7 temas de economia aplicada Experiências Fiscais Contracionistas para Reduzir a Dívida Pública e Acelerar o Crescimento Carlos Antonio Luque (*) Nessim Roberto Zagha (**) Simão David Silber (***) Quando pensamos em reduzir as dívidas é intuitivo pensar em redução de gastos ou aumento de receitas. Ainda que correta para um orçamento familiar ou uma empresa, a intuição é incorreta quando pensamos na economia como um todo. Esta ideia-chave da teoria keynesiana, agora com 80 anos, tem sido criticada por alguns economistas e rejeitada na Europa nas políticas econômicas que seguiram a crise de 2008. A controvérsia empírica começou quando metas fiscais comuns definiram a criação do Euro e as condições de acessibilidade à moeda comum. Um ar tigo de Giavazzi e Pagano (1990) desenvolveu a noção de “contrações fiscais expansionistas”. De acordo com este artigo, as experiências da Dinamarca e da Irlanda nos anos 1980 contradizem a visão keynesiana e demonstram a validade da “visão alemã” de acordo com a qual, através de seu impacto sobre as expectativas, políticas fiscais contracionistas têm o efeito de expandir a demanda agregada, particularmente se o ajuste se fizer através de cortes de gastos. O argumento é que cortes de gastos reduzem as expectativas de tributação futura e, portanto, aumentam os incentivos a inversão. O artigo deixa muitas perguntas sem resposta. Em particular, em economias nas quais as exportações representam uma proporção importante do PIB (nos anos 1980, mais de 30 por cento do PIB no caso da Dinamarca e metade no caso da Irlanda) a forte desvalorização que precedeu o ajuste fiscal estimulou as exportações e esta medida, mais do que o ajuste fiscal e mudança nas expectativas, poderia explicar a expansão da demanda agregada. Por outro lado, é difícil aceitar que em economias com elevado desemprego, baixa utilização da capacidade produtiva os empresários irão investir porque terão que pagar menos impostos no futuro. Apesar desta e de outras conclusões duvidosas, a noção de “contrações fiscais expansionistas” se transformou num conceito importante, justifican- outubro de 2016 8 temas de economia aplicada do as políticas econômicas numa grande variedade de países. Baseados num est udo revendo 51 episódios de contração fiscal em países da OCDE, Alesina e Ardagna (1998) afirmam que, contrariamente à visão keynesiana, contrações fiscais podem ser a causa de expansão da demanda agregada. Este estudo é ampliado em Alesina e Ardagna (2009), um artigo que analisa 107 episódios de ajuste fiscal em 21 países da OCDE no período 1997-2007. O estudo conclui que houve episódios nos quais um ajuste fiscal teve o efeito de expandir a demanda agregada: 26 dos 107 no estudo, ou seja, num número relativamente modesto de casos. Além do mais, a metodologia 1 foi amplamente criticada. Ironicamente, o FMI, normalmente um dos defensores de prudência fiscal, usando dados dos últimos 30 anos, também desenvolveu sua crítica metodológica de “contrações fis- cais expansionistas” e levantou sérias dúvidas sobre sua validade concluindo que os “benefícios potenciais de longo prazo de uma consolidação fiscal devem ser julgados contra o impacto dos seus efeitos negativos sobre o crescimento e o emprego” IMF (2010). Numa conferência sobre as lições da crise organizada pelo FMI em 2013, David Romer conclui que não há evidência que possa sustentar a crença de que contrações fiscais podem expandir a demanda agregada (ROMER, 2012). Estas críticas não impediram a influência do artigo sobre as políticas econômicas dos países europeus. Em abril de 2010, Alesina fez uma apresentação aos Ministros das Finanças da União Europeia e suas conclusões de que cortes de despesa são frequentemente associados a uma retomada do crescimento, ainda que não sustentada pela própria análise, inspiraram as políticas fis- cais dos grandes países europeus. A teoria é de que consumidores e firmas contraem seus gastos em reação a políticas fiscais que consideram insustentáveis. Na pratica, a Tabela 1 mostra que, na maioria dos países europeus, as políticas fiscais contracionistas prolongaram a crise de 2008. Os EUA e o Canadá são os países que mais rapidamente saíram da crise, em parte