Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - NATUREZA JURÍDICA DOS INCENTIVOS DECORRENTES DOS PROGRAMAS ESTADUAIS DE ESTÍMULO À EMISSÃO DE NOTA FISCAL E SUA ADERÊNCIA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL Autor: Carlos Tadeu de Carvalho Moreira Orientador: Prof. Julio Cesar de Aguiar, PhD Brasília - DF 2014 CARLOS TADEU DE CARVALHO MOREIRA NATUREZA JURÍDICA DOS INCENTIVOS DECORRENTES DOS PROGRAMAS ESTADUAIS DE ESTÍMULO À EMISSÃO DE NOTA FISCAL E SUA ADERÊNCIA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Julio Cesar de Aguia. Brasília 2014 M838n 7,5cm Moreira, Carlos Tadeu de Carvalho. Natureza jurídica dos incentivos decorrentes dos programas estaduais de estímulo à emissão de nota fiscal e sua aderência à Lei de Responsabilidade Fiscal. / Carlos Tadeu de Carvalho Moreira – 2014. 119 f.; il.: 30 cm Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014. Orientação: Prof. Dr. Julio Cesar de Aguiar 1. Direito. 2. Brasil. Lei de responsabilidade fiscal. 3. Nota fiscal. 4. Programas de estímulo. 5. Contribuição de melhoria. I. Aguiar, Julio Cesar de, orient. II. Título. CDU 347.51:336.225.1 Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB AGRADECIMENTOS Agradeço à minha mãe Maria dos Anjos que praticamente sozinha, criou e educou quatro filhos. Agradeço a meus poucos e bons amigos, especialmente Letícia Valentim. Agradeço ainda à Dra. Suzana Borges Viegas de Lima que me ajudou no “abstract”. Meus mais sinceros agradecimentos ao meu orientador Prof. Dr. Julio Cesar de Aguiar, pela infinita paciência na correção desta Dissertação. Sem ele este trabalho não seria possível. RESUMO MOREIRA, Carlos Tadeu de Carvalho. Natureza jurídica dos incentivos decorrentes dos Programas Estaduais de Estímulo à Emissão de Nota Fiscal e sua aderência à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2014. (120 f.). Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito da Universidade Católica de Brasília. UCB, Brasília. 2014. Com esta dissertação, objetiva-se analisar a natureza jurídica dos diversos benefícios atribuídos aos participantes dos programas estaduais de estímulo à emissão de nota fiscal. Também é objetivo o estudo da adequação de tais programas à Lei de Responsabilidade Fiscal, além da descrição e comparação desses mesmos programas estaduais entre si, no que tange ao fundamento legal, modus operandi, dentre outros aspectos. O estudo baseiase em análise bibliográfica e utilização de fontes imediatas de interesse jurídico, como os sites dos programas de estímulo e das secretarias de fazenda. Inicialmente disserta-se descritivamente sobre os diversos programas, indicando a origem e a correlação entre os programas e o processo de educação fiscal. Após essa análise, adentra-se na natureza jurídica dos incentivos dos programas, na Lei de Responsabilidade Fiscal e da imbricação entre esta e os estímulos, para em seguida verificar como os estados e o Distrito Federal vêm tratando o problema. Por fim, é verificado se os programas atendem as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, além do estudo sobre os riscos fiscais dos programas. Palavras-chave: Lei de Responsabilidade Fiscal. Programas de estímulo. Natureza jurídica. Características. Benefícios. Nota fiscal. ABSTRACT MOREIRA, Carlos Tadeu de Carvalho. Legal nature of the incentives stemming state programs to stimulate issue invoice and its adherence to the Fiscal Responsibility Law. With this thesis, we aim to analyze the legal nature of the various benefits given to participants of state programs to stimulate the issue of tax invoices. It also intends to analyze if such programs are coherent with Fiscal Responsibility Law, going beyond the mere description and comparison of the state programs among themselves in regard to the legal basis, modus operandi, among other aspects. The study is based on bibliographic and other sources of interest, such as web sites concerning incentive programs and those of the Secretaries of Finance. Initially our work describes the various programs, indicating the origin and the correlation between education programs and tax process. After this analysis, we enter the study of the legal nature of the incentive programs, the Fiscal Responsibility Law and the overlap between this and the incentives, to then see how the states and the Federal District are addressing the problem. Finally, we verify if the programs meet the requirements of the Fiscal Responsibility Law, in addition to the study of the tax risks involved in the programs. Keywords: Fiscal Responsibility Law - Incentive programs - Legal nature – Characteristics – Benefits - Invoice. LISTA DE TABELAS Tabela 1. Unidade da federação, criação ou não de programa de estímulo e nome do programa.....................................................................................22 Tabela 2. Crescimento do Programa Nota Legal entre os anos de 2010 e 2013 ..................................................................................................................24 Tabela 3. Unidade da federação e modalidade de incentivo.........................26 Tabela 4. Evolução dos beneficiários e do valor dos descontos....................34 Tabela 5. Relação das leis instituidoras dos programas em cada unidade da federação e sua regulamentação.................................................................77 Tabela 6. Previsão de receita do IPTU para os anos de 2013,2014 e 2015...80 Tabela 7. Previsão de receita do IPVA para os anos de 2013,2014 e 2015...80 Tabela 8. Aumento da participação no Programa Nota Legal.....................100 Tabela 9: Aumento da arrecadação do ICMS, já descontada a inflação do período.....................................................................................................100 Tabela 10: Aumento da arrecadação do ISS, já descontada a inflação do período.....................................................................................................101 Tabela 11: Valores da renúncia de receita do IPTU e IPVA........................101 Tabela 12: Alteração dos valores dos prêmios do Programa Minas Legal...102 Tabela 13: Aumento dos usuários cadastrados no Programa Nota Paulista ................................................................................................................104 Tabela 14: aumento da arrecadação do ICMS, já descontada a inflação do período.....................................................................................................104 Tabela 15: Valores dos créditos distribuídos pelo Programa Nota Paulista.104 Tabela 16: Evolução da renúncia de receita do IPVA.................................105 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADI – Ação direta de inconstitucionalidade ARO – Antecipação de Receitas Orçamentárias BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento CD – Compact disc CF – Constituição Federal CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária CPF – Cadastro de Pessoas Físicas CTN – Código Tributário Nacional DF – Distrito Federal DVD - Digital versatile disc ENAT - Encontro de Administradores Tributários ENCAT - Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais ESAF - Escola de Administração Fazendária FMCC - Fator de Multiplicação para o Cálculo do Crédito GET - Grupo de Trabalho Educação Tributária ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA - Lei Orçamentária Anual LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal NF-e – Nota fiscal eletrônica PIB – Produto Interno Bruto PNAFE - Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os Estados Brasileiros PNEF - Programa Nacional de Educação Fiscal PPA - Plano Plurianual RS – Rio Grande do Sul SINPROFAZ – Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional SMS - Short Message Service SP – São Paulo Art. – Artigo SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................12 1 OS PROGRAMAS ESTADUAIS E DISTRITAL DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL. ORIGEM E DESCRIÇÃO DOS PROGRAMAS............................................................................................14 1.1 ORIGEM DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL......................................................................................................14 1.2 OS PROGRAMAS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL NO CONTEXTO DO PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO FISCAL...............18 1.3 DESCRIÇÃO DOS PROGRAMAS ..........................................................21 1.4 O PROGRAMA NOTA PAULISTA DE SÃO PAULO..................................30 1.4.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento.......................30 1.4.2 Incentivos ao participante..........................................................31 1.4.3 Estágio de implantação do programa..........................................32 1.5 O PROGRAMA NOTA LEGAL DO DISTRITO FEDERAL..........................33 1.5.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento.......................33 1.5.2 Incentivos ao participante..........................................................35 1.5.3 Estágio de implantação do programa..........................................35 1.6 O PROGRAMA NOTA FISCAL CIDADÃ DO PARÁ..................................39 1.6.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento.......................39 1.6.2 Incentivos ao participante..........................................................40 1.6.3 Estágio de implantação do programa..........................................40 1.7 O PROGRAMA NOTA FISCAL GAÚCHA DO RIO GRANDE DO SUL.......41 1.7.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento.......................41 1.7.2 Incentivos ao participante..........................................................42 1.7.3 Estágio de implantação do programa..........................................42 1.8 O PROGRAMA TODOS COM A NOTA DE PERNAMBUCO......................42 1.8.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento.......................42 1.8.2 Incentivos ao participante..........................................................44 1.8.3 Estágio de implantação do programa..........................................45 2 A NATUREZA JURÍDICA DOS INCENTIVOS DOS PROGRAMAS ESTADUAIS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL, E A SUA CORRELAÇÃO COM A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL.....................45 2.1 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL...............................................45 2.2 RECEITA PÚBLICA...............................................................................51 2.3 RENÚNCIA DE RECEITA......................................................................53 2.4MODALIDADES DE RENÚNCIA DE RECEITA........................................59 2.4.1 Anistia.......................................................................................59 2.4.2 Remissão...................................................................................60 2.4.3 Isenção......................................................................................62 2.4.4 Subsídio.....................................................................................64 2.4.5 Crédito Presumido.....................................................................65 2.4.6 Redução de alíquota ou modificação da base de cálculo............66 2.4.7 Outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.67 2.5 SOBRE O SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO NATUREZA JURÍDICA..................................................................................................69 2.6 OS DESCONTOS NO IPVA E NO IPTU DERIVADOS DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO TÊM A NATUREZA JURÍDICA DE BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO, CARACTERIZANDO HIPÓTESE DE RENÚNCIA DE RECEITA.....................70 2.7 OS DEMAIS BENEFÍCIOS DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO ENQUANTO DESPESA PÚBLICA................................................................73 2.7.1 Gasto público.............................................................................74 2.7.2 Despesa pública..........................................................................74 2.8 COMO AS UNIDADES DA FEDERAÇÃO TRATAM EM SUA CONTABILIDADE OS BENEFÍCIOS DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO.......79 2.8.1 Renúncia de receita do IPVA e do IPTU.......................................79 2.8.2 Conversão dos créditos em dinheiro, depositado em conta corrente ou caderneta de poupança.....................................................82 2.8.3 Sorteios em Dinheiro.................................................................83 2.8.4 Auxílio em dinheiro a entidades sociais......................................84 2.8.5 Troca de créditos dos programas de estímulo por ingressos de futebol e outros eventos......................................................................85 3 OS PROGRAMAS ESTADUAIS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL E O CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL............................87 3.1 CRITÉRIOS EXIGIDOS PARA A RENÚNCIA DE RECEITA PRODUZIDA PELA REDUÇÃO DO VALOR DO IPVA E DO IPTU NOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL.................................................87 3.2 As demais formas de estímulo configuradoras de despesa pública e a Lei de Responsabilidade Fiscal.........................................................98 3.3 O RISCO FISCAL DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO............................99 CONCLUSÃO E SUGESTÕES..............................................................105 REFERÊNCIAS..................................................................................111 12 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo analisar os programas estaduais de estímulo ao pedido de nota fiscal, questionando-se sobre a natureza jurídica das diversas formas de estímulo, assim como pretende concluir se os programas estão seguindo as diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Para cumprir este objetivo, serão analisados cinco programas específicos, começando pela descrição e comparação desses mesmos programas estaduais entre si, no que tange ao fundamento legal, modus operandi, dentre outros aspectos, para então tentar responder aos seguintes questionamentos, a título de problema de pesquisa: a) Qual a natureza jurídica dos diversos incentivos concedidos pelos programas estaduais de estímulo à emissão de nota fiscal? b) Considerando a sua respectiva natureza jurídica, os referidos incentivos se enquadram ou não nas exigências da LRF? c) Para aqueles que estejam enquadrados, como se pode avaliar o cumprimento das exigências da LRF por parte dos gestores de tais programas (governos estaduais e do Distrito Federal)? Assim, quanto à questão da natureza jurídica, nossa hipótese é que os benefícios concedidos pelos programas podem ser de dois tipos, benefício tributário gerando renúncia de receita ou despesa pública, enquadrando-se, em ambos os casos, na Lei de Responsabilidade Fiscal. No tocante à questão do cumprimento da LRF pelos estados, a análise da natureza jurídica dos incentivos em tais programas mostra-se decisiva para a aferição Responsabilidade do cumprimento Fiscal pelos ou estados, descumprimento pois a depender da da Lei de exata determinação de sua natureza, benefício tributário ou despesa, o estímulo produz renúncia de receita ou despesa pública, alterando radicalmente as exigências contidas na norma para seu estabelecimento segundo as diretrizes legais. 13 O trabalho se divide em três capítulos. No primeiro são analisadas a origem dos programas, suas principais características e estrutura, bem como são descritos os incentivos aos participantes. Ainda neste capítulo são estudados cinco programas eleitos como paradigmas, em relação ao seu fundamento jurídico, estrutura, funcionamento, incentivos ao participante, além do estágio de implantação dos mesmos. O segundo capítulo trata da natureza jurídica dos incentivos dos programas, bem como da correlação das diversas modalidades de incentivo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Partindo das análises realizadas nos capítulos anteriores, no terceiro capítulo é abordada a aderência dos programas à LRF, notadamente quanto ao cumprimento de suas exigências para a regular instituição de renúncia de receita e de despesa pública, sendo também estudado o risco fiscal produzido pelos programas. Em seguida são resumidas as principais conclusões da pesquisa. 14 1 OS PROGRAMAS ESTADUAIS E DISTRITAL DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL. ORIGEM E DESCRIÇÃO DOS PROGRAMAS 1.1 ORIGEM DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL A Constituição de 1988 introduziu importantes mudanças nas relações entre União, estados e municípios, que resultaram numa forte descentralização de gastos e receitas. No que diz respeito ao sistema tributário, a Constituição concedeu aos entes federados autonomia para legislar, controlar os recursos e fixar as alíquotas de impostos, ou seja, competência para instituir e administrar os respectivos tributos. O incremento da autonomia tributária resultou em uma excessiva burocracia, baixa transparência e na impossibilidade de comparação dos dados fiscais dos contribuintes (MATTOS, 2013). Tentando reduzir esta ineficiência, em 19 de dezembro de 2003, foi alterado o artigo 37 da Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional 42, incluindo o inciso XXII, determinando que as administrações tributárias da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. Com o objetivo de atender o disposto na Emenda Constitucional 42, foi realizado em julho de 2004, na cidade de Salvador, o Primeiro Encontro de Administradores Tributários - ENAT, reunindo autoridades das administrações tributárias dos diferentes níveis de governo (BRASIL, 2013a). Dois protocolos de cooperação técnica foram aprovados no ENAT, o Projeto do Cadastro Sincronizado e a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e). O projeto da Nota Fiscal Eletrônica teve como objetivo a substituição da sistemática de emissão de documento fiscal em papel pela implantação de um modelo fiscal eletrônico. Com validade jurídica garantida pela assinatura digital do emitente, seria adotada em todo país, simplificando as obrigações acessórias 15 dos contribuintes e possibilitando o acompanhamento em tempo real pelo fisco das operações comerciais. Dentre os principais objetivos da implementação do programa Nota Fiscal Eletrônica estava, ainda, a melhora na atividade de fiscalização das operações envolvendo o ICMS e o IPI, de forma a diminuir a sonegação desses impostos (MATTOS, 2013). Em 2005 foi iniciada a fase do projeto piloto da NF-e, compreendendo as secretarias da fazenda de Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Maranhão e Santa Catarina, além de diversas empresas de grande porte. No dia 15 de setembro de 2006 foram emitidas as primeiras NF-e com validade tributária nos estados de Goiás e Rio Grande do Sul. Desde então, a Nota Fiscal Eletrônica deixou de ser um projeto piloto e passou a ser um mecanismo de controle fiscal, recebido pelas secretarias de fazenda de vários outros estados (BRASIL, 2012). O Projeto Nota Fiscal Eletrônica foi sendo desenvolvido de forma integrada, pelas secretarias de fazenda dos estados e municípios, e a Receita Federal do Brasil, a partir da assinatura do Protocolo ENAT nº 03, de 27 de agosto de 2005, que atribuiu ao Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (ENCAT) a coordenação e a responsabilidade pelo desenvolvimento e implantação do Projeto NF-e (BRASIL, 2012). Desde então, a cooperação e a integração entre as administrações tributárias estaduais, principalmente no Brasil, que possui forte grau de descentralização fiscal, têm sido temas de estudo e debate (BARBOSA, 1998). Atualmente, as administrações tributárias despendem grandes somas de recursos para captar, tratar, armazenar e disponibilizar informações sobre a emissão de notas fiscais dos contribuintes. Os volumes de transações efetuadas e os montantes de recursos movimentados crescem num ritmo intenso e, na mesma proporção, aumentam os custos inerentes à necessidade do Estado de detectar e prevenir a evasão tributária. Desta forma, a implantação da Nota Fiscal Eletrônica justifica-se pela necessidade de investimento público voltado para a integração do processo de controle 16 fiscal, possibilitando melhor intercâmbio e compartilhamento de informações entre os entes da federação, a redução de custos e entraves burocráticos, facilitando o cumprimento das obrigações tributárias, e fortalecendo a fiscalização tributária (BRASIL, 2012). No bojo da implantação da Nota Fiscal Eletrônica, projeto que alterou profundamente os paradigmas da gestão de informática, surgiram os programas estaduais de estímulo ao pedido de nota fiscal tal qual como hoje conhecidos, tendo como principal objetivo, além da implementação de programas de educação fiscal, elevar a arrecadação em setores de difícil fiscalização como o comércio varejista, e que só tornou-se possível graças ao alto grau de tecnologia da informática associado à implementação da NF-e. Assim, explica-se a inexistência de tais programas em período pretérito, pelo menos nos moldes atuais, pois apenas com o advento dos meios eletrônicos de processamento de documentos fiscais, é que foi possível a introdução deste tipo de projeto (MATTOS, 2013). Para ilustrar a necessidade de um sólido sistema de processamento de informações fiscais, somente o Programa Nota Fiscal Paulista do Estado de São Paulo, processou entre os anos de 2009 e 2014, quase trinta bilhões de documentos fiscais (29.676.749.923), mais de dezesseis milhões de documentos processados por dia (SÃO PAULO, 2014). Um dos primeiros programas implantados, e o mais amplo até o momento, foi o Nota Fiscal Paulista, criado pelo Estado de São Paulo por meio da Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007, seguido por outros estados, cujos programas têm natureza semelhante, em que são oferecidas recompensas de diferentes tipos como forma de incentivo à exigência de documento fiscal por parte dos consumidores na compra de produtos e serviços. Os programas de estímulo podem ser entendidos como um mecanismo de estímulo à cidadania fiscal, ao fornecer incentivos aos cidadãos para exercerem um direito e um dever que de outra forma não exerceriam. Assim, através de um estímulo financeiro, torna o consumidor verdadeiro fiscal tributário, num jogo em que ele ganha através do benefício econômico 17 oferecido pelo programa, e o governo com o aumento da arrecadação (MATTOS, 2013). Justifica-se a criatividade do legislador estadual ao propor tais programas, pois o Brasil é um dos países com as mais elevadas estimativas de evasão fiscal do mundo, atingindo 8,4% do PIB segundo estudo do SINPROFAZ – Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (2014). Várias razões podem ser apontadas para explicar a evasão fiscal brasileira. A primeira causa é a pouca habilidade do sistema tributário para se adaptar às mudanças da economia. O setor de serviços se expandiu, com redução do setor manufatureiro, porém, nas empresas prestadoras de serviços a taxação é mais difícil do que nas manufatureiras (MATTOS, 2013). Evidência neste sentido é fornecida por Mattos (2013) que classifica e analisa os setores difíceis de taxar, dos quais os serviços merecem destaque. O número de transações envolvidas também parece ser determinante para o processo de evasão, eis que profissionais liberais derivam suas rendas de múltiplas transações com clientes e acham fácil esconder suas rendas. Este seria tipicamente o caso do comércio e dos serviços no Brasil. O número de transações é alto, prevalecem os pequenos negócios e não há o hábito da empresa emitir nota fiscal, exceto se o cliente exigir (MATTOS, 2013). Outra causa seria a existência de uma norma social de não cumprimento (non-compliance), consubstanciada em um padrão de comportamento que envolve a não emissão de nota fiscal nas compras e que era julgado da mesma forma por todos envolvidos na transação, portanto, sustentado por uma pretensa aprovação social. Este não cumprimento das obrigações fiscais parece ter se generalizado, fazendo com que a norma social de que os impostos devem ser pagos tenha esmaecido, com a anuência dos consumidores e tomadores de serviço (MATTOS, 2013). Diante da presença de uma norma social de non-compliance, uma alternativa para atacar o problema da evasão fiscal seria, além de reconhecer a importância da ênfase à punição (enforcement), promover mudanças no papel da administração tributária, passando o governo a ser um fornecedor 18 de serviços para os contribuintes. Isto conduziria a um conjunto diferente de políticas, que promoveriam a provisão de serviços à população através, entre outros, de educação dos contribuintes e desenvolvimento de serviços para ajuda destes em cada passo do preenchimento das declarações de impostos, propaganda ampla ligando os impostos com os serviços do Estado, simplificação do pagamento dos impostos, além da promoção de um “código de ética” para os contribuintes, garantindo a estabilidade relativa do sistema fiscal (ALM E MARTINEZ-VAZQUEZ, 2007). Os programas de estímulo ao pedido de nota fiscal, além dos programas de cidadania fiscal, podem também ser encarados desta forma, como uma resposta das autoridades fiscais a uma nova percepção dos contribuintes como clientes que precisam de serviços. Ao invés de agir sobre os vendedores e fornecedores (sobre quem recaem os impostos), agindo sobre os consumidores, torna-os parceiros na fiscalização através não só de incentivos financeiros, mas também de massivas campanhas publicitárias em que são apresentados os benefícios dos programas para os consumidores e a importância dos mesmos para o aumento da arrecadação (MATTOS, 2013). 