médicos. Senão dá um nó na cabeça da
pessoa... Se Deus não der capacidade para os
médicos, o que seria? Se Deus não ficasse olhando, o
que seria? Peço que Deus guie as mãos dos médicos
para que corra tudo bem. Você pode pedir que os
médicos vão fazer aquilo que o Senhor determinar na
mente deles. As enfermeiras também podem errar, isso
aqui é muito perigoso. Agradeço a Deus porque ele
deu inteligência aos médicos pra cuidar de mim.
Na minha igreja falam que a gente que fazer as coisas
que o médico manda. Na minha igreja dizem que a
gente não pode abandonar o tratamento e, ao mesmo
tempo, não perder a fé e continuar orar até ser
atendido. Nunca me falaram para deixar o tratamento.
+Falam a mesma coisa que os médicos falam: é
importante não se opor ao tratamento, é necessário
que se faça. Se na minha igreja me mandarem parar
de fazer o tratamento, eu não paro: vou pra outra
igreja. Oro e tomo os remedinhos, faço o que deve ser
feito. Sempre quando passo mal venho para o hospital.
Se fosse para ser assim, Deus não daria o dom para o
homem, para os médicos. Tem gente que procura a
igreja e não o médico. Eu até questiono as
Testemunhas de Jeová que dizem não poder fazer
transfusão de sangue. Isso é coisa material do ser
humano.
A minha religião não me proíbe de tomar
medicamentos, de nada. A minha religião fala muito
de agricultura natural, alimento sem agrotóxico. A
gente acredita que esses alimentos contribuem para a
cura das doenças. A gente acredita que tem que haver
a limpeza do espírito e a limpeza da matéria, um
equilíbrio entre os dois. Não adianta querer limpar
uma coisa e não limpar a outra. A Bíblia diz sobre o
que faz bem e o que faz mal, que é preciso ter uma
vida regrada. Na minha religião orientam a gente a se
cuidar.
Peço a Deus a cura também através dos médicos. Eu
não sou desses caras que ficam buscando cura, não. A
maioria dos problemas os médicos resolvem. Nem
tudo você pode dizer que Deus vai resolver. Se Deus
me libertar dessa doença, tudo bem; se não, tenho que
levar até o fim. Na minha igreja só pedem pra você
crer em Deus, que se você crer, ele vai te curar. Mas
se o padre falar: “você está curado”, é claro que eu
não vou acreditar. Quem é ele pra falar isso?
Nos momentos mais difíceis eu procuro os médicos
porque eles são as pessoas ideais para o meu
problema. Religião é uma coisa totalmente diferente
de tratamento. Se eu preciso de alguma coisa difícil,
eu posso pedir a Deus pra conseguir. Peço força,
coragem, para suavizar meu sofrimento. Mas doença é
outra coisa. Se você vai comer coisas gordurosas, você
vai ter problema nas articulações... Então tem que
evitar comer gordura, se não evitar vai ter problema.
71
27 - EU RECEBO APOIO DE GRUPOS
DSC 27
RELIGIOSOS (adesão de 57%)
É essencial ter alguém que me apóie. Os amigos,
adeptos de várias religiões, fazem orações, preces,
visitas. Alguns me visitaram em casa, outros me
encontraram em outros ambientes, outros me
telefonaram. Isso me ajudou muito. Outras pessoas, de
diversas religiões, me visitaram na enfermaria
oferecendo orações. Me perguntaram se teria algum
problema fazer uma oração, uma reza. Falei: “fiquem
à vontade, por favor”. Às vezes eu estava fazendo
hemodiálise e eles estavam esperando para me ver na
enfermaria. As palavras me dão forças, são sempre
bem-vindas.
Recebo apoio da minha igreja, eles vão lá a casa
conversar, orar, dão sempre uma palavra de conforto.
Quando eu vou às reuniões eles conversam comigo,
estão sempre indo lá em casa dando apoio. O pessoal
da minha igreja me estimula muito. O pessoal sente
falta de mim. Sempre tem um pra comentar: “o que
houve?”, “puxa, em vista do que você estava, você
está bem melhor!”. As pessoas da minha igreja estão
sempre ligando pra mim, vão me visitar, mostram uma
preocupação, um interesse em saber como eu estou,
como está esse tratamento, se estou vivo. As pessoas
da minha igreja estão sempre me visitando, telefonam,
e marcam reunião lá, me levam pra igreja. Eu fico
feliz. O pessoal da igreja é mais ligado do que o
pessoal de casa... São coisas que levantam o moral,
dão alto astral.
O envolvimento com a reunião, o contato com as
pessoas é estimulador. A igreja faz muito passeio, aí
eu vou. O ônibus vai cheio, a gente vai conversando...
É muito bom. A melhor coisa é sair de casa, fingir que
não é doente. O renal não é doente, ele só tem um
problema renal. Nos passeios da igreja, você se
distrai, finge que não é doente. Todo mundo trata você
normal, não como uma pessoa doente. Mexem comigo,
fazem aquelas brincadeiras... Tem dia de domingo que
eu ajudo a distribuir a água ungida e o jornal da
igreja... Distrai. É bom pra mim.
Tem ministro na igreja: quando você quiser conversar,
receber alguma orientação, eles estão lá disponíveis.
Uma vez pensei em desistir do tratamento. Aí fui
conversar com os cabeças da minha igreja e isso foi
abrindo a minha mente, explicando que a hemodiálise
é boa pra saúde. Falam que não pode desistir da vida,
ficar com maus pensamentos e que tudo tem sua hora.
É uma palavra amiga.
Na minha casa nunca faltou ninguém. Sempre tinha
alguém pra conversar, levar uma palavra, um texto
bíblico, “não desanimes, Deus está contigo”, sempre
uma palavra de ânimo. O pastor ligou lá pra casa e
perguntou: “posso ir aí agora?”.
Eles dizem:
“qualquer coisa que precisar, o padre vai!”. Também
72
vão se eu tiver necessidade de cesta básica. Eles falam
que se precisar de remédio de qualquer coisa, eles
ajudam. Perguntam se estou precisando de alguma
coisa, como estou indo, se preciso de alguém pra fazer
alguma coisa. Isso me ajuda, me deixa mais tranqüilo.
28 – EU QUASE NÃO CONVERSO
SOBRE RELIGIÃO COM OS MÉDICOS
(adesão de 40%)
DSC 28
No hospital eles nunca conversaram sobre religião. Só
me perguntaram qual era a minha religião e acabou.
Faz muito tempo, fizeram muitas perguntas, fazendo a
ficha para o meu prontuário ou preenchendo um
questionário. Mas aqui nunca foi feito nenhum
comentário sobre religião. Nunca conversei com a
equipe de saúde sobre isso. A maioria das pessoas que
me abordam tão mais preocupadas com a minha
doença do que com um assunto mais pessoal.
Infelizmente há muito preconceito.
Quando eu vim fazer a minha admissão, o médico
perguntou qual era a minha religião e mais nada. Os
médicos não se metem com a religião. Nunca puxaram
esse assunto nem falaram nada. Mas teve um gesto que
um médico fez. Falei que Deus estava em minha vida,
aí ele falou em Deus. Eu gostei e achei isso muito
importante.
Tem umas enfermeiras que são religiosas, a gente
conversa... Elas sabem dos meus problemas. Elas têm
uma palavra de conforto, de carinho. Quando eu
quero, boto um cordão e a pulseira de São Jorge.
Ninguém nunca falou nada. Mas nunca ouvi os
médicos falarem sobre isso na hemodiálise.
A maioria dos pacientes fala da religião deles e eu falo
da minha. Com os pacientes eu converso. A gente
entra na conversa e vai renovando as forças. Eu já
falei com companheiros de quarto, internada, sempre
entre nós.
Na enfermaria toda semana ia alguém orar, às vezes
no mesmo dia, entrava um e saia outro. Mas aqui na
hemodiálise não. Eu gostaria que viesse.
29 – FIQUEI MAIS RELIGIOSO APÓS A
DSC 29
DOENÇA E A HEMODIÁLISE
Depois que eu comecei a fazer hemodiálise estou mais
religioso. Busquei a religião por causa da doença. Na
hora do sofrimento ligado à saúde, eu procuro em
primeiro lugar ajuda na minha religião. Desde que eu
fiquei doente eu passei a orar, ir às missas, falar com
o padre... Agora estou até lendo a Bíblia demais. Tem
que buscar, senão não dá em nada.
A última vez que eu pensei em desistir da hemodiálise
foi em cima de uma maca. Eu comecei a me lembrar
da minha infância, senti que tinha que voltar às
origens. Aí voltei a freqüentar a igreja. Eu faço o terço
todo dia, quando deito e quando levanto. Agora eu me
(adesão de 20%)
73
sinto mais firme, como se estivesse no caminho em que
devo andar.
Depois que os médicos falaram que não vão me
inscrever para o transplante eu passei a crer mais em
Deus. Quando a coisa aperta a gente pensa mais em
Deus. Até o cara que não acredita, quando a coisa o
aperta ele chama o nome de Deus. Você fica sem saber
o que fazer.
30 – EU NÃO ACREDITO NA CURA
DSC 30
DIVINA PARA A DOENÇA RENAL
A fé de curar eu não tenho não. Até porque eu não
tenho um exemplo de que aconteceu isso. Existe a
realidade: eu não vou ficar bom nunca. Nem com
médico quanto mais com religião. A cura não existe, a
não ser que eu faça um transplante. Mesmo assim eu
peço que o Senhor me dê uma vida melhor. Eu sinto
muita dor no peito, falta de ar... Eu acredito que possa
melhorar. Pra doenças leves eu acredito, peço a cura.
Mas sei que não tem jeito não: enquanto eu viver,
tenho que fazer hemodiálise.
(adesão de 10%)
Tabela 5 – Adesão aos DSC dos pacientes relativos à questão “sua religião lhe ajuda no
enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”
DSC DOS PACIENTES
ADESÃO (%)
DSC 24 – As minhas crenças me ajudam a
suportar a doença e o tratamento
DSC 25 - Eu acredito na cura divina para
a doença renal
DSC 26 – Eu concilio minhas crenças
religiosas com a medicina
DSC 27 - Eu recebo apoio de grupos
religiosos
DSC 28 – Eu quase não converso sobre
religião com os médicos
DSC 29 – Eu fiquei mais religioso após a
doença e a hemodiálise
DSC 30 – Eu não acredito na cura divina
para a doença renal
100%
73%
70%
57%
40%
20%
10%
Os discursos relativos à segunda questão expressam que o grupo investigado inclui a
crença religiosa como característica de seu perfil sociocultural e em grande parte vinculado à
74
atividades de religiões como orar individualmente e participar de suas igrejas. Para o grupo, a
fé em Deus é o elemento comum e central na sua religiosidade, sendo considerado como uma
necessidade vital, mesmo quando não se tem adesão à instituição religiosa. Deus é percebido
como um ser totalmente confiável que sustenta, ajuda e atende aos pedidos, especialmente nos
momentos mais difíceis, dentre eles os relacionados à saúde. Por esta razão, observa-se que
religiosidade foi despertada ou intensificada após a doença e a hemodiálise.
Os discursos mostram que a religiosidade está presente em todo processo de
enfrentamento da doença e do tratamento, desde o deslocamento da casa até o hospital,
passando pelos incômodos vividos durante as sessões (punção, problema no cateter). Neste
sentido, destaca-se como função das crenças religiosas o fortalecimento pessoal, o alívio da
angústia e da tristeza, a motivação para continuar o tratamento, além da esperança de
resolução dos problemas aparentemente insolúveis. Quanto a isto, prevalece a esperança da
cura para a doença renal, mesmo que de modo hesitante, o que não é considerado um
impedimento para o discurso de conciliação entre as crenças religiosas e o conhecimento
médico. Neste sentido, houve o discurso que associa o exercício médico a influências divinas
e o tratamento visto como a maneira pela qual Deus poderá intervir na doença. O transplante
foi mencionado, apesar da hesitação, como um recurso médico através do qual Deus poderá
trazer a cura.
Não obstante à expectativa do milagre, o grupo busca apoio para o enfrentamento da
doença e no tratamento e o encontra em grupos religiosos. Esse apoio se traduz no constante
estímulo para o autocuidado e na disponibilidade das pessoas em ajudar no que for necessário.
Conversar a respeito dos problemas relativos à saúde é percebido como gerador de sentimento
de estar integrado à comunidade e de melhora do humor. Segundo a percepção do grupo,
efeitos semelhantes acontecem ao se conversar sobre religião com as enfermeiras e com
outros pacientes no contexto hospitalar, ainda que isto aconteça menos no setor de
hemodiálise do que nas enfermarias. Entretanto, os médicos se sobressaem nos discursos
como aqueles com quem não se conversa sobre religião e que se limitam a eventualmente
perguntar pela religião dos pacientes e abordar o assunto.
75
6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
6.1 Discussão do DSC dos médicos
As representações sociais do grupo investigado expressam visões de receptividade às
crenças religiosas e o reconhecimento da sua importância no contexto do trabalho médico,
mesmo que inclua riscos de um uso indevido prejudicar o tratamento. Esta percepção é
coerente com o perfil religioso do grupo, constituído em sua grande maioria por pessoas que
seguem alguma religião ou que acreditam em Deus, ainda que haja momentos de oscilação na
manutenção de tais crenças. Tais representações podem ser vistas especialmente nos discursos
relativos à questão 1, onde há grande adesão ao discurso que considera a religiosidade
importante como apoio psicológico, ainda que também haja adesão ao discurso que expressa a
preocupação com a possibilidade de que as crenças religiosas prejudiquem a adesão ao
tratamento e a outro que expressa dúvidas neste sentido.
Diante da percepção da grande demanda de apoio psicológico e, ao mesmo tempo, da
impossibilidade de corresponder a ela (DSC 1 – “É difícil impor uma barreira, é estranho...
Eles te sugam!”), a religiosidade é valorizada como um recurso alternativo capaz de oferecer
aos pacientes conforto emocional, sentido ao sofrimento e motivo para se resignar ou para
superar as limitações e prejuízos impostos pela doença e pelo tratamento (DSC 1 - “O
remédio que a gente não encontra na farmácia tem que buscar em outro lugar”).
Compreende-se que estando o grupo inserido em um contexto institucional em que se valoriza
especialmente a ciência, as representações sobre a religiosidade tenham se associado à ciência
psicológica, igualando crenças religiosas a recurso psicológico. Embora isto possa acontecer
na experiência subjetiva de pessoas que se encontrem em situações críticas, devem-se
esclarecer as diferenças entre elas. As crenças religiosas referem-se a uma dimensão sagrada e
transcendente, podendo ou não estarem inseridas em um sistema religioso organizado e que
visam, juntamente com práticas, rituais e uso de símbolos, uma aproximação com esta
dimensão (KOENIG, 2012). Já um recurso psicológico pode estar relacionado a quaisquer
outras crenças pessoais sustentados por um indivíduo e que caracterizam seu estilo de vida e
comportamento (PANZINI, 2007).
Os discursos expressam a necessidade de estabelecer limites entre as intervenções
médicas e as intervenções religiosas. Neste sentido, é um objeto especial de preocupação a
76
possibilidade dos pacientes buscarem a cura religiosa e, com isso, comprometer a adesão
deles ao tratamento (DSC 2 - “quando a religião não serve para motivar o tratamento, mas
sim para buscar a cura, é um obstáculo”). A adesão ao tratamento é um objetivo médico
especialmente visado no caso dos pacientes crônicos como os portadores de IRC já que esta
condição exige comportamentos sistemáticos (dieta, uso de medicamentos, sessões
terapêuticas, etc.) que, se interrompidos, podem acarretar em conseqüências graves em curto
prazo e, às vezes, irreversíveis, incluindo o óbito. Além disso, a experiência dos médicos
expressa nos discursos aponta para o risco de que certas religiões ou crenças religiosas
possam levar os pacientes a rejeitarem tratamento proposto, como no caso das Testemunhas
de Jeová, que recusam à transfusão de sangue, ou no caso de alguns grupos evangélicos que
pregam a cura divina exclusivamente mediante a fé. Não é sem razão que, embora a
representação social do uso da crença religiosa como recurso no tratamento seja positiva, a
aceitação é vista como condicionada ao compromisso do paciente com o tratamento médico.
Deve-se observar que os discursos fazem alusões ao conceito de saúde e de doença
crônica, particularmente na insuficiência renal crônica onde há necessidade de cuidados
especiais (DSC 1 – “no caso da insuficiência renal crônica, cada pessoa vai se cuidar
dependendo da sua crença”; DSC 2 –“Quando a religião não serve para motivar o
tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo”; DSC 3 - “é mais uma questão de
relação com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e aceitar o tratamento”).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “saúde é o estado do mais completo bemestar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade” (SCLIAR, 2007, p.37).
Uma visão coerente com este conceito exige a compreensão da saúde como uma situação
dinâmica onde cabe a inclusão de cuidados especiais permanentes, onde, por exemplo, a
hemodiálise é indispensável. Se isto não é compreendido, entre outras conseqüências, o
paciente pode usar as suas crenças religiosas para buscar o milagre da cura, implicando em
abandono do tratamento, já que este não visa a cura, e sim a possibilidade da sobrevivência e
da melhora do bem-estar integral. Para evitar tal situação, isto é, para motivar o paciente a
buscar a saúde no sentido dado pela OMS, o grupo investigado percebe a necessidade de que
haja um esforço integrado da equipe multiprofissional no papel de educador. Neste sentido, a
religiosidade, ao invés de ser considerada pelos pacientes apenas como fonte de cura, pode
passar a ser um componente na promoção ou na recuperação do bem-estar completo.
77
Os discursos produzidos em resposta à questão 2 ("Como você lida com a sua própria
religiosidade no contexto do trabalho?") mostram claramente que as crenças religiosas dos
médicos são mobilizadas no contexto de trabalho, havendo uma grande adesão ao discurso
que afirma a sua presença e importância para eles. Os discursos expressam não só que os
médicos reconhecem um papel colaborador das crenças religiosas no tratamento, como as
usam como apoio para si mesmos no exercício da profissão, sendo usadas como fonte de
segurança, sentido e valor (DSC 5 – “Eu peço a Deus para guiar as minhas mãos quando eu
vou fazer uma punção (...) A religião me faz ficar mais tranquilo nas situações difíceis, tomar
as melhores decisões e ter as melhores condutas (...) em várias situações a gente lida com
pacientes graves (...) Se você não tiver religião perde o sentido do que está fazendo (...) me
ajuda a entender o sofrimento das pessoas, os pacientes que tratam mal, a convivência no
ambiente de trabalho”). As crenças religiosas também são usadas como um recurso para fazer
frente ao estresse e às exigências típicas da profissão, especialmente frente ao medo de errar e
de causar danos aos pacientes, considerando o fato de lidarem com o alto risco de morte dos
pacientes no cotidiano (DSC 5 - “A religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações difíceis,
tomar as melhores decisões e ter as melhores condutas”).
Entretanto, a presença de crenças religiosas no grupo investigado não significa
ausência de críticas, dúvidas ou rejeição a crenças (DSC 4 – “Médico é uma pessoa muito
cética”). Na verdade, os discursos que expressam as crenças religiosas dos médicos (DSC 5,
6 E 7) o fazem de modo a preservar o compromisso com a medicina e com a base de seus
conhecimentos, que é a ciência. O DSC 6 expressa a percepção da necessidade de conciliar as
crenças religiosas com a formação científica, o que permite ver a existência de conflitos, tanto
do ponto de vista intelectual quanto emocional (“Eu tento me manter com um pensamento
racional, mas acho que isso não exclui a religiosidade (...) existe esse sentimento ambíguo”).
Inversamente, este discurso expressa a falta de compromisso às instituições religiosas e seus
dogmas (“tenho uma religiosidade própria, não institucional”). De acordo com isso,
repudiam posições religiosas contrárias ao saber médico (“Tenho discordâncias técnicas,
como na questão do aborto, controle da natalidade, distanásia”). Ao mesmo tempo em que
afirma que religiosidade e ciência são campos distintos da experiência humana, afirma a
necessidade de mantê-los à distância um do outro (“Não é que ciência e religião estejam uma
contra a outra, mas são universos paralelos”). Pode-se ver aqui a preocupação com o risco
de que a intromissão da religião no campo científico possa repercutir negativamente na prática
78
médica. Já o DSC 7 expressa o confronto com situações clínicas graves que levam os médicos
a buscarem na religiosidade respostas para questões que, para eles, a ciência não oferece
satisfatoriamente, especialmente com relação ao sentido do sofrimento, da morte e da vida
(“Existem vários conflitos entre religião e ciência, até que ponto você pode ou deve investir
no paciente... Para quê trazer de volta uma pessoa que não interage, toda sequelada? Talvez
Deus estivesse chamando o paciente para outra chance em outra vida (...) A gente se
pergunta se está fazendo as melhores escolhas, se está aproveitando bem a vida”). O
conjunto dos discursos revela a presença de crenças religiosas no contexto de trabalho médico
investigado ao mesmo tempo em que existe a oscilação entre a crença e a descrença,
conforme mostram, embora de menor adesão, o DSC 8 (“eu me sinto em dúvida entre o meu
juízo crítico e as minhas necessidades”) e o DSC 9 (“eu sou ateu, não acredito em nada”).
No entanto, um dos discursos de maior adesão
do grupo revela a ausência de
compartilhamento entre os menmbros do grupo de suas crenças religiosas e do papel que
eventualmente teriam no contexto de atendimento médico aos pacientes.
confira-se os
fragmentos do dsc 4 ( “entre os médicos é um assunto que não circula, não se discute, não se
pergunta...”). Fica evidente a percepção de que, caso houvesse a discussão do assunto, ela se
daria necessariamente em função do conteúdo das crenças assumidas por cada profissional e
isto seria um foco de desajustes do grupo, segundo a percepção dos mesmos. note-se que não
está mencionado o papel de tais crenças no contexto da clínica (DSC 4 – “cada um tem a
própria e ninguém entra em controvérsia”). Os discursos não mencionaram a possibilidade
de se conversar sobre a importância da religiosidade no contexto de trabalho bem como sobre
a abordagem do assunto junto aos pacientes independente de confrontos entre crenças
adotadas por cada médico particularmente. De acordo com tal percepção, o assunto é tão
potencialmente gerador de tensões no grupo investigado que deve ser preterido no ambiente
de trabalho (“A gente aqui fala mais sobre futebol do que sobre religião... A gente quer
extravasar. Jogar fora esse estresse, conversar sobre coisas mais leves.”). Porém, evitandose o assunto dessa forma, a religiosidade não se torna um objeto de reflexão enquanto variável
relevante na clínica e possível estabelecimento de condutas terapêuticas apropriadas de apoio
a ser integrado nas ações terapêuticas.
O fato dos médicos não terem o papel das crenças religiosas de seus pacientes e
também as suas próprias crenças como tema de reflexão coletiva reflete-se no modo como o
mesmo grupo percebe e lida como os pacientes no âmbito da hemodiálise, conforme mostram
79
principalmente os discursos relativos à questão 3. Nessa questão, os médicos investigados
foram instigados a falar sobre seus próprios comportamentos em situações concretas de
atendimento. Nos discursos expressos estão expostas às dificuldades de traduzir a percepção
da religiosidade como recurso de “apoio psicológico” em procedimentos coletivamente
elaborados e que possam servir de referência para a abordagem médica nas suas condutas de
rotina (DSC 10 – “Temos que perguntar, mas geralmente não pergunto não”). Ao invés
disso, os discursos mostram que a abordagem é feita de modo individualizado e baseada na
experiência pessoal do médico (DSC 13 – “Eu uso mais ou menos o que a pessoa diz. Às
vezes os pacientes falam, aí eu respondo, pergunto... Você percebe o que o paciente quer
ouvir”).
