Introdução às Geometrias Não-Euclidianas Miguel Abreu Instituto Superior Técnico 14 de Julho de 2015 Geometria Euclidiana (∼ 300 a.C.)- primeiros Axiomas Plano = conjunto de pontos = {(x, y ) ∈ R2 } Axiomas ou Postulados de Euclides (= ferramentas): 1) Dados dois pontos distintos podemos desenhar o segmento de recta que os une. (Podemos usar régua.) 2) Qualquer segmento de recta pode ser prolongado para uma recta. (A régua pode ser considerada infinita.) 3) Dado dois pontos distintos, podemos desenhar uma circunferência com centro num e que passa no outro. (Podemos usar compasso.) 4) Todos os ângulos rectos são congruentes. (Podemos usar translações e rotações para comparar figuras.) E... Geometria Euclidiana - Axioma da Recta Paralela 5) Dada uma recta e um ponto que não lhe pertence, existe uma e uma só recta que passa nesse ponto e é paralela à recta inicial. (??????????) β α Figure: Versão equivalente do Axioma 5. [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Euclidiana Muitos dos resultados em Geometria Euclidiana podem ser demonstrados sem recorrer ao Axioma da Recta Paralela. Figure: Existência de triângulo equilátero com lado dado por um segmento AB arbitrário. [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Euclidiana No entanto, o Axioma da Recta Paralela é necessário nas demonstrações que se conhecem para alguns resultados fundamentais, tais como: A) A soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a dois ângulos rectos. B) Existem semelhanças que não são congruências. É também necessário para o Teorema de Pitágoras: Mas é mesmo necessário? Vamos ver que sim. Alexander Givental Title: The Pythagorean Theorem: What Is It About? Source: The American Mathematical Monthly, Vol. 113, No. 3 (Mar., 2006), pp. 261–265. "Perhaps the scaling self-similarity property of the Euclidean geometry is the fundamental ingredient eternalizing the Pythagorean theorem." Geometria Esférica Superfície de uma esfera = {(x, y , z) ∈ R3 : x 2 + y 2 + z 2 = R 2 } "Rectas" = intersecção com planos que passam na origem. Pontos anti-podais têm mais do que uma recta a uni-los. Não existem rectas paralelas e qualquer semelhança é uma congruência. C γ a b A β α B c Figure: [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Esférica Teorema: área(∆) = R 2 (α + β + γ − π). Em particular, α + β + γ > π. Figure: [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Hiperbólica (∼ 1830) Descoberta/Inventada na primeira metade do século XIX, de forma independente por: I Johann Carl Friedrich Gauss (1777–1855), matemático alemão. I János Bolyai (1802–1860), matemático húngaro. I Nikolai Ivanovich Lobachevsky (1792–1856), matemático russo. A sua existência mostra que o Axioma da Recta Paralela é, de facto, necessário na Geometria Euclidiana. Foram precisos mais de 2000 anos para provar que Euclides tinha razão!! Geometria Hiperbólica - modelo local Figure: [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Hiperbólica - modelo de Poincaré (∼ 1868) Disco: D = {(x, y ) ∈ R2 : x 2 + y 2 < 1} = {z ∈ C : |z| < 1} "Rectas" = diâmetros de D e arcos circulares ortogonais à fronteira de D. Propriedades: 1) Existe um único segmento de recta entre cada dois pontos distintos. 2) Qualquer segmento de recta pode ser prolongado para uma recta. 3) Dado dois pontos distintos, existe uma circunferência com centro num e que passa no outro. 4) Todos os ângulos rectos são congruentes. (Podemos usar transformações de Moebius para comparar figuras.) 5) Dada uma recta e um ponto que não lhe pertence, existem muitas rectas que passam nesse ponto e são paralelas à recta inicial. Geometria Hiperbólica - modelo de Poincaré Figure: Infinidade de rectas com um ponto em comum e paralelas a uma outra recta arbitrária. [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Hiperbólica - modelo de Poincaré Mais propriedades: A) distância(0, P) = 1 log 2 1 + |P| 1 − |P| B) área(∆) = π − (α + β + γ). Em particular, α + β + γ < π e área(∆) < π para qualquer triângulo hiperbólico. γ α β Figure: Triângulo hiperbólico. [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Hiperbólica - modelo de Poincaré Mais propriedades: C) De forma mais geral, temos que área de um polígono com n lados = (n − 2)π − n X αi i=1 Figure: Polígonos ideais. [Fonte: Math and the Art of M. C. Escher.] D) Qualquer semelhança é uma congruência dada por uma transformação de Moebius, i.e. φ : D → D da forma φ(z) = eiθ z +a , com θ ∈ R e a ∈ D. 1 + az Geometria Hiperbólica - modelo de Poincaré Figure: Pavimentação com triângulos hiperbólicos ideais. [Fonte: Wikimedia Commons.] Geometria Hiperbólica - modelo de Poincaré Figure: Pavimentação com quadriláteros regulares de ângulo π/3 e área 2π/3. [Fonte: Math and the Art of M. C. Escher.] Geometria Hiperbólica - modelo de Poincaré Figure: Pavimentação com pentágonos regulares de ângulo π/2 e área π/2. [Fonte: Math and the Art of M. C. Escher.] Arte Hiperbólica Figure: Circle Limit III de M. C. Escher. [Fonte: Math and the Art of M. C. Escher.] Curvatura de Gauss Verificamos nas 3 geometrias anteriores que < 0 , Hiperbólica; α+β+γ−π = constante = = 0 , Euclidiana; área(∆) > 0 , Esférica. Figure: [Fonte: Wikimedia Commons.] Curvatura de Gauss e Teorema de Gauss-Bonnet De forma mais geral, define-se Curvatura de Gauss: α+β+γ−π área(∆) ∆→0 K := lim que, em geral, varia de ponto para ponto. Teorema de Gauss-Bonnet (∼ 1850): relação entre o valor total (i.e. o integral) da curvatura de Gauss e a topologia global da superfície. Por exemplo, Z K = 2π χ(Σg ) Σg em que Σg = superfície de género g e χ(Σg ) = característica de Euler de Σg = 2(1 − g) . Curvatura de Gauss e Teorema de Gauss-Bonnet Figure: g = 0 e R K = 4π > 0. [Fonte: Wikimedia Commons.] Figure: g = 1 e R K = 0. [Fonte: Wikimedia Commons.] Curvatura de Gauss e Teorema de Gauss-Bonnet Figure: g > 1 e R K = 4π(1 − g) < 0. [Fonte: Wikimedia Commons.] Nota Final: muita da Geometria desenvolvida no século XX, tanto a puramente Matemática como a relacionada com a Física do Universo, está relacionada com generalizações e aplicações do Teorema de Gauss-Bonnet.