IGEPRI Monografias Patentes: o regime internacional e a importância para as empresas transnacionais Cecília Megale Ogata Volume 5 | Ano 2 | 2012 Nota: Todo conteúdo publicado pela Monografias Igepri é de total responsabilidade de seu(s) autor (es). As opiniões expressadas nesse caderno não representam as opiniões do periódico, nem do Conselho Editorial e nem dos órgãos filiados a este caderno. Ogata, Cecilia Megale. O34p Patentes : o regime internacional e a importância para as empresas transnacionais / Cecilia Megale Ogata. – Marília, 2010. 126 f. ; 30 cm. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso de Relações Internacionais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2010. Orientador: Dr. Luís Antônio Paulino. 1. Patentes. 2. Propriedade intelectual. 3. Empresas multinacionais. 4. TRIPs. 5. Concorrência. I. Autor. II. Título. CDD 341.758 IGEPRI Monografias Monografias IGEPRI é uma publicação bimestral do Instituto de Gestão Pública e Relações Internacionais (IGEPRI). Sua missão é servir de espaço alternativo à publicação de pesquisas científicas elaboradas por jovens acadêmicos dedicados ao estudo e ao debate de temas relativos à Gestão Pública e às Relações Internacionais no Brasil e no mundo. Com potencial de influenciar e intervir no processo decisório governamental nas suas diversas esferas, contribuindo com novas propostas para a elaboração de políticas públicas, efetivação de controle social, suporte à advocacia de idéias e a busca de transparência no trato dos assuntos públicos. Conselho Editorial Cristina Soreanu Pecequilo (UNIFESP - Osasco) Luis Antônio Francisco de Souza (UNESP – Marília) Heloísa Pait (UNESP – Marília) Luis Francisco Corsi (UNESP – Marília) Janina Onuki (USP – Instituto de Relações Internacionais) Marcelo Fernandes de Oliveira (UNESP – Marília) – Editor José Blanes Sala (UFABC) Marcelo Passini Mariano (UNESP – Franca) Karina Lilia Pasquarielo Mariano (UNESP – Araraquara) Miriam Cláudia Simoneti Lourenção (UNESP – Marília) Lidia Maria Vianna Possas (UNESP – Marília) Tullo Vigevani (UNESP – Marília) Patentes: o regime internacional... UNESP CECILIA MEGALE OGATA Patentes: o regime internacional e a importância para as empresas transnacionais 2010 Marília - SP Cecília Megali Ogata 2 CECILIA MEGALE OGATA Patentes: o regime internacional e a importância para as empresas transnacionais Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Ciência e Filosofia, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – campus Marília, para obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais Área de concentração: Economia Política Orientador: Prfº. Dr. Luís Antônio Paulino 2010 Marília - SP Patentes: o regime internacional... 3 CECILIA MEGALE OGATA Patentes: o regime internacional e a importância para as empresas transnacionais Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Ciência e Filosofia, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – campus Marília, para obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais Área de concentração: Economia Política Orientador: Profº. Dr. Luís Antônio Paulino BANCA EXAMINADORA Orientador: _____________________________________________ Profº. Dr. Luís Antônio Paulino 2º examinador: __________________________________________ Profª Dr. Marisa Rossinholi 3º examinador:__________________________________________ Profº Dr. Marcelo Fernandes Oliveira Marília, 17 de Agosto de 2010 Cecília Megali Ogata 4 Com, pela e para: minha mãe. Patentes: o regime internacional... 5 Agradecimentos Agradecer é, antes de tudo, reconhecer-me incapaz de viver sozinho, é uma oportunidade para olhar para trás e ver quantas pessoas, direta ou indiretamente, contribuíram, ainda que apenas com um tijolo para a construção da escada que aos poucos começo a subir. Por isso, começo essa tarefa árdua e prazerosa, agradecendo a Deus, força suprema na minha vida, que me concedeu e concede todos os dias, inúmeras bênçãos, mesmo quando não me faltam razões para não creditar nas coisas e nas pessoas. Também me aparando e conduzindo todos os momentos, agradeço à Nossa Senhora, que me permite sentir seu amparo a todo momento; e ao meu anjo da guarda que tão bem cumpriu seu papel, zelando para que nada de (muito) ruim me acontecesse durante esses quatro anos de graduação. Sou imensamente grata aos meus familiares que sempre apoiaram meus sonhos e ambições, em especial, aos meus avós, Takao e Akiko (in memorian) e Alcides (in memorian) e Cacilda, que primeiro cultivaram o valor da educação em minha família. Às minhas tias Inez e Ana, que são como mães para mim, exemplos de graça, força e alegria. Sem elas, as coisas, com certeza, teriam sido muito mais difíceis e a vida