Os discursos revelam o reconhecimento do próprio despreparo para lidar com o tema,
seja pela falta de conhecimento e elaboração de algo que lhes parece complexo,
principalmente os de maior adesão (DSC 11 - “Não me sinto preparado pra isso não (...)
acho que essa pesquisa é muito importante para orientar a gente a como (...) abordar a
religiosidade com o paciente”), seja pelas dificuldades impostas pelas condições de
atendimento onde o tempo lhes parece limitado (DSC 10 – “às vezes na correria eu não
pergunto”), expressando hesitações, dúvidas e conflitos (DSC 10 – “Não consigo ver se é
certo ou errado questionar sobre religião (...)”; DSC 11 – “Não pergunto para não entrar em
conflito (...); DSC 14 – “Não sei se estou ultrapassando uma barreira na relação médicopaciente (...)”). A referência que os discursos fazem a educação médica revela um conflito
entre abordar a religiosidade tal como aprenderam a fazer na sua formação e priorizar os
aspectos biológicos nas situações concretas de atendimento (DSC 10 – “Faz parte da
formação médica (...) Eu perguntava sobre a religião quando aprendi a fazer anamnese” (...)
Pra fazer a anamnese correta é uma conversa de 1 hora, 1 hora e meia (...) Nesse processo
de encurtar a gente acaba eliminando a religião (...) Acredito que não seja tão importante
para o que estou procurando: doenças, a parte clínica. É mais importante saber quanto está
o potássio, se o paciente está taquipneico (...) A nefrologia é uma especialidade que lida com
urgências.”). Estes discursos provocam a reflexão sobre a relação existente entre o que
percebem os médicos sobre a religiosidade e o que eles percebem sobre as condições de
trabalho para abordar o assunto, especialmente no que diz respeito ao tempo. É interessante
notar que assim como os médicos valorizam especialmente os aspectos biológicos em função
de urgências clínicas, valorizam também os aspectos religiosos em função de urgências
80
psicológicas que se impõe em situações especiais (DSC 12 - “eu converso sobre religião com
o paciente quando o paciente está precisando, está deprimido (...) carente emocionalmente
(...) quando está terminal”). Tais discursos provocam a reflexão sobre o quanto estes
discursos estão influenciados pelo modelo biomédico, considerando a possibilidade de que, na
verdade, não abordar a religiosidade regularmente não seria uma impossibilidade intrínseca às
atividades de um médico nefrologista, mas sim uma opção que corresponderia a percepção de
corresponder ao referido modelo, que é centrado na doença e nas intervenções biológicas
sobre o paciente.
Porém mesmo com o reconhecimento de dificuldades para abordar a religiosidade, o
DSC 13 e o DSC 14 expressam os esforços do grupo médico, reconhecendo a presença das
crenças religiosas presentes tanto no repertório dos pacientes como no do seu próprio grupo.
Nesses discursos estão afirmados os recursos às crenças religiosas como apoio e fonte de
sentido para o sofrimento. A diferença é que, no primeiro caso, existe o esforço em conhecer e
utilizar as crenças religiosas dos pacientes, enquanto no segundo caso, utilizam-se as próprias
crenças. Em ambos os casos há o propósito declarado de usar as crenças religiosas como um
expediente possível em favor do tratamento (DSC 13 – “Às vezes o paciente fala e eu
respondo vamos ter fé, quando eu percebo que é importante para ele; DSC 14 – “Quando
preciso, uso a religiosidade como um artifício de um processo de convencimento... da
necessidade de aderência ao tratamento... É uma forma de tentar confortar também”). Podese observar que estes discursos refletem a experiência dos investigados: ainda que não tenham
relatado estudos especializados para elaborar suas experiências a respeito, eles exercitam
mesmo precariamente o uso das crenças religiosas. Embora o contexto do trabalho seja de
base científica, onde a ciência é o principal parâmetro para orientar a prática, os discursos não
fazem referência a estudos relacionados a como abordar a religiosidade dos pacientes.
Contudo, a literatura científica sobre isso é crescente e oferece diversidade de respostas às
questões apresentadas pelo grupo investigado sobre como melhor abordar a religiosidade e
entender a sua relação com a clínica (FOSARELI, 2008; KOENIG, 2004; LO ET AL, 1999).
Deve-se entender o que foi dito acima à luz dos processos de secularização (BERGER,
2001; CASANOVA, 1994). A religião tornou-se um assunto da esfera privada, sendo, de
certa forma, inconveniente tratar dela na esfera pública. Entretanto, a saída da religião das
diferentes esferas da vida tem ocorrido de forma paulatina com avanços e recuos, podendo-se
dizer que a secularização tem sido parcial. Historicamente falando, é relativamente recente o
81
fato do médico, e não o sacerdote, ser aquele a quem se deve procurar em caso de doenças. Se
por um lado, a religião é substituída pela medicina de base científica como parâmetro nas
instituições de saúde, por outro lado, ela persiste como um recurso de recuperação da saúde
valorizado e buscado na sociedade. Além disso, a secularização objetiva, isto é, a saída da
religião do espaço público, não necessariamente está acompanhada da secularização subjetiva,
isto é, da perda da fé pelos indivíduos. Isto se torna concreto no caso de um hospital público
onde, mesmo não sendo falada, a religiosidade está presente de modo mais ou menos
influente, tanto nos paciente quanto nos profissionais de saúde. No caso de um hospital
universitário, campo de atuação do grupo investigado, amplia-se a questão: não se trata
apenas da oposição entre o privado e o público, mas também entre o científico e o nãocientífico. Do ponto de vista histórico também pode ser considerado recente a separação entre
ciência e religião e, ainda sim, a relação entre ambas nem sempre foi de oposição e rivalidade.
É somente no Iluminismo no século XVIII que surge o projeto de substituir todo
conhecimento baseado na religião pelo conhecimento científico, levando ao pensamento
vigente em muitos grupos sociais de que ciência e religião são totalmente incompatíveis entre
si, de modo que quem estiver relacionado com uma, não poderá estar relacionado com a outra.
Porém, a literatura que aborda a história da ciência e religião inclui todo um conjunto de
dados e reflexões que mostram que conflitos nesse âmbito não são obrigatórios, antes são
campos da cultura humana (ROSSI, 2001; HENRY, 1998).
Diante do exposto, pode-se perceber através dos discursos que existe no grupo
investigado uma importante relação entre os processos de secularização e as representações
sociais expressas através dos discursos, seja nas dificuldades em se lidar com a religiosidade
com os pacientes, seja nas dificuldades em se tratar do tema no ambiente de trabalho,
especialmente no silêncio que predomina sobre ele. Como um importante efeito dos processos
acima descritos, deve-se ressaltar que existe no grupo investigado o reconhecimento da
dimensão cultural da religiosidade no grupo de pacientes. Isto está sintonizado com a
literatura científica que afirma a necessidade de considerar os aspectos culturais e
psicossociais como determinantes dos comportamentos individuais e grupais na clínica
(HELMAN, 2003; GEERTZ, 1989; EISENBERG, 1977). A dimensão religiosa das culturas
está presente em diferentes grupos e podem se expressar no grupo específico de pessoas
acometidas por problemas de saúde. Estudos mostram que isso é uma realidade no caso de
grupos de pacientes em hemodiálise, influenciando no enfrentamento da doença, na adesão ao
82
tratamento e no busca de melhor qualidade de vida (CUKOR ET AL, 2007). Finalmente
observou-se o modelo biomédico atravessando o conjunto dos discursos e de alguma forma
influenciando percepções e atitudes do grupo investigado
6.2 Discussão do DSC dos pacientes
Com o propósito de melhor compreender os discursos dos pacientes, é importar
analisá-los à luz da realidade em que se encontra o paciente renal crônico no programa de
hemodiálise do hospital seja em seus aspectos clínicos, institucionais ou sociais. O DSC 15,
discurso de maior adesão referente à questão 1 (do roteiro elaborado para as entrevistas com
os pacientes), refere-se ao momento inicial do tratamento do grupo investigado. sentimentos
e relexões expressam nesse discurso as percepções dos doentes renais crônicos vividos tão
logo receberam a notícia de que dependeriam da hemodiálise para sobreviver e manter a
qualidade de vida possível até as primeiras sessões do tratamento. No caso dos pacientes que
estão em acompanhamento regular no ambulatório do hospital é possível programar o início
da hemodiálise e, assim, realizar um melhor preparo prévio, incluindo esclarecimentos
médicos sobre o tratamento e apoio psicológico. No caso dos pacientes em estado muito
grave, sua primeira sessão de hemodiálise ocorre após receber um atendimento emergencial,
sendo encaminhado para dar continuidade de modo ininterrupto (“De repente começou.
Desmaiei em casa, fui ao posto e o médico descobriu que eu estava perdendo os rins. Falou
pra mim:”eu vou te internar agora porque você está morrendo”. Fiquei internado, dali fui
para a hemodiálise”). Seja como for, o início da hemodiálise implica, via de regra, em uma
mudança drástica na rotina de vida do paciente, principalmente por exigir que ele esteja na
unidade de hemodiálise três vezes por semana, podendo levar a interrupção temporária ou
definitiva da vida profissional e outros projetos de vida em andamento (“Ficar preso a uma
máquina dia sim, dia não, tira todo o seu norte, objetivo, realizações, coisas a fazer na sua
vida”). Pode-se observar a necessidade de apoio para os pacientes neste momento, seja ela
suprida por um profissional ou não (“Neste momento teria sido bom receber a orientação de
um psicólogo ou o apoio de alguém pra falar alguma coisa, uma palavra que me desse
ânimo... Mas não tive nem dentro da minha família”) .
No DSC 18, que apresentou adesão de metade do grupo investigado, verificam-se as
dificuldades de ajustamento à etapa inicial de tratamento ainda não totalmente superadas, isto
83
é, não há apenas dificuldades transitórias, mas sim estabelecidas ao longo do tempo (“O
pessoal diz: “se acostuma”. Mentira! Não tem como se acostumar não. Parece que o corpo
vem, mas a mente não vem”). Neste discurso, encontra-se a percepção de que a hemodiálise é
uma penosa obrigação, que não acaba com o sofrimento e apenas prolonga a vida, não
melhorando a sua qualidade (“Sua qualidade de vida é praticamente zero. A hemodiálise não
dá qualidade de vida, ela só prolonga a vida. Ela me prejudicou muito. A nossa vida, muda
tudo....”). De fato, não apenas a vida, mas o próprio paciente é percebido como anormal, tanto
pelo fato de ter uma rotina diferente da maioria das pessoas como pelo fato de possuir em seu
corpo uma fístula ou um cateter (“Vir prá máquina e ficar quatro horas está fora do contexto
de uma vida normal. Tenho milhões de coisa pra fazer e estou aqui... Você fica preso, parece
uma prisão. As pessoas que fazem isso são como extraterrestres. Às vezes eu me sinto como
um extraterrestre. Tinha que ficar com o cateter no pescoço, morria de vergonha”). Neste
discurso valorizam-se os possíveis efeitos colaterais do tratamento (câimbras musculares,
cefaléia, enjôo, etc) e intercorrências durante as sessões (punção dolorosa, obstrução da
fístula, coagulação de sangue no circuito, problemas de funcionamento na máquina
dialisadora, etc) (“De repente eu passo mal e tem que parar a máquina. O meu problema
agora é a máquina. São umas dores nas pernas, uma falta de ar... Saio cansada”). Além
disso, destaca-se o fato de depender de familiares para a locomoção de casa até a unidade de
hemodiálise, que é uma necessidade para uma parte dos pacientes, seja por dificuldades
físicas (perda de força física, acuidade visual, risco de crises durante o trajeto, etc.),
emocionais (medo de passar mal, necessidade de apoio, etc.) ou sociais (falta de um meio
próprio de locomoção, dinheiro para custear as passagens do transporte público, etc.) (“Ter
que depender dos outros aborrece. Nunca tive dependência de nada, de repente ficar
dependente de tudo...”). Observa-se que os recursos oferecidos no contexto hospitalar não são
mencionados como meios usados para dirimir o sofrimento. No DSC 17 já se observa um
certo grau de ajustamento à hemodiálise, ainda que também se observe a expressão de certo
grau de sofrimento e a falta de referências a ganhos no sentido da qualidade de vida (“Não
venho com alegria, seria masoquismo... Venho com a consciência de que tenho que fazer. Eu
tive que escolher: fazer ou morre”), o que já aparece no DSC 20, embora com baixa adesão
(“Antes eu não conseguia subir escada, aquela canseira que eu sentia, saiu tudo. Era muito
cansaço, sentia até quando tava falando... A pressão era altíssima... Melhorou tudo, até o meu
astral”).
84
Embora o DSC 19 refira-se também a etapa inicial do tratamento, nele se destaca o
aspecto da desinformação sobre a hemodiálise, tanto com relação ao que ela é, quanto com
relação às causas que levam a fazê-la e os seus procedimentos, sendo geradora de angústia e
especulações fantasiosas (“Na primeira vez, entrei com naturalidade, sem saber o que era...
levei um susto sem saber o que fazer. Passou um monte de coisas na minha cabeça... “o que é
isso, hemodiálise?... Eu pensava que estava com câncer, com AIDS,... que não ia durar muito
tempo,... ia fazer e não ia resistir”). Deve-se esclarecer que as circunstâncias que levam ao
início do tratamento pode não favorecer a comunicação entre os médicos e o paciente, como
nos casos de atendimentos emergenciais e de quadros clínicos que afetem o nível de
consciência. Por outro lado, deve-se ressaltar que os pacientes renais são portadores de uma
doença crônico-degenerativa com uma longa perspectiva de tratamento cuja possibilidade de
se fazer hemodiálise é previsível.
É de se questionar o que levou o grupo investigado a não ser bem informado sobre a
hemodiálise. O referido discurso aponta como motivos a percepção de falta de iniciativa do
médico em informar e de que o modo de falar do médico é incompreensível (“Os médicos...
Não foram conversar, mas queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise... Os médicos não
passam, se a gente não perguntar... Não sei explicar direito por que, mas eu fiquei meio
retraído... O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra lá... Perguntando a
equipe, não encontrei uma explicação, nem os médicos souberam explicar...”). Em virtude
desta percepção e da demanda por informação, a busca individual pela internet foi a
alternativa encontrada para obter informações sobre a hemodiálise (“Pesquisei na internet e
descobri”). Este discurso confronta os médicos e toda equipe multiprofissional quanto ao
papel de educador que deve ser exercido especialmente na etapa inicial do tratamento a fim de
se evitar o sofrimento dos pacientes.
O DSC 16 refere-se à possibilidade de encontrar no relacionamento com os outros
uma rede de suporte para superar as dificuldades de ajustamento à hemodiálise, especialmente
na etapa inicial. Recebe uma importância maior os familiares (“Mas a família é o primeiro
remédio, o primeiro despertamento..), mas as pessoas do convívio cotidiano dos pacientes
também são mencionados (“Tem muitas pessoas, vizinhos, que sempre ajudam”), além dos
diversos profissionais que lhe prestam assistência no setor de hemodiálise (“Depois que eu
conversei com o psicólogo eu melhorei, saiu uma nuvem da minha cabeça. Também fui
conversando com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me
85
acalmando”). Neste discurso pode-se observar a importância do contato interpessoal para o
paciente no contexto do seu tratamento, o que pode ser comparado com o mesmo tipo de
contato que experimenta com grupos religiosos. À propósito, pode-se observar no DSC 22
que, mesmo sem ser estimulados neste sentido, o grupo expressou a sua religiosidade ao ser
indagado sobre as suas percepções sobre a hemodiálise (“A hemodiálise é uma purificação do
sangue e o sangue é a materialização do espírito”). Na questão 2, que indaga sobre o papel
da religiosidade no tratamento, o conteúdo deste discurso é expandido e aí aparece a
importância do apoio dado por grupos religiosos. Deve-se destacar que o discurso relativo ao
apoio social teve grande adesão, o que chama atenção sobre a importância do apoio social
para o grupo investigado no momento.
O DSC 21 e 23 abordam outra possibilidade de tratamento na doença renal crônica: o
transplante (DSC 21 - “Acho que todo mundo espera o transplante”; DSC 23 – “Eu não tenho
opção: ou eu faço hemodiálise ou eu faço transplante”). Para saber se esta é a melhor opção
para o paciente é preciso fazer um cálculo da relação custo-benefíco incluindo condições
clínicas, idade, etc. Porém, este é um recurso do qual nem todos podem se beneficiar.
Primeiramente, nem todos preenchem os critérios técnicos para inclusão na lista de espera de
um órgão. Em segundo lugar, ainda que já tenham sido inscritos, nem sempre surge um
doador ou um órgão compatível com o paciente. O grupo expressa tanto a visão de que o
transplante pode lhes dar uma melhor ou uma pior condição de vida se comparado à vida que
têm fazendo hemodiálise. Seja como for, este é um tema incontornável para o paciente em
hemodiálise. Por isso, pode-se esperar que, de alguma forma, a religiosidade seja relacionada
à questão do transplante.
O DSC 24 pode ser visto como uma resposta às dificuldades típicas de quem faz
hemodiálise onde a religiosidade surge como um importante apoio (“Eu rezo e é aí que eu
encontro forças pra seguir meu tratamento. Dá vontade de desistir e aí eu recupero a vontade
de continuar (...) Peço a Deus força pra chegar e voltar pra casa. (...). Quando eu estou
vindo ou quando eu estou na hemodiálise, eu peço a Deus pra que tudo dê certo. (...) A
punção dói, às vezes não conseguem. Se estou com muita dor ou um problema no cateter, ele
me ajuda”). Mais destacadamente, a obrigação de estar sempre presente às sessões requer
uma disposição de ânimo constante. Faz alusão também ao ir e vir do tratamento, o que pode
ser um sério problema para os pacientes mais comprometidos seja do ponto de vista clínico
(que pode impor, entre outras, limitações na capacidade de se locomover), seja do ponto de
86
vista social (pela falta de acesso a um transporte adequado ou de disponibilidade de
acompanhante). Outro exemplo são as complicações possíveis durante às sessões, como não
conseguir fazer à punção arteriovenosa ou acontecer uma obstrução no cateter. Estas e outras
dificuldades são percebidas como motivo de quase insuportável sofrimento, o que leva o
grupo a esperar a cura divina, como expressa o DSC 25, mesmo que esta venha através do
próprio tratamento médico, como o transplante (“Se Deus achar que eu devo ser curada, eu
vou receber um rim para transplantar”). O DSC 29 reflete esta tendência do grupo
investigado em recorrer à religiosidade nas situações em que se sente desamparado e
desorientado, especialmente àquelas que dizem respeito às intercorrências clínicas da doença
(“Na hora do sofrimento ligado à saúde, eu procuro em primeiro lugar ajuda na minha
religião”). É de se esperar, portanto, que a religiosidade apareça como um recurso de apoio
para o grupo investigado.
O DSC 26 mostra que não é necessariamente um problema para o grupo investigado
conciliar as suas crenças religiosas com a medicina, como o DSC 25 já havia indicado ao
associar cura divina com transplante (“Obviamente que eu vou procurar ajuda nos
profissionais que tratam da patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não são coisas
mutuamente excludentes”). É relevante apontar a relação feita entre ensinos religiosos e
tratamento no que diz respeito à alimentação, visto que a dieta é um ponto fundamental para o
êxito do tratamento hemodialítico. O DSC 30 reflete esta visão ao concordar com a medicina
quanto à incurabilidade da doença renal e ter como motivo para continuar o tratamento não a
cura, mas a melhora da saúde, tendo a religiosidade um importante papel coadjuvante no
processo terapêutico (“A cura não existe, a não ser que eu faça um transplante. Mesmo assim
eu peço que o Senhor me dê uma vida melhor”). Trata-se de um discurso que poderá crescer
como consequência de um processo de esclarecimento e educação para saúde.
O DSC 27 mostra o quanto é importante receber o apoio de grupos religiosos no
contexto de enfrentamento da doença renal crônica, tanto dentro quanto fora do contexto
hospitalar (“Os amigos, adeptos de várias religiões, fazem orações, preces, visitas. Alguns me
visitaram em casa, outros me encontraram em outros ambientes, outros me telefonaram. Isso
me ajudou muito”). Por um lado é ressaltado a importância do apoio de religiosos e nesse
sentido, pode-se entender quer há demanda de colocar o setor de hemodiálise na agenda de
atendimento previsto pelo setor de humanização do hospital. Ao contrário das enfermarias,
neste setor não há visitação de grupos religiosos, conforme a rotina organizada pelo próprio
87
hospital, através de seu Programa de Humanização. Tal apoio ganha em importância ao se
levar em consideração o fato de que a freqüência às reuniões religiosas pode diminuir em
função das intercorrências clínicas e exigências do tratamento. O DSC 28 mostra que na
ausência de uma assistência religiosa específica, o grupo vale-se de contatos espontâneos, seja
dos próprios companheiros de tratamento, seja das enfermeiras (“No hospital eles nunca
conversaram sobre religião. Só me perguntaram qual era a minha religião e acabou”). Ao
fazer isto, o DSC 28 denuncia a falta de iniciativa médica em abordar o tema e conhecer as
necessidades religiosas dos pacientes, ou seja, falta uma sistemática de apoio nesse quesito.
Por outro, destaca-se a importância do contato ou da solidariedade humana a esses pacientes.
o compartilhamento do sofrimento experimentado por esse grupo de pacientes requer trocas
humanas, conversas e formas de viabilizar a oferta de apoio.
Os discursos revelam que o grupo investigado não apenas possui vínculos com crenças
e práticas religiosas, como mostra o seu perfil religioso, como as usam como recurso de
enfrentamento da doença e no tratamento, como evidencia a adesão total ao discurso que
afirma isso. O DSC 24 mostra mais claramente isso. Nota-se que a religiosidade é usada
como apoio em quatro aspectos. Em primeiro lugar, destaca-se o aspecto da esperança de
melhora clínica, especialmente em situações mais críticas que aparentemente não tem solução
(DSC 24 – “Nos momentos mais difíceis da minha doença eu me apego a Deus. No caso de
doença, se o homem não está conseguindo resolver, só Deus mesmo”). Em segundo lugar, no
aspecto da melhora do humor e da estabilidade emocional, aliviando tensões relacionadas à
doença e ao tratamento (DSC 24 – “Quando eu estou muito angustiado, triste, eu busco um
conforto nas orações”). Em terceiro lugar, no aspecto da motivação para o tratamento,
ajudando a prosseguir na rotina de comparecimento às sessões de hemodiálise e a suportar as
intecorrências das próprias sessões (DSC 24 – “Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra
seguir meu tratamento”; “A punção dói, às vezes não conseguem. Se estou com muita dor ou
um problema no cateter, ele me ajuda. Deus está me protegendo. Às vezes eu estou passando
mal e eu oro”). Em quarto lugar, no aspecto do sentido para o sofrimento, dando uma
resposta para o porquê de ter sido acometido pela doença e de ter que se submeter a um
tratamento considerado difícil de realizar (DSC 24 – “Penso: ‘por que está acontecendo isso
comigo?’. Olho pra trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo diz que você tem que zerar o
que você fez aqui para partir do tempo”.). O DSC 27 mostra que a situação de doença e
tratamento em hemodiálise mobiliza sentimentos de natureza religiosa e busca da religião
88
(DSC 29 – “Busquei a religião por causa da doença... Agora eu me sinto mais firme, como se
estivesse no caminho em que devo andar.)”. Em todos os casos, verificam-se ganhos no
sentido do bem-estar dos pacientes.
O ato de conversar aparece nos discursos como um meio comum para construir formas
de superação encontradas no âmbito religioso, familiar e hospitalar (DSC 16 - “O psicólogo e
a assistente social falaram que eu ia me recuperar, ia superar... Também fui conversando
com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me acalmando... Mas a
família é o primeiro remédio, o primeiro despertamento. Se eu reclamo de ir para a
hemodiálise, meus familiares dizem: “não reclama... Graças a Deus existe essa máquina”;
DSC 27 – “Uma vez pensei em desistir do tratamento. Aí fui conversar com os cabeças da
minha igreja e isso foi abrindo a minha mente, explicando que a hemodiálise é boa pra
saúde...”).