1.2 OS PROGRAMAS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL NO CONTEXTO DO PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO FISCAL No seminário do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, sobre administração tributária, realizado na cidade de Fortaleza, em maio de 1996, foi inserido o tema Educação Tributária. Nas conclusões constou como item de destaque a introdução do ensino nas escolas, do programa de consciência tributária, sendo fundamental para despertar nos jovens a prática da cidadania, e o respeito ao bem comum (MINAS GERAIS, 2014). No dia 13 de setembro de 1996, celebrou-se o Convênio de Cooperação Técnica entre a União, os estados e o Distrito Federal, tendo como tema central a elaboração e a implementação de um programa nacional permanente de conscientização tributária, para ser desenvolvido nas unidades da Federação. Na mesma época, foi criado o Programa Nacional de 19 Apoio à Administração Fiscal para os Estados Brasileiros – PNAFE, com recursos financeiros oriundos de empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e com a Unidade de Coordenação do Programa – UCP, vinculada à Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. Em seu Regulamento Operativo, aprovado pela Portaria n.º 36, de 3 de fevereiro de 1997, do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, o PNAFE estabeleceu como objetivo geral do programa a melhoraria da eficiência administrativa, a racionalização e a transparência na gestão dos recursos públicos estaduais. Para alcançar esses objetivos, previu o apoio a projetos de modernização fiscal, destinados à elaboração e implementação de um programa nacional permanente de educação tributária, a ser desenvolvido pelos estados (BRASIL, 2014a). Em reunião de 25 de julho de 1997, o CONFAZ aprovou a criação do Grupo de Trabalho Educação Tributária – GET, constituído por representantes do Ministério da Fazenda (Gabinete do Ministro, Secretaria da Receita Federal, Escola de Administração Fazendária – ESAF), das secretarias de fazenda, finanças ou tributação dos estados e do Distrito Federal. A Portaria nº 35, de 27 de fevereiro de 1998, do Ministério da Fazenda, que oficializou o grupo de trabalho, formulou seus objetivos como sendo a promoção e a coordenação das ações necessárias à elaboração e implementação de um programa nacional permanente de educação tributária, além do acompanhamento das atividades do Grupo de Educação Tributária nos estados. Em março de 1999, passam a integrar o grupo, representantes da Secretaria do Tesouro Nacional e do Ministério da Educação (BRASIL, 2014a). Em julho de 1999, tendo em vista a abrangência do programa que não se restringe apenas aos tributos, mas que aborda também as questões da alocação dos recursos públicos e da sua gestão, o CONFAZ aprovou a alteração de sua denominação que passa a ser Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF (MINAS GERAIS, 2010). Um dos principais fatores genéticos dos programas de estímulo ao pedido de nota fiscal foi o advento dos programas de educação fiscal 20 desenvolvidos nos estados, notadamente após a criação do PNEF – Programa Nacional de Educação Fiscal. O PNEF tem por objetivo ampliar a percepção do cidadão sobre a importância social dos tributos e dos orçamentos públicos, ao compartilhar conhecimentos e interagir com a sociedade sobre a origem, aplicação e controle dos recursos públicos, favorecendo a participação social (GONÇALVES, 2013). Constituem ainda objetivos do Programa Nacional de Educação Fiscal promover e institucionalizar a educação fiscal para o pleno exercício da cidadania, sensibilizando o cidadão para o entendimento sobre a função socioeconômica do tributo e a aplicação dos recursos públicos. Suas ações devem ter caráter de educação permanente e, portanto, desvinculadas de campanhas de premiação com finalidade exclusiva de aumento de arrecadação (BRASIL, 2014). No entanto, é grande a quantidade de cidadãos que seguem alheios ao conteúdo pretendido pelo PNEF, até porque este programa não se encontra implementado em todos estados e municípios do Brasil. Ademais, promover uma mudança por intermédio da educação fiscal demanda muito tempo, apesar de seu papel em sensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do tributo. A educação fiscal pode ser definida como a abordagem didáticopedagógica capaz de interpretar as vertentes financeiras da arrecadação e dos gastos públicos de modo a estimular o contribuinte a garantir a arrecadação e o acompanhamento de aplicação dos recursos arrecadados em benefício da sociedade com justiça, transparência, honestidade e eficiência, minimizando o conflito de relação entre o cidadão contribuinte e o estado arrecadador (SILVA, 2012). Uma das maiores preocupações do gestor público, quando da implementação do programa de estímulo ao pedido de nota fiscal, é a de que deve evitar a vinculação de campanhas de premiação ao programa, com a finalidade exclusiva de incrementar a arrecadação, desvinculada dos aspectos educacionais. 21 Os números indicam que os programas parecem estar motivando o comportamento dos cidadãos para que peçam a nota fiscal em suas compras. Os números positivos dos estados indicam isso. Mas isto não implica necessariamente um estímulo à participação socialmente responsável no tocante à cidadania, pois pedir nota fiscal perfaz apenas uma pequena parte do aprendizado sobre a função social do tributo (SILVA, 2012). 1.3 DESCRIÇÃO DOS PROGRAMAS Os programas estaduais de estímulo foram criados com o claro objetivo de incentivar o pedido de emissão de notas fiscais, transformando o consumidor de produtos e serviços em verdadeiro fiscal da fazenda pública estadual e distrital, ao receber inúmeros benefícios, a depender do programa. Tais programas continuam em expansão pelo Brasil. Além do Distrito Federal, dezessete estados adotam programas que incentivam os compradores a pedir a inclusão do número do CPF nas notas fiscais, com o objetivo de incrementar as receitas e combater a sonegação fiscal (BRASIL, 2013). As unidades da federação que criaram programas de incentivo são os Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Sergipe, São Paulo, e o Distrito Federal. Não instituíram nenhum programa de estímulo nove Estados, Acre, Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Roraima, Santa Catarina e Tocantins. Percebe-se que a maioria dos estados instituiu programa que objetiva o estímulo ao pedido de nota fiscal, oferecendo como benefício algum tipo de prêmio, desconto, sorteio, enfim, alguma vantagem individualmente considerada, além de apoio a entidades beneficentes e sociais. 22 Assim, podemos vislumbrar a situação de cada estado da Federação, e do Distrito Federal, quanto à adesão ou não a programas de incentivo, na seguinte tabela: Tabela 1 - Unidade da federação, criação ou não de programa e respectivo nome ESTADO CRIOU PROGRAMA DE NOME DO PROGRAMA ESTÍMULO? Acre Não ** Alagoas Sim Nota Fiscal Alagoana. Amapá Não ** Amazonas Não ** Bahia Sim Sua Nota é um Show. Ceará Sim Sua Nota Vale Dinheiro. Distrito Federal Sim Nota Legal. Espírito Santo Não ** Goiás Sim Nota Show de Bola. Maranhão Sim Viva Nota. Mato Grosso Não ** Mato Grosso do Sul Não ** Minas Gerais Sim Minas Legal. Pará Sim Nota Fiscal Cidadã. Paraíba Sim Cupom Legal. Paraná Sim Nota Fiscal Paranaense. Pernambuco Sim Todos com a Nota. Piauí Sim Sua Nota Bate um Bolão. Rio Grande do Norte Sim Cidadão Nota Dez. Rio Grande do Sul Sim Nota Fiscal Gaúcha. Rio de Janeiro Sim Cupom Mania. Rondônia Sim Nota Legal Rondoniense. Roraima Não ** Santa Catarina Não ** São Paulo Sim Nota Paulista. Sergipe Sim Nota da Gente. Tocantins Não ** Impende notar que programas semelhantes vêm sendo praticados no âmbito municipal, em relação aos contribuintes do ISSQN – Imposto Sobre 23 Serviços de Qualquer Natureza, como é o caso, dentre inúmeros outros, de Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). A ideia básica de tais programas vem se disseminando, até mesmo no âmbito internacional, como é o caso de Portugal, que implementou em nível nacional o chamado “e-factura”, criado pelo Decreto Lei nº 198, de 2012 e que entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 2013, cujo objetivo é a criação de medidas de controle da emissão de faturas (nota fiscal), bem como a criação de um incentivo de natureza fiscal (PORTUGAL, 2013), limitado a duzentos e cinquenta euros anuais, como forma de abatimento do Imposto de Renda devido pela pessoa física ou jurídica inscrita no “e-factura”. Na avaliação dos governos estaduais que criaram esses programas, os ganhos compensam os custos com os benefícios pagos aos contribuintes. À medida que mais compradores pedem a nota fiscal, o comerciante é obrigado a registrar a venda da mercadoria evitando a sonegação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Além disso, o consumidor passa a fiscalizar o comércio ao denunciar casos em que os valores creditados ou a pontuação concedida divergem em relação à nota (BRASIL, 2013a). No caso do Distrito Federal, os contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), além do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), também estão albergados pelo denominado Programa Nota Legal. Os programas de incentivo tornaram-se populares por devolverem, na forma de alguma vantagem individual, como descontos em impostos, dinheiro e sorteios, parte ideal do imposto efetivamente recolhido pelos estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços. Assim, há um estímulo à exigência do documento fiscal. Os benefícios para os participantes variam conforme a unidade da Federação. Alguns governos estaduais transformam os créditos do participante em dinheiro (Alagoas, Distrito Federal e São Paulo), outros oferecem desconto no pagamento de impostos, como o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores no Distrito Federal. Alguns estados 24 sorteiam prêmios em dinheiro (Rio de Janeiro) ou distribuem ingressos para shows e jogos de futebol (Bahia e Pernambuco). Como estímulo, entidades sociais também recebem doações em dinheiro, como no caso de São Paulo. Para ilustrar a popularidade dos programas, vejamos o crescimento do número de pessoas que indicaram ao menos um bem para o uso dos créditos, o abatimento do valor do imposto a pagar e a própria evolução dos descontos concedidos no Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2014b): Tabela 2 – crescimento do Programa Nota Legal entre os anos de 2010 e 2013 IPVA Consumidores que Ano efetuaram a Nº indicação veículos Valor R$ IPTU Nº imóveis 3.098 Valor R$ 110.709,09 Total utilizado 2010 18.295 13.872 350.950,46 461.659,55 2011 106.216 75.290 17.289.536,12 20.245 5.762.509,57 23.052.045,69 2012 256.182 181.394 60.180.450,01 53.378 18.474.675,67 78.655.125,68 2013 330.633 248.819 71.444.863,87 63.543 19.053.872,17 90.498.736,04 Dessa forma, em face do incremento do pedido de nota fiscal, fazendo com que contribuintes do ICMS e do ISSQN recolham efetivamente os impostos, embora não exista cálculo objetivo sobre o incremento de arrecadação derivado dos programas de estímulo, ao que tudo indica, os programas devem estar contribuindo para o aumento na arrecadação do ICMS e do ISSQN. Neste rumo, os resultados divulgados são cada vez mais expressivos (AMORIN, 2011). No Distrito Federal, o número de pessoas que usaram os créditos acumulados para abatimento nos impostos saltou de 18.295 em 2010, para 330.634 em março de 2013 (DISTRITO FEDERAL, 2014b). Porém, conforme já antecipado, não há um estudo mais aprofundado sobre a repercussão de tais programas no aumento da arrecadação dos impostos. Os estados normalmente afirmam que os programas aumentam a arrecadação, embora tal assertiva esteja desacompanhada de comprovação, como no caso de Sergipe, que ao tratar do seu programa Nota Fiscal da Gente afirma: 25 No ano de 2012, o Programa Nota da Gente recepcionou cerca de 91 milhões de documentos fiscais, oriundos de aproximadamente 80.000 consumidores cadastrados, dentre os quais 5.412 foram premiados mediante sorteios. Desta forma, esse estímulo à exigência da Nota Fiscal favoreceu um aumento na receita, além do aperfeiçoamento dos controles, pelo cruzamento de informações (SERGIPE, 2012). Uma das raras análises sobre o possível incremento da arrecadação dos impostos pela existência de programas de estímulos foi realizada por Enlinson Mattos e outros (MATTOS, 2013), que estudaram o aumento de arrecadação do ICMS no Estado de São Paulo, chegando os autores à seguinte conclusão: Considerando a primeira estratégia, os resultados sugerem que o Programa NFP teve efeito limitado sobre a arrecadação de ICMS no Estado de São Paulo. Encontra-se um efeito positivo e significativo entre 5% e 10% na arrecadação do setor terciário em termos reais. Neste painel de Estados, não é encontrada evidência robusta do programa NFP sobre a arrecadação total, nem efeito não linear no tempo. Finalmente, a alteração da data de implementação do Programa de forma aleatória parece não produzir estimações que comprometam o procedimento aqui adotado. [...] Se o aumento de arrecadação do setor terciário em termos reais (100 milhões a 200 milhões) é comparado com nossa estimativa de prêmio concedido, cerca de 170 milhões tem-se um aumento de, no máximo, 30 milhões nesta arrecadação, ou menos de 2% da arrecadação média do setor terciário para São Paulo. Um dos motivos para este pequeno aumento é que é possível que uma boa parcela das NFPs venha de estabelecimentos que já dariam nota fiscal independente do programa. Por outro lado, para o professor da Universidade de Brasília José Matias Pereira, especialista em finanças públicas, políticas como os Programas de Incentivo são sempre benéficas, tanto para o estado quanto para o consumidor. Estimular a pedir nota fiscal é fundamental para o sistema de controle. Indicadores mostram que, quando esse tipo de estímulo é usado, acabam sendo criadas condições para que se aumente a arrecadação. As experiências nos estados, como São Paulo, têm sido bem sucedidas (BRANCO, 2011). Para a análise comparativa do conteúdo dos diversos programas, foram escolhidos cinco programas, tendo como pressuposto a distribuição geográfica dos mesmos pelo país, sendo um da região norte (Pará), outro do 26 nordeste (Pernambuco), outro do sul (Rio Grande do Sul), um da região sudeste (São Paulo) e finalmente um do centro-oeste (Distrito Federal). Mostrou-se também relevante para a escolha dos cinco programas supra indicados, a diversidade de incentivos contidos em cada programa. Vejamos como ocorre a distribuição dos incentivos: Tabela 3 – Unidade da federação e modalidade de incentivo Unidade da Desconto em Crédito em Federação impostos dinheiro Alagoas X X Bahia Ceará D.F. Permuta por Auxílio a ingressos ou Entidades bens Sociais X X X X X X Sorteios X X Goiás X Maranhão X X Minas Gerais X Pará X Paraíba X Paraná X Piauí X Pernambuco X X R.G. do Norte X R. G. do Sul X Rio Janeiro Rondônia X X X X X 27 São Paulo X X Sergipe Total 3 5 6 X X X X 9 10 Percebe-se que o incentivo mais utilizado é o sorteio de dinheiro ou outro bem, seguido da entrega de dinheiro a entidades sociais cadastradas nos diversos programas e pela permuta de notas fiscais por ingressos em jogos de futebol ou eventos culturais. Os estímulos menos adotados são o crédito em dinheiro em conta corrente ou poupança com a utilização por cinco unidades da federação, e o “desconto” em impostos (IPVA e IPTU) utilizado por apenas três programas. Conforme será melhor abordado, a pouca utilização dos descontos de impostos, justifica-se por impactarem diretamente as receitas tributárias das unidades da federação, podendo levar a desequilíbrio orçamentário e eventualmente contrariar as diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Como o objetivo deste estudo não é explorar de forma descritiva os programas de todos os estados e do Distrito Federal, foram escolhidos cinco programas para uma análise mais aprofundada, que cobrem a totalidade dos incentivos propostos pelos programas de estímulo, além de estarem distribuídos geograficamente por todas as regiões do Brasil. A facilidade de acesso aos dados contábeis também foi um fator preponderante na escolha destes programas, pois em muitos estados o acesso aos dados é tormentoso, senão impossível. Assim, foi escolhido o Estado do Pará e seu programa Nota Fiscal Cidadã, que oferece como estímulo ao participante sorteio em dinheiro, ao contrário do outro escolhido, o Programa Nota Legal do Distrito Federal, cujos incentivos são descontos no pagamento do IPVA e no IPTU, além de créditos em dinheiro depositados em conta corrente ou poupança indicada pelo participante. 28 Por seu turno, o terceiro programa, denominado Todos com a Nota, do Estado de Pernambuco, troca notas fiscais por ingressos de jogos de futebol, assim como aporta recursos a entidades sociais previamente cadastradas. Já o Nota Fiscal Gaúcha, do Rio Grande do Sul, oferece como incentivo sorteios em dinheiro e apoio financeiro a entidades sociais. Por derradeiro, o Programa Nota Paulista, do Estado de São Paulo oferece todos os incentivos, exceto a troca de notas por ingressos de futebol. Para tornar o processo mais transparente, quase todas as secretarias de fazenda dos estados e do Distrito Federal mantêm portal eletrônico em que são divulgadas as notas fiscais lançadas, os créditos recebidos, os sorteios realizados, bem como a legislação básica. Além disso, os participantes podem reclamar créditos não recebidos, o que permite à autoridade tributária uma regularização rápida da situação junto à empresa emissora do documento fiscal. Tudo isso faz com que se possa observar de forma clara, fácil e concreta o benefício que resulta do exercício da cidadania fiscal, aumentando a confiança nos programas e a adesão aos mesmos. Neste momento se faz necessária uma análise objetiva dos diversos estímulos para melhor compreensão do tema. Os programas possuem como incentivos o desconto no valor de impostos (IPVA e IPTU), crédito em dinheiro, permuta de documentos fiscais por ingressos de jogos de futebol e outros espetáculos, auxílio a entidades sociais, além de sorteio em dinheiro ou bens móveis. Todos os programas têm uma sistemática similar, qual seja, parte ideal do imposto pago pelo fornecedor de produto ou serviço, ICMS ou ISSQN, é creditado a favor do participante do programa, sendo que os créditos são atrelados ao CPF ou CNPJ do mesmo, ou ainda, os documentos fiscais são trocados por ingressos, bens móveis, participação em sorteios ou redundam em atribuição de dinheiro a entidades sociais. Na primeira hipótese, de descontos em impostos e crédito em dinheiro, caso o participante tenha efetuado compras no estado participante ou no Distrito Federal, do valor efetivamente recolhido pelo estabelecimento comercial ou prestador de serviços, a título de ICMS ou ISSQN, parte ideal 29 do imposto pago, e que varia de programa a programa, é objeto de crédito em benefício do participante (até 30% do imposto recolhido). Com esses créditos, agora transformados em dinheiro na paridade de um crédito equivalente a um real, o participante pode obter redução dos impostos ou crédito de dinheiro em conta bancária, como no caso de São Paulo e do Distrito Federal. Pode também ser oferecida ao participante a troca de documentos fiscais por ingressos de futebol ou outros espetáculos (peças de teatro, shows, etc.). Na Bahia, o programa Sua Nota é Show de Bola, permite a troca de dez notas fiscais por um ingresso de jogo de futebol. O mesmo programa também permite a troca das notas por produtos culturais (CD, DVD, artigos desportivos, livros, etc.). No Estado de Goiás, a cada duzentos reais em notas fiscais, um ingresso pode ser adquirido e cada torcedor tem direito a dois ingressos por partida. Já no Viva a Nota maranhense, todo participante que possui notas fiscais declaradas recebe um vale ingresso a cada cem reais, observando-se o limite máximo de resgate por pessoa de até cinco ingressos por evento. Por seu turno, o programa de Pernambuco oferta o mesmo estímulo, porém, a forma de utilização dos créditos é diferente. Lá o participante recebe um cartão de plástico com senha, que serve para acúmulo e gasto dos créditos em troca pelos ingressos. No estímulo mais adotado, que é o sorteio em dinheiro ou bens móveis, em geral, a cada valor previamente fixado em notas fiscais, o sistema gera um cupom eletrônico que dá direito a participar do sorteio. No Maranhão, a cada cem reais, um cupom eletrônico é gerado. Já no Rio de Janeiro, além de dinheiro é sorteado um carro mensalmente. Importa salientar que alguns dos programas exigem que o participante envie os dados do cupom fiscal via aparelho celular por SMS, ou pela internet, o que pode ocasionar uma baixa participação popular no programa. A periodicidade dos sorteios varia de programa a programa, podendo ser diário, semanal, mensal, trimestral ou mesmo anual. A premiação 30 também é variável, podendo chegar a um milhão de reais como no caso do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2014a). O último dos estímulos é o auxílio em dinheiro a entidades sociais e que possui formatação diferente em cada unidade da federação. No caso de Alagoas, as entidades estaduais de assistência social, sem fins lucrativos, cadastradas na Secretaria de Estado da Fazenda, são indicadas como favorecidas pelo crédito, no caso do documento fiscal eletrônico não indicar o nome do consumidor. No caso do Sua Nota Vale Dinheiro do Ceará, o conceito de entidade social é elástico, abrangendo as instituições sem fins lucrativos, associações de classes, sindicatos, fundações, instituições filantrópicas, organizações religiosas, culturais e assistenciais, organizações não governamentais, conselhos de fiscalização profissional, além de entidades esportivas. Neste estado a entidade social faz a entrega das notas emitidas em suas próprias compras ou doadas para ela, nos postos de recebimento da Secretaria de Fazenda. Em Pernambuco, quem quiser contribuir com a entidade social deve colocar os cupons fiscais nas urnas instaladas nas entidades participantes. Aquelas com o maior valor em documentos fiscais são premiadas pelo programa. Todos os programas preveem prazo para utilização dos créditos que varia de dois (Distrito Federal) a cinco anos (São Paulo), sob pena de prescrição. Porém, no caso de troca de créditos por bilhetes para sorteio, ou de troca de documentos fiscais por bilhetes para sorteio, não há previsão de cancelamento ou prescrição de créditos, pois os bilhetes que participam do sorteio perdem a validade para os sorteios posteriores. 1.4 O PROGRAMA NOTA PAULISTA DE SÃO PAULO 1.4.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento A Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007 introduziu no ordenamento jurídico o Programa de Estímulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, 31 popularmente conhecido como Nota Fiscal Paulista, tendo como objetivo incentivar os adquirentes de mercadorias, bens e serviços sujeitos ao ICMS, a exigir do fornecedor a entrega de documento fiscal hábil. A regulamentação do programa foi efetivada pelo Decreto nº 54.179, de 30 de março de 2009 (SÃO PAULO, 2014a). A pessoa natural ou jurídica que adquirir mercadorias, bens ou serviços de estabelecimento fornecedor localizado no Estado de São Paulo, que seja contribuinte do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, faz jus ao recebimento de créditos do tesouro do estado. O valor correspondente a até 30% (trinta por cento) do ICMS que cada estabelecimento tenha efetivamente recolhido será distribuído como crédito entre os respectivos adquirentes de mercadorias, bens e serviços de transporte interestadual e intermunicipal. O crédito calculado desta forma fica limitado a 7,5% (sete e meio por cento) do valor do documento fiscal, nos termos do art. 3º, § 3º da Lei nº 12.685, de 28 de agosto de 2007 (SÃO PAULO, 2014a). De acordo com a mesma lei, em seu artigo 5º, § 2º, o beneficiário do programa possui o prazo de cinco anos para a utilização dos créditos, contados da data em que tiverem sido disponibilizados pela Secretaria da Fazenda. Nos termos do mesmo artigo, em seu § 3º, não poderão utilizar os créditos os inadimplentes em relação a obrigações pecuniárias, de natureza tributária ou não tributária, devidas ao Estado de São Paulo. 