Apostilas de Filosofia 3ºs anos

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Apostilas de Filosofia
FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO
Filosofia - Apostila 1
Introdução:
Cada pessoa, em algum momento de sua vida, ou em todos, pergunta a si próprio:
Como será o mundo no futuro? Em prazos curtos ou longos, todos imaginam. A
injustiça social existirá eternamente? A natureza será esmagada pelo homem? E será
que o homem tem uma natureza esmagadora? Saídos do colo de nossos pais, para o
colo da cultura, abraçamos um mundo de dúvidas, espantos e admirações. Temos
muito o que perguntar sobre: a alegria, a tristeza, a saudade, a beleza, a feiúra, a
vaidade, a mídia, a Internet, a aids, o sexo, o namoro, a prostituição, o casamento, o
amor, a amizade, as drogas, o real, a profissão, a política, a violência, a música, a
moda... Filosofar é, de certa forma, aproximar-se desta postura, de seguir
perguntando. É investigar deixando de lado o medo, a arrogância e o preconceito. É
estar pronto para enfrentar um debate rico e respeitoso sobre nossas vidas, sobre
coisas muito importantes. Coisas que, por engano, achamos não ter importância
alguma, que podem estar tão próximas e às vezes parecem tão distantes. Estas e
outras questões, vamos conversar, ler e escrever no decorrer do ano, procurando
conhecer um pouco o filosofar. Evidentemente não pretendemos estudar os 26
séculos de história da Filosofia, mas apenas espiar alguns momentos importantes para
nossas reflexões no presente.
O que é Filosofia? Onde Está? Procura-se!
Afinal de contas, o que é Filosofia? O que é ter uma visão filosófica? Quantas filosofias
existem? Somos todos filósofos, ou somente os “estranhos” são? Precisamos
realmente de filosofias? Qual a utilidade de seu estudo?
Existem várias definições para a filosofia, tão variadas quanto o número de filósofos.
Grandes pensadores marcaram épocas, trabalhando conhecimentos naturais e
históricos, fundando e destruindo conceitos, pela fala e pela escrita. Uma definição
clássica, bastante aceita no decorrer dos séculos, é do filósofo grego Platão. Em sua
obra Eutidemo, encontramos Filosofia como o uso do saber, o mais válido e mais
amplo possível, em proveito do homem. Hoje, o filósofo, vivo ou morto, encontra-se
em livros, também publicados em CDs. Para ver um, teremos que lê-lo. Para ser um,
teremos que escrevê-lo. De modo geral a filosofia está em toda a parte. Desde que o
pensamento reflexivo se faz presente, o ser humano filosofa. No entanto, saber o que
é filosofia lendo o que foi escrito e escrevendo o que ainda não foi, é o caminho mais
especial, seguro e verdadeiro para a questão. Um filósofo italiano do século XX,
Antonio Gramsci, escreveu-nos sobre a impossibilidade da existência de um homem
que não filosofa, lembrando que não existe homem sem pensamento. Porém, acerca
do homem “filósofo profissional”, conclui:
“...não só ‘pensa’ com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de
sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento, sabe
explicar o desenvolvimento que o pensamento teve até ele e é capaz de retomar os
problemas a partir do ponto em que se encontram, depois de terem sofrido as mais
variadas tentativas de solução.”
Podemos afirmar que filosofar é ler e escrever...
- exercendo a liberdade da reflexão.
- utilizando de análise e crítica.
- decidindo não aceitar o óbvio imediatamente.
- olhando o mundo de longe.
- encarando no cotidiano as idéias e as coisas.
- pensando conceitos e fatos.
- afirmando e negando.
- investigando e compreendendo.
O que não é Filosofia?