Neste sentido, os discursos 16 e 27 destacam a importância dos grupos de
convivência para que os pacientes possam enfrentar a doença e o tratamento, especialmente
na etapa inicial, mas durante todo o processo. Chama atenção a ausência de menção a grupos
de convivência dos pacientes no ambiente hospitalar, embora exista uma sala destinada para
isto no hospital onde o grupo investigado realiza o seu tratamento sob a coordenação do
programa de humanização. Nesse espaço existe uma biblioteca, uma TV, alguns jogos e
instrumentos musicais, porém não há atividades programadas que estimulem a interação entre
os pacientes, sendo, na realidade, mais utilizada pelos funcionários do hospital. Não há,
portanto, atividades apropriadas aos objetivos para aos quais foi criado. Também não há
menção a grupos de mútua ajuda ou grupos terapêuticos no programa de hemodiálise, o que
há são as conversas de apoio com outros pacientes através de iniciativas individuais (DSC 16
– “Conversei com uma paciente e ela me falou: ‘a gente tem que agradecer a Deus por ter
essa máquina!’. Eu pensei: ‘é mesmo”). Os grupos religiosos aparecem nos discursos como
sendo os únicos que, de modo sistemático e regular, oferecem apoio aos pacientes quando
estes encontram-se internados (DSC 27 - “Outras pessoas, de diversas religiões, me visitaram
na enfermaria oferecendo orações... Às vezes eu estava fazendo hemodiálise e eles estavam
esperando para me ver na enfermaria). Pode-se afirmar, com base nesses discursos, que a
ocupação de forma apropriada dos espaços existentes e bem como possibilidades de criação
de outros para convivência entre os pacientes do programa de hemodiálise poderia favorecer o
encontro ou expressão diversificada de apoio ou mesmo do apoio que não fosse encontrado
em outros grupos sociais.
89
Contudo, os discursos apontam uma diferença com relação aos médicos.
Primeiramente, mostra a desinformação sobre a hemodiálise pela falta de conversa com os
médicos no contexto de tratamento (DSC 19 – “Não foram conversar, mas queriam logo me
trazer pra fazer hemodiálise”). Apesar da importância clínica do assunto e do fato do grupo
investigado ser constituído por pacientes que tinham encontros regulares com médicos, existe
a percepção de falta de informação sobre a hemodiálise ou, ao menos, feita de modo
compreensível (DSC 19 – “O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra
lá...”). Os discursos dos médicos expressam algumas características que permitem refletir se
estas situações estão relacionadas à rotina hospitalar, à falta de suficiente preparo dos médicos
ou a ambas. Se falta conversa adequada para assuntos relacionados à doença e ao tratamento,
que normalmente são priorizados pelos médicos, é presumível que também falte para assuntos
da esfera pessoal e social, onde se situa a religiosidade, como mostra o DSC 28, discurso que
teve a adesão de quase a metade do grupo (“Os médicos não se metem com a religião. Nunca
puxaram esse assunto nem falaram nada”). A falta de uma abordagem regular sobre
religiosidade dos pacientes por parte dos médicos confirma estudos já realizados sobre o tema
(CURLIN ET AL, 2006; EHMAN, 1999).
Outro aspecto importante que os discursos expressam é que, para o grupo investigado,
a religiosidade não dificulta a adesão ao tratamento. Na percepção do grupo, as crenças e as
práticas religiosas não são motivos para prejudicar a adesão ao tratamento ou diminuir a
importância da hemodiálise na vida dos sujeitos, como expressam o DSC (DSC 24 – “Pra
mim, Deus está no que eu estou fazendo na hemodiálise, desde quando entro até quando saio
do hospital”; DSC 25 – “... eu acredito em um milagre... Mas não fico preocupado com o
tempo. O tempo que precisar eu fico fazendo hemodiálise”). Os pacientes afirmam encontrar
nas suas crenças e no seu grupo religioso reforço para continuar no tratamento, sendo os
serviços de saúde a principal referência de cuidado relacionado à saúde, não sendo
substituídos pela instituição religiosa (DSC 26 – “Na minha igreja dizem que a gente não
pode abandonar o tratamento e, ao mesmo tempo, não perder a fé e continuar orar até ser
atendido”). Ao mesmo tempo, existe a expectativa e a busca religiosa pela cura divina, como
destaca o DSC 25, um dos discursos de maior adesão (“Eu tenho uma fé, uma esperança de
recuperação... Onde há fé, há esperança”). É interessante notar que isso não implica em
abandono do tratamento, ao contrário do que os discursos do grupo médico expressam,
mesmo porque os discursos dos pacientes mostram um esforço de conciliação entre as crenças
90
religiosas e a medicina, como se pode ver no DSC 26, que foi também um discurso de grande
adesão. A visão dos pacientes é que Deus está no controle de todas as coisas, inclusive da
ação dos cientistas e dos médicos, pois, segundo os discursos, é ele quem dá inteligência,
capacidade para tomar decisões e habilidade técnica a alguns homens para usá-las em
benefício de todos (DSC 26 - “A ciência e a medicina vêm de Deus... Deus está agindo no
médico, dando sabedoria, para saber qual é o problema que estou tendo e qual é o remédio
que eu estou precisando”.). O que o grupo aprende na sua religião sobre cura divina, portanto,
inclui a medicina como meio pelo qual Deus pode operar o esperado milagre. Não obstante a
observação presente nos discursos dos médicos de que a religiosidade induz ao abandono do
tratamento em alguns casos, é importante que haja uma compreensão da noção de “cura
divina” de acordo com os ensinamentos das religiões. Esta compreensão pode auxiliar na
avaliação das implicações práticas desta crença na adesão ao tratamento, já que não
necessariamente acreditar na cura divina implica em abandonar o tratamento. Deve-se
ressaltar ainda que o grupo investigado apresenta também o discurso da descrença com
relação à cura divina, embora sendo de pequena adesão.
Se por um lado o grupo de pacientes investigado valoriza o tratamento médico, por
outro lado, o conceito de saúde como ausência de doença predomina nos discursos, ainda que
se expresse também a respeito do bem-estar trazido pela hemodiálise (DSC 18 – “É um
sofrimento inútil. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai
melhorar”; DSC 23 – “Eu quero a cura. Transplante é a troca de doença”; DSC 25 – “Eu
tenho pedido a libertação dessa doença. Se você não tem saúde você não é nada”). Até o
transplante é visto como cura quando, na verdade, trata-se de um tratamento que requer
acompanhamento constante após a sua realização e que não está livre de intercorrências
clínicas e cirúrgicas (DSC 21 - “Transplantado é outra vida”). O fato de se ter uma doença
crônica e depender da hemodiálise são associados necessariamente a uma condição de não ter
saúde, sentido como uma espécie de condenação (DSC 18 - “Você fica preso, parece uma
prisão”). Estes discursos evidenciam que falta uma compreensão mais ampla de saúde, que
reconheça os ganhos em termos de qualidade de vida, não obstante os prejuízos e limites
impostos pela doença renal crônica e pelo seu próprio tratamento. Assim sendo, a hemodiálise
não seria considerada como um tratamento a ser suportado enquanto a cura não vem, mas sim
como meio pelo qual se pode obter saúde dentro das possibilidades médicas. Para tanto,
91
caberia a equipe multiprofissional exercer o seu papel de educador no contexto da
hemodiálise.
Pode-se dizer, de acordo com FOLKMAN & LAZARUS (1986) e PARGAMENT
(1998) que o grupo investigado usa o enfrentamento religioso com um padrão
predominantemente positivo, caracterizado, entre outras coisas, pela busca de apoio espiritual,
pela atitude colaborativa no tratamento e pela redefinição benevolente do estressor.
Entretanto, considerar que para este grupo a religiosidade teria apenas a função de propiciar
apoio psicológico ao sofrimento vivido diante da doença e do tratamento seria uma
interpretação limitada. Os discursos mostram que a religiosidade pode ser vivenciada para
além de ser um meio de apaziguar aflições, sejam elas devido a problemas de saúde ou de que
qualquer outra natureza: ela pode fazer parte da vida cotidiana de vários dos que crêem e
cumprir propósitos espirituais (DSC 20 – “Nada acontece por acaso na nossa vida, sem a
permissão de Deus... A hemodiálise é uma situação em que a gente aprende a amar mais a
Jesus e ao próximo”). Concordando com GEERTZ (1989), pode-se dizer que o grupo
investigado não foge à regra de ter a religião como um produto cultural que provê valores e
significados gerais para que os sujeitos possam interpretar sua experiência e organizam sua
conduta.
Além disso, em consonância com VALLA (2006), a religiosidade cumpre uma
importante função de apoio social aos pacientes devido a possibilidade que a instituição
religiosa oferece de estimular um contato sistemático entre as pessoas através das reuniões
regulares e da assistência dada aos membros que estejam afastadas do convívio habitual,
como ocorre por motivo de doenças e tratamentos de saúde com repercussões benéficas para
sua saúde (DSC 27 – “Perguntam se estou precisando de alguma coisa, como estou indo, se
preciso de alguém pra fazer alguma coisa. Isso me ajuda, me deixa mais tranqüilo”). A
religiosidade aparece como um elemento que contribui para a superação não apenas das
dificuldades físicas e emocionais, mas também, direta ou indiretamente, das dificuldades
sociais (DSC 27 – “Também (os grupos religiosos) vão se eu tiver necessidade de cesta
básica. Eles falam que se precisar de remédio na área do trabalho e do transporte”). A
religiosidade aparece associada à solidariedade e a disponibilidade das pessoas em oferecerem
amparo nos momentos críticos relacionados à doença e ao tratamento.
92
6.3 DSC – médicos e DSC – pacientes: semelhanças e diferenças
Foram identificadas semelhanças entre os discursos dos médicos e dos pacientes nos grupos
investigados. Em primeiro lugar, tanto os médicos quanto os pacientes possuem crenças
religiosas e se beneficiam delas no contexto hospitalar (DSC 5 – “Eu acredito que Deus tenta
nos ajudar nos momentos difíceis”; DSC 24 – “Nos momentos mais difíceis da minha doença
eu me apego a Deus”). Apesar da diferença de perfis sociais, e de estarem inseridos em
grupos distintos, médicos e pacientes participam de um meio cultural comum: tanto visto sob
o ponto de vista mais amplo da cultura religiosa brasileira, predominantemente católica
embora inclua elementos de diferentes religiões quanto vista sob o ponto de vista mais estrito,
qual seja a cultura própria do espaço hospitalar universitário, onde ambos os grupos
experimentam ou testemunham sofrimentos humanos conseqüentes a limites de saúde e
ameaças à vida. Assim sendo, médicos e pacientes possuem algumas crenças comuns e as
usam nas situações mais difíceis relacionadas à doença e ao tratamento, seja na condição de
quem cuida seja na condição de quem é cuidado.
Neste sentido, os discursos dos médicos e pacientes assemelham-se quanto à
necessidade de ter fé (DSC 1 – “Parece que há uma necessidade de ter fé”; DSC 24 – “Eu
tenho fé, tem que ter fé”). Os discursos não apresentaram conflitos relativos a conteúdos de
crenças religiosas, havendo uma tendência convergente no sentido da valorização da fé em
Deus. Igualmente, as crenças religiosas em si foram mais valorizadas que a vinculação à
alguma religião ou instituição religiosa específica. Usando as definições de KOENIG (2012),
pode-se dizer que, em ambos os grupos, embora mais acentuada no grupo médico, observa-se
a religiosidade não organizacional e intrínseca, isto é, a que é praticada em particular (como
orar, meditar, ler a Bíblia, ouvir mensagens religiosas) e motivada pelo seu próprio valor
religioso. Para ambos os grupos, a filiação formal a uma religião ou a frequência às reuniões
religiosas não são tão relevantes para determinar a participação da religiosidade pessoal no
contexto de tratamento.
Comparando-se os discursos dos médicos com os discursos dos pacientes constata-se
que existe concordância com relação à necessidade de adesão ao tratamento, ainda que os
pacientes refiram dificuldades para efetivá-la, o que se dá, deve-se frisar, não por razões
religiosas (DSC 1 – “A religiosidade ajuda a ele se manter de pé e a não deixar de se tratar”;
DSC 3 - “A minha impressão é que favorece mais a adesão ao tratamento... Mas isso
93
depende de cada um; DSC 24 – “Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu
tratamento”). Médicos e pacientes fazem a mesma crítica a quem se recusa ao tratamento por
razões religiosas (DSC 10 – “A religiosidade não é muito importante, o que faz a diferença é
no caso das Testemunhas de Jeová: se eu vejo que é um paciente que vai precisar de
hemotransfusão eu pergunto se é Testemunha de Jeová”; DSC 26 - “Eu até questiono as
Testemunhas de Jeová que dizem não poder fazer transfusão de sangue. Isso é coisa material
do ser humano”). Os discursos dos pacientes que se referem à cura divina não excluem o
compromisso com o tratamento médico. Contudo, os discursos médicos associam a busca da
cura divina a algo necessariamente prejudicial e que se coloca em oposição ao tratamento com
base em experiências concretas de atendimento (DSC 3 – “Quando a religião não serve para
motivar o tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo... Isso pode prejudicar
muito a adesão deles”). Na verdade, para os pacientes, a esperança pela cura divina aparece
como um estímulo para continuar lutando contra a doença (DSC 25 – “Creio que Deus vai
dar esse presente, essa alegria para mim e minha família. Eu acredito que o meu tempo na
hemodiálise está contado. Por que eu acredito em um milagre”). A compreensão sobre o
sentido e o valor de se buscar a cura divina é importante para que os médicos possam avaliar
corretamente, em cada caso, as implicações desta crença na adesão ao tratamento, sem correr
o risco de desestimular uma crença que pode ser útil em determinado momento da vida do
paciente, conforme expresso pelo grupo de pacientes. Certamente não se exclui aqui a
necessária atenção para casos em que ocorre o contrário, isto é, o abandono do tratamento em
função de suas crenças religiosas. Mesmo não havendo constatado nessa pesquisa nenhum
caso semelhante, não se pode ignorar casos que eventualmente possam ocorrer já que há um
passado de registros referidos pelos médicos em seus discursos.
Assim como os discursos sobre a adesão ao tratamento se coadunam, os discursos
sobre a relação entre a religiosidade e a medicina de base científica também. Médicos e
pacientes fazem um esforço de conciliação entre eles (DSC 3 – “Não é que ciência e religião
estejam uma contra outra, mas são universos paralelos”; DSC 26 – “A ciência e a medicina
vêm de Deus... Não são coisas mutuamente excludentes”). Trata-se de uma demonstração do
quanto cada um desses campos culturais é valorizado e considerado indispensável, ainda que
em determinadas situações um possa ser mais valorizado do que o outro. No caso dos
médicos, a religiosidade pode ser mais valorizada em situações extremas de intervenção
médica ou relacionadas à morte e ao morrer do paciente; no caso dos pacientes, mesmo sendo
94
fortemente religiosos, entregam-se aos cuidados médicos nas situações de emergência clínica.
Este dado torna-se relevante considerando-se que o programa de hemodiálise encontra-se em
um hospital universitário, comprometido não apenas com a assistência, mas também com o
ensino e a pesquisa, o que pode induzir o seu corpo técnico a esforços de conciliação entre
suas crenças religiosas e atuação como docente, médico e pesquisador. Isso evidencia a força
das representações ancoradas na religião junto aos médicos. Porém, pode-se dizer que o
inverso também ocorre quanto aos pacientes: embora tenham discursos onde a ótica da
religião é enfatizada, suas representações são também ancoradas no conhecimento médico.
Assim como ocorre com os médicos no hospital universitário, os pacientes são envolvidos
com as produções científicas, seja como sujeitos de pesquisas ou como alvo de atividades e
material educativo, como palestras e panfletos.
Médicos e pacientes concordam que a hemodiálise pode trazer muito sofrimento (DSC
1 - “Eles passam por um sofrimento muito grande... O paciente renal crônico sofre o tempo
todo; a religião é para ele não se tornar o próprio sofrimento”; DSC 18 – “É um sofrimento
inútil. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai melhorar. Se fosse
uma coisa que melhorasse a gente, mas faz a gente ficar mais fraca”). Ambos os grupos
compartilham uma visão pessimista a respeito da doença e do tratamento. É inquestionável o
fato de a insuficiência renal crônica ser uma doença grave e que traz sérias limitações e
prejuízos aos pacientes; entretanto, pouco aparece nos discursos a visão da superação para
uma qualidade de vida melhor, sendo a preocupação central e quase única a sobrevivência. A
religiosidade aparece então para compensar psicologicamente este pessimismo (DSC 1 –
“Independente de em que o paciente creia, ele precisa ter fé, ter esperança, de algo que sirva
como motivação pra ele viver, acreditar que existe uma chance para ele”; DSC 24 – “Mas
minha fé é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por mim, não me deixa sozinho.
Sem Ele eu não conseguiria passar o que eu passo. Se eu estou sofrendo hoje, amanhã será
diferente”). Se por um lado a religiosidade pode cumprir um papel importante no sentido de
instilar esperança e provocar ânimo diante da gravidade do quadro clínico, por outro lado, não
se trata de um papel de sua exclusividade. Pode-se questionar o que está limitando os médicos
investigados a desempenharem também este papel. Essa questão tem uma relação com o
aspecto da comunicação entre os próprios médicos e deles com os pacientes. Os discursos
mostram um reconhecimento quanto à importância da conversa como meio para proporcionar
apoio aos pacientes, dentro ou fora do hospital. (DSC 1 – “Achar que os pacientes só vão
95
falar da doença é um engano. Eles precisam desabafar, falar da sua vida”; DSC 16 - “O
médico... conversou comigo, que eu tinha que conhecer melhor antes de desistir... Passei a
me concentrar nisso e me fortaleceu”). Não obstante, os mesmos discursos concordam entre
si no sentido de que a conversa sobre a religiosidade não acontece rotineiramente e que há
dificuldades para isto. Os médicos apontam como principais dificuldades a falta de tempo
(DSC 10 – “O tempo para conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é limitado”) e o
despreparo para lidar com tensões emocionais (DSC 1 – “Aqui parece que o ambiente é
menor e os conflitos ficam mais intensos... O paciente te desvaloriza como médico... É difícil
impor uma barreira, é estranho... Eles te sugam!”; DSC 11 – “Falar sobre religião é uma
questão muito pessoal. É muito delicado, acho isso complexo”), enquanto os pacientes dizem
que há preconceito da parte dos médicos (DSC 28 – “A maioria das pessoas que me abordam
tão mais preocupadas com a minha doença do que com um assunto mais pessoal.
Infelizmente há muito preconceito”). Quanto à falta de tempo, estudos mostram que embora
esta seja uma alegação freqüente dos médicos para não abordar a religiosidade, a coleta de um
histórico espiritual pode levar cerca de dois minutos (KOENIG, 2004). Os discursos médicos
também expressam o temor de que, a partir da abordagem da religiosidade, surjam demandas
de natureza psicológica fora de sua capacidade de intervenção, o que, por um lado, pode
denunciar a necessidade de capacitação técnica e, por outro lado, a falta de interlocução com o
psicólogo e toda a equipe, pois se trata de uma demanda que necessita de articulação de
esforços e competências da equipe.
Quanto ao suposto preconceito dos médicos, pode-se dizer que, embora os médicos
sejam receptivos à religiosidade, o fato de pouco tomarem a iniciativa de abordar o assunto
seja interpretado pelos pacientes como uma atitude de rejeição ao mesmo. Neste caso, seria
importante as trocas de experiências e reflexões entre os médicos a fim de facilitar a
comunicação com os pacientes sobre a sua religiosidade no contexto de tratamento.
Observa-se nos discursos que tanto os médicos quanto os pacientes percebem a
enfermagem como um grupo de profissionais que mais aborda o tema religiosidade no
contexto da hemodiálise, o que é bem recebido tanto por médicos quanto pelos pacientes
(DSC 4 – “Geralmente é fora do hospital, a gente conversa e se respeita. Acontece de
conversar mais com a enfermagem sobre esse assunto. A minha percepção é que na
hemodiálise há muito mais profissionais da enfermagem religiosos”; DSC 28 – “Tem umas
enfermeiras que são religiosas, a gente conversa... Elas têm uma palavra de conforto, de
96
carinho”). Observa-se, por um lado, a percepção da maior iniciativa e desembaraço da
enfermagem para lidar com o assunto, por outro lado pode-se falar de uma demanda oculta da
parte dos médicos para estabelecimento de mecanismos de conversa sobre o assunto: não
encontrando entre os seus pares oportunidade ou receptividade para conversar sobre
religiosidade, os médicos o fazem, ao menos eventualmente, com a enfermagem. Isto nos leva
a pensar também sobre a carência dos médicos em relação às suas próprias necessidades de
apoio emocional uma vez que vivem situações de forte estresse em seu cotidiano profissional.
Poder-se-ia pensar se o programa de humanização do hospital deveria também contemplar,
além das necessidades dos pacientes, as necessidades humanas dos seus profissionais.
Mas não há apenas semelhanças entre os discursos dos médicos e dos pacientes. Uma
diferença está no modo como estes diferentes grupos lidam com a religiosidade no contexto
hospitalar. Enquanto os médicos não compartilham as suas crenças entre si e preferem evitar o
assunto, os pacientes não apenas compartilham como são receptivos às iniciativas neste
sentido, sejam elas da parte de religiosos, de outros pacientes ou de profissionais. É possível
associar o não compartilhamento da religiosidade entre os médicos, conforme expresso no
DSC 4, relacionado a diferentes aspectos: 1- falta de inclusão regular do tema crenças
religiosas na rotina de trabalho (“Aqui na Hemodiálise é muito pouco, ninguém aqui conversa
muito sobre isso... Não é rotina. Acontece mais informalmente...”), 2-ao temor de conflitos
motivados por diferenças religiosas (“As pessoas, em geral, não param pra ficar discutindo
religião. Cada um tem a sua própria e ninguém entra em controvérsia”), ao ritmo acelerado
do trabalho (“Além disso, o trabalho está sempre agitado, sobra pouco tempo para conversar
mais sobre isso”) e 3- o temor de ser avaliado negativamente em função da expectativa de
uma postura racional para o médico (“Também porque médico é uma pessoa muito cética. Até
para não ser julgado, avaliado... Médico é muito teórico”). No caso dos pacientes, como já
foi discutido, o compartilhamento informal das crenças religiosas é usado como um meio de
mútua ajuda, enquanto entre os médicos isto não se dá, tendendo a adotar uma atitude de
reserva com relação à religiosidade.
Resumindo, os discursos mostram que a religiosidade está presente no cotidiano
hospitalar e à margem do que se está oficialmente estabelecido. E é desta forma que ela ganha
importância no processo assistencial, tanto para pacientes quanto para médicos. Entretanto, a
importância da presença da religiosidade não é levada em consideração coletivamente, tanto
nas discussões clínicas quanto nas condutas médicas rotineiras. Excluídas as iniciativas
97
individuais, a religiosidade não é objeto de atenção regular na rotina assistencial, não havendo
práticas sistemáticas de abordagem do assunto. A falta de problematização desta realidade
limita a qualidade da assistência médica ao paciente onde a expressão de crenças religiosas é
um dado a ser considerado.
98
7 CONCLUSÕES
Os resultados da pesquisa revelaram que a religiosidade tem papel relevante tanto para
pacientes como para médicos no programa de hemodiálise investigado. Para ambos, a
religiosidade cumpre o papel, sobretudo de suporte psicológico, seja para enfrentamento dos
limites e prejuízos impostos pela doença e pelo tratamento, no caso dos pacientes, seja para
fazer frente ao estresse e às exigências provocadas pelas demandas de atendimento aos
pacientes renais, no caso dos médicos. Entretanto, os discursos mostraram que, enquanto os
pacientes conversam entre si e com outras pessoas no contexto hospitalar sobre suas crenças
religiosas, os médicos não conversam entre os seus pares e apenas eventualmente conversam
com os pacientes. Ou seja, embora tanto a religiosidade quanto o ato de conversar sejam
considerados importantes para os pacientes, os mesmos apontam para a falta de conversa com
os médicos que inclui, além das suas crenças e práticas religiosas, até mesmo melhores
explicações sobre o tratamento. Embora os médicos reconheçam que as crenças e as práticas
religiosas dos pacientes são muito importantes no enfrentamento de sua doença e no
tratamento, elas não são objeto de abordagem sistemática na rotina assistencial, ficando à
critério de cada um abordar ou não o assunto. Nesse contexto, os pacientes não percebem que
suas crenças religiosas são valorizadas por seus médicos.