1.4.2 Incentivos ao participante Conforme descrito, a pessoa natural ou jurídica que adquirir mercadorias de quem seja contribuinte do ICMS, fará jus ao recebimento de créditos do Tesouro do Estado. Com tais créditos, o participante do programa poderá utilizá-los para reduzir o valor do débito do Imposto sobre 32 a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) do exercício seguinte, relativo a veículo de sua propriedade ou solicitar depósito dos créditos em conta corrente ou poupança de sua titularidade, mantida em instituição do Sistema Financeiro Nacional. O depósito ou o crédito somente poderá ser efetuado se o valor a ser creditado corresponder a, no mínimo, vinte e cinco reais. A cada cem reais em compras registradas em documentos fiscais eletrônicos, o adquirente fará jus a um cupom numerado para concorrer, gratuitamente, a sorteio (art. 3º, § 2º da Lei nº 12.685, de 2007). Os valores dos prêmios variam de dez reais a cinquenta mil reais. Em datas comemorativas estabelecidas pela legislação o maior prêmio será de duzentos mil reais (SÃO PAULO, 2014a). O programa permite, nos termos das diversas Resoluções que o regem, que sejam indicadas como favorecidas pelo crédito, no caso de o documento fiscal não indicar o CPF do participante, entidades paulistas de assistência social, cadastradas na Secretaria da Fazenda, tais como entidades da área da saúde, culturais ou desportivas, de defesa e proteção animal, além de entidades de educação, desde que sejam certificadas como beneficentes, todas sem fins lucrativos. 1.4.3 Estágio de implantação do programa O programa está plenamente em funcionamento, albergando todas as modalidades de incentivo, exceto a permuta de notas fiscais por ingressos de futebol. Possui os números mais expressivos do Brasil com R$ 8.685.007.573,68 de créditos distribuídos, R$ 1.022.800.000,00 sorteados, com 15.885.158 de participantes cadastrados até março de 2014 (SÃO PAULO, 2014a). A participação no projeto da Nota Fiscal Paulista tornou-se obrigatória para os estabelecimentos comerciais localizados no Estado de São Paulo, e seguiu o cronograma de implantação estabelecido pela Secretaria da Fazenda conforme a atividade principal do estabelecimento. 33 1.5 O PROGRAMA NOTA LEGAL DO DISTRITO FEDERAL 1.5.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento O programa de concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços do Distrito Federal, mais conhecido como Programa Nota Legal, foi instituído pela Lei Distrital nº 4.159, de 13 de junho de 2008 e regulamentado pelo Decreto nº 29.396, de 13 de agosto de 2008. Desde seu surgimento, o programa Distrital sofreu várias alterações em seu conteúdo, nos termos das Leis Distritais nº 4.360, de 2009, 4.444, de 2009 e 4.886, de 2012, além dos Decretos nº 30.238, de 2009, 30.514, de 2009, 30.630, de 2009, 31.218, de 2009, 32.040, de 2010, 32.941, de 2011, 33.963, de 2012 e 35.124, de 2014. Estruturalmente o programa tem como fundamento o recebimento de créditos do tesouro do Distrito Federal em benefício da pessoa física ou jurídica adquirente de mercadoria, bem ou serviço de contribuintes do ICMS, ou tomadora de serviço dos contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN (DISTRITO FEDERAL, 2014b). O beneficiário do programa, adquirente ou tomador, faz jus ao valor de até 30% (trinta por cento) do ICMS ou do ISSQN efetivamente recolhido pelo estabelecimento fornecedor ou prestador. Importante frisar que o Distrito Federal, ante sua natureza de ente federado atípico ou misto, cumula a competência tributária dos estados e municípios, possibilitando não só incluir o ISSQN no programa de estímulo, bem como incluir os descontos no tributo do IPTU. Tendo a seu favor estes créditos, o participante pode utilizá-los para obtenção de abatimento do débito do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU ou do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, assim como crédito de dinheiro em conta corrente. Neste sentido, o artigo 3º do Decreto nº 29.369, de 13 de agosto de 2008 determina: Art. 3º. Fica estabelecido, como crédito do programa de que trata este Decreto, até 30% (trinta por cento) do imposto recolhido 34 decorrente das operações ou prestações promovidas pelos contribuintes do ICMS ou do ISS enquadrados nas atividades econômicas que venham a ser estabelecidas em ato da Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal. (NR) § 1º Para efeito de cálculo e distribuição do crédito a que se refere o caput, serão considerados: I - a proporcionalidade entre o valor do documento fiscal referente à aquisição e o valor total dos documentos fiscais emitidos pelo contribuinte, no respectivo mês, considerados os documentos não cancelados e com indicação do CPF ou do CNPJ do adquirente passível de participação no programa; II - em relação a cada documento fiscal, o limite de 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento) para ICMS e 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) para ISS; O programa Nota Legal alcançou grande popularidade, com a adesão maciça da população ao programa. Vejamos o crescimento do número de pessoas que indicaram ao menos um bem para o uso dos créditos e abatimento do valor do imposto a pagar, e a própria evolução dos descontos concedidos entre os anos de 2010 e 2013 (DISTRITO FEDERAL, 2014b): Tabela 4 - Evolução dos beneficiários e do valor dos descontos Ano Beneficiários que efetuaram a indicação IPVA Nº veículos 2010 18.295 13.872 2011 106.216 75.290 2012 256.182 181.394 2013 330.633 248.819 2014 Valor R$ 350.950,46 IPTU Nº imóveis Valor R$ Total utilizado R$ 3.098 110.709,09 461.659,55 20.245 5.762.509,57 23.052.045,69 53.378 18.474.675,67 78.655.125,68 63.543 19.053.872,17 90.498.736,04 347.263 252.922 62.537.202,11 62.334 16.028.635,80 78.565.837,91 17.289.536,12 60.180.450,01 71.444.863,87 Assim, desde a sua entrada em vigor, aludido programa já deu descontos no pagamento de tributos a 2.875.516 contribuintes (DISTRITO FEDERAL, 2014b). Os créditos a favor dos beneficiários do Programa Nota Legal ficam disponíveis para utilização por dois anos, findos os quais serão cancelados e estornados ao caixa do tesouro do Distrito Federal, nos termos do artigo 5º, § 5º da Lei 4.159, de 2008. 35 1.5.2 Incentivos ao participante Conforme visto, o participante do Programa Nota Legal pode utilizar seus créditos no abatimento dos valores devidos à Fazenda Distrital no IPTU e no IPVA, além de crédito de dinheiro em conta corrente e poupança. No uso dos créditos pelo participante, quanto à redução do imposto do veículo automotor ou do imóvel, não é exigido vínculo entre o possuidor do crédito e os imóveis ou veículos a serem contemplados pelo abatimento, nem a conta corrente ou poupança precisa estar em nome do beneficiário do programa, bastando a simples indicação do bem ou conta para crédito. Esta é a dicção da Lei Distrital nº 4.159, de 13 de junho de 2008: Art. 5º Os créditos a que se refere esta Lei poderão ser utilizados como abatimento do valor do débito do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. § 1º A transferência de créditos de que trata esta Lei será permitida somente entre pessoas físicas. § 2º Não será exigido vínculo entre o possuidor do crédito e os imóveis ou veículos a serem contemplados pelo abatimento. § 3º Não poderão utilizar ou transferir créditos os inadimplentes em relação a obrigações pecuniárias, de natureza tributária ou não-tributária, administradas pela Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. § 4º Não serão objeto de abatimento o IPTU ou o IPVA relativos a imóvel ou veículo referente ao qual exista débito vencido. § 5º Serão cancelados e estornados ao caixa do Tesouro do Distrito Federal os créditos não utilizados no prazo de dois anos, contados do mês em que ocorreram as aquisições. § 6º As pessoas físicas ou jurídicas não contribuintes dos impostos a que se refere este artigo poderão receber o crédito por meio de depósito em conta corrente ou poupança, mantida em instituição financeira do Sistema Financeiro Nacional e indicada pelo beneficiário cadastrado no programa. Os créditos para descontos nos impostos, ou para crédito em conta corrente, apenas podem ser utilizados para beneficiários do programa em dia com o fisco distrital, nos termos do art. 5º, § 3º da Lei Distrital nº 4.159, de 13 de junho de 2008. O crédito em dinheiro é residual, pois apenas os não proprietários de imóveis ou de veículos podem optar por essa modalidade de incentivo. 1.5.3 Estágio de implantação do programa 36 O programa encontra-se plenamente implantado, apesar da ocorrência de inúmeros percalços pelos quais passou (e passa). Na tabela 4 (acima), percebe-se a queda significativa dos valores objeto de indicação para o desconto do IPTU e do IPVA, tendo ocorrido uma redução superior a dezesseis milhões de reais entre os anos de 2013 e 2014, diferença não compensada com a indicação de conta corrente ou poupança para crédito, no importe aproximado de R$ 3.300.000,00, até 29 de agosto de 2014 (DISTRITO FEDERAL, 2014b). Esta redução no valor dos créditos e consequentemente do abatimento nos impostos, deve-se à mudança da forma do cálculo dos créditos ocorrida em 2012, podendo ocasionar desinteresse da população pelo programa (RODRIGUEZ, 2014). Voltando à descrição do estágio de implantação do programa, desde o início do Nota Legal em agosto de 2008, até julho de 2012, o benefício só era aproveitado por quem tinha que pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Projeto de Lei de iniciativa da Câmara Legislativa estendeu o benefício ao restante da população, ainda que não possuidores ou proprietários de veículo automotor ou imóvel, por meio de créditos em dinheiro depositados em conta bancária. O projeto foi vetado pelo Poder Executivo, veto que foi posteriormente rejeitado pela Câmara Legislativa Distrital, redundando na aprovação da Lei nº 4.886, de 13 de julho de 2012. A proposta aprovada pela Câmara Distrital e vetada pelo Executivo, tentava a época aproximar o Nota Legal do programa no qual ele se inspirou, o Nota Fiscal Paulista. A versão paulista concede desde sua criação, a qualquer participante, o direito de decidir se quer receber o crédito sob a forma de desconto ou pagamento em dinheiro em espécie, por meio de depósito em conta corrente ou poupança. O programa distrital oferecia como única opção o desconto de seus créditos incidentes sobre o débito fiscal do IPTU e do IPVA. O principal argumento trazido a lume como fundamento do veto, dizia respeito à possibilidade do Projeto de Lei representar um risco à saúde 37 financeira do DF, e que haveria sérias implicações na Lei de Responsabilidade Fiscal por causar impacto desconhecido no orçamento, afirmações que serão analisadas em momento oportuno no presente trabalho. O Secretário de Fazenda à época, havia se declarado desfavorável ao projeto de lei que introduzia as alterações. Assentou sua opinião no fato de o programa ter um teto de remuneração que não poderia se sustentar, caso fossem incluídos mais beneficiários além daqueles que pagavam IPTU e IPVA, ao contrário do que vinha sendo praticado no Estado de São Paulo. Aludiu ainda que uma versão ampliada do Nota Legal traria dificuldades ao erário pois uma mudança desse tipo forçaria a alteração da própria estrutura do programa com a reorganização do mesmo (BRANCO, 2011). Importa frisar que o Programa Nota Paulista, que aparentemente serviu de paradigma para a implantação do programa distrital, sempre concedeu créditos em dinheiro aos participantes, inclusive não residentes em São Paulo. Sob outro prisma, a lei instituidora do Programa Nota Legal, estabelecia inicialmente que o crédito utilizado no abatimento do pagamento do IPTU e IPVA (posteriormente também crédito em dinheiro) seria no percentual de até 30% (trinta por cento) do imposto, e o decreto regulamentador – Decreto nº 29.396, de 2008 – previa que a outorga do crédito seria de 20% (vinte por cento). Posteriormente, o Decreto nº 30.328, de 2009 fixou o percentual de 30% (trinta por cento) para o abatimento (DISTRITO FEDERAL, 2014a). Em outubro de 2012, outro Decreto, nº 33.963, de 2012 autorizou a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal a definir o percentual de até 30% (trinta por cento) em razão da atividade econômica preponderante, do regime de apuração do imposto, do porte econômico ou da localização do fornecedor ou prestador, produzindo efeitos retroativos a partir de 1º de maio de 2012, o que resultou na edição da Portaria nº 187, de 2012, que por sua vez criou uma fórmula de cálculo, denominada de Fator de Multiplicação para o Cálculo do Crédito – FMCC, a ser utilizado na consolidação do crédito de 38 documento fiscal, mediante a multiplicação do fator correspondente ao enquadramento por atividade econômica preponderante, estabelecido na forma do anexo único da referida portaria. Portanto, de acordo com a alteração superveniente na forma de cálculo do crédito, este passaria a ser obtido mediante a multiplicação desse percentual por um índice que o Distrito Federal elegeria, a seu exclusivo juízo, em relação a determinadas categorias de serviços ou compras de bens. As modificações acima descritas, no sistema de apuração e cálculo do Nota Legal acarretavam uma redução do valor dos créditos e do desconto obtido pelos participantes do Programa, com efeitos retroativos a maio de 2012, aparentemente infringindo a cláusula constitucional que trata do direito adquirido (BRASIL, 2013b). E o valor dos créditos vem caindo desde 2012. Por exemplo, em relação ao valor médio resgatado por contribuinte a queda foi de 16,9% entre os anos de 2013 e 2014. Enquanto em 2013 cada consumidor conseguiu, em média, R$ 272,72, em 2014, o resgate foi de R$ 226,51 (MAIA, 2014). Desta forma, apesar da possibilidade de alteração dos programas de incentivo a qualquer tempo, modificando o cerne do programa, inclusive no que diz respeito ao percentual de descontos incidentes sobre o IPTU e o IPVA, há que se preservar o princípio do direito adquirido previsto no artigo 5º inciso XXXVI da Constituição da República. No ano de 2014 um fenômeno interessante ocorreu com o programa em análise, pois apenas 41,8% dos contribuintes aptos a receber descontos nos impostos resgataram os créditos para tal fim. Segundo informações da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, dos 836 mil consumidores cadastrados, apenas 347 mil usaram o valor para abatimento no IPVA e no IPTU. Da quantia disponível, somente 36,9% dos R$ 213 milhões foram utilizados, totalizando R$ 78,6 milhões. Em relação ao valor médio resgatado por contribuinte a queda foi de 16,9% (MAIA, 2014). Segundo o Executivo Distrital, há duas explicações para essa situação: “Primeiro que muita gente está esperando o prazo para fazer o resgate em dinheiro. Em segundo, quem está inadimplente não pode abater os impostos 39 com o crédito e a inadimplência está alta", explicou Márcia Robalinho, secretária adjunta da Secretaria de Fazenda (MAIA, 2014). A previsão de impossibilidade de utilização dos créditos do programa no caso de inadimplência em relação a obrigações pecuniárias, de natureza tributária ou não tributária, administradas pela Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, encontra previsão no artigo 5º, § 3º da Lei nº 4.159/2008 que instituiu o programa distrital (DISTRITO FEDERAL, 2008). No site do programa, a queda do valor utilizado para os descontos é clara, passando de R$ R$ 90.499.195,68 em 2013 para R$ 78.565.837,91 em 2014 (DISTRITO FEDERAL, 2014b), provocando uma redução do valor dos descontos no IPVA e no IPTU de quase doze milhões de reais. E a redução no valor dos descontos não foi compensada pelo aumento dos créditos em dinheiro nas contas dos participantes, pois a indicação para depósito foi de R$ 1.665.891,15. Assim, existe uma redução real da utilização dos créditos no importe de R$ 10.267.006,98 ainda que tenha ocorrido um incremento no número de participantes que indicaram um bem para o desconto no tributo, que passou de 330.634 em 2013 para 347.263 em 2014, o menor crescimento da história do programa. 1.6 PROGRAMA NOTA FISCAL CIDADÃ DO PARÁ 1.6.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento O programa Nota Fiscal Cidadã foi instituído pela Lei nº 7.632, de 22 de maio de 2012 e regulamentado pelo Decreto nº 490, de 1º de agosto de 2012. O programa prevê a realização de sorteio em dinheiro ao participante que exigir a emissão de documento fiscal hábil, com créditos do tesouro do estado. Para efeito de premiação, o participante deve se inscrever no site do programa. A cada compra deve solicitar a nota ou cupom fiscal, informando CNPJ ou CPF, e o documentário fiscal é emitido com o número do 40 documento do comprador. O vendedor repassa eletronicamente à Secretaria da Fazenda, as informações que vão gerar um banco de dados para fins de emissão de bilhetes para sorteio. Trimestralmente são gerados bilhetes, um a cada cem reais em compras, para cada CPF ou CNPJ registrado. No dia do sorteio, os bilhetes serão escolhidos de forma eletrônica e os valores serão depositados em conta corrente ou caderneta de poupança. O montante global da premiação corresponde a até 5% do valor total do ICMS recolhido mensalmente pelos estabelecimentos enquadrados no Programa, que conta com mais de 118.000 participantes, com distribuição total de prêmios superior a um milhão e quatrocentos mil reais (PARÁ, 2014). Não há previsão de cancelamento ou prescrição de créditos, pois são gerados bilhetes para o sorteio e que perdem a validade para os sorteios posteriores. Por seu turno, o Decreto nº 490, de 1º de agosto de 2012 impede a participação nos sorteios da pessoa natural ou jurídica em situação irregular com o fisco, nos termos do artigo 10, inciso III. No balancete governamental de novembro de 2013 a premiação no mês correspondeu a R$ 47.783,24 e acumulado no ano a R$ 702.547,64 (PARÁ, 2013). 1.6.2 Incentivos ao participante Prêmios em dinheiro após sorteio dos bilhetes, ao consumidor que exigir do fornecedor de mercadorias e bens a emissão de documento fiscal hábil, com identificação do adquirente. O montante global da premiação corresponderá a até 5% do valor total do ICMS recolhido mensalmente pelos estabelecimentos enquadrados no Programa Nota Fiscal Cidadã. Os sorteios são trimestrais e os prêmios variam de R$ 50,00 (cinquenta reais) até R$ 30.000,00 (trinta mil reais). 1.6.3 Estágio de implantação do programa 41 O programa paraense é relativamente novo, tendo sido totalmente implementado após a sua regulamentação ocorrida em agosto de 2012. Explica-se a baixa adesão ao programa, adotado por cerca de 1,5% da população do estado (cento e vinte mil participantes), estimada em 7.969.654 conforme senso do ano de 2013 (IBGE, 2014), pelo fato de prever apenas um tipo de estímulo ao pedido de nota fiscal, o sorteio em dinheiro, e que concede prêmios de valor menor que outros programas, pois o prêmio máximo é de R$ 30.000,00. No Maranhão, com população menor que o Pará, de 6.794.301 em 2013 (IBGE, 2014), o programa Viva Nota distribui prêmio de até R$ 100.000,00, tendo mais de cento e cinquenta mil participantes, participação popular superior à do Pará. 1.7 PROGRAMA NOTA FISCAL GAÚCHA DO RIO GRANDE DO SUL 1.7.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento Criado pela Lei nº 14.020, de 25 de junho de 2012, regulamentada pelo Decreto nº 49.479, de 16 de agosto de 2012, o Nota Fiscal Gaúcha é um programa de incentivo que, por meio da distribuição de prêmios, visa incentivar os participantes a solicitar a inclusão do CPF na emissão do documento fiscal no ato de suas compras. Através do programa, os cidadãos concorrem a prêmios de até um milhão de reais, as entidades sociais por eles indicadas são beneficiadas por repasses, e as empresas participantes reforçam sua responsabilidade social com o estado e a sociedade gaúcha (RIO GRANDE DO SUL, 2014). Os pontos restantes do período não convertidos em bilhetes serão transferidos para o período subsequente. No momento da realização do cadastro inicial no programa, pode ser indicada uma entidade social para receber recursos do estado a serem aplicados nos seus projetos. O participante não tem seus créditos prescritos, pois deve trocá-los pelos bilhetes que concorrem a apenas um sorteio. Uma vez sorteado, deve 42 retirar o prêmio em até 90 dias, sob pena de extinção do prêmio, nos termos do artigo 10, 2º I do Decreto nº 49.479, de 16 de agosto de 2012. 1.7.2 Incentivos ao participante Os participantes concorrem a sorteios mensais de prêmios em dinheiro que variam de um mil, até um milhão de reais. As entidades sociais por eles indicadas são beneficiadas por repasses de parte dos créditos do participante ou ainda por doação dos documentos fiscais sem indicação do CPF. Diferentemente dos demais programas de incentivo, quando da criação do programa por meio da Lei nº 14.020, de 25 de junho de 2012, já houve a previsão da sua receita no artigo 9º, que determina o montante anual de recursos do programa, da ordem de até trinta e oito milhões de reais, sendo dezoito milhões de reais, destinados à premiação dos cidadãos vinte milhões de reais, destinados aos repasses às entidades beneficiárias (RIO GRANDE DO SUL, 2014). 1.7.3 Estágio de implantação do programa Apesar dos poucos benefícios concedidos aos participantes, o programa mostra-se plenamente implantado, com o cadastro de mais de 950.000 usuários e com o apoio a 2.273 entidades sociais (RIO GRANDE DO SUL, 2014). 1.8 O PROGRAMA TODOS COM A NOTA DE PERNAMBUCO 1.8.1 Fundamento jurídico, estrutura e funcionamento O Programa Todos com a Nota, em seus Módulos Desportivo e Solidário, foi criado pela Lei Estadual nº 13.227, de 10 de maio de 2007, regulamentado pelo Decreto nº 36.096, de 13 de janeiro de 2011. O Programa pernambucano funciona com a utilização de um cartão magnético, que é solicitado através de cadastramento feito em site do 43 programa, ou diretamente nos postos de atendimento. A primeira via do cartão magnético custa ao usuário cinco pontos, equivalente a quinhentos reais em documentos fiscais (PERNAMBUCO, 2014). O cartão é entregue no endereço indicado pelo usuário quando do cadastramento, no prazo máximo de quinze dias, contados a partir da data de solicitação, juntamente com correspondência com instruções de uso do cartão e senha pessoal. A carga dos cartões se dá com o crédito de pontos decorrente da recepção de documentos fiscais realizados exclusivamente nos postos de atendimento da campanha. Cada documento fiscal ou conjunto de documentos fiscais, que some o valor de cem reais será trocado por um ponto a ser creditado no cartão, sendo que o valor máximo a ser considerado relativamente a um documento fiscal é de quinhentos reais, desprezando-se o que exceder esse valor em cada documento (PERNAMBUCO, 2014). Um ingresso eletrônico para partidas de futebol realizadas em Pernambuco poderá ser adquirido mediante o débito de um ou mais pontos. A entrada no evento será feita com uso do cartão magnético e por meio de catracas eletrônicas específicas para acesso ao público do Todos com a Nota. Inserido no contexto do Programa Todos com a Nota, o chamado Módulo Solidário, desenvolvidas para objetiva a incentivar população as atividades pernambucana, socioassistenciais com premiação às instituições que estejam devidamente inscritas no Programa. Desta forma há melhoria dos serviços ofertados pelas instituições socioassistenciais inscritas no Programa. Tanto o Módulo Solidário, como o Módulo Educacional foram previstos pela Lei nº 13.227, de 2007, embora sua implementação tenha ocorrido posteriormente, criando programas de premiações junto a escolas públicas estaduais e a instituições não governamentais, sem fins lucrativos, nas áreas de saúde e assistência social (PERNAMBUCO, 2014). O cidadão, querendo contribuir com as entidades sociais, pode colocar os cupons fiscais nas urnas instaladas nas entidades participantes. Aquelas com o maior valor em documentos fiscais são premiadas. 44 Neste sentido, as instituições lançam mão de muitas estratégias para coletar documentos fiscais. Urnas para depósito voluntário de cupons fiscais são dispostas em postos de gasolina, supermercados, lojas de produtos eletrônicos, armazéns de construção, shopping centers, entre outros. Parceiros e amigos das instituições funcionam também como disseminadores na prática de recolher cupons fiscais. De janeiro a agosto de 2012, foram computados mais de vinte e seis milhões de documentos fiscais pelo Módulo Solidário do programa, fazendo-o grande captador de cupons fiscais, com 89,05% do total coletado (SILVA, 2012). Como os créditos do participante são trocados pelos ingressos, não se cogitou de prescrição para o uso dos pontos. Ao contrário de outros programas, quem apresenta débitos junto à fazenda estadual, não está impedido de participar do programa. 