Foto: Dirk J. Wiersma Um mundo de sensações O passado sempre é presente. Ele se materializa continuamente através de nossas lembranças, ilusões, sentimentos e percepções sensoriais. Audição, olfato, visão, tato e paladar nos possibilitam transcender no tempo, no entendimento da realidade e na ilusão de sermos imortais. Ouvir o que jamais foi ouvido. Sentir os odores do que é inodoro. Ver o que nunca foi visto. Tatear o que não mais existe e degustar o princípio do fim. As sensações do passado da Terra nos levam a experimentar o tempo profundo, no qual tudo é possível, onde as múltiplas possibilidades do real e do irreal se fundem, em uma viagem sem retorno ao nosso início. Em seus 4,5 bilhões de anos, a Terra transformou sua atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera, em mutações múltiplas, que um viajante do tempo não a reconheceria. Atmosferas com gases letais, oceanos tingidos pelo vermelho do ferro, temperaturas infernais e extremos glaciais. Eventos de extinções catastróficas e, mesmo assim, a possibilidade da vida. Vida que, à semelhança da Terra, se modifica, se adequa e é sempre um produto de seu tempo. A exposição Sensações do Passado Geológico da Terra nos possibilita uma viagem sensorial no tempo profundo. Ouvir os ruídos do início de formação do planeta. Observar e tocar o passar dos cenários de vida ao longo de bilhões de anos. E, finalmente, experimentar o gosto da terra. Experiências que nos levam às distintas dimensões do real e à compreensão do significado do infinito. Ismar de Souza Carvalho Coordenação acadêmica da exposição Departamento de Geologia/IGEO/UFRJ Foto: Andree Wallin 4,5 bilhões de anos Um planeta em ebulição A Terra é viva e instável, extremamente quente e inóspita. Vulcões em erupção, terremotos e gases tóxicos produzidos pelas contínuas explosões e colisões de meteoros não permitem o surgimento da vida. Nesse ambiente dominado pelas atividades vulcânicas e intensas tempestades, o mundo parece estar em constante “ebulição”. Enormes crateras e lavas incandescentes completam a paisagem carregada de poeira e cinzas. Ao longo do tempo, o planeta passa por um processo de resfriamento gradativo, originando uma estreita camada de rocha em toda a sua superfície: a crosta terrestre. As rochas formadas pela solidificação do material das erupções vulcânicas nos ajudam a desvendar esse longínquo passado. Foto: Frans Lanting Em constante transformação, o planeta perde calor e se resfria, lentamente. As mudanças na temperatura liberam gases e vapores de água do interior da Terra. O céu está repleto de nuvens escuras. Progressivamente, se originam os primeiros oceanos. A interação entre gases da atmosfera, descargas elétricas e reações químicas forma uma grande quantidade de compostos orgânicos nos mares primitivos, possibilitando o surgimento e a proliferação das formas iniciais de vida. Assim, surgem os primeiros habitantes da Terra – as bactérias. Algumas, como as cianobactérias, são capazes de realizar fotossíntese e produzem enorme quantidade de oxigênio, transformando para sempre a história da Terra. 3,8 bilhões de anos E assim surgiu a vida Foto: Dirk J. Wiersma Uma nova atmosfera rica em oxigênio permite a existência da vida como conhecemos atualmente, mas também causa a extinção de milhares de organismos que não conseguem se adaptar. É o início da longa batalha pela sobrevivência que marca a evolução dos seres vivos. 280-250 milhões de anos Megamundo Foto: Maureenla Fletche Nosso planeta é quente e úmido. Mas o clima, por vezes, se modifica com tanta frequência, que espécies surgem e desaparecem sucessivamente. Algumas plantas marinhas desenvolvem a capacidade de se adaptar e migram para áreas continentais, dando origem às primeiras plantas terrestres. O mundo está cheio de vida. Parece uma terra de gigantes, com a paisagem dominada por pântanos e florestas verdejantes de imensas samambaias. Nos continentes, proliferam milhares de insetos, como as baratas, que existem até hoje, com sua incrível capacidade de adaptação, e as gigantescas espécies de libélulas, que sobrevoam os pântanos. Teorias recentes defendem que a grande quantidade de oxigênio da atmosfera potencializava o crescimento dos seres vivos, além de facilitar a respiração, a locomoção e até o voo de grandes insetos! Infinitos desertos 150 milhões de anos Foto: Dirk J. Wiersma Os continentes se movimentam sem parar e alteram os cenários da vida. Mares se formam e secam, formas de vida diversas surgem e desaparecem. Nesse momento, grandes blocos continentais e um extenso