Não obstante os médicos a considerarem importante não só para os pacientes no
enfrentamento da sua doença e do tratamento quanto para eles próprios no seu exercício
profissional, a religiosidade também não é tema de reflexões coletivas no cotidiano do
programa de hemodiálise. Os discursos mostram que as atitudes dos médicos investigados
com relação à religiosidade estão predominantemente baseadas no conhecimento produzido
pela experiência assistencial pessoal e não em conhecimento produzido pelos próprios
médicos do setor hemodiálise, sem mencionar produções acadêmicas sobre o tema. Não
problematizando e elaborando reflexivamente o tema em equipe, os médicos não estabelecem
procedimentos comuns e consensuais, inclusive com o apoio da base científica, filosófica e
literária disponível, que possam tornar a sua abordagem algo mais integrado as ações
assistenciais de rotina, e também algo mais funcional em sua execução, considerando as
dificuldades individuais apresentadas. Assim sendo, o conjunto dos resultados indica a
necessidade de maior investimento na formação médica e na educação continuada tanto
99
quanto a necessidade de melhor divulgação entre os médicos sobre o impacto da religiosidade
na saúde, bem como sobre a sua abordagem no contexto assistencial.
Os resultados afirmam também a importância, para a superação das dificuldades
relacionadas à doença e ao tratamento, de redes de apoio social como a família e outros
grupos sociais. Nesse sentido, grupos religiosos foram percebidos como realizadores desse
papel, o que não aconteceu em relação a equipe multiprofissional do programa de
hemodiálise. A presença do apoio dessa equipe é praticamente uma demanda do grupo de
pacientes. A promoção de abordagens grupais e momentos de convivência entre pacientes,
familiares e profissionais no contexto hospitalar poderia representar uma importante
contribuição para o bem-estar do paciente e para melhor ajustamento à doença e ao seu
tratamento.
Os resultados mostram que, embora não tenham sido expressos conflitos entre
pacientes e médicos com relação ao tratamento em função da religiosidade, existe uma
percepção dos médicos com relação a um possível risco de conflito entre pacientes devido às
diferentes posições que pacientes e médicos têm com relação à possibilidade de cura.
Enquanto os pacientes expressam sua expectativa de uma possível cura milagrosa, os médicos
criticam esta expectativa e temem que ela resulte em abandono do tratamento. De fato, a
busca da cura divina é percebida pelos pacientes como meio para se obter saúde e a
hemodiálise um meio de sobrevivência enquanto se espera o milagre, predominando o
conceito de saúde como ausência de doença. Faz-se necessário intervenções educativas por
parte da equipe multiprofissional junto aos pacientes no sentido de ampliar o conceito de
saúde, reconhecendo a melhora da qualidade de vida produzida por meio da hemodiálise
como ganho real de saúde. Contudo, o papel da religiosidade no tratamento não é percebido
pelos pacientes do grupo investigado como substitutivo, mas complementar, fazendo esforços
de conciliação entre as crenças religiosas e as prescrições médicas, assim como os médicos
também fazem entre suas crenças e os conceitos científicos. Os discursos dos pacientes
expressam a forma religiosa pela qual eles tentar aliviar o seu sofrimento, mesmo sustentando
o desejo de cura que não encontra respaldo nos discursos médicos. Faz-se necessário também
que os médicos abordem a religiosidade dos seus pacientes de modo a avaliar corretamente
em cada caso qual é a influência que ela exerce na adesão ao tratamento, sem reprimir a
esperança de cura que, por si só, não determina um desvio das prescrições médicas.
100
Finalmente, pacientes e médicos apresentam, no contexto da hemodiálise, atitudes em
relação à religiosidade influenciadas pelo processo de secularização em curso na sociedade,
manifestando subjetivamente a sua religiosidade ao mesmo tempo em que buscam distingui-la
e separá-la dos aspectos objetivos, respeitando os limites estabelecidos pela instituição
hospitalar e pela medicina de base científica no que diz respeito aos cuidados de saúde.
Compreender o alcance desses processos que repercutem em diferentes esferas da vida
pessoal e profissional pode ser um elemento motivador para trazer a religiosidade ao campo
das reflexões dos médicos.
101
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107
ANEXO A
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PACIENTES
Nº _______
1) IDENTIFICAÇÃO
SEXO: ( ) masculino ( ) feminino
IDADE: ___________
ESCOLARIDADE: ( ) fundamental incompleto ( ) fundamental completo
( ) médio incompleto ( ) médio completo ( ) superior incompleto
( ) superior completo
DOENÇA DE BASE: ______________ TEMPO DE HEMODIÁLISE: _________
2) REPRESENTAÇÕES SOBRE A DOENÇA E O TRATAMENTO
1. Na sua opinião, por que você ficou doente e precisou fazer hemodiálise?
2. Para você, o que significa fazer hemodiálise?
3. Que sentimentos e pensamentos você teve quando soube que precisaria fazer hemodiálise?
4. Você já pensou me desistir do tratamento? Caso você tenha pensado, o que lhe fez mudar
de idéia?
5. O que (ou quem) lhe dá forças para enfrentar a doença?
3) REPRESENTAÇÕES SOBRE O PAPEL DA RELIGIÃO NO ENFRENTAMENTO DA
DOENÇA E NO TRATAMENTO
6. Você busca nas atividades de sua religião (cultos, rituais, estudos, etc) ajuda para enfrentar
a sua doença? Em quais atividades?
7. Você recebe apoio dos membros da sua religião no enfrentamento de sua doença? Se tem
recebido apoio, como isto acontece?
108
8. Você acredita que Deus lhe ajuda no enfrentamento da sua doença? Se você acredita, como
isto acontece?
9. Você tem buscado a cura através da sua religião ou da sua fé em Deus? Se Você tem
buscado, como tem feito isto?
10. Você recebe orientações em seu grupo religioso sobre como cuidar de sua saúde? Quais?
4) REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A RELIGIÃO E A CIÊNCIA (NA
ÁREA DE SAÚDE)
11. Existem conflitos entre as orientações que você recebe da sua religião e as orientações que
você recebe da equipe de saúde (médicos, enfermeiros, etc)? Quais são os conflitos?
12. Você já deixou de seguir as orientações médicas e da equipe de saúde por causa da sua
religião ou fé em Deus? Por quê?
13. Você já teve conflitos com a equipe de saúde (médicos, enfermeiros, etc) por causa da sua
religião ou fé em Deus? Por quê?
14. Nos momentos mais difíceis da sua doença e do seu tratamento, onde você procura ajuda
em primeiro lugar? Quem você procura em primeiro lugar?
5) DADOS SOBRE A RELIGIOSIDADE
15. Você tem religião?
( ) Sim
( ) Não
Se você respondeu SIM, assinale qual a religião na lista abaixo:
(
) Budismo
(
(
) Protestantismo – Qual a denominação? ______________________
(
) Kardecismo
(
) Messianismo
(
) Testemunha de Jeová
(
) Outra: Qual?_________________________
(
) Candomblé
(
) Mormonismo
) Catolicismo
( ) Umbanda
( ) Wicca
16. Você participa regularmente das atividades de sua religião? Quais?
17. Há quanto tempo participa de sua religião?
( ) Judaísmo
109
18. Por que escolheu a sua religião?
19. Você acredita em Deus? O que Deus significa para você?
20. Em que momentos da sua vida a sua religião ou a sua fé em Deus é mais importante?
110
ANEXO B
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS MÉDICOS
Nº _______
1) IDENTIFICAÇÃO
SEXO: ( ) masculino
( ) feminino
IDADE: ______
SITUAÇÃO FUNCIONAL: ( ) staff
(
) residente
(
) outra: __________
ESCALA DE SERVIÇO: ( ) diarista ( ) plantonista ( ) outra: __________
2)REPRESENTAÇÕES
SOBRE
A
RELIGIOSIDADE
NO
CONTEXTO
DA
HEMODIÁLISE
1) Qual é a sua opinião sobre a realização de uma pesquisa sobre a relação entre a
religiosidade e a formação de atitudes frente à doença e ao tratamento no Programa de
Hemodiálise?
2) Você já viveu situações conflitantes com os pacientes motivadas por questões religiosas?
3) O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao
tratamento?
4) Você pergunta sobre a religião dos pacientes quando faz a anamnese dos pacientes do
Programa?
5) Você acha importante conversar sobre religião com os pacientes do Programa de
Hemodiálise?
6) Você conversa sobre religião com os seus colegas médicos do Programa de Hemodiálise?
7) Você acredita em Deus?
8) Você tem religião? Se tem, qual é?
111
ANEXO C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PESQUISA: “RELIGIOSIDADE E ATITUDES FRENTE À DOENÇA
E AO
TRATAMENTO EM UM PROGRAMA DE HEMODIÁLISE”
Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada “Religiosidade e
Atitudes Frente à Doença e ao Tratamento em um Programa de Hemodiálise”. O objetivo
desta pesquisa é compreender a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao
tratamento em pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Será realizado no Programa
de Hemodiálise do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ. Os sujeitos da
pesquisa serão pacientes inscritos no Programa de Hemodiálise do referido hospital. Todos
serão entrevistados sobre assuntos relacionados à doença e ao tratamento, além de serem
solicitados a informar alguns dados pessoais, tais como sexo e idade. As entrevistas poderão
trazer benefícios emocionais diretos, aliviando tensões emocionais que possam previamente
existir. Por outro lado, as entrevistas também poderão trazer benefícios indiretos na medida
em que os resultados da pesquisa possam contribuir para que os pacientes sejam melhor
compreendidos pela equipe de saúde
com repercussões positivas no tratamento e na
qualidade de vida dos pacientes. Mas, se durante a entrevista, você avaliar que não se
interessa em conversar sobre os temas que forem apresentados poderá interromper sem
nenhum problema. As entrevistas poderão trazer desconforto emocional em alguns pacientes;
neste caso, você terá a liberdade para interromper a entrevista quando quiser. Você tem plena
liberdade de concordar ou não em participar dessa pesquisa e, caso concorde, poderá desistir
em qualquer momento. É garantida a sua liberdade de não participação dessa pesquisa bem
como a retirada de seu consentimento, em qualquer momento da pesquisa, sem qualquer tipo
112
de prejuízo para você. Assumimos o compromisso de publicar os resultados finais dessa
pesquisa, seguindo as normas científicas que resguardam o anonimato pleno de seus
participantes. Estaremos à sua disposição para quaisquer novos esclarecimentos que se façam
necessários, em qualquer momento da realização dessa pesquisa, através de contato com o
pesquisador
responsável,
Anderson
Nunes
Pinto,
pelo
endereço
eletrônico
[email protected] ou pelo telefone 91966411, ou ainda através de contato com a sua
orientadora, a Profa Drª Eliane Brígida Morais Falcão, Coordenadora do Laboratório de
Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ, pelo e-mail [email protected]. Se você tiver
alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de
Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ na R.
Prof. Rodolfo Rocco, nº 255, sala 01D-46 / 1º andar, de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h,
pelo telefone 2562-2480.ou pelo e-mail [email protected]. A participação nessa pesquisa
deverá acontecer por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que não há despesas pessoais
para o participante em qualquer fase do estudo, bem como compensação financeira
relacionada à sua participação.
Eu, __________________________________, receberei uma cópia desse Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra ficará com o pesquisador responsável
por essa pesquisa. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o
pesquisador responsável deveremos rubricar e assinar as folhas desse TCLE nas laterais e ao
final da última página.
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu, _____________________________________, declaro que fui adequadamente informado
(a) e esclarecido (a) sobre a pesquisa “Religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento
113
em um programa de hemodiálise”. Discuti com o pesquisador responsável, Anderson Nunes
Pinto, mestrando do Laboratório de Estudos da Ciência/NUTES/CCS/UFRJ, sobre todos os
aspectos da pesquisa e sobre minha decisão espontânea em participar da mesma. Ficaram
claros para mim os seus objetivos, os procedimentos metodológicos a serem realizados e a
garantia de anonimato das informações registradas, bem como a possibilidade de acesso aos
resultados, de esclarecimentos permanentes e de retirada deste consentimento, em qualquer
momento do desenvolvimento da pesquisa, sem nenhum tipo de ônus para mim. Assim sendo,
concordo voluntariamente em participar desta pesquisa.
Rio de Janeiro, ______ de _______________________ de 20 ___.
___________________________
___________________________
Nome do entrevistado
Assinatura do entrevistado
_____________________________
_____________________________
Nome do pesquisador
Assinatura do pesquisador
114
ANEXO D
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PESQUISA: “RELIGIOSIDADE E ATITUDES FRENTE À DOENÇA EM UM
PROGRAMA DE HEMODIÁLISE”
Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada “Religiosidade e
Atitudes Frente à Doença e ao Tratamento em um Programa de Hemodiálise”. O objetivo
desta pesquisa é compreender a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao
tratamento em pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Será realizado no Programa
de Hemodiálise do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ. Os sujeitos da
pesquisa serão os pacientes inscritos no Programa de Hemodiálise do referido hospital e os
médicos atuantes no referido programa. Todos serão entrevistados sobre assuntos
relacionados à doença e ao tratamento, além de serem solicitados a informar alguns dados
pessoais, tais como sexo e idade. As entrevistas poderão trazer benefícios emocionais diretos,
aliviando tensões emocionais que possam previamente existir. Por outro lado, as entrevistas
também poderão trazer benefícios indiretos na medida em que os resultados da pesquisa
possam contribuir para a melhora da relação médico-paciente com repercussões positivas no
trabalho médico. Mas, se durante a entrevista, você avaliar que não se interessa em conversar
sobre os temas que forem apresentados poderá interromper sem nenhum problema. As
entrevistas poderão trazer desconforto emocional em algumas pessoas; neste caso, você terá a
liberdade para interromper a entrevista quando quiser. Você tem plena liberdade de concordar
ou não em participar dessa pesquisa e, caso concorde, poderá desistir em qualquer momento.
É garantida a sua liberdade de não participação dessa pesquisa bem como a retirada de seu
consentimento, em qualquer momento da pesquisa, sem qualquer tipo de prejuízo para você.
115
Assumimos o compromisso de publicar os resultados finais dessa pesquisa, seguindo as
normas científicas que resguardam o anonimato pleno de seus participantes. Estaremos à sua
disposição para quaisquer novos esclarecimentos que se façam necessários, em qualquer
momento da realização dessa pesquisa, através de contato com o pesquisador responsável,
Anderson Nunes Pinto, pelo endereço eletrônico [email protected] ou pelo telefone
91966411, ou ainda através de contato com a sua orientadora, a Profa Drª Eliane Brígida
Morais Falcão, Coordenadora do Laboratório de Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ, pelo
e-mail [email protected]. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética
da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ na R. Prof. Rodolfo Rocco, nº 255, sala 01D-46
/ 1º andar, de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h, pelo telefone 2562-2480.ou pelo e-mail
[email protected]. A participação nessa pesquisa deverá acontecer por livre e espontânea
vontade. Vale ressaltar que não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do
estudo, bem como compensação financeira relacionada à sua participação.
Eu, __________________________________, receberei uma cópia desse Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra ficará com o pesquisador responsável
por essa pesquisa. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o
pesquisador responsável deveremos rubricar e assinar as folhas desse TCLE nas laterais e ao
final da última página.
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu, _____________________________________, declaro que fui adequadamente informado
(a) e esclarecido (a) sobre a pesquisa “Religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento
em um programa de hemodiálise”. Discuti com o pesquisador responsável, Anderson Nunes
116
Pinto, mestrando do Laboratório de Estudos da Ciência/NUTES/CCS/UFRJ, sobre todos os
aspectos da pesquisa e sobre minha decisão espontânea em participar da mesma. Ficaram
claros para mim os seus objetivos, os procedimentos metodológicos a serem realizados e a
garantia de anonimato das informações registradas, bem como a possibilidade de acesso aos
resultados, de esclarecimentos permanentes e de retirada deste consentimento, em qualquer
momento do desenvolvimento da pesquisa, sem nenhum tipo de ônus para mim. Assim sendo,
concordo voluntariamente em participar desta pesquisa.
Rio de Janeiro, ______ de _______________________ de 20 ___.
___________________________
___________________________
Nome do entrevistado
Assinatura do entrevistado
_____________________________
_____________________________
Nome do pesquisador
Assinatura do pesquisador
117
ANEXO E
EXPRESSÕES-CHAVES E IDÉIAS CENTRAIS – MÉDICOS
1ª QUESTÃO - O QUE VOCÊ PENSA SOBRE A RELIGIOSIDADE DOS PACIENTES
COM RELAÇÃO À DOENÇA E AO TRATAMENTO?
SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES
01
Acho muito importante, ainda mais no caso dos pacientes
renais crônicos que têm uma doença estigmatizante: se eles não
tiverem o apoio da religião, fica difícil. Dá um suporte, um
sentido pra vida deles. /
Acho importante desde que não seja ao extremo, que não
interfira negativamente.
02
Cada pessoa, dependendo da sua crença, vai se cuidar,
principalmente no caso de uma doença crônica como a
insuficiência renal crônica, cada um vê a doença e o tratamento
dependendo da sua fé . Quem é mais religioso aceita melhor a
doença, como se fosse uma provação, talvez suportem para ter
uma recompensa no futuro; quem não tem religião é mais
rebelde, faz o que não deveria fazer. Quem tem fé é mais
tranqüilo /
Ás vezes, a fé, em alguns extremos, pode ser prejudicial: se for
radical, a pessoa deixa de seguir uma orientação médica por
achar que a fé vai curar.
O paciente com doença renal terminal estabelecida não vai
receber um milagre de cura, mas pra enfrentar a doença, buscar
coisas positivas pra vida dele... Muitos pacientes acham que
estão jogando pra perder, que a vida já acabou... É bom para
encarar as coisas de uma forma melhor.
Já tive pacientes de várias religiões, eles não expressaram essa
situação da religiosidade influenciar a adesão ao tratamento: a
minha impressão é que sim. Quem tem religião vê a doença
como castigo ou como algo que está acontecendo, mas vai
melhorar; quem não tem religião vê de modo mais científico.
Uns aceitam mais e outros menos, mas não dá pra dizer que os
religiosos têm atitudes melhores que os não-religiosos.
Eu considero a religiosidade uma coisa totalmente útil. Pessoas
sem religiosidade tendem muito mais à depressão. Parece que
há uma necessidade de ter fé. Acho que é um suporte.
03
04
05
IDÉIA
CENTRAL
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) Pode dar
um
apoio
psicológico
(...)
(...) precisa ser
bem avaliado
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...)
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09
10
Eu não sou nem um pouco preconceituosa: todas as religiões
são boas, quantas pessoas não saem das drogas... De fato, a
religião muda a vida das pessoas, independente do que está
pregando. Acho que pode ajudar como uma forma de
resignação. O paciente diz: “estou passando esse problema pela
vontade de Deus”. Acho que é um recurso, uma forma de
entender o que está acontecendo /
É uma coisa que pode ser muito boa, mas que acaba sendo
muito ruim por causa do povo, que é muito ignorante. Chega o
pastor e diz que as coisas não são como são e a coisa acaba
indo para um lado ruim. Passa por uma lavagem cerebral e
acha que a religião explica tudo.
Acho importante eles terem uma religiosidade, acreditarem em
alguma coisa: os pacientes renais crônicos passam por um
sofrimento muito grande, tem uma vida social limitada e baixa
auto-estima. Talvez a religiosidade possa dar um sentido para
aquilo que eles estão passando, para eles não entrarem em
depressão, não tentarem suicídio, não deixarem de fazer o
tratamento, não perderem os laços familiares e não se isolarem
/
A religiosidade é importante até o limite em que não interfere
no tratamento.
Eu respeito todas as religiões. A religião em si quer o bem,
mas os homens interpretam mal. Eu acho que todos os que
seguem uma religião, seguem mais o tratamento, são mais
cooperativos, são menos rebeldes e, de uma forma geral,
toleram e aceitam mais a doença. O paciente renal crônico
sofre o tempo todo; a religião é para ele não se tornar o próprio
sofrimento. Acho que os pacientes precisam de mais apoio
psicológico. /
Tem alguns pacientes que são muito ignorantes e alguns líderes
religiosos acabam usando isso... O pastor disse que vai curar,
aí eles deixam o tratamento. Os que são mais religiosos, mas
sem excesso, se dão melhor.
Independente de em que o paciente creia, ele precisa ter fé, ter
esperança, de algo que sirva como motivação pra ele viver e se
tratar, acreditar que existe uma chance para ele. Todo mundo
precisa, mas no momento de doença a pessoa está mais
fragilizada /
O radicalismo é, sem dúvida, um problema: tem aquela pessoa
que tudo acha que Deus vai curar; se prescreve um remédio,
ela diz que não vai tomar, que quem resolve é Deus.
Mas a religião ajuda muito. Há casos que muitos dizem não ter
mais jeito, drogados, bandidos, que se apegam à religião e
mudam. A religião tem o seu papel na sociedade, não pode ser
ignorada. Eu acho importante. Às vezes é uma coisa a que o
paciente se apega pra dar força de vontade e não deprimir;
ajuda a ele a se manter de pé e a não deixar de se tratar.
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
pode ser um
problema (...)
(...) Pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...)
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Eu acho que é uma forma de manter os pacientes com certa
motivação porque a perspectiva de vida delas é nula. É um
atenuante para quem vive com uma doença crônica. Acreditar
que Deus quis assim, que Deus sabe o que está fazendo, já que
ele não tem perspectiva de sair da hemodiálise. Os religiosos
são mais perseverantes. A religião é mais um recurso. Acho
que a hemodiálise é um território para a psicologia. Aqui a
demanda é imensa. Aqui parece que o ambiente é menor e os
conflitos ficam mais intensos, fica tudo mais próximo... Os
pacientes trazem para nós todas as suas insatisfações que estão
vivendo, as dúvidas, desde a dor no joelho até a briga com o
irmão... É muito difícil eles chamarem por uma coisa positiva,
é sempre problema! Cadê a nossa alma, alguém levou? /
Há religiões que podem ser obstáculos para o tratamento.
Quando a religião não serve para motivar o tratamento, quando
serve para buscar a cura, é um obstáculo. Uma coisa que sai da
realidade, que não tem nenhum fundamento técnico, isso pode
prejudicar muito a adesão deles.
Você acreditar em alguma coisa é superválido, basicamente,
para confortar. Às vezes você sabe que não vai ter tratamento,
então a religião dá conforto. Na hemodiálise os pacientes são
especialmente graves /
É meio complicado quando começa a influenciar na parte
médica... A gente não consegue fazer o que é melhor pra ele
por causa de questões religiosas. O extremo é ruim.
Em geral eu penso que é uma coisa boa. Geralmente o paciente
religioso é mais aderente, é mais obediente /
Também tem aqueles que dizem: “Deus vai me curar” e acham
que não precisam fazer mais nada.
Acho que é muito importante os pacientes se apegarem à
religião. Ajuda o paciente a enfrentar a sua situação, os seus
traumas, e também pra ter expectativas de vitória,
entendimento da doença e manter a esperança. A gente lida
com paciente crônico, não tem cura. A religiosidade é um
aporte importante para saber como lidar com a doença.
Dá conforto, é mais fácil de ter aceitação /
Talvez isso dependa da personalidade, da estrutura familiar e
da religiosidade, que viria em 3º lugar. Se você está frágil
emocionalmente, não tem uma estrutura familiar, aí vem a
religião. Não é um substituto: pode ter uma importância maior
ou menor.
