UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE ANDERSON NUNES PINTO ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: PACIENTES E MÉDICOS EM UM PROGRAMA DE HEMODIÁLISE RIO DE JANEIRO 2013 ANDERSON NUNES PINTO ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: PACIENTES E MÉDICOS EM UM PROGRAMA DE HEMODIÁLISE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenção do grau de mestre em Educação em Ciências e Saúde. Área de concentração: Ensino Orientadora: Profª Eliane Brígida Morais Falcão RIO DE JANEIRO 2013 P659e Pinto, Anderson Nunes. Entre a máquina e a fé : pacientes e médicos em um programa de hemodiálise / Anderson Nunes Pinto. – Rio de Janeiro : NUTES, 2013. 157 f. ; 21 cm. Orientadora: Profa. Eliane Brígida Morais Falcão. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) -- UFRJ, NUTES, Rio de Janeiro, 2013. Bibliografia: f. 101-106. 1. Assistência médica. 2. Hemodiálise - Tratamento. 3. Religiosidade. I. Título. II. Falcão, Eliane Brígida Morais. CDD 616.125088 Ficha elaborada pela Biblioteca de Recursos Instrucionais/NUTES Anderson Nunes Pinto ENTRE A MÁQUINA E A FÉ: pacientes e médicos em um programa de hemodiálise Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde. Aprovado em __________________________________ ______________________________________________________ Profa. Dra. Eliane Brigida Morais Falcão – UFRJ ______________________________________________________ Profa. Dra. Ana Elisa Bastos Figueiredo – FIOCRUZ ______________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca – UFRJ Dedico este trabalho aos meus pais, Ana Maria Nunes Pinto e Valdeci Alves Pinto. Valeu a pena o esforço de vocês pela minha educação. Dedico também a minha filha Sofia, pela passagem do seu quarto aniversário. AGRADECIMENTOS À minha esposa Cristiane e às minhas filhas, Andressa e Sofia, pela compreensão e tolerância em virtude dos meus afastamentos para dedicar-me às atividades acadêmicas; À Profª Eliane Brígida Morais Falcão, pela generosidade e confiança com que me abriu a oportunidade de estar no Laboratório de Estudos da Ciência e com que me orientou neste e em outros trabalhos realizados no NUTES; Ao Prof. Marco Antônio Alves Brasil, chefe do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do HUCFF/UFRJ pelo fundamental apoio dado ao longo do mestrado; Ao Prof. Maurilo de Nazaré de Lima Leite Jr. e ao Dr. Egivaldo Fontes Ribamar pela confiança depositada em mim ao autorizar a realização da pesquisa no Programa de Hemodiálise; Aos colegas do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica pela confiança e estímulo; Aos colegas da turma 2011 de mestrado NUTES e do Laboratório de Estudos da Ciência, especialmente a Viviane Vieira, pelo companheirismo e solidariedade; Aos funcionários da Secretaria Acadêmica da Pós-Graduação do NUTES Lúcia Cristina Castanho Cardinelli e Ricardo Hadlich pela presteza no atendimento sempre que foi necessário; À Alessandra Galvão da Silva pela ajuda na configuração deste trabalho. Permanece um sentimento de que Deus também está na jornada. Santa Teresa de Ávila RESUMO PINTO, Anderson Nunes. Entre a máquina e a fé: pacientes e médicos em um programa de hemodiálise. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Esta dissertação é resultado de uma pesquisa realizada em um programa de hemodiálise de um hospital público universitário do Rio de Janeiro. O seu objetivo foi investigar a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento em pacientes e médicos de um programa de hemodiálise. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 30 pacientes e 20 médicos do referido programa. Foi usada como base teórica a Teoria das Representações Sociais de Moscovici e a metodologia qualiquantitativa de análise do discurso do sujeito coletivo (DSC) de Lefèvre e Lefrève. Os resultados revelaram o reconhecimento, pelos investigados da presença e da importância das práticas e crenças religiosas no contexto da assistência médica, valorizadas sobretudo como um recurso, tanto no enfrentamento das dificuldades da doença e do tratamento, no caso dos pacientes, como no enfrentamento das situações difíceis vividas no exercício profissional, no caso dos médicos. Embora isto seja reconhecido pelos médicos, a religiosidade não é objeto de estudo em de abordagem sistemática na rotina assistencial, o que é percebido pelos pacientes como desvalorização da sua religiosidade. O apoio de grupos sociais aos pacientes como os familiares e religiosos revelaram-se um dado relevante na adesão ao tratamento. O conjunto dos resultados indica a religiosidade como tema relevante a ser incluído na agenda de estudos para incremento da qualidade da formação médica. Há necessidade de melhor divulgação entre os médicos sobre o impacto da religiosidade na saúde, bem como sobre a sua abordagem no contexto assistencial. Palavras-chave: Religiosidade. Educação médica. Pacientes da hemodiálise. Médicos. ABSTRACT PINTO, Anderson Nunes. Between the machine and faith: patients and doctors in a hemodialysis program. Rio de Janeiro, 2013. Thesis (Master of Science in Education and Health) - Educational Technology Center for Health Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. This dissertation is the result of a survey conducted in a hemodialysis program of a public university hospital in Rio de Janeiro. Its aim was to investigate the relationship between religiosity and attitudes towards disease and treatment on patients and physicians a hemodialysis program. Were conducted semi-structured interviews with 30 patients and 20 physicians of the program. Was used as the theoretical basis of the Theory of Social Representations Moscovici and methodology of qualitative and quantitative analysis of the discourse of the collective subject (DSC) and Lefevre Lefevre. The results revealed the recognition by investigated the presence and importance of religious beliefs and practices in the context of medical care, particularly valued as a resource, both in facing the difficulties of the disease and treatment, in the case of patients, as in facing difficult situations experienced in professional practice for doctors. Although this is recognized by doctors, religiosity is not the object of study of systematic approach in routine care, which is perceived by patients as devaluation of their religiosity. Support from social groups to patients as family and religious proved an important finding in treatment adherence. The overall results indicate religiosity as relevant topic to be included in the research agenda to improve the quality of medical training. There is need for better dissemination among physicians about the impact of religion on health, as well as on its approach in their health care. Keywords: Religiosity. Medical education. Hemodialysis patients. Physicians. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1. "O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?” 40 Quadro 2. “Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?” 44 Quadro 3. “Como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?” 49 Quadro 4. “O que significa fazer hemodiálise para você?” 56 Quadro 5. “Sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?” 65 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Adesão ao DSC dos médicos relativos à primeira questão "o que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?” 43 Tabela 2. Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?” 49 Tabela 3. Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?” 54 Tabela 4. Adesão ao DSC dos pacientes relativos à questão “o que significa fazer hemodiálise para você?” 64 Tabela 5. Adesão ao DSC dos pacientes relativos à questão “sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?” 73 LISTA DE ANEXOS ANEXO A – Roteiro de entrevistas com os pacientes ANEXO B – Roteiro de entrevistas com os médicos ANEXO C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os pacientes ANEXO D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os médicos ANEXO E – Expressões-chaves e ideias centrais – médicos ANEXO F – Expressões-chaves e ideias centrais – pacientes LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CCS – Centro de Ciências da Saúde DSC – Discurso do sujeito coletivo HUCFF – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho NUTES – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 14 2 JUSTIFICATIVA 2.1 A relação histórica entre religiosidade, ciência e saúde 2.2 A influência da religiosidade no contexto da saúde 19 19 23 3 OBJETIVOS 3.1 Objetivo geral 3.2 Objetivos específicos 30 30 30 4 METODOLOGIA 4.1 Marco Teórico: a Teoria das Representações Sociais de Moscovici 4.2 Abordagem metodológica: o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) 4.3 Sujeitos 4.4 Contexto da pesquisa 31 31 32 34 36 5 RESULTADOS 5.1 Perfil dos médicos 5.2 DSC – médicos 5.3 Perfil dos pacientes 5.4 DSC – pacientes 39 39 39 55 56 6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 6.1 Discussão do DSC dos médicos 6.2 Discussão do DSC dos pacientes 6.3 DSC – médicos e DSC – pacientes: semelhanças e diferenças 75 75 82 92 7 CONCLUSÕES 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101 ANEXOS 107 14 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa intitulada “Entre a Máquina e a Fé: pacientes e médicos em um programa de hemodiálise” reflete questões suscitadas ao longo de meus 17 anos de vida profissional, primeiramente como técnico de enfermagem (07 anos) e depois como psicólogo (10 anos), quase sempre atuando em hospitais públicos e, na maioria das vezes, servindo a população de baixa renda. Tenho atuado junto a pacientes em situações-limite da existência, seja por serem vítimas de doenças agudas graves, seja por serem portadores de doenças crônicas incapacitantes, não raro agravadas pelas precárias condições sociais de vida. Trabalho atualmente em um hospital universitário no atendimento a portadores de diversas patologias e condições médico-hospitalares, tanto no ambulatório geral, como nas enfermarias, respondendo a pedidos de parecer das diversas clínicas e fazendo o acompanhamento psicológico quando indicado. Em suma, tenho trabalhado ao longo da minha carreira com doentes crônicos em vários momentos da evolução de suas doenças e de seus respectivos tratamentos. Tenho me deparado frequentemente com pacientes (e familiares) que possuem crenças religiosas com discursos e atitudes diversas frente à doença crônica e ao tratamento, ora favoráveis, ora desfavoráveis do ponto de vista terapêutico: negação da realidade da doença, esperança com relação à cura, coragem diante de tratamentos difíceis, resistência diante das reagudizações clínicas, resignação diante de perdas irreparáveis, etc. Apenas para ilustrar, há tanto aquele que, à espera de um milagre, recusa-se à cirurgia de amputação do membro irrecuperável, como aquele que segue à risca o tratamento proposto pelo médico, visto como um “instrumento nas mãos de Deus”. Seja como for, em minha experiência profissional a religiosidade vem se mostrando como algo muito presente na história e na relação dos pacientes com seus problemas de saúde. No caso dos pacientes portadores de insuficiência renal crônica, tenho observado no meu cotidiano que as referidas atitudes são freqüentes, independente do nível escolar e socioeconômico. Nos últimos anos tenho me voltado para o cuidado psicológico aos pacientes portadores de insuficiência renal crônica, atendendo a uma importante demanda existente no hospital onde trabalho. A rotina de atendimento da Psicologia consiste em fazer avaliações iniciais dos pacientes (antes de começar ou no início do tratamento), fazer interconsulta (ação do profissional de saúde mental junto a equipe solicitante de um serviço hospitalar, visando 15 esclarecer, diagnosticar e propor condutas para um determinado problema psicológico e/ou psiquiátrico), responder a pedidos de parecer feitos pelos médicos e acompanhar pacientes em casos de dificuldades de ajustamento à doença e/ou ao tratamento, instabilidade emocional ou reações psicológicas à doença e/ou ao tratamento com sintomas depressivos e ansiosos. A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma síndrome que pode ser causada por diferentes nefropatias e consiste em lesão renal e perda irreversível da função dos rins, órgão responsável por diversas funções homeostáticas. À medida que a perda da função renal progride, o paciente pode desenvolver diferentes manifestações clínicas. Em termos epidemiológicos, a IRC é considerado um problema de saúde pública nacional, caracterizando-se por alta morbimortalidade e taxas de incidência e prevalência crescentes nos últimos anos (LAGE; MONTEIRO, 2007). A IRC é considerada uma condição sem alternativas de melhoras rápidas, de evolução progressiva, que causa problemas médicos, sociais e econômicos (RESENDE ET AL, 2007). As técnicas de tratamento, desenvolvidas nas últimas décadas, para os pacientes IRC são a diálise (hemodiálise e diálise peritoneal) e o transplante renal, denominadas Terapias Substitutivas Renais. De acordo com dados do Ministério da Saúde, no Brasil, a hemodiálise representa 89,63% da terapêutica dialítica, geralmente antecedendo o transplante no percurso de tratamento do paciente (LAGE; MONTEIRO, 2007). O número estimado de pacientes em programa de diálise em todo o mundo é de aproximadamente 1.200.000, número este que aumenta em média 7% ao ano. No Brasil, dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) de 2006 apontam a existência de mais de 70 mil pacientes em terapia substitutiva (MOURA JUNIOR et al, 2008). A hemodiálise é um tratamento de apoio à função renal e consiste na remoção de substâncias tóxicas e excesso de líquido por uma máquina de diálise, em um procedimento cuja duração leva de 2 a 4 horas, necessitando ser realizado numa freqüência de 2 a 4 vezes por semana. A máquina funciona como um rim artificial, pois contém um filtro especial que purifica o sangue do paciente (PEDROSO & SBARDELOTTO, 2008). Uma série de complicações técnicas e efeitos colaterais podem afetar o paciente, tais como: ruptura de membrana, coagulação sanguínea, mal-estares, dores nas pernas, sede, sensação de cansaço, prurido, dor óssea, vômitos, câimbras, cefaléias, convulsões, demência, disfunções sexuais e transtornos do sono (ROSA, 2005). Sendo assim, o tratamento hemodialítico pode ser responsável por um cotidiano restrito e as atividades dos pacientes tornam-se limitadas após o 16 início do mesmo, favorecendo o sedentarismo e a deficiência funcional, fatores que se refletem na vida diária do paciente (RESENDE ET AL, 2007). Tem sido observado que muitos pacientes em hemodiálise apresentam prejuízos psicossociais importantes, estando submetidos a um estresse constante relacionado às exigências do tratamento, a dificuldades de acesso aos serviços e aos procedimentos de saúde, à vulnerabilidade física, tendo baixa expectativa de vida, e a restrições na vida laborativa e social (RESENDE ET AL, 2007; PICCOLOTO & BARROS, 2002). Esta condição médica também está associada à maior prevalência de transtornos depressivos, transtornos ansiosos e suicídio (JÚNIOR J. ET AL, 2008). Assim sendo, tem sido ressaltada a importância dos aspectos psicossociais no tratamento da IRC como fatores de proteção e de promoção da qualidade de vida dos pacientes, dentre os quais aparece a religiosidade (CUKOR ET AL, 2007; RUDNICKI, 2007). A religião é uma dimensão cultural importante das sociedades humanas, que tem exercido historicamente a função de prover significados para que os sujeitos possam interpretar a sua experiência e organizar a sua conduta. Segundo GEERTZ (1989, p.104-5), “... religião é um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas.” A definição acima deixa claro que a religiosidade pode exercer uma poderosa influência na formação e determinação das atitudes, considerando, de acordo com RODRIGUES, ASSMAR & JABLONSKI (2000, p.100) que “Atitude é uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, e que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este objeto.” Fortemente interessado em compreender o fenômeno da relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento, constatei que o conhecimento oriundo da minha formação psicológica não era suficiente. Em minha especialização em Envelhecimento e Saúde do Idoso, cursado na ENSP/FIOCRUZ voltei-me para a questão da finitude e do sentido da vida em idosos hospitalizados, portadores de doenças clínicas, de baixa renda e de nível escolar variando entre o fundamental e o médio. Embora não fosse o meu foco na 17 ocasião, deparei-me com a religiosidade dos idosos durante as entrevistas realizadas em minha pesquisa, tendo sido a fé em Deus um dos motivos mais apontados pelos mesmos como algo que lhes dava sentido à vida e disposição para viver. Fortemente motivado pelo desejo de melhor compreender meus pacientes (e seus familiares) do ponto de vista religioso, entrei para um curso de Teologia. Não por acaso, o tema da minha monografia de fim de curso foi “O Conceito de Sofrimento da História da Teologia: dos Apóstolos aos Reformadores”. Durante a produção deste trabalho tive a oportunidade de conhecer o pensamento de Max Weber ao ler “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Esta leitura despertou o meu interesse em aprofundar a questão do ponto de vista das Ciências Sociais. Weber discorre sobre a diferença de atitude entre protestantes e católicos com relação à busca do bem-estar: enquanto estes adiavam a felicidade para uma vida além, aqueles a procuravam nesta vida através do trabalho e da produção de riqueza. Chamou a minha atenção também o que denominou “ascetismo intramundano” em que as pessoas evitariam prazeres relacionados ao ócio e aos excessos no beber e no comer, considerados pecaminosos, e viveriam de modo disciplinado, modo de vida que hoje em dia é considerado favorável à promoção da saúde (WEBER, 2004). Além disso, retive a advertência de WEBER quanto ao risco de se fixar em uma única interpretação causal da história e da cultura, admitindo que as idéias religiosas tanto influenciaram quanto foram influenciadas pela totalidade das condições sociais (WEBER, 2004). Tive a clareza de que tinha um longo caminho a percorrer no meu esforço de compreender o fenômeno que observava em meu trabalho clínico. Portanto, meu caminho seria não só o da Psicologia, o da Teologia ou o da Sociologia, mas o da reflexão integrada de diferentes perspectivas teóricas oferecidas pelas diversas áreas de investigação do comportamento humano. Meu passo seguinte nesta direção foi inscrever-me, na condição de aluno especial, na disciplina “Ciência e Religiosidade” do Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde/UFRJ, ministrada pela professora Eliane Brígida de Morais Falcão. As aulas ajudaram-me a entender que há um pano de fundo que condiciona a relação entre a religiosidade e a educação na instituição hospitalar, pois embora instituída pela modernidade e regida pela lógica científica, a educação em saúde também sofre a mediação simbólica e sociocultural da religião. Assim sendo, a relação entre religiosidade, saúde e educação é particularmente importante no contexto de um hospital universitário que, além da assistência, 18 tem o compromisso com a produção de conhecimento e a formação de recursos humanos. Particularmente tenho atuado também em educação, sendo coordenador de um curso de especialização em psicologia hospitalar e da Residência Multiprofissional no hospital em que atuo. Finalmente, devo dizer que a minha inserção no NUTES/UFRJ aumentou a minha motivação em pesquisar mais profundamente sobre o assunto, o que me levou a inscrever-me para o ingresso no Curso de Mestrado. Acredito que a pesquisa em curso possa contribuir não apenas para a minha formação, mas de fato ter relevância acadêmica e social, conforme a justificativa a seguir. 19 2 JUSTIFICATIVA 2.1 A relação histórica entre religiosidade, ciência e saúde Os progressos da pesquisa científica relacionados com a medicina referem-se apenas a um recente e inconcluso período da história da humanidade. Durante a maior parte, a magia, a religião e a cura quase sempre andaram juntas (HENRY, 1998; ROSSI, 2001). A associação entre religiosidade e saúde possui raízes histórico-culturais muito antigas, presentes em mitos gregos, em rituais indígenas e nas inscrições bíblicas, que influenciaram e ainda influenciam a cultura. Encontra-se, frequentemente, em relatos de pacientes de diversas religiões, alusão à percepção de causalidades religiosas de suas doenças assim como da cura desses males, ilustradas por falas como: “Deus quis assim” ou “se Deus quiser ficarei bom” (FARIA E SEIDL, 2005). Também há a associação entre saúde e bênção divina assim como entre doença e pecado ou punição (PAIVA, 2007). Um exemplo recente disso pode-se ser encontrado entre certos grupos evangélicos que associam a AIDS a represália divina à suposta “perversão” e “perversidade” dos homossexuais (MACHADO, 1996). São tradicionais as peregrinações a espaços considerados sagrados com objetivo de pedir curas ou “pagar promessas” por curas recebidas. Uma característica comum das religiões é a sua relação com o sofrimento e a morte, pois elas oferecem um sistema de crenças que dá sentido aos acontecimentos, para além do mero acaso ou falta de sorte (VASCONCELOS, 2006). Sendo a realidade assim entendida e, em certa medida, controlada, experimenta-se um conforto diante do sofrimento conforme o cotidiano nos mostra em diferentes situações: missa de sétimo dia, visitas de padres e pastores em hospitais muitas vezes por demandas de pacientes, o uso do terço e de imagens de santos bem como da Bíblia em momentos críticos. O movimento intelectual iluminista gerou o modelo racionalista de conhecimento das ciências modernas, assistindo-se a partir do século XVII a um progressivo processo político e cultural de separação entre a Igreja e o Estado e entre a vida religiosa e a organização do funcionamento das instituições públicas, que se denominou de secularização (HENRY, 1998; ROSSI, 2001). Essa mudança significa fundamentalmente o enfraquecimento da autoridade religiosa sobre as pessoas, que passaram aos poucos a verem as religiões mais como recursos a serem adicionados segundo as circunstâncias ou necessidades do que como princípios inquestionáveis aos quais se deve obediência (RIVERA, 2010). Numa cultura moderna, em 20 que se reconhece a autonomia dos diversos segmentos da vida individual e social, a saúde e a doença não têm de passar pelo crivo religioso (PAIVA, 2007). Não mais as atividades médicas seriam exercidas dentro da esfera sagrada, como nos mosteiros e sob a responsabilidade dos monges que tratavam tanto do corpo quanto da alma, mas assim em instituições médicas racionalizadas, com emprego do método científico (FIGUEIREDO, 2006). O enfraquecimento da autoridade religiosa sobre as pessoas reflete-se não na ausência de crenças ou práticas religiosas, mas no enfraquecimento do compromisso com as instituições religiosas e os seus dogmas. Observa-se nos dias atuais uma tendência ao individualismo e à mobilidade religiosa. Isto significa dizer que o fato de uma pessoa declarar ser adepta de uma religião específica não implica em uma adesão exclusiva às crenças e práticas daquela religião, assim como o fato de uma pessoa declarar não ter religião, não implica que ela não tenha crenças ou práticas religiosas. Deve-se observar, no entanto, que o referido enfraquecimento da autoridade religiosa na sociedade é relativo, perdendo a religião a sua força na esfera institucional e pública, mas não necessariamente na esfera privada onde se pode observar uma diversidade de crenças em diversos segmentos sociais. Segundo Berger, a secularização pode ser entendida como sendo de dois tipos: a objetiva e a subjetiva. A objetiva refere-se ao enfraquecimento da religião como uma instituição e a subjetiva refere-se ao enfraquecimento da religião enquanto crença (MARIZ, 2006). Seja como for, o impacto da modernidade, os efeitos da urbanização no campo cultural, a industrialização capitalista e o avanço do conhecimento científico levaram a importante mudança no papel das religiões nas nossas sociedades e na vida dos indivíduos. Sua perda de influência na vida política correspondeu também a um processo de individualização, em que sua importância passou a ser concentrada na vida privada das pessoas, embora se assista contemporaneamente à busca de espaço público pelas religiões (CASANOVA, 1994; BERGER, 2001). Porém, as religiões continuam presentes de forma relevante. O mundo de hoje, com algumas exceções, é tão religioso quanto antes do início do processo de secularização, e até mais em certos lugares, como é o caso da Rússia através do renascimento da religião cristã ortodoxa após a queda do regime comunista, da África sub-saariana através da expansão do islamismo e da América Latina através do crescimento dos evangélicos (BERGER, 2001). Na América Latina, especialmente, os estudos disponíveis sobre religiões populares urbanas 21 mostram que à medida que avança a urbanização social e cultural, nem sempre se observa a racionalização secularista de suas crenças, e, inclusive, revitalizam-se a magia e as superstições. A influência crescente dos movimentos pentecostais, dos cultos afro-brasileiros e de expressões mágico-religiosas no catolicismo popular mostra que a urbanização nos países latino-americanos pode igualmente estar na origem de transformações do campo religioso que, longe de diminuir a magia, o simbolismo e o fervor religioso, os incrementa, uma vez que estimula a criatividade religiosa no povo (PARKER, 1996). No Brasil, trata-se de um traço marcante de sua cultura. Segundo o Censo demográfico de 2010 realizado pelo IBGE, 92 % da população se considera religiosa (IBGE, 2012). Os resultados do referido Censo confirmam estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas em 2009 a partir dos microdados da PNAD/IBGE segundo o qual a religiosidade está em alta na alvorada do novo milênio, com diversificação das crenças alternativas em comparação à década passada, sendo constatada uma tendência para uma crescente situação de pluralismo e diversidade religiosa no país (NERI, 2011, p.639). Mas já no Censo de 2000, respondendo à pergunta: “qual a sua religião?”, chegou-se a trinta e cinco mil respostas diferentes, o que traduz uma pluralidade de crenças disseminadas por todo o país (TEIXEIRA E MENEZES, 2006). Este quadro de multiplicidade de ofertas religiosas e liberdade de escolha vêm se mantendo desde o CENSO de 2000, tendência que pode ser considerada como resultado do processo de modernização, liberalização e democratização operado no país e também da diversidade de suas tradições culturais: religiões afro-brasileiras, cristãs e dos imigrantes (ANTONIAZZI apud TEIXEIRA E MENEZES, 2006). Observa-se, concomitantemente, o aumento do total dos sem-religião, que passou, do CENSO demográfico de 2000 para o de 2010, de 7,4% da população para 8,04% (IBGE, 2000; SOMAIN, R., 2012). Deve-se assinalar, entretanto, que os que se declararam “sem religião” não constituem um grupo de indivíduos que necessariamente não possuem crenças religiosas. Pesquisa realizada em 2004 em 23 capitais e 27 municípios brasileiros sobre mobilidade religiosa mostrou que 41,4% dos indivíduos sem religião justificaram a própria condição afirmando que possui uma religiosidade própria sem vínculo com igrejas e somente 0,5% não acreditavam em Deus (FERNANDES, s.d.). Um fenômeno considerado um traço característico da cultura brasileira é o sincretismo religioso, que consiste no entrelaçamento de entidades, símbolos e discursos religiosos (STEIL, 2001). Um exemplo concreto é a umbanda que, a partir de elementos extraídos do 22 catolicismo, do espiritismo, das religiões africanas e indígenas, constrói um sistema religioso com uma coerência interna (ibid). Porém questiona-se se o sincretismo não seria, ao invés de uma síntese de elementos religiosos diversos, uma constante que pode ser observada em todas as religiões e culturas, sendo próprio dos sistemas sociais reproduzir-se e perpetuar-se através da incorporação de símbolos e signos de outros sistemas e da reavaliação permanente dos seus próprios (SANCHIS, 2001). Neste caso, o sincretismo seria uma dimensão possivelmente universal na história das religiões, mas sendo mais encontrado na sociedade brasileira do que em outras sociedades. Pode-se afirmar, todavia, que a diversidade religiosa no contexto brasileiro é vista não apenas comparando as religiões entre si, como também comparando as orientações existentes dentro da mesma religião. As religiões afro-brasileiras são múltiplas (candomblé, batuque, umbanda, pajelança, xangô, etc.) e as religiões protestantes possuem um amplo espectro de denominações (assembléia de Deus, batista, congregação cristã do Brasil, Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus, etc.). Da mesma forma, o catolicismo é diverso, diferenciando-se pela incorporação de diferentes tendências em seu interior. Toda esta diversidade pode implicar em diferentes atitudes diante dos problemas da vida e, particularmente, daqueles relacionados á saúde. Estudos contemporâneos também mostram que a vivência religiosa pode ser importante na vida particular de profissionais de saúde e de pesquisadores da área da saúde pública. Mostram ainda que existe uma demanda oculta entre membros da comunidade científica para se fazer uma reflexão crítica sobre o assunto. Contudo constata-se pouco debate científico sobre a presença de crenças religiosas entre cientistas e entre profissionais no trabalho de saúde (VASCONCELOS, 2006; FALCÃO, 2010). Um exemplo da presença de crenças religiosas no contexto acadêmico-assistencial em saúde encontra-se em um estudo realizado em uma instituição hospitalar universitária com o objetivo de melhor conhecer visões, valores e atitudes dos médicos docentes em relação aos pacientes em processo de morrer. Constatou-se a ausência de um discurso religioso, não obstante 75% de o grupo investigado ter declarado a sua fé em Deus, o que sugere, segundo a autora, que investidos de seu papel de médicos e comprometidos com a idéia de cura científica, referirem-se a um Deus salvador poderia parecer um afastamento das atribuições profissionais (FALCÃO, 2009). Enquanto isso, uma extensa literatura de auto-ajuda, em grande parte inspirada em tradições religiosas, passa a ser divulgada amplamente na sociedade, proclamando idéias e 23 estratégias de saúde integradas a uma visão religiosa. Variadas publicações dos mais diversos tipos (livros, revistas, textos on-line, etc.) sobre a importância, o significado e as formas de utilização da religiosidade no enfrentamento dos problemas de saúde passam a ser consumidas amplamente pela população e, até mesmo, pelos profissionais de saúde. Apesar de toda essa mudança cultural, o debate acadêmico em saúde continua, via de regra, bastante restrito em relação à incorporação de aspectos religiosos na compreensão das atitudes dos pacientes e dos profissionais de saúde, tanto no processo de adoecimento, quanto no de cura e prevenção (VASCONCELOS, 2006). 2.2 A influência da religiosidade no contexto da saúde Historicamente, o discurso médico-científico tem se caracterizado pela busca da neutralidade e da objetividade, como também pelo menosprezo aos aspectos culturais presentes no relacionamento com os pacientes (HELMAN, 2003). A medicina ocidental como um todo, incluindo a psiquiatria, por muito tempo se caracterizou pela negligência ou oposição ao estudo da religiosidade como um fator possivelmente relevante para a saúde, caracterizando as experiências religiosas dos pacientes como evidências de psicopatologias diversas. A religião foi denominada, por LARSON E LARSON (1997), o fator esquecido na saúde física e mental. Freud na psiquiatria e Stanley Hall na psicologia, por exemplo, acreditavam que a religião gerava neurose e que teorias psicológicas iriam substituir as religiões como propiciadoras de visão de mundo e fonte de tratamento. Tais atitudes em relação à religião não eram baseadas em pesquisas científicas nem em estudos sistemáticos, mas primordialmente nas crenças e nas opiniões pessoais desses pioneiros. Como conseqüência, o campo da saúde mental subestimou e frequentemente desqualificou as crenças e práticas religiosas dos pacientes (KOENIG, 2007). Entretanto, este quadro está em processo acelerado de mudança. KOENIG, um dos maiores pesquisadores do tema na atualidade, afirma que várias pesquisas sugerem que as crenças e as práticas religiosas podem estar associadas com maior bem-estar, melhor saúde mental e um enfrentamento mais bem-sucedido de situações de alto estresse (KOENIG, 2007). Além disso, outros pesquisadores afirmam que o conhecimento e a valorização dos sistemas de crenças dos clientes colaboram com a aderência do indivíduo, assim como com melhores resultados das intervenções (PERES; SIMÃO; NASELLO, 2007). Também a 24 influência da religiosidade tem demonstrado ser possível fator de prevenção ao desenvolvimento de doenças, na população previamente sadia, e eventual redução de óbito ou impacto de diversas doenças (GUIMARÃES, 2007). Outros estudos têm enfatizado o possível incentivo que práticas religiosas oferecem a hábitos de vida saudável, suporte social, menores taxas de estresse, depressão e redução de mortalidade, provendo suporte e significado de vida (GUIMARÃES; AVENUM, 2007). Por fim, a literatura tem demonstrado a existência de relação entre religiosidade e qualidade de vida (PANZINI, 2007). A seguir, alguns exemplos de tais pesquisas. KOENIG, GEORGE & TITO, pesquisadores da Duke University e, realizou, juntamente com os seus colaboradores, uma pesquisa com uma amostra de 853 adultos internados no Duke University Medical Center (Carolina do Norte, EUA), concluindo que as atividades religiosas, atitudes e experiências espirituais eram predominantes no enfrentamento à doença e estavam associadas a maior apoio social recebido pelo seu grupo religioso, mas também por outros grupos, e pelo seu cônjuge, e melhor saúde física e psicológica (KOENIG, GEORGE & TITO, 2004). CARLETON ET AL, psicólogos pesquisadores da De Paul University, realizaram uma pesquisa com 2100 adolescentes americanos de baixa renda no contexto urbano. Os resultados desta pesquisa deram suporte para a hipótese de que recursos de enfrentamento religioso podem servir para interromper a ligação entre estresse e sintomas depressivos (CARLETON ET AL, 2008). IRONSON ET AL, pesquisadores da University of Miami na área da medicina comportamental aplicada ao HIV/AIDS, avaliaram em 100 pacientes durante 4 anos de seguimento os efeitos de mudanças na religiosidade após o diagnóstico de soropositividade para o HIV e suas conseqüências sobre as dosagens de CD4 e carga viral. A mudança na religiosidade dos pacientes, isto é, considerar-se mais religioso após descobrir que era HIV positivo e frequentar mais serviços religiosos, foi fator preditor independente para redução da carga viral e aumento dos valores de CD4 (IRONSON ET AL, 2006). AUKST-MARGETIC ET AL (2005), pesquisadores do Department of Psychiatry / University Hospital Zagreb, realizaram um estudo com 115 pacientes portadoras de câncer de mama recrutadas de uma unidade de radioterapia de um hospital especializado em tratamento de câncer que foram acompanhadas durante seis meses. A religiosidade foi associada a uma 25 prevalência significativamente menor de depressão e considerada um fator protetivo contra a depressão e de ajuda no processo de recuperação (AUKUST-MARGETIC ET AL, 2005). STRAWBRIDGE ET AL (1997), pesquisadores do Institute for Health & Aging da University of Califórnia, avaliaram 6298 pacientes da Califórnia, EUA, entre 16 e 94 anos, durante 28 anos de seguimento, com o objetivo de analisar a associação de longo prazo entre a frequência a atividades religiosas. Os praticantes regulares de atividades religiosas tiveram menores taxas de mortalidade, tendo interrompido o tabagismo, adotado atividade física regular e aumentado o suporte social. No Brasil, DALGALARRONDO ET AL (2004), pesquisadores da UNICAMP, fizeram um estudo transversal com uma amostra de 2287 estudantes de escolas públicas e particulares da cidade de Campinas, SP, verificaram que o uso pesado de pelo menos uma droga foi maior entre os estudantes que na infância não tiveram educação religiosa, concluindo que, entre outras variáveis, como nível sócio-econômico, tipo de escola e apoio e compreensão familiar, a educação religiosa na infância está relacionada a um possível efeito inibidor no uso de drogas. VOLCAN ET AL (2003), pesquisadores da Universidade de Pelotas, RS, realizaram um estudo transversal com 464 estudantes universitários da cidade de Pelotas, RS, a fim de examinar a influência do bem-estar espiritual na saúde mental dos estudantes. Estes pesquisadores basearam-se no conceito de bem-estar espiritual que consiste na percepção subjetiva de bem-estar do sujeito com relação às suas crenças religiosas, incluindo um sentido de relação com Deus e um sentido de satisfação e propósito na vida. Segundo este estudo, os estudantes que apresentavam bem-estar espiritual baixo ou moderado tinham o dobro de chances de possuir tais transtornos, concluindo que o bem-estar espiritual atua como fator protetor para transtornos psiquiátricos menores. Há também exemplos específicos da relação entre religiosidade e saúde nos pacientes em hemodiálise. FILKESTEIN ET AL (2007), pesquisadores da Columbia University College of Physicians and Surgeons, realizaram uma pesquisa com 200 pacientes em tratamento de hemodiálise e diálise peritonial investigando a relação entre percepções religiosas e espirituais e qualidade de vida. Os resultados sugeriram forte associação positiva, sem diferenças entre pacientes em hemodiálise e pacientes em diálise peritonial. SPINALE ET AL (2008), pesquisadores da George Washington University Center, realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a relação entre espiritualidade, apoio social e 26 sobrevida em 166 pacientes com doença renal terminal e concluíram que existe uma associação entre espiritualidade e sobrevivência que pode ser parcialmente explicada pelo aumento da percepção de apoio social em pacientes em hemodiálise que participam de atividades religiosas. KIMMEL ET AL (2003), pesquisadores da mesma instituição acima, realizaram um estudo multicêntrico (centros de diálise da Virgínia, de Washington e Nova York, EUA) com 165 pacientes renais terminais dialíticos para investigar as percepções dos pacientes sobre a sua qualidade de vida, encontrando nos resultados uma associação entre crenças espirituais, qualidade de vida e satisfação com a vida, juntamente com a percepção de apoio social e o controle da dor. BERMAN ET AL (2004), pesquisadores da University of Pennsylvania, realizaram uma pesquisa com 74 pacientes de dois centros de hemodiálise da Filadélfia (EUA) com o objetivo de investigar a relação entre religiosidade e satisfação com o cuidado médico, a satisfação com a vida e a adesão ao tratamento. Os resultados encontrados nesses pacientes mostraram que maior religiosidade está associada a maior satisfação de vida e mais satisfação com os cuidados médicos. Entre as produções brasileiras encontram-se MADEIRO ET AL (2010), pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade de Fortaleza, CE, que fizeram um estudo sobre adesão ao tratamento de hemodiálise em 45 pacientes renais crônicos de uma unidade de diálise de um hospital público de grande porte em Fortaleza. Os resultados mostraram a fé em Deus como um dos principais fatores de promoção da adesão ao tratamento de hemodiálise. Também CORDEIRO ET AL (2009), pesquisadores da Universidade de Goiás realizaram um estudo sobre qualidade de vida com 72 pacientes de uma clínica conveniada ao SUS do município de Goiânia, GO. Os resultados mostraram que pacientes religiosos referiram ter menos dificuldades no trabalho e enfrentar melhor os sintomas da doença renal (fadiga, prurido, cefaléia e náusea) quando comparados com pacientes que afirmaram não possuir religião. É importante ressaltar que o uso de enfrentamento religioso só faz sentido se essas crenças fizerem parte do sistema de valores geral da pessoa. Dessa forma, não se defende o uso da religiosidade no enfrentamento de sua doença, mas sim de sua valorização e incentivo quando o paciente possui crenças religiosas e, em virtude disso, já o faz em sua vida. Neste 27 sentido é útil considerar o conceito de enfrentamento. LAZARUS e FALKMAN (1986) definem enfrentamento como esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo de exigências ou demandas internas ou externas, que são avaliadas como sobrecarga aos recursos pessoais. Os esforços despendidos pelos indivíduos para lidar com situações estressantes, crônicas ou agudas, têm-se constituído em objeto de estudo da psicologia social, clínica e da personalidade, encontrando-se fortemente atrelado ao estudo das diferenças individuais. Porém, grande parte da literatura sobre enfrentamento concentra-se em estudos do campo da psicologia da saúde, mais especificamente direcionada a condições de cronicidade e realização de procedimentos médicos. Estratégias cognitivas ou comportamentais para lidar com eventos estressores, advindas da religião ou da espiritualidade da pessoa, foram definidas como enfrentamento religioso (ANTONIAZZI; DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998). O enfrentamento religioso nem sempre é eficaz no sentido de efetivamente contribuir no tratamento. PARGAMENT ET AL argumentam que a religião pode assumir funções diferentes nos diversos estilos de solução de problemas que variam conforme a atribuição de responsabilidade e do nível de participação da pessoa na resolução do problema (PARGAMENT ET AL, 1998). Os estilos de solução de problemas podem inibir ou promover o desenvolvimento de competência pessoal e iniciativa, favorecendo a esquiva ou atrasando a busca de cuidados médicos ou modalidades de tratamento. Os referidos autores identificaram padrões positivos e negativos de enfrentamento religioso das situações de doença. Várias características foram consideradas representativas do padrão positivo, como busca de apoio espiritual, perdão religioso, enfrentamento religioso colaborativo, ligação espiritual, purificação religiosa e redefinição benevolente do estressor. Já as características do padrão negativo foram o descontentamento religioso, a redefinição punitiva do estressor por Deus, a presença de conflitos interpessoais com membros do grupo religioso, a atribuição da causa ao demônio e o aparecimento de dúvida sobre os poderes de Deus para interferir na situação estressora (FARIA, J.B.; SEIDL, E.M.F. , 2005). Ainda problematizando a importância da relação entre a religiosidade e a saúde, é interessante considerar a Teoria do Apoio Social tal como desenvolvida por Vincent Valla (2001). Esta teoria tem como idéia central o seguinte: quando as pessoas sentem que conta com o apoio de um grupo de pessoas (associação, vizinhança, igreja, por exemplo), isso tem o efeito de causar melhora em sua saúde. Esse apoio normalmente ocorre, de forma sistemática, 28 entre pessoas que se conhecem, razão pela qual frequentemente envolve uma instituição ou entidade como pano de fundo. É assim que cabe considerar esse apoio social como uma das explicações do extraordinário crescimento da presença das classes populares nas igrejas de todas as religiões, mas principalmente nas chamadas “evangélicas” ou “pentecostais”. Atrás dessa procura está também o processo do crescimento da urbanização, o consequente aumento das demandas dos bens coletivos e individuais e, ao mesmo tempo, a dilapidação dos direitos sociais e humanos. Segundo o pensamento de Valla, a falta de apoio institucional, nesta época de mudanças sociais intensas, faz com que as igrejas sejam, muitas vezes, a principal alternativa que oferece um sentido para a vida e para convivência solidária. Afirma ainda que, por outro lado, a frágil presença dos partidos políticos, de associações e do próprio Estado entre os pobres, faz dos grupos religiosos as alternativas de suporte social e fonte de motivação para enfrentar a pobreza. As referidas perspectivas teóricas apontam para certas possibilidades de interpretação do fenômeno, concordando entre si no sentido de que a religiosidade pode ser um recurso de enfrentamento às doenças e aos respectivos tratamentos. No entanto, apontam também para possíveis aspectos prejudiciais dessa relação, mostrando que a religiosidade pode ser um fator deletério e que se acentua em função do enfraquecimento da presença do estado e de condições para o pleno exercício da cidadania. Em suma, não é fácil distinguir quando a religiosidade constitui ajuda ou obstáculo ao alcance de resultados adaptativos no processo de enfrentamento. A presente pesquisa segue a trilha aberta da dúvida, pretendendo compreender se e como a religiosidade participa do processo saúde-doença no caso específico dos pacientes renais crônicos do programa de hemodiálise de um hospital universitário. Não obstante os estudos acima sugerirem a existência de uma associação favorável entre religiosidade e a saúde, é razoável questionar se tal associação existiria em todos os casos, considerando as diferenças contextuais em que os mesmos foram realizados. Foi observado neste levantamento bibliográfico que a grande maioria dos estudos foi realizada em países mais desenvolvidos economicamente, com um nível escolar mais elevado e mais secularizados. Além disso, predomina no segmento religioso destas sociedades a adesão à religião cristã na vertente protestante. Cabe investigar se os resultados seriam os mesmos no contexto brasileiro, visto que há relativamente poucos estudos aqui. A presente pesquisa visa contribuir no sentido de conhecer as peculiaridades do fenômeno dentro de um recorte social diferenciado, investigando a realidade de pacientes em um programa de hemodiálise de um 29 hospital público e universitário no Rio de Janeiro, ou seja, em um grupo cujo perfil sócioeconômico é predominante de baixa renda e baixa escolaridade e cujo perfil religioso é de maioria católica e mais diversificado do que o perfil dos países onde foram realizados os estudos citados, com acesso a serviços de um hospital quaternário e profissionais de alta qualificação. Por último, cabe ressaltar que este trabalho está em consonância com a Portaria do Ministério da Saúde nº 1168/GM de 15 de junho de 2004, que institui a Política Nacional de Atenção ao Portador de Doença Renal, uma vez que pretende contribuir para aumentar o corpo de conhecimentos necessários para a boa prática assistencial. Está escrito em seu Art. 3º: X - qualificar a assistência e promover a educação permanente dos profissionais de saúde envolvidos com a implantação e implementação da Política de Atenção ao Portador de Doença Renal, em acordo com os princípios da integralidade e da humanização. IX - capacitação e educação permanente das equipes de saúde de todos os âmbitos da atenção, a partir de um enfoque estratégico promocional, envolvendo os profissionais de nível superior e os de nível técnico, em acordo com as diretrizes do SUS e alicerçada nos pólos de educação permanente em saúde. 