menos completa. Ao meu pai por tudo que representou no meu passado e por todas as lembranças inesquecíveis, guardadas no fundo do meu coração. Mas, se tudo isso, desde a primeira viagem à Marília até a impressão deste trabalho, se tornou possível, é devido, sobretudo, à três pessoas: Maria Alice, minha mãe, Roberto e Helena, meus irmãos. Aos dois últimos, atribuo minha inspiração para tudo na vida, o motivo de superar os maiores adversários e as piores adversidades. E à minha mãe eu atribuo tudo o que sou e por isso, agradeço tudo: minha vida, meus valores e princípios, minha educação, minha garra, minha fé e meu coração. Desta forma, essa vitória é dela, por ela e para ela, com todo merecimento do mundo! Agradeço também aos melhores amigos que alguém pode ter. Àqueles de sempre e pra sempre: Naza, Pet, Nathy, Dry, Tina, Didi, Carol, Carolzinha e Elisa. Àqueles todos da IV Turma de Relações Internacionais da UNESP – Marília, que cresceram, amadureceram e venceram comigo esses quatro anos, em especial: Alessandra, Anselmo, Ricardo e Gabriel. E àquelas que em tão pouco tempo se tornaram mais que amigas: Carol e Sarah. Cecília Megali Ogata 6 Meu muito obrigado a todos funcionários da FFC, principalmente aos meus professores do curso de R.I., que só fizeram por contribuir com o meu crescimento acadêmico e pessoal, que tão gentilmente, a cada aula, cediam, transmitiam e estimulavam conhecimento em nós, alunos. Agradeço, de maneira especial, ao Prfº Dr. Luís Antônio Paulino, que me orientou na concretização deste trabalho com muita paciência e atenção, não medindo esforços para sanar minhas dúvidas. “Obrigada pelos conselhos, pelas conversas, pela sabedoria transmitida e pela disponibilidade de compartilhar comigo seus conhecimentos.” Por fim, agradeço ao Rafa (um grande presente de Deus), que há 7 anos é meu companheiro, meu porto-seguro e meu amor; que, com tanto carinho respeitou minhas limitações de presença, atenção e afeto; e que não mediu esforços para se fazer presente mesmo há 700km. Patentes: o regime internacional... 7 "Aquele que recebe de mim uma idéia tem aumentada a sua instrução sem que eu tenha diminuído a minha. Como aquele que acende sua vela na minha recebe luz sem apagar a minha vela. Que as idéias passem livremente de uns aos outros no planeta, para a instrução moral e mútua dos homens e a melhoria de sua condição, parece ter sido algo peculiar e benevolentemente desenhado pela natureza ao criá-las, como o fogo, expansível no espaço, sem diminuir sua densidade em nenhum ponto." Thomas Jefferson (1743 - 1826), presidente dos Estados Unidos de 1801 a 1809 Cecília Megali Ogata 8 Resumo: A temática central deste trabalho é o estudo das patentes como mecanismo de proteção à propriedade intelectual. Procura-se destacar, particularmente, a sua importância como mecanismo de proteção e valorização dos ativos intangíveis/intelectuais das empresas transnacionais na nova ordem econômica internacional. Para isso, realizou-se uma revisão bibliográfica do processo histórico de criação do mecanismo de proteção patentária, das teorias que influenciaram sua instituição e dos mecanismos que viabilizam sua aplicabilidade. Estuda-se também o desenvolvimento e a consolidação do atual regime internacional de patentes, desde o século XIV, bem como se faz uma avaliação crítica do processo por meio do qual o instituto da patente se transformou de mecanismo de incentivo à inovação em mecanismo de garantia e reforço do monopólio do conhecimento por parte das grandes corporações. E, por fim, por meio do estudo da importância que este mecanismo tem adquirido para as empresas transnacionais, analisa-se seu uso crescente, não apenas como forma de proteção e estímulo ao inventor, mas também como forma de obtenção de garantias de vantagens competitivas pelas empresas inovadoras. Plavras-chave; patente, propriedade intelectual, TRIPS, empresas transnacionais, vantagem competitiva, conhecimento, globalização, bens imateriais, inovação, competitividade Patentes: o regime internacional... 