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
problema (...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...)
precisa
ser
bem
avaliado
Eu acho interessante em um processo difícil como esse da (...) pode dar
hemodiálise. Os pacientes são beneficiados, eles têm mais um um
apoio
alicerce psíquico para continuar na luta contra uma doença de psicológico
120
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levada letalidade. Às vezes nós mesmos estamos duvidosos
com relação ao tratamento e ao prognóstico e eles vêm com um
pensamento positivo.
Respeito todas as religiões. No fundo, eu acredito que tudo é a
mesma coisa. É uma questão de se identificar mais com uma
ou com outra. Tudo o que o paciente faz para se ajudar, não
atrapalhando o tratamento é bom. Quando ocorre em paralelo
é excelente; nada que entre em conflito com o verdadeiro
tratamento. No caso dos pacientes em hemodiálise, dá força e
gana de viver; então, eles continuam o tratamento. É mais um
reforço ao tratamento/
Quando se pede a cura, aí vem o lado da negociação, o lado
ruim da religião. Acho que a religião tem erros enormes.
Talvez a igreja tenha mais erros que acertos.
Principalmente quando os pacientes começam a hemodiálise,
eles precisam se agarrar em alguma coisa. Muitas vezes eles
vão ao tratamento como se fosse o fim. Eles precisam da
religiosidade pra ter esperança, pra entender melhor que as
coisas não acabam porque começou a fazer hemodiálise. Acho
que melhora a aceitação, a adesão, a relação familiar e serve
como válvula de escape das suas preocupações e ansiedades.
Não tenho uma posição, mas acho que não interfere nem
positiva nem negativamente; é mais uma questão de relação
com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e
aceitar o tratamento. Nenhum paciente chegou pra mim e disse
que a religião está ajudando ou piorando a vida dele. Depende
muito de cada um. Mas acho que traz mais benefícios. Talvez a
religião seja uma válvula de escape para alguns, eles vão à
igreja para aliviar o sofrimento relacionado à doença.
Em muitas situações, sei que isso é importante por causa do
psicológico deles. A gente ta lidando com pacientes crônicos
com bastante problemas psicológicos. A religião é como um
psicólogo.
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...) /
(...) pode ser
um problema
(...)
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
(...)
(...) precisa ser
bem avaliado
(...) pode dar
um
apoio
psicológico
2ª QUESTÃO – COMO VOCÊ LIDA COM A SUA PRÓPRIA RELIGIOSIDADE NO
CONTEXTO DE TRABALHO?
SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES
01
Para o médico a religiosidade também é importante.
Se você não tiver religião perde o sentido do que está
fazendo. Acredito que Deus é uma força superior. A
sua vida se torna muito difícil se você não acreditar
em uma força superior. As coisas perdem muito o
sentido. Por que uma pessoa tão boa sofre, por que
umas sofrem mais do que as outras? Penso muito
IDÉIAS
CENTRAIS
Eu tenho crenças
(...) /
Eu concilio (...) /
Eu evito conversar
(...)
121
02
03
04
nisso. Se não pensar nisso, deixa de ser humano, tem
que se colocar no lugar do outro. /
Eu acredito nisso: que Deus faz milagres por meio
das coisas materiais. O transplante seria um milagre.
Os milagres são feitos através das atitudes dos outros,
não através de um raio que vai cair na cadeira e tirar o
paciente da máquina. /
Não conversamos (os médicos) sobre religião.
Médico é uma pessoa muito cética. Até para não ser
julgado, avaliado. Ia virar uma discussão muito
teórica. Médico é muito teórico. Acho que é uma
coisa muito pessoal. Por isso eu não falo, cada um
tem a sua.
A religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações
difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores
condutas. Eu acredito que Deus é um ser superior que
tenta nos ajudar nos momentos difíceis, se a gente
procurar por ele também... Até nos momentos fácies
também. A gente procura alguma força sobrenatural
que tranqüilize e dê mais ânimo... Eu acredito que
seja Deus. /
Eu tento intercalar religião e ciência, acho que as duas
coisas andam juntas. Deus dá inteligência ao homem
pra ele se virar, né? São complementares. /
A gente conversa e se respeita. Ninguém tenta mudar
a cabeça de ninguém. Geralmente é fora do hospital.
Eu não sou muito religioso, mas agradeço a Deus
pelas coisas positivas que acontecem e nas
dificuldades eu peço luz para encontrar as soluções.
Nos procedimentos médicos já pedi a Deus pra me
guiar. /
Mas a gente tem que separar as coisas. A gente tem
que ser técnico. /
Os médicos conversam muito pouco sobre religião.
Mais informalmente do que direcionado aos
pacientes, exceto quando há casos marcantes. Não é
rotina.
Eu acredito que Deus nos deu capacidades e que tudo
tem um propósito. Mas não é para ficar com uma
atitude expectante, a gente tem que correr atrás. Do
meu modo, eu ponho em prática as minhas crenças. A
gente aprende que deve amar ao próximo. Sempre
que a gente está com o paciente procura dar um
conforto, um carinho. Eu sinto retribuição e é muito
gratificante. É um diferencial. Em nível técnico pode
ser semelhante, mas faz diferença no trabalho com o
paciente. /
Eu não sei se essa parte da atenção, do carinho, está
Eu tenho crenças /
Eu concilio (...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) /
Eu concilio (...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) /
Eu tenho dúvidas
(...) /
Eu evito conversar
(...)
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05
06
07
relacionada à minha personalidade ou à minha
religião. Eu não sei se eu crescesse no meio ateu se eu
seria da mesma maneira. Eu acho que não, mas não
tenho certeza. Dificilmente a gente pára pra pensar
nesse assunto. É bom pensar nisso. /
Raramente surge a religião como assunto entre os
médicos. Geralmente ele é rápido. Com a equipe de
enfermagem é mais frequente. Eu gosto mais de ouvir
do que de falar. Geralmente eu percebo um respeito,
talvez se evite conversar sobre o assunto para não se
criar conflitos. Eu fiz residência aqui e não me lembro
de ter conversado sobre isso com os meus colegas.
Talvez o meu deus seja a vida... E com todas as suas
imperfeições. Há inúmeras camadas de conhecimento
a serem esclarecidas. Mas sou profundamente mística.
Eu tenho uma religiosidade ligada à natureza. Sinto
que há algo que emerge da gente que não pode ser
demonstrado pelo método cartesiano-positivista, mas
que está presente em tudo o que é vivo. /
Eu me sinto em dúvida entre o meu juízo crítico e as
minhas necessidades. / Não conversamos sobre
religião, mas há uma interface entre religiosidade e
medicina.
Acredito que Deus é quem sabe de todas as coisas. É
um espírito maior. Pra minha prática profissional é
muito importante acreditar em Deus porque a gente
lida com a vida das pessoas... Pra fazer as coisas
certas, pra olhar o caminho certo sobre como
conduzir o paciente. Em várias situações a gente lida
com pacientes graves... Aí eu penso em Deus. /
A religião é um tema muito comum e muito pouco
falado.
Acredito que Deus é um ser superior, de quem a gente
tenta pelo menos chegar próximo. Talvez a gente
tenha uma caminhada longa para melhorar os
sentimentos, as relações, o jeito de ser, de ver as
coisas, de tratar as outras pessoas. Acreditar em Deus
me ajuda nisso. Mas me ajuda principalmente a lidar
com a questão dos pacientes terminais. /
As crenças interferem na decisão de até onde vai
investir no paciente ou não. Não há regras absolutas.
Acho que muitas crenças e das vivências pessoais
interferem nas decisões médicas. Para quê trazer de
volta uma pessoa que não interage, toda sequelada?
Por quê não deixar seguir o curso natural da vida?
Talvez Deus estivesse chamando o paciente para uma
outra chance em outra vida. /
Não é tão comum, de vez em quando os médicos
Eu tenho crenças
(...) /
Eu concilio (...) /
Eu tenho dúvidas
(...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) /
(...) em situações
relacionadas
à
morte (...) /
Eu evito conversar
(...)
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11
conversam sobre religião.
Eu acredito em Deus. Deus é tudo. É a primeira coisa
na vida de todo mundo. A religião me ajuda a
entender o sofrimento das pessoas, os pacientes que
tratam mal, a convivência no ambiente de trabalho.
No momento em que a gente acaba de perder um
paciente que, em nossa opinião, teria chance de
sobreviver./
Existem vários conflitos entre religião e ciência, até
que ponto você pode ou deve investir no paciente. De
um ponto de vista profissional, penso por um lado; de
um ponto de vista religioso, por outro lado. Há
situações em que não há regras absolutas./
Esse assunto é muito deixado de lado pelos médicos.
O importante é fazer coisas boas. O ser bom está
muito envolvido com religião. A idéia de ajudar o
próximo me influencia no dia a dia da profissão e em
tudo. Eu acredito em algo superior. Não sei se é uma
pessoa, uma força, um espírito, não sei... Acho que é
uma coisa boa. As pessoas dão nomes diferentes para
ele. /
Quando surge alguma experiência aí a gente
conversa. Quando o paciente sabe que vai falecer.
Sempre tem um fato que envolve religião e aí a gente
fala. Quando o paciente diz: “doutora, estou sentindo
que estou morrendo” e depois morre... Todo mundo
fica apavorado. Qual é a explicação pra isso? Não tem
explicação. Isso gera uma polêmica, um nervosismo
entre os médicos. Tem uns que acreditam em vida
após a morte, outros acham que é uma besteira.
A religião serviu muito para dominar os povos,
catequizar. /
Eu acredito que se você fizer o mal, ele volta pra
você. Se você ficar com pensamentos negativos, isso
atrai coisas negativas. Acredito que existe uma
energia maior. Deus é um nome, mas poderia chamar
de outra coisa. Não é nada personificado, nada
humanizado. /
Não converso sobre religião com meus colegas. É
muita correria. Não converso muito. Este é um
assunto a que não dou muita importância.
Eu não tenho uma religião padronizada. Vou à missa
numa boa, mas não fico ali concordando com aquilo
que está sendo dito, mas fico ali pra renovar minhas
forças. /
Eu sempre rezo antes de começar um procedimento e
depois eu agradeço. Eu peço pra Deus guiar as
minhas mãos quando eu vou fazer uma punção. Faço
Eu tenho crenças
(...) /
(...) em situações
relacionadas
à
morte /
(...)
eu
evito
conversar
Eu tenho crenças
(...) /
(...) em situações
relacionadas
à
morte
Eu concilio (...) /
Eu tenho crenças
(...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu concilio (...) /
Eu tenho dúvidas
(...) /
(...) em situações
relacionadas
à
morte
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isso por causa do paciente e principalmente quando
estou sozinha. /
Não sei se acredito em Deus... Às vezes sim, às vezes
não. Talvez ele exista. Eu só penso em Deus nas
horas que eu quero que ele me guie em alguma coisa,
pra algum procedimento mais difícil aqui... Na
verdade eu sempre peço a ele. Mas dizer que eu
creio... Não é claro pra mim. É um conflito. /
Atualmente não, pouco converso. Acontece mais
quando você vê pessoas com quadros irreversíveis ou
que vão a óbito. Acaba vindo o assunto sobre por que
estamos aqui... A gente se pergunta se está fazendo as
melhores escolhas, se está aproveitando bem a vida,
se não deveria trabalhar menos, se deveria passar
mais tempo com a família.
Faço as minhas orações e rezas antes de chegar ao
plantão. Eu sempre peço a Deus que ele me ajude,
que eu não faça mal a ninguém. Sempre peço. É uma
situação em que você está exposto, grave, lidando
com a vida dos pacientes. Eu acredito que Deus seja
uma pessoa superior que é presente em todas as
situações e de quem eu tenho necessidade. /
É muito difícil os médicos conversarem sobre
religião. Nunca aconteceu na hemodiálise. Converso
só quando tem o caso de uma paciente difícil. Não
tem papo sobre religião. As pessoas, em geral, não
param pra ficar discutindo religião. Cada um tem a
sua própria e ninguém entra em controvérsia.
Acho importante acreditar em alguma coisa. Senão a
impressão que dá é que é que tudo fica perdido...
Aonde se vai depois da morte, o que existe além do
que se está vendo, qual o motivo para algumas coisas
acontecerem e pessoas aparecerem na sua vida... Tem
umas pessoas que te tocam mais, pacientes... Nesses
casos você faz mais, vai além porque você quer. Acho
que creio em Deus... Não sei se é Deus. Acredito em
uma força maior. Justiça, talvez... O responsável pelo
bom curso do mundo, da hora e d a forma como as
coisas acontecem... Não sei caracterizar muito bem. /
Eu não me interesso em conversar sobre religião.
Ninguém aqui conversa muito sobre isso. Sei da
religião de um ou de outro, dos mais próximos.
Eu tenho a idéia de que Deus é o que cada um prega.
O importante é que eu tenho uma relação com Deus e
acredito nele. Peço a ajuda dele em termos de sucesso
nos procedimentos, nos concursos, nos planos... peço
a bênção dele pra fazer tudo isso bem. Posso dizer
que isso acontece diariamente. Minha fé em Deus tem
Eu tenho crenças
(...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) /
Eu evito conversar
(...)
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uma participação muito grande, efetiva, no meu
trabalho. /
Converso muito pouco sobre religião com os meus
colegas. Não me lembro quando foi a última vez. A
conversa fica estagnada porque um é católico, outro é
evangélico, outro é espírita... Acaba não fluindo. O
trabalho tá sempre agitado, sobra pouco tempo para
conversar mais sobre isso.
Algumas frases ficaram: “a gente tem que passar por
uma missão” e “O espírito, quando a gente se mata,
não encotra luz”. Deus é... Eu não sei... É difícil... Eu
não consigo definir. É uma força... Não consigo
chegar a uma explicação... É uma energia... /
Às vezes conversamos (os médicos) sobre questões
pessoais, mas a religião não aparece. Aqui não me
lembro de conversar sobre isso, só quando reclamam
das Testemunhas de Jeová. Acontece de conversar
com a enfermagem sobre esse assunto.
Talvez Deus seja... É difícil definir... Uma força...
Um pensamento coletivo. Alguém? Não sei. A gente
não consegue aferir. Às vezes eu penso que a vida é
só o que existe aqui... Parece que é só o biológico
mesmo. Nas outras vezes... Essa necessidade de
conforto... Eu me sinto confortado pela religião. Não
é algo concreto. /
Tenho uma religiosidade própria, não institucional.
Acho que nenhuma instituição religiosa é 100%.
Tenho discordâncias técnicas, como na questão do
aborto, controle da natalidade, distanásia. Tenho uma
religiosidade íntima e tenho uma formação científica.
Eu tento me manter com um pensamento racional,
mas acho que isso não exclui a religiosidade. Isso não
interfere nas decisões racionais. /
Entre os médicos é um assunto que não circula, não
se discute, não se pergunta, isso não é abordado...
Não se explicita isso. A minha percepção é que na
hemodiálise há muito mais profissionais da
enfermagem religiosos. Às vezes converso com eles
sobre isso.
Creio em Deus. Deus não é uma coisa pra ser
definida. É uma coisa acima de tudo... Seria a solução
pra tudo. Ao mesmo tempo a gente não pode achar
que ele vai resolver tudo. Tive um colega que era
ateu, mas conversando com ele, percebi que ele não
era tão ateu assim. É da formação humana acreditar
em algo além do que está vendo. Acho que ninguém é
tão ateu. /
Eventualmente em situações difíceis eu rezo. Mas no
Eu tenho crenças
(...) /
Eu tenho dúvidas
(...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho dúvidas
(...) /
Eu concilio (...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) / Eu concilio
(...) / Eu evito
conversar (...)
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trabalho tenho que ser frio e calculista. Se as coisas
derem certo, depois eu agradeço. Não tem como fazer
ciência com religião. Não é que ciência e religião
estejam uma contra outra, mas são universos
paralelos. Não dá pra fazer cálculos, dizer que se deve
fazer isto ou aquilo com a religião. Na medicina a
gente estuda e coloca em prática. Adquirir
conhecimento é importante, mas o problema é a
aplicabilidade. /
Às vezes conversamos (os médicos), pouca coisa. A
gente fala mais sobre futebol do que sobre religião...
A gente quer extravazar, jogar fora esse estresse,
conversar sobre coisas mais leves.
Tem muita coisa que eu não concordo na minha
religião. Por exemplo, ser contra preservativo. Eu,
como médico, não posso concordar com isso. Existe
esse sentimento ambíguo. Deus para mim é tudo. Eu
não acredito em Adão em Eva. Eu acredito em
Darwin. Mas quando a surgiu a primeira molécula?
Deus estava ali. Deus está em tudo. Botar a culpa no
acaso pra tudo é muito fácil... Não me satisfaz.
Racionalmente não acredito que Deus existe. Mas
toda vez que meu filho fica doente eu peço a Deus
por ele. Já tive conflitos com meus colegas de
trabalho. Um era criacionista, o outro era ateu. São
dois extremos. Respeito, mas não concordo. /
Aqui na Hemodiálise a conversa sobre religião é
muito pouca. Conversas informais sobre alguma coisa
relacionada a algum paciente, mas não é usual.
Em minha opinião, o que a gente tem que fazer é o
bem. As minhas crenças me ajudam no trabalho
indiretamente: eu que a gente tem que fazer a nossa
parte, o nosso papel, e em cuidar do paciente de uma
forma humana. O paciente da diálise é muito
carente... Talvez tentar o máximo de benefício para
ele. Também para tentar ir para o “lado branco” no
final. Não é todo dia, nem tem hora certa, mas em
certas situações eu faço as minhas orações, peço e
agradeço. /
Com relação à morte, acho que a gente acaba criando
um bloqueio, não sei explicar. Acho que o médico
não fica totalmente insensível, mas cria uma barreira.
O paciente morre e daqui há pouco a gente está vendo
TV... As pessoas que não vivem o dia a dia do
hospital não entendem isso. /
Não tenho hábito de conversar sobre religião com os
médicos. Converso quando há uma situação
relacionada à religião que está sendo comentada, por
Eu concilio (...) /
Eu evito conversar
(...)
Eu tenho crenças
(...) / (...) em
situações
relacionadas
à
morte / Eu evito
conversar (...)
127
20
exemplo, quando alguém faz uma chacina por
motivos religiosos... Como é que pode? Mas não é
muito comum. Ninguém fica: “por que você acredita
nisso ou naquilo?”.
Eu sou ateu, não acredito em nada. Sempre me Eu sou ateu / Eu
apeguei muito a parte científica, na evolução, na evito conversar (...)
origem do planeta. Fui questionando e achando
desnecessária a religião. /
Como não sou religioso, a religião é um assunto que
eu não vou puxar. Aqui na Hemodiálise nunca, não
me lembro de ninguém ter trazido, da religião ter
aparecido. A gente conversa muito sobre assuntos
médicos. Até política a gente conversa pouco.
Quando a gente conversa sobre outros assuntos, são
amenidades, assuntos “light”, que não vão trazer
discussão... Desses assuntos a gentes se abstrai.
3ª QUESTÃO - COMO VOCÊ ABORDA A RELIGIOSIDADE DOS SEUS PACIENTES?
SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES
01
Não pergunto pela religião dos pacientes. Eu acho
que saber a religião em si não é importante, mas a
relação do paciente com a religião. É muito
complicado. /
A gente não tem tempo, se a gente entrar nesse
assunto a gente não faz nada. /
Eu converso sobre religião quando o paciente está
precisando, está deprimido, quando ele dá
abertura. É importante não se envolver demais,
nem virar gelo. /
Não sei se estou ultrapassando uma barreira na
relação médico-paciente, mas eu falo que Deus só
dá o que a gente pode suportar. É uma crença
minha e que é um alento para o paciente.
02
Perguntar sobre a religião dos pacientes? Taí...
Tem que perguntar... Mas geralmente eu não
pergunto não. Mas é importante por causa dos
problemas que podem acontecer futuramente, os
pacientes deixa de fazer o tratamento. Acho que a
maioria não pergunta. Tanto que raramente se vê a
religião nas anamneses. Isso tá mudando...
Antigamente a maioria era católica e as pessoas
não perguntavam... Mas estão crescendo as
religiões evangélicas e espíritas. Acho importante
conversar sobre religião com qualquer paciente.
IDÉIAS CENTRAIS
Eu acho problemático (...)
/
Eu não costumo perguntar
(...) /
(...) em situações especiais
/
(...) Sim, eu uso minhas
crenças
Eu não costumo perguntar
(...)
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03
04
05
Nunca fiz isso, mas acho importante,
principalmente com os mais rebeldes. Teria a
função de tranqüilizar. Nós damos oportunidades
para todos, respeitamos a todos. Eu foco logo no
que traz o paciente ao hospital.
Só quando a gente percebe que a entrevista está
indo pra esse lado é que a gente pergunta sobre
religião. Eu acho isso complexo. Não me sinto
preparado pra isso não. É muito complicado. Do
ponto de vista humano, né? O médico não é uma
máquina... Mas isso é muito pessoal. Acho essa
pesquisa muito importante para esclarecer os
pacientes e orientar a gente a como abordá-los
melhor. /
Talvez em algumas situações seja importante
conversar sobre religião com o paciente. Já rezei
por eles em alguns momentos, tentei passar uma
energia positiva. /
Acredito na reencarnação, na evolução espiritual,
na prática do bem, que quando a gente morrer vai
para outro plano. Algumas vezes tentamos
transmitir isso para os familiares após o óbito dos
pacientes e para os pacientes em situação de
sofrimento.
Não é costume perguntar sobre a religião dos
pacientes. No decorrer da relação com o paciente a
gente percebe qual é a sua religião. Às vezes os
pacientes perguntam a nossa religião e,
conversando sobre o assunto, a gente fica sabendo
a religião deles. Acho importante conversar sobre
isso. Quando o assunto surge a gente conversa. É
importante conversar com o paciente sobre
qualquer assunto. /
Percebo o pensamento de cura milagrosa. Eu
nunca falo que não existe: enquanto isso, eu vou
tratando. Eu uso o argumento de que Deus cuida
da gente pela tecnologia e que tudo tem um
propósito.
A gente é treinado pra perguntar sobre a religião.
Eu não faço isso porque quando chega a mim o
paciente, já fizeram a anamnese. Quando os
pacientes querem conversar sobre religião eu
sento e escuto. Só faço essa observação: eles
devem pedir a Deus serenidade, resignação,
coragem, paciência, sabedoria, que lhe mostre
caminhos, mas não deixe de fazer a hemodiálise.
Os pacientes costumam me perguntar sobre a
minha religião. A minha resposta é: todas as
Eu acho problemático (...)
/
(...) em situações especiais
(...) /
Sim, eu uso minhas
crenças
Eu não costumo perguntar
(...) /
(...) usando as suas
crenças
(...) usando
crenças (...)
as
suas
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08
formas de buscar a Deus são válidas. Na verdade
muitas vezes converso sobre religião. Já recebi
advertências: “você não é analista, você não é
psiquiatra”.
Não pergunto sobre religião quando faço
anamnese. Às vezes eu pergunto quando é um
paciente do pré-transplante porque faz toda
diferença pela questão da possibilidade da recusa.
É muito delicado. Falar sobre religião é muito
pessoal. A gente vive numa sociedade que é muito
preconceituosa com relação a algumas crenças.
Principalmente porque a população é muito
ignorante. Religião não, mas falar de religiosidade
é mais fácil: falar sobre Deus, sobre a vida, sobre
a morte, sobre a doença. Mas quando coloca um
rótulo complica. É totalmente possível falar de
uma coisa sem falar sobre a outra.
Na
hemodiálise, por tratar de uma doença muito
grave, é preciso tomar cuidado para o paciente não
achar que ele merece passar por isso. /
Na verdade, eu falo muito sobre isso: que as
coisas não acontecem por acaso, que o paciente
está passando por um problema que pode não
entender agora, mas que existe uma razão...
Eu perguntava sobre a religião dos pacientes
quando aprendi a fazer anamnese. Faz muito
tempo que eu não pergunto. / Para a parte médica,
para fazer um diagnóstico ou traçar uma conduta,
não faz diferença. /
Acho importante conversar sobre religião. Às
vezes os pacientes falam, aí eu respondo,
pergunto... É importante para convencer os
pacientes da necessidade de aderência ao
tratamento. Às vezes os pacientes nos procuram
porque estão muito tristes e você acaba usando a
religião para ajudar os pacientes. /
Essa pesquisa é importante para tentar raciocinar
sobre como isso pode estar interferindo, como
abordar a religiosidade com o paciente. É
complicado. O médico geralmente não usa muito
isso, não é uma de suas opções de trabalho. Não
existe isso.