1.8.2 Incentivos ao participante Aquisição, com o cartão do programa, de entradas para jogos de futebol realizados em Pernambuco. O programa contempla jogos dos três clubes da capital (Santa Cruz, Náutico e Sport) e os nove principais do interior, além daqueles participantes da Série A2 do Campeonato Pernambucano, totalizando 27 times. O programa é válido para o campeonato estadual e para as séries do brasileiro que os clubes estiverem disputando (PERNAMBUCO, 2014). No ano de 2011 o Todos com a Nota pagou R$ 5,5 milhões aos doze clubes participantes do Campeonato Estadual da Série A1, por 811.400 mil ingressos negociados através da troca pela nota fiscal. Em 2010, foram pagos R$ 5,1 milhões aos times participantes por cerca de 790 mil ingressos (PERNAMBUCO, 2014). Por seu turno, o módulo Todos com a Nota Solidário foi criado para incentivar as atividades sócio-assistenciais, através de aporte financeiro. O cidadão que quiser contribuir pode colocar seus cupons fiscais nas urnas 45 instaladas nas entidades participantes. Aquelas com o maior valor em documentos fiscais são premiadas. 1.8.3 Estágio de implantação do programa O programa, em suas várias vertentes, mostra-se plenamente implantado no estado, sendo que em relação ao futebol profissional pernambucano, quase 47% da receita dos clubes advém da compra de ingressos pelo programa. Os clubes receberam, entre 2007 e agosto de 2012 mais de cinquenta milhões resultantes dos incentivos dos programas. Os torcedores usuários do programa, que trocaram cupons fiscais por ingressos, já representam 50% do público dos jogos da capital e mais de 80% dos jogos no interior do estado (SILVA, 2012). 2 A NATUREZA JURÍDICA DOS INCENTIVOS DOS PROGRAMAS ESTADUAIS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL, E A SUA CORRELAÇÃO COM A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL 2.1 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL A atividade financeira do Estado desenvolve-se basicamente em três campos, a receita, que é a obtenção dos meios patrimoniais necessários à realização dos fins visados pelo Estado, a gestão, que consiste na administração e conservação do patrimônio público, e a despesa, que é o emprego, pelo Estado, dos recursos patrimoniais disponíveis para a realização de seus fins (RAMOS FILHO, 2002). Dos conceitos enumerados, infere-se que a atividade financeira realizada pelo Estado tem natureza adjetiva, possui caráter meramente instrumental, pois não arrecada recursos para o fim de armazená-los indefinidamente. Desta forma, tal atividade não se esgota em si mesma, pois o Estado não tem por finalidade cobrar tributos, mas sim, por meio dessa atividade, arrecadar recursos para serem aplicados em nome do bem comum (BASTOS, 2002). 46 O surgimento de uma lei que regulamenta a responsabilidade com que os gestores públicos devem se comportar ao longo de um mandato, ou até mesmo por ter assumido cargo público, em virtude de aprovação em concurso público, não é uma novidade no país. Mecanismos legais como a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, o Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967 e a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 dedicaram-se a esse tema (CRUZ, 2011). No Brasil, antes da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a única norma existente era a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Esta lei carecia de exigências definidoras da transparência e da prudência na gestão fiscal. A LRF não substituiu nem alterou essa norma, mas trouxe algo de novo para as finanças públicas, o realismo orçamentário (PINHEIRO, 2003). Foi somente com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal que o Brasil passou a contar com um instrumento legal que estipulasse, de maneira clara e inequívoca, regras voltadas a impedir o desequilíbrio orçamentário dos entes federativos. Também não havia mandamentos incisivos que os obrigassem a edificar com precisão objetivos e metas a serem perseguidos por meio de planejamento, de maneira a minimizar o desperdício dos preciosos recursos públicos (MARTINS, 2013). A novidade da Lei de Responsabilidade Fiscal reside na possibilidade de responsabilizar o agente público a partir de um acompanhamento contínuo do desempenho da gestão financeira. Conforme Colauto (2013), a responsabilidade fiscal na gestão pública significa obedecer a normas e limites para administrar as finanças públicas, prestando contas sobre o quanto e como foram gastos os recursos oriundos dos impostos e demais tributos pagos pela sociedade. E mais, responsabilidade na gestão fiscal significa dizer que, caso não seja cumprido esse escopo de bem administrar o erário, o administrador público será 47 responsabilizado por sua má gestão, submetendo-se às penalidades aplicáveis à espécie. Neste rumo, controle dos gastos com pessoal, limites do endividamento público, organização do sistema próprio de previdência, transferência de recursos constitucionais e voluntários e déficit primário servem de referencial para avaliar o desempenho do gestor público (CRUZ, 2011). A inspiração do legislador na produção da LRF, segundo Toledo Júnior (2001) foi o Tratado de Maastricht, da Comunidade Europeia, que admite desvios fiscais desde que mantido o efetivo compromisso de ajuste. Tomou ainda como paradigma a experiência norte-americana, especialmente quando exige a compensação da renúncia de receitas e das novas despesas obrigatórias de reprodução continuada. Por seu turno, nos Estados Unidos, as normas de disciplina e controle de gastos do governo central levaram à edição do Budget Enforcement Act de 1990, aliado ao princípio de accountability, além do Fiscal Responsability Act, da Nova Zelândia, de 1994 (NASCIMENTO, 2002). Para Giambiagi (2011), inspirado na Legislação da Nova Zelândia e nos excelentes resultados obtidos, o governo brasileiro procurou seguir um caminho semelhante, redundando na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda tratando da origem da lei, Ramos Filho (2002) assevera que o Fundo Monetário Internacional forneceu todo instrumental teórico sobre a experiência acumulada no acompanhamento de reformas fiscais em diversas partes do globo, como na Nova Zelândia, Austrália, Islândia, Reino Unido, Estados Unidos, Suécia, Holanda, Argentina e México, entre outros. Segundo ele, nas linhas mestras da Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira é perceptível a influência daquele modelo apoiado pelo FMI. O planejamento orçamentário e a divulgação ampla do que se pretende fazer e, depois, do que realmente se fez com o dinheiro público, constituem estratégias para assegurar os dois mais importantes objetivos da LRF: a prevenção do déficit e a redução da dívida. 48 A LRF representa uma série de diretrizes gerais que devem balizar as autoridades, na administração das finanças públicas dos níveis central, estadual e municipal. Estabelece teto para a despesa com pessoal, limita o endividamento público, obriga a um retorno rápido a certos níveis de endividamento. Se os limites forem ultrapassados, define regras rígidas para o comportamento do gasto com pessoal no final do mandato das autoridades, prevendo sanções para os casos de não cumprimento das regras legais (GIAMBIAGI, 2011). O fundamento constitucional da Lei de Responsabilidade Fiscal está nos artigos 163 até 169 da Constituição Federal, que tratam das normas gerais de finanças públicas e orçamentos. A LRF atende ao artigo 169 da Carta Magna, que determina o estabelecimento de limites para as despesas com pessoal ativo e inativo a partir de lei complementar. Igualmente, atende ainda à prescrição do artigo 165 da Constituição, mais precisamente, ao inciso II do § 9º que determina caber à lei complementar estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos. O principal objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal, de acordo com o caput de seu art. 1º, consiste em estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Por sua vez, o parágrafo primeiro desse artigo procura definir o que se entende como responsabilidade na gestão fiscal, fixando os postulados de ação planejada e transparente, além de prevenção de riscos e correção de desvios que afetem o equilíbrio das contas públicas, garantia de equilíbrio nas contas via cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, com limites e condições para a renúncia de receita e a geração de despesas com pessoal, seguridade, dívida, operações de crédito, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar (NASCIMENTO, 2002). Segundo Péres (2000), as normas que compõem a LRF estão desenhadas no sentido de garantir a produção de resultados fiscais mais favoráveis ou positivos, estimulando o gradual crescimento do patrimônio 49 líquido estatal, a concomitante redução do endividamento, o equilíbrio do fluxo de caixa e a diminuição do ímpeto de criação de encargos para o Estado. Agindo precipuamente sobre as operações passivas e as despesas, as medidas previstas na LRF visam estabilizar ou, mesmo, reduzir o peso do Estado em relação ao restante da economia do país. A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 apoia-se em quatro eixos para cumprir sua função reguladora das finanças públicas: planejamento, transparência, controle e responsabilização. Diversos pontos da LRF enfatizam a ação planejada e transparente na administração pública. Ação planejada é aquela baseada em planos previamente traçados e, no caso do serviço público, sujeitos à apreciação e aprovação do poder legislativo, garantindo-lhes a necessária legitimidade, típica do regime democrático (NASCIMENTO, 2009). O planejamento é aprimorado pela criação de novas informações, metas, limites e condições para a renúncia de receita, geração de despesas, despesas com pessoal, despesas da seguridade, dívidas, operações de crédito, antecipação da receita orçamentária (ARO), concessão de garantias, etc. (COLAUTO, 2013). Neste rumo, Martins (2013, p. 3) afirma que: Uma administração caótica só chegará a um resultado esperado por uma coincidência de fatores, e ainda assim com elevado desperdício e uma baixa relação custo-benefício — em desacordo, portanto, com o princípio da eficiência previsto no art. 37, caput, da Constituição. Os instrumentos adotados na LRF para o planejamento do gasto público são os mesmos já preconizados pela Constituição Federal: o Plano Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e a Lei Orçamentária Anual - LOA. O que a LRF busca, na verdade, é reforçar o papel da atividade de planejamento e, mais especificamente, a vinculação entre as atividades de planejamento e de execução do gasto público (NASCIMENTO, 2002). A transparência ocorre pela divulgação ampla de cinco relatórios de acompanhamento da gestão fiscal que permitem identificar as receitas e despesas, quais sejam, o Anexo de Política Fiscal, Anexo de Metas Fiscais, 50 Anexo de Riscos Fiscais, Relatório Resumido da Execução Orçamentária, além do Relatório de Gestão Fiscal. Deste modo, a LRF aperfeiçoou a transparência financeira estatal ante o aumento do número de mecanismos que compõem as divulgações públicas de resultados (MARTINS, 2013). Como visto, a transparência será alcançada através do conhecimento e da participação da sociedade, assim como na ampla publicidade que deve cercar todos os atos e fatos ligados à arrecadação de receitas e à realização de despesas pelo poder público. Para esse fim diversos mecanismos foram instituídos pela LRF, dentre eles a participação popular na discussão e elaboração dos planos e orçamentos, a disponibilidade das contas dos administradores, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade, além da emissão de relatórios periódicos de gestão fiscal e de execução orçamentária, igualmente de acesso público e de ampla divulgação (NASCIMENTO, 2002). O controle é aprimorado pela maior transparência e qualidade das informações, a exigir uma fiscalização mais efetiva e continua dos Tribunais de Contas, além da fiscalização interna de cada órgão. A responsabilização descumprimento das deverá regras, com ocorrer a sempre suspensão que das houver o transferências voluntárias, garantias e contratação de operações de crédito, inclusive ARO. Os responsáveis sofrerão as sanções previstas no Código Penal e na Lei de Responsabilidade Fiscal (KHAIR, 2000). A prevenção de riscos, da mesma forma que a correção de desvios, deve estar presente em todo processo de planejamento fiscal. Para isto, a LRF preconiza a adoção de mecanismos para reduzir ou neutralizar o impacto de situações contingentes, embora previsíveis, tais como ações judiciais e outros eventos não usuais. Essas eventualidades serão atendidas com os recursos oriundos da reserva de contingência, a ser prevista na LDO e incluída nos orçamentos anuais (NASCIMENTO, 2002). Já as correções de desvios requerem a adoção de providências com vistas à eliminação dos fatores que lhes tenham dado causa. Em termos 51 práticos, se a despesa de pessoal em determinado período exceder os limites previstos na lei, medidas serão tomadas para que esse item de gasto volte a situar-se nos respectivos parâmetros, através da extinção de gratificações e cargos comissionados (NASCIMENTO, 2002). Propondo um novo modelo de gestão fiscal, a LRF abrange todas as entidades que, direta ou indiretamente, utilizam dinheiro público. A ela estão sujeitos os três poderes – Executivo, Judiciário e Legislativo, neste incluídos os Tribunais de Contas – em todas as esferas de governo (federal, estadual, distrital e municipal), além do Ministério Público (RAMOS FILHO, 2002). Vale ressaltar que, relativamente às pessoas políticas, referenciadas ao longo do texto da LRF, são compreendidas as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes. A lei representa um importante passo na definição de um marco institucional mais rígido, que evite desmandos na administração pública, sendo considerada um avanço importante para um controle duradouro das contas fiscais (GIAMBIAGI, 2011). 2.2 A RECEITA PÚBLICA Antes de passar à análise da natureza jurídica dos diversos estímulos dos programas analisados, cumpre fazer ligeira digressão sobre o sentido da expressão receita pública, objeto da renúncia de receita. Interpreta-se como receita pública todo o recurso obtido pelo Estado para atender as despesas públicas (CASTRO, 1995). Oliveira e Horvath (2000) conceituam receita pública como sendo a entrada definitiva de dinheiro nos cofres públicos. Segundo eles, todo numerário que ingressa nos cofres públicos pode ser conceituado como entrada, embora nem toda entrada caracterize receita pública. Alguns distinguem o ingresso como uma entrada provisória de dinheiro nos cofres públicos, chamando de entrada o numerário que não precisa ser devolvido, que acresce o patrimônio público. A maioria dos 52 doutrinadores utiliza ambas as expressões, entrada ou ingresso, como sinônimas, e gênero, do qual a receita pública é espécie. Esses autores chamam a atenção para o fato de que nem toda entrada será receita pública já que aquela poderá ser provisória, podendo estar sujeita à devolução futura e decorrer da venda de um patrimônio, como, por exemplo, a alienação de um imóvel, quando então o dinheiro passará a substituir um bem (LEITÃO, 2013). Como exemplo de entrada provisória temos a caução, que é exigida como garantia de um contrato em dada licitação, e, em princípio será devolvida ao contratante ao término do contrato, mas poderá ingressar nos cofres públicos a título de sanção pelo inadimplemento, sendo que neste momento será receita, mas antes disso é entrada, porque provisória. A fiança igualmente destina-se à devolução, assim como os empréstimos públicos (antecipação de receita orçamentária), os depósitos, e outros. Logo, as entradas de natureza provisória, não podem ser consideradas receitas públicas. Por seu turno, constituem exemplos de entradas definitivas, portanto receitas, os tributos, os preços públicos, dentre outros. A receita pública, para ser caracterizada como tal, exige três requisitos essenciais: que o dinheiro integre de modo permanente o patrimônio público, que este numerário não esteja sujeito à devolução, e que o patrimônio público venha a ser acrescido com esse elemento novo (OLIVEIRA E HORVATH, 2000). Bastos (2002) entende que receitas públicas são as somas de dinheiro que recebe o Estado e os demais entes públicos para cobrir com elas seus gastos. Para ele, o objeto das receitas recai unicamente no dinheiro, o que exclui os bens in natura e os serviços pessoais, como o serviço militar, que mesmo integrando o patrimônio do Estado, não constituem receitas. As receitas tributárias provêm basicamente da cobrança dos tributos, cuja competência a Constituição Federal atribui a cada ente da Federação, bem como elenca os tributos que poderão ser instituídos por Lei Ordinária ou Complementar. 53 2.3 RENÚNCIA DE RECEITA Como já analisado, a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, trata da responsabilidade na gestão fiscal, em especial, do envolvimento necessário entre receita e despesa, associados ao seu equilíbrio. Lino (2001) expõe que a premissa principal é o planejamento para orientar a totalidade das ações governamentais, tanto na arrecadação dos recursos, quanto na realização das despesas, que devem ser sempre objeto de rígida contenção ou, em especial, de rigorosa imposição de limites nos gastos públicos. Nesse sentido, Motta e Fernandes (2001, p. 243) lecionam que: Responsabilidade na gestão fiscal é ação planejada e transparente; ação preventiva e corretiva de riscos e desvios que possam afetar o equilíbrio das contas públicas; cumprimento de metas de resultados entre receita e despesa; obediência a limites e condições referentes a previsão e efetiva arrecadação de tributos, renúncia de receita, geração de despesa com pessoal, despesa com seguridade social, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, destinação de recursos públicos ao setor privado, concessão de garantia, inscrição em restos a pagar. Assim, a renúncia de receita consubstancia-se numa das principais preocupações do administrador público, pois implica em desistência do direito de cobrar - total ou parcialmente - um crédito tributário, manifestada pelo ente que possui competência para instituição do tributo, podendo levar ao desequilíbrio das contas públicas. A Constituição da República, nos artigos 150 e 151, proíbe o tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, porém, admite a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país (COLAUTO, 2013). Nesse contexto, a renúncia de receita advém de uma situação em que o poder público, a partir de uma autorização legal, genérica ou especifica, abre mão de parte das receitas que teria o direito de arrecadar, por razões de política econômica ou política institucional, objetivando incentivar determinados segmentos produtivos, fomentar o desenvolvimento de regiões 54 ou ampliar a competitividade de setores estratégicos. São exemplos típicos de tais renuncias as isenções tributárias, anistias e os subsídios (COLAUTO, 2013). Analisada sob este prisma, trata-se de política pública consagrada em âmbito internacional, de aplicação difundida em países de todos os continentes, sem distinções de nível de desenvolvimento econômico e regime de governo, cujo propósito é promover o suporte financeiro necessário à realização de programas, projetos e atividades de interesse da sociedade e destinados a promoção do equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico nas diferentes regiões geoeconômicas do país, ao desenvolvimento de segmentos econômicos estratégicos e ao favorecimento de determinados grupos de contribuintes, entre outros objetivos públicos relevantes (COLAUTO, 2013). Desta forma, a renúncia de receita configura-se como sendo a utilização do tributo com finalidade extrafiscal, com o escopo de atingir objetivos de ordem social, econômica ou político-administrativo. Normalmente, é pela concessão de incentivos fiscais que se opera a renúncia de receita. Os incentivos fiscais, em princípio, são instrumentos de que dispõe o Poder Público para promover o desenvolvimento da economia e possibilitar o incremento de empregos em determinada faixa do território onde são aplicados. Implicam redução do montante devido pelo contribuinte que ostenta a condição de beneficiário, mediante isenção, anistia, remissão e outras concessões permitidas legislativamente (NASCIMENTO, 2002). Na visão de Aguiar (2004) a renúncia de receita decorre sempre de uma das formas de incentivo ou benefício tributário, que são os estímulos dos quais se utiliza a administração para, através da lei, incentivar o desenvolvimento de determinadas atividades, tais como atividades econômicas, culturais e sociais. No mesmo rumo, Almeida (2000, p. 27) afirma que renúncia de receita é termo consagrado na terminologia orçamentária, servindo para expressar “perdas de arrecadação tributária em decorrência dos diversos tipos de 55 benefícios tributários, concedidos pelo poder público a contribuintes de determinados setores, regiões ou mesmo pessoas físicas”. Pelo exposto, renúncia de receita constitui exceção à regra da arrecadação e diz respeito aos chamados incentivos fiscais, que são instrumentos adotados pelo Estado com a finalidade de criar melhores condições para o desenvolvimento de certas regiões geográficas ou determinados setores da atividade produtiva. Tais estímulos, em seu variado espectro – isenções, remissões, anistia, etc. - são a forma mais usual de o Estado utilizar os tributos com fins extrafiscais, ou seja, como instrumento para intervenção no domínio econômico ou social, sendo secundária a intenção de simples arrecadação de recursos financeiros (RAMOS FILHO, 2002). Concedido um incentivo, o ente concedente se vê privado da soma daquela receita que renunciou, daí falar o art. 14 da LRF em renúncia de receita. Esta evasão de receita, no entanto, é compensada por vários fatores como, dentre outros, o desenvolvimento do parque industrial, absorção de mão de obra ociosa, a captação de maiores receitas pela renda ou consumo daqueles que passaram a exercer uma atividade profissional (BARROS, 1999). Como a renúncia de receita tem impacto orçamentário com a diminuição da receita, deve ser precedida de estimativa de impacto orçamentário e financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois exercícios seguintes. Além disso, cada governante deve demonstrar que a renúncia de receita apresenta-se em consonância com o estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias, segundo o artigo 14, caput da LRF. Portanto, é necessário que o gestor público demonstre que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da LDO, conforme previsão do artigo 14, inciso I da LRF. Não sendo isto possível, somente se pode efetuar a renúncia de receita se houver compensação, consubstanciada no aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, aumento ou criação de tributo ou 56 contribuição, segundo o artigo 14 II da Lei de Responsabilidade Fiscal (COLAUTO, 2013). Caso não sejam cumpridos os dispositivos da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, várias serão as consequências tanto para o ente federativo quanto para o administrador público. Em relação aos entes da federação, é vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não instituir, prever e, efetivamente, arrecadar todos os tributos. Quanto ao administrador público, a Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, define como atos de improbidade administrativa que causam lesões ao erário, conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie, bem como agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda (art. 10, inciso VII), acarretando além do ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, além do pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano (COLAUTO, 2013). Torres (2010) chama a atenção para o conceito de gasto tributário, implícito no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Em termos econômicos, registre-se que parte da doutrina costuma considerar renúncia de receita como sinônimo de gasto tributário. Nesta visão, o controle das renúncias de receitas é importante para o equilíbrio orçamentário, da mesma forma que o das despesas públicas. A renúncia de receita pode ser tomada em acepção financeira como gasto tributário (tax expenditure), expressão que entrou na linguagem orçamentária americana nas últimas décadas e adquiriu dimensão universal pelos trabalhos de Stanley Surrey. Gastos tributários ou renúncias de receitas são os mecanismos financeiros empregados na vertente da receita pública que produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública, como no caso das subvenções, subsídios, restituição de impostos, dentre outros (LEITÃO, 2013). 