9 Abstract: The main objective of this work is the study of the patent as a mechanism of protection to the intellectual property. It is, particularly, tried to detach its importance as a mechanism of protection and evaluation of the intangibles/ intellectual assets of the transnational firms in the new international economic order. Thus, it was made one bibliographical revision of the historical process about the creation of the patent protection’s mechanism, the theories that influenced its institution and the mechanisms that made available its application. It is also studied the development and consolidation of the actual international regime of patents, since 14th century, as well as, it is made a critic analysis about the process through which the patent changed from a mechanism to incentivize innovation to a way of maintain and reinforce monopoly of knowledge by the huge corporations. Finally, through a study of the importance that this mechanism is acquiring to transnational firms, it is analyzed its increasing use not only as a way to promote protection and stimulus to the creator, but also as way to obtain guarantees of competitive advantages by the innovators firms. Key-words: patent, intellectual property, TRIPS, transnational firms, competitive advantage, knowledge, globalization, immaterial goods, innovation, competitiveness. Cecília Megali Ogata 10 Abreviaturas e siglas: ALÇA – Área de Livre Comércio entre as Américas ARIPO - Convenção Eurasiana de Patentes e a Organização Regional Africana de Propriedade Industrial AUTM - Associção da Universidade de Administração Tecnológica (Association of University Technology Managers) BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento CEDIN - Centro de Documentação e Informação Tecnológica DIT – Divisão Internacional do Trabalho DPI – Direito de Propriedade Intelectual EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EPO – Escritório Europeu de Patentes (European Patent Office) EUA – Estados Unidos FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz FMI – Fundo Monetário Internacional GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio IED – Investimento Externo Direto INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MIT – Instituto de Tecnologia de Massashusetts (Massachusetts Institute of Tecnology ) NOEI - Nova Ordem Econômica Internacional OCDE – Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento ODM – Design Original de Manufatura (Original Design Manufacturing) OMC – Organização Mundial do Comércio OMPI - Organização Mundial da Propriedade Intelectual ONG – Organizações Não-Governamentais PCT - Tratado de Cooperação de Patentes P&D – Pesquisa e Desenvolvimento PI – Propriedade Intelectual PMDR – Países de Menor Desenvolvimento Relativo PIB – Produto Interno Bruto PNB – Produto Nacional Bruto PRONEX - Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência do CNPq SNPC - Serviço Nacional de Proteção de Cultivares TAFTA – Associação de Livre Comércio Transatrântico (TransAtlantic Free Trade Association) TNC – Empresas Transnacionais TRIPS –Acordo sobre Propriedade Intelectual Relacionada ao Comércio (Trade Related Intelectual Property Right) UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UPOV – União para Proteção de Novas Variedades Vegetais UNCTAD – Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento USP – Universidade de São Paulo USTR – Representante do Comércio dos Estados Unidos (United States Trade Representative) Patentes: o regime internacional... 11 Sumário: Introdução .................................................................................................................. 12 1. O Conhecimento e a Inovação: as grandes riquezas do novo século ................ 16 1.a – Conceitos ................................................................................................ 18 1.a.a – Conhecimento 1.a.b – Informação 1.a.c – Inovação e Invenção 1.b – A globalização ........................................................................................ 24 1.b.a – Evolução, conceitos e características 1.b.b – A economia pós-1970 1.c – A Era da Informação/ Conhecimento e a economia gerada por bens não materiais .......................................................................................................................... 35 2. Patentes: proteção ao conhecimento e à inovação ........................................ 42 2.a – Introdução: Propriedade Intelectual (definição e teorias) ............................... 43 2.b–Patentes .................................................................................................... 50 2.b.a –Histórico do regime Internacional – da Conveção de Paris ao TRIPS 2.b.b – Comentários e críticas da evolução do sistema 2.c –Direito das patentes ................................................................................. 62 2.c.a – Legislação e Órgãos Nacionais 2.c.b – Legislação e Órgãos Internacionais 2.d – Paradoxo das patentes: desenvolvimento? ............................................. ......72 2.e – O valor econômico das patentes ................................................................. 80 3. As transnacionais e as patentes: o grande valor da inovação ....................... 82 3.a – As empresas Transnacionais ................................................................... 