Filosofia não é religião, política e ciência. Porém, todas tiveram seu momento filosófico
inaugural, e sustentam-se em idéias e regras específicas, fundamentadas em
filosofias. Hoje, a Filosofia “visita” estas áreas, analisando, refletindo e criticando. A
mais visitada é a ciência, que somente no século XVII separou-se da Filosofia, e desde
então caminha em seus campos particulares, como a Sociologia, a Química, a
Biologia, a Psicologia, etc. Todas as áreas sustentam e desenvolvem seus
conhecimentos específicos, e a Filosofia “fica de olho”. Assim, por exemplo, o médico e
o biólogo, tratando de seus assuntos, fazem juízos de realidade. O filósofo faz juízo de
valor. Uma célula cancerígena ou um buraco na camada de ozônio, exigem estudos
que identificam reais conseqüências no organismo vivo. A Filosofia, tratando da
Medicina e da Biologia, pode pensar acerca da eutanásia (morte concedida àqueles
que encontram-se acometidos por doenças incuráveis), da felicidade, e da ética na
tecnologia. O objetivo da Filosofia é formar um todo, coerente e lógico, daquilo que
aparece fragmentado em nossa experiência cotidiana. Ela amplia e relaciona os
“pedaços” do conhecimento dominado por especialistas (padres, cientistas e políticos),
procurando respostas para além da fé, das teorias e dos preconceitos.
Utilidade da Filosofia:
Sua utilidade é muito questionada. Qual o resultado do olhar filosófico? Para que serve
o ensino de Filosofia hoje, se a ciência caminha sozinha? Responder estas questões, é
filosofar acerca do útil. É pensar a utilidade e suas relações. Refletir as diversas
ocasiões em que a utilidade faltou ou sobrou.
Exercício
1 – Defina a Filosofia?
2 – Como a Filosofia se relaciona com o conhecimento científico?
3 - Descreva alguma situação que faz parte do seu cotidiano, e depois tente adotar
uma atitude filosófica diante da mesma.
Philo + Sofhia : A Origem da Palavra.
A partir de agora, teremos contato com algumas palavras-chaves, de origem grega,
que nos revelarão diversos ambientes filosóficos. Comecemos com Filosofia: palavra
grega, formada por philo, que deriva de philia (amor fraterno, amizade), e de sophia,
que deriva de sóphos (sábio). A partir daí, podemos afirmar que o filósofo é aquele que
ama a sabedoria; aquele que deseja saber. Um grego nascido no século V antes de
Cristo, Pitágoras de Samos (aquele da Matemática), é considerado o inventor da
palavra filosofia. Porém, dois séculos antes de Pitágoras já se filosofava na Grécia, e
afirma-se que o primeiro filósofo grego foi um próspero negociante, também político e
geômetra, chamado Tales de Mileto, o mesmo do “Teorema de Tales”. Grande
observador que, dizem, enquanto previa a eclipse do sol de 585 a.C., teria caído num
poço. Ambos são pré-socráticos, ou seja, nasceram antes de Sócrates. Porém, alguns
dos pré-socráticos, mesmo vivendo durante e depois de Sócrates, estão assim
classificados porque expressaram pensamentos comuns ao período anterior a
Sócrates. Todavia, vale ressaltar que alguns filósofos pré-socráticos foram
contemporâneo de Sócrates.
Filosofia: Da Visão Mitológica à Visão Racional
Mýthos, do verbo mythéomai, significa: dizer, conversar, contar, anunciar, nomear.
Num período longo da história grega, a sabedoria foi exclusivamente construída em
conversas e narrações mitológicas. A teogonia e a cosmogonia eram as duas formas
de pensamento que sustentavam a narrativa mítica. Theogonía, palavra composta de
théos (deus, divino) e de gónos (ação de engendrar, procriar);e a Kosmogonía,
também composta de gónos, apresenta Kósmos (princípio ordenador do
mundo).Então, a theogonia narrava o nascimento dos deuses, dos heróis, dos homens
e da natureza, como fruto das relações sexuais dos próprios deuses; e a cosmogonia
narrava a geração da ordem do mundo a partir das relações sexuais entre o concreto e
o divino. Alguns historiadores afirmam que o nascimento da filosofia teria partido de
um sistema de explicação do mundo, não necessitando inventar um novo sistema. É
verdade que os primeiros filósofos partiram das mesmas inquietações mitológicas, e
muitos continuaram se valendo de explicações mitológicas. Porém, o que fazem de
fundamental, é substituir os elementos divinos por elementos da natureza. Como
veremos mais detalhadamente, os pré-socráticos teriam extraído das narrativas
mitológicas a relação entre o caos e a ordem do mundo, substituindo deuses por
homens, ou por formas da natureza, como o ar, a terra, a água, o fogo, etc. A diferença
entre pensamento mítico e pensamento filosófico é expressada na posição do
historiador inglês John Burnet (Burnet apud Chauí, 1994) que destaca duas
características do mito que determinam o verdadeiro oposto da filosofia nascente:
- o mito narra o passado, a filosofia explica o presente.