30 3 OBJETIVOS 3.1 Objetivo geral O objetivo geral deste trabalho é investigar a presença de crenças religiosas entre pacientes e médicos e como a religiosidade é expressa face à doença e ao tratamento em um programa de hemodiálise de um hospital universitário. 3.2 Objetivos específicos 2.2.1 Investigar os discursos relativos à religiosidade presentes no grupo de pacientes do Programa de Hemodiálise do HUCFF que justificam, influenciam ou interferem, se for o caso, nas atitudes frente à doença, ao tratamento e à equipe de saúde; 2.2.2 Investigar os discursos relativos à religiosidade presentes no grupo de médicos do Programa de Hemodiálise do HUCFF que justificam, influenciam ou interferem, se for o caso, nas atitudes frente à doença, ao tratamento e aos pacientes; 2.2.3 Investigar se os pacientes percebem que suas crenças religiosas ou atitudes para enfrentamento de sua doença e o seu respectivo tratamento inspiradas em suas crenças religiosas são valorizadas pelos médicos do Programa de Hemodiálise; 2.2.4 Discutir os possíveis conflitos entre os discursos produzidos pelos pacientes e o discursos produzidos pelos médicos do Programa de Hemodiálise. 31 4 METODOLOGIA 4.1 Marco Teórico: a Teoria das Representações Sociais de Moscovici Buscou-se para este trabalho um referencial teórico e uma metodologia adequados para os seus objetivos e que já têm sido usados na área da saúde, conforme será mostrado mais abaixo. É usada a abordagem quantiqualitativa, dentro do referencial teórico das Representações Sociais e a Metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). O termo “representação social” foi cunhado por Serge Moscovici para designar especificamente o tipo de fenômeno ao qual a sua interpretação teórica se aplicava. Moscovici elabora o conceito de representações sociais a partir do conceito de representações coletivas de Durkheim. Para este, a estabilidade da transmissão e da reprodução das representações coletivas é o que as diferencia fundamentalmente das representações individuais (JODELET, 2001, p. 47). Uma das principais mudanças que Moscovici introduz com relação a este conceito está na questão da estabilidade ao longo do tempo em dado grupo social. Enquanto as representações coletivas mantêm-se estáveis por longo tempo, tendendo a sua permanência, as representações sociais mudam no ritmo cotidiano das interações sociais, tendendo a impermanência. O interesse maior de Durkheim era compreender as forças e as estruturas que mantinham a sociedade coesa e estável. Neste sentido, as representações coletivas exerceriam um poder coercitivo. Em outras palavras, pode-se afirmar que a ênfase do pensamento de Durkheim era compreender o que fazia a sociedade não mudar ao longo do tempo. Moscovici apresentou uma proposta inversa: ele queria compreender o que fazia a sociedade mudar e como, ou seja, quais os processos que mantinham a sociedade coesa e estável e, ao mesmo tempo, mantinham em si contradições capazes de produzir mudanças na sua estrutura. Moscovici interessou-se pelo potencial transformador das minorias sociais bem como das inovações culturais (MOSCOVICI, 2010, p.14-15). Embora tenham certa estabilidade, as Representações Sociais se caracterizam pelo dinamismo de sua produção e reprodução. Para MOSCOVICI (2010), as representações sociais devem ser vistas como uma “atmosfera” com relação ao indivíduo ou grupo e como uma maneira específica de um grupo para compreender e comunicar o que sabe. Trata-se do universo consensual onde a sociedade possui uma voz humana em contraste com o universo reificado, que é o espaço próprio das ciências. Por isso, o universo consensual é o espaço do conhecido e do familiar e o universo 32 reificado é o do imparcial e do submisso. Os dois processos necessários para a produção de uma representação social são a ancoragem e a objetivação. Enquanto o primeiro assegura a inclusão do estranho no universo consensual, o segundo busca transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que exista no mundo físico (ibid, p. 49-53). 4.2 Abordagem metodológica: o Discurso do Sujeito Coletivo Baseada nos pressupostos da teoria das representações sociais, Lefèvre & Lefèvre criaram a abordagem metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Esta abordagem foi elaborada visando responder a pergunta sobre como obter descrições de pensamentos, crenças e valores em escala coletiva, partindo-se do pressuposto de que era possível produzir algum tipo de soma de discursos. Para tanto criaram o conceito de Discurso do Sujeito Coletivo, que é uma proposta de organização e tabulação de dados qualiquantitativos de natureza verbal, obtidos de depoimentos, coletados em pesquisas empíricas. Para obter os dados é preciso fazer perguntas abertas para o conjunto de indivíduos que de alguma forma compõem essa coletividade e deixar que esses indivíduos se expressem o mais livremente possível (LEFÈVRE & LEFÈVRE, 2003, p.15-16). Os DSC são confeccionados usando-se as figuras metodológicas das expressõeschaves e das idéias centrais. As expressões-chaves são pedaços, trechos ou transcrições literais do discurso que revelam a essência do depoimento, a partir dos quais são construídos os Discursos do Sujeito Coletivo. Uma vez identificadas todas as expressões-chaves, essas devem ser analisadas e agrupadas por semelhança. Cada conjunto de expressões-chaves semelhantes é nomeado por uma idéia central que expressará o sentido básico do conjunto de expressões-chaves semelhantes. As idéias centrais são, portanto, nomes ou expressões lingüísticas que revelam e descrevem, da maneira mais sintética, precisa e fidedigna possível, o sentido de cada um dos depoimentos analisados e de cada conjunto homogêneo de expressões-chaves, sendo não uma interpretação, mas uma descrição do sentido de um depoimento ou de um conjunto de depoimentos (ibid, p.17). O DSC é um discurso-síntese redigido na primeira pessoa e composto pelas expressões-chaves que têm a mesma idéia central. É assim, uma abordagem metodológica que, utilizando uma estratégia discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação 33 social, bem como o conjunto das representações que conforma um dado imaginário (ibid, p.18-19). Cabe esclarecer que se busca reconstruir tantos discursos quanto se julgue necessários para expressar as representações sociais sobre um fenômeno (ibid, p.19-20). O DSC tem se mostrado uma abordagem proveitosa no campo da saúde para o estudo da relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento, como sugerem as pesquisas a seguir. Em uma pesquisa realizada por TEIXEIRA & LEFRÈVE (2008) procurou-se identificar o significado da intervenção médica e da fé religiosa para o paciente idoso com câncer. Em outra pesquisa realizada pelos mesmos autores e utilizando a mesma metodologia, buscou-se identificar o significado da fé religiosa no trabalho da enfermeira e o significado atribuído pela enfermeira á fé religiosa no tratamento e na vida do paciente idoso com câncer (TEIXEIRA & LEFÈVRE, 2007). Como último exemplo de utilização da técnica DSC neste campo, CARVALHEIRA, TONETE & PARADA (2010) realizaram uma pesquisa que objetivou compreender a experiência relativa à morbidade materna grave, a partir de um grupo de mulheres que vivenciou esse problema, mostrando, entre outros, a utilização do recurso da religiosidade. Para a presente pesquisa, a coleta de dados foi feita mediante entrevistas semiestruturadas orientadas por questões abertas abordando opiniões, condutas e atitudes com relação à religiosidade e o seu papel no contexto assistencial. Também foram coletados dados sobre o perfil religioso e sócio-demográfico. Os sujeitos foram estimulados a discursar o mais livremente possível a partir de questões relacionadas ao objetivo do trabalho. Os dados foram anotados e posteriormente analisados. A freqüência de expressões-chaves encontradas para cada idéia central no grupo investigado foi medida por meio de porcentagem. Este procedimento permite melhor visualização da adesão a cada idéia central. Tendo em vista os objetivos da pesquisa, os discursos do sujeito coletivo foram elaborados e organizados em torno de determinadas questões. Para os médicos foram as seguintes: 1ª) “o que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?”; 2ª) “como você lida com a sua própria religiosidade no ambiente de trabalho?”; 3ª) “como você aborda a religiosidade dos pacientes?”. Através das respostas a estas questões pretendeu-se mostrar as representações sociais dos médicos no contexto da hemodiálise a respeito da religiosidade dos pacientes (primeira questão), da religiosidade dos médicos (segunda questão) e da religiosidade como tema na relação médico-paciente. Já no caso dos pacientes as questões foram: 1ª) “o que significa a hemodiálise para você?”; 2ª) “A 34 sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no tratamento?”. No caso da primeira questão, pretendeu-se mostrar as representações sociais dos pacientes sobre a hemodiálise, a fim de melhor compreender a relação possível entre o a religiosidade dos pacientes e o seu principal recurso de tratamento; no caso da segunda questão, pretendeu-se mostrar as representações sociais dos pacientes sobre se e como a religiosidade dos pacientes participam do seu processo terapêutico. Os pacientes e os médicos foram convidados a participar com, no mínimo, uma semana de antecedência, sendo informados sobre a instituição de origem da pesquisa, os objetivos gerais do trabalho e o anonimato dos dados. As entrevistas são realizadas individualmente em uma das salas de consulta ou no espaço onde se realizam as sessões de hemodiálise, de acordo com a vontade dos sujeitos. No dia da entrevista são recapituladas as informações comunicadas na ocasião do convite para participar da pesquisa e, em seguida, é apresentado ao sujeito o termo de consentimento livre e esclarecido e, caso consinta, é solicitado a assinar o mesmo. Cabe ressaltar que a coleta de dados foi iniciada após a apresentação do projeto de pesquisa ao chefe de serviço da hemodiálise a fim de obter a sua autorização. 4.3 Sujeitos Os sujeitos para a pesquisa foram 20 pacientes presentes entre portadores de patologias e condições médicas que determinam a necessidade de fazer hemodiálise, sendo, na grande maioria dos casos, pacientes portadores de insuficiência renal crônica inscritos no programa de hemodiálise de um hospital universitário. Também foram sujeitos 20 médicos do referido programa, entre 21 membros em atividade, sendo eles do staff, residentes, diaristas e plantonistas. Quanto à escolha dos pacientes, o principal motivo consiste no fato do pesquisador ser psicólogo do programa de hemodiálise e constatar na sua rotina de trabalho a importante presença das crenças e da prática religiosa entre os pacientes assistidos. O segundo motivo, que está associado ao primeiro, é o fato de entre os sujeitos estarem pacientes que se encontram, em maior ou menor grau, em situações de sofrimento físico e psíquico e com limitada expectativa de vida, o que fez considerar, como hipótese, que neste grupo haveria uma maior necessidade de buscar a religião como um recurso importante no sentido de promover conforto, esperança e sentido para a vida. O terceiro e último motivo é que a 35 literatura aponta para a grande importância do suporte simbólico, afetivo e de cuidados para os pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Quanto aos médicos, o motivo é o fato de atuarem em um serviço universitário de um hospital de alta complexidade que, além da assistência, dedica-se ao ensino e à pesquisa, envolvendo nessas atividades tanto os médicos do staff quanto os residentes, o que abre um questionamento sobre as peculiaridades na abordagem realizada por esse grupo de profissionais às questões religiosas trazidas pelos pacientes: seria a religiosidade um tema valorizado e abordado pelos médicos no cotidiano de trabalho no programa de hemodiálise? Os sujeitos são pacientes adultos, de ambos os sexos, sem distinção de nível sócioeconômico, escolaridade e religião. Os critérios de exclusão para a escolha dos pacientes foram: 1) Ter menos de 18 anos de idade; 2) Ser portador de transtornos mentais graves; 3) Ser portador de retardo mental; 4) Apresentar quadros psiquiátricos agudos; 5) Apresentar quadros clínicos agudos; 6) Estar internado; 7) Estar realizando a hemodiálise no setor destinado aos pacientes aos pacientes portadores de hepatite C, ou seja, em espaço distinto dos demais pacientes em hemodiálise não internados. O critério de inclusão dos pacientes foi concordar em participar da pesquisa mediante a assinatura do paciente do termo de consentimento livre e informado e da assinatura do pesquisador do termo de responsabilidade. Ressalte-se que os pacientes haviam sido previamente informados sobre o seu diagnóstico pelos seus médicos de referência, o que pôde ser verificado em registro feito em prontuário ou diretamente com os médicos. 36 Para efeito da verificação das condições mentais, é considerada a avaliação psicológica de rotina realizada pelo psicólogo da equipe. Já quanto às condições clínicas, é considerada a avaliação médica de rotina realizada pelos nefrologistas. Ambas as avaliações podem ser acessadas no prontuário dos pacientes. Os critérios de exclusão dos médicos foram: 1) Ser médico parecerista atuando no programa de hemodiálise; 2) Ser médico do ambulatório do hospital não atuante no programa de hemodiálise. Já os critérios de inclusão dos médicos foram: 1) Ser médico nefrologista; 1) Fazer parte da escala de serviço do Programa de Hemodiálise; 2) Concordar em participar da pesquisa mediante a assinatura do termo de consentimento livre e informado e da assinatura do pesquisador do termo de responsabilidade. A pesquisa foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ (Parecer consubstanciado nº 23260). 4.4 Contexto da pesquisa O programa de hemodiálise do hospital universitário onde foi realizada a pesquisa funciona no setor de nefrologia, 7º andar. Funciona de segunda-feira a sábado, sendo cada dia dividido em três turnos com quatro horas de duração cada. Os pacientes são provenientes dos ambulatórios e das enfermarias do hospital ou de outros serviços da rede de saúde, através da central de regulação de vagas da área programática de saúde. Cada paciente comparece três vezes por semana em turno e horário determinado. O programa atende 8 pacientes em cada turno e, assim, cerca de 48 pacientes por semana. Além desses pacientes, há atendimentos de emergência e outros voltados aos pacientes internados com insuficiência renal crônica. Não se trata de um centro de hemodiálise; portanto, os 37 pacientes permanecem em tratamento até conseguirem vaga em um centro de diálise da rede mais próximo de sua residência. Este período de espera varia de semanas a anos. O espaço físico onde é desenvolvido o programa de hemodiálise é parte do andar destinado à Nefrologia. Possui uma área externa onde há uma sala de espera e uma copa. Na sala de espera, os pacientes aguardam a chamada a ser feita pela equipe de enfermagem para início da sessão. Este é o principal espaço de interação entre os pacientes. Na copa, os pacientes podem realizar refeições e conversar livremente com qualquer membro da equipe multiprofissional. Já a área interna é onde são realizadas as sessões. É dividida em duas alas, ficando cinco pacientes em cada ala por sessão. Os pacientes ficam sentados em poltronas que formam um semicírculo no espaço destinado a realização das sessões. Os pacientes conseguem falar uns com os outros, porém precisam falar usando um volume de voz mais alto que o normal. A poucos metros dos pacientes fica uma bancada onde os profissionais fazem anotações e outras tarefas de rotina. Na área interna todos os profissionais circulam e interagem frequentemente com os pacientes. Os pacientes podem interagir com aqueles que ficam na ala oposta, porém antes ou depois das sessões. Já os profissionais circulam mais livremente no espaço físico do setor durante as sessões, interagindo entre si com mais frequência. Além das áreas descritas, o programa de hemodiálise conta com uma recepção administrativa e duas salas para consultas, sendo estas de uso multiprofissional. Cumprindo o que determina a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (art.6º da resolução nº 154, de 15 de junho de 2004, que estabelece o regulamento técnico para o funcionamento dos Serviços públicos e privados de Diálise), o programa de hemodiálise possui uma equipe multiprofissional constituída por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta e psicólogo. A assistência religiosa no hospital é coordenada pelo programa de humanização que existe desde 2002. Este programa implementa o que está determinado pela Lei nº 9982, de 14 de julho de 2000, que dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais e militares. Antes da criação do programa de humanização, a assistência religiosa era oferecida conforme a demanda, sem a regulação institucional. Atualmente, o programa de humanização atua no sentido de garantir aos pacientes o direito à assistência religiosa de modo a não ferir o direito de quem não quer e não solicita assistência religiosa, evitando assim o proselitismo e os conflitos religiosos. O programa reúne-se periodicamente com os líderes religiosos que atuam 38 no hospital para definirem rotina e procedimentos comuns. Atualmente existe o oferecimento de assistência religiosa pelos católicos e pelos evangélicos. Na hemodiálise não existe rotina estabelecida para visitação, porém os pacientes podem participar das reuniões semanais que acontecem em salas do hospital. 39 5 RESULTADOS 5.1 Perfil dos médicos Foram entrevistados 20 médicos, do total de 21 médicos atuantes no Programa de hemodiálise, apenas não sendo entrevistado o médico chefe do programa devido ao exercício de suas funções administrativas fora do espaço próprio da assistência aos pacientes. Destes, 10 são membros do staff e 10 são residentes de nefrologia. Quanto ao sexo, metade é do sexo masculino e outra é do sexo feminino. Quanto à idade, 10 possuem menos de 30 anos, 7 entre 31 e 50 anos e 3 acima de 50 anos. Quanto à rotina de trabalho, 10 atuam tanto como médicos diaristas quanto como plantonistas, 7 são exclusivamente plantonistas e 3 são exclusivamente diaristas. Pode-se constatar que o grupo investigado apresenta uma proporção equilibrada tanto no que se refere ao status institucional (ser do staff ou residente), sexo, idade e rotina de trabalho. Todos foram receptivos ao convite e participaram com interesse. O tempo médio das entrevistas foi de 30 minutos. Quanto ao perfil religioso, 8 dos entrevistados declararam não ter religião, mas acreditar em Deus; 7 declararam ser católicos; 2 espíritas; 1 evangélico; 1 agnóstico e 1 ateu. Entre os médicos que tem religião, todos declararam ser praticantes, embora mais da metade tenha declarado não freqüentar reuniões religiosas com regularidade. Todos afirmaram praticar a sua religião de modo privado, geralmente através de orações ou rezas espontâneas e individuais. Entre os que declararam não ter religião, todos declararam possuir crenças e/ou práticas religiosas, mas sem adesão exclusiva às crenças e práticas de uma única religião. Comparando-se com os dados do Censo de 2010, que revelou 8% de "sem religião", pode-se observar que o grupo investigado é menos aderido a uma religião do que a população brasileira vista em seu conjunto, mas bem próximos se forem considerados aqueles que declararam acreditar em Deus. 5.2 DSC - médicos Foram produzidos três discursos relativos à primeira questão, seis relativos à segunda questão e cinco relativos à terceira questão. Os discursos produzidos não foram mutuamente 40 excludentes, o que significa que eles expressam representações sociais presentes em todos os componentes do grupo investigado, podendo variar ao longo do tempo a sua expressão verbal. A seguir, os discursos produzidos pelo grupo investigado referentes à primeira questão. Quadro 1 - "O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?” IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS MÉDICOS 1 – EU PENSO QUE A RELIGIOSIDADE DSC 1 PODE DAR UM APOIO PSICOLÓGICO Eu respeito todas as religiões. No fundo, eu acredito que tudo é a mesma coisa. É uma questão de se AO TRATAMENTO (adesão de 90 %) identificar mais com uma ou com outra. A religião em si quer o bem, mas os homens interpretam mal. Há casos que muitos dizem não ter mais jeito, drogados, bandidos, que se apegam à religião e mudam. A religião tem o seu papel na sociedade, não pode ser ignorada. Eu não sou nem um pouco preconceituosa: quantas pessoas não saem das drogas! De fato, a religião muda a vida das pessoas, independente do que se está pregando. A religião ajuda muito. Em geral eu penso que é uma coisa boa. Na verdade, considero a religiosidade uma coisa totalmente útil. É muito importante os pacientes se apegarem à religião. É um recurso, um suporte, uma forma de entender o que está acontecendo. É mais um reforço ao tratamento. Tudo o que o paciente faz para se ajudar, não atrapalhando o tratamento é bom. Quando ocorre em paralelo é excelente, nada que entre em conflito com o verdadeiro tratamento. É mais um alicerce psíquico para continuar na luta contra uma doença de elevada letalidade. Acho que a hemodiálise é um território para a psicologia. Aqui a demanda é imensa. Acho que os pacientes precisam de mais apoio psicológico. Acho que é assim: os médicos atendem 500 pacientes, mas eles só têm um médico. Eu acho que eles valorizam demais a gente, eles não deveriam dar tanta atenção às coisas pessoais. Na hemodiálise temos um contato muito próximo e muito prolongado com o paciente. Aqui parece que o ambiente é menor e os conflitos ficam mais intensos, fica tudo mais próximo... Cria um laço inevitável. Tem que ser próxima, mas se for demais... O paciente te desvaloriza como médico. Muita gente confunde proximidade com intimidade. Achar que os pacientes só vão falar da doença é um engano. Eles precisam desabafar, falar da sua vida. É difícil impor uma barreira, é estranho... Eles te sugam! Tudo eles falam: minha filha está com dor, meu marido está me tratando mal, meu vizinho está com um problema, tudo é a gente! Os pacientes trazem para nós todas as suas insatisfações que estão 41 vivendo, as dúvidas, desde a dor no joelho até a briga com o irmão... É muito difícil eles chamarem por uma coisa positiva, é sempre problema! Cadê a nossa alma, alguém levou? A religião é como um psicólogo. Em muitas situações, sei que isso é importante por causa do psicológico deles. A gente tá lidando com pacientes crônicos com bastantes problemas psicológicos. Na hemodiálise os pacientes são especialmente graves, a gente lida com paciente crônico, não tem cura. Eu acho interessante em um processo difícil como esse da hemodiálise. Os pacientes renais crônicos têm uma doença estigmatizante: se eles não tiverem o apoio da religião, fica difícil. Eles passam por um sofrimento muito grande, têm uma vida social limitada e baixa auto-estima. O paciente renal crônico sofre o tempo todo; a religião é para ele não se tornar o próprio sofrimento. Às vezes é uma coisa a que os pacientes se apegam pra não deprimirem e, assim, não perderem os laços familiares, não se isolarem e não tentarem o suicídio. Pessoas sem religiosidade tendem muito mais à depressão. Acreditar em alguma coisa é superválido para confortar. Às vezes o paciente sabe que não vai ter tratamento, então a religião dá conforto. É um atenuante para quem vive com uma doença crônica e serve como válvula de escape das suas preocupações e ansiedades. A religiosidade é um aporte importante para o paciente saber como lidar com a doença. O paciente com doença renal terminal estabelecida não vai receber um milagre de cura, mas pra enfrentar a doença, buscar coisas positivas pra vida dele... Ajuda a enfrentar a sua situação e os seus traumas. É bom para ele encarar as coisas de uma forma melhor. Independente de em que o paciente creia, ele precisa ter fé, ter esperança, de algo que sirva como motivação pra ele viver, acreditar que existe uma chance para ele. Todo mundo precisa, mas no momento de doença a pessoa está mais fragilizada. A religiosidade dá força e gana de viver; dá um sentido pra vida deles, pra aquilo que eles estão passando. Principalmente quando os pacientes começam a hemodiálise, eles precisam se agarrar em alguma coisa. Muitas vezes eles vão ao tratamento como se fosse o fim. Eles precisam da religiosidade pra ter esperança, pra entender melhor que as coisas não acabam porque começou a fazer hemodiálise. Muitos pacientes acham que estão jogando pra perder, que a vida já acabou. É uma forma de manter os pacientes com certa motivação porque a perspectiva de vida delas é nula. A religiosidade pode ajudar como uma forma de resignação. O paciente diz: “estou passando esse problema pela vontade de Deus”, “Deus quis assim”, “Deus sabe o que está fazendo”, já que ele não tem perspectiva de sair da hemodiálise. Quem é mais religioso aceita e tolera melhor a doença, como se fosse uma provação: talvez suporte para ter uma 42 recompensa no futuro. Quem tem fé é mais tranqüilo. Por outro lado, quem não tem religião é mais rebelde, faz o que não deveria fazer. Todos os que seguem uma religião, seguem mais o tratamento e são mais cooperativos. Geralmente o paciente religioso é mais aderente, é mais obediente e mais perseverante. A religiosidade ajuda a ele se manter de pé e a não deixar de se tratar. Principalmente no caso da insuficiência renal crônica, cada pessoa vai se cuidar dependendo da sua crença. Às vezes nós mesmos estamos duvidosos com relação ao tratamento e ao prognóstico e eles vêm com um pensamento positivo. Parece que há uma necessidade de ter fé. O remédio que a gente não encontra na farmácia tem que buscar em outro lugar. 2 – EU PENSO QUE A RELIGIOSIDADE DSC 2 PODE SER UM PROBLEMA PARA O A religião é usada como pretexto para matar e TRATAMENTO (adesão de 50%) dominar. A religião serviu muito para dominar os povos, catequizar. A religiosidade é importante desde que não seja ao extremo, até o limite em que não interfere no tratamento. Os que são mais religiosos, mas sem excesso, se dão melhor. Mas há religiões que podem ser obstáculos para o tratamento. Quando a religião não serve para motivar o tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo. Quando se pede a cura, aí vem o lado da negociação, o lado ruim da religião. Uma coisa que sai da realidade, que não tem nenhum fundamento técnico... Isso pode prejudicar muito a adesão deles. É meio complicado quando começa a influenciar na parte médica... A gente não consegue fazer o que é melhor pra o paciente por causa de questões religiosas. É uma coisa que pode ser muito boa, mas que acaba sendo muito ruim. Têm alguns pacientes que são muito ignorantes e alguns líderes religiosos acabam usando isso... O pastor disse que vai curar, que as coisas não são como são e a coisa acaba indo para um lado ruim. Passam por uma lavagem cerebral e acham que a religião explica tudo. Às vezes, a fé pode ser prejudicial: se for radical, a pessoa deixa de seguir uma orientação médica... Se o médico prescreve um remédio, diz que não vai tomar, e até deixa o tratamento... O paciente diz: “Deus vai me curar”, acha que tudo quem resolve é Deus e não precisa fazer mais nada. O radicalismo é, sem dúvida, um problema. 43 3 – EU PENSO QUE O PAPEL DA DSC 3 RELIGIOSIDADE NO TRATAMENTO PRECISA SER BEM AVALIADO (adesão de 15%) Já tive pacientes de várias religiões, eles não expressaram essa situação da religiosidade influenciar a adesão ao tratamento. Nenhum paciente chegou pra mim e disse que a religião está ajudando ou piorando a vida dele. A minha impressão é que favorece mais a adesão ao tratamento e que traz mais benefícios, mas depende muito de cada um. Quem tem religião vê a doença como castigo ou como algo que está acontecendo, mas vai melhorar. Quem não tem religião, vê de modo mais científico. Uns aceitam mais e outros menos, mas não dá pra dizer que os religiosos têm atitudes melhores que os não religiosos. Talvez isso dependa da personalidade, da estrutura familiar e da religiosidade, que viria em 3º lugar. Se você está frágil emocionalmente, não tem uma estrutura familiar, aí vem a religião. Não é uma substituta: pode ter uma importância maior ou menor. É mais uma questão de relação com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e aceitar o tratamento. Talvez a religião seja uma válvula de escape para alguns. Não tenho uma posição, mas acho que não interfere nem positiva nem negativamente. Tabela 1 – Adesão aos DSC dos médicos relativos à questão "o que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento?” DSC DOS MÉDICOS ADESÃO (%) DSC 1 - Eu penso que a religiosidade pode dar um apoio psicológico ao tratamento DSC 2 - Eu penso que a religiosidade pode ser um problema para o tratamento DSC 3 - Eu penso que o papel da religiosidade no tratamento precisa ser bem avaliado 90% 50% 15% Com relação à primeira questão, podem-se observar representações com características positivas onde a religiosidade é associada a um possível recurso psicológico de enfrentamento da doença e do tratamento, ainda que alertem para a possibilidade de que ela possa ser usada como substituta do tratamento e do próprio médico, bem como considerem que o seu papel precisa ser melhor avaliada em cada caso. Cabe ressaltar que o grupo usou os termos “religião” e “religiosidade” de forma genérica, sem fazer distinção entre eles. 44 A seguir, os seis discursos relativos à segunda questão: "Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?" Quadro 2 – "Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?” IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS MÉDICOS 4 – EU EVITO CONVERSAR SOBRE DSC 4 RELIGIÃO COM OS MÉDICOS NO A religião é um tema muito comum e muito pouco falado. Os médicos conversam muito pouco sobre religião. É muito difícil. Entre os médicos é um assunto que não circula, não se discute, não se pergunta... Isso não é abordado, não se explicita isso. Geralmente ele é rápido. A conversa fica estagnada porque um é católico, outro é evangélico, outro é espírita... Acaba não fluindo. Também porque médico é uma pessoa muito cética. Até para não ser julgado, avaliado. Ia virar uma discussão muito teórica. Médico é muito teórico. Acho que é uma coisa muito pessoal. Por isso eu não falo, cada um tem a sua. Quando conversamos sobre questões pessoais, a religião não aparece. Sei da religião de um ou de outro, dos mais próximos. Geralmente eu percebo um respeito, talvez se evite conversar sobre o assunto para não se criar conflitos. As pessoas, em geral, não param pra ficar discutindo religião. Cada um tem a sua própria e ninguém entra em controvérsia. Ninguém tenta mudar a cabeça de ninguém. Ninguém fica: “por que você acredita nisso ou naquilo?”. Geralmente é fora do hospital, a gente conversa e se respeita. Acontece de conversar mais com a enfermagem sobre esse assunto. A minha percepção é que na hemodiálise há muito mais profissionais da enfermagem religiosos. Aqui na Hemodiálise é muito pouco, ninguém aqui conversa muito sobre isso... Nunca aconteceu, não tem papo sobre religião. Não é rotina. Acontece mais informalmente do que direcionado aos pacientes, exceto quando há casos marcantes. Ocorrem conversas informais sobre alguma coisa relacionada a algum paciente, mas não é usual. Não me lembro quando foi a última vez... Aqui não me lembro de conversar sobre isso... Só quando tem o caso de uma paciente difícil, quando reclamam das Testemunhas de Jeová ou quando há uma situação que está sendo comentada, por exemplo, quando alguém faz uma chacina por motivos religiosos... Mas não é muito comum. Além disso, o trabalho está sempre agitado, sobra pouco tempo para conversar mais sobre isso. A gente fala mais sobre futebol do que sobre religião... A gente quer extravasar, jogar fora esse estresse, conversar sobre coisas mais leves. Dificilmente a gente parar pra pensar nesse assunto. Esse assunto é HOSPITAL (adesão de 90%) 45 muito deixado de lado pelos médicos. 5 – EU TENHO CRENÇAS RELIGIOSAS DSC 5 E ELAS TÊM SIDO ÚTEIS NO MEU Deus é tudo. É a primeira coisa na vida de todo mundo. Eu acredito em algo superior, acima de tudo. Acho que é uma coisa boa. Eu acredito que Deus seja uma pessoa superior, um espírito maior, quem sabe de todas as coisas, que é presente em todas as situações, de quem eu tenho necessidade e de quem eu tento pelo menos chegar próximo. Mas talvez Deus seja uma energia maior, nada personificado, nada humanizado. Não sei se é uma pessoa, uma energia, uma força, um espírito... Talvez o meu Deus seja a vida... E com todas as suas imperfeições. Talvez ele seja a justiça, o responsável pelo bom curso do mundo, da hora e da forma como as coisas acontecem. Deus é um nome, mas poderia chamar de outra coisa. Eu tenho a idéia de que Deus é o que cada um prega. O importante é que eu tenho uma relação com Deus e acredito nele. Eu acredito que Deus tenta nos ajudar nos momentos difíceis. Seria a solução pra tudo... Ao mesmo tempo a gente não pode achar que ele vai resolver tudo. Para o médico a religiosidade também é importante. Tive um colega que era ateu, mas conversando com ele, percebi que ele não era tão ateu assim. É da formação humana acreditar em algo além do que está vendo. Acho que ninguém é tão ateu. Se você não tiver religião perde o sentido do que está fazendo. A religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores condutas. A religião me ajuda a entender o sofrimento das pessoas, os pacientes que tratam mal, a convivência no ambiente de trabalho. No momento em que a gente acaba de perder um paciente que, em nossa opinião, teria chance de sobreviver. Peço a ajuda dele em termos de sucesso nos procedimentos, nos concursos, nos planos... Peço a bênção dele pra fazer tudo isso bem. Eu agradeço a Deus pelas coisas positivas que acontecem e nas dificuldades eu peço luz para encontrar as soluções. Posso dizer que isso acontece diariamente. Minha fé em Deus tem uma participação muito grande, efetiva, no meu trabalho. Eu sempre peço a Deus que ele me ajude, que eu não faça mal a ninguém. Faço as minhas orações e rezas antes de chegar ao plantão. Pra fazer as coisas certas, pra olhar o caminho certo sobre como conduzir o paciente. Nos procedimentos médicos peço a Deus pra me guiar. Eu sempre rezo antes de começar um procedimento e depois eu agradeço. Eu peço pra Deus guiar as minhas mãos quando eu vou fazer uma punção. Faço isso por causa do paciente e principalmente quando estou sozinho. Pra minha prática profissional é muito importante acreditar em Deus porque a gente lida com a vida das pessoas... Em várias situações a gente lida com pacientes graves. É uma situação em que se está exposto, grave, lidando TRABALHO (adesão de 80%) 46 com a vida dos pacientes. A gente procura alguma força sobrenatural que tranqüilize e dê mais ânimo. Do meu modo, eu ponho em prática as minhas crenças. A gente aprende que deve amar ao próximo. O ser bom está muito envolvido com religião. O importante é fazer coisas boas. Acredito que se você fizer o mal, ele volta pra você. Se você ficar com pensamentos negativos, isso atrai coisas negativas. A idéia de ajudar o próximo me influencia no dia a dia da profissão e em tudo. Sempre que a gente está com o paciente procura dar um conforto, um carinho. Eu sinto retribuição e é muito gratificante. É um diferencial. Em nível técnico pode ser semelhante, mas faz diferença no trabalho com o paciente. As minhas crenças me ajudam no trabalho indiretamente: em que a gente tem que fazer a nossa parte, o nosso papel, e em cuidar do paciente de uma forma humana, que a gente tem que fazer o bem. O paciente da hemodiálise é muito carente... Talvez tentar o máximo de benefício para ele. Mas me ajuda principalmente a lidar com a questão dos pacientes terminais. Acho importante acreditar em alguma coisa. Se não a impressão que dá é que é que tudo fica perdido... Aonde se vai depois da morte, o que existe além do que se está vendo, qual o motivo para algumas coisas acontecerem e pessoas aparecerem na sua vida... Tem umas pessoas que te tocam mais, pacientes... Nesses casos você faz mais, vai além porque você quer. A sua vida se torna muito difícil se você não acreditar em uma força superior. As coisas perdem muito o sentido. Por que uma pessoa tão boa sofre, por que umas sofrem mais do que as outras? Penso muito nisso. Se não pensar nisso, deixa de ser humano. Algumas frases ficaram: “a gente tem que passar por uma missão” e “o espírito, quando a gente se mata, não encontra luz”. Talvez a gente tenha uma caminhada longa para melhorar os sentimentos, as relações, o jeito de ser, de ver as coisas, de tratar as outras pessoas. 6 - EU CONCILIO MINHAS CRENÇAS DSC 6 RELIGIOSAS COM A MINHA Tenho uma religiosidade íntima e tenho uma formação científica. Eu não acredito em Adão em Eva. Eu acredito em Darwin. Mas quando a surgiu a primeira molécula? Deus estava ali. Botar a culpa no acaso pra tudo é muito fácil... Não me satisfaz. Já tive conflitos com meus colegas de trabalho. Um era criacionista, o outro era ateu: são dois extremos. Respeito, mas não concordo. Eu tento me manter com um pensamento racional, mas acho que isso não exclui a religiosidade. Isso não interfere nas decisões racionais. Eu tento intercalar religião e ciência. Acho que as duas coisas andam juntas. Deus dá inteligência ao homem pra ele se virar, né? São complementares. Eu não tenho uma religião padronizada. Tenho uma FORMAÇÃO CIENTÍFICA (adesão de 45%) 47 religiosidade própria, não institucional. Acho que nenhuma instituição religiosa é 100%. Acho que a religião tem erros enormes. Talvez a igreja tenha mais erros que acertos. Vou à missa numa boa, mas fico ali pra renovar minhas forças, não pra ficar concordando com aquilo que está sendo dito. Tem muita coisa que eu não concordo na minha religião. Por exemplo, ser contra o uso de preservativo. Eu, como médico, não posso concordar com isso. Existe esse sentimento ambíguo. Tenho discordâncias técnicas, como na questão do aborto, controle da natalidade, distanásia. Mas sou profundamente mística. Eu tenho uma religiosidade ligada à natureza. Sinto que há algo que emerge da gente que não pode ser demonstrado pelo método cartesiano-positivista, mas que está presente em tudo que é vivo. Ao mesmo tempo, não tem como fazer ciência com religião. Não é que ciência e religião estejam uma contra outra, mas são universos paralelos. Não dá pra fazer cálculos, dizer que se deve fazer isto ou aquilo com a religião. Na medicina a gente estuda e coloca em prática. Adquirir conhecimento é importante, mas o problema é a aplicabilidade. Há uma interface entre religiosidade e medicina. Há inúmeras camadas de conhecimento a serem esclarecidas. Eventualmente em situações difíceis eu rezo. Mas no trabalho tenho que ser frio e calculista, separar as coisas, tenho que ser técnico. Eu acredito nisso: que Deus faz milagres por meio das coisas materiais. O transplante seria um milagre. Os milagres são feitos através das atitudes dos outros, não através de um raio que vai cair na cadeira e tirar o paciente da máquina. 