57 Conforme visto, o conceito de gasto tributário foi utilizado pela primeira vez pelo Secretário Assistente para Política Fiscal do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, Prof. Stanley Surrey, no ano de 1967. Surrey observou que os dispositivos existentes no imposto de renda que continham deduções, isenções e outros benefícios fiscais constituíam, na verdade, uma forma de se prover assistência financeira governamental. Ele observou também que esses benefícios não faziam parte da estrutura própria do imposto de renda, constituindo muito mais gastos do governo realizados por meio do sistema tributário. Como em seus propósitos eles se assemelhavam aos gastos orçamentários do governo, mas eram realizados por meio da redução na carga tributária e não através de um desembolso direto, ele os denominou de gastos tributários. Assim, gasto tributário, constitui gasto do governo com a particularidade de ter sido realizado por intermédio do sistema tributário. Essa dimensão do problema, esta forma de ver os benefícios fiscais como gastos comparáveis aos outros realizados explicitamente e constantes do orçamento, é que constitui novidade. Benefícios fiscais, sejam realizados por meio de reduções, deduções ou isenções, existem há muito tempo, mas raramente são encarados como forma velada de gasto do governo e, por isso, o controle sobre o volume e os beneficiários destes gastos é raramente feito. A análise dos gastos tributários constitui uma nova abordagem à questão dos incentivos e benefícios fiscais tendo em vista a sua quantificação e controle, tais quais as despesas orçamentárias. A renúncia de receita, em verdade, equivale a um gasto público (tax expenditure), uma vez que, em último grau, acarreta efeitos análogos ao de uma despesa pública. A diferença, em suma, reside no momento em que o tesouro público é afetado. No caso da despesa, é ex post, isso é, recursos que antes adentraram nos cofres estatais saem. Na hipótese de renúncia, é ex ante, ou seja, a arrecadação não é plena em vista da renúncia operada. Porém, ao final, em ambos os casos há uma diminuição da capacidade financeira do Estado. Desse modo, a diferença entre a renúncia de receita (benefício fiscal) e a despesa pública é de mera índole jurídica e formal, o 58 que, por consequência lógica, implica numa identidade pragmática entre ambas (MARTINS, 2013). No entanto, na advertência de Henriques (2009, p. 7): Os benefícios fiscais são aprovados sem limite quantitativo, logo sem nenhum tipo de restrição orçamentária, o que inviabiliza sua comparação com outras medidas de mesmo objetivo em uma análise de custo-benefício. Assim, essa figura diminui o controle do Estado sobre suas finanças. Não se pode negar que em termos psicológicos a renúncia é, em geral, mais palatável aos cidadãos menos avisados, uma vez que, não representando saída de recursos do tesouro público, gera uma falsa ilusão de ausência de dispêndio. De fato, se em termos formais não há qualquer saída dos cofres públicos, resta camuflada a diminuição da capacidade financeira do Estado. Aliás, politicamente falando, pode ser melhor negócio ultimar a renúncia do que autorizar diretamente o gasto no orçamento (MARTINS, 2013). Melo (2007) esclarece que pela sistemática instituída pela Lei de Responsabilidade Fiscal, não foi afetada e nem prejudicada a concessão de incentivos fiscais, que continua plenamente válida. Entretanto, como os benefícios fiscais implicam natural e automática renúncia de receita, os agentes públicos passam a ficar sujeitos a certas limitações e condições, para que esses benefícios não acarretem a imputação de responsabilidade. Pela LRF, os agentes públicos não mais podem conceder benefícios fiscais sem que seja feita uma análise cuidadosa da decisão. Além de estarem se arriscando à ação do Estado caso sinta-se prejudicado, a infringência às condições estabelecidas pela lei, pode redundar em responsabilidade. Ficam, pois, os agentes públicos, ao conceder benefícios fiscais, compelidos a aumentar a receita com a imposição de novos ônus tributários (DENARI, 2002). Em resumo, nos termos do § 1º, do art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, verifica-se que a expressão “renúncia de receita” alcança toda e qualquer exoneração tributária que importe na redução discriminada de tributos (LEITÃO, 2013). 59 O art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal prevê os casos de exclusão (isenção e anistia), de extinção (remissão), ou modificação (alteração de alíquotas e de base de cálculo) do crédito tributário, além dos casos de benefícios financeiros (subsídios, créditos presumidos e incentivos), considerados como renúncia de receita. Passaremos então a analisá-los individualmente, para somente depois, interpretar a norma contida no citado art. 14 da aludida Lei Complementar, segundo a ótica dos programas de estímulo ao pedido de nota fiscal. 2.4 MODALIDADES DE RENÚNCIA DE RECEITA 2.4.1 Anistia Anistia é o perdão da infração tributária e das penalidades correspondentes. Exclui o crédito tributário, consoante norma do art. 175 do Código Tributário Nacional. Encontra previsão normativa nos artigos 180 até 182 do CTN, e somente pode ser concedida por lei tributária específica. É autolimitação do poder de tributar. A lei pode, por medida de clemência, autorizar o esquecimento da prática do ilícito fiscal ou dispensar o pagamento da penalidade pecuniária (LINO, 2001). Trata-se de benefício que visa excluir, total ou parcialmente, o crédito tributário na parte relativa à multa aplicada pelo sujeito ativo ao passivo, por infrações cometidas por este, anteriormente à vigência da lei que a concedeu, conforme preceitua o artigo 180 do CTN (MACHADO, 2007). Ao contrário da remissão (artigo 172 do CTN), que exige justificativa para sua concessão, incondicionalmente. a anistia Atualmente a pode ser anistia é absoluta vista e não concedida como um favorecimento individual, mas como uma forma de beneficiar a pessoa humana e toda a sociedade, sendo concedida no interesse soberano da própria sociedade (FERRAZ JÚNIOR, 2001). 60 A anistia não apaga a infração, mas somente o direito de punir. Por esta razão somente aparece depois de ter surgido o fato violador, não se confundindo com algum tipo de novação legislativa. Segundo Nascimento (2002), anistia é a concessão que o Estado faz aos devedores em atraso para que possam pagar os seus débitos em novos prazos de uma vez ou em parcelas independentemente de majoração, multas e outras sanções a que normalmente estariam sujeitos. É caso de exclusão do crédito tributário gerado pela infração, porque abrange somente os ilícitos cometidos antes da vigência da lei que a concede. A anistia não pode ser parcial, eis que abrange as infrações (e não somente as penalidades), consoante dispõe o artigo 180 do CTN. No entanto, pode se referir a um tributo e não a outro, pode se referir a uma infração e não a todas, pode circunscrever-se a determinada região do território nacional, pode ser concedida sob condição do pagamento do tributo, pode se referir a penalidades decorrentes de infrações até certo montante (BROLIANI, 2004). As normas jurídicas que concedem anistia são extintivas da relação jurídica sancionadora, deixando intacta a relação jurídica tributária, remanescendo o crédito tributário e seu correspondente débito (CARVALHO, 2007). Desaparecendo o direito de punir, desaparecem as penalidades, embora, a recíproca não seja verdadeira, isto é, as penalidades podem ser extintas (por exemplo, pelo pagamento) sem que desapareça a infração e, em consequência, sem que o crédito tenha sido excluído (NOGUEIRA, 1989). A anistia pode ser concedida em caráter geral ou limitada e seu ato de concessão não gera direito adquirido, podendo ser revisto ou cassado, desde que se comprove o não preenchimento dos requisitos legais exigidos, em caso de anistia limitada. Sendo absoluta e incondicionada (geral), não depende de requerimento da parte nem de procedimento administrativo para sua concessão, que é automática e providenciada no âmbito da administração, em cumprimento da Lei. Sendo condicionada ou limitada, efetivar-se-á por ato da autoridade administrativa, a requerimento do 61 interessado, desde que preenchidos todos os requisitos exigidos (LEITÃO, 2013). 2.4.2 Remissão Remissão é o perdão total ou parcial do crédito tributário. É uma forma de extinção da obrigação por lei tributária (art. 156, CTN), que faz desaparecer o direito subjetivo de exigir a prestação, e o dever jurídico do sujeito passivo de pagar o tributo (CARVALHO, 2007). De acordo com Harada (2013), remissão significa o ato de perdoar uma dívida, podendo ocorrer remissão total ou parcial do crédito tributário, desde que esteja fundamentada em despacho da autoridade administrativa, como prevê o art. 172 do CTN. Deste modo, remissão é o perdão da dívida. Ocorre em determinadas circunstâncias previstas na lei tais como pequeno valor da dívida, inconveniência do processamento da cobrança, erro ou ignorância escusáveis, etc. (RAMOS FILHO, 2002). Para Lino (2001) é o perdão de ônus ou dívida que se fundamenta na situação econômica do sujeito passivo, na equidade em relação às características pessoais ou materiais do caso, nas condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante ou na diminuta importância do crédito tributário. Enquanto a anistia é o perdão da infração e da penalidade correspondente, a remissão pode abranger todo o crédito ou parte dele, o crédito referente ao tributo ou o crédito referente à penalidade, somente os juros ou inclusive estes, somente a correção monetária ou inclusive esta (FERRAZ JÚNIOR, 2001). Figueiredo (2012) traz à baila o conceito de remissão, caracterizando-a como causa extintiva do crédito tributário, sendo uma medida de política tributária, materializada pelo perdão do crédito tributário. Desta forma, é uma medida unilateral do fisco, normalmente para incentivar o contribuinte 62 inadimplente a corrigir sua situação, ou mesmo medida administrativa que atinge créditos de pequeno valor. A principal diferenciação entre a remissão e a anistia reside no fato de que aquela se processa no contexto de um vínculo obrigacional, extinguindo o crédito tributário que se originou da relação obrigacional tributária, e esta se refere somente ao liame de natureza sancionatória, podendo desconstituir a antijuridicidade da própria infração tributária (CARVALHO, 2007). O art. 172 do CTN estabelece que a lei pode autorizar a concessão, pela autoridade administrativa, por despacho fundamentado, de remissão total ou parcial do crédito tributário. A remissão está adstrita ao princípio da reserva legal, portanto, a lei ordinária autorizadora da remissão não poderá desbordar dos limites traçados na lei complementar (BROLIANI, 2004). O ato concessivo da remissão não gera direito adquirido, podendo ser cassado ou revisto, desde que se comprove não estarem mais presentes, ou terem cessado, as condicionantes exigidas (art. 172, parágrafo único do CTN), ou quando se comprovar que o beneficiado agiu com simulação ou dolo para usufruir do benefício. O mesmo artigo 172 do CTN aduz quais são os requisitos de admissibilidade da remissão. A Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 14, § 3º, II, expressamente exclui da aplicação da norma de renúncia de receita o cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança do crédito. Os créditos de pequena monta podem e devem ser remitidos porque são economicamente inviáveis, não havendo justificativa para a movimentação da máquina administrativa e judiciária visando sua cobrança. No entanto, quando for possível a reunião de vários débitos de pequeno valor, do mesmo sujeito passivo, e esse fato viabilizar sua cobrança, não será mais considerado diminuto o valor do crédito, o que justificaria sua cobrança administrativa e judicial (LEITÃO, 2013). 2.4.3 Isenção 63 A doutrina não é pacífica quanto ao tema isenção. Muitas teorias foram construídas para explicar esse fenômeno que para alguns é mera dispensa de pagamento do tributo (conotação financeira, defendida por Rubens Gomes de Souza). Para outros é favor legal, embora muitos a entendam como fato impeditivo (Alberto Xavier e João Augusto Filho). Alfredo Augusto Becker, por sua vez, defendia que a norma de isenção incide para que a norma de tributação não possa incidir. José Souto Maior Borges conceitua a isenção como hipótese de não incidência legalmente qualificada (CARVALHO, 2007; FREITAS, 1999). Carvalho (2007) entende a isenção como norma de estrutura, que modifica a norma de conduta correspondente à regra matriz de incidência do tributo. O que o preceito da isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente. Para Harada (2013), a isenção é considerada causa excludente de crédito tributário. Por seu turno, a isenção referida na LC nº 101, de 04 de maio de 2000 é aquela de caráter não geral, ou seja, aquela concedida a apenas uma parcela da população, a uma categoria econômica e não a todas, a alguns profissionais e não a todos, a algumas pessoas, devido suas características ou aos fatos praticados, e não a todas as pessoas. Assim, abrange somente os casos em que a dispensa de pagamento, por não ser total, mas limitada a alguns casos e pessoas, não possa prejudicar as finanças públicas. Se a isenção é geral, concedida indistintamente para todos, não privilegia ninguém, nem favorece algumas categorias econômicas. Esse montante, portanto, já não constará do planejamento, no cálculo das receitas, porque a arrecadação do tributo não acontecerá em nenhuma hipótese (BROLIANI, 2004). Na isenção de caráter não geral haverá arrecadação do tributo, porque algumas pessoas ou categorias econômicas estarão sujeitas ao seu pagamento, enquanto outras estarão dispensadas de fazê-lo. Para que a sociedade tenha ciência do valor renunciado, para que possa exercer o controle social sobre os gastos públicos, e para que possa aferir se de fato o retorno social da renúncia decorrente da isenção não geral ocorreu ou não, 64 exige a Lei de Responsabilidade Fiscal que se atenda, para sua concessão, além das condições contidas na norma do art. 14, a exigência da elaboração de um relatório de impacto orçamentário e financeiro, para quantificar esse montante. 2.4.4 Subsídio Subsídios são incentivos financeiros e não tributários. A função do subsídio é propiciar a intervenção do Estado no domínio econômico, influindo na formação dos preços dos produtos, e incentivando a produção de determinados bens (TORRES, 2000). Pode ser entendido como sendo o “auxílio de caráter econômico concedido pelo Governo a certa clientela, tradicionalmente concedido em dinheiro ou sob a forma de benefícios” (RAMOS FILHO, 2002). Com outras palavras, subsídios são as “dotações destinadas a influir na formação de preços e incentivar a produção de determinados bens” (LINO, 2001). Subsídios são espécies de subvenções e constituem transferências de recursos do governo para particulares, independentemente do fornecimento de bens e serviços, motivadas por questões econômicas ou de fomento, visando corrigir distorções do mercado, facilitar a concorrência ou incentivar a produção e consumo de determinados bens. Podem revestir-se de diversas figuras, legítimas ou não, consoante o objetivo almejado (TORRES, 2000). A Lei de Responsabilidade Fiscal não trata a renúncia de receita somente quanto aos benefícios tributários, ainda que estes influenciem diretamente na diminuição da receita, mas também se refere, no seu artigo 14, a todo tipo de incentivo financeiro, mesmo que eles apenas indiretamente afetem as receitas, tendo em vista que normalmente constituem elementos da despesa pública, como é o caso dos subsídios. Sendo despesas, devem constar do orçamento. Os subsídios não representam queda na arrecadação dos tributos, não afetam as receitas tributárias, mas indiretamente diminuem a receita 65 corrente líquida, e como despesas que são, podem prejudicar o equilíbrio das contas públicas, o cumprimento das metas e das obrigações legais. Por este motivo é que, ao lado do crédito presumido, foram elencados na norma do art. 14. 2.4.5 Crédito presumido É o benefício “que consiste em permitir que, fictamente, o contribuinte possa se utilizar de valores impagos, de modo a alcançar menor montante a recolher” (LINO, 2001). O crédito presumido é uma das espécies de incentivo fiscal. Constitui uma ficção jurídica, porque não são créditos gerados pela sistemática de apuração dos tributos, como ocorre com o ICMS, o IPI e demais tributos não cumulativos. Em outras palavras, compreende um processo de quantificação de um dever tributário de uma operação que ainda não se realizou, mas que o Estado já está renunciando àquela receita (REIS e BORGES, 1999). É uma forma indireta de redução do montante do tributo a ser pago, mediante a permissão de um ressarcimento correspondente ao valor total, parcial, ou mesmo presumido do próprio tributo a ser apurado, ou que incide sobre determinadas operações. O crédito presumido é utilizado pelo beneficiário no momento da quantificação ou da determinação do tributo a ser pago (COELHO, 1992). Com isso, alivia-se a intensidade fiscal sobre determinado grupo de operações ou situações referentes ao sujeito passivo (MARTINS, 2013). Trata-se de incentivo concedido a partir da admissão de aproveitamento antecipado de créditos de imposto em valores maiores do que realmente têm direito, possibilitando o recolhimento a menor do imposto. É uma forma de exoneração em que a legislação concede ao contribuinte um crédito fictício destinado a ressarcir o ônus do imposto sobre determinadas operações (PINHEIRO, 2003). 66 De natureza financeira e não tributária, influencia na arrecadação e, portanto, na receita, razão pela qual deve também submeter-se aos requisitos exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. 2.4.6 Redução de alíquota ou modificação da base de cálculo A redução de alíquota ou modificação da base de cálculo não se confunde com a isenção. A doutrina costuma denominar tais benefícios de isenção parcial, doutrinadores, no nem entanto na não há jurisprudência, unanimidade quanto a nem esta entre os conceituação (BROLIANI, 2004). São modos de reduzir a tributação pela modificação do critério quantitativo da regra matriz tributária. Não há anulação desse critério, como ocorre na isenção, mas mera modificação, mais benéfica para os que se enquadram nessa situação (LEITÃO, 2013). As reduções de base de cálculo e de alíquota decorrem do modo de calcular o conteúdo pecuniário do dever tributário, determinando uma forma de pagamento – elemento liberatório do dever – que implica, necessariamente, redução do quantum tributário em relação à generalidade dos contribuintes, ou em relação à situação impositiva imediatamente anterior (BROLIANI, 2004). Ante sua característica não geral, integra também o rol da exigência da norma do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. 2.4.7 Outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado Cumpre inicialmente traçar as diferenças básicas entre benefício e incentivo. O caput do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal carrega exigências em relação a incentivos ou benefícios tributários dos quais decorram renúncia de receita. A princípio a diferença entre eles é de gênero e espécie. Todo incentivo é benefício, mas nem todo benefício é incentivo. É pela concessão 67 de incentivos fiscais que, em geral, se opera a renúncia de receita. Os incentivos fiscais, em princípio, são instrumentos de que dispõe o poder público para promover o desenvolvimento da economia e possibilitar o incremento de empregos em determinada faixa do território onde são aplicados. Implicam redução do montante devido pelo contribuinte que ostenta a condição de beneficiário, mediante isenção, anistia, remissão e outras concessões permitidas legislativamente (NASCIMENTO, 2002, 2001). Para Denari (2002, p. 78), incentivo fiscal é: O subsídio concedido pelo governo, na forma de renúncia de parte de sua receita com impostos, em troca de investimentos em operações ou atividades por eles estimuladas. Os incentivos podem ser diretos e indiretos. Quando concedidos na forma de isenção do pagamento de um imposto direto, como o imposto de renda, beneficiam o contribuinte; no caso de um imposto indireto, tendem a diminuir o preço da mercadoria produzida pela empresa que recebe a isenção, beneficiando também o consumidor. A própria Constituição Federal, em seu art. 146, inciso III, “c”, permite o tratamento diferenciado ao ato cooperativo. Se, no âmbito tributário, as cooperativas receberem tratamento diferenciado, seja por meio de benefícios tributários ou de incentivos fiscais, subvenções, subsídios, créditos presumidos, ou por qualquer outra forma, este tratamento diferenciado deverá ser quantificado e também submeter-se ao menos a uma das duas condições contidas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LEITÃO, 2013). Também ingressam nesse conceito de incentivo as restituições, que sequer transitam pelo orçamento, operando pelo mecanismo da anulação da receita, a exemplo dos estímulos concedidos à exportação para o IPI; as subvenções, que são transferências de dinheiro dos cofres públicos destinadas a cobrir despesas de custeio de entidades ou empresas, públicas ou privadas, de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril; e também outros incentivos financeiros, como a restituição de tributo, operada em favor do sujeito passivo do tributo, não como uma obrigação tributária, mas financeira, nos termos da lei e desde que constante do orçamento (BROLIANI, 2004). 68 Desta maneira, nota-se que benefício fiscal é toda liberalidade tributária que vise a atender interesse público de qualquer ordem; ao passo que incentivo, sendo específico, é um instrumento capaz de satisfazer interesses de ordem econômica e social, tais como, geração de empregos, aumento de salários, redução de preços de produtos, etc. Resumindo, o incentivo fiscal estimula atividades econômicas em troca de contrapartidas de ordem social. Consiste no fato de o executivo, mediante lei, abrir mão de parte da arrecadação de determinado imposto para incentivar certas atividades ou regiões (LEITÃO, 2013). Deste modo, a renúncia fiscal constitui um benefício fiscal para o contribuinte, desde que o poder executivo observe com rigor os requisitos que a lei exige para o direito de utilizá-lo. Teoricamente, os incentivos fiscais podem ser desdobrados em incentivos financeiros e incentivos tributários, sendo que estes estariam contidos por aqueles. Desta forma, os incentivos tributários (isenção, redução de tributo, etc.), levam à realização da receita tributária, fazendo surgir o incentivo financeiro, que tem como objeto uma relação jurídica estabelecida, após a extinção da relação tributária já exaurida (PINHEIRO, 2003). Assim, para definir qual a natureza do incentivo, deve-se verificar se o mesmo está reduzindo ou não uma obrigação tributária. Se o ente público estiver deixando de receber valores referentes a tributos, trata-se de incentivo tributário. Mas se as obrigações que se beneficiam da redução não têm tal natureza, por não se enquadrarem na definição de tributo do artigo 3º do Código Tributário Nacional, o benefício não pode ser qualificado como tributário, mas financeiro. Portanto, se a concessão de determinado benefício não implicar “tratamento diferenciado”, não se pode falar em incentivo fiscal, não sendo objeto do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (PINHEIRO, 2003). Não se pode esquecer que a LRF versa sobre matéria de direito financeiro e não tributário, tratando de condições e limites de concessão de benefícios e incentivos fiscais, somente sob o aspecto da repercussão dessas 69 concessões no orçamento. Em outras palavras, o interesse da lei não repousa sobre a norma exonerativa de direito tributário, mas sobre os reflexos destes benefícios e incentivos sobre o equilíbrio orçamentário. Resta claro que a renúncia que importa à Lei de Responsabilidade Fiscal é a renúncia de receita orçamentária, integrante do orçamento anual. Neste sentido, o único interesse da aludida Lei Complementar são os benefícios e incentivos fiscais que possam implicar em renúncia de receita orçamentária, e devem estar sujeitos ao seu artigo 14. 2.5 SOBRE O SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO NATUREZA JURÍDICA Neste momento, cumpre fazer ligeira digressão sobre o sentido da expressão natureza jurídica. A teoria jurídica é rica em classificações para o direito. Há quem adote a unicidade do direito, e, portanto, as partições do objeto seriam inadequadas. Há quem admita a dicotomia direito público e direito privado e que promoveria a mais aguda cisão no objeto cultural que é o direito. Existe ainda a divisão tripartite que agrega àquelas duas, uma terceira categoria, a dos direitos difusos (VIOLA, 2011). Diante destas divisões acadêmicas, mostra-se importante tentar definir, em que quadrante do vasto sistema jurídico pátrio estão alocados os incentivos dos programas estaduais de estímulo, ou seja, localizar qual a natureza jurídica dos mesmos. Segundo Gagliano (2006) a natureza jurídica de um instituto é a categoria em que se enquadra o instituto jurídico. Para Diniz (2007), natureza jurídica é a afinidade que um instituto tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação. Portanto, para se determinar a natureza jurídica de um instituto, devese buscar sua essência, para então classificá-lo dentro do universo de figuras existentes no Direito. 70 Em outras palavras, quando se indaga sobre a natureza jurídica de um instituto, o que se objetiva é fixar a categoria jurídica em que o mesmo se integra, ou seja, de que gênero aquele objeto é espécie. Assim, natureza jurídica é a substância ou a essência jurídica das coisas. 