Não pergunto sobre a religião dos pacientes. Faz
parte da anamnese... Não sei por que não faço.
Acho importante conversar sobre religião. A gente
fala muito pouco nisso. Nunca passei por uma
situação em que precisei saber da religião para
definir uma conduta para o paciente. /
Eu acho problemático (...)
/
Sim, eu uso minhas
crenças
Eu não costumo perguntar
(...) /
(...) em situações especiais
(...) /
Eu acho problemático (...)
Não costumo perguntar
(...) /
Eu acho problemático (...)
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10
11
Geralmente não pergunto sobre religião, mas se
crê em Deus. Não pergunto pela religião para não
entrar em conflito, pergunto pela fé em Deus. Na
minha opinião o mais importante é buscar em que
o paciente tem fé para ajudar na sua adesão ao
tratamento.
Não, dificilmente pergunto sobre religião. A gente
parte do princípio que todo mundo é católico...
Quando a gente vai conhecendo as pessoas elas
vão demonstrando, fazendo comentários, aí fica
evidente qual é a sua religião. Pra mim não faz
tanta diferença assim. /
Depois que a gente passa a conhecer o paciente é
diferente. Ele fica sabendo das nossas coisas e a
gente fica sabendo muito mais das coisas deles.
De graça não converso sobre religião com os
pacientes, só se ele perguntar. É importante
conversar sobre qualquer coisa. Eles podem
valorizar a religião de uma forma que eu não
valorizo. /
Acho que é assim: os médicos atendem 500
pacientes, mas eles só têm um médico. Eu acho
que eles valorizam demais a gente, eles não
deveriam dar tanta atenção às coisas pessoais. Na
hemodiálise temos um contato muito próximo e
muito prolongado com o paciente. Cria um laço
inevitável. Achar que os pacientes só vão falar da
doença é um engano. Eles precisam desabafar,
falar da sua vida. Muita gente confunde
proximidade com intimidade. É difícil impor uma
barreira, é estranho... Eles te sugam! Tudo eles
falam: minha filha está com dor, meu marido está
me tratando mal, meu vizinho está com um
problema, tudo é a gente!Tem que ser próxima,
mas demais... O paciente te desvaloriza como
médico.
Não pergunto sobre religião. Acredito que não
seja tão importante para o que estou procurando:
doenças, a parte clínica. Acredito que religião não
tem muito a ver.
Se fosse importante conversar sobre religião com
os pacientes eu faria. Não sei se estou fazendo
certo ou errado... O fato é que eu não dou muita
importância. É por falta de tempo também. Não
sei se outros médicos dão, talvez se forem
religiosos.
Às vezes na correria eu não pergunto... Na maioria
das vezes. Eu considero importante perguntar. Isso
Eu não costumo perguntar
(...) /
Eu acho problemático (...)
Eu não costumo perguntar
(...)
Eu não costumo perguntar
(...)
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12
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14
cria uma aproximação. Ao mesmo tempo que falo
sobre religião eu posso saber sobre as condições
sociais, moradia, posso me aproximar mais da
realidade do paciente. Também sobre o que eles
esperam da doença. No caso da religião, se ele
sabe que Deus quis assim e por que está passando
por isso. Fico mais tranqüila. Infelizmente o
médico tem uma sobrecarga de serviço... A
verdade é que isso não é uma prioridade. É mais
importante saber quanto está o potássio, se o
paciente está taquipneico... O tempo para
conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é
limitado. A nefrologia é uma especialidade que
lida com urgências.
Em geral eu não pergunto sobre a religião do
paciente por que eu esqueço. Se eu vejo que é um
paciente que vai precisar de hemotransfusão eu
pergunto se é Testemunha de Jeová. Já aconteceu
de conversar sobre religião. Alguns pacientes
ficam agradecidos pela resolução de um caso e
rezam para agradecer. Às vezes eles falam: “deixe
Deus entrar na sua vida”. Por mais que eu não
queira mudar de religião, eu escuto o ponto de
vista deles e falo o meu. Eles também perguntam
sobre a nossa religião.
Poucas vezes pergunto sobre religião aos
pacientes. Acaba sendo uma anamnese mais
dirigida para a parte médica. A religiosidade não é
muito importante, o que faz a diferença é no caso
das Testemunhas de Jeová por causa da
hemotransfusão. Converso pouco sobre religião
com os pacientes. /
Às vezes, quando preciso, uso a religiosidade
como um artifício de um processo de
convencimento. É uma forma de tentar confortar
também. Eu uso mais ou menos o que a pessoa
diz. Mas se a pessoa diz que Deus vai curar, não
falo. No caso do transplante falo que só Deus sabe
quando vai ser.
Eu pergunto sobre a religião dos pacientes. É um
item da história social ou dos seus hábitos de vida.
Acho que é importante perguntar para saber com
quem se está lidando e para ter uma boa relação
médico-paciente. Mas não dou muita ênfase.
Converso muito pouco com os pacientes sobre
religião. /
Sempre falo aos pacientes e aos familiares que a
gente tá fazendo o melhor que pode ser feito e que
Eu não costumo perguntar
(...)
Eu não costumo perguntar
(...) /
(...) usando as suas
crenças
Eu não costumo perguntar
(...) /
(...) usando as crenças dos
pacientes
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é importante ter fé. Não entro no mérito da
religião nem fico discutindo: a diversidade é muito
grande.
Quando faço anamnese, ela é muito abreviada.
Não faço anamnese, mas se tivesse que fazer, não
perguntaria, não me preocuparia. Procuro perceber
a situação social com quem está acompanhando,
saber se a pessoa é muito sozinha. Vejo muitos
pacientes sozinhos. A religião sai como
conseqüência da observação de questões sociais. /
Quando o paciente não quer se tratar é que eu
apelo para a religião e digo: “tem coisas que a
gente tem que passar”. Dentro de um contexto, é
um recurso de convencimento para fazer o
paciente aceitar o tratamento. Também faço isso
quando a pessoa está desanimada. Às vezes os
pacientes citam a religião. Eu acho que o mais
importante é preparar o paciente para o que ele vai
passar. /
Me impressionam quando dizem: “para Deus tudo
é possível”.
Acontece principalmente quando lido com óbito:
cito Deus para que os familiares tenham algum
conforto. Acontece também no caso de doenças
mais graves. /
Não entro em detalhes, como a vida após a morte,
cada religião tem suas idéias. Uso Deus da marca
genérica, não uso das marcas comerciais. Uso as
crenças da religião da pessoa. /
Eu uso a minha religião não institucional. Eu não
dispenso a religiosidade apesar de ter uma
formação científica. Eu não consigo deixar de
fazer isso, no sentido de confortar, especialmente
em situação de óbito, de acordo com a base
religiosa do paciente.
Não pergunto. Faz parte da formação médica,
temos que perguntar. Mas eu não valorizo isso.
Não converso com os pacientes sobre religião.
Normalmente a melhora clínica acontece sem esse
recurso. Normalmente eles não tocam no assunto.
Eu tenho curiosidade de saber, de entender a
pessoa pela religião dela. /
É como perguntar pelo time de futebol, pelo
partido político. É uma questão pessoal. Prefiro
não interferir. /
Quando percebo que o paciente está mais carente
emocionalmente, pergunto se ele tem religião e
procuro orientar, reforço a sua religiosidade.
Eu não costumo perguntar
(...) /
(...) em situações especiais
/
Eu acho problemático (...)
(...) em situações especiais
(...) /
(...) usando as crenças dos
pacientes /
Sim, eu uso minhas
crenças
Eu não costumo perguntar
(...) /
Eu acho problemático (...)/
(...)
em
situações
especiais/
(...) Sim, eu uso minhas
crenças
133
18
19
Quando eu percebo que eles estão perdidos,
pensando em abandonar o tratamento... Aí eu
pergunto pela religião e oriento a seguir nos dois,
religião e tratamento. /
Até quem diz que não, na hora que o bicho pega...
Tem que se apegar a uma religião. Senão ele sente
um vazio tão grande... Aí eu digo: “procure uma
religião”. O remédio que a gente não encontra na
farmácia tem que buscar em outro lugar.
Normalmente a gente pergunta. Eu pergunto. Tem
que perguntar. Pra já saber é melhor que esteja no
prontuário. Do ponto de vista técnico é importante
perguntar por causa da transfusão no caso das
Testemunhas de Jeová. Há um potencial conflito.
Eu nunca vivi isso, não sei como me portaria. É
uma discussão ética, e até jurídica, grande. /
Acho que Deus nos faz trilhar os rumos certos.
Alguns caminhos são árduos, até do filho dele...
Foi o mais árduo de todos. Então a gente não deve
reclamar. Falo isso para os pacientes, não de uma
maneira direta, mas de uma maneira mais amena.
Alguns pacientes falam que Deus mandou a
hemodiálise como uma provação. O paciente fala:
“por que eu fiquei renal crônico?”. Não existe um
dilema real nesse caso. Cada um tem que fazer a
sua parte, não é só Deus. Vários pacientes de
hemodiálise me perguntam: “doutor, por que eu?”.
No caso de muitos deles a gente sabe que
certamente Deus não tem nada a ver com isso. O
cara não tomou remédio, não fez dieta, por que
Deus é o culpado?
Não pergunto sobre religião. Não sei por quê...
Talvez por uma falha mesmo. Não consigo ver se
é certo ou errado questionar sobre religião. Tem
pessoas que fazem, outras não. Cada um tem o seu
jeito de trabalhar. /
Naquele momento a gente fica tão direcionado
àquela coisa que a gente precisa resolver.
Às vezes acontece de conversar sobre religião,
principalmente relacionada à religião evangélica...
Às vezes os pacientes acreditam no que os
pastores vão dizer... Os pastores fazem
questionamentos sobre o que o paciente deve
fazer. Mas é muito difícil acontecer isso. Há
alguns momentos, quando o paciente está
terminal, que uma palavra, um gesto de carinho...
”Ah, vai dar tudo certo! Vamos ter fé que vai dar
tudo certo!”. De um modo espontâneo acaba
Eu acho problemático (...)/
Sim, eu uso minhas
crenças
Eu não costumo perguntar
(...) /
(...) usando as crenças dos
pacientes
134
20
entrando na religião. Você percebe que o paciente
quer ouvir. Não vou trazer coisas que eu acredito.
Às vezes o paciente fala e eu respondo “vamos ter
fé”, quando eu percebo que é importante para ele.
Tenho perguntado muito raramente sobre religião.
É um hábito que a gente vai perdendo quanto mais
a gente vai se afastando de quando a gente
aprendeu a fazer anamnese. Só quando há situação
de cirurgia pergunto a religião pra saber se tem
problema com transfusão de sangue. O correto é
perguntar. O que acontece? Para fazer a anamnese
correta é uma conversa de 1 hora, 1 hoa e meia...
se for fazer a gente não trabalha. Nesse processo
de encurtar a gente acaba eliminando a religião,
por que não vai te dar uma definição mais
imediata de conduta. A religião é mais importante
a médio e longo prazo pra saber como o paciente
vai interpretar as coisas. /
De uma forma geral, eu não converso com os
pacientes. Acho que isso é muito individual. /
Quando é importante para o paciente a gente logo
percebe por que ele traz a religiosidade pra
conversa. Se faz parte do dia a dia dele é
importante conversar. Para equilibrar as coisas...
Para os pacientes ou é o médico ou é a religião. /
Eu não acredito em Deus, mas não passo a minha
posição para os pacientes. Eu apóio a crença deles,
não tenho problema com nenhum tipo de religião.
Eu não costumo perguntar
(...) /
Eu acho problemático (...)/
(...)em situações especiais/
(...) usando as crenças dos
pacientes
135
ANEXO F
EXPRESSÕES-CHAVES E IDÉIAS CENTRAIS – PACIENTES
1ª QUESTÃO – O QUE SIGNIFICA FAZER HEMODIÁLISE PARA VOCÊ?
SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES
01
No começo foi muito ruim. /
Entendia que o negócio era tirar o líquido. Depois
entendi que era tirar a impureza. Achava que não ia
durar muito. Acho que a hemodiálise é muito pouco
divulgada. Tem muita gente ficando renal. Tem gente
que não conhece. Sempre procuro me informar na
internet, perguntando a equipe, mas não consigo
explicar./
Tinha que ficar com o cateter no pescoço, morria de
vergonha. Até pouco tempo escondia o braço... Pra
mim, fazer hemodiálise é um saco! Tem hora que não
agüento mais, que tenho vontade de desistir./
Agora não esquento mais. Se olhar bem, têm doenças
piores, você ainda tem esse recurso.
IDÉIA CENTRAL
Eu já sofri (...) /
Eu não sabia (...) /
Eu sofro (...) /
Eu estou resignado (...)
02
A reação foi péssima. Pensei em dar um tiro na
cabeça. Dá tristeza. Nos primeiros meses dava
tontura, pressão alterada... Comecei a achar que eu
era inútil, que não era um cara normal... /
Achei que fosse uma coisa simples... Não é tão
simples como eu imaginava. Vem às complicações,
se não se cuidar direitinho, se não se resguardar...
Fraqueza nas pernas, desânimo de vida, preguiça,
passa mal... /
No começo foi difícil, mas me animei. Depois que
conversei com o psicólogo saiu uma nuvem da minha
cabeça. As conversas, o carinho, sempre alguém
dando apoio. O apoio moral é que me fez firmar.
Eu já sofri (...) /
Eu sofro (...) /
O apoio dos outros é
importante (...)
03
Quando soube que precisaria hemodiálise foi a pior
coisa. /
Estava internada, não foram lá pra conversar, já
queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise. Eu não
aceitei: fiquei apavorada, né? /
Até hoje eu não aceito a idéia. Eu venho porque
tenho que vir, se não vai ficar pior. Sinceramente não
tem nada que amenize. Seja o que Deus quiser. A
gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o
rim não vai melhorar. Acho que é um sofrimento
Eu já sofri (...) /
Eu não sabia (...) /
Eu sofro (...) /
O apoio dos outros é
importante (...)
136
04
05
06
inútil. Se fosse uma coisa que melhorasse a gente,
mas a gente faz a gente ficar mais fraca. Também a
nossa vida, muda tudo... Eu viajava, não posso mais;
fico com medo de passar mal. Praticamente a nossa
vida acaba. Fica restrita a isso: vir pra cá três vezes
por semana, chegar em casa já pra ficar deitada...
Saio daqui cansada. Atrapalha a vida da minha
família também por que tem que me trazer./
Eu já pensei em desistir, mas o pessoal de casa não
deixa, as minhas irmãs, minhas sobrinhas.
Nada acontece por acaso na nossa vida. Existe uma
predestinação com relação a algum fato que você não
pode mudar. Eu acredito em causa espiritual. As
doenças surgem para purificar o espírito. Se a pessoa
entender que ela está sendo purificada, ela pode
deixar de sofrer. A hemodiálise é uma purificação do
sangue e o sangue é a materialização do espírito. /
Já fiquei chateada por ter que ficar vindo aqui três
vezes por semana. Eu tive que parar de trabalhar.
Também tinha a questão estética por causa da fístula.
Às vezes você acorda de manhã e não quer vir. Às
vezes você quer ficar em casa. Por uma questão de
mau-humor, não por querer desistir do tratamento. É
a minha vida, né? /
A minha família, minhas irmãs, meus pais, cuidam
muito de mim. Nos dias que eu estou triste são eles
que me colocam nos eixos.
Pra mim tá uma beleza. Eu gosto de vir pra
hemodiálise. Adoro. Eu tô ficando melhor, com mais
disposição. Antes eu não conseguia subir escada,
agora tá normal. Aquela canseira que eu sentia, saiu
tudo. Era muito cansaço. Até quando tava falando
sentia cansaço. A pressão era altíssima melhorou
tudo. /
Meu filho e minha mulher me dão o maior apoio.
Eles não me deixam vir sozinho de jeito nenhum.
Quando não é um, é outro. /
Eu penso comigo assim: “eu tenho que melhorar,
ficar bom, fazer esse transplante logo”. Lembrar do
transplante me anima.
Eu ouvia falar na hemodiálise. Pra mim era aquele
dragão. Fiquei apavorado! Depois que eu entrei na
máquina vi que não é aquele bicho de sete cabeças
que pensava. Mas para quem não conhece... No
começo tinha muita gente que morria. Meu medo era
esse. Mas quando cheguei aqui vi todo mundo numa
boa. Isso aqui é uma família. Quando a gente chega
Eu dou um sentido
religioso (...) /
Eu já sofri (...) /
Eu estou resignado (...)/
O apoio dos outros é
importante (...)
Eu faço (...) para ter
qualidade de vida /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu faço (...) enquanto
espero o transplante (...)
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu sofro (...) /
Eu estou resignado (...) /
Eu faço (...) enquanto
espero transplante
137
aqui a gente começa a conversar, a brincar... Quando
a gente fica assim, a gente esquece de tudo. /
Eu não penso muito na doença e na hemodiálise. Se
pensar é pior. /
A hemodiálise faz parte da minha vida. Se não fizer,
vai ser um problema muito sério. Faz parte da rotina,
é normal. /
O único motivo que tinha para largar a hemodiálise
era o transplante... Então eu vou fazendo.
07
Até hoje não encontrei uma explicação. Nem os
médicos sabem. Não é injustiça, isso acontece
mesmo. Fui estudando e fui entendendo. Fui vendo
que o que acontece comigo acontece com muitas
pessoas. Passou um monte de coisas na minha
cabeça: “o que é isso, hemodiálise?”. /
Eu não queria ir. O médico mandou me buscar em
casa. Ele conversou comigo, que eu tinha que
conhecer melhor antes de desistir. Aí eu parei de
faltar, nunca mais. /
Mas não acreditava que ia pra aquela máquina e ia
ficar 04 horas ali. Eu achava que não estava renal,
que isso não tinha acontecido. O catéter eu achava
estranho no pescoço. Eu pegava o ônibus, todo
mundo olhando pra sua cara e você tem que fingir
que não está sendo olhado. É pesado, horrível, pra
tomar banho. Depois que botaram a fístula
melhorou./
Tem que fazer... Se a gente ficar sem fazer tudo sobe:
pressão, creatina, fósforo, colesterol... A importância
é pra continuar vivendo. O rim tá parado. /
A gente não pode se deixar levar, senão a gente vai
ficar sempre deitada e desistir da vida. Tem que curtir
a vida./
Houve também muita conversa que tinha que fazer
bem a hemodiálise pra não perder a chance de fazer o
transplante. Quando soube que poderia fazer o
transplante eu fiquei todo bobo!
Eu não sabia (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu já sofri (...)/
Eu estou resignado / Eu
faço (...) para ter
qualidade de vida /
Eu sofro (...) /
Eu (...) enquanto espero
o transplante
08
Acontece muita coisa, passa muita coisa na nossa
cabeça. Eu achava que minha vida não ia ter valor
algum, ia ser inútil. No começo tive um pouco de
depressão. Eu tinha uma vida totalmente ativa e
fiquei muito debilitada... a vida tinha acabado pra
mim. /
Na minha cabeça a hemodiálise faz a função que o
rim não faz. É uma ajuda pra gente viver melhor /
Eu já sofri (...) /
Eu faço (...) para ter
qualidade de vida /
Eu estou resignado (...)
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09
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11
12
Agora eu vejo as coisas de outra maneira. Venho pra
cá, volto pra casa e tenho uma vida normal. A vida
pode durar mais ou menos... Aí está nas mãos de
Deus.
A gente pensa que nunca vai acontecer com a gente.
Ninguém pensa em ficar doente... Logo comigo? Bate
uma tristeza, muita tristeza... Fiquei parada, sem
ação. Fiquei tão desorientada que não pensei em
nada. /
Só de saber que vai ficar presa num lugar desses...
Quem é que gosta? O pessoal diz: “se acostuma!”
Mentira! Não tem como se acostumar não. Ainda
penso em desistir. Parece que o corpo vem, mas a
mente não vem. Parece uma prisão. Eu penso em não
morrer. Se desistir, como é que vou viver? /
Acho que todo mundo espera o transplante.
Quando soube que precisaria fazer reagi mal. Queria
me suicidar e tudo. Eu pensava que estava com
câncer, com AIDS, por causa do meu emagrecimento.
Fiquei internado, queria me jogar da janela da
enfermaria. Fiquei chorando uma semana inteira. Eu
era um cara perfeito!... /
O tempo passou, comecei a conversar com as pessoas
e relaxar. Fui conversando com a fisioterapeuta, com
a nutricionista, com a secretária e fui me acalmando.
Fiz uma visita aqui antes e isso me ajudou bastante.
Conversei com uma paciente e ela me falou: “a gente
tem que agradecer a Deus por ter essa máquina!”. Eu
pensei: “é mesmo. Essa máquina é uma bênção”. /
A hemodiálise pra mim é qualidade de vida.
Melhorou a minha vida 100%. Melhorou até o meu
astral. Melhorou tudo. Hoje sou outra pessoa, estou
mais disposto, estou querendo trabalhar de novo.
A hemodiálise é para que você tenha uma qualidade
de vida melhor. Mas sua qualidade de vida é
praticamente zero. Tira todo seu tempo, não tem mais
tempo pra nada. Ela não dá qualidade de vida, ela só
prolonga a vida. Sem ela você não teria condições de
sobreviver: ou você faz ou você morre. Que é muito
chato é. Mexe muito com a gente... Eu nunca pensei...
Eu sempre via no hospital, a gente não dava
importância... Eu nunca imaginei...
O médico falou que eu estava renal. Eu não
acreditava. Eu pensava: “Deus não vai fazer isso
comigo!”. Eu pensei que ia fazer e não ia resistir. /
O médico falou: “não, depois você vai pensar
direitinho”. Aí eu pensei que era para o meu bem.
Tem dia que eu tenho que vir pra cá e digo: “vou
Eu já sofri (...) /
Eu sofro (...) /
Eu faço (...) enquanto
espero o transplante
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu faço (...) para ter
qualidade de vida
Eu sofro (...)
Eu já sofri (...) / O apoio
dos outros é importante
(...) / Eu estou resignado
(...)
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ficar”. Meu marido diz: “Não, você tem que ir”. /
Eu tenho que deixar fazerem isso, senão... Não tinha
mais nada a fazer. Pensei: “A hemodiálise ajuda a
baixar as taxas”. Fico com medo de passar mal. Eu
não gosto de hemodiálise, mas traz benefícios pra
mim.
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Uma vez passei mal e a médica falou que eu ia ter
que fazer hemodiálise. Nem sabia o que era isso.
Pensava: “eu não vou durar muito tempo, não”. Que
tem gente que morre durante o tratamento, que ia
correr risco de ter outros problemas, problema de
coração... Não sei explicar direito por quê, mas eu
fiquei meio retraído. O médico vai explicar e eu não
vou entender, então deixa pra lá... Pensei: “seja o que
Deus quiser!”. /
Eu tinha um medo incrível. Me senti muito triste,
comecei a chorar. Saber que vai depender da
máquina... Deu uma tristeza! /
O psicólogo na época me ajudou. A assistente social
também. Falavam que eu ia me recuperar, ia superar,
era só fazer direitinho. Já me deu vontade de desistir./
Hoje eu estou bem, tranqüilo. Hoje pra mim é um
esporte. A hemodiálise é uma coisa que salva muitas
pessoas. Ajuda muito. Foi a melhor coisa que
inventaram pra isso. Tem gente que não encontra esse
tratamento e eu tive sorte.