7 - AS MINHAS CRENÇAS RELIGIOSAS DSC 7 EMERGEM EM SITUAÇÕES RELACIONADAS À MORTE (adesão de 25%) Acho que muitas crenças e das vivências pessoais interferem nas decisões médicas. As crenças interferem na decisão de até onde vai investir no paciente ou não. Há situações em que não há regras absolutas. Existem vários conflitos entre religião e ciência, até que ponto você pode ou deve investir no paciente. De um ponto de vista profissional, penso por um lado; de um ponto de vista religioso, por outro lado. Para quê trazer de volta uma pessoa que não interage, toda sequelada? Por que não deixar seguir o curso natural da vida? Talvez Deus estivesse chamando o paciente para outra chance em outra vida. Com relação à morte, acho que a gente acaba criando um bloqueio, não sei explicar. Acho que o médico não fica totalmente insensível, mas cria uma barreira. O paciente morre e daqui há pouco a gente está vendo TV... As pessoas que não vivem o dia a dia do hospital não entendem isso. Mas quando vemos pessoas com quadros irreversíveis ou que vão a óbito, acaba vindo o assunto sobre por que estamos aqui... A 48 gente se pergunta se está fazendo as melhores escolhas, se está aproveitando bem a vida, se não deveria trabalhar menos, se deveria passar mais tempo com a família. Quando o paciente sabe que vai falecer, diz: “doutora, estou sentindo que estou morrendo” e depois morre... Todo mundo fica apavorado. Qual é a explicação pra isso? Não tem explicação. Isso gera uma polêmica, um nervosismo entre os médicos. Tem uns que acreditam em vida após a morte, outros acham que é uma besteira. 8 - EU TENHO DÚVIDAS SOBRE A DSC 8 MINHA RELIGIOSIDADE Não sei se acredito em Deus... Às vezes sim, às vezes não. Talvez ele exista. Deus é... Eu não sei... É difícil... Eu não consigo definir. Não consigo chegar a uma explicação... Talvez Deus seja... Um pensamento coletivo. Alguém? Não sei caracterizar muito bem. A gente não consegue aferir. Deus não é uma coisa pra ser definida. Acho que creio em Deus... Não sei se é Deus. Eu só penso em Deus nas horas que eu quero que ele me guie em alguma coisa, pra algum procedimento mais difícil aqui... Na verdade eu sempre peço a ele. Mas dizer que eu creio... Não é claro pra mim. É um conflito. Racionalmente não acredito que Deus existe. Mas toda vez que meu filho fica doente eu peço a Deus por ele. Às vezes eu penso que a vida é só o que existe aqui... Parece que é só biológico mesmo. Nas outras vezes... Essa necessidade de conforto... Eu me sinto confortado pela religião. Não é algo concreto. Eu me sinto em dúvida entre o meu juízo crítico e as minhas necessidades. Eu não sei se essa parte da atenção, do carinho, está relacionada à minha personalidade ou à minha religião. Eu não sei se eu crescesse no meio ateu se eu seria da mesma maneira. Eu acho que não, mas não tenho certeza. (adesão de 25%) 9 – EU SOU ATEU (adesão de 5%) DSC 9 Eu sou ateu, não acredito em nada. Sempre me apeguei muito a parte científica, na evolução, na origem do planeta. Fui questionando e achando desnecessária a religião. 49 Tabela 2 – Adesão aos DSC dos médicos relativos à questão "como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?” DSC DOS MÉDICOS ADESÃO (%) DSC 4 – Eu evito conversar sobre religião com os médicos no hospital DSC 5 – Eu tenho crenças religiosas e elas têm sido úteis no meu trabalho DSC 6 - Eu concilio minhas crenças religiosas com a minha formação científica DSC 7 - As minhas crenças religiosas emergem em situações relacionadas à morte DSC 8 - Eu tenho dúvidas sobre a minha religiosidade DSC 9 - Eu sou ateu 90% 80% 45% 25% 25% 5% Com relação à segunda questão, os discursos, ainda que revelem uma preocupação em enfatizar que as crenças religiosas não interferem na atuação profissional e científica, mostram que não só há crenças religiosas entre os médicos, como ela está presente na prática profissional individual, destacadamente em situações relacionadas à morte, ainda que haja uma preocupação em conciliar as crenças religiosas com a formação científica. Entretanto, a religiosidade é também percebida como expressão pessoal de caráter privado, não sendo mencionada nem discutida entre os seus pares no ambiente de trabalho. Por último, os seis discursos referentes à terceira questão: “Como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?" Quadro 3 - “Como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?" IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS MÉDICOS 10 – EU NÃO COSTUMO PERGUNTAR, DSC 10 MAS PODE SER ÚTIL (adesão de 75%) Faz parte da formação médica, temos que perguntar... Mas eu não valorizo isso. Poucas vezes, dificilmente pergunto sobre a religião dos pacientes. Em geral eu não pergunto por que esqueço. A gente parte do princípio que todo mundo é católico... Mas se tivesse que fazer anamnese, não perguntaria, não me preocuparia. Quando faço anamnese, ela é muito abreviada. O correto é perguntar, mas o que acontece? Pra fazer a anamnese correta é uma 50 conversa de 1 hora, 1 hora e meia... Se for fazer a gente não trabalha. Eles podem valorizar a religião de uma forma que eu não valorizo. A gente não tem tempo, se a gente entrar nesse assunto a gente não faz nada. Às vezes na correria eu não pergunto... Na maioria das vezes. Nesse processo de encurtar a gente acaba eliminando a religião, por que não vai te dar uma definição mais imediata de conduta. A nefrologia é uma especialidade que lida com urgências. A verdade é que isso não é uma prioridade. O tempo para conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é limitado. A religião é mais importante a médio e longo prazo pra saber como o paciente vai interpretar as coisas: para fazer um diagnóstico ou traçar uma conduta, não faz diferença. Acredito que religião não tem muito a ver. Acaba sendo uma anamnese mais dirigida para a parte médica. Acredito que não seja tão importante para o que estou procurando: doenças, a parte clínica. É mais importante saber quanto está o potássio, se o paciente está taquipneico... Nunca passei por uma situação em que precisei saber da religião para definir uma conduta para o paciente. Naquele momento a gente fica tão direcionado àquela coisa que a gente precisa resolver... Eu foco logo no que traz o paciente ao hospital. Só quando há situação de cirurgia pergunto a religião pra saber se tem problema com transfusão de sangue. A religiosidade não é muito importante, o que faz a diferença é no caso das Testemunhas de Jeová: se eu vejo que é um paciente que vai precisar de hemotransfusão eu pergunto se é Testemunha de Jeová. Pra mim não faz tanta diferença assim. Além disso, normalmente a melhora clínica acontece sem esse recurso. Além do mais, depois que a gente passa a conhecer o paciente ele fica sabendo das nossas coisas e a gente fica sabendo muito mais das coisas deles. No decorrer da relação com o paciente a gente percebe qual é a religião deles. Às vezes os pacientes perguntam a nossa religião e, conversando sobre o assunto, a gente fica sabendo a religião deles. Quando a gente vai conhecendo as pessoas elas vão demonstrando, fazendo comentários, aí fica evidente qual é a sua religião. Procuro perceber a situação social com quem está acompanhando, saber se a pessoa é muito sozinha. Vejo muitos pacientes sozinhos. A religião sai como conseqüência da observação de questões sociais. Mas não converso com os pacientes sobre religião. De graça não converso, só se ele perguntar. Normalmente eles não tocam no assunto. Se fosse importante conversar sobre religião com os pacientes eu faria. Mas já aconteceu de conversar sobre religião. Alguns pacientes ficam agradecidos pela resolução de um caso e rezam para agradecer. Eles também perguntam sobre a nossa religião. Às vezes eles falam: “deixe Deus entrar na sua vida”. Por mais que eu não queira mudar de religião, eu escuto o ponto de vista deles e falo o meu. 51 Perguntar sobre a religião dos pacientes? Taí... Tem que perguntar... Mas geralmente eu não pergunto não. Tenho perguntado muito raramente sobre religião... Faz muito tempo que eu não pergunto. Faz parte da anamnese... É um item da história social ou dos seus hábitos de vida. Eu perguntava sobre a religião dos pacientes quando aprendi a fazer anamnese... É um hábito que a gente vai perdendo, quanto mais a gente vai se afastando de quando a gente aprendeu a fazer anamnese. Não sei por que não faço... Talvez por uma falha mesmo. Não é costume perguntar. Acho que a maioria não pergunta. Tanto que raramente se vê a religião nas anamneses. Isso tá mudando... Antigamente a maioria era católica e as pessoas não perguntavam... Mas estão crescendo as religiões evangélicas e espíritas. Não consigo ver se é certo ou errado questionar sobre religião. Tem pessoas que fazem, outras não. Cada um tem o seu jeito de trabalhar. Acho importante conversar sobre religião com qualquer paciente. Mas não dou muita ênfase... Converso muito pouco com os pacientes sobre religião. Só quando o assunto surge a gente conversa. Eu tenho curiosidade de saber, de entender a pessoa pela religião dela. Nunca fiz isso, mas acho importante, principalmente com os mais rebeldes. Teria a função de tranqüilizar. É importante também por causa dos problemas que podem acontecer futuramente... Os pacientes deixam de fazer o tratamento. Acho importante perguntar para saber com quem se está lidando e para ter uma boa relação médico-paciente. Isso cria uma aproximação. Ao mesmo tempo em que falo sobre religião eu posso saber sobre as condições sociais, moradia, posso me aproximar mais da realidade do paciente. Também sobre o que eles esperam da doença. No caso da religião, se ele sabe que Deus quis assim e por que está passando por isso fico mais tranqüilo. É importante conversar com o paciente sobre qualquer assunto. Nós damos oportunidades para todos, respeitamos a todos. Não sei se estou fazendo certo ou errado... O fato é que eu não dou muita importância. Não sei se outros médicos dão, talvez se forem religiosos. 11 – EU ACHO PROBLEMÁTICO DSC 11 ABORDAR A RELIGIOSIDADE DOS De uma forma geral, eu não converso com os pacientes sobre religião. Falar sobre isso é uma questão muito pessoal, individual. É muito delicado, acho isso complexo. É como perguntar pelo time de futebol, pelo partido político. Prefiro não interferir. Só quando a gente percebe que a entrevista está indo pra esse lado é que a gente pergunta sobre religião. Eu acho que saber a religião em si não é importante, mas a relação do paciente com a religião. Geralmente não pergunto sobre religião, mas se crê em Deus. Não pergunto para não entrar em conflito. Na minha PACIENTES (adesão de 50%) 52 opinião, o mais importante é buscar em que o paciente tem fé para ajudar na sua adesão ao tratamento. A gente vive numa sociedade que é muito preconceituosa com relação a algumas crenças. Principalmente porque a população é muito ignorante. Me impressionam quando dizem: “para Deus tudo é possível”. Religião não, mas falar de religiosidade é mais fácil: falar sobre Deus, sobre a vida, sobre a morte, sobre a doença. Mas quando coloca um rótulo complica. É totalmente possível falar de uma coisa sem falar sobre a outra. Na hemodiálise, por tratar de uma doença muito grave, é preciso tomar cuidado para o paciente não achar que ele merece passar por isso. Do ponto de vista técnico é importante perguntar por causa da transfusão no caso das Testemunhas de Jeová. Há um potencial conflito. Eu nunca vivi isso, não sei como me portaria. É uma discussão ética, e até jurídica, grande. Não me sinto preparado pra isso não. Do ponto de vista humano, né? O médico não é uma máquina... Mas isso é muito pessoal. É importante não se envolver demais, nem virar gelo. Acho que essa pesquisa é muito importante para orientar a gente a como abordar melhor os pacientes, para tentar raciocinar sobre como isso pode estar interferindo, como abordar a religiosidade com o paciente. O médico geralmente não usa muito isso, não é uma de suas opções de trabalho. 12 – EU ABORDO A RELIGIOSIDADE DSC 12 DOS PACIENTES EM SITUAÇÕES Talvez em algumas situações seja importante conversar sobre religião com o paciente. Quando é importante para o paciente a gente logo percebe por que ele traz a religiosidade pra conversa. Se faz parte do dia a dia dele é importante conversar. Para Eu converso sobre religião quando o paciente está precisando, está deprimido, quando ele dá abertura. Quando percebo que o paciente está mais carente emocionalmente, pergunto se ele tem religião e reforço a sua religiosidade. Às vezes os pacientes nos procuram porque estão muito tristes e você acaba usando a religião para ajudar os pacientes. Isso acontece principalmente quando lido com óbito: cito Deus para que os familiares tenham algum conforto. Acontece também no caso de doenças mais graves. Há alguns momentos, quando o paciente está terminal, que uma palavra, um gesto de carinho... ”Ah, vai dar tudo certo! Vamos ter fé que vai dar tudo certo!”. De um modo espontâneo acaba entrando na religião. Não entro em detalhes, como a vida após a morte, cada religião tem suas idéias. Eu não consigo deixar de fazer isso, no sentido de confortar, especialmente em situação de óbito, de acordo com a base religiosa do paciente. Já rezei por eles em alguns momentos, tentei passar uma energia positiva. Quando o paciente não quer se tratar também apelo para a religião e digo: ESPECIAIS (adesão de 35%) 53 “tem coisas que a gente tem que passar”. Dentro de um contexto, é um recurso de convencimento para fazer o paciente aceitar o tratamento. Para equilibrar as coisas... Para os pacientes ou é o médico ou é a religião. Oriento a seguir nos dois, religião e tratamento. Também faço isso quando a pessoa está desanimada. Eu acho que o mais importante é preparar o paciente para o que ele vai passar. 13 – EU ABORDO A RELIGIOSIDADE DSC 13 DOS PACIENTES USANDO AS SUAS Eu pergunto sobre a religião dos pacientes. É um item da história social ou dos seus hábitos de vida. Acho que é importante perguntar para saber com quem se está lidando e para ter uma boa relação médicopaciente. Quando os pacientes querem conversar sobre religião eu sento e escuto. Os pacientes costumam me perguntar sobre a minha religião. A minha resposta é: todas as formas de buscar a Deus são válidas. Na verdade muitas vezes converso sobre religião. Já recebi advertências: “você não é analista, você não é psiquiatra”. Tem que se colocar no lugar do outro. Às vezes os pacientes dizem: “para Deus tudo é possível”. Percebo o pensamento de cura milagrosa. Mas se a pessoa diz que Deus vai curar, eu não falo isso. Também nunca falo que não existe: enquanto isso, eu vou tratando. Eu não acredito em Deus, mas não passo a minha posição para os pacientes. Eu apóio a crença deles, não tenho problema com nenhum tipo de religião. Só faço essa observação: eles devem pedir a Deus serenidade, resignação, coragem, paciência, sabedoria, que lhe mostre caminhos, mas não deixem de fazer a hemodiálise. Eu uso o argumento de que Deus cuida da gente pela tecnologia e que tudo tem um propósito. No caso do transplante falo que só Deus sabe quando vai ser. Uso as crenças da religião da pessoa. Não vou trazer coisas que eu acredito. Também não entro no mérito da religião nem fico discutindo: a diversidade é muito grande. Uso Deus da marca genérica, não uso das marcas comerciais. Eu uso mais ou menos o que a pessoa diz. Às vezes os pacientes falam, aí eu respondo, pergunto... Você percebe que o paciente quer ouvir. Às vezes o paciente fala e eu respondo “vamos ter fé”, quando eu percebo que é importante para ele. Sempre falo aos pacientes e aos familiares que a gente está fazendo o melhor que pode ser feito e que é importante ter fé. CRENÇAS RELIGIOSAS (adesão de 30%) 14 - SIM, EU USO MINHAS CRENÇAS DSC 14 RELIGIOSAS (adesão de 30%) Eu não dispenso a religiosidade apesar de ter uma formação científica. Quando preciso, uso a religiosidade como um artifício de um processo de convencimento. É importante para convencer os pacientes da necessidade de aderência ao tratamento. 54 É uma forma de tentar confortar também. Às vezes os pacientes nos procuram porque estão muito tristes e você acaba usando a religião para ajudar os pacientes. Até quem diz que não, na hora que o bicho pega... Tem que se apegar a uma religião. Senão ele sente um vazio tão grande... Aí eu digo: “procure uma religião”. Acho que Deus nos faz trilhar os rumos certos. Alguns caminhos são árduos, até o do filho dele... Foi o mais árduo de todos. Então a gente não deve reclamar. Falo isso para os pacientes, não de uma maneira direta, mas de uma maneira mais amena. Acredito na reencarnação, na evolução espiritual, na prática do bem, que quando a gente morrer vai para outro plano. Algumas vezes tentamos transmitir isso para os familiares após o óbito dos pacientes e para os pacientes em situação de sofrimento. Alguns pacientes falam que Deus mandou a hemodiálise como uma provação. O paciente fala: “por que eu fiquei renal crônico?”. Não existe um dilema real nesse caso. Cada um tem que fazer a sua parte, não é só Deus. Vários pacientes de hemodiálise me perguntam: “doutor, por que eu?”. No caso de muitos deles a gente sabe que certamente Deus não tem nada a ver com isso. O cara não tomou remédio, não fez dieta, por que Deus é o culpado? Não sei se estou ultrapassando uma barreira na relação médicopaciente, mas eu falo que Deus só dá o que a gente pode suportar. É uma crença minha e que é um alento para o paciente. Na verdade, eu falo muito sobre isso: que as coisas não acontecem por acaso, que o paciente está passando por um problema que pode não entender agora, mas que existe uma razão. Tabela 3 – Adesão ao DSC dos médicos relativos à questão “como você aborda a religiosidade dos seus pacientes?" DSC DOS MÉDICOS ADESÃO (%) DSC 10 – Eu não costumo perguntar, mas pode ser útil 75% DSC 11 – Eu acho problemático abordar a religiosidade dos pacientes 50% DSC 12 – Eu abordo a religiosidade dos pacientes em situações especiais 35% DSC 13 – Eu abordo a religiosidade dos pacientes usando as suas crenças religiosas DSC 14 - Sim, eu uso minhas crenças religiosas 30% 30% 55 Com relação à terceira questão, os discursos revelam que a abordagem da religiosidade é, antes de mais nada, individualizada no sentido de que não é objeto de trocas entre os pares. Os discursos mostram que o grupo investigado identifica dificuldades nesta abordagem, sendo a limitação do tempo a principal justificativa para não abordar a religiosidade. Mas as dificuldades apresentadas são também de ordem subjetiva caracterizadas pela insegurança sobre se e como se deve abordar o tema, sendo que, em situações especiais, a abordagem parece ser vista como mais adequada. Mesmo com dificuldades, o grupo investigado busca caminhos de lidar com a religiosidade de seus pacientes, incluindo suas próprias crenças, o que é coerente com o perfil religioso do grupo onde apenas um se declarou ateu. O grupo percebe que a religiosidade pode ser considerada como recurso psicológico de apoio na vivência de situações consideradas difíceis e onde está envolvido o sofrimento humano e a terminalidade da vida humana. 5.3 Perfil dos pacientes Foram entrevistados 18 pacientes homens e 12 mulheres. Com relação à idade, houve o predomínio de pessoas com mais de 40 anos, sendo que, desses, 15 tem de 40 a 60 anos e 10 tem mais de 60 anos. Quanto ao restante, apenas 5 têm menos de 40 anos. Com relação à escolaridade, a maioria possui o nível fundamental: 12 incompleto e 6 completo. Apenas 5 pacientes possuem o nível superior. Os demais possuem o nível médio incompleto (3) ou completo (4). Quanto à ocupação, a metade encontra-se aposentada. Quanto ao demais, 9 são do lar e 6 são profissionais ativos. Com relação às doenças de base1, a maioria é portadora de hipertensão arterial sistêmica (HAS): 18. Destes, 11 possuem também outra doença crônica (glomeruloesclerose segmentar focal, infeccção por HIV ou trombocitose essencial, diabetes). Os demais são portadores de outras doenças crônicas, sendo 7 portadores de diabetes (3 com HAS também). Outras doenças de base encontradas foram: lupus eritematoso sistêmico, câncer de bexiga, artrite reumatóide, cirrose hepática alcoólica, glomerulonefrite, linfoma, insuficiência cardíaca congestiva. 1 Doenças de base são as doenças causadoras da insuficiência renal crônica e que levam à necessidade do tratamento dialítico. 56 Quanto ao tempo de hemodiálise, mais da metade (22) está realizando o tratamento há mais 02 anos. Destes, 7 fazem há mais de 03 anos. Os restantes, há menos de 01 ano (9). Quanto à religião, a maioria é católica (14 pacientes), seguida da religião evangélica (8 pacientes). Outras religiões declaradas foram: a kardecista (2), o candomblé, a messiânica e a espiritualista. Apenas 3 pacientes declaram não possuir religião, porém possuem crenças religiosas. A maioria participa regularmente das atividades coletivas de sua religião e o fazem desde a infância (14). Apenas por motivo de saúde, 4 pacientes afirmaram que não participam regularmente das atividades. Todos os pacientes religiosos declararam praticar a sua religião de modo individual e privado. Todos os pacientes, tendo ou não religião declarada, afirmaram crer em Deus. 5.4 DSC - pacientes Foram produzidos nove discursos relativos à primeira questão “O que significa fazer hemodiálise para você?” e sete discursos relativos à segunda questão “Sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”. Assim como no caso dos médicos, os discursos produzidos não foram mutuamente excludentes. A seguir, os discursos relativos à primeira questão “O que significa fazer hemodiálise para você?”. Quadro 4 - “O que significa fazer hemodiálise para você?” IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS PACIENTES 15 – EU JÁ SOFRI COM A DSC 15 HEMODIÁLISE (adesão de 83%) Acabou acontecendo de fazer hemodiálise. A gente pensa que nunca vai acontecer com a gente, ninguém pensa em ficar doente. Eu sempre via no hospital, a gente não dava importância... Eu nunca imaginei... De repente começou. Desmaiei em casa, fui ao posto e o médico descobriu que eu estava perdendo os rins. O médico falou que eu estava renal. Falou pra mim: “eu vou te internar agora porque você está morrendo”. Fiquei internado, dali fui para a hemodiálise. O médico falou que ia botar o catéter e depois uma fístula. Falou de várias restrições, que eu não poderia comer tudo que eu tinha no quintal, ter a obrigação de vir toda semana ao hospital... Me deu uma tristeza muito grande. Eu não acreditava. Pensava: “Deus não vai fazer isso comigo!”. Naquele impacto eu fiquei 57 parado, frio, sem ação, tão desorientado que não pensei em nada, não tive reação... Depois passou muita coisa na minha cabeça: “por que aconteceu comigo? Logo comigo? Fulano fez o diabo e está com saúde enquanto eu... Será que Deus virou as costas pra mim? Deus não vai fazer isso comigo Eu achava que não estava renal, que isso não tinha acontecido. Não parava de pensar: “meu Deus, vou ter que fazer hemodiálise? Não, Deus não vai fazer isso comigo!”. Não estava aceitando de jeito nenhum. Quando eu entrei e vi a máquina pela primeira vez entrei em desespero! Eu pensei que ia fazer e não ia resistir. Fiquei arrasado, pensando em desistir. Eu não queria mais fazer. Eu não acreditava que ia para aquela máquina e ficar quatro horas ali! Quando eu pensava que alguém ia ficar cinco horas me esperando, deixando o que estava fazendo... Saber que vai depender da máquina... Ficar preso a uma máquina dia sim, dia não, tira todo o seu norte, objetivo, realizações, coisas a fazer na sua vida. Eu era um cara perfeito, era completamente ativo e que ia ter que ficar como um objeto! Comecei a achar que eu era inútil, que não era um cara normal... Eu achava que minha vida não ia ter valor algum. O que eu pensei ali foi que não só os meus rins pararam, mas a minha vida parou. Eu tinha projetos, sonhos... Muita coisa foi abandonada. Toda vez que eu fazia hemodiálise era como se eu fosse abusado sexualmente. Aquilo era muito violento! Era como se tivesse arrancando a minha alma. Também não era tão simples como eu imaginava. Depois que eu descobri, fiquei muito chateado. Entendi, mas não aceitei. Vem às complicações, se não se cuidar direitinho, se não se resguardar passa mal: fraqueza nas pernas, desânimo de vida, preguiça, tontura, pressão alterada, tonteira, acabava a hemodiálise eu caía, botava a comida pra fora... Há várias restrições: não poderia comer tudo que eu tinha no quintal, teria a obrigação de vir toda semana ao hospital... Depois da hemodiálise eu me sentia um lixo. O catéter eu achava estranho no pescoço. Eu pegava o ônibus, todo mundo olhando pra sua cara e você tem que fingir que não está sendo olhado. É pesado, horrível, pra tomar banho. Só depois que botaram a fístula melhorou. Mas era o jeito: ou fazia ou morria... Fiquei psicologicamente arrasado, sofri muito. Entrei em depressão, tomei remédios de tarja preta. Senti muita, profunda tristeza... Fiquei chorando uma semana inteira, muito pensativo, triste pelos cantos, não dormia, não queria sair, só chorava. Eu não podia entrar, voltava pra casa chorando. Pensei: “Ah, meu Deus! Não vou agüentar, eu vou morrer!”. Também fiquei apavorado, com um medo danado, incrível, de fazer. De imediato pensei que ia morrer, que quando eu visse o sangue passando ia morrer. Tinha dia que eu ficava segurando nas paredes, entrava de cadeira de rodas. Eu chorava demais, foi muito triste, não podia entrar aqui, voltava pra casa 58 chorando. Isso durou um bom tempo. Pensei em desistir. Para mim foi a pior coisa. Minha reação foi péssima, fiquei transtornado... Foi um tsunami! A casa caiu, o mundo acabou... Realmente tinha acabado tudo. Desabei, fiquei totalmente desestabilizado. Tive sentimentos que ainda não estão catalogados. Foi horrível, uma doideira, pirei legal... Quis me suicidar e tudo. Comecei a maquinar a possibilidade de acabar com a minha vida: dar um tiro na cabeça, me jogar da janela da enfermaria, de cima da ponte... A gente costuma dizer: “tem uma luz no fim do túnel”. No meu caso, não tinha um túnel! O médico explicou: “Sua vida mudou: ou faz hemodiálise ou vai correr risco de vida”. Eu disse: “se não tem mais cura, prefiro morrer!”. Antes o sentimento muito forte era de morte. Neste momento teria sido bom receber a orientação de um psicólogo ou o apoio de alguém pra falar alguma coisa, uma palavra que me desse ânimo... Mas não tive nem dentro da minha família. 16 - O APOIO DOS OUTROS É DSC 16 IMPORTANTE PARA FAZER A Eu ouvia falar na hemodiálise. O pessoal faz um bicho de sete cabeças sobre a hemodiálise, te bota medo. Pra mim era aquele dragão. Eu tive colegas pacientes que me diziam que a pior coisa que alguém poderia ouvir de um médico era que precisava fazer hemodiálise, que era melhor se matar. No começo tinha muita gente que morria e meu medo era esse. Fiquei com aquilo na cabeça: “meu Deus, será que é tão ruim assim?”. No começo eu relutei, não queria vir. Fiquei apavorado, nervoso. Isso durou um bom tempo. Depois foram conversar comigo. O médico mandou me buscar em casa. Ele conversou comigo, que eu tinha que conhecer melhor antes de desistir. O médico falou: “não, depois você vai pensar direitinho”. Outro médico falou: “o rim é um órgão que quando pára a gente ainda sobrevive. Dá pra fazer transplante, diálise... Não é coisa de outro mundo”. Aí eu pensei que era para o meu bem. Passei a me concentrar nisso e me fortaleceu. Me lembrei disso quando comecei a fazer e ainda me lembro. O psicólogo e a assistente social falaram que eu ia me recuperar, ia superar, era só fazer direitinho, que tudo faziam comigo era só para melhorar. Depois que eu conversei com o psicólogo eu melhorei, saiu uma nuvem da minha cabeça. Também fui conversando com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me acalmando. Aí eu mudei de opinião, fui vendo que eu tinha que fazer, que era para o meu bem e parei de faltar. Fiz uma visita antes e isso também me ajudou bastante. Conversei com uma paciente e ela me falou: “a gente tem que agradecer a Deus por ter essa máquina!”. Eu pensei: “é mesmo. Essa máquina é uma bênção, ajuda a baixar as taxas”. Quando eu HEMODIÁLISE (adesão de 67%) 59 entrei na máquina vi que não é aquele bicho de sete cabeças que pensava. Aí eu peguei as enfermeiras falando: “calma, daqui a pouco isso aqui vira uma família”. E vi todo mundo numa boa: a gente começou a conversar, a brincar... Era uma família. Quando a gente fica assim, a gente esquece de tudo. Na semana seguinte já estava mais conformado. Saí daquela fase de fraqueza. Às vezes eu me revolto, mas depois que eu comecei nunca mais parei. Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro despertamento. Tem dia que eu tenho que vir pra cá e digo: “vou ficar”. Minha família diz: “Não, você tem que ir”. Se eu reclamo de ir para a hemodiálise, meus familiares dizem: “não reclama... Graças a Deus existe essa máquina”. Se eu digo que não quero ir, eles falam pra mim: “vamos tocar a vida! você vai ter que viver! Tem que dar a volta por cima! Viva!”. Se não fosse a minha família, eu teria desistido a muito tempo. Diante da insistência da minha família, “não pára, sem isso você não vai sobreviver”, eu mudei de opinião. Eles não me deixam vir sozinho de jeito nenhum. Quando não é um, é outro. Ter a família ao lado é uma coisa que ajuda muito. É muito importante mesmo! O negócio é o seguinte: mesmo doente, eu vejo os parentes, converso, abraço... Estou doente, mas estou com vida! Muitos pensam que é um sofrimento muito grande: não é não. No começo foi difícil, mas me animei com as conversas, o carinho, sempre alguém dando apoio... Acho importante o apoio das pessoas, o carinho, a dedicação, te tratar como se você tivesse saúde, fazer as coisas de boa vontade. O apoio moral e o companheirismo são muito positivos. Tem muitas pessoas, vizinhos, que sempre ajudam. O apoio moral é o que me fez firmar. 17 – EU SOFRO COM A HEMODIÁLISE DSC 17 (adesão de 50%) Pra mim a hemodiálise não tem importância nenhuma. É um saco! É muito chato, ruim, horrível! Tem hora que não agüento mais, tenho vontade de desistir. Até hoje eu não aceito a idéia. Faço por que sou obrigada. Eu venho porque tenho que vir, se não vai ficar pior. Pra mim não é uma coisa boa, mas o que eu posso fazer? Tem alternativa? Só de saber que vai ficar preso num lugar desses... Quem é que gosta? O pessoal diz: “se acostuma”. Mentira! Não tem como se acostumar não. Parece que o corpo vem, mas a mente não vem. É um sofrimento inútil. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai melhorar. Se fosse uma coisa que melhorasse a gente, mas faz a gente ficar mais fraca. De repente eu passo mal e tem que parar a máquina. O meu problema agora é a máquina. São umas dores nas pernas, uma falta de ar... Saio cansada. Um dia estou bem, outro dia estou mal. Dá dor no peito, dor nos joelhos, passo o dia deitado... Aquela massa muscular, aquela vitalidade, 60 eu senti que fui perdendo, por mais que eu faça o tratamento. Sua qualidade de vida é praticamente zero. A hemodiálise não dá qualidade de vida, ela só prolonga a vida. Ela me prejudicou muito. A nossa vida, muda tudo... Eu tive que parar de trabalhar, sempre trabalhei muito. Parei mais em casa, quase não saio. Eu viajava, não posso mais porque fico com medo de passar mal. Fazia exercícios... Praticamente a nossa vida acaba. Fica restrita a isso: vir pra cá três vezes por semana, sair de casa de manhã e voltar à noite, já pra ficar deitada... Perde o dia todo, não tem mais tempo pra nada. Também atrapalha a vida da minha família também por que tem que me trazer. Me aborrece o fato das pessoas deixarem de trabalhar e estudar pra me trazerem. Não quero prejudicar ninguém... Eu era uma pessoa muito ativa, cuidava da família, cuidava de tudo, de repente, fiquei totalmente dependente. Ter que depender dos outros aborrece. Nunca tive dependência de nada, de repente ficar dependente de tudo... Vir prá máquina e ficar quatro horas está fora do contexto de uma vida normal. Tenho milhões de coisa pra fazer e estou aqui... Você fica preso, parece uma prisão. As pessoas que fazem isso são como extraterrestres. Às vezes eu me sinto como um extraterrestre. Tinha que ficar com o cateter no pescoço, morria de vergonha. Eu pegava o ônibus, todo mundo olhando pra sua cara e você tem que fingir que não está sendo olhado. É pesado, horrível, pra tomar banho. Depois que botaram a fístula melhorou, mas até pouco tempo escondia o braço... Eu não penso muito na doença e na hemodiálise. Se pensar é pior. 18 – EU ESTOU RESIGNADO COM A HEMODIÁLISE (adesão de 63%) DSC 18 No início foi pauleira, foi brabo. Não é fácil encarar isso. Depois fui vendo que eu tinha que fazer. Com o tempo fui me acostumando, buscando uma conformação de aceitar o tratamento, não se deixar levar, entregar os pontos. É uma fase, tem condições de melhorar e já melhorou. Para mim a hemodiálise significa viver, seguir em frente. É a única maneira de sobrevivência que tem: Sem ela já teria morrido, sem ela nada feito. A importância é continuar vivendo... Mais ou menos, aí está nas mãos de Deus. Eu penso em não morrer. Se desistir, como é que vou viver? Não tem como desistir. Tenho que viver para poder criar meus filhos. Se preciso fazer, vou continuar fazendo, acompanhando os médicos. A hemodiálise faz parte da minha vida. Tem que se habituar a ela. Faz parte da rotina, venho pra cá, volto pra casa e tenho uma vida normal. Às vezes você acorda de manhã e não quer vir. Às vezes você quer 61 ficar em casa. Por uma questão de mau-humor, não por querer desistir do tratamento. A hemodiálise é prioritária. É a minha vida, né? Aprendi a conviver com a hemodiálise. Tinha a questão estética por causa da fístula, mas depois eu fui me tranqüilizando. É meio cansativo e dolorido. Mas hemodiálise é pro resto da vida, não tem jeito não, tem que se acostumar. Ninguém gosta de fazer isso, mas não adianta se desesperar. O meu caminho é esse. Minha vida depende disso agora. Não tinha mais nada a fazer. Eu tenho que deixar fazerem isso, senão... Se não fizer, vai ser um problema muito sério. Fico com medo de passar mal. Pensei: “A hemodiálise ajuda a baixar as taxas”.Tudo sobe: pressão, creatina, fósforo, colesterol... Só de levar tudo, é bem bolado, é positivo. A gente tem que usar aquilo que for melhor para o organismo. Tem que ser valorizada como você valoriza a vida. Enquanto o organismo aceitar, você vai bem. Procuro tirar lições das situações que estão acontecendo. Tudo aconteceu no seu devido momento. Se é meu, eu tenho que abarcar e levar até o fim. Agora não esquento mais, vejo as coisas de outra maneira. Ser humano é ser humano. As coisas acontecem em nosso organismo por que tem que acontecer. Não tem que contestar a natureza. Tem que aceitar, se tratar e deixar correr. Contra a natureza ninguém consegue lutar. Se você se desesperar é pior ainda. Se olhar bem, tem doenças piores, ainda tem esse recurso. Hoje existe hemodiálise, houve um tempo que não tinha. A hemodiálise é uma coisa que salva muitas pessoas. Ajuda muito. Foi a melhor coisa que inventaram pra isso. Eu sou um privilegiado porque tem muita gente que não consegue lugar pra fazer hemodiálise. Tem gente que não encontra esse tratamento e eu tive sorte. Hoje eu estou bem, tranquilo. Eu não me revolto, não me permito entrar em depressão. Eu não gosto de hemodiálise, mas traz benefícios pra mim. Não venho com alegria, seria masoquismo... Venho com a consciência de que tenho que fazer. Eu tive que escolher: fazer ou morrer. Tem a conformidade de que futuramente vou poder ficar bem melhor. Quando eu saio daqui eu nem lembro que estou doente. Hoje pra mim é um esporte. 19 – EU NÃO SABIA SOBRE A DSC 19 HEMODIÁLISE (adesão de 37%) Os médicos disseram que os meus rins tinham parado... Pensei: “vou morrer!”. Não foram conversar, mas queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise. Fiquei apavorada, né? Na primeira vez, entrei com naturalidade, sem saber o que era... Levei um susto sem saber o que fazer. Passou um monte de 62 coisas na minha cabeça... “o que é isso, hemodiálise?”. Sinceramente, não sabia nada sobre o tratamento, nunca tinha ouvido falar, não tinha conhecido ninguém que tinha feito, não tinha informação. Os médicos não passam, se a gente não perguntar... Não sei explicar direito por que, mas eu fiquei meio retraído... O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra lá... Me mandaram vir fazer e eu vim...Pensei: “seja o que Deus quiser!”. Eu pensava que estava com câncer, com AIDS, por causa do meu emagrecimento, que não ia durar muito tempo, que ia correr risco de ter outros problemas, problema de coração, que ia fazer e não ia resistir, que tem gente que morre durante o tratamento. Perguntando a equipe, não encontrei uma explicação, nem os médicos souberam explicar. Só entendi que o meu rim não filtrava mais, que o negócio era tirar o líquido e a impureza. Mas tive curiosidade de saber mais como é que era. Pesquisei na internet e descobri. Fui estudando e entendendo. Fui vendo que o que acontece comigo acontece com muitas pessoas: tem muita gente ficando renal. Não é injustiça, isso acontece mesmo... A hemodiálise é para melhorar, mas é muito pouco divulgada. Tem muita gente que não conhece. 20 – EU FAÇO HEMODIÁLISE PARA DSC 20 TER QUALIDADE DE VIDA A hemodiálise pra mim é qualidade de vida. É uma para viver melhor. Pra mim significa viver de novo. Quem me conhecia antes e me conhece agora sabe que eu estava morto. Hoje sou outra pessoa. Depois que eu comecei a fazer hemodiálise... Puxa! Uma maravilha! Minha qualidade de vida mudou 100%. Quem me conhecia antes e me conhece agora sabe que eu estava morto. Tenho mais disposição, passo menos mal. Antes eu não conseguia subir escada, aquela canseira que eu sentia, saiu tudo. Era muito cansaço, sentia até quando tava falando... A pressão era altíssima... Melhorou tudo, até o meu astral: estou mais tolerante, motivada, estou querendo trabalhar de novo. A hemodiálise me dá condições de tocar a minha vida, me dá a chance de poder sonhar. A gente não pode se deixar levar, senão a gente vai ficar sempre deitada e desistir da vida. Tem que curtir a vida. Por que eu vou me revoltar se a hemodiálise só me traz benefícios? É muito ruim ficar intoxicada. Como é que eu ia ficar intoxicada, vomitando? Eu gosto de vir pra hemodiálise, às vezes eu conto os dias pra vir. Pra mim está uma beleza, adoro. (adesão de 30%) 63 21 – EU FAÇO HEMODIÁLISE DSC 21 ENQUANTO ESPERO O Acho que todo mundo espera o transplante. Houve muita conversa que tinha que fazer bem a hemodiálise pra não perder a chance de fazer o transplante. Quando soube que poderia fazer o transplante eu fiquei todo bobo! Eu penso comigo assim: “eu tenho que melhorar, ficar bom, fazer esse transplante logo”. Não posso fraquejar até fazer meu transplante. É o único motivo para largar a hemodiálise. Enquanto não chegar um órgão compatível a hemodiálise eu vou fazendo. Transplantado é outra vida. Lembrar do transplante me anima. TRANSPLANTE (adesão de 23%) 22 – EU DOU UM SENTIDO DSC 22 RELIGIOSO À HEMODIÁLISE Nada acontece por acaso na nossa vida, sem a permissão de Deus. Tudo tem objetivo. Existe uma predestinação com relação a algum fato que você não pode mudar. Eu acredito em causa espiritual. As doenças surgem para purificar o espírito. Você tem que passar por doenças para se purificar. Se a pessoa entender que ela está sendo purificada, ela pode deixar de sofrer. A hemodiálise é uma purificação do sangue e o sangue é a materialização do espírito. Acho que a doença e a hemodiálise são uma grande prova. O ouro pra ficar bonito tem que passar pelo fogo, tem que ser refinado. A gente tem um fardo pra carregar. Tem uns que são mais pesados, outros que são mais leves. A minha foi a hemodiálise. É pra ver até onde o espírito agüenta. Doenças e sofrimento... Jesus não passou? Tem pessoas que parecem que são escolhidas. Deus escolhe o cara para saber se ele é um ser humano de bom coração. Eu acredito que fui escolhido por Deus. Tem também as consequências da vida: excesso de gorduras, açúcar, álcool... Mas Deus escolhe o cara para saber se ele é um ser humano de bom coração. Pra alguma coisa vai servir... Um exemplo pras pessoas que estão passando por problemas, às vezes até piores... Pra não desanimarem diante das dificuldades, tocarem a vida pra frente, estudarem. Deus está me usando pra edificar a eles. A minha doença uniu mais a minha família. Meus familiares estão sempre lá em casa, passaram a ajudar mais uns aos outros. A hemodiálise é uma situação em que a gente aprende a amar mais a Jesus e ao próximo. Foi um ganho. (adesão de 17%) 64 23 – EU FAÇO HEMODIÁLISE, MAS DSC 23 NÃO ESPERO O TRANSPLANTE Eu não tenho opção: ou eu faço hemodiálise ou eu faço transplante. Eu quero a cura. Transplante é a troca de doença. Se for para o transplante só saio da máquina, mas vou continuar tendo uma vida toda cheia de restrições, vou continuar tomando remédios. Estou nas mãos de Deus: na hora que ele decidir que acabou, acabou. De repente, ele põe um transplante no meu caminho. Mas eu não fico contando com isso não. Conheci pessoas que fizeram transplante e tiveram que fazer de novo hemodiálise. Já pensou? Você com um rim novo e ter que voltar a fazer hemodiálise? Eu tenho até medo de fazer transplante e ficar pior. (adesão de 10%) Tabela 4 – Adesão aos DSC dos pacientes relativos à questão “o que significa fazer hemodiálise para você?” DSC DOS PACIENTES ADESÃO (%) DSC 15 – Eu já sofri com a hemodiálise 83% DSC 16 - O apoio dos outros é importante para fazer a hemodiálise DSC 17 – Eu estou resignado com a 67% 63% hemodiálise DSC 18 – Eu sofro com a hemodiálise 50% DSC 19 – Eu não sabia sobre a 37% hemodiálise DSC 20 – Eu faço hemodiálise para ter qualidade de vida DSC 21 – Eu faço hemodiálise enquanto espero o transplante DSC 22 – Eu dou um sentido religioso à hemodiálise DSC 23 – Eu faço hemodiálise, mas não espero o transplante 27% 23% 17% 10% Os discursos relativos à primeira questão mostram que a hemodiálise é percebida pelo grupo investigado como uma situação de vida muito difícil de ser enfrentada e que traz sofrimento, sendo o momento inicial do tratamento considerado o mais crítico, quando 65 predominam o sentimento de perplexidade e desespero, os incômodos com os procedimentos e os efeitos colaterais, além da necessidade de apoio profissional e pessoal. Pode-se observar claramente o quanto o grupo compreende o início da hemodiálise como um ponto de ruptura na sua vida, tão violento em que se pensa até em suicídio. Neste quadro, predomina a desinformação sobre a hemodiálise em que, na ausência de informações que poderiam ser comunicadas de modo compreensível no contexto hospitalar, predominam as tentativas individuais de buscar respostas sobre o que é e o que leva a fazer a hemodiálise, seja por meio de especulações ou de pesquisas em fontes não indicadas pelos profissionais, como, por exemplo, em sites da internet. Ao mesmo tempo, os discursos mostram que a situação inicial de tratamento pode ser superada, especialmente com o apoio, tanto de profissionais quanto de pessoas do seu meio social, sendo vivida como algo normal e que promove a qualidade de vida. Neste momento de superação o grupo oscila entre a experiência de resignação, em que se enfatiza o valor da sobrevivência acima dos incômodos vividos no tratamento, e a euforia, em que se valoriza a melhora do quadro clínico e a recuperação das possibilidades de viver mais plenamente. Portanto, o grupo expressa de modo ambivalente o sofrimento por ter que fazer hemodiálise e a satisfação por poder usufruir dos benefícios deste recurso médico. Como elementos que auxiliam nesta superação, seja animando ou confortando, encontram-se a esperança de poder realizar o transplante, embora não para todo o grupo, e o sentido religioso dado à doença e ao tratamento. O transplante anima por ser considerada uma “cura” e uma possibilidade de viver uma “outra vida”. Já o sentido religioso conforta pelo motivo oposto: ao não esperar a “cura”, resta encontrar na religião razões para aceitar e enfrentar a doença. Por último, os discursos relativos à segunda questão: “sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?”