porque implementaram políticas fiscais expansionistas. O caso da Irlanda é interessante, pois depois de cinco anos de contração do PIB, o crescimento se acelerou particularmente em 2015. Como o relatório do IMF sobre a Irlanda esclarece, o surto no crescimento se deve a empresas multinacionais re-sediadas na Irlanda cujos lucros globais passaram a fazer parte do PIB irlandês, com um efeito mínimo sobre a economia real e o emprego. (IMF, 2016; WALL STREET JOURNAL, 2016) Tabela 1 - Evolução do PIB em Países Desenvolvidos Após a Crise de 2008 BEL CAN UE FRA DEU ISL IRL GRC PRT ITA ESP GBR USA 2008 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 2009 97.7 97.1 95.5 97.1 94.4 95.3 94.4 95.7 97.0 94.5 96.4 95.8 97.2 Fonte: Banco Mundial. outubro de 2016 2010 100.3 100.0 97.5 99.0 98.2 91.9 94.7 90.5 98.9 96.1 96.4 97.3 99.7 2011 102.2 103.2 99.0 101.0 101.8 93.7 97.2 82.2 97.1 96.7 95.5 99.2 101.3 2012 102.3 105.0 98,2 101.2 102.2 94.8 97.3 76.2 93.1 93.9 93.0 100.4 103.5 2013 102.3 107.3 97,9 101.8 102.5 98.5 98.7 73.8 92.1 92.3 91.4 102.5 105.1 2014 103.6 110.0 98.8 102.1 104.2 100.3 103.9 74.2 92.9 92.0 92.7 105.5 107.6 2015 105.1 111.2 103.2 105.9 104.3 112.0 74.1 94.3 92.7 95.6 107.9 110.2 9 temas de economia aplicada Dando prioridade ao ajuste fiscal, em 2014, a União Europeia (UE) não havia retornado ao nível de produção de 2008. O PIB da Itália continua 8 por cento abaixo do nível de 2008 e o PIB de Portugal 7 por cento. Ao mesmo tempo, as dívidas públicas em todos estes países aumentaram em relação ao PIB porque é muito difícil reduzir a dívida pública num contexto recessivo. A maneira “intuitiva” de reduzir a dívida é contraproducente: uma redução de gastos reduz o PIB, reduz a arrecadação de impostos e, talvez o mais importante, ao reduzir o denominador (PIB), eleva a relação dívida/PIB. O FMI simulou um cenário no qual os países europeus altamente endividados primeiro estabilizam e depois reduzem a dívida ao nível de 60 por cento do PIB em 2030, que é a norma dos países da União Monetária Europeia que aderiram no Tratado de Maastrich (IMF, 2013). Neste cenário, os superávits primários requeridos para atingir este objetivo variam entre 4 e 7 por cento do PIB para os países altamente endividados (Irlanda, Itália, Espanha, Portugal e Grécia). Em artigo recente, examinando precedentes históricos no século XX, Eichengreen e Panizza (2014) concluem que é altamente improvável que estes objetivos sejam atingidos. As lições que poderemos tirar de toda a discussão é de não tomarmos por garantido que políticas fiscais expansionistas ou contracionistas possam dar os resultados desejados. Não podemos esquecer que as políticas econômicas não são adequadas ou inadequadas independentemente da situação do país naquele momento. Políticas econômicas adequadas em determinadas situações tornam-se completamente inadequadas em outras. Por outro lado, muito mais importante do que dar os rótulos de políticas econômicas contracionistas ou expansionistas é verificarmos exatamente quais os problemas que se identificam no país e buscar solucioná-los através de ações diretas que efetivamente possam eliminar ou reduzir as distorções. À luz desses argumentos, devemos desconfiar da capacidade de colocar as contas fiscais numa trajetória sustentável na ausência de crescimento econômico. A experiência recente mostra que isso é válido para os países europeus e provavelmente para o Brasil. Eventualmente, é mais provável que a ênfase fiscal das políticas recentes no Brasil, sem muita atenção dada ao crescimento, vai criar uma estagnação que poderá perdurar por uma década. O Brasil já apresentou uma significativa redução de sua capacidade de crescimento econômico nos últimos 30 anos. A preocupação agora é que as atuais estratégias propostas possam comprometer mais essa capacidade. Referências ALESINA, Alberto. Fiscal adjustments: lessons from recent history. Harvard University, April, 2010. ______; ARDAGNA, Silvia. Tales of fiscal adjustment. Economic Policy, v. 13, n. 27, p. 489-585, 1998. ______. Large changes in fiscal policy: taxes versus spending. 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(***) Professor do Departamento de Economia da FEA/USP.