84 3.a.a – Origem e evolução: outro ator internacional 3.a.b - Funcionamento e poderio econômico 3.b – Pesquisa & Desenvolvimento ................................................................. 95 3.b.a – O que é e pra que serve P&D 3.b.b – Concentração ou não? 3.c - A importância das patentes para as transnacionais ...................................... 104 Considerações finais ................................................................................................ 116 Referências ............................................................................................................... 120 Bibliografia Consultada .......................................................................................... 124 Cecília Megali Ogata 12 Introdução: A busca incessante de formas mais eficientes e eficazes para atender às crescentes e potencialmente infinitas necessidades sociais da humanidade frente à escassez dos recursos econômicos disponíveis tem sido um poderoso estímulo ao desenvolvimento da técnica, à quebra de paradigmas tecnológicos e à descoberta e introdução de novas tecnologias e sistemas de produção. Assim tem sido, desde a descoberta do fogo, da invenção da roda, do desenvolvimento da agricultura, da máquina a vapor, até os modernos e avançados computadores. Essas rupturas, independente da área em que acontecem e dos objetos que envolvem, sempre se processam por meio de inovações, tanto materiais, quanto no campo de serviços e processos. Para o economista austríaco Joseph Alois Shumpeter (1883-1950), essas mudanças se dão em ciclos, que envolvem a criação, a aplicação, a maturação, a difusão e um posterior declínio das inovações, que possibilitam a evolução das relações econômicas e sociais. Como se a cada nova inovação a sociedade “pulasse” para um novo patamar, o qual terá seu pico e seu declínio, mas nunca uma decaída ao que era antes dessa dada inovação. Embora alguns pontos e argumentos da “Teoria dos ciclos econômicos” de Shumpeter possam ser questionados, até os dias atuais (agora parece estar mais do que nunca!) são as inovações poderosas ferramentas de desenvolvimento para o mundo, mas também para engessar o subdesenvolvimento por dar ensejo a formas mais violentas de competição. Isso porque, desde a Primeira Revolução Industrial, quando foram inventadas a máquina a vapor e a locomotiva, as inovações têm sido utilizadas como importantes fontes de vantagem competitiva e criação de monopólios. Por exemplo, o caso da Inglaterra, que ao lançar todas essas inovações, conseguiu alcançar o posto de potência hegemônica da época, sendo a principal fornecedora mundial de manufaturas, enquanto os demais países apenas forneciam matéria-prima. Atualmente, o fenômeno da globalização, que propicia uma maior interdependência de todas as áreas da atividade humana e de qualquer lugar do mundo, com a crescente intensificação das trocas comerciais, com a flexibilização da produção, com a rapidez das comunicações, com o “encurtamento” das distâncias e a facilidade dos transportes, fez com que o conhecimento, as informações e a inovação adquirissem um crescente papel de destaque nas estratégias competitivas das empresas e das nações. Isso fez com que muitos estudiosos atribuíssem ao período recente que começa na última década do século XX de o nome de “Era da Informação e do Conhecimento”. Patentes: o regime internacional... 13 Devido a isso, a questão da Propriedade Intelectual tem ganhado cada vez mais espaço nas discussões acadêmicas, econômicas, jurídicas, políticas e internacionais. Na medida em que as inovações e o conhecimento, bens imateriais, se tornam elementos chave no ambiente global muito competitivo, proteger e, mais do que isso, possuí-las torna-se fundamental para pessoas, empresas e países. Dentro desse panorama merece destaque a Patente, uma das formas de propriedade intelectual caracterizada por ser um título de propriedade temporária, outorgado pelo Estado a criadores e inventores de novos produtos, processos e aperfeiçoamentos que tenham aplicação industrial. A busca pela carta-patente (nome dado ao documento que comprova a patente de dado invento) tem se tornado cada vez mais importante para garantir vantagens competitivas e o número de patentes registradas tem sido um indicador cada vez mais importante para medir o sucesso de empresas e países na competição global por novos mercados Contudo, associada à importância cada vez maior das inovações nas estratégias de competição, verificam-se mudanças importantes de conotação para as patentes, que de instrumento inicialmente pensado para incentivar a inovação e tornar públicas as invenções, transformou-se paulatinamente em mecanismo para garantir monopólio do