. Quadro 5 - “Sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?” IDÉIAS CENTRAIS DSC DOS PACIENTES 24 – AS MINHAS CRENÇAS ME DSC 24 AJUDAM A SUPORTAR A DOENÇA E Deus significa a minha vida, o meu alicerce. Deus tem me sustentado, ele é fiel. Acredito com certeza que 66 O TRATAMENTO (adesão de100%) Deus me ajuda muito. Nas minhas aflições eu sempre clamo a Deus. Quando estou na pior é a Deus quem eu busco. Não entro em desespero porque creio em Deus. Se não fosse ele... Eu não agüentaria, não estaria aqui na terra. Acredito na intervenção de Deus, no poder dele. Se ele não ajudar quem vai ajudar? Ninguém! De um jeito ou de outro, Deus sempre ajuda a gente. Tudo que eu peço, Deus me devolve. Não sei como... Eu não consigo quantificar, é um sentimento. Eu tenho fé, tem que ter fé. Eu sinto que ele me ajuda e não tenho a menor dúvida. Essa fé que eu tenho é que me fortalece. Deus me ajuda muito nas coisas que eu preciso e não tenho condições de obter. Eu penso muito em Deus, só ele pode resolver certas coisas. É muito bom! Faz uma diferença incrível, você não tem noção! Todos os dias eu oro, rezo, escuto uma oração. Eu sinto forças quando estou orando. Quando eu me sinto angustiado eu leio a Bíblia. Estudo a Bíblia, ela mantêm a minha esperança. A música religiosa também ajuda, Também ajuda ouvir uns louvores, procuro estar sempre ouvindo. Também ouço orações e mensagens nos programas de rádio e televisão. Busco ajuda nos cultos, freqüento as reuniões e as atividades da minha paróquia. Eu sinto muita paz quando estou na igreja. É mais na igreja, mas sinto em toda parte, em todos os momentos da nossa vida Deus nos acompanha. Não tem mais nada a fazer, nunca é demais. Ajuda a manter acesa esta expectativa positiva, não me deixa desviar o foco. Minha fé me ajuda na situação em que estou agora, na doença. É muito importante, tem sido fundamental pra enfrentar a doença. Na hora em que a gente está deitada, doente, a gente grita logo por Deus. Quando eu vim pra cá eu não andava. Nos momentos mais difíceis da minha doença eu me apego a Deus. No caso de doença, se o homem não está conseguindo resolver, só Deus mesmo. Deus é quem me dá forças pra enfrentar a doença. Nada mais. Tive que buscar forças nele para continuar. Tem hora que eu penso que uma oração faz mais efeito que o próprio remédio. Eu já tenho isso comigo que a fé em Deus e a oração feita com fé trazem um efeito superior a qualquer medicamento. Nos momentos mais difíceis, primeiro falo com Deus e ligo pra igreja. Depois pego os remédios. É justamente essa fé que me aponta para um final feliz, uma saída pra essa situação. É Deus quem me dá forças pra sobreviver. Penso mais nele ainda e melhoro logo. Pra mim, Deus está no que eu estou fazendo na hemodiálise, desde quando entro até quando saio do hospital. Os médicos ajudam, mas se não for a ajuda de Deus a gente não vence de jeito nenhum. Deus me dá condições para enfrentar a doença, mas tenho que me esforçar. Eu peço muito a Deus quando estou desanimada. Aí eu me sinto melhor, melhoro. Vou à igreja aos domingos, assisto ao pastor, faço oração em casa, peço muito pra ter força e continuar vindo à hemodiálise. Como Deus me ajuda! Até dormindo... A 67 gente acorda ruim e pensa: “eu não vou, não”. Mas Deus me dá forças e eu penso: “vou sim”. Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu tratamento. Dá vontade de desistir e aí eu recupero a vontade de continuar. Peço a Deus força pra chegar e voltar pra casa. Termino a hemodiálise e agradeço a proteção dele; quando chego em casa também. Quando eu estou vindo ou quando eu estou na hemodiálise, eu peço a Deus pra que tudo dê certo. A punção dói, às vezes não conseguem. Se estou com muita dor ou um problema no cateter, ele me ajuda. Deus está me protegendo. Às vezes eu estou passando mal e eu oro... Graças a Deus sempre melhorei. Às vezes não tenho o que pensar enquanto faço hemodiálise, aí eu fico orando e, de repente, o tempo passa. Oro pra encher a cabeça. Faço minha hemodiálise sem complicações. Vejo tanta gente com complicações... Eu não sei quando vou fazer o transplante, tem muita gente esperando... Peço a Deus para não desanimar. Se o Senhor não pode me curar, me dá paz de espírito, para não sofrer e não sentir dor. Às vezes sinto um vazio, um pânico... É como um vento que dá e passa. Quando eu estou muito angustiado, triste, eu busco um conforto nas orações. Eu converso com Deus, faço o meu lamento, o meu desabafo, “ai, meu Deus! O que é que está acontecendo?”, e me sinto confortado, as coisas vão melhorando, acalmando... Eu sinto uma paz e fico alegre. Em casa, quando alguém vem perto de mim para orar, eu sinto uma melhora muito grande. Aquela angústia, aquela dor, não foi o remédio... Daquela hora em diante passo a me sentir melhor, dormir melhor. Isso ajuda a ir em frente. Acredito que Deus sempre dá um conforto espiritual, um tipo de paz. Pra conviver com tudo isso, é preciso ter muita paz. Se não você não agüenta, não. Por que se você deixar os problemas da vida te levarem você vai tentar se matar. Se não fosse pra Deus me ajudar, ele já tinha me levado. Ele já tinha me tirado a idéia de ir pra frente. No começo eu pedia a ele proteção e força para não fazer nenhuma besteira. Eu não podia fazer besteira porque a minha religião diz que quem se mata é covarde e não tem sossego do outro lado. Mas minha fé é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por mim, não me deixa sozinho. Sem Ele eu não conseguiria passar o que eu passo. Se eu estou sofrendo hoje, amanhã será diferente. Os ensinamentos da minha religião me dão sabedoria para enfrentar as adversidades. Ajuda a ter mais entendimento do que você ta passando e a ter uma vida mais feliz. Ele me ajuda me dando sabedoria, paciência, conhecimento... Conhecer as coisas dele. Peço a Deus todo dia pra ele restaurar meu rim e me dar sabedoria pra poder suportar tudo isso. Eu tenho essa concepção: nada é por acaso. Muita gente diz: “Deus não me ajuda”. Não! A gente tem que entender que muita coisa acontece por nossa causa. A gente não sabe o que fez na vida passada... Tudo tem um merecimento. Se a gente pensar legal, Jesus sofreu pra 68 caramba... E Jesus é Deus! Jesus é um exemplo de vida para mim. O cara queria o bem pra todo mundo e ainda foi crucificado. Quando eu penso na minha situação... Quem sou eu pra questionar isso? Por que a gente não pode sofrer um pouco também? Faz parte da vida. Acho que cada um tem que carregar a sua cruz. Me consola quando eu penso no que Jesus passou na cruz: qual é o sofrimento maior que este? Ele veio pra isso. Não é que ele merecesse, ele tinha uma missão. Ele não queria sofrer, mas suportou. Penso: “por que está acontecendo isso comigo?”. Olho pra trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo diz que você tem que zerar o que você fez aqui para partir do tempo. Eu poderia estar com um pensamento totalmente contrário, com certa revolta. Mas eu sempre peço a Deus assim: “se estou passando por isso, não me dê nem mais nem menos, mas na medida certa”. Aí eu suporto. Deus não lhe dá a vida que você não possa suportar. 25 - EU ACREDITO NA CURA DIVINA PARA A DOENÇA RENAL (adesão de 73%) DSC 25 Eu tenho pedido a libertação dessa doença. Se você não tem saúde você não é nada. Deus te dando saúde é a melhor coisa. Peço a ele pra dar vida aos rins, pra eles fazerem o que eles faziam. Tenho buscado a cura pela oração por que Deus pode todas as coisas, se for da vontade dele. Deus levou consigo todas as nossas enfermidades e todas as nossas dores. Ele tem o poder de restaurar a saúde do ser humano. Na minha religião há vários casos de cura. Já passei por várias situações de risco de vida e Deus esteve ali para me ajudar através das pessoas, dos médicos, da família, nos momentos críticos pra me dar vida. Eu acredito que, apesar do meu caso ser complicado, um dia vou ser curado. Tem que acreditar, senão a gente se entrega a doença. Eu tenho uma fé, uma esperança de recuperação... Onde há fé, há esperança. Se eu creio então é “show de bola”, a coisa vai funcionar. Creio que Deus vai dar esse presente, essa alegria para mim e minha família. Eu acredito que o meu tempo na hemodiálise está contado. Por que eu acredito em um milagre. E ele está muito próximo. Mas não fico preocupado com o tempo. O tempo que precisar eu fico fazendo hemodiálise. Na minha igreja falam pra esperar em Deus a cura e ter fé. O milagre acontece todos os dias. É só uma questão de tempo Se Deus achar que eu devo ser curada, eu vou receber um rim para transplantar. Estou nas mãos de Deus: de repente, ele põe um transplante no meu caminho. Acredito que vai chegar o mais rápido possível. Mas não fico pedindo que isso vai acontecer. Alguém tem que morrer pra eu receber... O que tiver que ser meu vai ser no seu tempo. Quando vier o transplante, veio. Enquanto isso eu vou fazendo a hemodiálise tranquilamente. Se não tiver o transplante, acredito 69 que ele vai me dar a cura assim mesmo. Eu acredito no milagre, mas tem que ter merecimento. Talvez a minha fé não seja para tanto. Se Deus achar que a pessoa deve ser curada, ela vai ser. Eu peço a cura ao Senhor para mim e para os meus amigos da hemodiálise. Se for da vontade dele curar, tudo bem. Quem sabe um dia eu consigo? 26 – EU CONCILIO MINHAS CRENÇAS DSC 26 RELIGIOSAS COM A MEDICINA A ciência e a medicina vêm de Deus. Existe uma luta entre o bem e o mal também na ciência. É a luta da humanidade pelo bem. Percebe que a doença é uma coisa do mal e começa a trabalhar essa questão, busca uma solução para isso. É uma pesquisa incessante, usa de todas as ferramentas que forem possíveis. Vejo os médicos como agentes de Deus, como anjos, que estão lutando contra esse mal. Obviamente que eu vou procurar ajuda nos profissionais que tratam da patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não são coisas mutuamente excludentes. Eu procuro não ficar bitolado na religião. A ciência está aí para contribuir. O médico é uma coisa, o padre é outra. Geralmente o médico é ateu. Já aconteceu de descobrir que o médico era ateu. O ateu não acredita em nada, só acredita nele mesmo. Então não adianta pedir. Cada um tem o seu pensamento. Mas o padre não vai se meter com médico nem o médico se meter com o padre. Não misturo as coisas. Na minha concepção é o seguinte: temos o lado espiritual e o lado material. O médico não tem nada com o lado espiritual. Ele cuida do corpo. Aí é evidente que não vai ter conflito. Tenho consciência que os médicos estão aí para nos ajudar. Que Deus esteja sempre na frente, mas em primeiro lugar eu procuro os médicos. Deus é o médico dos médicos; sem ele, médico nenhum teria sucesso. O médico não é médico por que ele estudou, mas porque Deus o constituiu para ser médico, para cuidar das pessoas. Tudo o que o médico faz, faz porque Deus quis, na esperança de um tratamento que, junto com a fé em Deus, possa trazer cura. Deus bota a mão para os médicos irem certo. Os médicos falam, mas é Deus quem opera. Não há contradição alguma, isto é o certo. Espiritualmente é Deus, é o único que pode ser, mas tem que procurar o médico. Deus está agindo no médico, dando sabedoria, para saber qual é o problema que estou tendo e qual é o remédio que eu estou precisando. Tem os médicos, sem eles a gente não melhora. Eles são fundamentais. Acho que é uma profissão divina, inigualável. Pessoas que trabalham dedicadas, cuidando do sofrimento dos outros. Na minha igreja falam que a gente sempre tem que estar no médico, que apesar de Deus curar, que tem os profissionais que estão aqui o tempo todo... Falam pra Deus abençoar os profissionais que estão com a gente, (adesão de 70%) 70 que na hora que eles cuidassem da gente, que Deus tocasse neles. Estou sempre pedindo a Deus que oriente os médicos. Senão dá um nó na cabeça da pessoa... Se Deus não der capacidade para os médicos, o que seria? Se Deus não ficasse olhando, o que seria? Peço que Deus guie as mãos dos médicos para que corra tudo bem. Você pode pedir que os médicos vão fazer aquilo que o Senhor determinar na mente deles. As enfermeiras também podem errar, isso aqui é muito perigoso. Agradeço a Deus porque ele deu inteligência aos médicos pra cuidar de mim. Na minha igreja falam que a gente que fazer as coisas que o médico manda. Na minha igreja dizem que a gente não pode abandonar o tratamento e, ao mesmo tempo, não perder a fé e continuar orar até ser atendido. Nunca me falaram para deixar o tratamento. +Falam a mesma coisa que os médicos falam: é importante não se opor ao tratamento, é necessário que se faça. Se na minha igreja me mandarem parar de fazer o tratamento, eu não paro: vou pra outra igreja. Oro e tomo os remedinhos, faço o que deve ser feito. Sempre quando passo mal venho para o hospital. Se fosse para ser assim, Deus não daria o dom para o homem, para os médicos. Tem gente que procura a igreja e não o médico. Eu até questiono as Testemunhas de Jeová que dizem não poder fazer transfusão de sangue. Isso é coisa material do ser humano. A minha religião não me proíbe de tomar medicamentos, de nada. A minha religião fala muito de agricultura natural, alimento sem agrotóxico. A gente acredita que esses alimentos contribuem para a cura das doenças. A gente acredita que tem que haver a limpeza do espírito e a limpeza da matéria, um equilíbrio entre os dois. Não adianta querer limpar uma coisa e não limpar a outra. A Bíblia diz sobre o que faz bem e o que faz mal, que é preciso ter uma vida regrada. Na minha religião orientam a gente a se cuidar. Peço a Deus a cura também através dos médicos. Eu não sou desses caras que ficam buscando cura, não. A maioria dos problemas os médicos resolvem. Nem tudo você pode dizer que Deus vai resolver. Se Deus me libertar dessa doença, tudo bem; se não, tenho que levar até o fim. Na minha igreja só pedem pra você crer em Deus, que se você crer, ele vai te curar. Mas se o padre falar: “você está curado”, é claro que eu não vou acreditar. Quem é ele pra falar isso? Nos momentos mais difíceis eu procuro os médicos porque eles são as pessoas ideais para o meu problema. Religião é uma coisa totalmente diferente de tratamento. Se eu preciso de alguma coisa difícil, eu posso pedir a Deus pra conseguir. Peço força, coragem, para suavizar meu sofrimento. Mas doença é outra coisa. Se você vai comer coisas gordurosas, você vai ter problema nas articulações... Então tem que evitar comer gordura, se não evitar vai ter problema. 71 27 - EU RECEBO APOIO DE GRUPOS DSC 27 RELIGIOSOS (adesão de 57%) É essencial ter alguém que me apóie. Os amigos, adeptos de várias religiões, fazem orações, preces, visitas. Alguns me visitaram em casa, outros me encontraram em outros ambientes, outros me telefonaram. Isso me ajudou muito. Outras pessoas, de diversas religiões, me visitaram na enfermaria oferecendo orações. Me perguntaram se teria algum problema fazer uma oração, uma reza. Falei: “fiquem à vontade, por favor”. Às vezes eu estava fazendo hemodiálise e eles estavam esperando para me ver na enfermaria. As palavras me dão forças, são sempre bem-vindas. Recebo apoio da minha igreja, eles vão lá a casa conversar, orar, dão sempre uma palavra de conforto. Quando eu vou às reuniões eles conversam comigo, estão sempre indo lá em casa dando apoio. O pessoal da minha igreja me estimula muito. O pessoal sente falta de mim. Sempre tem um pra comentar: “o que houve?”, “puxa, em vista do que você estava, você está bem melhor!”. As pessoas da minha igreja estão sempre ligando pra mim, vão me visitar, mostram uma preocupação, um interesse em saber como eu estou, como está esse tratamento, se estou vivo. As pessoas da minha igreja estão sempre me visitando, telefonam, e marcam reunião lá, me levam pra igreja. Eu fico feliz. O pessoal da igreja é mais ligado do que o pessoal de casa... São coisas que levantam o moral, dão alto astral. O envolvimento com a reunião, o contato com as pessoas é estimulador. A igreja faz muito passeio, aí eu vou. O ônibus vai cheio, a gente vai conversando... É muito bom. A melhor coisa é sair de casa, fingir que não é doente. O renal não é doente, ele só tem um problema renal. Nos passeios da igreja, você se distrai, finge que não é doente. Todo mundo trata você normal, não como uma pessoa doente. Mexem comigo, fazem aquelas brincadeiras... Tem dia de domingo que eu ajudo a distribuir a água ungida e o jornal da igreja... Distrai. É bom pra mim. Tem ministro na igreja: quando você quiser conversar, receber alguma orientação, eles estão lá disponíveis. Uma vez pensei em desistir do tratamento. Aí fui conversar com os cabeças da minha igreja e isso foi abrindo a minha mente, explicando que a hemodiálise é boa pra saúde. Falam que não pode desistir da vida, ficar com maus pensamentos e que tudo tem sua hora. É uma palavra amiga. Na minha casa nunca faltou ninguém. Sempre tinha alguém pra conversar, levar uma palavra, um texto bíblico, “não desanimes, Deus está contigo”, sempre uma palavra de ânimo. O pastor ligou lá pra casa e perguntou: “posso ir aí agora?”. Eles dizem: “qualquer coisa que precisar, o padre vai!”. Também 72 vão se eu tiver necessidade de cesta básica. Eles falam que se precisar de remédio de qualquer coisa, eles ajudam. Perguntam se estou precisando de alguma coisa, como estou indo, se preciso de alguém pra fazer alguma coisa. Isso me ajuda, me deixa mais tranqüilo. 28 – EU QUASE NÃO CONVERSO SOBRE RELIGIÃO COM OS MÉDICOS (adesão de 40%) DSC 28 No hospital eles nunca conversaram sobre religião. Só me perguntaram qual era a minha religião e acabou. Faz muito tempo, fizeram muitas perguntas, fazendo a ficha para o meu prontuário ou preenchendo um questionário. Mas aqui nunca foi feito nenhum comentário sobre religião. Nunca conversei com a equipe de saúde sobre isso. A maioria das pessoas que me abordam tão mais preocupadas com a minha doença do que com um assunto mais pessoal. Infelizmente há muito preconceito. Quando eu vim fazer a minha admissão, o médico perguntou qual era a minha religião e mais nada. Os médicos não se metem com a religião. Nunca puxaram esse assunto nem falaram nada. Mas teve um gesto que um médico fez. Falei que Deus estava em minha vida, aí ele falou em Deus. Eu gostei e achei isso muito importante. Tem umas enfermeiras que são religiosas, a gente conversa... Elas sabem dos meus problemas. Elas têm uma palavra de conforto, de carinho. Quando eu quero, boto um cordão e a pulseira de São Jorge. Ninguém nunca falou nada. Mas nunca ouvi os médicos falarem sobre isso na hemodiálise. A maioria dos pacientes fala da religião deles e eu falo da minha. Com os pacientes eu converso. A gente entra na conversa e vai renovando as forças. Eu já falei com companheiros de quarto, internada, sempre entre nós. Na enfermaria toda semana ia alguém orar, às vezes no mesmo dia, entrava um e saia outro. Mas aqui na hemodiálise não. Eu gostaria que viesse. 29 – FIQUEI MAIS RELIGIOSO APÓS A DSC 29 DOENÇA E A HEMODIÁLISE Depois que eu comecei a fazer hemodiálise estou mais religioso. Busquei a religião por causa da doença. Na hora do sofrimento ligado à saúde, eu procuro em primeiro lugar ajuda na minha religião. Desde que eu fiquei doente eu passei a orar, ir às missas, falar com o padre... Agora estou até lendo a Bíblia demais. Tem que buscar, senão não dá em nada. A última vez que eu pensei em desistir da hemodiálise foi em cima de uma maca. Eu comecei a me lembrar da minha infância, senti que tinha que voltar às origens. Aí voltei a freqüentar a igreja. Eu faço o terço todo dia, quando deito e quando levanto. Agora eu me (adesão de 20%) 73 sinto mais firme, como se estivesse no caminho em que devo andar. Depois que os médicos falaram que não vão me inscrever para o transplante eu passei a crer mais em Deus. Quando a coisa aperta a gente pensa mais em Deus. Até o cara que não acredita, quando a coisa o aperta ele chama o nome de Deus. Você fica sem saber o que fazer. 30 – EU NÃO ACREDITO NA CURA DSC 30 DIVINA PARA A DOENÇA RENAL A fé de curar eu não tenho não. Até porque eu não tenho um exemplo de que aconteceu isso. Existe a realidade: eu não vou ficar bom nunca. Nem com médico quanto mais com religião. A cura não existe, a não ser que eu faça um transplante. Mesmo assim eu peço que o Senhor me dê uma vida melhor. Eu sinto muita dor no peito, falta de ar... Eu acredito que possa melhorar. Pra doenças leves eu acredito, peço a cura. Mas sei que não tem jeito não: enquanto eu viver, tenho que fazer hemodiálise. (adesão de 10%) Tabela 5 – Adesão aos DSC dos pacientes relativos à questão “sua religião lhe ajuda no enfrentamento da sua doença e no seu tratamento?” DSC DOS PACIENTES ADESÃO (%) DSC 24 – As minhas crenças me ajudam a suportar a doença e o tratamento DSC 25 - Eu acredito na cura divina para a doença renal DSC 26 – Eu concilio minhas crenças religiosas com a medicina DSC 27 - Eu recebo apoio de grupos religiosos DSC 28 – Eu quase não converso sobre religião com os médicos DSC 29 – Eu fiquei mais religioso após a doença e a hemodiálise DSC 30 – Eu não acredito na cura divina para a doença renal 100% 73% 70% 57% 40% 20% 10% Os discursos relativos à segunda questão expressam que o grupo investigado inclui a crença religiosa como característica de seu perfil sociocultural e em grande parte vinculado à 74 atividades de religiões como orar individualmente e participar de suas igrejas. Para o grupo, a fé em Deus é o elemento comum e central na sua religiosidade, sendo considerado como uma necessidade vital, mesmo quando não se tem adesão à instituição religiosa. Deus é percebido como um ser totalmente confiável que sustenta, ajuda e atende aos pedidos, especialmente nos momentos mais difíceis, dentre eles os relacionados à saúde. Por esta razão, observa-se que religiosidade foi despertada ou intensificada após a doença e a hemodiálise. Os discursos mostram que a religiosidade está presente em todo processo de enfrentamento da doença e do tratamento, desde o deslocamento da casa até o hospital, passando pelos incômodos vividos durante as sessões (punção, problema no cateter). Neste sentido, destaca-se como função das crenças religiosas o fortalecimento pessoal, o alívio da angústia e da tristeza, a motivação para continuar o tratamento, além da esperança de resolução dos problemas aparentemente insolúveis. Quanto a isto, prevalece a esperança da cura para a doença renal, mesmo que de modo hesitante, o que não é considerado um impedimento para o discurso de conciliação entre as crenças religiosas e o conhecimento médico. Neste sentido, houve o discurso que associa o exercício médico a influências divinas e o tratamento visto como a maneira pela qual Deus poderá intervir na doença. O transplante foi mencionado, apesar da hesitação, como um recurso médico através do qual Deus poderá trazer a cura. Não obstante à expectativa do milagre, o grupo busca apoio para o enfrentamento da doença e no tratamento e o encontra em grupos religiosos. Esse apoio se traduz no constante estímulo para o autocuidado e na disponibilidade das pessoas em ajudar no que for necessário. Conversar a respeito dos problemas relativos à saúde é percebido como gerador de sentimento de estar integrado à comunidade e de melhora do humor. Segundo a percepção do grupo, efeitos semelhantes acontecem ao se conversar sobre religião com as enfermeiras e com outros pacientes no contexto hospitalar, ainda que isto aconteça menos no setor de hemodiálise do que nas enfermarias. Entretanto, os médicos se sobressaem nos discursos como aqueles com quem não se conversa sobre religião e que se limitam a eventualmente perguntar pela religião dos pacientes e abordar o assunto. 75 6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 6.1 Discussão do DSC dos médicos As representações sociais do grupo investigado expressam visões de receptividade às crenças religiosas e o reconhecimento da sua importância no contexto do trabalho médico, mesmo que inclua riscos de um uso indevido prejudicar o tratamento. Esta percepção é coerente com o perfil religioso do grupo, constituído em sua grande maioria por pessoas que seguem alguma religião ou que acreditam em Deus, ainda que haja momentos de oscilação na manutenção de tais crenças. Tais representações podem ser vistas especialmente nos discursos relativos à questão 1, onde há grande adesão ao discurso que considera a religiosidade importante como apoio psicológico, ainda que também haja adesão ao discurso que expressa a preocupação com a possibilidade de que as crenças religiosas prejudiquem a adesão ao tratamento e a outro que expressa dúvidas neste sentido. Diante da percepção da grande demanda de apoio psicológico e, ao mesmo tempo, da impossibilidade de corresponder a ela (DSC 1 – “É difícil impor uma barreira, é estranho... Eles te sugam!”), a religiosidade é valorizada como um recurso alternativo capaz de oferecer aos pacientes conforto emocional, sentido ao sofrimento e motivo para se resignar ou para superar as limitações e prejuízos impostos pela doença e pelo tratamento (DSC 1 - “O remédio que a gente não encontra na farmácia tem que buscar em outro lugar”). Compreende-se que estando o grupo inserido em um contexto institucional em que se valoriza especialmente a ciência, as representações sobre a religiosidade tenham se associado à ciência psicológica, igualando crenças religiosas a recurso psicológico. Embora isto possa acontecer na experiência subjetiva de pessoas que se encontrem em situações críticas, devem-se esclarecer as diferenças entre elas. As crenças religiosas referem-se a uma dimensão sagrada e transcendente, podendo ou não estarem inseridas em um sistema religioso organizado e que visam, juntamente com práticas, rituais e uso de símbolos, uma aproximação com esta dimensão (KOENIG, 2012). Já um recurso psicológico pode estar relacionado a quaisquer outras crenças pessoais sustentados por um indivíduo e que caracterizam seu estilo de vida e comportamento (PANZINI, 2007). Os discursos expressam a necessidade de estabelecer limites entre as intervenções médicas e as intervenções religiosas. Neste sentido, é um objeto especial de preocupação a 76 possibilidade dos pacientes buscarem a cura religiosa e, com isso, comprometer a adesão deles ao tratamento (DSC 2 - “quando a religião não serve para motivar o tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo”). A adesão ao tratamento é um objetivo médico especialmente visado no caso dos pacientes crônicos como os portadores de IRC já que esta condição exige comportamentos sistemáticos (dieta, uso de medicamentos, sessões terapêuticas, etc.) que, se interrompidos, podem acarretar em conseqüências graves em curto prazo e, às vezes, irreversíveis, incluindo o óbito. Além disso, a experiência dos médicos expressa nos discursos aponta para o risco de que certas religiões ou crenças religiosas possam levar os pacientes a rejeitarem tratamento proposto, como no caso das Testemunhas de Jeová, que recusam à transfusão de sangue, ou no caso de alguns grupos evangélicos que pregam a cura divina exclusivamente mediante a fé. Não é sem razão que, embora a representação social do uso da crença religiosa como recurso no tratamento seja positiva, a aceitação é vista como condicionada ao compromisso do paciente com o tratamento médico. Deve-se observar que os discursos fazem alusões ao conceito de saúde e de doença crônica, particularmente na insuficiência renal crônica onde há necessidade de cuidados especiais (DSC 1 – “no caso da insuficiência renal crônica, cada pessoa vai se cuidar dependendo da sua crença”; DSC 2 –“Quando a religião não serve para motivar o tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo”; DSC 3 - “é mais uma questão de relação com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e aceitar o tratamento”). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “saúde é o estado do mais completo bemestar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade” (SCLIAR, 2007, p.37). Uma visão coerente com este conceito exige a compreensão da saúde como uma situação dinâmica onde cabe a inclusão de cuidados especiais permanentes, onde, por exemplo, a hemodiálise é indispensável. Se isto não é compreendido, entre outras conseqüências, o paciente pode usar as suas crenças religiosas para buscar o milagre da cura, implicando em abandono do tratamento, já que este não visa a cura, e sim a possibilidade da sobrevivência e da melhora do bem-estar integral. Para evitar tal situação, isto é, para motivar o paciente a buscar a saúde no sentido dado pela OMS, o grupo investigado percebe a necessidade de que haja um esforço integrado da equipe multiprofissional no papel de educador. Neste sentido, a religiosidade, ao invés de ser considerada pelos pacientes apenas como fonte de cura, pode passar a ser um componente na promoção ou na recuperação do bem-estar completo. 77 Os discursos produzidos em resposta à questão 2 ("Como você lida com a sua própria religiosidade no contexto do trabalho?") mostram claramente que as crenças religiosas dos médicos são mobilizadas no contexto de trabalho, havendo uma grande adesão ao discurso que afirma a sua presença e importância para eles. Os discursos expressam não só que os médicos reconhecem um papel colaborador das crenças religiosas no tratamento, como as usam como apoio para si mesmos no exercício da profissão, sendo usadas como fonte de segurança, sentido e valor (DSC 5 – “Eu peço a Deus para guiar as minhas mãos quando eu vou fazer uma punção (...) A religião me faz ficar mais tranquilo nas situações difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores condutas (...) em várias situações a gente lida com pacientes graves (...) Se você não tiver religião perde o sentido do que está fazendo (...) me ajuda a entender o sofrimento das pessoas, os pacientes que tratam mal, a convivência no ambiente de trabalho”). As crenças religiosas também são usadas como um recurso para fazer frente ao estresse e às exigências típicas da profissão, especialmente frente ao medo de errar e de causar danos aos pacientes, considerando o fato de lidarem com o alto risco de morte dos pacientes no cotidiano (DSC 5 - “A religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores condutas”). Entretanto, a presença de crenças religiosas no grupo investigado não significa ausência de críticas, dúvidas ou rejeição a crenças (DSC 4 – “Médico é uma pessoa muito cética”). Na verdade, os discursos que expressam as crenças religiosas dos médicos (DSC 5, 6 E 7) o fazem de modo a preservar o compromisso com a medicina e com a base de seus conhecimentos, que é a ciência. O DSC 6 expressa a percepção da necessidade de conciliar as crenças religiosas com a formação científica, o que permite ver a existência de conflitos, tanto do ponto de vista intelectual quanto emocional (“Eu tento me manter com um pensamento racional, mas acho que isso não exclui a religiosidade (...) existe esse sentimento ambíguo”). Inversamente, este discurso expressa a falta de compromisso às instituições religiosas e seus dogmas (“tenho uma religiosidade própria, não institucional”). De acordo com isso, repudiam posições religiosas contrárias ao saber médico (“Tenho discordâncias técnicas, como na questão do aborto, controle da natalidade, distanásia”). Ao mesmo tempo em que afirma que religiosidade e ciência são campos distintos da experiência humana, afirma a necessidade de mantê-los à distância um do outro (“Não é que ciência e religião estejam uma contra a outra, mas são universos paralelos”). Pode-se ver aqui a preocupação com o risco de que a intromissão da religião no campo científico possa repercutir negativamente na prática 78 médica. Já o DSC 7 expressa o confronto com situações clínicas graves que levam os médicos a buscarem na religiosidade respostas para questões que, para eles, a ciência não oferece satisfatoriamente, especialmente com relação ao sentido do sofrimento, da morte e da vida (“Existem vários conflitos entre religião e ciência, até que ponto você pode ou deve investir no paciente... Para quê trazer de volta uma pessoa que não interage, toda sequelada? Talvez Deus estivesse chamando o paciente para outra chance em outra vida (...) A gente se pergunta se está fazendo as melhores escolhas, se está aproveitando bem a vida”). O conjunto dos discursos revela a presença de crenças religiosas no contexto de trabalho médico investigado ao mesmo tempo em que existe a oscilação entre a crença e a descrença, conforme mostram, embora de menor adesão, o DSC 8 (“eu me sinto em dúvida entre o meu juízo crítico e as minhas necessidades”) e o DSC 9 (“eu sou ateu, não acredito em nada”). No entanto, um dos discursos de maior adesão do grupo revela a ausência de compartilhamento entre os menmbros do grupo de suas crenças religiosas e do papel que eventualmente teriam no contexto de atendimento médico aos pacientes. confira-se os fragmentos do dsc 4 ( “entre os médicos é um assunto que não circula, não se discute, não se pergunta...”). Fica evidente a percepção de que, caso houvesse a discussão do assunto, ela se daria necessariamente em função do conteúdo das crenças assumidas por cada profissional e isto seria um foco de desajustes do grupo, segundo a percepção dos mesmos. note-se que não está mencionado o papel de tais crenças no contexto da clínica (DSC 4 – “cada um tem a própria e ninguém entra em controvérsia”). Os discursos não mencionaram a possibilidade de se conversar sobre a importância da religiosidade no contexto de trabalho bem como sobre a abordagem do assunto junto aos pacientes independente de confrontos entre crenças adotadas por cada médico particularmente. De acordo com tal percepção, o assunto é tão potencialmente gerador de tensões no grupo investigado que deve ser preterido no ambiente de trabalho (“A gente aqui fala mais sobre futebol do que sobre religião... A gente quer extravasar. Jogar fora esse estresse, conversar sobre coisas mais leves.”). Porém, evitandose o assunto dessa forma, a religiosidade não se torna um objeto de reflexão enquanto variável relevante na clínica e possível estabelecimento de condutas terapêuticas apropriadas de apoio a ser integrado nas ações terapêuticas. O fato dos médicos não terem o papel das crenças religiosas de seus pacientes e também as suas próprias crenças como tema de reflexão coletiva reflete-se no modo como o mesmo grupo percebe e lida como os pacientes no âmbito da hemodiálise, conforme mostram 79 principalmente os discursos relativos à questão 3. Nessa questão, os médicos investigados foram instigados a falar sobre seus próprios comportamentos em situações concretas de atendimento. Nos discursos expressos estão expostas às dificuldades de traduzir a percepção da religiosidade como recurso de “apoio psicológico” em procedimentos coletivamente elaborados e que possam servir de referência para a abordagem médica nas suas condutas de rotina (DSC 10 – “Temos que perguntar, mas geralmente não pergunto não”). Ao invés disso, os discursos mostram que a abordagem é feita de modo individualizado e baseada na experiência pessoal do médico (DSC 13 – “Eu uso mais ou menos o que a pessoa diz. Às vezes os pacientes falam, aí eu respondo, pergunto... Você percebe o que o paciente quer ouvir”). Os discursos revelam o reconhecimento do próprio despreparo para lidar com o tema, seja pela falta de conhecimento e elaboração de algo que lhes parece complexo, principalmente os de maior adesão (DSC 11 - “Não me sinto preparado pra isso não (...) acho que essa pesquisa é muito importante para orientar a gente a como (...) abordar a religiosidade com o paciente”), seja pelas dificuldades impostas pelas condições de atendimento onde o tempo lhes parece limitado (DSC 10 – “às vezes na correria eu não pergunto”), expressando hesitações, dúvidas e conflitos (DSC 10 – “Não consigo ver se é certo ou errado questionar sobre religião (...)”; DSC 11 – “Não pergunto para não entrar em conflito (...); DSC 14 – “Não sei se estou ultrapassando uma barreira na relação médicopaciente (...)”). A referência que os discursos fazem a educação médica revela um conflito entre abordar a religiosidade tal como aprenderam a fazer na sua formação e priorizar os aspectos biológicos nas situações concretas de atendimento (DSC 10 – “Faz parte da formação médica (...) Eu perguntava sobre a religião quando aprendi a fazer anamnese” (...) Pra fazer a anamnese correta é uma conversa de 1 hora, 1 hora e meia (...) Nesse processo de encurtar a gente acaba eliminando a religião (...) Acredito que não seja tão importante para o que estou procurando: doenças, a parte clínica. É mais importante saber quanto está o potássio, se o paciente está taquipneico (...) A nefrologia é uma especialidade que lida com urgências.”). Estes discursos provocam a reflexão sobre a relação existente entre o que percebem os médicos sobre a religiosidade e o que eles percebem sobre as condições de trabalho para abordar o assunto, especialmente no que diz respeito ao tempo. É interessante notar que assim como os médicos valorizam especialmente os aspectos biológicos em função de urgências clínicas, valorizam também os aspectos religiosos em função de urgências 80 psicológicas que se impõe em situações especiais (DSC 12 - “eu converso sobre religião com o paciente quando o paciente está precisando, está deprimido (...) carente emocionalmente (...) quando está terminal”). Tais discursos provocam a reflexão sobre o quanto estes discursos estão influenciados pelo modelo biomédico, considerando a possibilidade de que, na verdade, não abordar a religiosidade regularmente não seria uma impossibilidade intrínseca às atividades de um médico nefrologista, mas sim uma opção que corresponderia a percepção de corresponder ao referido modelo, que é centrado na doença e nas intervenções biológicas sobre o paciente. Porém mesmo com o reconhecimento de dificuldades para abordar a religiosidade, o DSC 13 e o DSC 14 expressam os esforços do grupo médico, reconhecendo a presença das crenças religiosas presentes tanto no repertório dos pacientes como no do seu próprio grupo. Nesses discursos estão afirmados os recursos às crenças religiosas como apoio e fonte de sentido para o sofrimento. A diferença é que, no primeiro caso, existe o esforço em conhecer e utilizar as crenças religiosas dos pacientes, enquanto no segundo caso, utilizam-se as próprias crenças. Em ambos os casos há o propósito declarado de usar as crenças religiosas como um expediente possível em favor do tratamento (DSC 13 – “Às vezes o paciente fala e eu respondo vamos ter fé, quando eu percebo que é importante para ele; DSC 14 – “Quando preciso, uso a religiosidade como um artifício de um processo de convencimento... da necessidade de aderência ao tratamento... É uma forma de tentar confortar também”). Podese observar que estes discursos refletem a experiência dos investigados: ainda que não tenham relatado estudos especializados para elaborar suas experiências a respeito, eles exercitam mesmo precariamente o uso das crenças religiosas. Embora o contexto do trabalho seja de base científica, onde a ciência é o principal parâmetro para orientar a prática, os discursos não fazem referência a estudos relacionados a como abordar a religiosidade dos pacientes. Contudo, a literatura científica sobre isso é crescente e oferece diversidade de respostas às questões apresentadas pelo grupo investigado sobre como melhor abordar a religiosidade e entender a sua relação com a clínica (FOSARELI, 2008; KOENIG, 2004; LO ET AL, 1999). Deve-se entender o que foi dito acima à luz dos processos de secularização (BERGER, 2001; CASANOVA, 1994). A religião tornou-se um assunto da esfera privada, sendo, de certa forma, inconveniente tratar dela na esfera pública. Entretanto, a saída da religião das diferentes esferas da vida tem ocorrido de forma paulatina com avanços e recuos, podendo-se dizer que a secularização tem sido parcial. Historicamente falando, é relativamente recente o 81 fato do médico, e não o sacerdote, ser aquele a quem se deve procurar em caso de doenças. Se por um lado, a religião é substituída pela medicina de base científica como parâmetro nas instituições de saúde, por outro lado, ela persiste como um recurso de recuperação da saúde valorizado e buscado na sociedade. Além disso, a secularização objetiva, isto é, a saída da religião do espaço público, não necessariamente está acompanhada da secularização subjetiva, isto é, da perda da fé pelos indivíduos. Isto se torna concreto