- o mito atrai o mistério e as contradições, justificando as ações dos deuses, e a
filosofia repele o mistério e as contradições.
Nascimento da Filosofia:
A filosofia nasceu na Grécia, numa forte tensão entre mito e razão. A narrativa mágica
deu lugar aos poucos à explicação racional. Contudo, acrescentamos que não só os
gregos buscavam a sabedoria a partir do mito ou da razão. Povos de todo o mundo,
em todos os continentes, tão ou mais antigos que os gregos, produziram
conhecimentos e construíram diversificadas culturas. Assim foram as nações
indígenas, que antes da colonização européia, possuíam um vasto campo de
conhecimento nas Américas. Da mesma forma os egípcios, os chineses, os árabes, os
africanos, e muitos outros. É importante ressaltar que alguns historiadores da filosofia
sustentam a tese orientalista para explicar o surgimento da filosofia. Quando
afirmamos que a filosofia é grega, consideramos fatores históricos e políticos que
levaram os gregos a exercerem fundamental influência na cultura européia ocidental,
de onde nós brasileiros – e grande parte do planeta – somos descendentes. Entre
alguns fatores, destacamos:
- desenvolvimento da navegação.
- invenção do calendário.
- invenção da moeda.
- escrita alfabética.
- invenção da política.
Exercício
1 – O que é teogonia e cosmogonia? Explique
2 – Escreva sobre o nascimento da Filosofia.
3 – Estabeleça a semelhança e as diferenças entre o mito e Filosofia.
Pré-Socráticos: O Problema da Cosmologia
“Tudo era um caos até que surgiu a mente e pôs ordem nas coisas.”
Anaxágoras
Na época da Grécia arcaica ou dos sete sábios, as colônias da Jônia e da Magna
Grécia foram berços dos primeiros filósofos, os chamados pré-socráticos. Veremos
rapidamente apenas oito deles: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Pitágoras,
Zenon, Xenófanes, Parmênides e Heráclito. Cada um destes primeiros filósofos
elaborou pensamentos que se opunham às explicações mitológicas, procurando um
princípio primordial constitutivo da natureza, que em grego é Physis. Na história da
filosofia os pré-socráticos são os precursores de uma forma de pensamento que deu
início à filosofia: a cosmologia.
Kosmología, palavra composta de kósmos, que vimos antes, corresponde ao princípio
ordenador do mundo, e de logía, derivada de lógos. Certamente, lógos é uma das
palavras mais importante de toda a história da filosofia. Sua tradução não é simples.
Os gregos sintetizavam o que nós não conseguimos. Ou seja, no português lógos
possui sentidos múltiplos, que no grego não se encontra separado: palavra, conversa,
pensamento, norma, regra, ser, realidade, razão, linguagem, explicação, etc. O
importante é fixarmos que, ao contrário da teogonia e da cosmogonia, a cosmologia dá
o impulso necessário para o nascimento da filosofia, pois significa a explicação
racional sobre a origem e ordem do mundo natural, sobre as causas das
transformações, da geração e do perecimento de todos os seres.
Veremos rapidamente alguns dos pré-socráticos, o que pensavam sobre o princípio
das coisas e do universo, ou seja, sobre o que os gregos entendiam como Arkhé (o
que está à frente). Para compreender os pré-socráticos, assim como toda a história da
filosofia, exige-se que relaxemos intelectualmente, deixando de lado a arrogância
baseada na crença de que nossos conhecimentos não têm história. Estes primeiros
pensadores, filosofando há mais de dois mil e seiscentos anos, começaram decidindo
não aceitar o óbvio mítico.
Tales de Mileto (c. 625-558 a.C.)
A água, para este filósofo, por acaso aquele do poço, é o elemento primordial na
origem do universo e de tudo que existe. Esteve no Egito e na Babilônia, onde havia
uma grande escola de Astronomia. Como vimos anteriormente, foi o primeiro dos
filósofos. Para ele, a Terra é um disco que flutua sobre a água. (foto/água)
Anaxímenes (c. 585--529 a.C.)