conhecimento para as grandes corporações. A análise da evolução e construção do Regime Internacional de Propriedade Intelectual e das Patentes revela que essa instituição não é tão recente, pois a primeira lei de patentes data do século XIV. Como já mencionado, tanto a patente, quanto as demais formas de proteção intelectual, como os direitos autorais, foram instituídos para servirem de incentivo aos inventores, protegendo-os da cópia e garantindo retorno financeiro ao seu esforço inventivo e como um meio de propiciar a difusão dessas inovações, e de tornálas públicas. Ou seja, em contrapartida ao direito de uso e posse exclusiva durante certo período concedido ao inventor, esse deveria “contar”, explicar para sociedade como fez e como chegou a tal invento. No entanto, à medida que o conhecimento tornou-se o principal ativo das empresas e as inovações, a forma mais importante de competição, o instituto da patente tornou-se mais uma forma de proteção da propriedade do que instrumento para incentivar a difusão e incentivo a inovações. A partir da década de 1980, consoante a este novo papel das patentes, o fórum mais relevante para a discussão das regras internacionais sobre o tema deixa de ser a OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual), criada em 1967 com a função exclusiva de gerir o assunto e seus temas correlatos e, principalmente por pressão dos Estados Unidos, passa a ser a Organização Mundial do Comércio (OMC) onde é estabelecido no campo Cecília Megali Ogata 14 multilateral o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Trips), em 1994, para ser tratado também na esfera comercial. Assim, como nesse caso, em que fica claro uma “imposição” e manipulação do assunto pela potência hegemônica americana, o estudo da construção desse regime deixa claro uma forte contradição entre o que pregam os países desenvolvidos – o liberalismo – para o que de fato fizeram e fazem. Praticamente todos os países hoje na vanguarda do desenvolvimento tecnológico e industrial, no início de tal processo agiram de maneira protecionista e não adotaram ou assinaram tratados internacionais na área de direito de patentes, foi assim com Inglaterra, Estados Unidos, Japão e Suíça, entre outros. Hoje, porém, esses mesmos países insistem para que os países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo adotem regras cada vez mais rígidas sobre o assunto. Essa pressão pela adoção de tais regras parte também de outro ator que tem se tornado cada vez mais importante nas relações internacionais: as empresas transnacionais. Essas empresas se tornaram enormes conglomerados que se espalham rapidamente pelo mundo, reestruturando e adotando formas cada vez mais flexíveis de produção, de modo a haver fábricas especializadas apenas na confecção de determinado componente, outras penas na montagem do produto final e ainda outras que lidam apenas com a distribuição. Para alguns autores esses atores transnacionais estão inclusive suplantando o poder dos Estados. Como veremos adiante, essa idéia não parece ser totalmente verdade: o papel estatal ainda é muito relevante para as relações internacionais, embora se deva concordar que algumas de suas esferas tradicionais de atuação estão realmente sendo invadidas por essas grandes empresas. Essas empresas transnacionais detêm hoje uma enorme gama de recursos em suas mãos, controlam a produção global tanto de manufaturas, quanto de matérias-primas, mas seu poderio se estende também para o setor de serviços, não apenas de bens. Sua atuação tem influenciado cada vez mais as políticas nacionais e internacionais – como é o caso das patentes. De acordo com dados do Banco Mundial (2008), são essas empresas as grandes responsáveis pela geração de inovações e pelo desenvolvimento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) ao redor do globo, embora nos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo o incentivo à pesquisa e os investimentos em educação sejam majoritariamente estatais e mesmo nos países ricos ainda grande parte das atividades de P&D no setor privado é sustentado com verbas e contratos do governo, essa posição de precursores de inovações faz com que um regime internacional de patentes e propriedade intelectual mais rígido seja, de maneira geral, de grande interesse das transnacionais, a fim de Patentes: o regime internacional... 