no caso de um hospital público onde, mesmo não sendo falada, a religiosidade está presente de modo mais ou menos influente, tanto nos paciente quanto nos profissionais de saúde. No caso de um hospital universitário, campo de atuação do grupo investigado, amplia-se a questão: não se trata apenas da oposição entre o privado e o público, mas também entre o científico e o nãocientífico. Do ponto de vista histórico também pode ser considerado recente a separação entre ciência e religião e, ainda sim, a relação entre ambas nem sempre foi de oposição e rivalidade. É somente no Iluminismo no século XVIII que surge o projeto de substituir todo conhecimento baseado na religião pelo conhecimento científico, levando ao pensamento vigente em muitos grupos sociais de que ciência e religião são totalmente incompatíveis entre si, de modo que quem estiver relacionado com uma, não poderá estar relacionado com a outra. Porém, a literatura que aborda a história da ciência e religião inclui todo um conjunto de dados e reflexões que mostram que conflitos nesse âmbito não são obrigatórios, antes são campos da cultura humana (ROSSI, 2001; HENRY, 1998). Diante do exposto, pode-se perceber através dos discursos que existe no grupo investigado uma importante relação entre os processos de secularização e as representações sociais expressas através dos discursos, seja nas dificuldades em se lidar com a religiosidade com os pacientes, seja nas dificuldades em se tratar do tema no ambiente de trabalho, especialmente no silêncio que predomina sobre ele. Como um importante efeito dos processos acima descritos, deve-se ressaltar que existe no grupo investigado o reconhecimento da dimensão cultural da religiosidade no grupo de pacientes. Isto está sintonizado com a literatura científica que afirma a necessidade de considerar os aspectos culturais e psicossociais como determinantes dos comportamentos individuais e grupais na clínica (HELMAN, 2003; GEERTZ, 1989; EISENBERG, 1977). A dimensão religiosa das culturas está presente em diferentes grupos e podem se expressar no grupo específico de pessoas acometidas por problemas de saúde. Estudos mostram que isso é uma realidade no caso de grupos de pacientes em hemodiálise, influenciando no enfrentamento da doença, na adesão ao 82 tratamento e no busca de melhor qualidade de vida (CUKOR ET AL, 2007). Finalmente observou-se o modelo biomédico atravessando o conjunto dos discursos e de alguma forma influenciando percepções e atitudes do grupo investigado 6.2 Discussão do DSC dos pacientes Com o propósito de melhor compreender os discursos dos pacientes, é importar analisá-los à luz da realidade em que se encontra o paciente renal crônico no programa de hemodiálise do hospital seja em seus aspectos clínicos, institucionais ou sociais. O DSC 15, discurso de maior adesão referente à questão 1 (do roteiro elaborado para as entrevistas com os pacientes), refere-se ao momento inicial do tratamento do grupo investigado. sentimentos e relexões expressam nesse discurso as percepções dos doentes renais crônicos vividos tão logo receberam a notícia de que dependeriam da hemodiálise para sobreviver e manter a qualidade de vida possível até as primeiras sessões do tratamento. No caso dos pacientes que estão em acompanhamento regular no ambulatório do hospital é possível programar o início da hemodiálise e, assim, realizar um melhor preparo prévio, incluindo esclarecimentos médicos sobre o tratamento e apoio psicológico. No caso dos pacientes em estado muito grave, sua primeira sessão de hemodiálise ocorre após receber um atendimento emergencial, sendo encaminhado para dar continuidade de modo ininterrupto (“De repente começou. Desmaiei em casa, fui ao posto e o médico descobriu que eu estava perdendo os rins. Falou pra mim:”eu vou te internar agora porque você está morrendo”. Fiquei internado, dali fui para a hemodiálise”). Seja como for, o início da hemodiálise implica, via de regra, em uma mudança drástica na rotina de vida do paciente, principalmente por exigir que ele esteja na unidade de hemodiálise três vezes por semana, podendo levar a interrupção temporária ou definitiva da vida profissional e outros projetos de vida em andamento (“Ficar preso a uma máquina dia sim, dia não, tira todo o seu norte, objetivo, realizações, coisas a fazer na sua vida”). Pode-se observar a necessidade de apoio para os pacientes neste momento, seja ela suprida por um profissional ou não (“Neste momento teria sido bom receber a orientação de um psicólogo ou o apoio de alguém pra falar alguma coisa, uma palavra que me desse ânimo... Mas não tive nem dentro da minha família”) . No DSC 18, que apresentou adesão de metade do grupo investigado, verificam-se as dificuldades de ajustamento à etapa inicial de tratamento ainda não totalmente superadas, isto 83 é, não há apenas dificuldades transitórias, mas sim estabelecidas ao longo do tempo (“O pessoal diz: “se acostuma”. Mentira! Não tem como se acostumar não. Parece que o corpo vem, mas a mente não vem”). Neste discurso, encontra-se a percepção de que a hemodiálise é uma penosa obrigação, que não acaba com o sofrimento e apenas prolonga a vida, não melhorando a sua qualidade (“Sua qualidade de vida é praticamente zero. A hemodiálise não dá qualidade de vida, ela só prolonga a vida. Ela me prejudicou muito. A nossa vida, muda tudo....”). De fato, não apenas a vida, mas o próprio paciente é percebido como anormal, tanto pelo fato de ter uma rotina diferente da maioria das pessoas como pelo fato de possuir em seu corpo uma fístula ou um cateter (“Vir prá máquina e ficar quatro horas está fora do contexto de uma vida normal. Tenho milhões de coisa pra fazer e estou aqui... Você fica preso, parece uma prisão. As pessoas que fazem isso são como extraterrestres. Às vezes eu me sinto como um extraterrestre. Tinha que ficar com o cateter no pescoço, morria de vergonha”). Neste discurso valorizam-se os possíveis efeitos colaterais do tratamento (câimbras musculares, cefaléia, enjôo, etc) e intercorrências durante as sessões (punção dolorosa, obstrução da fístula, coagulação de sangue no circuito, problemas de funcionamento na máquina dialisadora, etc) (“De repente eu passo mal e tem que parar a máquina. O meu problema agora é a máquina. São umas dores nas pernas, uma falta de ar... Saio cansada”). Além disso, destaca-se o fato de depender de familiares para a locomoção de casa até a unidade de hemodiálise, que é uma necessidade para uma parte dos pacientes, seja por dificuldades físicas (perda de força física, acuidade visual, risco de crises durante o trajeto, etc.), emocionais (medo de passar mal, necessidade de apoio, etc.) ou sociais (falta de um meio próprio de locomoção, dinheiro para custear as passagens do transporte público, etc.) (“Ter que depender dos outros aborrece. Nunca tive dependência de nada, de repente ficar dependente de tudo...”). Observa-se que os recursos oferecidos no contexto hospitalar não são mencionados como meios usados para dirimir o sofrimento. No DSC 17 já se observa um certo grau de ajustamento à hemodiálise, ainda que também se observe a expressão de certo grau de sofrimento e a falta de referências a ganhos no sentido da qualidade de vida (“Não venho com alegria, seria masoquismo... Venho com a consciência de que tenho que fazer. Eu tive que escolher: fazer ou morre”), o que já aparece no DSC 20, embora com baixa adesão (“Antes eu não conseguia subir escada, aquela canseira que eu sentia, saiu tudo. Era muito cansaço, sentia até quando tava falando... A pressão era altíssima... Melhorou tudo, até o meu astral”). 84 Embora o DSC 19 refira-se também a etapa inicial do tratamento, nele se destaca o aspecto da desinformação sobre a hemodiálise, tanto com relação ao que ela é, quanto com relação às causas que levam a fazê-la e os seus procedimentos, sendo geradora de angústia e especulações fantasiosas (“Na primeira vez, entrei com naturalidade, sem saber o que era... levei um susto sem saber o que fazer. Passou um monte de coisas na minha cabeça... “o que é isso, hemodiálise?... Eu pensava que estava com câncer, com AIDS,... que não ia durar muito tempo,... ia fazer e não ia resistir”). Deve-se esclarecer que as circunstâncias que levam ao início do tratamento pode não favorecer a comunicação entre os médicos e o paciente, como nos casos de atendimentos emergenciais e de quadros clínicos que afetem o nível de consciência. Por outro lado, deve-se ressaltar que os pacientes renais são portadores de uma doença crônico-degenerativa com uma longa perspectiva de tratamento cuja possibilidade de se fazer hemodiálise é previsível. É de se questionar o que levou o grupo investigado a não ser bem informado sobre a hemodiálise. O referido discurso aponta como motivos a percepção de falta de iniciativa do médico em informar e de que o modo de falar do médico é incompreensível (“Os médicos... Não foram conversar, mas queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise... Os médicos não passam, se a gente não perguntar... Não sei explicar direito por que, mas eu fiquei meio retraído... O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra lá... Perguntando a equipe, não encontrei uma explicação, nem os médicos souberam explicar...”). Em virtude desta percepção e da demanda por informação, a busca individual pela internet foi a alternativa encontrada para obter informações sobre a hemodiálise (“Pesquisei na internet e descobri”). Este discurso confronta os médicos e toda equipe multiprofissional quanto ao papel de educador que deve ser exercido especialmente na etapa inicial do tratamento a fim de se evitar o sofrimento dos pacientes. O DSC 16 refere-se à possibilidade de encontrar no relacionamento com os outros uma rede de suporte para superar as dificuldades de ajustamento à hemodiálise, especialmente na etapa inicial. Recebe uma importância maior os familiares (“Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro despertamento..), mas as pessoas do convívio cotidiano dos pacientes também são mencionados (“Tem muitas pessoas, vizinhos, que sempre ajudam”), além dos diversos profissionais que lhe prestam assistência no setor de hemodiálise (“Depois que eu conversei com o psicólogo eu melhorei, saiu uma nuvem da minha cabeça. Também fui conversando com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me 85 acalmando”). Neste discurso pode-se observar a importância do contato interpessoal para o paciente no contexto do seu tratamento, o que pode ser comparado com o mesmo tipo de contato que experimenta com grupos religiosos. À propósito, pode-se observar no DSC 22 que, mesmo sem ser estimulados neste sentido, o grupo expressou a sua religiosidade ao ser indagado sobre as suas percepções sobre a hemodiálise (“A hemodiálise é uma purificação do sangue e o sangue é a materialização do espírito”). Na questão 2, que indaga sobre o papel da religiosidade no tratamento, o conteúdo deste discurso é expandido e aí aparece a importância do apoio dado por grupos religiosos. Deve-se destacar que o discurso relativo ao apoio social teve grande adesão, o que chama atenção sobre a importância do apoio social para o grupo investigado no momento. O DSC 21 e 23 abordam outra possibilidade de tratamento na doença renal crônica: o transplante (DSC 21 - “Acho que todo mundo espera o transplante”; DSC 23 – “Eu não tenho opção: ou eu faço hemodiálise ou eu faço transplante”). Para saber se esta é a melhor opção para o paciente é preciso fazer um cálculo da relação custo-benefíco incluindo condições clínicas, idade, etc. Porém, este é um recurso do qual nem todos podem se beneficiar. Primeiramente, nem todos preenchem os critérios técnicos para inclusão na lista de espera de um órgão. Em segundo lugar, ainda que já tenham sido inscritos, nem sempre surge um doador ou um órgão compatível com o paciente. O grupo expressa tanto a visão de que o transplante pode lhes dar uma melhor ou uma pior condição de vida se comparado à vida que têm fazendo hemodiálise. Seja como for, este é um tema incontornável para o paciente em hemodiálise. Por isso, pode-se esperar que, de alguma forma, a religiosidade seja relacionada à questão do transplante. O DSC 24 pode ser visto como uma resposta às dificuldades típicas de quem faz hemodiálise onde a religiosidade surge como um importante apoio (“Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu tratamento. Dá vontade de desistir e aí eu recupero a vontade de continuar (...) Peço a Deus força pra chegar e voltar pra casa. (...). Quando eu estou vindo ou quando eu estou na hemodiálise, eu peço a Deus pra que tudo dê certo. (...) A punção dói, às vezes não conseguem. Se estou com muita dor ou um problema no cateter, ele me ajuda”). Mais destacadamente, a obrigação de estar sempre presente às sessões requer uma disposição de ânimo constante. Faz alusão também ao ir e vir do tratamento, o que pode ser um sério problema para os pacientes mais comprometidos seja do ponto de vista clínico (que pode impor, entre outras, limitações na capacidade de se locomover), seja do ponto de 86 vista social (pela falta de acesso a um transporte adequado ou de disponibilidade de acompanhante). Outro exemplo são as complicações possíveis durante às sessões, como não conseguir fazer à punção arteriovenosa ou acontecer uma obstrução no cateter. Estas e outras dificuldades são percebidas como motivo de quase insuportável sofrimento, o que leva o grupo a esperar a cura divina, como expressa o DSC 25, mesmo que esta venha através do próprio tratamento médico, como o transplante (“Se Deus achar que eu devo ser curada, eu vou receber um rim para transplantar”). O DSC 29 reflete esta tendência do grupo investigado em recorrer à religiosidade nas situações em que se sente desamparado e desorientado, especialmente àquelas que dizem respeito às intercorrências clínicas da doença (“Na hora do sofrimento ligado à saúde, eu procuro em primeiro lugar ajuda na minha religião”). É de se esperar, portanto, que a religiosidade apareça como um recurso de apoio para o grupo investigado. O DSC 26 mostra que não é necessariamente um problema para o grupo investigado conciliar as suas crenças religiosas com a medicina, como o DSC 25 já havia indicado ao associar cura divina com transplante (“Obviamente que eu vou procurar ajuda nos profissionais que tratam da patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não são coisas mutuamente excludentes”). É relevante apontar a relação feita entre ensinos religiosos e tratamento no que diz respeito à alimentação, visto que a dieta é um ponto fundamental para o êxito do tratamento hemodialítico. O DSC 30 reflete esta visão ao concordar com a medicina quanto à incurabilidade da doença renal e ter como motivo para continuar o tratamento não a cura, mas a melhora da saúde, tendo a religiosidade um importante papel coadjuvante no processo terapêutico (“A cura não existe, a não ser que eu faça um transplante. Mesmo assim eu peço que o Senhor me dê uma vida melhor”). Trata-se de um discurso que poderá crescer como consequência de um processo de esclarecimento e educação para saúde. O DSC 27 mostra o quanto é importante receber o apoio de grupos religiosos no contexto de enfrentamento da doença renal crônica, tanto dentro quanto fora do contexto hospitalar (“Os amigos, adeptos de várias religiões, fazem orações, preces, visitas. Alguns me visitaram em casa, outros me encontraram em outros ambientes, outros me telefonaram. Isso me ajudou muito”). Por um lado é ressaltado a importância do apoio de religiosos e nesse sentido, pode-se entender quer há demanda de colocar o setor de hemodiálise na agenda de atendimento previsto pelo setor de humanização do hospital. Ao contrário das enfermarias, neste setor não há visitação de grupos religiosos, conforme a rotina organizada pelo próprio 87 hospital, através de seu Programa de Humanização. Tal apoio ganha em importância ao se levar em consideração o fato de que a freqüência às reuniões religiosas pode diminuir em função das intercorrências clínicas e exigências do tratamento. O DSC 28 mostra que na ausência de uma assistência religiosa específica, o grupo vale-se de contatos espontâneos, seja dos próprios companheiros de tratamento, seja das enfermeiras (“No hospital eles nunca conversaram sobre religião. Só me perguntaram qual era a minha religião e acabou”). Ao fazer isto, o DSC 28 denuncia a falta de iniciativa médica em abordar o tema e conhecer as necessidades religiosas dos pacientes, ou seja, falta uma sistemática de apoio nesse quesito. Por outro, destaca-se a importância do contato ou da solidariedade humana a esses pacientes. o compartilhamento do sofrimento experimentado por esse grupo de pacientes requer trocas humanas, conversas e formas de viabilizar a oferta de apoio. Os discursos revelam que o grupo investigado não apenas possui vínculos com crenças e práticas religiosas, como mostra o seu perfil religioso, como as usam como recurso de enfrentamento da doença e no tratamento, como evidencia a adesão total ao discurso que afirma isso. O DSC 24 mostra mais claramente isso. Nota-se que a religiosidade é usada como apoio em quatro aspectos. Em primeiro lugar, destaca-se o aspecto da esperança de melhora clínica, especialmente em situações mais críticas que aparentemente não tem solução (DSC 24 – “Nos momentos mais difíceis da minha doença eu me apego a Deus. No caso de doença, se o homem não está conseguindo resolver, só Deus mesmo”). Em segundo lugar, no aspecto da melhora do humor e da estabilidade emocional, aliviando tensões relacionadas à doença e ao tratamento (DSC 24 – “Quando eu estou muito angustiado, triste, eu busco um conforto nas orações”). Em terceiro lugar, no aspecto da motivação para o tratamento, ajudando a prosseguir na rotina de comparecimento às sessões de hemodiálise e a suportar as intecorrências das próprias sessões (DSC 24 – “Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu tratamento”; “A punção dói, às vezes não conseguem. Se estou com muita dor ou um problema no cateter, ele me ajuda. Deus está me protegendo. Às vezes eu estou passando mal e eu oro”). Em quarto lugar, no aspecto do sentido para o sofrimento, dando uma resposta para o porquê de ter sido acometido pela doença e de ter que se submeter a um tratamento considerado difícil de realizar (DSC 24 – “Penso: ‘por que está acontecendo isso comigo?’. Olho pra trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo diz que você tem que zerar o que você fez aqui para partir do tempo”.). O DSC 27 mostra que a situação de doença e tratamento em hemodiálise mobiliza sentimentos de natureza religiosa e busca da religião 88 (DSC 29 – “Busquei a religião por causa da doença... Agora eu me sinto mais firme, como se estivesse no caminho em que devo andar.)”. Em todos os casos, verificam-se ganhos no sentido do bem-estar dos pacientes. O ato de conversar aparece nos discursos como um meio comum para construir formas de superação encontradas no âmbito religioso, familiar e hospitalar (DSC 16 - “O psicólogo e a assistente social falaram que eu ia me recuperar, ia superar... Também fui conversando com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me acalmando... Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro despertamento. Se eu reclamo de ir para a hemodiálise, meus familiares dizem: “não reclama... Graças a Deus existe essa máquina”; DSC 27 – “Uma vez pensei em desistir do tratamento. Aí fui conversar com os cabeças da minha igreja e isso foi abrindo a minha mente, explicando que a hemodiálise é boa pra saúde...”). Neste sentido, os discursos 16 e 27 destacam a importância dos grupos de convivência para que os pacientes possam enfrentar a doença e o tratamento, especialmente na etapa inicial, mas durante todo o processo. Chama atenção a ausência de menção a grupos de convivência dos pacientes no ambiente hospitalar, embora exista uma sala destinada para isto no hospital onde o grupo investigado realiza o seu tratamento sob a coordenação do programa de humanização. Nesse espaço existe uma biblioteca, uma TV, alguns jogos e instrumentos musicais, porém não há atividades programadas que estimulem a interação entre os pacientes, sendo, na realidade, mais utilizada pelos funcionários do hospital. Não há, portanto, atividades apropriadas aos objetivos para aos quais foi criado. Também não há menção a grupos de mútua ajuda ou grupos terapêuticos no programa de hemodiálise, o que há são as conversas de apoio com outros pacientes através de iniciativas individuais (DSC 16 – “Conversei com uma paciente e ela me falou: ‘a gente tem que agradecer a Deus por ter essa máquina!’. Eu pensei: ‘é mesmo”). Os grupos religiosos aparecem nos discursos como sendo os únicos que, de modo sistemático e regular, oferecem apoio aos pacientes quando estes encontram-se internados (DSC 27 - “Outras pessoas, de diversas religiões, me visitaram na enfermaria oferecendo orações... Às vezes eu estava fazendo hemodiálise e eles estavam esperando para me ver na enfermaria). Pode-se afirmar, com base nesses discursos, que a ocupação de forma apropriada dos espaços existentes e bem como possibilidades de criação de outros para convivência entre os pacientes do programa de hemodiálise poderia favorecer o encontro ou expressão diversificada de apoio ou mesmo do apoio que não fosse encontrado em outros grupos sociais. 89 Contudo, os discursos apontam uma diferença com relação aos médicos. Primeiramente, mostra a desinformação sobre a hemodiálise pela falta de conversa com os médicos no contexto de tratamento (DSC 19 – “Não foram conversar, mas queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise”). Apesar da importância clínica do assunto e do fato do grupo investigado ser constituído por pacientes que tinham encontros regulares com médicos, existe a percepção de falta de informação sobre a hemodiálise ou, ao menos, feita de modo compreensível (DSC 19 – “O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra lá...”). Os discursos dos médicos expressam algumas características que permitem refletir se estas situações estão relacionadas à rotina hospitalar, à falta de suficiente preparo dos médicos ou a ambas. Se falta conversa adequada para assuntos relacionados à doença e ao tratamento, que normalmente são priorizados pelos médicos, é presumível que também falte para assuntos da esfera pessoal e social, onde se situa a religiosidade, como mostra o DSC 28, discurso que teve a adesão de quase a metade do grupo (“Os médicos não se metem com a religião. Nunca puxaram esse assunto nem falaram nada”). A falta de uma abordagem regular sobre religiosidade dos pacientes por parte dos médicos confirma estudos já realizados sobre o tema (CURLIN ET AL, 2006; EHMAN, 1999). Outro aspecto importante que os discursos expressam é que, para o grupo investigado, a religiosidade não dificulta a adesão ao tratamento. Na percepção do grupo, as crenças e as práticas religiosas não são motivos para prejudicar a adesão ao tratamento ou diminuir a importância da hemodiálise na vida dos sujeitos, como expressam o DSC (DSC 24 – “Pra mim, Deus está no que eu estou fazendo na hemodiálise, desde quando entro até quando saio do hospital”; DSC 25 – “... eu acredito em um milagre... Mas não fico preocupado com o tempo. O tempo que precisar eu fico fazendo hemodiálise”). Os pacientes afirmam encontrar nas suas crenças e no seu grupo religioso reforço para continuar no tratamento, sendo os serviços de saúde a principal referência de cuidado relacionado à saúde, não sendo substituídos pela instituição religiosa (DSC 26 – “Na minha igreja dizem que a gente não pode abandonar o tratamento e, ao mesmo tempo, não perder a fé e continuar orar até ser atendido”). Ao mesmo tempo, existe a expectativa e a busca religiosa pela cura divina, como destaca o DSC 25, um dos discursos de maior adesão (“Eu tenho uma fé, uma esperança de recuperação... Onde há fé, há esperança”). É interessante notar que isso não implica em abandono do tratamento, ao contrário do que os discursos do grupo médico expressam, mesmo porque os discursos dos pacientes mostram um esforço de conciliação entre as crenças 90 religiosas e a medicina, como se pode ver no DSC 26, que foi também um discurso de grande adesão. A visão dos pacientes é que Deus está no controle de todas as coisas, inclusive da ação dos cientistas e dos médicos, pois, segundo os discursos, é ele quem dá inteligência, capacidade para tomar decisões e habilidade técnica a alguns homens para usá-las em benefício de todos (DSC 26 - “A ciência e a medicina vêm de Deus... Deus está agindo no médico, dando sabedoria, para saber qual é o problema que estou tendo e qual é o remédio que eu estou precisando”.). O que o grupo aprende na sua religião sobre cura divina, portanto, inclui a medicina como meio pelo qual Deus pode operar o esperado milagre. Não obstante a observação presente nos discursos dos médicos de que a religiosidade induz ao abandono do tratamento em alguns casos, é importante que haja uma compreensão da noção de “cura divina” de acordo com os ensinamentos das religiões. Esta compreensão pode auxiliar na avaliação das implicações práticas desta crença na adesão ao tratamento, já que não necessariamente acreditar na cura divina implica em abandonar o tratamento. Deve-se ressaltar ainda que o grupo investigado apresenta também o discurso da descrença com relação à cura divina, embora sendo de pequena adesão. Se por um lado o grupo de pacientes investigado valoriza o tratamento médico, por outro lado, o conceito de saúde como ausência de doença predomina nos discursos, ainda que se expresse também a respeito do bem-estar trazido pela hemodiálise (DSC 18 – “É um sofrimento inútil. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai melhorar”; DSC 23 – “Eu quero a cura. Transplante é a troca de doença”; DSC 25 – “Eu tenho pedido a libertação dessa doença. Se você não tem saúde você não é nada”). Até o transplante é visto como cura quando, na verdade, trata-se de um tratamento que requer acompanhamento constante após a sua realização e que não está livre de intercorrências clínicas e cirúrgicas (DSC 21 - “Transplantado é outra vida”). O fato de se ter uma doença crônica e depender da hemodiálise são associados necessariamente a uma condição de não ter saúde, sentido como uma espécie de condenação (DSC 18 - “Você fica preso, parece uma prisão”). Estes discursos evidenciam que falta uma compreensão mais ampla de saúde, que reconheça os ganhos em termos de qualidade de vida, não obstante os prejuízos e limites impostos pela doença renal crônica e pelo seu próprio tratamento. Assim sendo, a hemodiálise não seria considerada como um tratamento a ser suportado enquanto a cura não vem, mas sim como meio pelo qual se pode obter saúde dentro das possibilidades médicas. Para tanto, 91 caberia a equipe multiprofissional exercer o seu papel de educador no contexto da hemodiálise. Pode-se dizer, de acordo com FOLKMAN & LAZARUS (1986) e PARGAMENT (1998) que o grupo investigado usa o enfrentamento religioso com um padrão predominantemente positivo, caracterizado, entre outras coisas, pela busca de apoio espiritual, pela atitude colaborativa no tratamento e pela redefinição benevolente do estressor. Entretanto, considerar que para este grupo a religiosidade teria apenas a função de propiciar apoio psicológico ao sofrimento vivido diante da doença e do tratamento seria uma interpretação limitada. Os discursos mostram que a religiosidade pode ser vivenciada para além de ser um meio de apaziguar aflições, sejam elas devido a problemas de saúde ou de que qualquer outra natureza: ela pode fazer parte da vida cotidiana de vários dos que crêem e cumprir propósitos espirituais (DSC 20 – “Nada acontece por acaso na nossa vida, sem a permissão de Deus... A hemodiálise é uma situação em que a gente aprende a amar mais a Jesus e ao próximo”). Concordando com GEERTZ (1989), pode-se dizer que o grupo investigado não foge à regra de ter a religião como um produto cultural que provê valores e significados gerais para que os sujeitos possam interpretar sua experiência e organizam sua conduta. Além disso, em consonância com VALLA (2006), a religiosidade cumpre uma importante função de apoio social aos pacientes devido a possibilidade que a instituição religiosa oferece de estimular um contato sistemático entre as pessoas através das reuniões regulares e da assistência dada aos membros que estejam afastadas do convívio habitual, como ocorre por motivo de doenças e tratamentos de saúde com repercussões benéficas para sua saúde (DSC 27 – “Perguntam se estou precisando de alguma coisa, como estou indo, se preciso de alguém pra fazer alguma coisa. Isso me ajuda, me deixa mais tranqüilo”). A religiosidade aparece como um elemento que contribui para a superação não apenas das dificuldades físicas e emocionais, mas também, direta ou indiretamente, das dificuldades sociais (DSC 27 – “Também (os grupos religiosos) vão se eu tiver necessidade de cesta básica. Eles falam que se precisar de remédio na área do trabalho e do transporte”). A religiosidade aparece associada à solidariedade e a disponibilidade das pessoas em oferecerem amparo nos momentos críticos relacionados à doença e ao tratamento. 92 6.3 DSC – médicos e DSC – pacientes: semelhanças e diferenças Foram identificadas semelhanças entre os discursos dos médicos e dos pacientes nos grupos investigados. Em primeiro lugar, tanto os médicos quanto os pacientes possuem crenças religiosas e se beneficiam delas no contexto hospitalar (DSC 5 – “Eu acredito que Deus tenta nos ajudar nos momentos difíceis”; DSC 24 – “Nos momentos mais difíceis da minha doença eu me apego a Deus”). Apesar da diferença de perfis sociais, e de estarem inseridos em grupos distintos, médicos e pacientes participam de um meio cultural comum: tanto visto sob o ponto de vista mais amplo da cultura religiosa brasileira, predominantemente católica embora inclua elementos de diferentes religiões quanto vista sob o ponto de vista mais estrito, qual seja a cultura própria do espaço hospitalar universitário, onde ambos os grupos experimentam ou testemunham sofrimentos humanos conseqüentes a limites de saúde e ameaças à vida. Assim sendo, médicos e pacientes possuem algumas crenças comuns e as usam nas situações mais difíceis relacionadas à doença e ao tratamento, seja na condição de quem cuida seja na condição de quem é cuidado. Neste sentido, os discursos dos médicos e pacientes assemelham-se quanto à necessidade de ter fé (DSC 1 – “Parece que há uma necessidade de ter fé”; DSC 24 – “Eu tenho fé, tem que ter fé”). Os discursos não apresentaram conflitos relativos a conteúdos de crenças religiosas, havendo uma tendência convergente no sentido da valorização da fé em Deus. Igualmente, as crenças religiosas em si foram mais valorizadas que a vinculação à alguma religião ou instituição religiosa específica. Usando as definições de KOENIG (2012), pode-se dizer que, em ambos os grupos, embora mais acentuada no grupo médico, observa-se a religiosidade não organizacional e intrínseca, isto é, a que é praticada em particular (como orar, meditar, ler a Bíblia, ouvir mensagens religiosas) e motivada pelo seu próprio valor religioso. Para ambos os grupos, a filiação formal a uma religião ou a frequência às reuniões religiosas não são tão relevantes para determinar a participação da religiosidade pessoal no contexto de tratamento. Comparando-se os discursos dos médicos com os discursos dos pacientes constata-se que existe concordância com relação à necessidade de adesão ao tratamento, ainda que os pacientes refiram dificuldades para efetivá-la, o que se dá, deve-se frisar, não por razões religiosas (DSC 1 – “A religiosidade ajuda a ele se manter de pé e a não deixar de se tratar”; DSC 3 - “A minha impressão é que favorece mais a adesão ao tratamento... Mas isso 93 depende de cada um; DSC 24 – “Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu tratamento”). Médicos e pacientes fazem a mesma crítica a quem se recusa ao tratamento por razões religiosas (DSC 10 – “A religiosidade não é muito importante, o que faz a diferença é no caso das Testemunhas de Jeová: se eu vejo que é um paciente que vai precisar de hemotransfusão eu pergunto se é Testemunha de Jeová”; DSC 26 - “Eu até questiono as Testemunhas de Jeová que dizem não poder fazer transfusão de sangue. Isso é coisa material do ser humano”). Os discursos dos pacientes que se referem à cura divina não excluem o compromisso com o tratamento médico. Contudo, os discursos médicos associam a busca da cura divina a algo necessariamente prejudicial e que se coloca em oposição ao tratamento com base em experiências concretas de atendimento (DSC 3 – “Quando a religião não serve para motivar o tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo... Isso pode prejudicar muito a adesão deles”). Na verdade, para os pacientes, a esperança pela cura divina aparece como um estímulo para continuar lutando contra a doença (DSC 25 – “Creio que Deus vai dar esse presente, essa alegria para mim e minha família. Eu acredito que o meu tempo na hemodiálise está contado. Por que eu acredito em um milagre”). A compreensão sobre o sentido e o valor de se buscar a cura divina é importante para que os médicos possam avaliar corretamente, em cada caso, as implicações desta crença na adesão ao tratamento, sem correr o risco de desestimular uma crença que pode ser útil em determinado momento da vida do paciente, conforme expresso pelo grupo de pacientes. Certamente não se exclui aqui a necessária atenção para casos em que ocorre o contrário, isto é, o abandono do tratamento em função de suas crenças religiosas. Mesmo não havendo constatado nessa pesquisa nenhum caso semelhante, não se pode ignorar casos que eventualmente possam ocorrer já que há um passado de registros referidos pelos médicos em seus discursos. Assim como os discursos sobre a adesão ao tratamento se coadunam, os discursos sobre a relação entre a religiosidade e a medicina de base científica também. Médicos e pacientes fazem um esforço de conciliação entre eles (DSC 3 – “Não é que ciência e religião estejam uma contra outra, mas são universos paralelos”; DSC 26 – “A ciência e a medicina vêm de Deus... Não são coisas mutuamente excludentes”). Trata-se de uma demonstração do quanto cada um desses campos culturais é valorizado e considerado indispensável, ainda que em determinadas situações um possa ser mais valorizado do que o outro. No caso dos médicos, a religiosidade pode ser mais valorizada em situações extremas de intervenção médica ou relacionadas à morte e ao morrer do paciente; no caso dos pacientes, mesmo sendo 94 fortemente religiosos, entregam-se aos cuidados médicos nas situações de emergência clínica. Este dado torna-se relevante considerando-se que o programa de hemodiálise encontra-se em um hospital universitário, comprometido não apenas com a assistência, mas também com o ensino e a pesquisa, o que pode induzir o seu corpo técnico a esforços de conciliação entre suas crenças religiosas e atuação como docente, médico e pesquisador. Isso evidencia a força das representações ancoradas na religião junto aos médicos. Porém, pode-se dizer que o inverso também ocorre quanto aos pacientes: embora tenham discursos onde a ótica da religião é enfatizada, suas representações são também ancoradas no conhecimento médico. Assim como ocorre com os médicos no hospital universitário, os pacientes são envolvidos com as produções científicas, seja como sujeitos de pesquisas ou como alvo de atividades e material educativo, como palestras e panfletos. Médicos e pacientes concordam que a hemodiálise pode trazer muito sofrimento (DSC 1 - “Eles passam por um sofrimento muito grande... O paciente renal crônico sofre o tempo todo; a religião é para ele não se tornar o próprio sofrimento”; DSC 18 – “É um sofrimento inútil. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai melhorar. Se fosse uma coisa que melhorasse a gente, mas faz a gente ficar mais fraca”). Ambos os grupos compartilham uma visão pessimista a respeito da doença e do tratamento. É inquestionável o fato de a insuficiência renal crônica ser uma doença grave e que traz sérias limitações e prejuízos aos pacientes; entretanto, pouco aparece nos discursos a visão da superação para uma qualidade de vida melhor, sendo a preocupação central e quase única a sobrevivência. A religiosidade aparece então para compensar psicologicamente este pessimismo (DSC 1 – “Independente de em que o paciente creia, ele precisa ter fé, ter esperança, de algo que sirva como motivação pra ele viver, acreditar que existe uma chance para ele”; DSC 24 – “Mas minha fé é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por mim, não me deixa sozinho. Sem Ele eu não conseguiria passar o que eu passo. Se eu estou sofrendo hoje, amanhã será diferente”). Se por um lado a religiosidade pode cumprir um papel importante no sentido de instilar esperança e provocar ânimo diante da gravidade do quadro clínico, por outro lado, não se trata de um papel de sua exclusividade. Pode-se questionar o que está limitando os médicos investigados a desempenharem também este papel. Essa questão tem uma relação com o aspecto da comunicação entre os próprios médicos e deles com os pacientes. Os discursos mostram um reconhecimento quanto à importância da conversa como meio para proporcionar apoio aos pacientes, dentro ou fora do hospital. (DSC 1 – “Achar que os pacientes só vão 95 falar da doença é um engano. Eles precisam desabafar, falar da sua vida”; DSC 16 - “O médico... conversou comigo, que eu tinha que conhecer melhor antes de desistir... Passei a me concentrar nisso e me fortaleceu”). Não obstante, os mesmos discursos concordam entre si no sentido de que a conversa sobre a religiosidade não acontece rotineiramente e que há dificuldades para isto. Os médicos apontam como principais dificuldades a falta de tempo (DSC 10 – “O tempo para conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é limitado”) e o despreparo para lidar com tensões emocionais (DSC 1 – “Aqui parece que o ambiente é menor e os conflitos ficam mais intensos... O paciente te desvaloriza como médico... É difícil impor uma barreira, é estranho... Eles te sugam!”; DSC 11 – “Falar sobre religião é uma questão muito pessoal. É muito delicado, acho isso complexo”), enquanto os pacientes dizem que há preconceito da parte dos médicos (DSC 28 – “A maioria das pessoas que me abordam tão mais preocupadas com a minha doença do que com um assunto mais pessoal. Infelizmente há muito preconceito”). Quanto à falta de tempo, estudos mostram que embora esta seja uma alegação freqüente dos médicos para não abordar a religiosidade, a coleta de um histórico espiritual pode levar cerca de dois minutos (KOENIG, 2004). Os discursos médicos também expressam o temor de que, a partir da abordagem da religiosidade, surjam demandas de natureza psicológica fora de sua capacidade de intervenção, o que, por um lado, pode denunciar a necessidade de capacitação técnica e, por outro lado, a falta de interlocução com o psicólogo e toda a equipe, pois se trata de uma demanda que necessita de articulação de esforços e competências da equipe. Quanto ao suposto preconceito dos médicos, pode-se dizer que, embora os médicos sejam receptivos à religiosidade, o fato de pouco tomarem a iniciativa de abordar o assunto seja interpretado pelos pacientes como uma atitude de rejeição ao mesmo. Neste caso, seria importante as trocas de experiências e reflexões entre os médicos a fim de facilitar a comunicação com os pacientes sobre a sua religiosidade no contexto de tratamento. Observa-se nos discursos que tanto os médicos quanto os pacientes percebem a enfermagem como um grupo de profissionais que mais aborda o tema religiosidade no contexto da hemodiálise, o que é bem recebido tanto por médicos quanto pelos pacientes (DSC 4 – “Geralmente é fora do hospital, a gente conversa e se respeita. Acontece de conversar mais com a enfermagem sobre esse assunto. A minha percepção é que na hemodiálise há muito mais profissionais da enfermagem religiosos”; DSC 28 – “Tem umas enfermeiras que são religiosas, a gente conversa... Elas têm uma palavra de conforto, de 96 carinho”). Observa-se, por um lado, a percepção da maior iniciativa e desembaraço da enfermagem para lidar com o assunto, por outro lado pode-se falar de uma demanda oculta da parte dos médicos para estabelecimento de mecanismos de conversa sobre o assunto: não encontrando entre os seus pares oportunidade ou receptividade para conversar sobre religiosidade, os médicos o fazem, ao menos eventualmente, com a enfermagem. Isto nos leva a pensar também sobre a carência dos médicos em relação às suas próprias necessidades de apoio emocional uma vez que vivem situações de forte estresse em seu cotidiano profissional. Poder-se-ia pensar se o programa de humanização do hospital deveria também contemplar, além das necessidades dos pacientes, as necessidades humanas dos seus profissionais. Mas não há apenas semelhanças entre os discursos dos médicos e dos pacientes. Uma diferença está no modo como estes diferentes grupos lidam com a religiosidade no contexto hospitalar. Enquanto os médicos não compartilham as suas crenças entre si e preferem evitar o assunto, os pacientes não apenas compartilham como são receptivos às iniciativas neste sentido, sejam elas da parte de religiosos, de outros pacientes ou de profissionais. É possível associar o não compartilhamento da religiosidade entre os médicos, conforme expresso no DSC 4, relacionado a diferentes aspectos: 1- falta de inclusão regular do tema crenças religiosas na rotina de trabalho (“Aqui na Hemodiálise é muito pouco, ninguém aqui conversa muito sobre isso... Não é rotina. Acontece mais informalmente...”), 2-ao temor de conflitos motivados por diferenças religiosas (“As pessoas, em geral, não param pra ficar discutindo religião. Cada um tem a sua própria e ninguém entra em controvérsia”), ao ritmo acelerado do trabalho (“Além disso, o trabalho está sempre agitado, sobra pouco tempo para conversar mais sobre isso”) e 3- o temor de ser avaliado negativamente em função da expectativa de uma postura racional para o médico (“Também porque médico é uma pessoa muito cética. Até para não ser julgado, avaliado... Médico é muito teórico”). No caso dos pacientes, como já foi discutido, o compartilhamento informal das crenças religiosas é usado como um meio de mútua ajuda, enquanto entre os médicos isto não se dá, tendendo a adotar uma atitude de reserva com relação à religiosidade. Resumindo, os discursos mostram que a religiosidade está presente no cotidiano hospitalar e à margem do que se está oficialmente estabelecido. E é desta forma que ela ganha importância no processo assistencial, tanto para pacientes quanto para médicos. Entretanto, a importância da presença da religiosidade não é levada em consideração coletivamente, tanto nas discussões clínicas quanto nas condutas médicas rotineiras. Excluídas as iniciativas 97 individuais, a religiosidade não é objeto de atenção regular na rotina assistencial, não havendo práticas sistemáticas de abordagem do assunto. A falta de problematização desta realidade limita a qualidade da assistência médica ao paciente onde a expressão de crenças religiosas é um dado a ser considerado. 