Durante uma internação eu comecei a fazer
hemodiálise. Não parava de pensar: “meu Deus, vou
ter que fazer hemodiálise?”. Não sabia o que era
hemodiálise. Eu tive colegas pacientes que me diziam
que a pior coisa que alguém poderia ouvir de um
médico era que precisava fazer hemodiálise, que era
melhor se matar. Fiquei com aquilo na cabeça: “meu
Deus, será que é tão ruim assim?”. Na primeira vez,
entrei com naturalidade, sem saber o que era... Levei
um susto sem saber o que fazer./
Teve um médico que falou: “o rim é um órgão que
quando pára a gente ainda sobrevive. Dá pra fazer
transplante, diálise... Não é coisa de outro mundo”.
Passei a me concentrar nisso e me fortaleceu. Me
lembrei disso quando comecei a fazer e ainda me
lembro. Depois fui me acostumando. Muitos pensam
que é um sofrimento muito grande: não é não. /
Hemodiálise significa manter meus rins mais ou
menos sempre melhores. É prioritário. É seguir em
frente. Se preciso fazer, vou continuar fazendo,
acompanhando os médicos. O pior é o tempo de
Eu não sabia (...) /
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu estou resignado (...)
Eu não sabia (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu estou resignado (...) /
Eu dou um sentido
religioso (...)
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quatro horas. Pra mim não é uma coisa boa, mas o
que eu posso fazer? O meu caminho é esse. /
A hemodiálise é uma situação em que a gente
aprende a amar mais a Jesus, amar mais o próximo.
O médico falou pra mim: “eu vou te internar agora
porque você está morrendo”. Aí foi pauleira:
hemodiálise! A casa caiu! Realmente tinha acabado
tudo. Pirei, pirei legal. Ficou difícil pra mim... Tive
sentimentos que ainda não estão catalogados. Foi
uma tsunami. Tudo no mesmo instante, o cara pira.
Foi horrível! A gente costuma dizer: “tem uma luz no
fim do túnel”. No meu caso, não tinha um túnel!
Desabei, fiquei totalmente desestabilizado. O médico
explicou: “sua vida mudou, ou faz hemodiálise ou vai
correr risco de vida”. Eu disse: “já que estou nessa
situação, se não tem mais cura, prefiro morrer!”.
Antes o sentimento muito forte era de morte. Toda
vez que eu fazia hemodiálise era como se eu fosse
abusado sexualmente. Aquilo era muito violento! Era
como se tivesse arrancando a minha alma. Depois da
hemodiálise eu me sentia um lixo. O que eu pensei ali
foi que não só os meus rins pararam, mas a minha
vida parou. Eu tinha projetos, sonhos... E era muito
ativo. Foi muita coisa abandonada. Comecei a
maquinar a possibilidade de acabar com a minha
vida. /
Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro
despertamento: “vamos tocar a vida! você vai ter que
viver! Tem que dar a volta por cima! Viva!”, diziam
os membros da minha família. /
A hemodiálise é vida me dá condições de tocar a
minha vida, me dá a chance de poder sonhar. /
Eu quero a cura. Transplante é a troca de doença. Se
for para o transplante só saio da máquina, mas vou
continuar tendo uma vida toda cheia de restrições,
vou continuar tomando remédios. Eu não tenho
opção: ou eu faço hemodiálise ou eu faço transplante.
Se eu quero viver, eu faço hemodiálise. Hoje existe
hemodiálise, há um tempo atrás não tinha.
De repente começou. Fiquei internado, dali fui para a
hemodiálise. Sinceramente, nem sabia o que
significava isso. Nunca tinha ouvido falar. /
Depois que eu descobri, fiquei arrasado. Queria até
me jogar de uma ponte. /
Depois eu fiz acompanhamento psicológico e
melhorei. /
É meio cansativo e dolorido. Minha vida depende
disso agora. Só de levar tudo, é bem bolado, é
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante /
Eu faço (...) para ter
qualidade de vida /
Eu faço (...), mas não
espero transplante
Eu não sabia (...) /
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu estou resignado (...)/
Eu faço (...) enquanto
espero o transplante
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positivo. O negócio é ficar preso... /
Não posso fraquejar até fazer meu transplante.
Fui internado e depois encaminhado para fazer
hemodiálise. Na verdade, a gente não tem muita
informação: os médicos não passam, se a gente não
perguntar... /
Senti profunda tristeza. Ficar preso a uma máquina
dia sim, dia não, tira todo o seu norte, objetivo,
realizações, coisas a fazer na sua vida. /
No início foi pauleira, foi brabo. Com o tempo fui
buscando uma conformação de aceitar o tratamento,
não se deixar levar, entregar os pontos. É uma fase,
tem condições de melhorar e já melhorou. Não venho
com alegria, seria masoquismo... Venho com a
consciência de que tem que fazer. Tem a
conformidade de que futuramente vou poder ficar
bem melhor.
No começo ficava muito chateado. Um cara que era
completamente ativo, ter que ficar como um objeto.
No começo ficava: “meu Deus, por que isso
aconteceu comigo?” /
Não adianta se desesperar. Fazer o quê? Não adianta,
tem que se acostumar. Mais isso é da vida mesmo. Se
é meu, eu tenho que abarcar e levar até o fim.
Aprendi a conviver com a hemodiálise. /
Ter que depender dos outros aborrece. Nunca tive
dependência de nada, de repente ficar dependente de
tudo... /
Ter a família ao lado é uma coisa que ajuda muito. É
muito importante mesmo! O apoio moral e o
companheirismo é muito positivo. Tem muitas
pessoas, vizinhos, que sempre ajudam.
Logo no início pensei em desistir, tive problemas:
tonteira, acabava a hemodiálise eu caía, botava a
comida pra fora... /
Diante da insistência da minha família, “não pára,
sem isso você não vai sobreviver”. Aí eu mudei de
opinião. /
Para mim a hemodiálise significa viver. Só isso. Sem
ela já teria morrido, sem ela nada feito.
Quando eu comecei fazer hemodiálise eu fiquei
muito pensativo, triste pelos cantos... /
Acontece que a hemodiálise me prejudicou muito.
De repente eu passo mal e tem que parar a máquina.
O meu problema agora é a máquina. Parei mais em
casa, quase não saio. São umas dores nas pernas, uma
falta de ar... Pra mim hemodiálise é manter a vida: se
não fizer, vai morrer. /
Eu não sabia (...) /
Eu já sofri (...) /
Eu estou resignado
Eu já sofri /
Eu estou resignado (...) /
Eu sofro (...) /
O apoio dos outros é
importante (...)
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) / Eu
estou resignado (...)
Eu já sofri (...) /
Eu sofro (...) /
O apoio dos outros é
importante (...)
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Às vezes dá vontade de desistir, mas eu não posso
pensar sobre mim, tenho que pensar na minha
família. A minha família me dá muita força. O
negócio é o seguinte: mesmo doente, eu vejo os
parentes, converso, abraço...Tá doente, mas tá com
vida! Enfim, é bom ter vida.
Depois que fui internado comecei a fazer
hemodiálise. Não sabia de nada. Me mandaram vir
fazer e eu vim. Naquele impacto eu fiquei fria, não
tive reação. Tive curiosidade pra saber como é que
era. Eu não tinha conhecido ninguém que tinha feito
hemodiálise, não ouvia falar sobre isso. /
O médico falou que ia botar o catéter e depois uma
fístula. Falou de várias restrições, que eu não poderia
comer tudo que eu tinha no quintal, ter a obrigação de
vir toda semana ao hospital... Me deu uma tristeza
muito grande. Muitas vezes pensei em desistir, mas
só no começo. Quando eu pensava que alguém ia
ficar cinco horas me esperando, deixando o que
estava fazendo, eu pensava em desistir. O apoio de
alguém pra falar alguma coisa eu não tive não. Uma
palavra que me desse ânimo... Nem de fora nem
dentro da família./
Eu procuro nem pensar. Sinceramente... É melhor
não pensar senão eu entro em pânico. Nunca pensei
nisso pra mim, não. É uma coisa ruim, muito ruim.
Eu era uma pessoa muito ativa, cuidava da família,
cuidava de tudo, de repente, fiquei totalmente
dependente. Um dia tô bem, outro dia tô mal. /
Nada acontece sem a permissão de Deus, tudo tem
objetivo. Acho que a doença e a hemodiálise são uma
grande prova. O ouro pra ficar bonito tem que passar
pelo fogo, tem que ser refinado. Pra alguma coisa vai
servir... Um exemplo pras pessoas que estão passando
por problemas, às vezes até piores. Pra formação dos
meus netos, pra não desanimarem diante das
dificuldades, tocarem a vida pra frente, estudarem.
Deus está me usando pra edificar a eles. E os pais
deles também, o meu esposo. A minha doença uniu
mais a minha família. Eles estão sempre lá em casa,
passaram a ajudar mais uns aos outros. Foi um
ganho./
Estou nas mãos de Deus: na hora que ele decidir que
acabou, acabou. De repente, ele põe um transplante
no meu caminho. Mas eu não fico contando com isso
não. Conheci pessoas que fizeram transplante e
tiveram que fazer de novo hemodiálise. Já pensou?
Você com um rim novo e ter que voltar a fazer
Eu não sabia (...) /
Eu já sofri (...) /
Eu sofro (...) /
Eu dou um sentido
religioso /
Eu faço (...), mas não
espero o transplante
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hemodiálise?
Eu não queria fazer. Mas eu tive que escolher: fazer
ou morrer! Fiquei triste pra burro! Hemodiálise é para
o resto da vida, não tem jeito não. Ninguém gosta de
fazer isso, mas fazer o quê? No começo eu relutei um
pouco, mas depois resolvi fazer. Se não fosse a minha
família, eu teria desistido a muito tempo, feito uma
merda. /
Pra mim a importância é que seu eu não fizesse eu
teria morrido. Fico triste porque eu nunca pensei que
fosse acontecer comigo. Não posso sair de casa mais,
viajar... Sempre trabalhei muito, fazia exercícios...
Eu não fiquei revoltado. Tudo aconteceu no seu
devido momento. Procuro tirar lições das situações
que estão acontecendo. Eu não permito entrar em
depressão. /
A hemodiálise é minha vida. Enquanto não chegar
um órgão compatível é minha vida. /
Tem dia que eu não estou a fim de vir, mas minha
família fala: ‘porque você não vai?”. /
Depois que eu comecei a fazer hemodiálise a minha
qualidade de vida melhorou. Tenho mais disposição,
passo menos mal, estou mais tolerante,
motivada...Por quê eu vou me revoltar se a
hemodiálise só me traz benefícios? /
O que me aborrece é o fato deixarem das pessoas
deixarem de trabalhar e estudar pra me trazerem aqui.
Não quero prejudicar ninguém...
Na hora que soube que precisaria fazer pensei até em
me matar. O pessoal faz um bicho de sete cabeças
sobre a hemodiálise, te bota medo. Quando eu fiz a
primeira vez fiquei arrasado, pensando até em não
fazer mais. /
Mas depois eu peguei as enfermeiras falando: “calma,
daqui a pouco isso aqui vira uma família. Na semana
seguinte já estava mais conformado. Saí daquela fase
de fraqueza. /
A gente tem um fardo pra carregar. Tem uns que são
mais pesados, outros que são mais leves. A minha foi
a hemodiálise. É pra ver até onde o espírito agüenta. /
Depois que comecei a fazer...puxa! Uma maravilha!
Minha qualidade de vida mudou 100%. Pra mim
hemodiálise significa vida, viver de novo. Quem me
conhecia antes e me conhece agora sabe que eu
estava morto. /
É a única maneira de sobrevivência que tem. Tem
que se habituar a ela. Eu sou um privilegiado porque
tem muita gente que não consegue lugar pra fazer
Eu já sofri (...) /
Eu estou resignado (...) /
Eu sofro
Eu estou resignado (...) /
Eu faço (...) enquanto
espero o transplante /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu faço (...) para ter
qualidade de vida /
Eu sofro (...)
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu dou um sentido
religioso (...) /
Eu faço (...) para ter
qualidade de vida /
Eu estou resignado (...)
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hemodiálise.
Quando soube que ia precisar fazer hemodiálise meu
mundo acabou, entrei em depressão, tomei remédios
de tarja preta... Mas durou só um mês. Não dormia,
só chorava, não queria sair. Quando eu entrei aqui e
vi essa máquina entrei em desespero! Chorei muito,
como se fosse uma criança. Pensei: “Ah, meu Deus!
Não vou agüentar, eu vou morrer!”. /
Hoje eu tenho noção de que se eu não fizer eu morro.
Depois que eu comecei eu nunca mais parei. Pra mim
é um meio de vida. É tentar sobreviver.
Quando soube que ia precisar da hemodiálise fiquei
transtornado. Sofri muito, chorei muito, fiquei
psicologicamente arrasado. De imediato você pensa
que vai morrer. Depois você culpa a Deus: “fulano
fez o diabo e está com saúde enquanto eu... Será que
Deus virou as costas pra mim?”. /
A hemodiálise é uma coisa ruim. Está fora do
contexto de uma vida normal. /
Mas tem alternativa? A gente tem que usar aquilo que
for melhor para o organismo. Tem que ser valorizada
como você valoriza a vida. Enquanto o organismo
aceitar, você vai bem. Quando eu saio daqui eu nem
lembro que estou doente. Ser humano é ser humano.
As coisas acontecem em nosso organismo por que
tem que acontecer. Não tem que contestar a natureza.
Tem que aceitar, se tratar e deixar correr. Contra a
natureza ninguém consegue lutar. Se você se
desesperar é pior ainda. /
Acho importante o apoio das pessoas, o carinho, a
dedicação, te tratar como se você tivesse saúde, fazer
as coisas de boa vontade./
Você tem que passar por doenças para se purificar.
Doenças e sofrimento... Jesus não passou? Tem
pessoas que parecem que são escolhidas. Eu acredito
que fui escolhido por Deus. Tem também as
conseqüências da vida: excesso de gorduras, açúcar,
álcool... Mas Deus escolhe o cara para saber se ele é
um ser humano de bom coração.
Veio a junta médica e disse que os meus rins tinham
parado. Pensei: “vou morrer!”, que era o fim. Não
sabia sobre o tratamento. Fiquei apavorada. /
Sofri muito. Fiquei pensando: “por que aconteceu
comigo?”. /
No começo eu não queria vir, mas vinha. Se eu
reclamava de ir para a hemodiálise, meus familiares
diziam: “não reclama... Graças a Deus existe essa
máquina”. /
Eu já sofri (...) /
Eu estou resignado (...)
Eu já sofri (...) /
Eu sofro (...) /
Eu estou resignado (...)/
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu dou um sentido
religioso (...)
Eu não sabia (...) /
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu faço (...) para ter
qualidade de vida /
Eu faço (...) mas não
espero o transplante
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A hemodiálise existe para fazer a função dos meus
rins. É muito ruim ficar intoxicada. É qualidade de
vida. Como é que eu ia ficar intoxicada, vomitando?
Às vezes eu conto os dias pra vir pra cá. /
Eu tenho até medo de fazer transplante e ficar pior.
Desmaiei em casa, fui ao posto e a médica descobriu
que estava perdendo os rins. Explicaram que eu tinha
que entrar na sala de hemodiálise. Falei que não sabia
o que era isso. Ele me falou que era pra filtrar o
sangue. /
Foi muito triste. Entendi, mas não aceitei. Foi muito
difícil. Não estava acostumado, não estava aceitando
de jeito nenhum. /
Pra mim a hemodiálise não tem importância
nenhuma. É uma coisa horrível. Faço por que sou
obrigada. Aqui você fica preso. Sai de casa de manhã
e volta à noite. Perde o dia todo. /
Transplantado é outra vida. /
Não tem como desistir. Tenho que viver para poder
criar meus filhos.
Acabou acontecendo de fazer hemodiálise. Eu fiquei
com medo danado de fazer. Eu achava que quando eu
visse o sangue passando eu ia morrer. Tinha dia que
eu entrava aqui e ficava segurando nas paredes,
entrava de cadeira de rodas. Eu chorava demais, não
podia entrar aqui. Isso durou um bom tempo. Pensei
em desistir. /
Um dia o psicólogo conversou comigo. Falava que
tudo faziam comigo era só para melhorar. Aí eu fui
me acostumando. /
Eu não sabia de nada. Pesquisei na internet e descobri
o que era, como era feito. Meu rim não filtra mais. A
hemodiálise é para melhorar.
Quando comecei foi uma doideira! Chorei muito, foi
muito triste. Voltava pra casa chorando. /
No começo não é fácil encarar isso. Mas depois fui
vendo que eu tinha que fazer. /
Vir para máquina e ficar quatro horas... As pessoas
que fazem isso são como extraterrestres. Às vezes eu
me sinto como um extraterrestre. Tenho milhões de
coisa pra fazer e estou aqui... Dá dor no peito, dor nos
joelhos, passo o dia deitado... Aquela massa
muscular, aquela vitalidade, eu senti que fui
perdendo, por mais que eu faça o tratamento.
Eu não sabia (...) /
Eu sofri (...) /
Eu sofro /
Eu faço (...) enquanto
espero o transplante /
Eu estou resignado (...)
Eu já sofri (...) /
O apoio dos outros é
importante (...) /
Eu não sabia (...)
Eu já sofri (...) /
Estou resignado (...) /
Eu sofro (...)
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2ª QUESTÃO – A SUA RELIGIÃO LHE AJUDA NO ENFRENTAMENTO DA SUA
DOENÇA E NO SEU TRATAMENTO?
SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES
01
02
03
Leio a Bíblia, oro de vez em quando. Acredito com certeza
que Deus me ajuda muito. Quando estou triste converso
com ele e as coisas vão melhorando. /
Eu acredito que, apesar do meu caso ser complicado, um
dia vou ser curado. Tem que acreditar, né? /
Estou sempre tomando os meus remédios, sempre quando
passo mal venho pra cá. Na minha igreja falaram que a
gente sempre tem que estar no médico, que apesar de Deus
curar, que tem os profissionais que estão aqui o tempo
todo... Falavam pra Deus abençoar os profissionais que
estão com a gente. Nunca me falaram para deixar o
tratamento. Que na hora que eles cuidassem da gente, que
Deus tocasse neles. /
No hospital os médicos nunca conversaram sobre religião.
Busco ajuda nos cultos e nas orações. Não tem mais nada a
fazer. Nunca é demais./
Eu tenho uma fé, uma esperança de recuperação... Por quê,
sei lá, eu tenho dentro de mim... Onde há fé, há esperança,
né? Creio que Deus vai me dar esse presente. /
O pessoal da minha igreja me estimula muito. Mexem
comigo, fazem aquelas brincadeiras... O pessoal sente falta
de mim. Sempre tem um pra comentar: “o que houve?”. O
pessoal da igreja é mais ligado do que o pessoal de casa...
São coisas que levantam o moral, dão alto astral. /
Deus é o médico dos médicos. Os médicos falam, mas é
Deus quem opera. Não há contradição alguma, isto é o
certo. Espiritualmente é Deus. É o único que pode ser. Mas
tem que procurar o médico, né? O médico é segundo
plano. /
Só me perguntaram qual era a minha religião e acabou,
fazendo a ficha para o meu prontuário.
Eu peço muito a Deus quando estou desanimada. Aí eu me
sinto melhor. Peço a Deus pra me dar força. Aí eu melhoro.
Deus é importante quando estou desanimada, com vontade
de desistir de tudo. Nos momentos mais difíceis da minha
doença eu me apego a Deus. Quando eu estou vindo pra cá,
quando estou aqui, eu peço a Deus pra que tudo dê certo. A
punção dói, às vezes não conseguem. /
Não acredito que nenhuma pessoa tenha o dom de fazer
milagres. Eu acredito no milagre, mas tem que ter
merecimento. Talvez a minha fé não seja para tanto. Quem
IDÉIA
CENTRAL
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura divina (...) /
Eu concilio (...) /
Eu quase não
converso (...)
As minhas crenças
ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...) /
Eu quase não
converso (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...)
147
sabe um dia eu consigo? /
O padre foi lá em casa uma vez. Foi importante pra mim.
Quando eu vou à igreja, ele me abraça e diz: “estou lhe
devendo uma visita, né?”. Tem uma senhora da eucaristia
que também é muito legal, sempre liga para saber como eu
estou. /
Peço que Deus guie as mãos dos médicos para que corra
tudo bem.
04
Deus significa a minha vida, o meu alicerce. Sem Deus eu
não conseguiria passar o que eu passo. Deus é uma força na
minha vida. Os ensinamentos da minha religião me dão
sabedoria para enfrentar as adversidades. Ajuda a ter mais
entendimento do que você tá passando e a ter uma vida
mais feliz. /
Tem ministro na igreja: quando você quiser conversar,
receber alguma orientação, eles estão lá disponíveis. Se eu
estiver mal em casa, quando eu estive internada, se eu não
puder ir à igreja, eles vão à minha casa./
Na minha religião há vários casos de cura. Já passei por
várias situações de risco de vida e Deus esteve ali para me
ajudar através das pessoas, dos médicos, da família, nos
momentos críticos pra me dar vida/
É importante não se opor ao tratamento. É necessário que
se faça. Não fico revoltada. A minha religião não me proíbe
de tomar medicamentos, de nada. A minha religião fala
muito de agricultura natural, alimento sem agrotóxico. A
gente acredita que esses alimentos contribuem para a cura
das doenças. A gente acredita que tem que haver a limpeza
do espírito e a limpeza da matéria, um equilíbrio entre os
dois. Não adianta querer limpar uma coisa e não limpar a
outra. A gente procura não ficar bitolado na religião. A
ciência está aí para contribuir.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu recebo apoio
(...) / Eu acredito
na cura (...) / Eu
concilio (...)
05
Toda tarde eu ouço a oração da Nossa Senhora. Isso ajuda a
ir em frente. Eu fico alegre. Deus me ajuda muito. Se não
fosse ele... Minha fé me ajuda na situação em que estou
agora, na doença. Não entro em desespero porque creio em
Deus. Nos momentos mais difíceis da minha doença eu
busco a Deus em pensamento./
Eu peço pela cura a Nossa Senhora Aparecida. Todo dia eu
peço. Mas não fico preocupado com o tempo. O tempo que
precisar eu fico fazendo hemodiálise. Quando vier o
transplante, veio./
De vez em quando as pessoas da minha igreja vão lá a casa,
conversam, explicando que a hemodiálise é boa pra saúde.
Também vão se eu tiver necessidade de cesta básica. Eles
As minhas crenças
ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu quase não
converso (...)
148
06
falam que se precisar de remédio de qualquer coisa, eles
ajudam. Isso ajuda, deixa mais tranqüilo. Falam: “não se
entregue, não desanime”. Pra não ficar com maus
pensamentos. Falam também que tudo tem sua hora. É uma
palavra amiga./
A maioria dos pacientes fala da religião deles e eu falo da
minha. Nunca tive essa conversa com profissionais daqui.
Quando eu me sinto angustiado eu leio a Bíblia. Também
paro para ouvir uns louvores. Eu sinto forças quando estou
orando. Louvando... A gente vai sentindo forças, isso
renova as nossas forças. Nas minhas aflições eu sempre
clamo a Deus./
A gente pede a cura ao Senhor. A gente tem que acreditar,
né? Senão a gente se entrega a doença./
Recebo apoio da minha igreja, eles vão lá a casa conversar,
orar, dão sempre uma palavra de conforto. O pastor de vez
em quando vai lá a casa. A igreja faz muito passeio, aí eu
vou. O ônibus vai cheio, a gente vai conversando... É muito
bom./
Eles não se metem com a religião. Nunca puxaram esse
assunto. Com os pacientes eu converso. A gente entra na
conversa e vai renovando as forças.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu quase não
converso (...)
07
Vou à igreja aos domingos, assisto ao pastor, faço oração
em casa, peço muito pra ter força e continuar vindo aqui.
Relaxo sozinho no quarto: pego a Bíblia e leio, pego uma
música e escuto antes de dormir. Eu não conseguia dormir,
depois que comecei a ler eu passei a dormir. /
Se você não tem saúde você não é nada. Deus te dando
saúde é a melhor coisa. Peço a ele pra dar vida aos rins, pra
eles fazerem o que eles faziam./
Tem dia de domingo que eu ajudo a distribuir a água
ungida e o jornal da igreja... Distrai. A melhor coisa é sair
de casa, fingir que não é doente. O renal não é doente, ele
só tem um problema renal. Nos passeios da igreja, você se
distrai, finge que não é doente. Todo mundo trata você
normal, não como uma pessoa doente. Os membros da
minha igreja vão lá à casa aos domingos de vez em quando.