2.6 OS DESCONTOS NO IPVA E NO IPTU DERIVADOS DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO TEM A NATUREZA JURÍDICA DE BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO CARACTERIZANDO HIPÓTESE DE RENÚNCIA DE RECEITA A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 165 § 6º, que além das isenções, anistias, remissões e subsídios, há três modalidades de benefícios, quais sejam, de natureza financeira, tributária e creditícia que juntos, constituem o conjunto de benefícios fiscais. Percebe-se assim que não existe um rol taxativo de hipóteses que poderiam se subsumir nos benefícios que correspondam a tratamento diferenciado, enquanto objeto da Lei de Responsabilidade Fiscal, assumindo a feição de renúncia de receita. Este é o enquadramento legal e, portanto, a natureza jurídica, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, dos descontos concedidos quando do pagamento do IPVA ou do IPTU, com os créditos derivados dos programas de estímulo ao pedido de nota fiscal. Neste sentido Ramos Filho (2002, p. 8) afirma que o rol de benefícios é exemplificativo, “já que abarca também além daqueles instrumentos mencionados, outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”. Para Lino (2001), na expressão outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado, busca o legislador alcançar qualquer privilégio tributário. Já Pinheiro (2013), entende que as hipóteses de benefícios previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal não são taxativas, mas exemplificativas, alcançando todos os incentivos de natureza tributária que impliquem tratamento diferenciado. O conceito de renúncia de receita da Lei de Responsabilidade Fiscal é exemplificativo, abarcando também, além dos instrumentos mencionados 71 expressamente, quaisquer outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado, incluídos, aí, por exemplo, a suspensão e a restituição de tributos e quaisquer deduções ou abatimentos e adiamentos de obrigações de natureza tributária, bem como os benefícios ou subsídios financeiros e creditícios (BRASIL, 2010). Por seu turno, Almeida (2000) entende que a redução do imposto devido, onde apenas parte do imposto é paga, constitui modalidade de benefício fiscal-tributário, sendo esta a hipótese dos incentivos que acarretam redução do valor dos impostos (IPVA e IPTU) nos programas de estímulo ao pedido de nota fiscal. Para ele, considera-se benefício tributário o dispositivo que provoque perda de receita para o Estado e, paralelamente, reduza o ônus tributário do contribuinte, tendo como referência os princípios gerais da legislação tributária. O benefício que redunda na redução do IPTU e do IPVA, ainda que se trate de instituto de direito tributário, gera reflexos de índole financeira, pois os descontos, enquanto renúncia de receita, devem ser objeto de previsão na Lei Orçamentária Anual, de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atendendo ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Os governos perseguem indiretamente objetivos econômicos e sociais por meio de dispositivos tributários especiais, de forma assemelhada àqueles materializados com a aplicação de gastos orçamentários diretos. Porém, no caso da renúncia de receita, como não há desembolso de recursos, mas renúncia de arrecadação, o sempre citado Professor Surrey batizou tais operações, de gastos tributários. No Brasil, ao invés de gasto tributário, fixou-se a terminologia benefício tributário, por força da redação do dispositivo constitucional (ALMEIDA, 2000). Trata-se de uma válvula de escape encontrada pelo legislador com finalidade de dificultar eventual burla à maior rigidez imposta à renúncia de receita. Portanto, as hipóteses indicadas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal são meramente exemplificativas, incluindo também o benefício decorrente do desconto dos programas de estímulo. 72 Assim, tal benefício é qualificado como renúncia de receita, pois qualquer outro arrefecimento fiscal além dos taxativamente nominados pelo art. 14, independente do nome utilizado pelo legislador, pode ser incluído neste rol, desde que exista benefício a contribuintes determinados (MARTINS, 2013). O fato do contribuinte beneficiado pelo desconto ser um beneficiário individual, ainda que pessoa física, não desnatura o benefício tributário da redução do imposto, pois integram o rol de benefícios tributários as isenções, anistias e remissões que podem ser destinadas ao setor comercial ou industrial, a programa de governo ou, ainda, a um beneficiário individual, pessoa física ou jurídica (BRASIL, 2010). No que tange à redução discriminada de tributos ou contribuições, para identificarmos se estamos diante de um benefício de natureza tributária devemos fazer o seguinte questionamento: determinado benefício está reduzindo – ou eliminando – uma obrigação de conteúdo tributário? Se a resposta for afirmativa, isto é, se o Estado estiver deixando de receber valores a título de tributo, tratar-se-á de incentivo ou benefício fiscal – sendo subordinado, pois, às prescrições do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Do contrário, se as obrigações que se beneficiam do desconto ou exclusão não têm natureza fiscal por não se enquadrarem no conceito de tributo do art. 3º do CTN, não pode o referido benefício ser qualificado como incentivo fiscal (RAMOS FILHO, 2002). Almeida (2000) entende que a renúncia de receita tem entre seus objetivos, o de estimular determinado comportamento do contribuinte, ideia que se encaixa na renúncia de receita enquanto benefício tributário, tendo origem nos programas de estímulo, ao incentivar o pedido de nota fiscal. Neste sentido, quanto ao estímulo provocado pelo Estado aos beneficiados pela renúncia fiscal, o agente econômico recebe estímulos e desestímulos que, atuando no campo de sua formação de vontade, levam-no a se decidir pelo caminho proposto pelo legislador (MARTINS, 2013). Desse modo, a antes tradicional finalidade precipuamente fiscal dos tributos, até então vistos como ferramentas para o sustento exclusivo das 73 despesas estatais típicas, passa a repartir cada vez mais espaço com a extrafiscalidade, aceitando-se a instituição de exações muito mais voltadas a induzir comportamentos do que a representar fonte substancial de receita. (MARTINS, 2013). E o comportamento ativo dos participantes nos programas de estímulo é fundamental para o sucesso destes, eis que devem passar de uma postura de indiferença para ativamente exigir o documento fiscal. Almeida (2000) segue igual linha de pensamento. Para ele um benefício tributário deve ser indutor de comportamento, vale dizer, deve estimular os agentes a agir de determinada forma, objetivando atingir um alvo econômico ou social previamente definido. Exemplifica com a isenção do imposto de renda sobre os rendimentos reais obtidos em depósitos de caderneta de poupança pelos contribuintes pessoas físicas, visando mantê-los, ou atraílos, para estas aplicações, de modo a evitar uma canalização excessiva de recursos para o consumo, fato prejudicial no início de um programa de estabilização. E qual é o objetivo básico dos programas de estímulo senão produzir uma mudança ou indução de comportamento da população, qual seja, exigir a emissão da nota fiscal? Por todas estas razões, os descontos nos impostos concedidos pela utilização dos créditos dos programas de estímulo ao pedido de nota fiscal, tem a natureza jurídica de benefício tributário, sendo, portanto, classificados como renúncia de receita, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo se submeter a todas as exigências legais para sua instituição. 2.7 OS DEMAIS BENEFÍCIOS DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO POSSUEM NATUREZA JURÍDICA DE DESPESA PÚBLICA Antes da análise da natureza jurídica dos demais incentivos dos programas de estímulo ao pedido de nota fiscal, mais exatamente crédito em dinheiro, sorteios, apoio a entidades sociais e troca de crédito por ingressos, cumpre analisar os conceitos de gasto público e despesa pública, necessários para a compreensão do tema. 74 2.7.1 Gasto público Gasto público é o dinheiro que o governo gasta em nome do Estado. Obras públicas, previdência e assistência social e manutenção da estrutura administrativa do Estado, são gastos públicos. Em outras palavras, gastos públicos são os valores despendidos pelo Estado para custear os serviços públicos prestados à sociedade, apresentandose sob a forma de despesas correntes e de capital. Os gastos públicos constituem a principal peça de atuação do governo. Através deles, são estabelecidas prioridades quanto à prestação de serviços públicos básicos e aos investimentos a serem realizados. Assim, por esse conceito depreende-se que a renúncia tributária em sua acepção financeira, mantém estrita relação com a receita pública e com o gasto público, produzindo o mesmo resultado econômico de uma despesa. 2.6.2 Despesa pública Em sentido lato, o conceito de despesa pública é sinônimo de saída financeira, dependente ou não de autorização orçamentária, que tanto pode resultar em diminuição como em mera permutação patrimonial (NASCIMENTO, 1992). Encarada restritivamente, constitui despesa pública apenas a saída de recursos que implique redução do patrimônio público. Em seu significado econômico, são despesas as de caráter orçamentário, denominadas efetivas (NASCIMENTO, 2002). Dentre as definições de despesa pública propostas por Baleeiro (2012, p. 2), a mais aceita é aquela que a conceitua como o “conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos”. Assim, a despesa pública pode ser entendida como uma parte do orçamento seccionada para o custeio de determinado setor administrativo que cumprirá uma função ou atribuição governamental. 75 Pode representar tanto uma parte do orçamento, com a consequente distribuição de emprego das receitas para cumprimento das diversas atribuições da administração, como pode ser interpretada como sendo a utilização, pelo agente público competente, de recursos financeiros previstos na dotação orçamentária, para atendimento de determinada obrigação a cargo da administração. Há de corresponder, invariavelmente, a um dispêndio relacionado com uma finalidade de interesse público (HARADA, 2013). A escolha de qual necessidade será satisfeita pelo Estado, concretizando-se em despesa pública, está a critério do poder político, representantes escolhidos pelo povo ou impostos a ele, que têm competência para tal decisão. Segundo a classificação econômica da despesa – e também legal nos termos da Lei nº 4.320, de 1964 - as despesas são desdobradas em duas categorias econômicas básicas, quais sejam, despesas correntes e despesas de capital. As despesas correntes compreendem aquelas relativas ao pessoal e encargos sociais, juros e encargos da dívida interna e externa, além de outras despesas correntes, observadas a conceituação existente nos dispositivos legais e normas pertinentes em vigor. As outras despesas correntes correspondem às despesas executadas na manutenção dos serviços públicos existentes, tais como: educação, saúde, segurança e ainda na conservação de bens móveis e imóveis (SANTA CATARINA, 2012). Para Harada (2013), as despesas correntes abrangem as de custeio, que correspondem às dotações para manutenção de serviços anteriormente criados. Deste modo, serão consideradas como despesas correntes todas aquelas despesas governamentais que se realizam de forma contínua, uma vez que estão ligadas à sua manutenção, sendo, portanto, permanentes. As despesas de capital, por seu turno, correspondem às de investimentos, inversões financeiras, amortização da dívida interna e externa e outras despesas de capital. Abrangem ainda os investimentos que 76 correspondem às dotações para planejamento e execução de obras, inversões financeiras (aquisição de imóveis, por exemplo), e transferências de capital, bem como as dotações para amortização da dívida pública (HARADA, 2013). Sua característica principal é a descontinuidade. Tais despesas têm uma data para se iniciarem e serem concluídas, diversamente do que ocorre com as despesas correntes, cuja conclusão é impossível de se cogitar. As despesas de capital são divididas em amortização da dívida, investimentos e inversões financeiras. Os investimentos representam as despesas destinadas ao planejamento e à execução de obras públicas, à aquisição de instalações, de equipamentos e de materiais permanentes. As inversões financeiras, que, de forma geral, também podem ser consideradas investimentos, são as despesas com aquisição de imóveis, ou de bens de capital já em utilização, a aquisição de títulos representativos de capital de empresas ou entidades de qualquer espécie, quando a operação não importe aumento do capital, bem como as despesas com constituição ou aumento do capital de entidades ou empresas que visam a objetos comerciais ou financeiros, inclusive operações bancárias ou de seguros (SANTA CATARINA, 2012). Outra característica das despesas de capital é que por intermédio delas, o Poder Público expande os serviços públicos prestados, ao contrário das despesas correntes pelas quais o Estado mantém os serviços anteriormente criados. Neste sentido, os programas de estímulo ao pedido de nota fiscal carreiam aos cofres públicos despesas de toda ordem, seja quando da criação e implantação dos mesmos, perdurando durante todo período de existência, seja posteriormente na própria aquisição dos incentivos. Assim, toda demanda em termos de implantação e gestão de software deve ser atendida pelo estado que implementou o programa, bem como a estrutura física e funcional para a gestão do programa, repercutindo no âmbito da despesa corrente. Da mesma forma, os incentivos dos programas consubstanciados em crédito em dinheiro, troca de créditos por ingressos, auxílio financeiro a 77 entidades sociais e sorteio em dinheiro ou bens móveis também repercutem de maneira contínua no orçamento estatal, sendo considerados como despesa corrente de caráter continuado. Mais ainda, nos termos do artigo 17 de Lei de Responsabilidade Fiscal, as despesas com a gestão dos programas e com os próprios incentivos decorrentes dele e entregues aos participantes, são classificadas como despesas obrigatórias de caráter continuado, pois são criadas por lei, medida provisória ou ato administrativo normativo equivalente e que fixe a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios. São consideradas despesas de caráter continuado, por exemplo, além das despesas com os programas de incentivo (sorteios, permuta por ingressos, apoio a entidades sociais e crédito em dinheiro), os aumentos do funcionalismo dados acima do reajuste que recompõe a perda inflacionária, a contratação de funcionários, o ato que cria ou aumenta os cargos públicos, a prestação de novos tipos de assistência social, instituição de programas de renda mínima e de bolsa-escola, etc. Todos os programas de estímulo possuem como característica genética a criação por lei estadual (ou Distrital) ou outro instrumento legal, desde que autorizado por lei anterior, como no caso do Piauí e do Rio de Janeiro. Vejamos o rol de instrumentos legais que criaram os programas em cada Estado: Tabela 5 - Relação das leis instituidoras dos programas em cada unidade da federação e sua regulamentação UF Lei instituidora do programa Regulamentação do programa Alagoas Lei nº 6.991, de 2008 Decreto nº 4.073, de 2008 Bahia Lei nº 7.438, de1999 Diversos Decretos Ceará Lei nº 13.568, de 2004 Decreto nº 27.797, de 2005 D.F. Lei nº 4.159, de 2008 Decreto nº 29.396, de 2008 Goiás Lei nº 18.318, de 2013 ******* Maranhão Lei nº 9.120, de 2010 Decreto nº 27.789, de 2011 78 Minas Gerais Lei nº 12.984, de 1998 Decretos nº 45.759, de 2011 e 45.669, de 2011. Pará Lei nº 7.632, de 2012 Decreto nº 490, de 2012 Paraíba Lei nº 9.932, de 2012 Portaria nº 150, de 2013 Paraná Decreto nº 9.170, de 2013 Resolução SEFA nº 01, 2014 Piauí Decreto nº 19.776, de 2007 Decreto nº 14.070, de 2010 Pernambuco Lei nº 13.227, de 2007 Decreto nº 36.096, de 2011 R.G. do Norte Lei nº 8.486, de 2004 Decreto nº 19.776, de 2007 R. G. do Sul Lei nº 14.020, de 2012 Decreto nº 49.479, de 2012 Rio Janeiro Decreto nº 42.044, de 2009 Resolução SEFAZ nº 247, de 2009 Rondônia Lei nº 2.589, de 2011 Decreto nº 16.359, de 2011 São Paulo Lei nº 12.685, de 2007 Decreto nº 54.179, de 2009 Sergipe Lei nº 7.000, de 2010 Decreto nº 28.022, de 2011 Como os programas de estímulo são criados para terem vigência indeterminada, acabam por integrar as denominadas despesas de caráter continuado, fixadas em lei ou instrumento equivalente, devendo ocorrer comprovação prévia de que a despesa criada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais, observando-se que seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, têm que ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa, nos termos do artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Neste mesmo sentido, segundo o artigo 16 da LRF, a criação de ação governamental que acarrete aumento de despesa será acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes. As despesas de caráter continuado têm tratamento especial na Lei de Responsabilidade Fiscal, pois geram despesas além do normal da 79 administração, criando déficits orçamentários, a menos que haja compensações que anulem seus efeitos financeiros. Com o advento da LRF, essas despesas tornam-se mais difíceis de serem realizadas, pois os atos que as criarem ou ampliarem deverão satisfazer a três condições cumulativas, quais sejam, estimativa do impacto orçamentário e financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois exercícios subsequentes, demonstração da origem dos recursos e apresentação da comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas e resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais. 2.8 COMO AS UNIDADES DA FEDERAÇÃO TRATAM EM CONTABILIDADE OS BENEFÍCIOS DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO SUA 2.8.1 Renúncia de receita do IPVA e do IPTU Dentre as unidades da federação que criaram programas de estímulo ao pedido de nota fiscal, apenas Alagoas, Distrito Federal, e São Paulo, instituíram como benefício a possibilidade de descontos dos créditos do programa em imposto estadual, o IPVA, sendo que o Distrito Federal também instituiu o desconto no IPTU, em face do caráter híbrido daquele ente federativo, no que tange à competência tributária. Embora de forma não explícita, com o rótulo de abatimento, o Programa Nota Legal do Distrito Federal é tratado como renúncia de receita do IPVA e do IPTU na Lei de Diretrizes Orçamentárias, inclusive projetando os reflexos da renúncia nas metas fiscais e projeções de receita e despesa (DISTRITO FEDERAL, 2013a). Em relação à projeção de receitas do IPVA e do IPTU, diz a LDO distrital de 2013 que a expectativa de arrecadação destes impostos considera em sua previsão a renúncia de receita geral, além do abatimento do Programa Nota Legal, ou seja, também considerada renúncia de receita. Em e-mail enviado pela Secretaria de Fazenda do Distrito Federal, foi informado ao autor que os abatimentos do programa são tratados como “renúncia de 80 receita não identificada, devido ao seu caráter genérico, sendo impossível identificar o beneficiário individual” (DISTRITO FEDERAL, 2013a). Vejamos as seguintes tabelas contidas nas considerações sobre as metas e projeções de receitas e despesas da LDO de 2013 do Distrito Federal (2012a): Tabela 6 - Previsão de receita do IPTU para os anos de 2013, 2014 e 2015 Item 2013 2014 2015 Receita bruta de fatos geradores 756.823 794.457 832.295 (-) Renúncia estimada 61.728 64.744 67.786 (-) Abatimento programa Nota 19.407 20.372 21.343 (-) Inadimplência estimada 113.379 119.026 124.702 (+) Arrecadação estimada 10.975 11.520 12.069 573.284 601.836 630.534 do exercício Legal exercícios anteriores (=) Receita estimada Valores correntes em R$ 1.000 Tabela 7 - Previsão de receita do IPVA para os anos de 2013, 2014 e 2015 Item 2013 2014 2015 Receita bruta de fatos geradores 718.032 753.737 789.635 (-) Renúncia estimada 15.073 15.809 16.552 (-) Abatimento programa Nota 63.218 66.362 69.522 (-) Inadimplência estimada 80.987 85.015 89.065 (+) Arrecadação estimada 24.094 25.292 26.496 do exercício Legal exercícios anteriores 81 (=) Receita estimada 572.244 600.711 629.330 Valores correntes em R$ 1.000 Como o Distrito Federal criou o programa de estímulo por lei específica, nos termos do que preceitua o art. 150, § 6º, combinado com o art. 167, II, ambos da Constituição de 1988, tem-se que está preenchido o primeiro requisito para instituição da renúncia de receita dele derivada. Estando a renúncia pretendida em consonância com as disposições da Lei de Diretrizes Orçamentárias do renunciante, o que é o caso do DF, e a demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita do orçamento do renunciante e, ainda, de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, tem-se que a renúncia de receita de parcela do IPVA e do IPTU derivada do Programa Nota Legal está em consonância com os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por seu turno, no Estado de São Paulo, como descrito em seu balanço geral, a provisão dos créditos do Programa Nota Paulista é lançada como despesa, sendo que no ano de 2012 tal provisão foi da ordem de R$ 3.665.863.340,54, abrangendo todas as despesas com os incentivos do programa, quais sejam, dedução do IPVA, crédito em dinheiro, auxílio a entidades sociais e sorteios em dinheiro (SÃO PAULO, 2012). Em e-mail recebido, a Secretaria de Fazenda de São Paulo informa ao autor que a contabilização dos créditos relativos ao Nota Fiscal Paulista é feita como provisão de obrigação do Estado (despesa portanto) em conta do passivo e os pagamentos dos créditos requeridos são contabilizados como desconto na arrecadação do ICMS (SAO PAULO, 2013a). Assim, em São Paulo há abatimento financeiro no valor do IPVA, não tratado como renúncia de receita, mas não há redução ou desconto para o valor do ICMS arrecadado, e orçamentariamente o procedimento é de reclassificação da receita de ICMS para receita de IPVA no montante dos créditos oferecidos em pagamento do IPVA. 82 Neste sentido, determina o artigo 8º da Lei Estadual nº 12.685, de 28 de agosto de 2007, ao instituir o programa paulista, que os créditos a que se referem o artigo 2º e o inciso IV do artigo 4º desta lei, bem como os recursos destinados ao sorteio de prêmios previsto no inciso III do referido artigo 4º, serão contabilizados à conta da receita do ICMS. Assim, pelo menos que tange aos programas de estímulo ao pedido de nota fiscal, o Estado de São Paulo não vem seguindo corretamente as diretrizes estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pelo menos no que tange aos descontos (renúncia de receita na verdade) do IPVA, tal qual faz o Distrito Federal ou, na melhor hipótese, disfarça a renúncia de receita do IPVA em renúncia de receita no ICMS. O terceiro e último ente da federação que instituiu o uso do crédito do programa em descontos de impostos foi o Estado de Alagoas. Lá, assim como em São Paulo, todos os créditos do programa são registrados à conta da Receita do ICMS e descontados do IPVA, nos termos do art. 7º, da Lei Estadual nº 6.991, de 2008 (ALAGOAS, 2014). Deste modo, o Estado de Alagoas também não está cumprindo adequadamente a previsão da LRF no que tange à renúncia de receita e a todos os formalismos legais estabelecidos para sua regular instituição, pois trata o assunto como mero bônus no pagamento do tributo. 2.8.2 Conversão dos créditos em dinheiro, depositado em conta corrente ou poupança Alagoas, Ceará, Distrito Federal e São Paulo são as unidades da Federação que adotam a conversão dos créditos de seus programas em dinheiro, para posterior depósito em conta corrente ou poupança. Todos os estados, sem exceção, entendem que tais créditos tem a natureza jurídica de despesa, devendo, portanto estar incluída na projeção de despesas da Lei de Diretrizes Orçamentárias, pois carreia ônus para o próximo exercício e para os dois seguintes, assim como deve estar prevista na Lei Orçamentária Anual. 83 Para exemplificar, no orçamento de 2013 do Distrito Federal, constam como despesa os valores referentes à conversão dos créditos em dinheiro para depósito em conta corrente ou poupança derivados do Programa Nota Legal, com dotação inicial de R$ 19.903.651,00 (DISTRITO FEDERAL, 2013a). Importante frisar que alguns estados, apesar de contabilizarem estes créditos corretamente como despesa, utilizam maneiras pouco ortodoxas para a classificação contábil de tais pagamentos. Como exemplo, o Ceará classifica o crédito em dinheiro como sendo “premiações culturais, artísticas, científicas, desportivas e outras”, assim evidenciado no seu balanço geral, tendo despendido em 2012 mais de vinte e quatro milhões de reais para os depósitos em dinheiro (CEARÁ, 2012). Desta forma, o Estado do Ceará informou que a forma como são classificados os pagamentos do Sua Nota Vale Dinheiro é a seguinte: função: encargos especiais, subfunção: outros encargos especiais, ação: incentivo à arrecadação e promoção da educação tributária, despesa: premiações culturais, artísticas, cientificas, desportivas e outras (SAMPAIO, 2014). Em e-mail recebido, foi informado ao autor pela Secretaria de Fazenda do Distrito Federal que a partir do ano de 2013, o pagamento em dinheiro do Programa Nota Legal corre como despesa do orçamento, consignada à Secretaria de Fazenda. Foram alocados cerca de 19 milhões, em ação orçamentária própria (DISTRITO FEDERAL, 2013b). 