oceano compõem o mapa da Terra. As chuvas diminuem, o planeta torna-se cada vez mais quente e árido. A escassez de água e o sol extremamente forte impedem que a vegetação cresça e se desenvolva, formando imensos desertos. Em busca de áreas verdes e fontes de água, alguns animais deixam suas pegadas nas areias finas do deserto. São os dinossauros que povoam a Terra. Eles surgem de um longo processo de transformação e adaptação dos répteis nos ambientes terrestres. A América do Sul e a África ainda estão unidas em um grande território, com vastas áreas de deserto arenoso. Essas areias originam as rochas que hoje nos revelam os vestígios da passagem dos dinossauros sobre a Terra. São as pistas que devemos seguir para descobrir mais sobre o ambiente e seus habitantes. Fotos: Dirk J. Wiersma (borboleta e girassol) Anthony Tesselaar (magnólia) Explosão 65 milhões de anos cores, aromas e formas de vida A superfície do planeta sofre profundas transformações ambientais. Atividades vulcânicas provocadas pela ruptura dos grandes continentes e o impacto de meteoros moldam o mundo como conhecemos hoje. Oceanos se abrem, rios e lagos surgem das fraturas das imensas placas continentais, que se dividem e definem novos territórios. Cristais de ametista se desenvolvem nas antigas bolhas de gás do material vulcânico que extravasa do fundo do mar. Preciosos pela beleza, eles guardam as evidências do surgimento do oceano Atlântico e da separação dos continentes americano e africano. A umidade e o forte calor propiciam a evolução dos vegetais e o surgimento das primeiras plantas com flores. O polén que se espalha no ar inicia mais uma fase de proliferação dos insetos e de renovação da vida, compondo uma colorida paisagem repleta de borboletas, magnólias e árvores floridas e frutíferas. Foto: Randy McKown Foto: panoramio.com/grimmo 2 milhões de anos TeMpe ratu ras Uma espessa nuvem de poeira encobre o Sol e impede a entrada de luz na atmosfera. Imensas cordilheiras se elevam nos polos terrestres e seus cumes se enchem de gelo. A temperatura cai vertiginosamente após uma série de alterações ambientais de grandes proporções. Durante um longo tempo, eventos glaciais avançam e recuam na superfície da Terra. Períodos de frio e calor extremos, geleiras e avalanches, inundações e secas se alternam nos hemisférios. Nas regiões equatoriais e subtropicais, savanas e desertos se formam. Esses fenômenos alteram profundamente os ambientes e possibilitam o surgimento e a evolução da espécie humana. A Terra é dominada por grandes mamíferos e pássaros em constante migração, provocada pelos avanços e recuos do gelo. Mas muitas espécies não resistem ao frio rigoroso e desaparecem, sobrevivendo apenas as que conseguem se adaptar às mudanças ambientais. No continente africano, surgem os primeiros hominídeos, que se espalham por quase todo o mundo. ex tre mas Foto: Dirk J. Wiersma 200 mil anos Caleidoscópio do tempo presente A vida na Terra se desenvolve de maneira extraordinária e atravessa bilhões de anos, possibilitando a existência humana. Desafiando o tempo e o espaço, o homem é capaz de criar condições de vida em meio às intempéries e transformações do planeta. O ritmo veloz dos acontecimentos movimenta o caleidoscópio: a condição humana e a biodiversidade, a ciência e a tecnologia, a arte e a memória. São imagens do presente, futuros vestígios de civilizações. E, assim, a humanidade desenha sua trajetória, deixando marcas no tempo. Uma trajetória que se desdobra em múltiplas direções, em histórias de conquistas e destruições, de caos e beleza, de indagação permanente sobre a própria existência. Nesse caminho, janelas do tempo geológico se abrem e nos convidam a percorrer a história da Terra, em busca de pistas que despertem os sentidos e revelem nossas origens. São momentos de descobertas e desafios constantes. Afinal, descobrir as memórias perdidas dos seres humanos ou do passado da vida no planeta é como resgatar lembranças pessoais: é recordar de tempos que não mais existem, mas que nos fazem entender quem somos. Esta publicação foi elaborada para a exposição Sensações do Passado Geológico da Terra 8 de fevereiro a 15 de maio de 2011 www.casadaciencia.ufrj.br/exposicao/sensacoes Fotos Caleidoscópio: Andreas Vesalius / andsoiwasthinking.wordpress.com / blogs.icemd.co / Brad Elliot dincao.com.br / Dirk J. Wiersma / Edson Brito / fuches.wordpress.com / google.com / Mark Biasotti marcnixon.blogspot.com / meufutblog.blogspot.com / NASA / owall.net / panoramio.com/wendyemlyn sxc.hu / usageorge.com / worldvision.ca