Falam que não pode desistir da vida e deixar de ir à igreja./
Deus bota a mão para os médicos irem certo. Ele é o
médico dos médicos.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...)
08
Tive que buscar forças em Deus para continuar. Quando
leio a Bíblia, nas atividades da minha paróquia, Deus me dá
forças para caminhar e prosseguir no tratamento. Eu não sei
quando vou fazer o transplante, tem muita gente
esperando... Para não desanimar. Por que se você deixar os
problemas da vida te levarem você vai tentar se matar. É
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...)
149
09
para levar minha vida./
Tenho buscado a cura por que Deus pode todas as coisas,
se for da vontade dele. Não peço a cura todos os dias, mas
em alguns momentos. /
Pensei em desistir. Aí fui conversar com os cabeças da
minha igreja e isso foi abrindo a minha mente. Na igreja
tinham pessoas que vinham me visitar. Às vezes eu estava
fazendo hemodiálise e eles estavam esperando para me ver
na enfermaria. Na minha casa também nunca faltou
ninguém. Sempre tinha alguém pra conversar. Levar uma
palavra, um texto bíblico, “não desanimes, Deus está
contigo”, sempre uma palavra de ânimo./
Peço a Deus a cura também através dos médicos. Na minha
igreja falam que a gente que fazer as coisas que o médico
manda.
Claro! A gente ora todo dia. Pede forças a Deus todo dia.
Isso vai acalmando... A gente sente uma paz. Eu sinto
muita paz quando estou na igreja. É mais na igreja, mas
sinto em toda parte, em todos os momentos da nossa vida
Deus nos acompanha. Na hora em que a gente tá deitada,
doente, a gente grita logo por Deus. Só acalma mais,
melhora... /
Busco a cura pela oração todos os dias. Na minha igreja
falam pra esperar em Deus a cura e ter fé. O milagre
acontece todos os dias. É só uma questão de tempo./
Na igreja a gente conversa muito e isso vai dando
motivação. Todos eles me apóiam muito, me dão forças.
Eles vão lá a casa também pra fazer oração, o meu pastor...
Marcam reunião lá. /
Tem os médicos, sem eles a gente não melhora. Eles são
fundamentais.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...)
10
Depois que comecei a fazer hemodiálise estou mais
religioso. Tem que buscar, senão não dá em nada. /
Se a gente pensar legal, Jesus sofreu pra caramba... E Jesus
é Deus! Jesus é um exemplo de vida para mim. Me
conforta mais. O cara queria o bem pra todo mundo e ainda
foi crucificado. Quando eu penso na minha situação...
Quem sou eu pra questionar isso? Por que a gente não pode
sofrer um pouco também? Faz parte da vida. Acho que
cada um tem que carregar a sua cruz./
Nunca conversei com a equipe de saúde sobre isso. Há
muito tempo uma enfermeira perguntou qual era a minha
religião para preencher um questionário.
Eu fiquei mais
religioso (...) /
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu quase não
converso (...)
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O que me dá forças pra enfrentar a doença é Deus. Nada As minhas crenças
mais. Tem hora que eu penso que uma oração faz mais me ajudam (...) /
efeito que o próprio remédio. Eu já tenho isso comigo que Eu acredito na
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a fé em Deus e a oração feita com fé trazem um efeito
superior a qualquer medicamento. Em casa, quando
alguém vem perto de mim para orar, eu sinto uma melhora
muito grande. Aquela angústia, aquela dor, não foi o
remédio... Daquela hora em diante passo a me sentir
melhor, dormir melhor. Nos momentos mais difíceis,
primeiro falo com Deus e ligo pra igreja. Depois pego os
remédios./
Deus deu a alguns pastores a unção da cura. Eu peço a
Deus todos os dias a cura. Deus levou consigo todas as
nossas enfermidades e todas as nossas dores. /
A igreja que eu freqüento tem me dado um apoio muito
bom. O pastor teve lá em casa. Ele ligou lá pra casa e
perguntou: “posso ir aí agora?”. /
O médico não é médico por que ele estudou, mas porque
Deus o constituiu para ser médico. Deus constitui os
médicos para cuidar das pessoas. Tudo o que o médico faz,
faz porque Deus quis na esperança de um tratamento que,
junto com a fé em Deus, possa trazer cura. Deus é o médico
dos médicos; sem ele, médico nenhum teria sucesso. /
Aqui nunca foi feito nenhum comentário sobre religião.
Gostei de um gesto que um médico fez. Falei que Deus
estava em minha vida, aí ele falou em Deus. Eu achei isso
muito importante.
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...) /
Eu quase não
converso (...)
É Deus que me dá toda força. Eu sempre peço forças a ele.
Se não fosse ele, eu não agüentaria. Ele faz tudo, se não
fosse ele, eu não estaria aqui na terra. Eu fico angustiada.
Eu não posso ficar contra Deus: se eu estou aqui é por
causa dele. Às vezes estou sentindo mal-estar, ele me
melhora. Peço ajuda a ele: “Senhor, me abençoa, sou sua
filha!”. Peço a ele saúde. Eu rezo sozinha, pego a Bíblia e
leio uns capítulos. Quando eu estou meio pra baixo, pego a
Bíblia e leio. Não é uma coisa que vai me curar, mas me
alivia. /
Eu tenho pedido a libertação dessa doença. Deus pode fazer
um milagre, ele pode operar na gente./
O pessoal da igreja vai a minha casa, o padre já foi já foi lá
em casa rezar... Eles dizem: “estamos rezando por você!
Qualquer coisa que precisar, o padre vai!”. Eles são muito
legais. O padre fala pras pessoas irem às casas rezarem pela
cura de quem está doente. Todo mês vão na minha casa. /
Na minha igreja dizem que a gente não pode abandonar o
tratamento. E também pra gente não perder a fé e estar
sempre pedindo a Deus o que a gente quer. Primeiro eu falo
com os médicos, depois eu busco a Deus./
No hospital já fizeram muitas perguntas uma vez. Faz
muito tempo.
As crenças me
ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...) /
Eu quase não
converso (...)
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Sempre rezo, escuto uma oração. Peço a Deus pra me dar
força, coragem e saúde... O restante a gente resolve. Eu
rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu
tratamento. Peço a Deus força pra chegar aqui e voltar pra
casa. Como Deus me ajuda! Até dormindo... A gente
acorda ruim e pensa: “eu não vou, não”. Mas Deus me dá
forças e eu penso: “vou sim”. Eu agradeço a Deus por tudo
que ele fez comigo... O único culpado de tudo isso foi eu
mesmo. /
Às vezes o meu irmão vai lá a casa e faz uma oração.
Nunca é demais. Quando estive internado, vieram orar, eu
aceitei. As palavras me dão forças, são sempre bemvindas./
Pra mim, Deus está no que eu estou fazendo aqui. Quando
eu entro e saio do hospital eu penso em Deus. Busco em
Deus força e coragem. Depois procuro os médicos. Deus
está em primeiro lugar em tudo.
O que mais me fortalece para enfrentar a doença é acreditar
em Jesus. Nos momentos difíceis da doença, ele está
sempre comigo. Assim como Jesus veio ao mundo e sofreu
por nós, nós temos que sofrer também. Só que a gente sofre
um pouquinho que ele sofreu também. Me sinto
confortado. Se eu ficar mal-humorado, xingando todo
mundo, sem comer ou beber direito... Não é assim o
caminho. /
Peço a cura todo dia. Peço que Deus dê essa alegria a
minha família./
Peço a Deus para suavizar meu sofrimento. Em segundo
lugar, as mãos dos médicos. Que Deus esteja sempre na
frente.
A minha fé tem sido fundamental pra enfrentar a doença, É
justamente essa fé que me aponta para um final feliz, uma
saída pra essa situação. Eu poderia estar com um
pensamento totalmente contrário, com certa revolta. Você
pára e pensa: “por que comigo?”. Freqüento as reuniões e
estudo as Escrituras. Esse estudo é fundamental, elas
mantêm a esperança. A música religiosa também ajuda,
procura estar sempre ouvindo. Ajuda a manter acesa esta
expectativa positiva, não me deixa desviar o foco./
Pra mim, Deus tem o poder de restaurar a saúde do ser
humano. Se não é via comida e remédio, só pode ser
milagre. Hoje eu acredito que o meu tempo aqui está
contado. Por que eu acredito em um milagre. E ele está
muito próximo. É a fé. Se eu creio então é “show de bola”,
a coisa vai funcionar./
O envolvimento com a reunião, o contato com as pessoas é
estimulador. As pessoas da minha igreja estão sempre
As crenças me
ajudam (...) /
Eu recebo apoio
(...) /
Eu concilio (...)
As crenças me
ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
concilio (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...)
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ligando pra mim, vão me visitar, mostram uma
preocupação, um interesse em saber como eu estou, como
está esse tratamento, se estou vivo. /
A Bíblia diz sobre o que faz bem e o que faz mal. Diz que é
preciso ter uma vida regrada. A ciência e a medicina vêm
de Deus. Existe uma luta entre o bem e o mal também na
ciência. É a luta da humanidade pelo bem. Percebe que a
doença é uma coisa do mal e começa a trabalhar essa
questão, busca uma solução para isso. É uma pesquisa
incessante, usa de todas as ferramentas que forem
possíveis. Vejo os médicos como agentes de Deus, como
anjos, que estão lutando contra esse mal.
Acredito na intervenção de Deus, no poder dele. Se ele não
ajudar quem vai ajudar? Ninguém! Ele me ajuda me dando
sabedoria, paciência, conhecimento... Conhecer as coisas
dele. Peço a Deus todo dia pra ele restaurar meu rim e me
dar sabedoria pra poder suportar tudo isso. /
Na hora do sofrimento ligado á saúde eu procuro em
primeiro lugar ajuda na minha religião. Vou à igreja, oro.
Desde que eu fiquei doente eu passei a orar e ir às missas.
Agora estou até lendo a Bíblia demais. /
O pessoal da paróquia vai lá a casa, reza o terço, fazia
culto... É bom pra mim. /
O médico é uma coisa, o padre é outra. Geralmente o
médico é ateu. Cada um tem o seu pensamento. Mas o
padre não vai se meter com médico e o médico se meter
com o padre. Não misturo as coisas.
Deus me dá condições para enfrentar a doença, mas tenho
que me esforçar. Não sei como... Eu não consigo
quantificar, é um sentimento. Eu sinto que ele me ajuda e
não tenho a menor dúvida. /
Tenho a fé de que um dia vou melhorar. /
Os amigos adeptos de várias religiões fizeram orações,
preces, visitas. Alguns me visitaram em casa, outros me
encontraram em outros ambientes, outros me telefonaram.
Isso me ajudou muito. Outras pessoas me visitaram na
enfermaria oferecendo orações. Me perguntaram se teria
algum problema fazer uma oração. Uma reza... Diversas
religiões. Falei: “fiquem à vontade, por favor”./
A maioria das pessoas que me abordam tão mais
preocupadas com a minha doença do que com um assunto
mais pessoal. /
Obviamente que eu vou procurar ajuda nos profissionais
que tratam da patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não
são coisas mutuamente excludentes.
Acredito que Deus sempre dá um conforto espiritual, um
tipo de paz. É muito importante. Pra conviver com tudo
isso, é preciso ter muita paz. Se não você não agüenta, não.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu fiquei mais
religioso (...) /
Eu recebo apoio
(...) /
Eu concilio (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu quase não
converso (...) /
Eu concilio (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu concilio (...)
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/
O padre dá orientação pra gente se cuidar. Eu não sou
desses caras que ficam buscando cura, não. Se Deus me
libertar dessa doença, tudo bem; se não, tenho que levar até
o fim.
Quando eu vinha pra cá eu não andava. Os médicos
ajudaram, mas se não for a ajuda de Deus a gente não
vence de jeito nenhum.
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É Deus quem me dá forças pra sobreviver. Termino a
hemodiálise e agradeço a proteção dele; quando chego a
casa também. Essa fé que eu tenho é que me fortalece. Eu
tenho essa concepção: nada é por acaso. Muita gente diz:
“Deus não me ajuda”. Não! A gente tem que entender que
muita coisa acontece por nossa causa. A gente não sabe o
que fez na vida passada.. Tudo tem um merecimento. /
A cura não existe, a não ser que eu faça um transplante. A
fé de curar eu não tenho não. Até porque eu não tenho um
exemplo de que aconteceu isso. /
Na minha concepção é o seguinte: temos o lado espiritual e
o lado material. O médico não tem nada com o lado
espiritual. Ele cuida do corpo. Aí é evidente que não vai ter
conflito. Eu até questiono as Testemunhas de Jeová que
dizem não poder fazer transfusão de sangue. Isso é coisa
material do ser humano. Tenho consciência que os médicos
estão aí para me ajudar... Estou sempre pedindo a Deus que
oriente os médicos. Senão dá um nó na cabeça da pessoa...
Agradeço a Deus porque ele deu inteligência aos médicos
pra cuidar de mim.
Eu oro todos os dias antes de dormir por Senhor Jesus
Cristo me ajudar a vencer os obstáculos. Deus me ajuda
muito nas coisas que eu preciso e não tenho condições de
obter. Eu penso muito em Deus, só ele pode resolver certas
coisas. No caso de doença, se o homem não tá conseguindo
resolver, só Deus mesmo./
Se você vai pedir alguma coisa a Deus e está difícil, você
pede a Deus pra conseguir. Mas doença é outra coisa. Se
você vai comer coisas gordurosas, você vai ter problema
nas articulações... Então tem que evitar comer gordura, se
não evitar vai ter problema. Na minha igreja falam que
você tem que continuar orar até ser atendido, mas nunca
ouvi falar de ter que parar o tratamento. Nos momentos
mais difíceis eu procuro os médicos porque eles são as
pessoas ideais para o meu problema. Religião é uma coisa
totalmente diferente. Nem tudo você pode dizer que Deus
vai resolver. A maioria dos problemas os médicos
resolvem. Você pode pede que o Senhor Jesus esteja
presente, os médicos vão fazer aquilo que ele determinar na
As minhas crenças
ajudam (...) /
Eu não acredito na
cura (...) /
Eu concilio (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu concilio (...) /
Eu não acredito na
cura (...)
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mente deles, aí você pede pra tudo correr bem. Tem médico
que tem umas religiões bem diferentes de outros... Já
aconteceu de descobrir que o médico era ateu. O ateu não
acredita em nada, só acredita nele mesmo. Então não
adianta pedir./
Existe a realidade: eu não vou ficar bom nunca. Mesmo
assim eu peço que o Senhor Jesus Cristo me dê uma vida
melhor. Eu sinto muita dor no peito, falta de ar... Eu
acredito que possa melhorar.
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Se eu estou sofrendo hoje, amanhã será diferente. Minha fé
é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por mim,
não me deixa sozinho. Às vezes sinto um vazio, um
pânico... É como um vento que dá e passa. Estou me
agarrando as minhas orações. Isso melhora. Às vezes não
tenho o que pensar aqui, aí eu fico orando e, de repente, o
tempo passa. Oro pra encher a cabeça. /
A última vez que eu pensei em desistir da hemodiálise foi
em cima de uma maca. Eu comecei a me lembrar da minha
infância, senti que tinha que voltar as origens e voltei a
freqüentar a igreja. Eu faço o terço todo dia, quando deito e
quando levanto. Agora eu me sinto mais firme, como se
estivesse no caminho em que devo andar./
As pessoas da minha igreja estão sempre me visitando,
telefonam, eles me levam pra igreja. Eu fico feliz./
Nunca me perguntaram nem me falaram nada sobre
religião. Eu já falei com companheiros de quarto, internada,
sempre entre nós. Toda semana ia alguém orar, às vezes no
mesmo dia, entrava um e saia outro. Mas aqui na
hemodiálise não. Eu gostaria que viesse.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu fiquei mais
religioso (...) /
Eu recebo apoio
(...) /
Eu quase não
converso (...)
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Todo dia eu rezo, todo dia... Eu tenho fé, né? Tem que ter
fé. De um jeito ou de outro, Deus sempre ajuda a gente. Às
vezes eu estou passando mal, eu peço, Graças a Deus
sempre melhorei./
Isso aqui não cura. Nem com médico quanto mais com
religião. Pra doenças leves eu acredito, peço a cura. Mas sei
que não tem jeito não: enquanto eu viver, tenho que fazer
hemodiálise.
Eu sou muito devoto de São Jorge e Nossa Senhora
Aparecida. As forças que eu tiro é dele dois. Quando eu
estou muito angustiado, eu busco um conforto nas orações
que eu faço a eles. Quando eu quero eu peço: “ai, meu
Deus! O que é que está acontecendo?”. Faço o meu
lamento, o meu desabafo e me sinto confortado./
Eu peço pra ficar curada. Se Deus achar que a pessoa deve
ser curada, ela vai ser. Se Deus achar que eu devo ser
As minhas crenças
me ajudam /
Eu não acredito na
cura (...)
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As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) / Eu
recebo apoio (...) /
Eu quase não
converso (...)
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curada, eu vou receber um rim para transplantar. Não fico
pedindo que isso vai acontecer. Alguém tem que morrer pra
eu receber! O que tiver que ser meu vai ser no seu tempo.
Cabe a mim me cuidar, levar uma vida melhor, me adaptar
a situação que a doença traz. Senão, ela só vai piorar./
Quando eu vou às reuniões eles conversam comigo, estão
sempre indo lá em casa dando apoio. É aquele conforto,
perguntam se estou precisando de alguma coisa, como
estou indo, se preciso de alguém pra fazer alguma coisa,
oferecem orações./
Não. Eu sempre escuto algumas enfermeiras que são
evangélicas. Quando eu quero, boto um cordão e a pulseira
de São Jorge. Ninguém nunca falou nada.
Depois que os médicos falaram que não vão me inscrever
para o transplante eu passei a crer mais em Deus./
Se não fosse pra Deus me ajudar, ele já tinha me levado.
Ele já tinha me tirado a idéia de ir pra frente. No começo eu
pedia a ele proteção e força para não fazer nenhuma
besteira. Eu não podia fazer besteira porque a minha
religião diz que quem se mata é covarde e não tem sossego
do outro lado. Hoje busco ajuda na Palavra. /
Eu peço muito a cura a ele./
Todo mundo da minha igreja que ficou sabendo dá a maior
força. Dizem: “puxa, em vista do que você estava, você
está bem melhor!”. Isso vai levantando a gente. Acho que é
essencial ter alguém que te apóie./
Se Deus não der a capacidade para os médicos, o que seria?
Se Deus não ficasse olhando, o que seria? Continuo com a
fé, mas em primeiro lugar os médicos. Na minha igreja só
pedem pra você crer em Deus. Que se você crer, ele vai te
curar. Mas se o padre falar: “você tá curado”, é claro que
eu não vou acreditar. Quem é ele pra falar isso?
A importância de Deus na minha vida é a minha vida. Deus
me ajuda me dando força pra viver. Se não fosse ele, eu
não estaria aqui, né? Na minha saúde é muito importante.
Penso mais nele ainda e melhoro logo. /
Todo dia eu peço a cura a Deus. Eu acredito que ele vai me
dar a cura. Eu estou na fila do transplante. Acredito que vai
chegar o mais rápido possível. Enquanto isso eu vou
fazendo a hemodiálise tranquilamente. Se não tiver o
transplante, acredito que ele vai me dar a cura assim
mesmo. /
Nunca perguntaram nada sobre religião.
Acredito que Deus me ajuda. Ele não lhe da a vida que
você não possa suportar. Faço minha hemodiálise sem
complicações. Vejo tanta gente com complicações... Às
vezes eu rezo, eu oro. / Quando a coisa aperta a gente
pensa mais em Deus. Até o cara que não acredita, quando a
Eu fiquei mais
religioso (...) /
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...)/
Eu
recebo apoio (...) /
Eu concilio (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...)/ Eu não
converso (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu fiquei mais
religioso (...) /
Eu acredito na
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coisa aperta ele chama o nome de Deus. /
cura (...) /
Peço a Deus a cura, que ajude aos meus amigos daqui Eu quase não
também. Se for da vontade dele me curar, tudo bem. converso (...)
Enquanto der eu vou fazendo o tratamento. / De vez em
quando a auxiliar de enfermagem conversa comigo. Nunca
nenhum médico me perguntou sobre religião, nunca ouvi
eles falarem sobre isso aqui. Os enfermeiros sim.
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Deus tem me sustentado. Deus é fiel, tem que ter fé. Eu
sempre peço a ele assim: “se estou passando por isso, não
me dê nem mais nem menos, mas na medida certa”. Aí eu
suporto. Quando eu estou passando mal eu digo: “Senhor,
me ajuda”. Fico confiante e Deus move tudo. Busca ajuda
pra enfrentar a doença. Se o Senhor não pode me curar, me
ajuda a renovar minhas forças, paz de espírito, paz de
coração... Pra não sofrer, não sentir dor./ Peço a cura
também./
Se na minha igreja me mandarem parar de fazer o
tratamento, eu não paro. Vou pra outra igreja. Se fosse
assim, Deus não dava o dom para o homem, para os
médicos. Oro e tomo os remedinhos, faço o que deve ser
feito. /
Tem umas enfermeiras que são evangélicas, a gente
conversa... Elas sabem dos meus problemas. Elas têm uma
palavra de conforto, de carinho. Mas aqui não falo muito.
Infelizmente há muito preconceito. Quando eu vim fazer a
minha admissão, o médico perguntou qual era a minha
religião e mais nada.
Peço muito a Deus e ele vai me dando forças. Dá vontade
de desistir e aí eu recupero a vontade de continuar. /
Também busco a cura pela oração./
Busquei a religião por causa da doença. Você fica sem
saber o que fazer./
Na minha religião orientam a gente a se cuidar, a tomar os
remédios direitinho, não largar a hemodiálise... A mesma
coisa que os médicos falam.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) /
Eu concilio (...) /
Eu quase não
converso (...)
Muito! Eu oro todos os dias. Tudo que eu peço, Deus me
devolve. Se estou com muita dor ou um problema no
catéter, ele me ajuda. Converso muito com Deus para me
fortalecer. É muito bom! Faz uma diferença incrível, você
não tem noção! Quando estou na pior é a Deus quem eu
busco. /
Também peço a ele a cura.
Deus é quem me dá forças pra enfrentar a doença. Oro e
falo com o padre, principalmente depois que comecei a
fazer hemodiálise. Deus está me protegendo aeui. As
enfermeiras podem errar, isso aqui é muito perigoso.
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...)
As minhas crenças
ajudam (...) /
Eu acredito na
cura (...) /
Eu fiquei mais
religioso (...) /
Eu concilio (...)
As minhas crenças
me ajudam (...) /
Eu concilio (...)
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Sempre peço pela saúde. Deus ajuda, mas tem que fazer
por onde... Deus ajuda quem trabalha. Me consola quando
eu penso no que Jesus passou na cruz: qual é o sofrimento
maior que este? Ele veio pra isso. Não é que ele merecesse,
ele tinha uma missão. Ele não queria sofrer, mas suportou.
Penso: “por que está acontecendo isso comigo?”. Olho pra
trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo diz que você
tem que zerar o que você fez aqui para partir do tempo. /
Aqui é uma coisa, lá é outra. Aqui é o corpo; lá é o espírito.
Ao vir aqui, Deus está agindo no médico, dando sabedoria,
saber qual é o problema que estou tendo e qual é o remédio
que eu estou precisando. Tem gente que procura a igreja e
não o médico. Quem cura é Deus, mas ele dá sabedoria aos
médicos. Peço ajuda a Deus em primeiro lugar, mas não
deixo de procurar os médicos. Acho que é uma profissão
divina, inigualável. Pessoas que trabalham dedicadas,
cuidando do sofrimento dos outros.
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