O ar é o elemento que dá origem a tudo. Para ele, os corpos mais sólidos e flácidos
originam-se do movimento de condensação e rarefação. A Terra, segundo este
filósofo, é um plano sustentado pelo ar. (desenho/sopro)
Anaximandro (c. 610-546 a.C.)
A água, o ar, a terra e o fogo compunham o universo. Mas havia um elemento
fundamental para este filósofo, o ápeiron. Palavra formada pelo prefixo negativo a e
pelo substantivo peras (limite, extremidade), ápeiron significa ilimitado, infinito, ou
interminável, de onde decorre o quente, o frio, a terra e o ar. Para Anaximandro, a
Terra é um cilindro achatado e os astros são luzes de fogo que se entrevêem através
dos furos de tubos de névoa do céu. (foto /desenho p.25)
Pitágoras (Segunda Metade do Séc. VI a.C.)
Os números para este filósofo, também matemático, são entidades constitutivas e
ordenadoras da realidade, onde o um (1) é o regente. Misturando elementos religiosos
e morais, defende que a salvação do homem está na eliminação dos conflitos em
busca da harmonia, onde os números são o caminho. Examinando a música, este
filósofo descobriu que o som varia de acordo com o comprimento da corda.
Descobrindo os acordes, afirma que a música (assim como o universo) é uma relação
numérica, que soa desagradável quando não atinge a harmonia. (desenho/notas
musicais + números)
Zenon (séc. V a.C.)
Este afirmava que o movimento é impossível, e que é uma ilusão de nossos sentidos.
Define o espaço como infinito e acredita que os corpos não se movem, pois teriam que
atravessar partículas infinitas. Assim, uma flecha partindo do ponto A nunca atingiria o
ponto B posto que entre estes há um espaço infinito. Percebe-se, por este raciocínio, o
seu idealismo em contradição com a realidade. (desenho do famoso “paradoxo de
Zenão / Aquiles e a tartaruga, p31)
Demócrito (c. 470-370 a.C.)
O átomo, combinado infinitamente, é o mundo. Átomos é uma palavra composta do
prefixo negativo a e do verbo témno (cortar, dividir), e por isso significa o não-cortável,
o indivisível. Segundo Demócrito, até a alma humana é um composto de átomos leves,
lisos e redondos, que se mantêm por meio da respiração, responsável pela troca de
átomos situados fora do organismo. A morte é o rompimento dessa troca, quando os
átomos da alma se encontram fora e espalhados. (desenho / átomo, p. 41 )
Fonte da imagem: http://www.basicthink.in/
Parmênides (c. 540-450 a.C.)
Afirmava que o ser é imóvel, eterno e infinito. Para ele as coisas não mudam, apenas
aumentam em quantidade e repetem-se infinitamente. O movimento só existe no
mundo sensível, e a percepção causada pelos nossos sentidos é ilusória. Para ele, só
o mundo inteligível é verdadeiro, pois a certeza surge através de meios lógicos e
dedutivos, como fruto da razão. O conhecimento adquirido pelos sentidos é
classificado apenas como opinião. Esse pensamento, que veremos mais adiante,
inaugura a metafísica e a lógica. (retrato de Parmênides / p. 32)
Fonte da imagem: http://www.basicthink.in/
Heráclito (c. 536-470 a.C)
Afirmava que o ser é múltiplo, porque está constituído de oposições internas. O
movimento é fruto da luta dos contrários. Para este filósofo “tudo flui”. A mudança
ocorre sem cessar, e o que num certo momento existe, antes era diferente e depois
também será: Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o
rio já é outro e nós também somos. Negando a estática do ser, Heráclito afirma sua
dinâmica, e utiliza a imagem do fogo como forma de simbolizar o infinito devir (vir a ser
/ tornar-se), o fogo eterno e vivo, que ora se acende, ora se apaga. (retrato de
Heráclito / p. 34 )
Exercício
1 – O que é cosmologia?
2 - Escreva sobre as ideias de Heráclito e Parmênides.
3 – Utilizando um dicionário e um livro de filosofia (sugestão: ABBAGNANO, N.
Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou. e CHAUÍ, M. Introdução à história da
filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense.) atribua
resumidamente o significado de cada palavra abaixo.