98 7 CONCLUSÕES Os resultados da pesquisa revelaram que a religiosidade tem papel relevante tanto para pacientes como para médicos no programa de hemodiálise investigado. Para ambos, a religiosidade cumpre o papel, sobretudo de suporte psicológico, seja para enfrentamento dos limites e prejuízos impostos pela doença e pelo tratamento, no caso dos pacientes, seja para fazer frente ao estresse e às exigências provocadas pelas demandas de atendimento aos pacientes renais, no caso dos médicos. Entretanto, os discursos mostraram que, enquanto os pacientes conversam entre si e com outras pessoas no contexto hospitalar sobre suas crenças religiosas, os médicos não conversam entre os seus pares e apenas eventualmente conversam com os pacientes. Ou seja, embora tanto a religiosidade quanto o ato de conversar sejam considerados importantes para os pacientes, os mesmos apontam para a falta de conversa com os médicos que inclui, além das suas crenças e práticas religiosas, até mesmo melhores explicações sobre o tratamento. Embora os médicos reconheçam que as crenças e as práticas religiosas dos pacientes são muito importantes no enfrentamento de sua doença e no tratamento, elas não são objeto de abordagem sistemática na rotina assistencial, ficando à critério de cada um abordar ou não o assunto. Nesse contexto, os pacientes não percebem que suas crenças religiosas são valorizadas por seus médicos. Não obstante os médicos a considerarem importante não só para os pacientes no enfrentamento da sua doença e do tratamento quanto para eles próprios no seu exercício profissional, a religiosidade também não é tema de reflexões coletivas no cotidiano do programa de hemodiálise. Os discursos mostram que as atitudes dos médicos investigados com relação à religiosidade estão predominantemente baseadas no conhecimento produzido pela experiência assistencial pessoal e não em conhecimento produzido pelos próprios médicos do setor hemodiálise, sem mencionar produções acadêmicas sobre o tema. Não problematizando e elaborando reflexivamente o tema em equipe, os médicos não estabelecem procedimentos comuns e consensuais, inclusive com o apoio da base científica, filosófica e literária disponível, que possam tornar a sua abordagem algo mais integrado as ações assistenciais de rotina, e também algo mais funcional em sua execução, considerando as dificuldades individuais apresentadas. Assim sendo, o conjunto dos resultados indica a necessidade de maior investimento na formação médica e na educação continuada tanto 99 quanto a necessidade de melhor divulgação entre os médicos sobre o impacto da religiosidade na saúde, bem como sobre a sua abordagem no contexto assistencial. Os resultados afirmam também a importância, para a superação das dificuldades relacionadas à doença e ao tratamento, de redes de apoio social como a família e outros grupos sociais. Nesse sentido, grupos religiosos foram percebidos como realizadores desse papel, o que não aconteceu em relação a equipe multiprofissional do programa de hemodiálise. A presença do apoio dessa equipe é praticamente uma demanda do grupo de pacientes. A promoção de abordagens grupais e momentos de convivência entre pacientes, familiares e profissionais no contexto hospitalar poderia representar uma importante contribuição para o bem-estar do paciente e para melhor ajustamento à doença e ao seu tratamento. Os resultados mostram que, embora não tenham sido expressos conflitos entre pacientes e médicos com relação ao tratamento em função da religiosidade, existe uma percepção dos médicos com relação a um possível risco de conflito entre pacientes devido às diferentes posições que pacientes e médicos têm com relação à possibilidade de cura. Enquanto os pacientes expressam sua expectativa de uma possível cura milagrosa, os médicos criticam esta expectativa e temem que ela resulte em abandono do tratamento. De fato, a busca da cura divina é percebida pelos pacientes como meio para se obter saúde e a hemodiálise um meio de sobrevivência enquanto se espera o milagre, predominando o conceito de saúde como ausência de doença. Faz-se necessário intervenções educativas por parte da equipe multiprofissional junto aos pacientes no sentido de ampliar o conceito de saúde, reconhecendo a melhora da qualidade de vida produzida por meio da hemodiálise como ganho real de saúde. Contudo, o papel da religiosidade no tratamento não é percebido pelos pacientes do grupo investigado como substitutivo, mas complementar, fazendo esforços de conciliação entre as crenças religiosas e as prescrições médicas, assim como os médicos também fazem entre suas crenças e os conceitos científicos. Os discursos dos pacientes expressam a forma religiosa pela qual eles tentar aliviar o seu sofrimento, mesmo sustentando o desejo de cura que não encontra respaldo nos discursos médicos. Faz-se necessário também que os médicos abordem a religiosidade dos seus pacientes de modo a avaliar corretamente em cada caso qual é a influência que ela exerce na adesão ao tratamento, sem reprimir a esperança de cura que, por si só, não determina um desvio das prescrições médicas. 100 Finalmente, pacientes e médicos apresentam, no contexto da hemodiálise, atitudes em relação à religiosidade influenciadas pelo processo de secularização em curso na sociedade, manifestando subjetivamente a sua religiosidade ao mesmo tempo em que buscam distingui-la e separá-la dos aspectos objetivos, respeitando os limites estabelecidos pela instituição hospitalar e pela medicina de base científica no que diz respeito aos cuidados de saúde. Compreender o alcance desses processos que repercutem em diferentes esferas da vida pessoal e profissional pode ser um elemento motivador para trazer a religiosidade ao campo das reflexões dos médicos. 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTONIAZZI, A.S.; DELL’AGLIO, D.D.; BANDEIRA, D.R. O conceito de coping: uma revisão teórica. Estudos de Psicologia. s..l., 3(2), p.273-294, 1998. AUKST-MARGETIC, B.; JAKOVLJEVIC, M.; MARGETIC, B.; ET AL. Religiosity, depression and pain in patients with breast cancer. General Hospital Psychiatry. v.27, n.4, p.250-255, jun./ago. 2005. BERGER, P. A dessecularização do mundo: uma visão global. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v.21, n.1, p.9-23, 2001. BERGER, P.L.; LUCKMAN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1978. 247p. BERMAN, E.; MERZ, J.F.; RUDNICK, M.; ET AL. Religiosity in a hemodialysis population and its relationship to satisfaction with medical care, satisfaction with life, and adherence. American Journal of Kidney Diseases. v.44, n.3, p.488-497, set.2004. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Notícias. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia. Acessado em: 10/07/2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1168 de15 de junho de 2004. Disponível em bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/portaria_1168_ac.htm. Acessado em: 21/11/2011. CARLETON, R. ET AL. Stress, religious resources, and depressives symptoms in a urban adolescents sample. Journal for the Cientific Study of Religion. v. 47, n.1, p. 113-121, mar. 2008. CARVALHEIRA, A.P.P.; TONETE, V.L.P.; PARADA, C.M.G.L. Sentimentos e percepções de mulheres no ciclo gravídico puerperal que sobreviveram à morbidade materna grave. Rev. Latino-Americana de Enfermagem. v.16, n. 6, nov./dez. 2010. CASANOVA, J. Public Religions in the Modern World. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1994. 320p. CHAVES ET AL. Validação clínica de espiritualidade prejudicada em pacientes portadores de doença renal crônica. Revista Latino-Americana de Enfermagem. s.l., v.18, n.3, mai./jun. 2010. CORDEIRO ET AL. Qualidade de vida e tratamento hemodialítico: avaliação do portador de insuficiência renal crônica. Revista Eletrônica de Enfermagem. s.l.,v.11, n.4, p.785-93, 2009. CUKOR, D. ET AL. Depression and anxiety in urban hemodyalisis patients. Clinical Journal of the American Society of Nephrology. v.2, n.3, p.484-490, mai. 2007. 102 CURLIN, F.A.; CHIN, M.H.; SELLERGREN, S.A. ET AL. The Association of Physicians Religious Characteristics with their attitudes and self-reported behaviors regarding religion and spirituality in the clinical encounter. Medical Care, v.44, p.446-53, 2006. DALGALARRONDO, P. ET AL. Religião e uso de drogas por adolescentes. Revista Brasileira de Psiquiatria. v. 26, nº2, p.82-90, jun.2004. EHMAN, B.O.; SHORT, T.; CIAMPA, R. ET AL. Do Patients went physicians to inquire about their spiritual or religious beliefs if they become gravely ill? Archive of Internal Medicine, v.159, p.1803-06, 1999. FALCÃO, E.B.M. The conflict between science and religion: a discussion on the possibilities for settlement. Cultural Studies of Science Education. v.5, p.47-54, 2010. FALCÃO, E.B.M.; MENDONÇA, S.B. Formação médica, ciência e atendimento ao paciente que morre: uma herança em questão. Revista Brasileira de Educação Médica. s.l., v.33, n.3, p.364 -373, 2009. FARIA, J.B.; SEIDL, E.M.F. Religião e enfrentamento em contexto de saúde e doença: revisão de literatura. Psicologia: Reflexão & Crítica. Porto Alegre, v.18, n.3, p.381-389, 2005. FERNANDES, S.R.A. Mudança de religião no Brasil – desvendando sentidos e motivações. Rio de Janeiro: CERIS, s.d. 235p. FILKENSTEIN, F. ET AL. Spirituality, quality of life and the dialysis patient. Nephrology Dialysis Transplantation, v. 22, n. 9, p. 2432–2434, 2007. FIGUEIREDO, A.E.B. Religiões pentecostais e saúde mental no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ / Centro de Ciências da Saúde, 2006. 183p. FLECK M.P.A. ET AL. Desenvolvimento do WHOQOL, módulo espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v.37, n.4, p.446-55, 2003. FOLKMAN, S., LAZARUS, RS, GRUEN, RJ, & DELONGIS, A. Avaliação de enfrentamento, estado de saúde, e os sintomas psicológicos. Jornal de Psicologia da Personalidade e Social, v.50, n.3, p.571-579, 1986. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. 323p. GUIMARÃES, H.P.; AVENUM, A. O impacto da espiritualidade na saúde física. Revista de Psiquiatria Clínica. São Paulo, v.34, supl.1, p.88-94, 2007. HELMAN, C.G. Cultura, saúde e doença. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 432p. HENRY, J. A revolução científica e as origens da ciência moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998. 149p. 103 IRONSON,G.; STUETZLE, R.; FLECTCHER, M.A. Na increase in Religiouness/spirituality occurs after HIV diagnosis and predicts slower disease progession over 4 years in people with HIV. Journal of General Internal Medicine. v.21, p. 62-68, 2006. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2000. Disponível em http//:www.ibge.gov.br/home/presidência/notícias/080 52002tqbulação.shtm. Acessado em: 11/11/2011. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2000. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/20122002censo.shtm. Acessado em: 11/11/2011. JODELET, D (org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. 416p. KIMMEL, P.L. ET AL. ESRD patient quality of life: symptoms, spiritual beliefs, psychosocial factors, and ethnicity. American Journal of Kidney Diseases. v.42, n.4, p.713721, out.2003. KOENIG, H.G. Religião, espiritualidade e psiquiatria: uma nova era na atenção à saúde mental. Revista de Psiquiatria Clínica. São Paulo, v.34, supl.1, p.5-7, 2007. KOENIG, H.G.; GEORGE, L.K.; TITO, P. Religion, espirituality and helath ill hospitalized older patients. Journal of the Geriatrics American Society. v. 52, n. 4, p. 554-562, mar.2004. LAGE, A.M.V.; MONTEIRO, K.C.C. Psicologia hospitalar: teoria e prática em hospital universitário. Fortaleza: Edições UFC, 2007. 267p. LARSON, S.L.; LARSON, D.B. The forgotten factor in physical and mental health: what does the research show? Study guide. Rockville, M.D.: National Institute for Healthcare Research, 1997. LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A.M.C. O Discurso do Sujeito Coletivo – Um Novo Enfoque em Pesquisa Qualitativa (desdobramentos). Ed. rev. e ampl. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2003. 256p. LO, B.; QUILL, T.; TULSKY, J. Discussing palliative care with patients. Annual International Medicine, v.130, p.744-749, 1999. MACHADO, M.D.C. Conversão religiosa e a opção pela heterossexualidade em tempos da AIDS – notas de uma pesquisa. Sociedad y Religión, n.14/15, 1996. MADEIRO ET AL. Adesão de portadores de insuficiência renal crônica ao tratamento de hemodiálise. Acta Paulista de Enfermagem. São Paulo, v. 23, n.4, p.546-51, 2010. MARIZ, C.L. Mundo moderno, ciência e secularização. In: Fazer ciência, pensar cultura: estudos sobre a ciência e a religião. FALCÃO, E.B.M. (org.). Rio de Janeiro: UFRJ / Centro de Ciências da Saúde, 2006. 240p. 104 MINAYO, M.C.S. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9ª edição. São Paulo: HUCITEC, 2006. 406p. MOURA JUNIOR, J.A. ET AL. Risco de suicídio em pacientes em hemodiálise: evolução e mortalidade em três anos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. s.l., v.7, n.1, p.44-51, 2008. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2010. 404p. NERI, M.C. (coord.). Novo Mapa das Religiões. Horizonte. Belo Horizonte, v.9, n.23, p.637673, out./dez. 2011. PAIVA, G,J. Religião, enfrentamento e cura: perspectivas psicológicas. Estudos de Psicologia. Campinas, v.24, n.1, p.99-104, jan./mar. 2007. PANZINI, R.G. ET AL. Qualidade de vida e espiritualidade. Revista de Psiquiatria Clínica. São Paulo, 34, supl. 1, p.105-115, 2007. PARGAMENT, K.I.; SMITH B.W.; KOENIG H.G. ET AL. Patterns of positive and negative religious coping with major life stressors. Journal for the Scientific Study of Religion, 37:710-24, 1998. PARKER, C. Religião popular e modernização capitalista: outra lógica na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1996. 352p. PEDROSO, R.S.; SBARDELLOTO, G. Qualidade de vida e suporte social em pacientes renais crônicos: revisão teórica. Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, ano 4, n.7, fev./jul. 2008. PERES, J.P.P; SIMÃO, M.J.P.; NASELLO, A.G. Espiritualidade, religiosidade e psicoterapia. Revista de Psiquiatria Clínica. São Paulo, v.34, supl.1, p.136-145, 2007. PICCOLOTO, L.M.; BARROS, T.M. Estresse no paciente renal crônico. Aletheia. n 16, p.63-69, 2002. RESENDE, M.C. ET AL. Atendimento psicológico a pacientes com insuficiência renal crônica: em busca de ajustamento psicológico. Psicologia Clínica. Rio de Janeiro, v.19, n.2, p.87-99, 2007. RIVERA, P.B. Pluralismo religioso e secularização: pentecostais na periferia da cidade de São Bernardo do Campo. Revista de Estudos da Religião. São Paulo, p.50-76, mar. 2010. RODRIGUES, A.; ASSMAR, E.M.L.; JABLONSKI, B. Psicologia social. 18ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000. 486p. ROSA, G.V.R. Avaliação da qualidade de vida em saúde e transtornos mentais em pacientes com terapias substitutivas da função renal. 2005. Dissertação (Doutorado em 105 Psiquiatria e Saúde Mental) - Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. ROSSI, P. O Nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru: EDUSC, 2001. 492p. RUDNICKI, T. Preditores de qualidade de vida em pacientes renais crônicos. Estudos de Psicologia. Campinas, v.24, n.3, 343-351, jul./set. 2007. SALATI, M.I.; HOSSNE, W.S.; PESSINI, L. Vulnerabilidade referida pelos pacientes renais crônicos - considerações bioéticas. Revista Bioethikos, v.5, p.4, p.434-442, 2011. SANCHIS, P. (org.). Fiéis & Cidadãos: percursos de sincretismo no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. 207p. SCLIAR M.A. História do Conceito de Saúde. Phisis Revista de Saúde Coletiva, v.17, n.1, p.29-41, 2007. SOMAIN, R. Religiões no Brasil em 2010. Disponível em: http://confins.revues.org/7785. Acessado em : 11/04/13. SPINALE, J.; COHEN, S.D.; KHETPAL, P ET AL. Spirituality, Social Support, and Religious Services and Mortality over 28 Years. Clinical Journal of the American Society of Nephrology. v.8, n.6, p. 1620-1627, nov.2008. STEIL, C.A. Catolicismo e cultura. Religião e cultura popular. Valla, V.V. (org.). Rio de Janeiro: DP&A, 2001. STRAWBRIDGE, W.J. ET AL. Frequent Attendance at Religious Services and Mortality over 28 Years. American Journal of Public Health. v.87, n.6, jun. 1997. TEIXEIRA, J.J.V.; LEFÈVRE, F. Significado da intervenção médica e da fé religiosa para o paciente idoso com câncer. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, vol.13, n.4, jul./ago. 2008. TEIXEIRA, J.J.V.; LEFÈVRE, F. Religiosidade no trabalho das enfermeiras da área oncológica: significado na ótica do sujeito coletivo. Revista Brasileira de Cancerologia. s.l., v.53, p.2, p.159-166, 2007. TEIXEIRA, F.; MENEZES, R. (orgs). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas. 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2011. 264p. VALLA, V.V. (org.). Religião e cultura popular. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 144p. VASCONCELOS, E.M. A espiritualidade no trabalho em saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 2006. 390p. 106 VOLCAN, S.M.A.; SOUSA P.L.R.; MARI, J.J ET AL. Relação entre bem-estar espiritual e transtornos psiquiátricos menores: estudo transversal. Revista de Saúde Pública. v.37, n. 4, p. 440-5, 2003. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 336p. 107 ANEXO A ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS PACIENTES Nº _______ 1) IDENTIFICAÇÃO SEXO: ( ) masculino ( ) feminino IDADE: ___________ ESCOLARIDADE: ( ) fundamental incompleto ( ) fundamental completo ( ) médio incompleto ( ) médio completo ( ) superior incompleto ( ) superior completo DOENÇA DE BASE: ______________ TEMPO DE HEMODIÁLISE: _________ 2) REPRESENTAÇÕES SOBRE A DOENÇA E O TRATAMENTO 1. Na sua opinião, por que você ficou doente e precisou fazer hemodiálise? 2. Para você, o que significa fazer hemodiálise? 3. Que sentimentos e pensamentos você teve quando soube que precisaria fazer hemodiálise? 4. Você já pensou me desistir do tratamento? Caso você tenha pensado, o que lhe fez mudar de idéia? 5. O que (ou quem) lhe dá forças para enfrentar a doença? 3) REPRESENTAÇÕES SOBRE O PAPEL DA RELIGIÃO NO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA E NO TRATAMENTO 6. Você busca nas atividades de sua religião (cultos, rituais, estudos, etc) ajuda para enfrentar a sua doença? Em quais atividades? 7. Você recebe apoio dos membros da sua religião no enfrentamento de sua doença? Se tem recebido apoio, como isto acontece? 108 8. Você acredita que Deus lhe ajuda no enfrentamento da sua doença? Se você acredita, como isto acontece? 9. Você tem buscado a cura através da sua religião ou da sua fé em Deus? Se Você tem buscado, como tem feito isto? 10. Você recebe orientações em seu grupo religioso sobre como cuidar de sua saúde? Quais? 4) REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A RELIGIÃO E A CIÊNCIA (NA ÁREA DE SAÚDE) 11. Existem conflitos entre as orientações que você recebe da sua religião e as orientações que você recebe da equipe de saúde (médicos, enfermeiros, etc)? Quais são os conflitos? 12. Você já deixou de seguir as orientações médicas e da equipe de saúde por causa da sua religião ou fé em Deus? Por quê? 13. Você já teve conflitos com a equipe de saúde (médicos, enfermeiros, etc) por causa da sua religião ou fé em Deus? Por quê? 14. Nos momentos mais difíceis da sua doença e do seu tratamento, onde você procura ajuda em primeiro lugar? Quem você procura em primeiro lugar? 5) DADOS SOBRE A RELIGIOSIDADE 15. Você tem religião? ( ) Sim ( ) Não Se você respondeu SIM, assinale qual a religião na lista abaixo: ( ) Budismo ( ( ) Protestantismo – Qual a denominação? ______________________ ( ) Kardecismo ( ) Messianismo ( ) Testemunha de Jeová ( ) Outra: Qual?_________________________ ( ) Candomblé ( ) Mormonismo ) Catolicismo ( ) Umbanda ( ) Wicca 16. Você participa regularmente das atividades de sua religião? Quais? 17. Há quanto tempo participa de sua religião? ( ) Judaísmo 109 18. Por que escolheu a sua religião? 19. Você acredita em Deus? O que Deus significa para você? 20. Em que momentos da sua vida a sua religião ou a sua fé em Deus é mais importante? 110 ANEXO B ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS MÉDICOS Nº _______ 1) IDENTIFICAÇÃO SEXO: ( ) masculino ( ) feminino IDADE: ______ SITUAÇÃO FUNCIONAL: ( ) staff ( ) residente ( ) outra: __________ ESCALA DE SERVIÇO: ( ) diarista ( ) plantonista ( ) outra: __________ 2)REPRESENTAÇÕES SOBRE A RELIGIOSIDADE NO CONTEXTO DA HEMODIÁLISE 1) Qual é a sua opinião sobre a realização de uma pesquisa sobre a relação entre a religiosidade e a formação de atitudes frente à doença e ao tratamento no Programa de Hemodiálise? 2) Você já viveu situações conflitantes com os pacientes motivadas por questões religiosas? 3) O que você pensa sobre a religiosidade dos pacientes com relação à doença e ao tratamento? 4) Você pergunta sobre a religião dos pacientes quando faz a anamnese dos pacientes do Programa? 5) Você acha importante conversar sobre religião com os pacientes do Programa de Hemodiálise? 6) Você conversa sobre religião com os seus colegas médicos do Programa de Hemodiálise? 7) Você acredita em Deus? 8) Você tem religião? Se tem, qual é? 111 ANEXO C TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PESQUISA: “RELIGIOSIDADE E ATITUDES FRENTE À DOENÇA E AO TRATAMENTO EM UM PROGRAMA DE HEMODIÁLISE” Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada “Religiosidade e Atitudes Frente à Doença e ao Tratamento em um Programa de Hemodiálise”. O objetivo desta pesquisa é compreender a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento em pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Será realizado no Programa de Hemodiálise do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ. Os sujeitos da pesquisa serão pacientes inscritos no Programa de Hemodiálise do referido hospital. Todos serão entrevistados sobre assuntos relacionados à doença e ao tratamento, além de serem solicitados a informar alguns dados pessoais, tais como sexo e idade. As entrevistas poderão trazer benefícios emocionais diretos, aliviando tensões emocionais que possam previamente existir. Por outro lado, as entrevistas também poderão trazer benefícios indiretos na medida em que os resultados da pesquisa possam contribuir para que os pacientes sejam melhor compreendidos pela equipe de saúde com repercussões positivas no tratamento e na qualidade de vida dos pacientes. Mas, se durante a entrevista, você avaliar que não se interessa em conversar sobre os temas que forem apresentados poderá interromper sem nenhum problema. As entrevistas poderão trazer desconforto emocional em alguns pacientes; neste caso, você terá a liberdade para interromper a entrevista quando quiser. Você tem plena liberdade de concordar ou não em participar dessa pesquisa e, caso concorde, poderá desistir em qualquer momento. É garantida a sua liberdade de não participação dessa pesquisa bem como a retirada de seu consentimento, em qualquer momento da pesquisa, sem qualquer tipo 112 de prejuízo para você. Assumimos o compromisso de publicar os resultados finais dessa pesquisa, seguindo as normas científicas que resguardam o anonimato pleno de seus participantes. Estaremos à sua disposição para quaisquer novos esclarecimentos que se façam necessários, em qualquer momento da realização dessa pesquisa, através de contato com o pesquisador responsável, Anderson Nunes Pinto, pelo endereço eletrônico [email protected] ou pelo telefone 91966411, ou ainda através de contato com a sua orientadora, a Profa Drª Eliane Brígida Morais Falcão, Coordenadora do Laboratório de Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ, pelo e-mail [email protected]. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ na R. Prof. Rodolfo Rocco, nº 255, sala 01D-46 / 1º andar, de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h, pelo telefone 2562-2480.ou pelo e-mail [email protected]. A participação nessa pesquisa deverá acontecer por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo, bem como compensação financeira relacionada à sua participação. Eu, __________________________________, receberei uma cópia desse Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra ficará com o pesquisador responsável por essa pesquisa. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o pesquisador responsável deveremos rubricar e assinar as folhas desse TCLE nas laterais e ao final da última página. CONSENTIMENTO INFORMADO Eu, _____________________________________, declaro que fui adequadamente informado (a) e esclarecido (a) sobre a pesquisa “Religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento 113 em um programa de hemodiálise”. Discuti com o pesquisador responsável, Anderson Nunes Pinto, mestrando do Laboratório de Estudos da Ciência/NUTES/CCS/UFRJ, sobre todos os aspectos da pesquisa e sobre minha decisão espontânea em participar da mesma. Ficaram claros para mim os seus objetivos, os procedimentos metodológicos a serem realizados e a garantia de anonimato das informações registradas, bem como a possibilidade de acesso aos resultados, de esclarecimentos permanentes e de retirada deste consentimento, em qualquer momento do desenvolvimento da pesquisa, sem nenhum tipo de ônus para mim. Assim sendo, concordo voluntariamente em participar desta pesquisa. Rio de Janeiro, ______ de _______________________ de 20 ___. ___________________________ ___________________________ Nome do entrevistado Assinatura do entrevistado _____________________________ _____________________________ Nome do pesquisador Assinatura do pesquisador 114 ANEXO D TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PESQUISA: “RELIGIOSIDADE E ATITUDES FRENTE À DOENÇA EM UM PROGRAMA DE HEMODIÁLISE” Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada “Religiosidade e Atitudes Frente à Doença e ao Tratamento em um Programa de Hemodiálise”. O objetivo desta pesquisa é compreender a relação entre religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento em pacientes portadores de insuficiência renal crônica. Será realizado no Programa de Hemodiálise do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ. Os sujeitos da pesquisa serão os pacientes inscritos no Programa de Hemodiálise do referido hospital e os médicos atuantes no referido programa. Todos serão entrevistados sobre assuntos relacionados à doença e ao tratamento, além de serem solicitados a informar alguns dados pessoais, tais como sexo e idade. As entrevistas poderão trazer benefícios emocionais diretos, aliviando tensões emocionais que possam previamente existir. Por outro lado, as entrevistas também poderão trazer benefícios indiretos na medida em que os resultados da pesquisa possam contribuir para a melhora da relação médico-paciente com repercussões positivas no trabalho médico. Mas, se durante a entrevista, você avaliar que não se interessa em conversar sobre os temas que forem apresentados poderá interromper sem nenhum problema. As entrevistas poderão trazer desconforto emocional em algumas pessoas; neste caso, você terá a liberdade para interromper a entrevista quando quiser. Você tem plena liberdade de concordar ou não em participar dessa pesquisa e, caso concorde, poderá desistir em qualquer momento. É garantida a sua liberdade de não participação dessa pesquisa bem como a retirada de seu consentimento, em qualquer momento da pesquisa, sem qualquer tipo de prejuízo para você. 115 Assumimos o compromisso de publicar os resultados finais dessa pesquisa, seguindo as normas científicas que resguardam o anonimato pleno de seus participantes. Estaremos à sua disposição para quaisquer novos esclarecimentos que se façam necessários, em qualquer momento da realização dessa pesquisa, através de contato com o pesquisador responsável, Anderson Nunes Pinto, pelo endereço eletrônico [email protected] ou pelo telefone 91966411, ou ainda através de contato com a sua orientadora, a Profa Drª Eliane Brígida Morais Falcão, Coordenadora do Laboratório de Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ, pelo e-mail [email protected]. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / UFRJ na R. Prof. Rodolfo Rocco, nº 255, sala 01D-46 / 1º andar, de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h, pelo telefone 2562-2480.ou pelo e-mail [email protected]. A participação nessa pesquisa deverá acontecer por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo, bem como compensação financeira relacionada à sua participação. Eu, __________________________________, receberei uma cópia desse Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra ficará com o pesquisador responsável por essa pesquisa. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o pesquisador responsável deveremos rubricar e assinar as folhas desse TCLE nas laterais e ao final da última página. CONSENTIMENTO INFORMADO Eu, _____________________________________, declaro que fui adequadamente informado (a) e esclarecido (a) sobre a pesquisa “Religiosidade e atitudes frente à doença e ao tratamento em um programa de hemodiálise”. Discuti com o pesquisador responsável, Anderson Nunes 116 Pinto, mestrando do Laboratório de Estudos da Ciência/NUTES/CCS/UFRJ, sobre todos os aspectos da pesquisa e sobre minha decisão espontânea em participar da mesma. Ficaram claros para mim os seus objetivos, os procedimentos metodológicos a serem realizados e a garantia de anonimato das informações registradas, bem como a possibilidade de acesso aos resultados, de esclarecimentos permanentes e de retirada deste consentimento, em qualquer momento do desenvolvimento da pesquisa, sem nenhum tipo de ônus para mim. Assim sendo, concordo voluntariamente em participar desta pesquisa. Rio de Janeiro, ______ de _______________________ de 20 ___. ___________________________ ___________________________ Nome do entrevistado Assinatura do entrevistado _____________________________ _____________________________ Nome do pesquisador Assinatura do pesquisador 117 ANEXO E EXPRESSÕES-CHAVES E IDÉIAS CENTRAIS – MÉDICOS 1ª QUESTÃO - O QUE VOCÊ PENSA SOBRE A RELIGIOSIDADE DOS PACIENTES COM RELAÇÃO À DOENÇA E AO TRATAMENTO? SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES 01 Acho muito importante, ainda mais no caso dos pacientes renais crônicos que têm uma doença estigmatizante: se eles não tiverem o apoio da religião, fica difícil. Dá um suporte, um sentido pra vida deles. / Acho importante desde que não seja ao extremo, que não interfira negativamente. 02 Cada pessoa, dependendo da sua crença, vai se cuidar, principalmente no caso de uma doença crônica como a insuficiência renal crônica, cada um vê a doença e o tratamento dependendo da sua fé . Quem é mais religioso aceita melhor a doença, como se fosse uma provação, talvez suportem para ter uma recompensa no futuro; quem não tem religião é mais rebelde, faz o que não deveria fazer. Quem tem fé é mais tranqüilo / Ás vezes, a fé, em alguns extremos, pode ser prejudicial: se for radical, a pessoa deixa de seguir uma orientação médica por achar que a fé vai curar. O paciente com doença renal terminal estabelecida não vai receber um milagre de cura, mas pra enfrentar a doença, buscar coisas positivas pra vida dele... Muitos pacientes acham que estão jogando pra perder, que a vida já acabou... É bom para encarar as coisas de uma forma melhor. Já tive pacientes de várias religiões, eles não expressaram essa situação da religiosidade influenciar a adesão ao tratamento: a minha impressão é que sim. Quem tem religião vê a doença como castigo ou como algo que está acontecendo, mas vai melhorar; quem não tem religião vê de modo mais científico. Uns aceitam mais e outros menos, mas não dá pra dizer que os religiosos têm atitudes melhores que os não-religiosos. Eu considero a religiosidade uma coisa totalmente útil. Pessoas sem religiosidade tendem muito mais à depressão. Parece que há uma necessidade de ter fé. Acho que é um suporte. 03 04 05 IDÉIA CENTRAL (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) Pode dar um apoio psicológico (...) (...) precisa ser bem avaliado (...) pode dar um apoio psicológico (...) 118 06 07 08 09 10 Eu não sou nem um pouco preconceituosa: todas as religiões são boas, quantas pessoas não saem das drogas... De fato, a religião muda a vida das pessoas, independente do que está pregando. Acho que pode ajudar como uma forma de resignação. O paciente diz: “estou passando esse problema pela vontade de Deus”. Acho que é um recurso, uma forma de entender o que está acontecendo / É uma coisa que pode ser muito boa, mas que acaba sendo muito ruim por causa do povo, que é muito ignorante. Chega o pastor e diz que as coisas não são como são e a coisa acaba indo para um lado ruim. Passa por uma lavagem cerebral e acha que a religião explica tudo. Acho importante eles terem uma religiosidade, acreditarem em alguma coisa: os pacientes renais crônicos passam por um sofrimento muito grande, tem uma vida social limitada e baixa auto-estima. Talvez a religiosidade possa dar um sentido para aquilo que eles estão passando, para eles não entrarem em depressão, não tentarem suicídio, não deixarem de fazer o tratamento, não perderem os laços familiares e não se isolarem / A religiosidade é importante até o limite em que não interfere no tratamento. Eu respeito todas as religiões. A religião em si quer o bem, mas os homens interpretam mal. Eu acho que todos os que seguem uma religião, seguem mais o tratamento, são mais cooperativos, são menos rebeldes e, de uma forma geral, toleram e aceitam mais a doença. O paciente renal crônico sofre o tempo todo; a religião é para ele não se tornar o próprio sofrimento. Acho que os pacientes precisam de mais apoio psicológico. / Tem alguns pacientes que são muito ignorantes e alguns líderes religiosos acabam usando isso... O pastor disse que vai curar, aí eles deixam o tratamento. Os que são mais religiosos, mas sem excesso, se dão melhor. Independente de em que o paciente creia, ele precisa ter fé, ter esperança, de algo que sirva como motivação pra ele viver e se tratar, acreditar que existe uma chance para ele. Todo mundo precisa, mas no momento de doença a pessoa está mais fragilizada / O radicalismo é, sem dúvida, um problema: tem aquela pessoa que tudo acha que Deus vai curar; se prescreve um remédio, ela diz que não vai tomar, que quem resolve é Deus. Mas a religião ajuda muito. Há casos que muitos dizem não ter mais jeito, drogados, bandidos, que se apegam à religião e mudam. A religião tem o seu papel na sociedade, não pode ser ignorada. Eu acho importante. Às vezes é uma coisa a que o paciente se apega pra dar força de vontade e não deprimir; ajuda a ele a se manter de pé e a não deixar de se tratar. (...) pode dar um apoio psicológico (...) / pode ser um problema (...) (...) Pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) 119 11 12 13 14 15 16 Eu acho que é uma forma de manter os pacientes com certa motivação porque a perspectiva de vida delas é nula. É um atenuante para quem vive com uma doença crônica. Acreditar que Deus quis assim, que Deus sabe o que está fazendo, já que ele não tem perspectiva de sair da hemodiálise. Os religiosos são mais perseverantes. A religião é mais um recurso. Acho que a hemodiálise é um território para a psicologia. Aqui a demanda é imensa. Aqui parece que o ambiente é menor e os conflitos ficam mais intensos, fica tudo mais próximo... Os pacientes trazem para nós todas as suas insatisfações que estão vivendo, as dúvidas, desde a dor no joelho até a briga com o irmão... É muito difícil eles chamarem por uma coisa positiva, é sempre problema! Cadê a nossa alma, alguém levou? / Há religiões que podem ser obstáculos para o tratamento. Quando a religião não serve para motivar o tratamento, quando serve para buscar a cura, é um obstáculo. Uma coisa que sai da realidade, que não tem nenhum fundamento técnico, isso pode prejudicar muito a adesão deles. Você acreditar em alguma coisa é superválido, basicamente, para confortar. Às vezes você sabe que não vai ter tratamento, então a religião dá conforto. Na hemodiálise os pacientes são especialmente graves / É meio complicado quando começa a influenciar na parte médica... A gente não consegue fazer o que é melhor pra ele por causa de questões religiosas. O extremo é ruim. Em geral eu penso que é uma coisa boa. Geralmente o paciente religioso é mais aderente, é mais obediente / Também tem aqueles que dizem: “Deus vai me curar” e acham que não precisam fazer mais nada. Acho que é muito importante os pacientes se apegarem à religião. Ajuda o paciente a enfrentar a sua situação, os seus traumas, e também pra ter expectativas de vitória, entendimento da doença e manter a esperança. A gente lida com paciente crônico, não tem cura. A religiosidade é um aporte importante para saber como lidar com a doença. Dá conforto, é mais fácil de ter aceitação / Talvez isso dependa da personalidade, da estrutura familiar e da religiosidade, que viria em 3º lugar. Se você está frágil emocionalmente, não tem uma estrutura familiar, aí vem a religião. Não é um substituto: pode ter uma importância maior ou menor. (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) precisa ser bem avaliado Eu acho interessante em um processo difícil como esse da (...) pode dar hemodiálise. Os pacientes são beneficiados, eles têm mais um um apoio alicerce psíquico para continuar na luta contra uma doença de psicológico 120 17 18 19 20 levada letalidade. Às vezes nós mesmos estamos duvidosos com relação ao tratamento e ao prognóstico e eles vêm com um pensamento positivo. Respeito todas as religiões. No fundo, eu acredito que tudo é a mesma coisa. É uma questão de se identificar mais com uma ou com outra. Tudo o que o paciente faz para se ajudar, não atrapalhando o tratamento é bom. Quando ocorre em paralelo é excelente; nada que entre em conflito com o verdadeiro tratamento. No caso dos pacientes em hemodiálise, dá força e gana de viver; então, eles continuam o tratamento. É mais um reforço ao tratamento/ Quando se pede a cura, aí vem o lado da negociação, o lado ruim da religião. Acho que a religião tem erros enormes. Talvez a igreja tenha mais erros que acertos. Principalmente quando os pacientes começam a hemodiálise, eles precisam se agarrar em alguma coisa. Muitas vezes eles vão ao tratamento como se fosse o fim. Eles precisam da religiosidade pra ter esperança, pra entender melhor que as coisas não acabam porque começou a fazer hemodiálise. Acho que melhora a aceitação, a adesão, a relação familiar e serve como válvula de escape das suas preocupações e ansiedades. Não tenho uma posição, mas acho que não interfere nem positiva nem negativamente; é mais uma questão de relação com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e aceitar o tratamento. Nenhum paciente chegou pra mim e disse que a religião está ajudando ou piorando a vida dele. Depende muito de cada um. Mas acho que traz mais benefícios. Talvez a religião seja uma válvula de escape para alguns, eles vão à igreja para aliviar o sofrimento relacionado à doença. Em muitas situações, sei que isso é importante por causa do psicológico deles. A gente ta lidando com pacientes crônicos com bastante problemas psicológicos. A religião é como um psicólogo. (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) / (...) pode ser um problema (...) (...) pode dar um apoio psicológico (...) (...) precisa ser bem avaliado (...) pode dar um apoio psicológico 2ª QUESTÃO – COMO VOCÊ LIDA COM A SUA PRÓPRIA RELIGIOSIDADE NO CONTEXTO DE TRABALHO? SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES 01 Para o médico a religiosidade também é importante. Se você não tiver religião perde o sentido do que está fazendo. Acredito que Deus é uma força superior. A sua vida se torna muito difícil se você não acreditar em uma força superior. As coisas perdem muito o sentido. Por que uma pessoa tão boa sofre, por que umas sofrem mais do que as outras? Penso muito IDÉIAS CENTRAIS Eu tenho crenças (...) / Eu concilio (...) / Eu evito conversar (...) 121 02 03 04 nisso. Se não pensar nisso, deixa de ser humano, tem que se colocar no lugar do outro. / Eu acredito nisso: que Deus faz milagres por meio das coisas materiais. O transplante seria um milagre. Os milagres são feitos através das atitudes dos outros, não através de um raio que vai cair na cadeira e tirar o paciente da máquina. / Não conversamos (os médicos) sobre religião. Médico é uma pessoa muito cética. Até para não ser julgado, avaliado. Ia virar uma discussão muito teórica. Médico é muito teórico. Acho que é uma coisa muito pessoal. Por isso eu não falo, cada um tem a sua. A religião me faz ficar mais tranqüilo nas situações difíceis, tomar as melhores decisões e ter as melhores condutas. Eu acredito que Deus é um ser superior que tenta nos ajudar nos momentos difíceis, se a gente procurar por ele também... Até nos momentos fácies também. A gente procura alguma força sobrenatural que tranqüilize e dê mais ânimo... Eu acredito que seja Deus. / Eu tento intercalar religião e ciência, acho que as duas coisas andam juntas. Deus dá inteligência ao homem pra ele se virar, né? São complementares. / A gente conversa e se respeita. Ninguém tenta mudar a cabeça de ninguém. Geralmente é fora do hospital. Eu não sou muito religioso, mas agradeço a Deus pelas coisas positivas que acontecem e nas dificuldades eu peço luz para encontrar as soluções. Nos procedimentos médicos já pedi a Deus pra me guiar. / Mas a gente tem que separar as coisas. A gente tem que ser técnico. / Os médicos conversam muito pouco sobre religião. Mais informalmente do que direcionado aos pacientes, exceto quando há casos marcantes. Não é rotina. Eu acredito que Deus nos deu capacidades e que tudo tem um propósito. Mas não é para ficar com uma atitude expectante, a gente tem que correr atrás. Do meu modo, eu ponho em prática as minhas crenças. A gente aprende que deve amar ao próximo. Sempre que a gente está com o paciente procura dar um conforto, um carinho. Eu sinto retribuição e é muito gratificante. É um diferencial. Em nível técnico pode ser semelhante, mas faz diferença no trabalho com o paciente. / Eu não sei se essa parte da atenção, do carinho, está Eu tenho crenças / Eu concilio (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / Eu concilio (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / Eu tenho dúvidas (...) / Eu evito conversar (...) 