15 manterem seu principal ativo e responsável pela maior parcela de vantagem competitiva permaneça sob seu controle. Desta maneira, as transnacionais, atores fundamentais na Era da Informação e do Conhecimento, também se posicionam claramente a favor de acordos como TRIPS, que, ao garantirem um direito de propriedade da patente por 20 anos, propicia um verdadeiro monopólio sobre a inovação, visto que, no mundo globalizado atual, as tecnologias são modificadas e aprimoradas a cada dia. Esse trabalho se dedica ao estudo do regime internacional de propriedade intelectual de forma geral, mas foca-se no seu tipo específico, a patente, por entender que é através dessa que os novos atores internacionais, as transnacionais, conseguem extrair boa parte de sua vantagem competitiva. Tem-se como objetivo principal uma análise crítica da construção do regime, suas contradições e implicações, mas também se pretende, diante dessa análise prévia, entender melhor como as empresas transnacionais se utilizam desse recurso para manter suas vantagens competitivas, fato este que evidencia a mudança de caráter por que passou o regime e o próprio instituto da patente. Esse texto além de tentar inovar na forma como procura demonstrar que as patentes são utilizadas como instrumentos de competitividade (faz-se isso por meio do estudo da importância das patentes para transnacionais), traz também uma contextualização muito clara acerca das modificações do próprio ambiente internacional e econômico que estimularam e propiciaram essas mudanças. Por fim, acredita-se ser inovador no sentido de permitir a junção de várias disciplinas para sua consecução: direito, economia, história, filosofia; o que é uma característica muito destacada do curso ao qual esse trabalho se dedica: Relações Internacionais. Finalmente, para se alcançar tais objetivos acima mencionados, o trabalho está dividido em três capítulos: no primeiro, procurou-se contextualizar o texto, apresentando ao leitor qual o “pano de fundo” em que essa temática se desenvolveu e se insere, de onde vieram os estímulos para se pensar nessa temática. No segundo, aborda-se a questão propriamente dita da patente, passando por sua definição, as legislações nacionais e internacionais que a regulam, as teorias que influenciaram a construção do regime, a história da formação de tal regime e elaboram-se algumas críticas a cerca desta construção. Termina com uma análise sobre as empresas transnacionais e a importância que as patentes adquiriram para estas na etapa atual da globalização. Cecília Megali Ogata 16 1. O Conhecimento e a Inovação: as grandes riquezas do novo século É muito comum se ouvir que no século XXI ocorreu uma grande mudança de paradigmas. Mas o que isso realmente significa? Ao final do século XX e início do XXI alguns modelos e padrões econômicos, políticos, sociais e tecnológicos foram se alternando e alguns de maneira drástica como é o caso das telecomunicações. A essas alterações na atividade humana deu-se o nome de “globalização”, principalmente pela marcante redução das fronteiras físicas entre a circulação de pessoas, mercadorias e informações, proporcionada principalmente, pelos avanços nas áreas de comunicação e transportes. Mudou-se de um capitalismo marcado pela máquina a vapor, pelo motor de combustão interna, pelo telégrafo, eletricidade, eletromagnetismo, entre outros (século XX), para um capitalismo mais dinâmico, no qual as modificações e as evoluções provêm de recursos intangíveis, ou seja, das inovações. É o conhecimento a chave para maior lucratividade, produtividade e agilidade. Nesse cenário evoluem também as grandes empresas transnacionais, que ocupam importante papel no desenvolvimento, mas, sobretudo, na aplicação, dos conhecimentos; de maneira a tornar possível o consumo de algo imaterial, o que as torna atores bastantes relevantes no sistema internacional. A crescente internacionalização dos mais diversos fatores, serviços e produtos fez com que a importância das distâncias geográficas se reduzisse e com que o acesso a diferentes formas de relacionamento social, produção e organização se tornasse possível a um número cada vez maior de pessoas, nos mais diversos lugares do globo. A esse adensamento de interdependências, com inúmeras conseqüências na organização dos espaços nacionais e internacionais dá-se o nome de Globalização. Contudo, é fundamental que se tenha em mente que tal fenômeno é, na realidade, um processo, ou seja, não surgiu de repente nem tem um fim estabelecido, mas decorre de outros fatos e transformações geradas do passado. Para alguns autores seus primeiros esboços remontam a Rota da Seda, no período anterior a era cristã. Seria um erro, contudo, deduzir desse fato que o presente e o futuro são meras projeções das tendências passadas, pois, se assim fosse, nunca haveria inovações radicais ou revoluções tecnológicas, pois estas últimas caracterizam-se exatamente pela quebra de paradigmas, pela descontinuidade em relação às tendências do passado. Patentes: o regime internacional... 