Arckhé; Cosmologia; Devir; Dialética; Lógos; Metafísica; Physis; Ser.
Fonte da imagem: http://www.basicthink.in/
O Positivismo: A autoria do termo positivismo é geralmente atribuída ao filósofo
Augusto Comte (1798-1857) e é comumente entendida como a linha de pensamento que
entende que o conhecimento científico sistemático é baseado em observações
empíricas, na observação de fenômenos concretos, passíveis de serem apreendidos
pelos sentidos do homem. Não apenas isso, o positivismo é a ideia da construção do
conhecimento pela apreensão empírica do mundo, buscando descobrir as leis gerais que
regem os fenômenos observáveis. Dessa forma trabalham as ciências naturais, como a
biologia ou a química, que se debruçam sobre seus objetos de estudo em busca de
estruturação das “regras” que constituem as formas de interação entre organismos e seus
compostos no mundo biológico observável ou das interações entre diferentes reagentes
químicos. Para Comte, a busca pelo conhecimento positivo constituiria a principal forma
de construção de conhecimento do homem. Diante disso, os estudos das áreas das
ciências humanas deveriam tomar esse mesmo rumo, de forma a produzir um real
conhecimento com o objetivo último de compreender as leis que constituem e regem as
interações entre indivíduos e fenômenos no mundo social, independente do tempo ou do
espaço no qual se encontram. O pensamento de Augusto Comte se construía em paralelo
aos acontecimentos históricos de sua época. A revolução francesa e a crescente
industrialização da sociedade trouxe à tona novos problemas e novas formas observáveis
de processos de mudanças profundas na vida da sociedade tradicional da época. Comte
buscava a criação de uma ciência da sociedade capaz de explicar e compreender todos
esses fenômenos da mesma forma que as ciências naturais buscavam interpelar seus
objetos de estudo. Ele acreditava ser possível entender as leis que regem nosso mundo
social, ajudando-nos a compreender os processos sociais e dando-nos controle direto
sobre os rumos que nossas sociedades tomariam, acreditando ser possível dessa forma
prever e tratar os males sociais que nos afligiriam tal como trataríamos um corpo enfermo.
A construção do conhecimento positivo só seria possível, então, por meio da observação
dos fenômenos em seu contexto físico, palpável, ao alcance dos nossos sentidos e
submetidos à experiência. Este seria o papel da ciência, a compreensão dos fenômenos
passíveis de observação sensorial direta, com o intuito de entender, por meio da
experiência, as relações entre esses fenômenos, de forma a abstrair as leis que regem as
interações para que, assim, seja possível predizer como os acontecimentos envolvidos em
determinado fenômeno se darão. A ciência e o método científico são a síntese das ideias
positivistas.
Auguste Comte foi um dos mais importantes filósofos e sociólogos franceses; atribui-se
a ele a criação da disciplina Sociologia, bem como a corrente filosófica, política e
científica conhecida como Positivismo; sua contribuição teórica ainda é importante, com
o conceito político da "Lei dos Três Estados". É importante, de partida, salientar que
Comte viveu sob a égide da Revolução Francesa, bem como da ciência moderna e da
Revolução Industrial; portanto, seus ditos e escritos são referentes as intensas
transformações sociais, econômicas, políticas, ideológicas, tecnológicas e científicas
decorrentes da consolidação do capitalismo. Nesse contexto, ele percebeu que os
fenômenos sociais deveriam ser percebidos como os outros fenômenos da natureza, pois
são apenas um tipo específico de realidade teórica, o que implica que devem ser
enunciadas em termos sociais. Por conseguinte, ele cunha o termo "sociologia", para
designar uma doutrina social baseada em princípios científicos, dividindo-a em dois
campos: os estudos das estatísticas sociais para a compreensão das forças que mantêm
a coesão social; e as dinâmicas sociais em si, para o estudos das causas das mudanças
sociais. Portanto, a "Física Social" ou "Sociologia", partiria dos princípios da observação,
experimentação, comparação e classificação enquanto métodos, tendo como finalidade
tudo o que é "positivo", ou seja, o real, o útil, o certo, o preciso, o relativo, o orgânico e o
simpático. Daí surge a outra contribuição de Comte: o positivismo; ou seja, visão pela
qual a análise dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos e pesquisa
suas leis, uma vez que são fenômenos observáveis. Por fim, o positivismo pregava um
modelo de sociedade organizada, na qual o poder espiritual não mais prevaleceria,
ficando o governo à cargo dos sábios e cientistas. Ademais, este novo método geral para
a ciência caracteriza-se pela observação em aliança com a imaginação, sistematizadas,
por sua vez, segundo princípios adotados pelas ciências exatas e biológicas. Contudo,
vale notar também, o fato de Comte perceber que cada tipo de fenômeno possuí suas
particularidades, o que implica dizer que há um método específico de observação para
cada fenômeno. Outra importante criação de Auguste Comte foi a "Religião da
Humanidade", com bases teológicas e a metafísicas, porém, reconhecendo a
preponderância do papel histórico desempenhado pelos estágios provisórios da
Humanidade, previsto na "Lei dos Três Estados". Destarte, seu pensamento influenciou
pensadores da grandeza de Karl Marx, John Stuart Mill, George Eliot, HarrietMartineau,
Herbert Spencer e Émile Durkheim. Criador do termo “altruisme” (autruísmo), a filosofia
de Comte para a humanidade se resumiria em "vivrepourautrui" (viva pelos outros).