122 05 06 07 relacionada à minha personalidade ou à minha religião. Eu não sei se eu crescesse no meio ateu se eu seria da mesma maneira. Eu acho que não, mas não tenho certeza. Dificilmente a gente pára pra pensar nesse assunto. É bom pensar nisso. / Raramente surge a religião como assunto entre os médicos. Geralmente ele é rápido. Com a equipe de enfermagem é mais frequente. Eu gosto mais de ouvir do que de falar. Geralmente eu percebo um respeito, talvez se evite conversar sobre o assunto para não se criar conflitos. Eu fiz residência aqui e não me lembro de ter conversado sobre isso com os meus colegas. Talvez o meu deus seja a vida... E com todas as suas imperfeições. Há inúmeras camadas de conhecimento a serem esclarecidas. Mas sou profundamente mística. Eu tenho uma religiosidade ligada à natureza. Sinto que há algo que emerge da gente que não pode ser demonstrado pelo método cartesiano-positivista, mas que está presente em tudo o que é vivo. / Eu me sinto em dúvida entre o meu juízo crítico e as minhas necessidades. / Não conversamos sobre religião, mas há uma interface entre religiosidade e medicina. Acredito que Deus é quem sabe de todas as coisas. É um espírito maior. Pra minha prática profissional é muito importante acreditar em Deus porque a gente lida com a vida das pessoas... Pra fazer as coisas certas, pra olhar o caminho certo sobre como conduzir o paciente. Em várias situações a gente lida com pacientes graves... Aí eu penso em Deus. / A religião é um tema muito comum e muito pouco falado. Acredito que Deus é um ser superior, de quem a gente tenta pelo menos chegar próximo. Talvez a gente tenha uma caminhada longa para melhorar os sentimentos, as relações, o jeito de ser, de ver as coisas, de tratar as outras pessoas. Acreditar em Deus me ajuda nisso. Mas me ajuda principalmente a lidar com a questão dos pacientes terminais. / As crenças interferem na decisão de até onde vai investir no paciente ou não. Não há regras absolutas. Acho que muitas crenças e das vivências pessoais interferem nas decisões médicas. Para quê trazer de volta uma pessoa que não interage, toda sequelada? Por quê não deixar seguir o curso natural da vida? Talvez Deus estivesse chamando o paciente para uma outra chance em outra vida. / Não é tão comum, de vez em quando os médicos Eu tenho crenças (...) / Eu concilio (...) / Eu tenho dúvidas (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / (...) em situações relacionadas à morte (...) / Eu evito conversar (...) 123 08 09 10 11 conversam sobre religião. Eu acredito em Deus. Deus é tudo. É a primeira coisa na vida de todo mundo. A religião me ajuda a entender o sofrimento das pessoas, os pacientes que tratam mal, a convivência no ambiente de trabalho. No momento em que a gente acaba de perder um paciente que, em nossa opinião, teria chance de sobreviver./ Existem vários conflitos entre religião e ciência, até que ponto você pode ou deve investir no paciente. De um ponto de vista profissional, penso por um lado; de um ponto de vista religioso, por outro lado. Há situações em que não há regras absolutas./ Esse assunto é muito deixado de lado pelos médicos. O importante é fazer coisas boas. O ser bom está muito envolvido com religião. A idéia de ajudar o próximo me influencia no dia a dia da profissão e em tudo. Eu acredito em algo superior. Não sei se é uma pessoa, uma força, um espírito, não sei... Acho que é uma coisa boa. As pessoas dão nomes diferentes para ele. / Quando surge alguma experiência aí a gente conversa. Quando o paciente sabe que vai falecer. Sempre tem um fato que envolve religião e aí a gente fala. Quando o paciente diz: “doutora, estou sentindo que estou morrendo” e depois morre... Todo mundo fica apavorado. Qual é a explicação pra isso? Não tem explicação. Isso gera uma polêmica, um nervosismo entre os médicos. Tem uns que acreditam em vida após a morte, outros acham que é uma besteira. A religião serviu muito para dominar os povos, catequizar. / Eu acredito que se você fizer o mal, ele volta pra você. Se você ficar com pensamentos negativos, isso atrai coisas negativas. Acredito que existe uma energia maior. Deus é um nome, mas poderia chamar de outra coisa. Não é nada personificado, nada humanizado. / Não converso sobre religião com meus colegas. É muita correria. Não converso muito. Este é um assunto a que não dou muita importância. Eu não tenho uma religião padronizada. Vou à missa numa boa, mas não fico ali concordando com aquilo que está sendo dito, mas fico ali pra renovar minhas forças. / Eu sempre rezo antes de começar um procedimento e depois eu agradeço. Eu peço pra Deus guiar as minhas mãos quando eu vou fazer uma punção. Faço Eu tenho crenças (...) / (...) em situações relacionadas à morte / (...) eu evito conversar Eu tenho crenças (...) / (...) em situações relacionadas à morte Eu concilio (...) / Eu tenho crenças (...) / Eu evito conversar (...) Eu concilio (...) / Eu tenho dúvidas (...) / (...) em situações relacionadas à morte 124 12 13 14 isso por causa do paciente e principalmente quando estou sozinha. / Não sei se acredito em Deus... Às vezes sim, às vezes não. Talvez ele exista. Eu só penso em Deus nas horas que eu quero que ele me guie em alguma coisa, pra algum procedimento mais difícil aqui... Na verdade eu sempre peço a ele. Mas dizer que eu creio... Não é claro pra mim. É um conflito. / Atualmente não, pouco converso. Acontece mais quando você vê pessoas com quadros irreversíveis ou que vão a óbito. Acaba vindo o assunto sobre por que estamos aqui... A gente se pergunta se está fazendo as melhores escolhas, se está aproveitando bem a vida, se não deveria trabalhar menos, se deveria passar mais tempo com a família. Faço as minhas orações e rezas antes de chegar ao plantão. Eu sempre peço a Deus que ele me ajude, que eu não faça mal a ninguém. Sempre peço. É uma situação em que você está exposto, grave, lidando com a vida dos pacientes. Eu acredito que Deus seja uma pessoa superior que é presente em todas as situações e de quem eu tenho necessidade. / É muito difícil os médicos conversarem sobre religião. Nunca aconteceu na hemodiálise. Converso só quando tem o caso de uma paciente difícil. Não tem papo sobre religião. As pessoas, em geral, não param pra ficar discutindo religião. Cada um tem a sua própria e ninguém entra em controvérsia. Acho importante acreditar em alguma coisa. Senão a impressão que dá é que é que tudo fica perdido... Aonde se vai depois da morte, o que existe além do que se está vendo, qual o motivo para algumas coisas acontecerem e pessoas aparecerem na sua vida... Tem umas pessoas que te tocam mais, pacientes... Nesses casos você faz mais, vai além porque você quer. Acho que creio em Deus... Não sei se é Deus. Acredito em uma força maior. Justiça, talvez... O responsável pelo bom curso do mundo, da hora e d a forma como as coisas acontecem... Não sei caracterizar muito bem. / Eu não me interesso em conversar sobre religião. Ninguém aqui conversa muito sobre isso. Sei da religião de um ou de outro, dos mais próximos. Eu tenho a idéia de que Deus é o que cada um prega. O importante é que eu tenho uma relação com Deus e acredito nele. Peço a ajuda dele em termos de sucesso nos procedimentos, nos concursos, nos planos... peço a bênção dele pra fazer tudo isso bem. Posso dizer que isso acontece diariamente. Minha fé em Deus tem Eu tenho crenças (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / Eu evito conversar (...) 125 15 16 17 uma participação muito grande, efetiva, no meu trabalho. / Converso muito pouco sobre religião com os meus colegas. Não me lembro quando foi a última vez. A conversa fica estagnada porque um é católico, outro é evangélico, outro é espírita... Acaba não fluindo. O trabalho tá sempre agitado, sobra pouco tempo para conversar mais sobre isso. Algumas frases ficaram: “a gente tem que passar por uma missão” e “O espírito, quando a gente se mata, não encotra luz”. Deus é... Eu não sei... É difícil... Eu não consigo definir. É uma força... Não consigo chegar a uma explicação... É uma energia... / Às vezes conversamos (os médicos) sobre questões pessoais, mas a religião não aparece. Aqui não me lembro de conversar sobre isso, só quando reclamam das Testemunhas de Jeová. Acontece de conversar com a enfermagem sobre esse assunto. Talvez Deus seja... É difícil definir... Uma força... Um pensamento coletivo. Alguém? Não sei. A gente não consegue aferir. Às vezes eu penso que a vida é só o que existe aqui... Parece que é só o biológico mesmo. Nas outras vezes... Essa necessidade de conforto... Eu me sinto confortado pela religião. Não é algo concreto. / Tenho uma religiosidade própria, não institucional. Acho que nenhuma instituição religiosa é 100%. Tenho discordâncias técnicas, como na questão do aborto, controle da natalidade, distanásia. Tenho uma religiosidade íntima e tenho uma formação científica. Eu tento me manter com um pensamento racional, mas acho que isso não exclui a religiosidade. Isso não interfere nas decisões racionais. / Entre os médicos é um assunto que não circula, não se discute, não se pergunta, isso não é abordado... Não se explicita isso. A minha percepção é que na hemodiálise há muito mais profissionais da enfermagem religiosos. Às vezes converso com eles sobre isso. Creio em Deus. Deus não é uma coisa pra ser definida. É uma coisa acima de tudo... Seria a solução pra tudo. Ao mesmo tempo a gente não pode achar que ele vai resolver tudo. Tive um colega que era ateu, mas conversando com ele, percebi que ele não era tão ateu assim. É da formação humana acreditar em algo além do que está vendo. Acho que ninguém é tão ateu. / Eventualmente em situações difíceis eu rezo. Mas no Eu tenho crenças (...) / Eu tenho dúvidas (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho dúvidas (...) / Eu concilio (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / Eu concilio (...) / Eu evito conversar (...) 126 18 19 trabalho tenho que ser frio e calculista. Se as coisas derem certo, depois eu agradeço. Não tem como fazer ciência com religião. Não é que ciência e religião estejam uma contra outra, mas são universos paralelos. Não dá pra fazer cálculos, dizer que se deve fazer isto ou aquilo com a religião. Na medicina a gente estuda e coloca em prática. Adquirir conhecimento é importante, mas o problema é a aplicabilidade. / Às vezes conversamos (os médicos), pouca coisa. A gente fala mais sobre futebol do que sobre religião... A gente quer extravazar, jogar fora esse estresse, conversar sobre coisas mais leves. Tem muita coisa que eu não concordo na minha religião. Por exemplo, ser contra preservativo. Eu, como médico, não posso concordar com isso. Existe esse sentimento ambíguo. Deus para mim é tudo. Eu não acredito em Adão em Eva. Eu acredito em Darwin. Mas quando a surgiu a primeira molécula? Deus estava ali. Deus está em tudo. Botar a culpa no acaso pra tudo é muito fácil... Não me satisfaz. Racionalmente não acredito que Deus existe. Mas toda vez que meu filho fica doente eu peço a Deus por ele. Já tive conflitos com meus colegas de trabalho. Um era criacionista, o outro era ateu. São dois extremos. Respeito, mas não concordo. / Aqui na Hemodiálise a conversa sobre religião é muito pouca. Conversas informais sobre alguma coisa relacionada a algum paciente, mas não é usual. Em minha opinião, o que a gente tem que fazer é o bem. As minhas crenças me ajudam no trabalho indiretamente: eu que a gente tem que fazer a nossa parte, o nosso papel, e em cuidar do paciente de uma forma humana. O paciente da diálise é muito carente... Talvez tentar o máximo de benefício para ele. Também para tentar ir para o “lado branco” no final. Não é todo dia, nem tem hora certa, mas em certas situações eu faço as minhas orações, peço e agradeço. / Com relação à morte, acho que a gente acaba criando um bloqueio, não sei explicar. Acho que o médico não fica totalmente insensível, mas cria uma barreira. O paciente morre e daqui há pouco a gente está vendo TV... As pessoas que não vivem o dia a dia do hospital não entendem isso. / Não tenho hábito de conversar sobre religião com os médicos. Converso quando há uma situação relacionada à religião que está sendo comentada, por Eu concilio (...) / Eu evito conversar (...) Eu tenho crenças (...) / (...) em situações relacionadas à morte / Eu evito conversar (...) 127 20 exemplo, quando alguém faz uma chacina por motivos religiosos... Como é que pode? Mas não é muito comum. Ninguém fica: “por que você acredita nisso ou naquilo?”. Eu sou ateu, não acredito em nada. Sempre me Eu sou ateu / Eu apeguei muito a parte científica, na evolução, na evito conversar (...) origem do planeta. Fui questionando e achando desnecessária a religião. / Como não sou religioso, a religião é um assunto que eu não vou puxar. Aqui na Hemodiálise nunca, não me lembro de ninguém ter trazido, da religião ter aparecido. A gente conversa muito sobre assuntos médicos. Até política a gente conversa pouco. Quando a gente conversa sobre outros assuntos, são amenidades, assuntos “light”, que não vão trazer discussão... Desses assuntos a gentes se abstrai. 3ª QUESTÃO - COMO VOCÊ ABORDA A RELIGIOSIDADE DOS SEUS PACIENTES? SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES 01 Não pergunto pela religião dos pacientes. Eu acho que saber a religião em si não é importante, mas a relação do paciente com a religião. É muito complicado. / A gente não tem tempo, se a gente entrar nesse assunto a gente não faz nada. / Eu converso sobre religião quando o paciente está precisando, está deprimido, quando ele dá abertura. É importante não se envolver demais, nem virar gelo. / Não sei se estou ultrapassando uma barreira na relação médico-paciente, mas eu falo que Deus só dá o que a gente pode suportar. É uma crença minha e que é um alento para o paciente. 02 Perguntar sobre a religião dos pacientes? Taí... Tem que perguntar... Mas geralmente eu não pergunto não. Mas é importante por causa dos problemas que podem acontecer futuramente, os pacientes deixa de fazer o tratamento. Acho que a maioria não pergunta. Tanto que raramente se vê a religião nas anamneses. Isso tá mudando... Antigamente a maioria era católica e as pessoas não perguntavam... Mas estão crescendo as religiões evangélicas e espíritas. Acho importante conversar sobre religião com qualquer paciente. IDÉIAS CENTRAIS Eu acho problemático (...) / Eu não costumo perguntar (...) / (...) em situações especiais / (...) Sim, eu uso minhas crenças Eu não costumo perguntar (...) 128 03 04 05 Nunca fiz isso, mas acho importante, principalmente com os mais rebeldes. Teria a função de tranqüilizar. Nós damos oportunidades para todos, respeitamos a todos. Eu foco logo no que traz o paciente ao hospital. Só quando a gente percebe que a entrevista está indo pra esse lado é que a gente pergunta sobre religião. Eu acho isso complexo. Não me sinto preparado pra isso não. É muito complicado. Do ponto de vista humano, né? O médico não é uma máquina... Mas isso é muito pessoal. Acho essa pesquisa muito importante para esclarecer os pacientes e orientar a gente a como abordá-los melhor. / Talvez em algumas situações seja importante conversar sobre religião com o paciente. Já rezei por eles em alguns momentos, tentei passar uma energia positiva. / Acredito na reencarnação, na evolução espiritual, na prática do bem, que quando a gente morrer vai para outro plano. Algumas vezes tentamos transmitir isso para os familiares após o óbito dos pacientes e para os pacientes em situação de sofrimento. Não é costume perguntar sobre a religião dos pacientes. No decorrer da relação com o paciente a gente percebe qual é a sua religião. Às vezes os pacientes perguntam a nossa religião e, conversando sobre o assunto, a gente fica sabendo a religião deles. Acho importante conversar sobre isso. Quando o assunto surge a gente conversa. É importante conversar com o paciente sobre qualquer assunto. / Percebo o pensamento de cura milagrosa. Eu nunca falo que não existe: enquanto isso, eu vou tratando. Eu uso o argumento de que Deus cuida da gente pela tecnologia e que tudo tem um propósito. A gente é treinado pra perguntar sobre a religião. Eu não faço isso porque quando chega a mim o paciente, já fizeram a anamnese. Quando os pacientes querem conversar sobre religião eu sento e escuto. Só faço essa observação: eles devem pedir a Deus serenidade, resignação, coragem, paciência, sabedoria, que lhe mostre caminhos, mas não deixe de fazer a hemodiálise. Os pacientes costumam me perguntar sobre a minha religião. A minha resposta é: todas as Eu acho problemático (...) / (...) em situações especiais (...) / Sim, eu uso minhas crenças Eu não costumo perguntar (...) / (...) usando as suas crenças (...) usando crenças (...) as suas 129 06 07 08 formas de buscar a Deus são válidas. Na verdade muitas vezes converso sobre religião. Já recebi advertências: “você não é analista, você não é psiquiatra”. Não pergunto sobre religião quando faço anamnese. Às vezes eu pergunto quando é um paciente do pré-transplante porque faz toda diferença pela questão da possibilidade da recusa. É muito delicado. Falar sobre religião é muito pessoal. A gente vive numa sociedade que é muito preconceituosa com relação a algumas crenças. Principalmente porque a população é muito ignorante. Religião não, mas falar de religiosidade é mais fácil: falar sobre Deus, sobre a vida, sobre a morte, sobre a doença. Mas quando coloca um rótulo complica. É totalmente possível falar de uma coisa sem falar sobre a outra. Na hemodiálise, por tratar de uma doença muito grave, é preciso tomar cuidado para o paciente não achar que ele merece passar por isso. / Na verdade, eu falo muito sobre isso: que as coisas não acontecem por acaso, que o paciente está passando por um problema que pode não entender agora, mas que existe uma razão... Eu perguntava sobre a religião dos pacientes quando aprendi a fazer anamnese. Faz muito tempo que eu não pergunto. / Para a parte médica, para fazer um diagnóstico ou traçar uma conduta, não faz diferença. / Acho importante conversar sobre religião. Às vezes os pacientes falam, aí eu respondo, pergunto... É importante para convencer os pacientes da necessidade de aderência ao tratamento. Às vezes os pacientes nos procuram porque estão muito tristes e você acaba usando a religião para ajudar os pacientes. / Essa pesquisa é importante para tentar raciocinar sobre como isso pode estar interferindo, como abordar a religiosidade com o paciente. É complicado. O médico geralmente não usa muito isso, não é uma de suas opções de trabalho. Não existe isso. Não pergunto sobre a religião dos pacientes. Faz parte da anamnese... Não sei por que não faço. Acho importante conversar sobre religião. A gente fala muito pouco nisso. Nunca passei por uma situação em que precisei saber da religião para definir uma conduta para o paciente. / Eu acho problemático (...) / Sim, eu uso minhas crenças Eu não costumo perguntar (...) / (...) em situações especiais (...) / Eu acho problemático (...) Não costumo perguntar (...) / Eu acho problemático (...) 130 09 10 11 Geralmente não pergunto sobre religião, mas se crê em Deus. Não pergunto pela religião para não entrar em conflito, pergunto pela fé em Deus. Na minha opinião o mais importante é buscar em que o paciente tem fé para ajudar na sua adesão ao tratamento. Não, dificilmente pergunto sobre religião. A gente parte do princípio que todo mundo é católico... Quando a gente vai conhecendo as pessoas elas vão demonstrando, fazendo comentários, aí fica evidente qual é a sua religião. Pra mim não faz tanta diferença assim. / Depois que a gente passa a conhecer o paciente é diferente. Ele fica sabendo das nossas coisas e a gente fica sabendo muito mais das coisas deles. De graça não converso sobre religião com os pacientes, só se ele perguntar. É importante conversar sobre qualquer coisa. Eles podem valorizar a religião de uma forma que eu não valorizo. / Acho que é assim: os médicos atendem 500 pacientes, mas eles só têm um médico. Eu acho que eles valorizam demais a gente, eles não deveriam dar tanta atenção às coisas pessoais. Na hemodiálise temos um contato muito próximo e muito prolongado com o paciente. Cria um laço inevitável. Achar que os pacientes só vão falar da doença é um engano. Eles precisam desabafar, falar da sua vida. Muita gente confunde proximidade com intimidade. É difícil impor uma barreira, é estranho... Eles te sugam! Tudo eles falam: minha filha está com dor, meu marido está me tratando mal, meu vizinho está com um problema, tudo é a gente!Tem que ser próxima, mas demais... O paciente te desvaloriza como médico. Não pergunto sobre religião. Acredito que não seja tão importante para o que estou procurando: doenças, a parte clínica. Acredito que religião não tem muito a ver. Se fosse importante conversar sobre religião com os pacientes eu faria. Não sei se estou fazendo certo ou errado... O fato é que eu não dou muita importância. É por falta de tempo também. Não sei se outros médicos dão, talvez se forem religiosos. Às vezes na correria eu não pergunto... Na maioria das vezes. Eu considero importante perguntar. Isso Eu não costumo perguntar (...) / Eu acho problemático (...) Eu não costumo perguntar (...) Eu não costumo perguntar (...) 131 12 13 14 cria uma aproximação. Ao mesmo tempo que falo sobre religião eu posso saber sobre as condições sociais, moradia, posso me aproximar mais da realidade do paciente. Também sobre o que eles esperam da doença. No caso da religião, se ele sabe que Deus quis assim e por que está passando por isso. Fico mais tranqüila. Infelizmente o médico tem uma sobrecarga de serviço... A verdade é que isso não é uma prioridade. É mais importante saber quanto está o potássio, se o paciente está taquipneico... O tempo para conversar, discutir, falar dos aspectos sociais é limitado. A nefrologia é uma especialidade que lida com urgências. Em geral eu não pergunto sobre a religião do paciente por que eu esqueço. Se eu vejo que é um paciente que vai precisar de hemotransfusão eu pergunto se é Testemunha de Jeová. Já aconteceu de conversar sobre religião. Alguns pacientes ficam agradecidos pela resolução de um caso e rezam para agradecer. Às vezes eles falam: “deixe Deus entrar na sua vida”. Por mais que eu não queira mudar de religião, eu escuto o ponto de vista deles e falo o meu. Eles também perguntam sobre a nossa religião. Poucas vezes pergunto sobre religião aos pacientes. Acaba sendo uma anamnese mais dirigida para a parte médica. A religiosidade não é muito importante, o que faz a diferença é no caso das Testemunhas de Jeová por causa da hemotransfusão. Converso pouco sobre religião com os pacientes. / Às vezes, quando preciso, uso a religiosidade como um artifício de um processo de convencimento. É uma forma de tentar confortar também. Eu uso mais ou menos o que a pessoa diz. Mas se a pessoa diz que Deus vai curar, não falo. No caso do transplante falo que só Deus sabe quando vai ser. Eu pergunto sobre a religião dos pacientes. É um item da história social ou dos seus hábitos de vida. Acho que é importante perguntar para saber com quem se está lidando e para ter uma boa relação médico-paciente. Mas não dou muita ênfase. Converso muito pouco com os pacientes sobre religião. / Sempre falo aos pacientes e aos familiares que a gente tá fazendo o melhor que pode ser feito e que Eu não costumo perguntar (...) Eu não costumo perguntar (...) / (...) usando as suas crenças Eu não costumo perguntar (...) / (...) usando as crenças dos pacientes 132 15 16 17 é importante ter fé. Não entro no mérito da religião nem fico discutindo: a diversidade é muito grande. Quando faço anamnese, ela é muito abreviada. Não faço anamnese, mas se tivesse que fazer, não perguntaria, não me preocuparia. Procuro perceber a situação social com quem está acompanhando, saber se a pessoa é muito sozinha. Vejo muitos pacientes sozinhos. A religião sai como conseqüência da observação de questões sociais. / Quando o paciente não quer se tratar é que eu apelo para a religião e digo: “tem coisas que a gente tem que passar”. Dentro de um contexto, é um recurso de convencimento para fazer o paciente aceitar o tratamento. Também faço isso quando a pessoa está desanimada. Às vezes os pacientes citam a religião. Eu acho que o mais importante é preparar o paciente para o que ele vai passar. / Me impressionam quando dizem: “para Deus tudo é possível”. Acontece principalmente quando lido com óbito: cito Deus para que os familiares tenham algum conforto. Acontece também no caso de doenças mais graves. / Não entro em detalhes, como a vida após a morte, cada religião tem suas idéias. Uso Deus da marca genérica, não uso das marcas comerciais. Uso as crenças da religião da pessoa. / Eu uso a minha religião não institucional. Eu não dispenso a religiosidade apesar de ter uma formação científica. Eu não consigo deixar de fazer isso, no sentido de confortar, especialmente em situação de óbito, de acordo com a base religiosa do paciente. Não pergunto. Faz parte da formação médica, temos que perguntar. Mas eu não valorizo isso. Não converso com os pacientes sobre religião. Normalmente a melhora clínica acontece sem esse recurso. Normalmente eles não tocam no assunto. Eu tenho curiosidade de saber, de entender a pessoa pela religião dela. / É como perguntar pelo time de futebol, pelo partido político. É uma questão pessoal. Prefiro não interferir. / Quando percebo que o paciente está mais carente emocionalmente, pergunto se ele tem religião e procuro orientar, reforço a sua religiosidade. Eu não costumo perguntar (...) / (...) em situações especiais / Eu acho problemático (...) (...) em situações especiais (...) / (...) usando as crenças dos pacientes / Sim, eu uso minhas crenças Eu não costumo perguntar (...) / Eu acho problemático (...)/ (...) em situações especiais/ (...) Sim, eu uso minhas crenças 133 18 19 Quando eu percebo que eles estão perdidos, pensando em abandonar o tratamento... Aí eu pergunto pela religião e oriento a seguir nos dois, religião e tratamento. / Até quem diz que não, na hora que o bicho pega... Tem que se apegar a uma religião. Senão ele sente um vazio tão grande... Aí eu digo: “procure uma religião”. O remédio que a gente não encontra na farmácia tem que buscar em outro lugar. Normalmente a gente pergunta. Eu pergunto. Tem que perguntar. Pra já saber é melhor que esteja no prontuário. Do ponto de vista técnico é importante perguntar por causa da transfusão no caso das Testemunhas de Jeová. Há um potencial conflito. Eu nunca vivi isso, não sei como me portaria. É uma discussão ética, e até jurídica, grande. / Acho que Deus nos faz trilhar os rumos certos. Alguns caminhos são árduos, até do filho dele... Foi o mais árduo de todos. Então a gente não deve reclamar. Falo isso para os pacientes, não de uma maneira direta, mas de uma maneira mais amena. Alguns pacientes falam que Deus mandou a hemodiálise como uma provação. O paciente fala: “por que eu fiquei renal crônico?”. Não existe um dilema real nesse caso. Cada um tem que fazer a sua parte, não é só Deus. Vários pacientes de hemodiálise me perguntam: “doutor, por que eu?”. No caso de muitos deles a gente sabe que certamente Deus não tem nada a ver com isso. O cara não tomou remédio, não fez dieta, por que Deus é o culpado? Não pergunto sobre religião. Não sei por quê... Talvez por uma falha mesmo. Não consigo ver se é certo ou errado questionar sobre religião. Tem pessoas que fazem, outras não. Cada um tem o seu jeito de trabalhar. / Naquele momento a gente fica tão direcionado àquela coisa que a gente precisa resolver. Às vezes acontece de conversar sobre religião, principalmente relacionada à religião evangélica... Às vezes os pacientes acreditam no que os pastores vão dizer... Os pastores fazem questionamentos sobre o que o paciente deve fazer. Mas é muito difícil acontecer isso. Há alguns momentos, quando o paciente está terminal, que uma palavra, um gesto de carinho... ”Ah, vai dar tudo certo! Vamos ter fé que vai dar tudo certo!”. De um modo espontâneo acaba Eu acho problemático (...)/ Sim, eu uso minhas crenças Eu não costumo perguntar (...) / (...) usando as crenças dos pacientes 134 20 entrando na religião. Você percebe que o paciente quer ouvir. Não vou trazer coisas que eu acredito. Às vezes o paciente fala e eu respondo “vamos ter fé”, quando eu percebo que é importante para ele. Tenho perguntado muito raramente sobre religião. É um hábito que a gente vai perdendo quanto mais a gente vai se afastando de quando a gente aprendeu a fazer anamnese. Só quando há situação de cirurgia pergunto a religião pra saber se tem problema com transfusão de sangue. O correto é perguntar. O que acontece? Para fazer a anamnese correta é uma conversa de 1 hora, 1 hoa e meia... se for fazer a gente não trabalha. Nesse processo de encurtar a gente acaba eliminando a religião, por que não vai te dar uma definição mais imediata de conduta. A religião é mais importante a médio e longo prazo pra saber como o paciente vai interpretar as coisas. / De uma forma geral, eu não converso com os pacientes. Acho que isso é muito individual. / Quando é importante para o paciente a gente logo percebe por que ele traz a religiosidade pra conversa. Se faz parte do dia a dia dele é importante conversar. Para equilibrar as coisas... Para os pacientes ou é o médico ou é a religião. / Eu não acredito em Deus, mas não passo a minha posição para os pacientes. Eu apóio a crença deles, não tenho problema com nenhum tipo de religião. Eu não costumo perguntar (...) / Eu acho problemático (...)/ (...)em situações especiais/ (...) usando as crenças dos pacientes 135 ANEXO F EXPRESSÕES-CHAVES E IDÉIAS CENTRAIS – PACIENTES 1ª QUESTÃO – O QUE SIGNIFICA FAZER HEMODIÁLISE PARA VOCÊ? SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES 01 No começo foi muito ruim. / Entendia que o negócio era tirar o líquido. Depois entendi que era tirar a impureza. Achava que não ia durar muito. Acho que a hemodiálise é muito pouco divulgada. Tem muita gente ficando renal. Tem gente que não conhece. Sempre procuro me informar na internet, perguntando a equipe, mas não consigo explicar./ Tinha que ficar com o cateter no pescoço, morria de vergonha. Até pouco tempo escondia o braço... Pra mim, fazer hemodiálise é um saco! Tem hora que não agüento mais, que tenho vontade de desistir./ Agora não esquento mais. Se olhar bem, têm doenças piores, você ainda tem esse recurso. IDÉIA CENTRAL Eu já sofri (...) / Eu não sabia (...) / Eu sofro (...) / Eu estou resignado (...) 02 A reação foi péssima. Pensei em dar um tiro na cabeça. Dá tristeza. Nos primeiros meses dava tontura, pressão alterada... Comecei a achar que eu era inútil, que não era um cara normal... / Achei que fosse uma coisa simples... Não é tão simples como eu imaginava. Vem às complicações, se não se cuidar direitinho, se não se resguardar... Fraqueza nas pernas, desânimo de vida, preguiça, passa mal... / No começo foi difícil, mas me animei. Depois que conversei com o psicólogo saiu uma nuvem da minha cabeça. As conversas, o carinho, sempre alguém dando apoio. O apoio moral é que me fez firmar. Eu já sofri (...) / Eu sofro (...) / O apoio dos outros é importante (...) 03 Quando soube que precisaria hemodiálise foi a pior coisa. / Estava internada, não foram lá pra conversar, já queriam logo me trazer pra fazer hemodiálise. Eu não aceitei: fiquei apavorada, né? / Até hoje eu não aceito a idéia. Eu venho porque tenho que vir, se não vai ficar pior. Sinceramente não tem nada que amenize. Seja o que Deus quiser. A gente está fazendo isso, mas sabe que não adianta: o rim não vai melhorar. Acho que é um sofrimento Eu já sofri (...) / Eu não sabia (...) / Eu sofro (...) / O apoio dos outros é importante (...) 136 04 05 06 inútil. Se fosse uma coisa que melhorasse a gente, mas a gente faz a gente ficar mais fraca. Também a nossa vida, muda tudo... Eu viajava, não posso mais; fico com medo de passar mal. Praticamente a nossa vida acaba. Fica restrita a isso: vir pra cá três vezes por semana, chegar em casa já pra ficar deitada... Saio daqui cansada. Atrapalha a vida da minha família também por que tem que me trazer./ Eu já pensei em desistir, mas o pessoal de casa não deixa, as minhas irmãs, minhas sobrinhas. Nada acontece por acaso na nossa vida. Existe uma predestinação com relação a algum fato que você não pode mudar. Eu acredito em causa espiritual. As doenças surgem para purificar o espírito. Se a pessoa entender que ela está sendo purificada, ela pode deixar de sofrer. A hemodiálise é uma purificação do sangue e o sangue é a materialização do espírito. / Já fiquei chateada por ter que ficar vindo aqui três vezes por semana. Eu tive que parar de trabalhar. Também tinha a questão estética por causa da fístula. Às vezes você acorda de manhã e não quer vir. Às vezes você quer ficar em casa. Por uma questão de mau-humor, não por querer desistir do tratamento. É a minha vida, né? / A minha família, minhas irmãs, meus pais, cuidam muito de mim. Nos dias que eu estou triste são eles que me colocam nos eixos. Pra mim tá uma beleza. Eu gosto de vir pra hemodiálise. Adoro. Eu tô ficando melhor, com mais disposição. Antes eu não conseguia subir escada, agora tá normal. Aquela canseira que eu sentia, saiu tudo. Era muito cansaço. Até quando tava falando sentia cansaço. A pressão era altíssima melhorou tudo. / Meu filho e minha mulher me dão o maior apoio. Eles não me deixam vir sozinho de jeito nenhum. Quando não é um, é outro. / Eu penso comigo assim: “eu tenho que melhorar, ficar bom, fazer esse transplante logo”. Lembrar do transplante me anima. Eu ouvia falar na hemodiálise. Pra mim era aquele dragão. Fiquei apavorado! Depois que eu entrei na máquina vi que não é aquele bicho de sete cabeças que pensava. Mas para quem não conhece... No começo tinha muita gente que morria. Meu medo era esse. Mas quando cheguei aqui vi todo mundo numa boa. Isso aqui é uma família. Quando a gente chega Eu dou um sentido religioso (...) / Eu já sofri (...) / Eu estou resignado (...)/ O apoio dos outros é importante (...) Eu faço (...) para ter qualidade de vida / O apoio dos outros é importante (...) / Eu faço (...) enquanto espero o transplante (...) O apoio dos outros é importante (...) / Eu sofro (...) / Eu estou resignado (...) / Eu faço (...) enquanto espero transplante 137 aqui a gente começa a conversar, a brincar... Quando a gente fica assim, a gente esquece de tudo. / Eu não penso muito na doença e na hemodiálise. Se pensar é pior. / A hemodiálise faz parte da minha vida. Se não fizer, vai ser um problema muito sério. Faz parte da rotina, é normal. / O único motivo que tinha para largar a hemodiálise era o transplante... Então eu vou fazendo. 07 Até hoje não encontrei uma explicação. Nem os médicos sabem. Não é injustiça, isso acontece mesmo. Fui estudando e fui entendendo. Fui vendo que o que acontece comigo acontece com muitas pessoas. Passou um monte de coisas na minha cabeça: “o que é isso, hemodiálise?”. / Eu não queria ir. O médico mandou me buscar em casa. Ele conversou comigo, que eu tinha que conhecer melhor antes de desistir. Aí eu parei de faltar, nunca mais. / Mas não acreditava que ia pra aquela máquina e ia ficar 04 horas ali. Eu achava que não estava renal, que isso não tinha acontecido. O catéter eu achava estranho no pescoço. Eu pegava o ônibus, todo mundo olhando pra sua cara e você tem que fingir que não está sendo olhado. É pesado, horrível, pra tomar banho. Depois que botaram a fístula melhorou./ Tem que fazer... Se a gente ficar sem fazer tudo sobe: pressão, creatina, fósforo, colesterol... A importância é pra continuar vivendo. O rim tá parado. / A gente não pode se deixar levar, senão a gente vai ficar sempre deitada e desistir da vida. Tem que curtir a vida./ Houve também muita conversa que tinha que fazer bem a hemodiálise pra não perder a chance de fazer o transplante. Quando soube que poderia fazer o transplante eu fiquei todo bobo! Eu não sabia (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu já sofri (...)/ Eu estou resignado / Eu faço (...) para ter qualidade de vida / Eu sofro (...) / Eu (...) enquanto espero o transplante 08 Acontece muita coisa, passa muita coisa na nossa cabeça. Eu achava que minha vida não ia ter valor algum, ia ser inútil. No começo tive um pouco de depressão. Eu tinha uma vida totalmente ativa e fiquei muito debilitada... a vida tinha acabado pra mim. / Na minha cabeça a hemodiálise faz a função que o rim não faz. É uma ajuda pra gente viver melhor / Eu já sofri (...) / Eu faço (...) para ter qualidade de vida / Eu estou resignado (...) 138 09 10 11 12 Agora eu vejo as coisas de outra maneira. Venho pra cá, volto pra casa e tenho uma vida normal. A vida pode durar mais ou menos... Aí está nas mãos de Deus. A gente pensa que nunca vai acontecer com a gente. Ninguém pensa em ficar doente... Logo comigo? Bate uma tristeza, muita tristeza... Fiquei parada, sem ação. Fiquei tão desorientada que não pensei em nada. / Só de saber que vai ficar presa num lugar desses... Quem é que gosta? O pessoal diz: “se acostuma!” Mentira! Não tem como se acostumar não. Ainda penso em desistir. Parece que o corpo vem, mas a mente não vem. Parece uma prisão. Eu penso em não morrer. Se desistir, como é que vou viver? / Acho que todo mundo espera o transplante. Quando soube que precisaria fazer reagi mal. Queria me suicidar e tudo. Eu pensava que estava com câncer, com AIDS, por causa do meu emagrecimento. Fiquei internado, queria me jogar da janela da enfermaria. Fiquei chorando uma semana inteira. Eu era um cara perfeito!... / O tempo passou, comecei a conversar com as pessoas e relaxar. Fui conversando com a fisioterapeuta, com a nutricionista, com a secretária e fui me acalmando. Fiz uma visita aqui antes e isso me ajudou bastante. Conversei com uma paciente e ela me falou: “a gente tem que agradecer a Deus por ter essa máquina!”. Eu pensei: “é mesmo. Essa máquina é uma bênção”. / A hemodiálise pra mim é qualidade de vida. Melhorou a minha vida 100%. Melhorou até o meu astral. Melhorou tudo. Hoje sou outra pessoa, estou mais disposto, estou querendo trabalhar de novo. A hemodiálise é para que você tenha uma qualidade de vida melhor. Mas sua qualidade de vida é praticamente zero. Tira todo seu tempo, não tem mais tempo pra nada. Ela não dá qualidade de vida, ela só prolonga a vida. Sem ela você não teria condições de sobreviver: ou você faz ou você morre. Que é muito chato é. Mexe muito com a gente... Eu nunca pensei... Eu sempre via no hospital, a gente não dava importância... Eu nunca imaginei... O médico falou que eu estava renal. Eu não acreditava. Eu pensava: “Deus não vai fazer isso comigo!”. Eu pensei que ia fazer e não ia resistir. / O médico falou: “não, depois você vai pensar direitinho”. Aí eu pensei que era para o meu bem. Tem dia que eu tenho que vir pra cá e digo: “vou Eu já sofri (...) / Eu sofro (...) / Eu faço (...) enquanto espero o transplante Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu faço (...) para ter qualidade de vida Eu sofro (...) Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu estou resignado (...) 139 ficar”. Meu marido diz: “Não, você tem que ir”. / Eu tenho que deixar fazerem isso, senão... Não tinha mais nada a fazer. Pensei: “A hemodiálise ajuda a baixar as taxas”. Fico com medo de passar mal. Eu não gosto de hemodiálise, mas traz benefícios pra mim. 13 14 Uma vez passei mal e a médica falou que eu ia ter que fazer hemodiálise. Nem sabia o que era isso. Pensava: “eu não vou durar muito tempo, não”. Que tem gente que morre durante o tratamento, que ia correr risco de ter outros problemas, problema de coração... Não sei explicar direito por quê, mas eu fiquei meio retraído. O médico vai explicar e eu não vou entender, então deixa pra lá... Pensei: “seja o que Deus quiser!”. / Eu tinha um medo incrível. Me senti muito triste, comecei a chorar. Saber que vai depender da máquina... Deu uma tristeza! / O psicólogo na época me ajudou. A assistente social também. Falavam que eu ia me recuperar, ia superar, era só fazer direitinho. Já me deu vontade de desistir./ Hoje eu estou bem, tranqüilo. Hoje pra mim é um esporte. A hemodiálise é uma coisa que salva muitas pessoas. Ajuda muito. Foi a melhor coisa que inventaram pra isso. Tem gente que não encontra esse tratamento e eu tive sorte. Durante uma internação eu comecei a fazer hemodiálise. Não parava de pensar: “meu Deus, vou ter que fazer hemodiálise?”. Não sabia o que era hemodiálise. Eu tive colegas pacientes que me diziam que a pior coisa que alguém poderia ouvir de um médico era que precisava fazer hemodiálise, que era melhor se matar. Fiquei com aquilo na cabeça: “meu Deus, será que é tão ruim assim?”. Na primeira vez, entrei com naturalidade, sem saber o que era... Levei um susto sem saber o que fazer./ Teve um médico que falou: “o rim é um órgão que quando pára a gente ainda sobrevive. Dá pra fazer transplante, diálise... Não é coisa de outro mundo”. Passei a me concentrar nisso e me fortaleceu. Me lembrei disso quando comecei a fazer e ainda me lembro. Depois fui me acostumando. Muitos pensam que é um sofrimento muito grande: não é não. / Hemodiálise significa manter meus rins mais ou menos sempre melhores. É prioritário. É seguir em frente. Se preciso fazer, vou continuar fazendo, acompanhando os médicos. O pior é o tempo de Eu não sabia (...) / Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu estou resignado (...) Eu não sabia (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu estou resignado (...) / Eu dou um sentido religioso (...) 140 15 16 quatro horas. Pra mim não é uma coisa boa, mas o que eu posso fazer? O meu caminho é esse. / A hemodiálise é uma situação em que a gente aprende a amar mais a Jesus, amar mais o próximo. O médico falou pra mim: “eu vou te internar agora porque você está morrendo”. Aí foi pauleira: hemodiálise! A casa caiu! Realmente tinha acabado tudo. Pirei, pirei legal. Ficou difícil pra mim... Tive sentimentos que ainda não estão catalogados. Foi uma tsunami. Tudo no mesmo instante, o cara pira. Foi horrível! A gente costuma dizer: “tem uma luz no fim do túnel”. No meu caso, não tinha um túnel! Desabei, fiquei totalmente desestabilizado. O médico explicou: “sua vida mudou, ou faz hemodiálise ou vai correr risco de vida”. Eu disse: “já que estou nessa situação, se não tem mais cura, prefiro morrer!”