17 E, como processo, ela está em constante mutação e reavaliação. Tendo isso em mente, Joseph S. Nye Júnior (2002), co-fundador da Teoria Neoliberal de Relações Internacionais, argumenta que a Globalização do século XXI é mais densa, veloz e incerta, isso, principalmente, pelo avanço da Revolução da Informação. Também chamada de 3ª Revolução Industrial, a Revolução da Informação é marcada pelo grande desenvolvimento de tecnologias, sobretudo nas áreas de novos materiais, biotecnologia e microeletrônica; por novas formas de gestão organizacional, que destacam o “fator humano” enquanto gerador de vantagens competitivas; por uma automação flexível, que permite a transnacionalização de diversos setores produtivos de uma mesma empresa para diversos países; pela volatilidade dos fluxos financeiros; pelo uso intenso da internet e demais canais de comunicação; e pela crescente importância do conhecimento e da informação em todas esferas da sociedade, especialmente a econômica. Para Nye (2002, p.43) a grande característica dessa Revolução não é a rapidez da difusão das informações e comunicações, “The crucial change is the enormous reduction in the cost of transmitting information. [...] The result is an explosion of information, of which documents are a tiny fraction.”. Tais alterações geradas por essa Revolução culminaram no que hoje se chama de “Era da Informação e do Conhecimento”: ou seja, um período em que as maiores riquezas e vantagens se concentram em bens não táteis. Embora, a “[...] inteligência e a competência humana sempre estiveram no cerne do desenvolvimento econômico de qualquer sociedade.” (LASTRES; FERRAZ, 1999, p.28), agora, mais do que nunca, são suas capacidades de inovar, inventar, aplicar e desenvolver novas técnicas, que as organizações, os Estados e os indivíduos extrairão suas vantagens competitivas. A “Economia do Conhecimento” deve-se então ao fato de que os bens de maiores valores agregados hoje não são, em sua maioria, físicos, mas, sim, intangíveis. No capitalismo do período “fordista” 80% do valor das empresas correspondiam às suas edificações, instalações e equipamentos e 20% pelos seus bens intangíveis. No capitalismo do século XXI essa proporção é inversa. As inovações tecnológicas, de produtos e processos, bem como outros bens intangíveis, principalmente as marcas, representam a parcela mais expressiva do patrimônio das empresas. Seguramente a marca “Coca-Cola” ou “Google” tem um valor de mercado muito superior às instalações físicas dessas empresas. Desta maneira, “No novo padrão de acumulação nota-se a crescente intensidade e complexidade dos conhecimentos desenvolvidos e sua acelerada incorporação nos bens e serviços produzidos e comercializados.” (LASTRES; CASSIOLATO, 2003, p.2). Cecília Megali Ogata 18 Portanto, nessa nova configuração da economia mundial, fica evidente a importância das inovações enquanto fatores-chaves para o processo de desenvolvimento (algo já presente na tória de Schumpeter (1984) sobre a “Destruição Criativa”, que será trabalhada mais a frente) e de obtenção de vantagens em um ambiente cada vez mais competitivo. Quanto ao conhecimento, além de ser fonte para geração de inovações, é uma ferramenta cada vez mais essencial: num mundo tão incerto, são os conhecimentos humanos que garantirão melhores estratégias de ação e adaptação. Ademais, uma vez codificado ele pode se tornar um “produto tangível” e assim ser comercializado mais facilmente. Diante disso, o capítulo que segue se dedica a uma melhor explanação sobre a Era da Informação e do Conhecimento, iniciando com uma breve definição dos termos mais utilizados nessa parte que podem gerar confusão ao leitor: Conhecimento, Informação, Inovação e Invenção. A segunda seção do capítulo se dedica a uma abordagem mais detalhada sobre a Globalização e seus reflexos atuais, enfatizando o período econômico de 1970, quando se “inicia” a Revolução da Informação, aos dias atuais. E, finalmente, para encerrar essa primeira parte do trabalho, uma reflexão sobre o cenário dessa nova era no que tange o novo paradigma “tecno-científico-econômico” e suas conseqüências. 1.a - Conceitos Procurou-se dedicar a primeira parte desse trabalho a uma breve explanação sobre os conceitos das palavras-chaves que, por serem amplamente utilizadas em textos como sinônimas, poderiam causar dificuldade e imprecisão na compreensão do restante do trabalho, são elas: Conhecimento, Informação, Inovação e Invenção. 1.a.a – Conhecimento Já por volta do século XIV a.C., na civilização Celta1, o conhecimento era tema de debates, como afirmam Carbone, Brandão, Leite e Vilhena no livro “Gestão Por Competências - E Gestão do Conhecimento”. Para os celtas, não havia distinção entre o “saber” e o “agir”, isto é, conhecimento e ação estavam interligados, integrados. 