2.8.3 Sorteios em dinheiro Conjuntamente com o auxílio a entidades sociais, este é o tipo de estímulo mais adotado pelos estados, em número de dez, mais exatamente Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo e Sergipe. Da mesma forma que o crédito em dinheiro para depósito em conta corrente ou poupança, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os estados tratam, corretamente, tais créditos como tendo a natureza 84 jurídica de despesa, devendo ser objeto de inclusão na projeção de despesas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 4º da LRF e 165, § 2º da CF), pois carreia despesas para o próximo exercício e para os dois seguintes, assim como na Lei Orçamentária Anual (art. 5º da LRF). O Estado da Paraíba, por exemplo, nas Diretrizes para a Lei Orçamentária de 2014, previu como verba necessária ao pagamento dos sorteios em dinheiro o importe de cem mil reais (PARAÍBA, 2013). No Estado do Pará, no balancete estadual de novembro de 2013, estes valores são lançados como despesa, mais exatamente como premiações do Programa Nota Fiscal Cidadã. A premiação no mês correspondeu a R$ 47.783,24 e acumulado no ano R$ 702.547,64 (PARÁ, 2013). Por seu turno, no Estado do Maranhão, o dinheiro destinado ao sorteio é contabilizado como despesa orçamentária, prêmios em pecúnia (JESUS, 2014). Em Minas Gerais, os valores dos prêmios dos sorteios do Minas Legal constituem despesa, classificadas na natureza de despesa, prêmios lotéricos (MINAS GERAIS, 2014b). 2.8.4 Auxílio em dinheiro a entidades sociais O auxílio em dinheiro às entidades sociais é o segundo estímulo na preferência dos estados, sendo que nove deles instituíram tal benefício, mais exatamente Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Sergipe. Este tipo de estímulo tem diversas formatações, a depender do estado que se analisa, assim como possui variação quanto ao tipo de entidade beneficiada com o programa. São consideradas como entidades sociais as instituições sem fins lucrativos, regularmente constituídas e estabelecidas em cada estado, que desenvolvam programas de assistência, promoção social e de melhoria na qualidade de vida da população, tais como, entidades esportivas, conselhos de fiscalização profissional, associações comunitárias, associações de classe, 85 sindicatos, fundações, instituições filantrópicas, religiosas, culturais, assistenciais, organizações não governamentais, dentre outras. Em São Paulo, o incentivo consiste em concorrer a sorteios em dinheiro, a partir de documentos fiscais relativos às suas próprias aquisições, bem como por meio de documentos fiscais doados por consumidores sem sua identificação, além da doação de documentos fiscais realizada pelos próprios consumidores a favor da entidade (SÃO PAULO, 2014a). No programa gaúcho, as entidades sociais indicadas pelos participantes são beneficiadas por repasses de parte dos créditos do participante ou ainda por doação dos documentos fiscais sem indicação do CPF (RIO GRANDE DO SUL, 2014a). Neste rumo, os créditos em dinheiro ou participação em sorteio são também enquadrados como despesa orçamentária, embora nenhum estado trate, no balanço estadual, este estímulo de forma apartada ou separada, incluindo esta despesa nas demais despesas decorrentes dos programas de estímulo. Deve ser excepcionado deste modo de agir o Estado do Rio Grande do Sul, pois o mesmo previu, quando da instituição de seu programa pela Lei nº 14.020, de 2012, que o montante anual de recursos seria de R$ 38.000.000,00, sendo que R$ 20.000.000,00 foram destinado ao repasse às entidades beneficiárias (RIO GRANDE DO SUL, 2012). Já em Pernambuco, o auxílio compreende prêmio em dinheiro, sendo que as instituições que conseguirem amealhar maior quantidade de documentos fiscais, colocados em urnas distribuídas pelo Estado, são agraciadas com o prêmio (PERNAMBUCO, 2014). Por seu turno, no Estado do Ceará, o auxílio a entidades sociais é também nominado como despesa, recebendo a classificação de premiações a contribuintes, sendo que esses pagamentos estão evidenciados no balanço geral do estado (MORAES, 2014). 2.8.5 Troca de créditos dos programas, ou de notas fiscais, por ingressos de futebol e outros eventos 86 Cinco estados utilizam em seus programas este tipo de estímulo, mais exatamente Bahia, Goiás, Maranhão, Piauí e Pernambuco. O modo de efetivação prática de tal benefício varia de estado para estado, indo de troca de créditos armazenados em cartão de plástico do programa (Pernambuco) até a troca direta do documento fiscal pelo ingresso em postos de troca, como no caso da Bahia. Em todos os estados pesquisados, excetuando Goiás, os ingressos para jogos de futebol, shows e espetáculos, são adquiridos pelo estado via assunção de despesa, com previsão na Lei Orçamentária Anual e lançamento como despesa no balanço contábil. Como exemplo, o programa de Pernambuco Todos com a Nota, teve previsão na Lei Orçamentária, para o ano de 2012, no montante de R$ 34.264.900,00, para aquisição de ingressos junto à Federação Pernambucana de Futebol, manutenção do próprio programa, além dos sorteios destinados às entidades sociais devidamente cadastradas (PERNAMBUCO, 2012). Em 2011, o programa pagou R$ 5,5 milhões aos 12 clubes participantes do Campeonato Pernambucano da Série A1, por 811.400 mil ingressos negociados através da troca pela nota fiscal de compra. Em 2010, foram pagos R$ 5,1 milhões aos times participantes por cerca de 790 mil ingressos. No ano de 2012, apenas com o campeonato Pernambucano de futebol, os gastos foram de R$ 7.433 milhões e o número de ingressos ofertados foi de 1.354 milhão (PERNAMBUCO, 2014). Já no Estado do Maranhão, a troca de documentos fiscais por ingressos de futebol também é contabilizada de forma adequada como despesa orçamentária (JESUS, 2014). Porém, nem todos os Estados tratam a matéria segundo os ditames rígidos da LRF. O Estado de Goiás encontrou uma maneira peculiar de tratar a questão dos recursos destinados à aquisição de ingressos para jogos de futebol no sistema de seu programa de estímulo denominado Nota Show de Bola. 87 Desde 2010, o Estado edita uma nova lei todos os anos, de iniciativa do Governador e aprovada pela Assembleia Legislativa, onde há a transferência de recursos diretamente à Federação Goiana de Futebol, sem qualquer tipo de previsão orçamentária anterior. Em dezembro de 2013 foi editada a Lei nº 18.318 que autorizou a transferência de recursos financeiros àquela entidade, da ordem de R$ 13.050.000,00, destinado à aquisição de ingressos do programa (GOIÁS, 2013). Não há dúvida que tal maneira de transferir recursos para a aquisição de ingressos foge a toda sistemática legal adotada pela LRF, pois o artigo 16 determina a necessidade de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes, além da declaração de que o aumento da despesa está adequado à Lei Orçamentária Anual e da compatibilidade com o Plano Plurianual e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Por conta do total desrespeito às normas legais, em abril de 2011 e em janeiro de 2012, o Ministério Público de Contas do Estado de Goiás ingressou com Representação (201100047000957) contra o Governo do Estado por descumprimento, dentre outras, da LRF conforme exposto (GOIÁS, 2012). As ações ainda pendem de julgamento quanto ao mérito. 3 OS PROGRAMAS ESTADUAIS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL E O CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL 3.1 CRITÉRIOS EXIGIDOS PARA A RENÚNCIA DE RECEITA PRODUZIDA PELA REDUÇÃO DO VALOR DO IPVA E DO IPTU NOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO AO PEDIDO DE NOTA FISCAL Conforme analisado, é preciso reconhecer que, ao estipular requisitos objetivos e precisos para a renúncia de receita, condicionando o benefício à existência de uma razoável sustentabilidade financeira do ente federativo renunciante, a Lei de Responsabilidade Fiscal contribui para dificultar a 88 tomada de medidas imprudentes, as quais, como regra, mais prejudicam do que auxiliam o desenvolvimento econômico e social do país (MARTINS, 2013). A Constituição Federal trata da renúncia de receita em duas oportunidades, regulando a matéria sob a ótica tributária e financeira. O art. 150, § 6º, de natureza tributária, impõe o princípio da legalidade ao dispor que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g (FERRAZ JÚNIOR, 2001). Por seu turno, o § 6º do art. 165 trata da questão financeira, dispondo que o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Os dispositivos constitucionais citados visam a dar maior transparência à renúncia de receita, buscando manter o equilíbrio orçamentário que com a renúncia poderia ser afetado, e ainda demonstrar se realmente tais incentivos viabilizarão o desenvolvimento econômico e o bem estar da população, evitando privilégios individuais e dirigidos, garantindo a legitimidade de sua instituição (TORRES, 2000). A Lei de Responsabilidade Fiscal não impede a renúncia de receita de natureza tributária, mas exige, em benefício do equilíbrio das contas públicas, o relatório de impacto orçamentário e financeiro, adequação com a LDO, e que de duas condições uma ao menos seja observada, ou que se retire do cômputo das receitas o montante relativo à renúncia, ou que se criem medidas de compensação consistentes no aumento da receita por meio de elevação de alíquotas de outros tributos, cancelamento de outros benefícios anteriormente constitucionalmente concedidos, previsto e majoração legalmente possível) ou de criação (se tributos, ou 89 ampliação da base de cálculo de tributo já existente, segundo o art. 14 da LRF (LEITÃO, 2013). A elaboração de um relatório de impacto orçamentário-financeiro, demonstrando o valor renunciado, atende ao princípio da transparência, preconizado na Lei de Responsabilidade Fiscal e informado pelo princípio da publicidade e da eficiência, previstos no art. 37 da CF/88 (MOREIRA NETO, 2001). A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, trouxe uma série de requisitos para validar a renúncia fiscal. Em verdade, a norma de regência reflete uma tendência mundial de inibir os favores fiscais frívolos, dada a consciência acerca do esgotamento do modelo desenvolvimentista de estado, onde, concediam-se incentivos e isenções fiscais a mancheias, na convicção de que tais benefícios conduziriam ao crescimento econômico (TORRES, 2010). Nesse sentido, o primeiro requisito para qualquer renúncia de receita é a edição de lei específica por parte do ente que concede o benefício. É o que preceitua o art. 150, § 6º, combinado com o art. 167, II, ambos da Constituição de 1988. Em complemento, é obrigatória a observância e atendimento dos requisitos especificados no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, quais sejam, a realização de estimativa do impacto orçamentário-financeiro esperado pela renúncia no exercício em que deva iniciar sua vigência e, ainda, nos dos dois seguintes; a comprovação da renúncia pretendida encontrar-se em consonância com as disposições da Lei de Diretrizes Orçamentárias do renunciante; demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita do orçamento do renunciante e, ainda, de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (MARTINS, 2013). Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal exige transparência na renúncia de receita tanto por meio da LDO e da Lei Orçamentária Anual, como por meio do ato de concessão de benefícios, que implique renúncia de receita. O demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de 90 receita, por seu turno, visa a dar transparência à renúncia de receita, em atendimento ao art. 165, § 6º, da Constituição e aos arts. 4°, § 2°, V, e 5º, II, da Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo integrar o Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (BRASIL, 2010). Deste modo, a lei não proíbe a renúncia de receita. Apenas cria mecanismos compensatórios, dentro do espírito que orientou o legislador, de equilíbrio orçamentário com a extinção do déficit público ou, até, se possível, alcance de superávit. Assim, os entes federados poderão continuar implementando suas políticas de desenvolvimento econômico. Basta que, para isso, satisfaçam a um dos dois requisitos impostos nos incisos I e II do artigo 5º em análise (LINO, 2001). O primeiro deles exige, para perfeição da renúncia, que, além de ter sido considerada na LOA não venha a afetar as metas estabelecidas na LDO, segundo a determinação do artigo 14 da LRF. A Constituição Federal deixa implícita a necessidade de tais conteúdos integrarem a LDO ao estatuir que a referida lei disporá sobre as alterações na legislação tributária. Claro que a LDO não se presta à previsão do montante da receita que se pretenda arrecadar em cada exercício, porquanto esta função foi constitucionalmente reservada à LOA, segundo o art. 165, § 8º, da CF. Seu papel será, tão somente, o de dispor de forma genérica sobre os tributos que se pretenda criar ou majorar e sobre os incentivos que se pretenda conceder, sem, no entanto, entrar em detalhes quanto aos valores que serão arrecadados ou dispensados (RAMOS FILHO, 2002). Desta forma, fica evidenciada a necessidade de a LDO dispor sobre a renúncia de receita, tendo em vista a redação do art. 14, caput, da LRF. Ademais, o inciso I do mesmo artigo exige para a concessão do benefício, a demonstração pelo proponente de que a renúncia não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias. O anexo referido no dispositivo citado é o anexo de metas fiscais, nos termos do inciso V, § 2º, do art. 4º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (RAMOS FILHO, 2002). Além dessas condições formais, exige a lei duas outras condições materiais, que, no entanto não são cumulativas, mas alternativas. A 91 primeira das condições, prevista no inciso I do art. 14, exige que o valor renunciado, constante do demonstrativo de impacto orçamentário- financeiro, não seja computado no cálculo da receita corrente líquida (art. 12) e que tal exclusão não seja capaz de afetar as metas de resultados fiscais (MOREIRA NETO, 2001). Retirar o valor correspondente da renúncia do cálculo da receita corrente líquida implica em quantificar o valor dos benefícios já concedidos e que estão sendo usufruídos pelos beneficiários, e não incluí-los no cálculo referido (BROLIANI, 2004), além de prever, ou estimar, um valor que pode ser renunciado para futuras concessões de benefícios. A segunda condição material, contida no inciso II do art. 14, prevê que a renúncia de receita seja acompanhada de medidas de compensação, no exercício de sua vigência e nos dois seguintes. Essas medidas de compensação consistem em aumento de receita pela elevação das alíquotas dos tributos, pela ampliação das bases de cálculo, pela majoração dos tributos já instituídos, ou pela criação de novos tributos. As medidas de compensação são sempre obrigatórias, independentemente dos casos em que não houve planejamento prévio, ou quando não se retirou do cálculo da receita corrente líquida o valor renunciado, ou ainda onde não se previu antecipadamente no orçamento a concessão do benefício tributário. Desta forma, ainda que haja planejamento prévio, retirando-se do cálculo da receita corrente líquida o valor renunciado e prevendo-se antecipadamente no orçamento a concessão do benefício tributário, há necessidade da medida compensatória contida no inciso II do art. 14, que prevê medidas de compensação, no exercício de sua vigência e nos dois seguintes. Conclui-se, portanto, que a mesma exigência quanto ao planejamento existe em ambas as situações descritas nos incisos I e II do art. 14, visto que, primeiro, deve-se providenciar o aumento da receita, pelo aumento da arrecadação, para, depois, conceder o benefício tributário que redundará em renúncia de receita. 92 Porém, no caso da renúncia de receita derivada da aplicação dos descontos do IPVA e do IPTU nos programas de estímulo, ocorre, ao menos empiricamente, incremento da arrecadação do ICMS e do ISSQN, por força do aumento da emissão de documentos fiscais. Afinal, este é o objetivo primacial dos programas, juntamente com os aspectos educacionais. Então, estaria sendo atendida a exigência do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal pelos programas de estímulo, desde que haja a previsão da renúncia expressamente no orçamento, ou ocorrendo o aumento da receita, como forma de contrabalancear os efeitos nocivos. Mas a estimativa de tal majoração é muito difícil, havendo mesmo quem professe a não ocorrência de aumento significativo da arrecadação dos impostos, no caso de implantação dos programas de estímulo. Neste sentido vejamos a conclusão do artigo publicado na Revista Brasileira de Economia, intitulado “Programas de incentivos fiscais são eficazes? Evidência a partir da avaliação do impacto do programa nota fiscal paulista sobre a arrecadação de ICMS” (MATTOS, 2013, p. 22): Com isso conclui-se que o Programa Nota Fiscal Paulista parece ter tido efeito muito limitado sobre a arrecadação de ICMS do Estado de São Paulo. Duas razões podem explicar este resultado. Primeiro, a evasão fiscal em São Paulo poderia já ser menor que a dos demais Estados o que faria com que reduzi-la ainda mais não fosse tão fácil. Segundo, pode ser que os cidadãos paulistas tenham deixado de pedir a nota fiscal por considerarem alto o custo de declarar o número de seu documento de pessoas física por conta de filas, estigma, constrangimento, ou mesmo medo de cruzamento de dados. Ainda tratando do cumprimento do inciso II do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina como segunda condição para a criação de renúncia de receita, que esta esteja acompanhada de medidas de compensação, a compensação que acompanha o ato de concessão de benefícios pode ser realizada por meio do crescimento econômico, ou pode ocorrer no âmbito da receita, isto é, por meio de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição, e que o valor da compensação, prevista no demonstrativo, seja suficiente para cobrir o valor da renúncia fiscal respectiva (BRASIL, 2014a). 93 Claramente, no caso dos programas de estímulo, ocorre crescimento da arrecadação, ao menos no plano teórico. A renúncia de receita somente acontece quando a receita era esperada, estimada ou prevista, já que as despesas foram fixadas com base naquele montante. Se, no entanto, a receita não foi computada, não era esperada, não foi estimada, de renúncia não se trata, não se aplicando a norma do art. 14, senão somente para o relatório de impacto, já exigido pela Carta Constitucional em seu art. 165, § 6º. E este fato serve também de reforço à ideia de que os incentivos que redundam em abatimento (renúncia de receita) no IPVA e no IPTU, por conta dos programas de estímulo, enquadram-se no artigo 14 da LRF, pois trata-se de receita tributária esperada, porém renunciada total ou parcialmente. Ainda neste rumo, o gestor público pode optar pelo custeio e investimento direto em determinados programas ou projetos, ou pode incentivar políticas por meio de gastos indiretos, isto é, com o não recebimento de receita tributária que lhe seria devida. Sob este ângulo, quando a administração pública opta pela política econômica fundada na renúncia de receita, deve ter em mente que se trata de gastos tributários indiretos. Destarte, o maior problema apontado pela doutrina é a mensuração da perda fiscal. Isso ocorre porque não é fácil apurar a perda real que os entes públicos terão ao renunciarem a certas receitas tributárias. Por isso, na busca de uma maior transparência na gestão pública, a Constituição da República estabelece que o projeto de lei orçamentária seja acompanhado de demonstrativo do efeito sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (COLAUTO, 2013). Apesar disso, a forma em que se evidencia o impacto orcamentáriofinanceiro da renúncia de receita não permite conhecer os reais montantes de recursos renunciados, os beneficiários dessa ação e, principalmente, os resultados efetivos comparados aos objetivos dos planos de governo. Isso significa que, apesar desse intuito do legislador, os mecanismos criados pela 94 legislação não proporcionam níveis suficientes de transparência da gestão pública (COLAUTO, 2013). Porém, isto não ocorre na renúncia de receita concedida nos programas de estímulo, pois se consegue precisar o exato montante do total dos descontos no IPVA e no IPTU, notadamente quando tais valores estão presentes no balanço anual do ente federado, ou estimada a renúncia na Lei de Diretrizes Orçamentárias, como faz o Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2012a). E isto ocorre principalmente quando as informações sobre a renúncia de receita são transparentes. Como reflexo desta almejada transparência, logo após a edição da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, doutrinadores começaram a discutir a implementação de uma metodologia de cálculo para medir o que realmente se deixou de arrecadar com a implantação de política econômica fundada em renúncia de receita. Essa questão ficou muito tempo sem resposta. Em 28 de abril de 2005, com a edição da Portaria nº 303, pela Secretaria do Tesouro Nacional, definiu-se a forma de se apurar o que, efetivamente, deixou de se arrecadar. A Secretaria do Tesouro Nacional, ao aperfeiçoar o processo de mensuração do montante de receita renunciada, favorece uma maior transparência na administração pública, um dos escopos primordiais da LRF. Apesar do avanço na quantificação da receita renunciada, permanece ainda a necessidade de serem promovidos outros estudos no país. No Brasil, não existe, por exemplo, um sistema de controle e monitoramento dos resultados socioeconômicos efetivamente alcançados pela renúncia de receita, para se avaliar o nível de satisfação da sociedade e, consequentemente, a efetividade desta política. Assim, como em um programa que a administração diretamente investe seus recursos, no caso da concessão de um benefício fiscal, deve-se averiguar a efetividade do programa fiscal (COLAUTO, 2013). Ao atribuir a competência tributária ao ente político para instituir o tributo, a Constituição atribui também competência legislativa plena para não cobrá-lo (isenção), para cobrá-lo em parte (isenção, anistia e remissão 95 parcial), para extinguir o crédito (remissão), ou para cobrá-lo com deduções (créditos presumidos ou outros benefícios). Assim sendo, os benefícios tributários que implicam redução do IPVA e do IPTU, derivados dos programas de incentivo, são tecnicamente renúncia de receita, exigindo a Lei de Responsabilidade Fiscal transparência na sua concessão e quantificação, para que a sociedade analise os efeitos benéficos econômicos e sociais que tal modalidade de renúncia poderá gerar, e também para garantir que os incentivos concedidos não prejudiquem as demais obrigações constitucionais que visam ao bem comum. Em face do cada vez mais admitido caráter extrafiscal dos tributos, cuja intensidade pode ser calibrada como meio para estimular ou coibir comportamentos dos sujeitos passivos, espera-se que, em tais circunstâncias, os reflexos econômicos e sociais oriundos da tributação amainada sobressaiam sobre o volume de recursos que poderia ter sido arrecadado. No entanto, se o regular funcionamento do Estado depende da entrada ininterrupta de recursos financeiros em seus cofres, é necessário considerar que os mecanismos de abrandamento fiscal não podem ser empregados indiscriminadamente, uma vez que os benefícios fiscais equivalem a verdadeiras despesas públicas, ao menos no que tange aos respectivos efeitos. É preciso que do arrefecimento fiscal sobressaia algum ganho coletivo, mesmo que no longo prazo, ainda que não seja simples executar esse juízo de custo-benefício (MARTINS, 2013). Por isso, além da estimativa do impacto no orçamento, toda renúncia de receita deve constar da Lei Orçamentária Anual, cujo projeto é elaborado no exercício anterior ao de sua vigência. O planejamento, portanto, é obrigatório para estas situações, que devem ser, ao menos, previstas, para que possam concretizar-se durante a execução orçamentária. Corolário lógico da previsão da renúncia de receita na LOA é a sua inclusão no balanço anual dos estados. A estimativa de impacto orçamentário-financeiro, feita no ano anterior ao de vigência da renúncia, pode ser fixada em montante compatível com o 96 planejamento e de forma a não afetar a execução do orçamento mediante o cumprimento de todas as despesas previstas (BROLIANI, 2004). Só assim, pode-se reverter a máxima de que no Brasil não há um controle e monitoramento dos resultados socioeconômicos efetivamente alcançados, e a mensuração do