. Antes o sentimento muito forte era de morte. Toda vez que eu fazia hemodiálise era como se eu fosse abusado sexualmente. Aquilo era muito violento! Era como se tivesse arrancando a minha alma. Depois da hemodiálise eu me sentia um lixo. O que eu pensei ali foi que não só os meus rins pararam, mas a minha vida parou. Eu tinha projetos, sonhos... E era muito ativo. Foi muita coisa abandonada. Comecei a maquinar a possibilidade de acabar com a minha vida. / Mas a família é o primeiro remédio, o primeiro despertamento: “vamos tocar a vida! você vai ter que viver! Tem que dar a volta por cima! Viva!”, diziam os membros da minha família. / A hemodiálise é vida me dá condições de tocar a minha vida, me dá a chance de poder sonhar. / Eu quero a cura. Transplante é a troca de doença. Se for para o transplante só saio da máquina, mas vou continuar tendo uma vida toda cheia de restrições, vou continuar tomando remédios. Eu não tenho opção: ou eu faço hemodiálise ou eu faço transplante. Se eu quero viver, eu faço hemodiálise. Hoje existe hemodiálise, há um tempo atrás não tinha. De repente começou. Fiquei internado, dali fui para a hemodiálise. Sinceramente, nem sabia o que significava isso. Nunca tinha ouvido falar. / Depois que eu descobri, fiquei arrasado. Queria até me jogar de uma ponte. / Depois eu fiz acompanhamento psicológico e melhorei. / É meio cansativo e dolorido. Minha vida depende disso agora. Só de levar tudo, é bem bolado, é Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante / Eu faço (...) para ter qualidade de vida / Eu faço (...), mas não espero transplante Eu não sabia (...) / Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu estou resignado (...)/ Eu faço (...) enquanto espero o transplante 141 17 18 19 20 positivo. O negócio é ficar preso... / Não posso fraquejar até fazer meu transplante. Fui internado e depois encaminhado para fazer hemodiálise. Na verdade, a gente não tem muita informação: os médicos não passam, se a gente não perguntar... / Senti profunda tristeza. Ficar preso a uma máquina dia sim, dia não, tira todo o seu norte, objetivo, realizações, coisas a fazer na sua vida. / No início foi pauleira, foi brabo. Com o tempo fui buscando uma conformação de aceitar o tratamento, não se deixar levar, entregar os pontos. É uma fase, tem condições de melhorar e já melhorou. Não venho com alegria, seria masoquismo... Venho com a consciência de que tem que fazer. Tem a conformidade de que futuramente vou poder ficar bem melhor. No começo ficava muito chateado. Um cara que era completamente ativo, ter que ficar como um objeto. No começo ficava: “meu Deus, por que isso aconteceu comigo?” / Não adianta se desesperar. Fazer o quê? Não adianta, tem que se acostumar. Mais isso é da vida mesmo. Se é meu, eu tenho que abarcar e levar até o fim. Aprendi a conviver com a hemodiálise. / Ter que depender dos outros aborrece. Nunca tive dependência de nada, de repente ficar dependente de tudo... / Ter a família ao lado é uma coisa que ajuda muito. É muito importante mesmo! O apoio moral e o companheirismo é muito positivo. Tem muitas pessoas, vizinhos, que sempre ajudam. Logo no início pensei em desistir, tive problemas: tonteira, acabava a hemodiálise eu caía, botava a comida pra fora... / Diante da insistência da minha família, “não pára, sem isso você não vai sobreviver”. Aí eu mudei de opinião. / Para mim a hemodiálise significa viver. Só isso. Sem ela já teria morrido, sem ela nada feito. Quando eu comecei fazer hemodiálise eu fiquei muito pensativo, triste pelos cantos... / Acontece que a hemodiálise me prejudicou muito. De repente eu passo mal e tem que parar a máquina. O meu problema agora é a máquina. Parei mais em casa, quase não saio. São umas dores nas pernas, uma falta de ar... Pra mim hemodiálise é manter a vida: se não fizer, vai morrer. / Eu não sabia (...) / Eu já sofri (...) / Eu estou resignado Eu já sofri / Eu estou resignado (...) / Eu sofro (...) / O apoio dos outros é importante (...) Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu estou resignado (...) Eu já sofri (...) / Eu sofro (...) / O apoio dos outros é importante (...) 142 21 Às vezes dá vontade de desistir, mas eu não posso pensar sobre mim, tenho que pensar na minha família. A minha família me dá muita força. O negócio é o seguinte: mesmo doente, eu vejo os parentes, converso, abraço...Tá doente, mas tá com vida! Enfim, é bom ter vida. Depois que fui internado comecei a fazer hemodiálise. Não sabia de nada. Me mandaram vir fazer e eu vim. Naquele impacto eu fiquei fria, não tive reação. Tive curiosidade pra saber como é que era. Eu não tinha conhecido ninguém que tinha feito hemodiálise, não ouvia falar sobre isso. / O médico falou que ia botar o catéter e depois uma fístula. Falou de várias restrições, que eu não poderia comer tudo que eu tinha no quintal, ter a obrigação de vir toda semana ao hospital... Me deu uma tristeza muito grande. Muitas vezes pensei em desistir, mas só no começo. Quando eu pensava que alguém ia ficar cinco horas me esperando, deixando o que estava fazendo, eu pensava em desistir. O apoio de alguém pra falar alguma coisa eu não tive não. Uma palavra que me desse ânimo... Nem de fora nem dentro da família./ Eu procuro nem pensar. Sinceramente... É melhor não pensar senão eu entro em pânico. Nunca pensei nisso pra mim, não. É uma coisa ruim, muito ruim. Eu era uma pessoa muito ativa, cuidava da família, cuidava de tudo, de repente, fiquei totalmente dependente. Um dia tô bem, outro dia tô mal. / Nada acontece sem a permissão de Deus, tudo tem objetivo. Acho que a doença e a hemodiálise são uma grande prova. O ouro pra ficar bonito tem que passar pelo fogo, tem que ser refinado. Pra alguma coisa vai servir... Um exemplo pras pessoas que estão passando por problemas, às vezes até piores. Pra formação dos meus netos, pra não desanimarem diante das dificuldades, tocarem a vida pra frente, estudarem. Deus está me usando pra edificar a eles. E os pais deles também, o meu esposo. A minha doença uniu mais a minha família. Eles estão sempre lá em casa, passaram a ajudar mais uns aos outros. Foi um ganho./ Estou nas mãos de Deus: na hora que ele decidir que acabou, acabou. De repente, ele põe um transplante no meu caminho. Mas eu não fico contando com isso não. Conheci pessoas que fizeram transplante e tiveram que fazer de novo hemodiálise. Já pensou? Você com um rim novo e ter que voltar a fazer Eu não sabia (...) / Eu já sofri (...) / Eu sofro (...) / Eu dou um sentido religioso / Eu faço (...), mas não espero o transplante 143 22 23 24 hemodiálise? Eu não queria fazer. Mas eu tive que escolher: fazer ou morrer! Fiquei triste pra burro! Hemodiálise é para o resto da vida, não tem jeito não. Ninguém gosta de fazer isso, mas fazer o quê? No começo eu relutei um pouco, mas depois resolvi fazer. Se não fosse a minha família, eu teria desistido a muito tempo, feito uma merda. / Pra mim a importância é que seu eu não fizesse eu teria morrido. Fico triste porque eu nunca pensei que fosse acontecer comigo. Não posso sair de casa mais, viajar... Sempre trabalhei muito, fazia exercícios... Eu não fiquei revoltado. Tudo aconteceu no seu devido momento. Procuro tirar lições das situações que estão acontecendo. Eu não permito entrar em depressão. / A hemodiálise é minha vida. Enquanto não chegar um órgão compatível é minha vida. / Tem dia que eu não estou a fim de vir, mas minha família fala: ‘porque você não vai?”. / Depois que eu comecei a fazer hemodiálise a minha qualidade de vida melhorou. Tenho mais disposição, passo menos mal, estou mais tolerante, motivada...Por quê eu vou me revoltar se a hemodiálise só me traz benefícios? / O que me aborrece é o fato deixarem das pessoas deixarem de trabalhar e estudar pra me trazerem aqui. Não quero prejudicar ninguém... Na hora que soube que precisaria fazer pensei até em me matar. O pessoal faz um bicho de sete cabeças sobre a hemodiálise, te bota medo. Quando eu fiz a primeira vez fiquei arrasado, pensando até em não fazer mais. / Mas depois eu peguei as enfermeiras falando: “calma, daqui a pouco isso aqui vira uma família. Na semana seguinte já estava mais conformado. Saí daquela fase de fraqueza. / A gente tem um fardo pra carregar. Tem uns que são mais pesados, outros que são mais leves. A minha foi a hemodiálise. É pra ver até onde o espírito agüenta. / Depois que comecei a fazer...puxa! Uma maravilha! Minha qualidade de vida mudou 100%. Pra mim hemodiálise significa vida, viver de novo. Quem me conhecia antes e me conhece agora sabe que eu estava morto. / É a única maneira de sobrevivência que tem. Tem que se habituar a ela. Eu sou um privilegiado porque tem muita gente que não consegue lugar pra fazer Eu já sofri (...) / Eu estou resignado (...) / Eu sofro Eu estou resignado (...) / Eu faço (...) enquanto espero o transplante / O apoio dos outros é importante (...) / Eu faço (...) para ter qualidade de vida / Eu sofro (...) Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu dou um sentido religioso (...) / Eu faço (...) para ter qualidade de vida / Eu estou resignado (...) 144 25 26 27 hemodiálise. Quando soube que ia precisar fazer hemodiálise meu mundo acabou, entrei em depressão, tomei remédios de tarja preta... Mas durou só um mês. Não dormia, só chorava, não queria sair. Quando eu entrei aqui e vi essa máquina entrei em desespero! Chorei muito, como se fosse uma criança. Pensei: “Ah, meu Deus! Não vou agüentar, eu vou morrer!”. / Hoje eu tenho noção de que se eu não fizer eu morro. Depois que eu comecei eu nunca mais parei. Pra mim é um meio de vida. É tentar sobreviver. Quando soube que ia precisar da hemodiálise fiquei transtornado. Sofri muito, chorei muito, fiquei psicologicamente arrasado. De imediato você pensa que vai morrer. Depois você culpa a Deus: “fulano fez o diabo e está com saúde enquanto eu... Será que Deus virou as costas pra mim?”. / A hemodiálise é uma coisa ruim. Está fora do contexto de uma vida normal. / Mas tem alternativa? A gente tem que usar aquilo que for melhor para o organismo. Tem que ser valorizada como você valoriza a vida. Enquanto o organismo aceitar, você vai bem. Quando eu saio daqui eu nem lembro que estou doente. Ser humano é ser humano. As coisas acontecem em nosso organismo por que tem que acontecer. Não tem que contestar a natureza. Tem que aceitar, se tratar e deixar correr. Contra a natureza ninguém consegue lutar. Se você se desesperar é pior ainda. / Acho importante o apoio das pessoas, o carinho, a dedicação, te tratar como se você tivesse saúde, fazer as coisas de boa vontade./ Você tem que passar por doenças para se purificar. Doenças e sofrimento... Jesus não passou? Tem pessoas que parecem que são escolhidas. Eu acredito que fui escolhido por Deus. Tem também as conseqüências da vida: excesso de gorduras, açúcar, álcool... Mas Deus escolhe o cara para saber se ele é um ser humano de bom coração. Veio a junta médica e disse que os meus rins tinham parado. Pensei: “vou morrer!”, que era o fim. Não sabia sobre o tratamento. Fiquei apavorada. / Sofri muito. Fiquei pensando: “por que aconteceu comigo?”. / No começo eu não queria vir, mas vinha. Se eu reclamava de ir para a hemodiálise, meus familiares diziam: “não reclama... Graças a Deus existe essa máquina”. / Eu já sofri (...) / Eu estou resignado (...) Eu já sofri (...) / Eu sofro (...) / Eu estou resignado (...)/ O apoio dos outros é importante (...) / Eu dou um sentido religioso (...) Eu não sabia (...) / Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu faço (...) para ter qualidade de vida / Eu faço (...) mas não espero o transplante 145 28 29 30 A hemodiálise existe para fazer a função dos meus rins. É muito ruim ficar intoxicada. É qualidade de vida. Como é que eu ia ficar intoxicada, vomitando? Às vezes eu conto os dias pra vir pra cá. / Eu tenho até medo de fazer transplante e ficar pior. Desmaiei em casa, fui ao posto e a médica descobriu que estava perdendo os rins. Explicaram que eu tinha que entrar na sala de hemodiálise. Falei que não sabia o que era isso. Ele me falou que era pra filtrar o sangue. / Foi muito triste. Entendi, mas não aceitei. Foi muito difícil. Não estava acostumado, não estava aceitando de jeito nenhum. / Pra mim a hemodiálise não tem importância nenhuma. É uma coisa horrível. Faço por que sou obrigada. Aqui você fica preso. Sai de casa de manhã e volta à noite. Perde o dia todo. / Transplantado é outra vida. / Não tem como desistir. Tenho que viver para poder criar meus filhos. Acabou acontecendo de fazer hemodiálise. Eu fiquei com medo danado de fazer. Eu achava que quando eu visse o sangue passando eu ia morrer. Tinha dia que eu entrava aqui e ficava segurando nas paredes, entrava de cadeira de rodas. Eu chorava demais, não podia entrar aqui. Isso durou um bom tempo. Pensei em desistir. / Um dia o psicólogo conversou comigo. Falava que tudo faziam comigo era só para melhorar. Aí eu fui me acostumando. / Eu não sabia de nada. Pesquisei na internet e descobri o que era, como era feito. Meu rim não filtra mais. A hemodiálise é para melhorar. Quando comecei foi uma doideira! Chorei muito, foi muito triste. Voltava pra casa chorando. / No começo não é fácil encarar isso. Mas depois fui vendo que eu tinha que fazer. / Vir para máquina e ficar quatro horas... As pessoas que fazem isso são como extraterrestres. Às vezes eu me sinto como um extraterrestre. Tenho milhões de coisa pra fazer e estou aqui... Dá dor no peito, dor nos joelhos, passo o dia deitado... Aquela massa muscular, aquela vitalidade, eu senti que fui perdendo, por mais que eu faça o tratamento. Eu não sabia (...) / Eu sofri (...) / Eu sofro / Eu faço (...) enquanto espero o transplante / Eu estou resignado (...) Eu já sofri (...) / O apoio dos outros é importante (...) / Eu não sabia (...) Eu já sofri (...) / Estou resignado (...) / Eu sofro (...) 146 2ª QUESTÃO – A SUA RELIGIÃO LHE AJUDA NO ENFRENTAMENTO DA SUA DOENÇA E NO SEU TRATAMENTO? SUJEITOS EXPRESSÕES-CHAVES 01 02 03 Leio a Bíblia, oro de vez em quando. Acredito com certeza que Deus me ajuda muito. Quando estou triste converso com ele e as coisas vão melhorando. / Eu acredito que, apesar do meu caso ser complicado, um dia vou ser curado. Tem que acreditar, né? / Estou sempre tomando os meus remédios, sempre quando passo mal venho pra cá. Na minha igreja falaram que a gente sempre tem que estar no médico, que apesar de Deus curar, que tem os profissionais que estão aqui o tempo todo... Falavam pra Deus abençoar os profissionais que estão com a gente. Nunca me falaram para deixar o tratamento. Que na hora que eles cuidassem da gente, que Deus tocasse neles. / No hospital os médicos nunca conversaram sobre religião. Busco ajuda nos cultos e nas orações. Não tem mais nada a fazer. Nunca é demais./ Eu tenho uma fé, uma esperança de recuperação... Por quê, sei lá, eu tenho dentro de mim... Onde há fé, há esperança, né? Creio que Deus vai me dar esse presente. / O pessoal da minha igreja me estimula muito. Mexem comigo, fazem aquelas brincadeiras... O pessoal sente falta de mim. Sempre tem um pra comentar: “o que houve?”. O pessoal da igreja é mais ligado do que o pessoal de casa... São coisas que levantam o moral, dão alto astral. / Deus é o médico dos médicos. Os médicos falam, mas é Deus quem opera. Não há contradição alguma, isto é o certo. Espiritualmente é Deus. É o único que pode ser. Mas tem que procurar o médico, né? O médico é segundo plano. / Só me perguntaram qual era a minha religião e acabou, fazendo a ficha para o meu prontuário. Eu peço muito a Deus quando estou desanimada. Aí eu me sinto melhor. Peço a Deus pra me dar força. Aí eu melhoro. Deus é importante quando estou desanimada, com vontade de desistir de tudo. Nos momentos mais difíceis da minha doença eu me apego a Deus. Quando eu estou vindo pra cá, quando estou aqui, eu peço a Deus pra que tudo dê certo. A punção dói, às vezes não conseguem. / Não acredito que nenhuma pessoa tenha o dom de fazer milagres. Eu acredito no milagre, mas tem que ter merecimento. Talvez a minha fé não seja para tanto. Quem IDÉIA CENTRAL As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura divina (...) / Eu concilio (...) / Eu quase não converso (...) As minhas crenças ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) / Eu quase não converso (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) 147 sabe um dia eu consigo? / O padre foi lá em casa uma vez. Foi importante pra mim. Quando eu vou à igreja, ele me abraça e diz: “estou lhe devendo uma visita, né?”. Tem uma senhora da eucaristia que também é muito legal, sempre liga para saber como eu estou. / Peço que Deus guie as mãos dos médicos para que corra tudo bem. 04 Deus significa a minha vida, o meu alicerce. Sem Deus eu não conseguiria passar o que eu passo. Deus é uma força na minha vida. Os ensinamentos da minha religião me dão sabedoria para enfrentar as adversidades. Ajuda a ter mais entendimento do que você tá passando e a ter uma vida mais feliz. / Tem ministro na igreja: quando você quiser conversar, receber alguma orientação, eles estão lá disponíveis. Se eu estiver mal em casa, quando eu estive internada, se eu não puder ir à igreja, eles vão à minha casa./ Na minha religião há vários casos de cura. Já passei por várias situações de risco de vida e Deus esteve ali para me ajudar através das pessoas, dos médicos, da família, nos momentos críticos pra me dar vida/ É importante não se opor ao tratamento. É necessário que se faça. Não fico revoltada. A minha religião não me proíbe de tomar medicamentos, de nada. A minha religião fala muito de agricultura natural, alimento sem agrotóxico. A gente acredita que esses alimentos contribuem para a cura das doenças. A gente acredita que tem que haver a limpeza do espírito e a limpeza da matéria, um equilíbrio entre os dois. Não adianta querer limpar uma coisa e não limpar a outra. A gente procura não ficar bitolado na religião. A ciência está aí para contribuir. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu concilio (...) 05 Toda tarde eu ouço a oração da Nossa Senhora. Isso ajuda a ir em frente. Eu fico alegre. Deus me ajuda muito. Se não fosse ele... Minha fé me ajuda na situação em que estou agora, na doença. Não entro em desespero porque creio em Deus. Nos momentos mais difíceis da minha doença eu busco a Deus em pensamento./ Eu peço pela cura a Nossa Senhora Aparecida. Todo dia eu peço. Mas não fico preocupado com o tempo. O tempo que precisar eu fico fazendo hemodiálise. Quando vier o transplante, veio./ De vez em quando as pessoas da minha igreja vão lá a casa, conversam, explicando que a hemodiálise é boa pra saúde. Também vão se eu tiver necessidade de cesta básica. Eles As minhas crenças ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu quase não converso (...) 148 06 falam que se precisar de remédio de qualquer coisa, eles ajudam. Isso ajuda, deixa mais tranqüilo. Falam: “não se entregue, não desanime”. Pra não ficar com maus pensamentos. Falam também que tudo tem sua hora. É uma palavra amiga./ A maioria dos pacientes fala da religião deles e eu falo da minha. Nunca tive essa conversa com profissionais daqui. Quando eu me sinto angustiado eu leio a Bíblia. Também paro para ouvir uns louvores. Eu sinto forças quando estou orando. Louvando... A gente vai sentindo forças, isso renova as nossas forças. Nas minhas aflições eu sempre clamo a Deus./ A gente pede a cura ao Senhor. A gente tem que acreditar, né? Senão a gente se entrega a doença./ Recebo apoio da minha igreja, eles vão lá a casa conversar, orar, dão sempre uma palavra de conforto. O pastor de vez em quando vai lá a casa. A igreja faz muito passeio, aí eu vou. O ônibus vai cheio, a gente vai conversando... É muito bom./ Eles não se metem com a religião. Nunca puxaram esse assunto. Com os pacientes eu converso. A gente entra na conversa e vai renovando as forças. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu quase não converso (...) 07 Vou à igreja aos domingos, assisto ao pastor, faço oração em casa, peço muito pra ter força e continuar vindo aqui. Relaxo sozinho no quarto: pego a Bíblia e leio, pego uma música e escuto antes de dormir. Eu não conseguia dormir, depois que comecei a ler eu passei a dormir. / Se você não tem saúde você não é nada. Deus te dando saúde é a melhor coisa. Peço a ele pra dar vida aos rins, pra eles fazerem o que eles faziam./ Tem dia de domingo que eu ajudo a distribuir a água ungida e o jornal da igreja... Distrai. A melhor coisa é sair de casa, fingir que não é doente. O renal não é doente, ele só tem um problema renal. Nos passeios da igreja, você se distrai, finge que não é doente. Todo mundo trata você normal, não como uma pessoa doente. Os membros da minha igreja vão lá à casa aos domingos de vez em quando. Falam que não pode desistir da vida e deixar de ir à igreja./ Deus bota a mão para os médicos irem certo. Ele é o médico dos médicos. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) 08 Tive que buscar forças em Deus para continuar. Quando leio a Bíblia, nas atividades da minha paróquia, Deus me dá forças para caminhar e prosseguir no tratamento. Eu não sei quando vou fazer o transplante, tem muita gente esperando... Para não desanimar. Por que se você deixar os problemas da vida te levarem você vai tentar se matar. É As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) 149 09 para levar minha vida./ Tenho buscado a cura por que Deus pode todas as coisas, se for da vontade dele. Não peço a cura todos os dias, mas em alguns momentos. / Pensei em desistir. Aí fui conversar com os cabeças da minha igreja e isso foi abrindo a minha mente. Na igreja tinham pessoas que vinham me visitar. Às vezes eu estava fazendo hemodiálise e eles estavam esperando para me ver na enfermaria. Na minha casa também nunca faltou ninguém. Sempre tinha alguém pra conversar. Levar uma palavra, um texto bíblico, “não desanimes, Deus está contigo”, sempre uma palavra de ânimo./ Peço a Deus a cura também através dos médicos. Na minha igreja falam que a gente que fazer as coisas que o médico manda. Claro! A gente ora todo dia. Pede forças a Deus todo dia. Isso vai acalmando... A gente sente uma paz. Eu sinto muita paz quando estou na igreja. É mais na igreja, mas sinto em toda parte, em todos os momentos da nossa vida Deus nos acompanha. Na hora em que a gente tá deitada, doente, a gente grita logo por Deus. Só acalma mais, melhora... / Busco a cura pela oração todos os dias. Na minha igreja falam pra esperar em Deus a cura e ter fé. O milagre acontece todos os dias. É só uma questão de tempo./ Na igreja a gente conversa muito e isso vai dando motivação. Todos eles me apóiam muito, me dão forças. Eles vão lá a casa também pra fazer oração, o meu pastor... Marcam reunião lá. / Tem os médicos, sem eles a gente não melhora. Eles são fundamentais. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) 10 Depois que comecei a fazer hemodiálise estou mais religioso. Tem que buscar, senão não dá em nada. / Se a gente pensar legal, Jesus sofreu pra caramba... E Jesus é Deus! Jesus é um exemplo de vida para mim. Me conforta mais. O cara queria o bem pra todo mundo e ainda foi crucificado. Quando eu penso na minha situação... Quem sou eu pra questionar isso? Por que a gente não pode sofrer um pouco também? Faz parte da vida. Acho que cada um tem que carregar a sua cruz./ Nunca conversei com a equipe de saúde sobre isso. Há muito tempo uma enfermeira perguntou qual era a minha religião para preencher um questionário. Eu fiquei mais religioso (...) / As minhas crenças me ajudam (...) / Eu quase não converso (...) 11 O que me dá forças pra enfrentar a doença é Deus. Nada As minhas crenças mais. Tem hora que eu penso que uma oração faz mais me ajudam (...) / efeito que o próprio remédio. Eu já tenho isso comigo que Eu acredito na 150 12 a fé em Deus e a oração feita com fé trazem um efeito superior a qualquer medicamento. Em casa, quando alguém vem perto de mim para orar, eu sinto uma melhora muito grande. Aquela angústia, aquela dor, não foi o remédio... Daquela hora em diante passo a me sentir melhor, dormir melhor. Nos momentos mais difíceis, primeiro falo com Deus e ligo pra igreja. Depois pego os remédios./ Deus deu a alguns pastores a unção da cura. Eu peço a Deus todos os dias a cura. Deus levou consigo todas as nossas enfermidades e todas as nossas dores. / A igreja que eu freqüento tem me dado um apoio muito bom. O pastor teve lá em casa. Ele ligou lá pra casa e perguntou: “posso ir aí agora?”. / O médico não é médico por que ele estudou, mas porque Deus o constituiu para ser médico. Deus constitui os médicos para cuidar das pessoas. Tudo o que o médico faz, faz porque Deus quis na esperança de um tratamento que, junto com a fé em Deus, possa trazer cura. Deus é o médico dos médicos; sem ele, médico nenhum teria sucesso. / Aqui nunca foi feito nenhum comentário sobre religião. Gostei de um gesto que um médico fez. Falei que Deus estava em minha vida, aí ele falou em Deus. Eu achei isso muito importante. cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) / Eu quase não converso (...) É Deus que me dá toda força. Eu sempre peço forças a ele. Se não fosse ele, eu não agüentaria. Ele faz tudo, se não fosse ele, eu não estaria aqui na terra. Eu fico angustiada. Eu não posso ficar contra Deus: se eu estou aqui é por causa dele. Às vezes estou sentindo mal-estar, ele me melhora. Peço ajuda a ele: “Senhor, me abençoa, sou sua filha!”. Peço a ele saúde. Eu rezo sozinha, pego a Bíblia e leio uns capítulos. Quando eu estou meio pra baixo, pego a Bíblia e leio. Não é uma coisa que vai me curar, mas me alivia. / Eu tenho pedido a libertação dessa doença. Deus pode fazer um milagre, ele pode operar na gente./ O pessoal da igreja vai a minha casa, o padre já foi já foi lá em casa rezar... Eles dizem: “estamos rezando por você! Qualquer coisa que precisar, o padre vai!”. Eles são muito legais. O padre fala pras pessoas irem às casas rezarem pela cura de quem está doente. Todo mês vão na minha casa. / Na minha igreja dizem que a gente não pode abandonar o tratamento. E também pra gente não perder a fé e estar sempre pedindo a Deus o que a gente quer. Primeiro eu falo com os médicos, depois eu busco a Deus./ No hospital já fizeram muitas perguntas uma vez. Faz muito tempo. As crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) / Eu quase não converso (...) 151 13 14 15 Sempre rezo, escuto uma oração. Peço a Deus pra me dar força, coragem e saúde... O restante a gente resolve. Eu rezo e é aí que eu encontro forças pra seguir meu tratamento. Peço a Deus força pra chegar aqui e voltar pra casa. Como Deus me ajuda! Até dormindo... A gente acorda ruim e pensa: “eu não vou, não”. Mas Deus me dá forças e eu penso: “vou sim”. Eu agradeço a Deus por tudo que ele fez comigo... O único culpado de tudo isso foi eu mesmo. / Às vezes o meu irmão vai lá a casa e faz uma oração. Nunca é demais. Quando estive internado, vieram orar, eu aceitei. As palavras me dão forças, são sempre bemvindas./ Pra mim, Deus está no que eu estou fazendo aqui. Quando eu entro e saio do hospital eu penso em Deus. Busco em Deus força e coragem. Depois procuro os médicos. Deus está em primeiro lugar em tudo. O que mais me fortalece para enfrentar a doença é acreditar em Jesus. Nos momentos difíceis da doença, ele está sempre comigo. Assim como Jesus veio ao mundo e sofreu por nós, nós temos que sofrer também. Só que a gente sofre um pouquinho que ele sofreu também. Me sinto confortado. Se eu ficar mal-humorado, xingando todo mundo, sem comer ou beber direito... Não é assim o caminho. / Peço a cura todo dia. Peço que Deus dê essa alegria a minha família./ Peço a Deus para suavizar meu sofrimento. Em segundo lugar, as mãos dos médicos. Que Deus esteja sempre na frente. A minha fé tem sido fundamental pra enfrentar a doença, É justamente essa fé que me aponta para um final feliz, uma saída pra essa situação. Eu poderia estar com um pensamento totalmente contrário, com certa revolta. Você pára e pensa: “por que comigo?”. Freqüento as reuniões e estudo as Escrituras. Esse estudo é fundamental, elas mantêm a esperança. A música religiosa também ajuda, procura estar sempre ouvindo. Ajuda a manter acesa esta expectativa positiva, não me deixa desviar o foco./ Pra mim, Deus tem o poder de restaurar a saúde do ser humano. Se não é via comida e remédio, só pode ser milagre. Hoje eu acredito que o meu tempo aqui está contado. Por que eu acredito em um milagre. E ele está muito próximo. É a fé. Se eu creio então é “show de bola”, a coisa vai funcionar./ O envolvimento com a reunião, o contato com as pessoas é estimulador. As pessoas da minha igreja estão sempre As crenças me ajudam (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) As crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu concilio (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) 152 16 17 18 ligando pra mim, vão me visitar, mostram uma preocupação, um interesse em saber como eu estou, como está esse tratamento, se estou vivo. / A Bíblia diz sobre o que faz bem e o que faz mal. Diz que é preciso ter uma vida regrada. A ciência e a medicina vêm de Deus. Existe uma luta entre o bem e o mal também na ciência. É a luta da humanidade pelo bem. Percebe que a doença é uma coisa do mal e começa a trabalhar essa questão, busca uma solução para isso. É uma pesquisa incessante, usa de todas as ferramentas que forem possíveis. Vejo os médicos como agentes de Deus, como anjos, que estão lutando contra esse mal. Acredito na intervenção de Deus, no poder dele. Se ele não ajudar quem vai ajudar? Ninguém! Ele me ajuda me dando sabedoria, paciência, conhecimento... Conhecer as coisas dele. Peço a Deus todo dia pra ele restaurar meu rim e me dar sabedoria pra poder suportar tudo isso. / Na hora do sofrimento ligado á saúde eu procuro em primeiro lugar ajuda na minha religião. Vou à igreja, oro. Desde que eu fiquei doente eu passei a orar e ir às missas. Agora estou até lendo a Bíblia demais. / O pessoal da paróquia vai lá a casa, reza o terço, fazia culto... É bom pra mim. / O médico é uma coisa, o padre é outra. Geralmente o médico é ateu. Cada um tem o seu pensamento. Mas o padre não vai se meter com médico e o médico se meter com o padre. Não misturo as coisas. Deus me dá condições para enfrentar a doença, mas tenho que me esforçar. Não sei como... Eu não consigo quantificar, é um sentimento. Eu sinto que ele me ajuda e não tenho a menor dúvida. / Tenho a fé de que um dia vou melhorar. / Os amigos adeptos de várias religiões fizeram orações, preces, visitas. Alguns me visitaram em casa, outros me encontraram em outros ambientes, outros me telefonaram. Isso me ajudou muito. Outras pessoas me visitaram na enfermaria oferecendo orações. Me perguntaram se teria algum problema fazer uma oração. Uma reza... Diversas religiões. Falei: “fiquem à vontade, por favor”./ A maioria das pessoas que me abordam tão mais preocupadas com a minha doença do que com um assunto mais pessoal. / Obviamente que eu vou procurar ajuda nos profissionais que tratam da patologia. Mas buscar a Deus é sempre. Não são coisas mutuamente excludentes. Acredito que Deus sempre dá um conforto espiritual, um tipo de paz. É muito importante. Pra conviver com tudo isso, é preciso ter muita paz. Se não você não agüenta, não. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu fiquei mais religioso (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu quase não converso (...) / Eu concilio (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu concilio (...) 153 / O padre dá orientação pra gente se cuidar. Eu não sou desses caras que ficam buscando cura, não. Se Deus me libertar dessa doença, tudo bem; se não, tenho que levar até o fim. Quando eu vinha pra cá eu não andava. Os médicos ajudaram, mas se não for a ajuda de Deus a gente não vence de jeito nenhum. 19 20 É Deus quem me dá forças pra sobreviver. Termino a hemodiálise e agradeço a proteção dele; quando chego a casa também. Essa fé que eu tenho é que me fortalece. Eu tenho essa concepção: nada é por acaso. Muita gente diz: “Deus não me ajuda”. Não! A gente tem que entender que muita coisa acontece por nossa causa. A gente não sabe o que fez na vida passada.. Tudo tem um merecimento. / A cura não existe, a não ser que eu faça um transplante. A fé de curar eu não tenho não. Até porque eu não tenho um exemplo de que aconteceu isso. / Na minha concepção é o seguinte: temos o lado espiritual e o lado material. O médico não tem nada com o lado espiritual. Ele cuida do corpo. Aí é evidente que não vai ter conflito. Eu até questiono as Testemunhas de Jeová que dizem não poder fazer transfusão de sangue. Isso é coisa material do ser humano. Tenho consciência que os médicos estão aí para me ajudar... Estou sempre pedindo a Deus que oriente os médicos. Senão dá um nó na cabeça da pessoa... Agradeço a Deus porque ele deu inteligência aos médicos pra cuidar de mim. Eu oro todos os dias antes de dormir por Senhor Jesus Cristo me ajudar a vencer os obstáculos. Deus me ajuda muito nas coisas que eu preciso e não tenho condições de obter. Eu penso muito em Deus, só ele pode resolver certas coisas. No caso de doença, se o homem não tá conseguindo resolver, só Deus mesmo./ Se você vai pedir alguma coisa a Deus e está difícil, você pede a Deus pra conseguir. Mas doença é outra coisa. Se você vai comer coisas gordurosas, você vai ter problema nas articulações... Então tem que evitar comer gordura, se não evitar vai ter problema. Na minha igreja falam que você tem que continuar orar até ser atendido, mas nunca ouvi falar de ter que parar o tratamento. Nos momentos mais difíceis eu procuro os médicos porque eles são as pessoas ideais para o meu problema. Religião é uma coisa totalmente diferente. Nem tudo você pode dizer que Deus vai resolver. A maioria dos problemas os médicos resolvem. Você pode pede que o Senhor Jesus esteja presente, os médicos vão fazer aquilo que ele determinar na As minhas crenças ajudam (...) / Eu não acredito na cura (...) / Eu concilio (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu concilio (...) / Eu não acredito na cura (...) 154 mente deles, aí você pede pra tudo correr bem. Tem médico que tem umas religiões bem diferentes de outros... Já aconteceu de descobrir que o médico era ateu. O ateu não acredita em nada, só acredita nele mesmo. Então não adianta pedir./ Existe a realidade: eu não vou ficar bom nunca. Mesmo assim eu peço que o Senhor Jesus Cristo me dê uma vida melhor. Eu sinto muita dor no peito, falta de ar... Eu acredito que possa melhorar. 21 Se eu estou sofrendo hoje, amanhã será diferente. Minha fé é que Deus está sempre agindo, sempre olhando por mim, não me deixa sozinho. Às vezes sinto um vazio, um pânico... É como um vento que dá e passa. Estou me agarrando as minhas orações. Isso melhora. Às vezes não tenho o que pensar aqui, aí eu fico orando e, de repente, o tempo passa. Oro pra encher a cabeça. / A última vez que eu pensei em desistir da hemodiálise foi em cima de uma maca. Eu comecei a me lembrar da minha infância, senti que tinha que voltar as origens e voltei a freqüentar a igreja. Eu faço o terço todo dia, quando deito e quando levanto. Agora eu me sinto mais firme, como se estivesse no caminho em que devo andar./ As pessoas da minha igreja estão sempre me visitando, telefonam, eles me levam pra igreja. Eu fico feliz./ Nunca me perguntaram nem me falaram nada sobre religião. Eu já falei com companheiros de quarto, internada, sempre entre nós. Toda semana ia alguém orar, às vezes no mesmo dia, entrava um e saia outro. Mas aqui na hemodiálise não. Eu gostaria que viesse. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu fiquei mais religioso (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu quase não converso (...) 22 Todo dia eu rezo, todo dia... Eu tenho fé, né? Tem que ter fé. De um jeito ou de outro, Deus sempre ajuda a gente. Às vezes eu estou passando mal, eu peço, Graças a Deus sempre melhorei./ Isso aqui não cura. Nem com médico quanto mais com religião. Pra doenças leves eu acredito, peço a cura. Mas sei que não tem jeito não: enquanto eu viver, tenho que fazer hemodiálise. Eu sou muito devoto de São Jorge e Nossa Senhora Aparecida. As forças que eu tiro é dele dois. Quando eu estou muito angustiado, eu busco um conforto nas orações que eu faço a eles. Quando eu quero eu peço: “ai, meu Deus! O que é que está acontecendo?”. Faço o meu lamento, o meu desabafo e me sinto confortado./ Eu peço pra ficar curada. Se Deus achar que a pessoa deve ser curada, ela vai ser. Se Deus achar que eu devo ser As minhas crenças me ajudam / Eu não acredito na cura (...) 23 As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu recebo apoio (...) / Eu quase não converso (...) 155 24 25 26 curada, eu vou receber um rim para transplantar. Não fico pedindo que isso vai acontecer. Alguém tem que morrer pra eu receber! O que tiver que ser meu vai ser no seu tempo. Cabe a mim me cuidar, levar uma vida melhor, me adaptar a situação que a doença traz. Senão, ela só vai piorar./ Quando eu vou às reuniões eles conversam comigo, estão sempre indo lá em casa dando apoio. É aquele conforto, perguntam se estou precisando de alguma coisa, como estou indo, se preciso de alguém pra fazer alguma coisa, oferecem orações./ Não. Eu sempre escuto algumas enfermeiras que são evangélicas. Quando eu quero, boto um cordão e a pulseira de São Jorge. Ninguém nunca falou nada. Depois que os médicos falaram que não vão me inscrever para o transplante eu passei a crer mais em Deus./ Se não fosse pra Deus me ajudar, ele já tinha me levado. Ele já tinha me tirado a idéia de ir pra frente. No começo eu pedia a ele proteção e força para não fazer nenhuma besteira. Eu não podia fazer besteira porque a minha religião diz que quem se mata é covarde e não tem sossego do outro lado. Hoje busco ajuda na Palavra. / Eu peço muito a cura a ele./ Todo mundo da minha igreja que ficou sabendo dá a maior força. Dizem: “puxa, em vista do que você estava, você está bem melhor!”. Isso vai levantando a gente. Acho que é essencial ter alguém que te apóie./ Se Deus não der a capacidade para os médicos, o que seria? Se Deus não ficasse olhando, o que seria? Continuo com a fé, mas em primeiro lugar os médicos. Na minha igreja só pedem pra você crer em Deus. Que se você crer, ele vai te curar. Mas se o padre falar: “você tá curado”, é claro que eu não vou acreditar. Quem é ele pra falar isso? A importância de Deus na minha vida é a minha vida. Deus me ajuda me dando força pra viver. Se não fosse ele, eu não estaria aqui, né? Na minha saúde é muito importante. Penso mais nele ainda e melhoro logo. / Todo dia eu peço a cura a Deus. Eu acredito que ele vai me dar a cura. Eu estou na fila do transplante. Acredito que vai chegar o mais rápido possível. Enquanto isso eu vou fazendo a hemodiálise tranquilamente. Se não tiver o transplante, acredito que ele vai me dar a cura assim mesmo. / Nunca perguntaram nada sobre religião. Acredito que Deus me ajuda. Ele não lhe da a vida que você não possa suportar. Faço minha hemodiálise sem complicações. Vejo tanta gente com complicações... Às vezes eu rezo, eu oro. / Quando a coisa aperta a gente pensa mais em Deus. Até o cara que não acredita, quando a Eu fiquei mais religioso (...) / As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...)/ Eu recebo apoio (...) / Eu concilio (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...)/ Eu não converso (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu fiquei mais religioso (...) / Eu acredito na 156 coisa aperta ele chama o nome de Deus. / cura (...) / Peço a Deus a cura, que ajude aos meus amigos daqui Eu quase não também. Se for da vontade dele me curar, tudo bem. converso (...) Enquanto der eu vou fazendo o tratamento. / De vez em quando a auxiliar de enfermagem conversa comigo. Nunca nenhum médico me perguntou sobre religião, nunca ouvi eles falarem sobre isso aqui. Os enfermeiros sim. 27 28 29 30 Deus tem me sustentado. Deus é fiel, tem que ter fé. Eu sempre peço a ele assim: “se estou passando por isso, não me dê nem mais nem menos, mas na medida certa”. Aí eu suporto. Quando eu estou passando mal eu digo: “Senhor, me ajuda”. Fico confiante e Deus move tudo. Busca ajuda pra enfrentar a doença. Se o Senhor não pode me curar, me ajuda a renovar minhas forças, paz de espírito, paz de coração... Pra não sofrer, não sentir dor./ Peço a cura também./ Se na minha igreja me mandarem parar de fazer o tratamento, eu não paro. Vou pra outra igreja. Se fosse assim, Deus não dava o dom para o homem, para os médicos. Oro e tomo os remedinhos, faço o que deve ser feito. / Tem umas enfermeiras que são evangélicas, a gente conversa... Elas sabem dos meus problemas. Elas têm uma palavra de conforto, de carinho. Mas aqui não falo muito. Infelizmente há muito preconceito. Quando eu vim fazer a minha admissão, o médico perguntou qual era a minha religião e mais nada. Peço muito a Deus e ele vai me dando forças. Dá vontade de desistir e aí eu recupero a vontade de continuar. / Também busco a cura pela oração./ Busquei a religião por causa da doença. Você fica sem saber o que fazer./ Na minha religião orientam a gente a se cuidar, a tomar os remédios direitinho, não largar a hemodiálise... A mesma coisa que os médicos falam. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu concilio (...) / Eu quase não converso (...) Muito! Eu oro todos os dias. Tudo que eu peço, Deus me devolve. Se estou com muita dor ou um problema no catéter, ele me ajuda. Converso muito com Deus para me fortalecer. É muito bom! Faz uma diferença incrível, você não tem noção! Quando estou na pior é a Deus quem eu busco. / Também peço a ele a cura. Deus é quem me dá forças pra enfrentar a doença. Oro e falo com o padre, principalmente depois que comecei a fazer hemodiálise. Deus está me protegendo aeui. As enfermeiras podem errar, isso aqui é muito perigoso. As minhas crenças me ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) As minhas crenças ajudam (...) / Eu acredito na cura (...) / Eu fiquei mais religioso (...) / Eu concilio (...) As minhas crenças me ajudam (...) / Eu concilio (...) 157 Sempre peço pela saúde. Deus ajuda, mas tem que fazer por onde... Deus ajuda quem trabalha. Me consola quando eu penso no que Jesus passou na cruz: qual é o sofrimento maior que este? Ele veio pra isso. Não é que ele merecesse, ele tinha uma missão. Ele não queria sofrer, mas suportou. Penso: “por que está acontecendo isso comigo?”. Olho pra trás, não fiz nada demais. Mas o espiritismo diz que você tem que zerar o que você fez aqui para partir do tempo. / Aqui é uma coisa, lá é outra. Aqui é o corpo; lá é o espírito. Ao vir aqui, Deus está agindo no médico, dando sabedoria, saber qual é o problema que estou tendo e qual é o remédio que eu estou precisando. Tem gente que procura a igreja e não o médico. Quem cura é Deus, mas ele dá sabedoria aos médicos. Peço ajuda a Deus em primeiro lugar, mas não deixo de procurar os médicos. Acho que é uma profissão divina, inigualável. Pessoas que trabalham dedicadas, cuidando do sofrimento dos outros.