Comte e a lei dos três estados:
Para um rápido esboço do pensamento de Comte, vamos utilizar suas próprias palavras
“Estudando, assim, o desenvolvimento total da inteligência humana em suas diversas
esferas de atividade, desde seu primeiro vôo mais simples até nossos dias, creio ter
descoberto uma grande lei fundamental, a que se sujeita por uma necessidade, e que me
parece ser solidamente estabelecida, que na base de provas racionais fornecidas pelo
conhecimento de nossa organização, quer na base de verificações históricas resultantes
do exame atento do passado. Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções
principais, cada ramo de nossos conhecimento, passa sucessivamente por três estados
históricos diferentes: (...) “No estado teológico, o espírito humano, dirigido essencialmente
suas investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de
todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta
os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais
mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias
aparentes do universo”. “No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples
modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças
abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres
do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os
fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para casa uma
entidade correspondente”. “Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a
impossibilidade de obter noções absolutas, enuncia a procurar a origem e o destino do
universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente
em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis
efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude”. Para Comte o
estado positivo corresponde a maturidade do espírito humano, o termo positivo designa o
real em oposição ao quimérico, a certeza em oposição a indecisão, o preciso em oposição
ao vago. É o que se opõe a formas tecnológicas ou metafísicas de explicação do mundo.
Segundo Comte, “todos os bons espíritos repetem, desde Bacon, que somente são reais
os conhecimentos que repousam sobre fatos observados”.
Revolução Industrial
Dá-se o nome de Revolução Industrial a uma série de mudanças nas atividades
produtivas, iniciadas por volta de 1760 na Inglaterra. Naquela época e nas décadas
seguintes, o processo de produção foi acelerado por uma sequência de invenções cujo
ponto central era a utilização do vapor como força motriz. A evolução técnica foi o cerne
da Revolução Industrial, mas não seu elemento único. Considerando que o termo
revolução, em seu significado histórico, indica um conjunto de transformações profundas,
a Revolução Industrial corresponde plenamente a essa acepção.No plano técnico, houve
alterações não apenas na produção de bens de capital (máquinas, equipamentos) e de
artigos de consumo, como também nas técnicas agrícolas e nos meios de transporte.
Mas, acima de tudo, a Revolução Industrial foi marcada pelas modificações econômicas e
sociais. E acarretou ainda mudanças no campo político, intelectual e comportamental. A
Revolução Industrial foi, portanto, um acontecimento histórico de enorme amplitude,
implicando transformações tão extensas que merecem ser denominadas revolucionárias.
As mudanças tecnológicas, econômicas e sociais registradas entre 1760 e 1860
correspondem à Primeira Revolução Industrial. O período caracterizou-se pelo uso das
máquinas a vapor, feitas de ferro e tendo como combustível o carvão mineral. Na década
de 1860, o trinômio vapor-carvão-ferro começou a ser substituído pela eletricidade,
petróleo e aço, dando início à Segunda Revolução Industrial.
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