nível de satisfação da sociedade e de eficácia da política de renúncia de receita, diferentemente dos demais países que exigem sua inclusão no orçamento (PINHEIRO, 2003). Os objetivos da renúncia de receita são públicos, mas não o são os instrumentos de programação, avaliação e controle. Tudo acontece à margem dos orçamentos públicos e por esta razão a aplicação de recursos decorrentes da renúncia é tratada como gastos tributários indiretos (ALMEIDA, 2000). Poderá a lei orçamentária estimar que, uma vez atingido o valor máximo da renúncia prevista, os benefícios fiscais não mais serão concedidos, em homenagem ao equilíbrio fiscal. Entende-se que a renúncia fiscal fere uma situação de normalidade na estimativa contida na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária. Uma vez arrecadada e recolhida, toda receita estimada tem como futuro a aplicação no atendimento de necessidades sociais, podendo-se concluir que a frustração de receitas decorrentes da renúncia afeta a despesa orçamentária fixada, ainda que exista a contrapartida, no caso dos programas de estímulo, de incremento da arrecadação do ICMS e do ISSQN. Neste rumo, é necessária a existência de transparência na execução de políticas públicas que se utilizam de benefícios fiscais para atingir seus objetivos, permitindo a avaliação dos efeitos distributivos da ação governamental (PINHEIRO, 2003). Convém assinalar que, para demonstrar aos usuários da informação contábil a existência e o montante dos recursos que o ente tem a competência de arrecadar, mas não ingressam nos cofres públicos, poderá ser utilizada a metodologia da dedução de receita. Dessa forma, deve haver um registro contábil na natureza de receita objeto da renúncia em 97 contrapartida com uma dedução de receita (LEITÃO, 2013), como corretamente faz o Distrito Federal. A principal razão para a elaboração do orçamento com a previsão da renúncia de receita reside na necessidade de conferir transparência orçamentária, de maneira que se possa aferir com maior precisão os efeitos distributivos da ação governamental, direta e indireta. A análise desses gastos constitui uma forma de abordagem à questão dos incentivos e benefícios fiscais, pela qual se consideram as renúncias de arrecadação tributária como gastos governamentais, que devem ser quantificados e controlados, tais quais as despesas orçamentárias. Para tornar transparentes os subsídios concedidos por meio do sistema tributário, quantificá-los e identificar propósitos e beneficiários, é fundamental a elaboração de um orçamento de gastos tributários. Este instrumento dimensiona as perdas de arrecadação decorrente de favores fiscais, classificando-as por impostos, finalidade de política e beneficiários, de forma semelhante ao orçamento fiscal clássico. Este é o método adotado na maioria dos países membros da OCDE, sendo que em vários deles a sua apresentação, discussão e votação parlamentar é obrigatória (ALMEIDA, 2000). No Brasil, a preocupação com a transparência das contas públicas vem aumentando nos últimos anos, tendo resultado em um orçamento fiscal mais abrangente e na criação do orçamento das empresas estatais e, mais recentemente, em decorrência de disposições constitucionais, no estabelecimento de um orçamento da seguridade social e de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenção, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (ALMEIDA, 2000). Em resumo, para que a renúncia de receita nos programas de estímulo seja legalmente implantada, o instituidor do benefício deve cumulativamente atender aos seguintes requisitos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como aqueles determinados pela Constituição da República: 98 Edição de lei específica por parte do ente que concede o benefício (art. 150, §6º e art. 167, II da CF). A renúncia de receita deve ser precedida de estimativa de impacto orçamentário e financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois exercícios seguintes (art. 14, caput da LRF). A renúncia de receita deve apresentar-se em consonância com o estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 14, caput da LRF). Faz-se necessário que o gestor público demonstre que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais da LDO (art. 14 I da LRF, art. 165, § 6º da CF). Somente se pode efetuar a renúncia de receita se houver compensação, ou seja, aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, aumento ou criação de tributo ou outra forma (art. 14 II da LRF). Os valores renunciados devem estar presentes no balanço anual do Estado. Lançamento no relatório resumido da execução orçamentária indicando a fonte de receita e os valores renunciados (art. 52 I a da LRF). 3.2 As demais formas de estímulo configuradoras de despesa pública e o cumprimento das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal Conforme já salientado, todas as demais formas de incentivo dadas aos participantes dos programas de estímulo tem a natureza jurídica de despesa. Dessa forma, para que sejam plenamente satisfeitas as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, deve o agente público lançar o valor dos benefícios no balanço orçamentário, indicando a despesa por grupo e natureza, discriminando a dotação para o exercício, a despesa liquidada e o saldo (art. 52 I b da LRF). 99 Da mesma maneira, nos termos do art. 17 de Lei de Responsabilidade Fiscal, as despesas com a gestão e com os próprios incentivos decorrentes do programa, e entregues aos participantes, sendo classificadas como despesas obrigatórias de caráter continuado, devem ser criadas por lei, medida provisória ou ato administrativo normativo equivalente e que fixe a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios. Neste rumo, e de acordo com o artigo 16, I, da LRF, a criação de ação governamental que acarrete aumento de despesa será acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes. Do mesmo modo, deve ocorrer a declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, segundo o artigo 16 II da LRF. Deve também existir a demonstração da origem dos recursos e apresentação da comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas e resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais. 3.3 O RISCO FISCAL DOS PROGRAMAS DE ESTÍMULO Conforme já salientado, a pouca utilização dos descontos de impostos (renúncia de receita) nos programas estaduais justifica-se por impactarem diretamente as receitas tributárias das unidades da federação, podendo levar a desequilíbrio orçamentário, além de eventualmente contrariar as diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Vejamos a situação específica do Distrito Federal, mas que pode servir de exemplo aos estados e municípios que criaram, ou criarão, programas onde exista a renúncia de receita sobre impostos locais. Deve-se relembrar que o Programa Nota Legal foi criado em meados de 2008 e possui como principal atrativo aos participantes, os assim chamados “descontos” nos impostos de competência distrital, mais exatamente o IPVA e o IPTU. 100 Neste diapasão, vejamos o incremento significativo da participação popular no programa na seguinte tabela, onde está indicado o número de participantes que indicaram um veículo automotor ou imóvel para obter o desconto (Distrito Federal, 2014b): Tabela 8 - aumento da participação no Programa Nota Legal Ano Participantes que efetuaram a indicação 2010 18.295 2011 106.216 2012 256.182 2013 330.634 2014 347.263 Assim, em apenas quatro anos, o número de participantes aumentou quase 19 vezes, num crescimento expressivo, inesperado e imprevisto pelos gestores do programa. No outro extremo, vejamos a evolução da arrecadação do ICMS no mesmo período (Distrito Federal, 2014c): Tabela 9 - variação da arrecadação do ICMS, já descontada a inflação do período Valor ICMS Aumento Aumento Real Período Inflação IGP-M (1.000) percentual do ICMS 2008 3.941.223 ** ** ** 2009 3.983.561 1% - 1.71% 2.71% 2010 4.493.608 12.8% 11.32% 1.48% 2011 5.968.927 32,8% 5.09% 27.7% 2012 5.944.389 Decréscimo ** ** 2013 6.274.606 5.55% 5.52% 0.03% 2014 (previsão) 6.748.997 7.56% 6.5% (previsão) 1.06% Em milhares de reais Percebe-se que houve um pequeno crescimento na arrecadação do ICMS no período, exceto em relação ao ano de 2011, onde ocorreu um aumento substancial na arrecadação, e no ano de 2012, quando houve 101 queda na arrecadação. A arrecadação do ISS teve melhor sorte, embora responda por apenas 7,7% da arrecadação tributária do Distrito Federal (Distrito Federal, 2014c): Tabela 10 - aumento da arrecadação do ISS, já descontada a inflação do período Valor ISS Aumento Aumento Real Período Inflação IGP-M percentual ano (1.000) do ISS anterior 2008 675.049 ** ** ** 2009 759.201 12.4% - 1.71 14,11% 2010 856.498 12.8% 11.32 1.48% 2011 941.303 10% 5.09% 4.91% 2012 1.083.337 15% 7.81% 7.19% 2013 1.190.829 9.9% 5.52% 4.4% 2014 (previsão) 1.233.523 3.6% 6.5% (previsão) Decréscimo Em milhares de reais. Pela análise da arrecadação dos impostos que geram os créditos para abatimento dos impostos no programa distrital, e que deveriam ser incrementados pelo programa, percebe-se uma tendência de queda na arrecadação. Vejamos agora o crescimento da renúncia de receita derivada dos incentivos do Programa Nota Legal (Distrito Federal, 2014b): Tabela 11 - Valores da renúncia de receita do IPTU e IPVA IPVA IPTU Total indicado R$ Ano Nº de veículos Valor (R$) Nº de imóveis Valor (R$) 2010 13.872 350.950,46 3.098 110.709,09 461.659,55 2011 75.290 17.289.536,12 20.245 5.762.509,57 23.052.045,69 2012 181.394 60.180.450,01 53.378 18.474.675,67 78.655.125,68 2013 248.820 71.445.323,55 63.543 19.053.872,13 90.499.195,68 2014 252.922 62.537.202,11 62.334 16.028.635,80 78.565.837,91 Assim, mostrou-se necessária a alteração da forma de cálculo dos créditos do programa em outubro de 2012, efetivada pelo Decreto nº 33.963, 102 de 2012, redundando na redução no valor dos descontos dos impostos, pois considerando que houve um acréscimo no período dos participantes que pediram desconto no IPVA da ordem de 3%, isto implicaria, apenas pelo aumento de participantes, um aumento de mais de dois milhões de reais no valor da renúncia da receita sobre o IPVA em 2014, calculado sobre o valor de 2013. Mostra-se evidente a falta de uma previsão inicial do exato dimensionamento do programa distrital, quando do surgimento do mesmo. O programa foi lançado com o cálculo dos créditos muito acima do razoável. Com o aumento surpreendente da participação popular, o valor dos descontos em impostos aumentou além das expectativas governamentais, embora estas transparência informações à população, não tenham ocasionando sido queda disponibilizadas da credibilidade com do programa. Desta forma, diante da possibilidade da ocorrência de riscos fiscais, consubstanciado no desequilíbrio entre receita (inclusive sua renúncia) e despesa, os programas podem e devem passar por ajustes, como ocorreu no Distrito Federal. Ainda neste norte, o Programa Minas Legal reduziu sobremaneira os valores sorteados após abril de 2014, quando foi editada a Resolução Conjunta SEFMG LEMG nº 4.654, de 19 de março de 2014. Vejamos a alteração dos valores (MINAS GERAIS, 2014): Tabela 12 - alteração dos valores dos prêmios do Programa Minas Legal Valor do prêmio antes de abril de 2014 Valor do prêmio após abril de 2014 Diários de R$ 500,00 Diários de 500,00 Semanal de R$ 30.000,00 Semanal de R$ 1.500,00 Mensal de R$ 100.000,00 Mensal de R$ 15.000,00 Trimestral de R$ 500.000,00 Trimestral de 60.000,00 Por outro lado, tratando da adesão popular aos programas, o programa mineiro, até o ano de 2012, contava com a adesão de apenas 5% da população do estado, ao contrário do Distrito Federal que tem mais de 103 30% da sua população cadastrada no programa Nota Legal (IBGE, 2014; DISTRITO FEDERAL, 2014a). Um dos problemas para o sucesso do programa, no caso de Minas Gerais, reside no fato de o beneficiário ter que digitar vários números do cupom fiscal em seu celular para envio de mensagem de texto, o que implica na digitação de pelo menos 25 números (GROSSI, 2012), além de pagar as despesas de envio do SMS. O recém-lançado programa do Paraná – Nota Fiscal Paranaense – também utilizada a mesma sistemática do programa mineiro e deve enfrentar as mesmas dificuldades, embora, desde o início, os prêmios tenham sido melhor dimensionados, com dois prêmios semanais de dez mil reais, dois mensais de trinta mil reais, e dois trimestrais de cem mil (PARANÁ, 2014). Outro programa que, diante dos riscos fiscais, sofreu adequação no valor dos prêmios, foi o Cupom Mania do Rio de Janeiro. O programa já distribuiu prêmios com sorteios diários, de valor entre quatrocentos e dois mil e quatrocentos reais, mensais com prêmios de cem mil reais, além de automóveis, celulares e aparelhos de televisão. Hoje o programa foi simplificado em relação aos prêmios, tendo a Resolução SEFAZ nº 616, de 29 de abril de 2013, resumido o programa a sorteios mensais de cem mil reais, além de um automóvel zero quilômetro no valor de vinte e quatro mil reais (RIO DE JANEIRO, 2014). Outro exemplo relevante dos riscos fiscais que podem ocorrer nos programas de estímulo mal dimensionados em seu nascedouro diz respeito ao Programa Nota Fiscal Paulista. Este programa sofreu, assim como o programa distrital, ajustes na forma de cálculo da renúncia de receita incidente sobre o valor do IPVA, reduzindo o valor dos mesmos, segundo a Resolução SF nº 56 de 31 de agosto de 2009 (SÃO PAULO, 2009). Vejamos os números do programa quanto ao incremento de seus usuários cadastrados: 104 Tabela 13 - aumento dos usuários cadastrados no Nota Paulista Ano Usuários cadastrados 2010 10.248.860 2011 12.689.080 2012 14.474.787 2013 15.661.925 Verifica-se que num curto espaço de três anos, o número de usuários cadastrados no programa aumentou mais de 50%. Considerando estes números, a arrecadação do ICMS do Estado de São Paulo também deveria crescer de forma significativa. Mas não é isto que demonstram os números do programa, conforme mostra a seguinte tabela (SÃO PAULO, 2014b): Tabela 14 - aumento da arrecadação do ICMS, já descontada a inflação do período Valor Aumento real em relação ao Período nominal do ano anterior já descontada ICMS e inflação do período 2010 90.817,2 11,8% 2011 100.089,2 3,5% 2012 107.102,0 1,6% 2013 117.294,4 0,7% Em milhões de reais. Vejamos agora a evolução dos gastos públicos com todos os créditos do Programa Nota Paulista, abrangendo a totalidade das formas de estímulo, quais sejam crédito em conta corrente, descontos no IPVA, sorteios em dinheiro, auxílio a entidades sociais (SÃO PAULO, 2014a): Tabela 15 - Valores dos créditos distribuídos pelo Programa Nota Paulista Ano Total de créditos distribuídos, em reais 2010 788.260.670,00 2011 704.811.789,00 2012 745.038.103,00 2013 589.075.903,00 105 Percebe-se que o valor dos créditos do Programa Nota Paulista possui uma forte tendência de queda, exceto no ano de 2012, seja por força da redução da atividade empresarial como um todo, refletindo diretamente na arrecadação do ICMS, ou pelo necessário ajuste do programa realizado em 2009 pela Resolução SF nº 56, de 31 de agosto de 2009. Os números da renúncia de receita do IPVA por força do programa não são diferentes (SÃO PAULO, 2014b): Tabela 16 - evolução da renúncia de receita do IPVA Valor renunciado em Período reais 2010 56.351.138,07 2011 41.282.754,18 2012 36.509.341,85 2013 40.422.119,09 Pelo exposto, pode-se concluir que os programas de estímulo, notadamente quando mal dimensionados no seu nascedouro, podem se transformar em agentes fomentadores de risco fiscal, traduzido pelo desequilíbrio entre receita e despesa, não só no campo da renúncia de receita consubstanciada pelos descontos no IPVA e IPTU, bem como na despesa, por exemplo, ao conceder prêmios em dinheiro fora dos critérios de razoabilidade fiscal. CONCLUSÃO E SUGESTÕES Os programas de estímulo ao pedido de nota fiscal possuem como incentivos o desconto no valor de impostos (IPVA e IPTU), crédito em dinheiro, permuta de documentos fiscais por ingressos de jogos de futebol e outros espetáculos, auxílio a entidades sociais, além de sorteio em dinheiro ou bens móveis. Quanto à natureza jurídica dos incentivos, os descontos no IPVA e no caso do Distrito Federal, no IPTU têm a natureza jurídica de benefício 106 tributário, sendo, portanto, classificados como renúncia de receita, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo submeter-se a todas as exigências legais para sua criação. Tais benefícios tributários, sendo renúncia de receita, exigem para seu advento, segundo o modelo da LRF, transparência na sua concessão e quantificação, para que a sociedade analise os efeitos benéficos econômicos e sociais que tal modalidade de renúncia poderá gerar, garantindo que os incentivos concedidos não prejudiquem as demais obrigações constitucionais que objetivam o bem comum. Por isso, alguns autores defendem a criação de um orçamento de gastos tributários, pois este instrumento dimensiona as perdas de arrecadação decorrente de favores fiscais. E isto ocorre porque a forma com que se evidencia o impacto orçamentário da renúncia de receita não permite conhecer os reais montantes de recursos renunciados e, principalmente, os resultados efetivos. Isso significa que os mecanismos atuais contidos na legislação não proporcionam níveis suficientes de transparência da gestão pública. Porém, não é isso que ocorre na renúncia de receita concedida nos programas de estímulo, pois se consegue precisar o exato montante do total dos descontos no IPVA e no IPTU, notadamente quando tais valores estão presentes no balanço anual do ente federado, ou estimada a renúncia na Lei de Diretrizes Orçamentárias, como faz o Distrito Federal. E isso ocorre principalmente quando as informações sobre a renúncia de receita são transparentes. Quanto aos demais tipos de estímulo, por terem a natureza jurídica de despesa, também dependem para sua criação, de obediência aos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando da análise específica dos programas do Distrito Federal, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, no que tange ao cumprimento das exigências contidas na LRF, chega-se à conclusão, no que diz respeito aos estímulos propostos, que todos cumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal, exceção feita à renúncia de receita do IPVA em São Paulo, tratada 107 como mero desconto, ingressando na contabilidade à conta do ICMS, além da não previsão na Lei Orçamentária Anual, das despesas com o programa do Rio Grande do Sul. No caso do programa gaúcho, diferentemente dos demais estados, quando da criação do programa por meio da Lei nº 14.020, de 25 de junho de 2012, já houve a previsão da sua receita no artigo 9º, determinando o montante anual de recursos do programa, da ordem de trinta e oito milhões de reais, sendo dezoito milhões destinados à premiação dos participantes, e vinte milhões, destinados aos repasses às entidades. Da pesquisa realizada, para além dos cinco programas eleitos para análise aprofundada, pode-se também concluir que outro programa, o de Goiás, não segue as diretrizes da LRF, pois não obedece a nenhuma das determinações legais para a criação de despesas de caráter continuado. No caso de Alagoas, a redução do valor do IPVA não é tratada adequadamente como renúncia de receita, e os créditos do programa são registrados à conta da receita do ICMS e descontados do IPVA, nos mesmos moldes do programa paulista, fonte de inspiração para o programa alagoano. Não se pode deixar de concluir que alguns programas apresentaram algum nível de desgaste junto à população, seja por falta de um eficiente planejamento dos valores dos estímulos quando de sua criação, com um necessário ajuste posterior, como é o caso do Distrito Federal, seja por falta de facilidade de uso e acesso aos prêmios, como no caso do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Finalizando, ao adotarem programas de estímulo ao pedido de nota fiscal, independente do incentivo previsto no programa, as unidades da federação, em todas as hipóteses, deverão seguir as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, seja quando adotarem renúncia de receita (descontos) em relação aos impostos de sua competência, seja quando estabelecerem despesas de caráter continuado, no caso demais estímulos, como crédito em dinheiro, sorteio de dinheiro ou bens móveis, auxílio a entidades sociais, entrega de ingressos para jogos de futebol ou outros 108 eventos. Evidentemente as normas Constitucionais que tratam da renúncia de receita e do gasto público também devem ser observadas pelo gestor. Especificamente, quando optarem pelo incentivo que redunde em renúncia de receita, caso do desconto em impostos, devem as unidades da federação obediência às seguintes diretrizes: O programa de estímulo ao pedido de nota fiscal deve ser criado por lei específica, nos termos do que determina o art. 150, § 6º, combinado com o art. 167, II, ambos da Constituição de 1988. A instituição da renúncia de receita deve ser precedida de estimativa de impacto orçamentário e financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois exercícios seguintes, segundo o art. 14, caput da LRF. A renúncia de receita deve apresentar-se em consonância com o estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias, nos termos do art. 14, caput da LRF. Faz-se ainda necessário que o gestor público demonstre que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária e que não afetara as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da LDO, segundo previsão do art.14, I da LRF. Segundo a regra do § 6º do art. 165 da CF, o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Somente se pode efetuar a renúncia de receita se houver compensação, ou seja, aumento de receita proveniente de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, aumento ou criação de tributo, salvo se houve planejamento prévio, em que se retirou do cálculo da receita corrente líquida o valor renunciado, prevendo-se antecipadamente no orçamento a concessão do benefício tributário, nos termos do art. 14, II da LRF. 109 Com objetivo de tornar mais transparente a renúncia de receita, deve ocorrer o lançamento dos valores renunciados no balanço anual. Lançamento no relatório resumido da execução orçamentária (RREO) indicando a fonte de receita e os valores renunciados, segundo o art. 52, I a da LRF. Por outro lado, quando os estados e o Distrito Federal optarem pelo crédito em dinheiro, sorteio de dinheiro ou bens móveis, auxílio a entidades sociais, entrega de ingressos para jogos de futebol ou outros eventos, devem obedecer às seguintes normas: As despesas com a gestão dos programas e com os próprios incentivos decorrentes e entregues aos participantes, sendo classificadas como despesas obrigatórias de caráter continuado, pois a obrigação legal de sua execução dá-se um período superior a dois exercícios, devem ser criadas por lei, medida provisória ou ato administrativo normativo equivalente, nos termos do caput art. 17 da LRF. Deve existir a demonstração da origem dos recursos e apresentação da comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas e resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais, como determinado pelo art. 17, § 1º, da LRF. Deve ser realizada estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes segundo o art. 16 I da LRF. Deve ser objeto de inclusão na projeção de despesas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 4º da LRF e 165, § 2º, da CF), pois carreia despesas para o próximo exercício e para os dois seguintes. As despesas devem estar presentes na Lei Orçamentária Anual, como disposto no art. 5º da LRF. Lançar os valores das despesas no balanço orçamentário anual, indicando a despesa por grupo de natureza, discriminando a dotação 110 para o exercício, a despesa liquidada e o saldo, como disposto pelo art. 52, I b da LRF. Desse modo, cumpridas tais formalidades estabelecidas na Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal, o administrador público está isento de eventual responsabilização por ato de improbidade administrativa. Cumpre ainda fazer menção aos riscos fiscais envolvidos nos programas de estímulo, notadamente quando mal dimensionados na sua criação, traduzido pelo desequilíbrio entre receita e despesa, não só no campo da renúncia de receita consubstanciada pelos descontos no IPVA e IPTU, bem como na despesa, por exemplo, ao conceder prêmios em dinheiro fora dos critérios de razoabilidade fiscal. Isto fica evidente quando diversos estados tiveram que alterar a forma de cálculo dos créditos do programa, ocasionando redução no valor dos descontos dos impostos, em face do acréscimo inesperado do número de participantes que pediram desconto no IPVA ou IPTU, embora estas informações não tenham sido disponibilizadas com transparência população, ocasionando também redução da credibilidade dos programas. à 111 Referências AGUIAR, Afonso Gomes. Lei de responsabilidade fiscal: questões práticas (lei complementar nº 101/00). Belo Horizonte: Fórum, 2004. ALAGOAS (estado). 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