1 Os Celtas foram o primeiro povo civilizado da Europa. Chegaram neste continente junto com a primeira onda de colonização ainda em 4.000 AC. Destacaram-se dos outros povos que chegaram na mesma época porque acreditavam em uma terra prometida e iam em busca dela. Em 1800 AC já tinham a sua cultura e o território totalmente estabelecidos, isso enquanto os gregos e os romanos nem sonhavam em nascer. Ocupavam a região da Alemanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, França e Inglaterra e eram um povo com muita ciência unida a muita mística. Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/celta/civilizacao-celta/ Patentes: o regime internacional... 19 Contudo, na Grécia antiga, desde o século VII a.C., filósofos pré-socráticos separavam a “vida da cidade” da “vida da casa”. Nesse modelo de organização, que distingue a vida particular da pública, é na polis, que os conhecimentos são levados ao alcance dos que a frequentam, sujeitos à crítica e controvérsias. Platão, ainda dentro desse contexto, vai abordar em sua obra o conhecimento como “crença verdadeira justificada”. Mas, a morte de Sócrates, por volta do século IV a.C., colocou em crise essa concepção uma vez que o próprio Sócrates não conseguiu persuadir os juízes a respeito de sua inocência. Então Platão e demais filósofos socráticos abandonaram a pólis e a vida política. A partir daí adotaram a separação do pensamento da ação humana, sendo que a primeira é superior à segunda. Ao afastarem-se da vida política surge a idéia da República de Platão, pois somente eles – filósofos que abandonaram a pólis – estariam aptos para governar. Nesse sentido, somente era relevante o conhecimento que propiciasse uma vida boa e justa para todos. Na era moderna, Santo Agostinho, um dos principais filósofos da era cristã, desenvolveu o embrião da idéia das “paixões compensatórias”, segundo a qual, em linhas gerais, um pecado compensaria o efeito negativo de outro pecado. No século XVIII essa idéia foi retomada por Montesquieu para quem “todos contribuem para o bem-estar geral enquanto pensam estar trabalhando pelos próprios interesses” (CARBONE, et al., 2006, p. 23) e também por Adam Smith na elaboração da sua metáfora da mão invisível que regularia o mercado sem a necessidade de intervenções governamentais. Com Karl Marx, já no século XIX, a teoria de valor do trabalho, iniciada com Smith, foi consolidada, atribuindo ao trabalho o verdadeiro valor da mercadoria. Contudo, ao contrário do que se possa pensar, o trabalho e esforço físico não superaram a importância do conhecimento. Com o decorrer dos séculos este foi sendo emancipado das crenças religiosas e exaltado pelo domínio do homem sobre a natureza. O progresso no desenvolvimento de novas tecnologias aproximou o conhecimento à prática e à “vida real”, possibilitando que ele hoje se tornasse não apenas um insumo de produção, mas o insumo. Isso porque é dele que virá a possibilidade de gerenciar informações tão diversas espalhadas no globo e gerar novos serviços e bens, o que garantirá ganhos em vantagens competitivas e, por conseguinte, ganhos econômicos e até mesmo sociais, políticos e culturais. “Finalmente, a competição que se estabelece não é simplesmente por participação no mercado, nem depende de um determinado conjunto fixo de produtos e serviços, mas, sim, por padrões competitivos baseados no conhecimento. Ou seja, competição por base tecnológica em termos de Cecília Megali Ogata 20 competências essenciais, que transcende a competição por produtos, e é alimentada pela geração permanente de inovações, através de processos dinâmicos, sistêmicos e cognitivos.” (CARBONE, et al., 2006, p.39). Portanto, para este trabalho o agir e o pensar são diferentes, porém não distantes, são fatos interligados e intimamente relacionados: ao passo que o segundo estimula o primeiro e este também propicia novos estímulos ao segundo. Diante disso, adota-se o significado de Conhecimento como “crença verdadeira justificada”, fruto da mente humana, que, em certos casos, pode ser codificado em ativos tangíveis; que capacita o homem a interpretar e correlacionar fatos e assim gerar respostas; e que tem seu desenvolvimento atrelado ao meio social e às necessidades e experiências humanas: “[...] conjunto de informações reconhecidas e integradas pela pessoa dentro de um esquema preexistente.” (CARBONE, et al., 2006, p.80); um processo, que não nasce com o indivíduo nem a ele é dado pelo meio social, mas depende das associações e interpretações feitas pelo homem dos objetos e da realidade analisados Legenda: Verdade Crenças Crenças Verdadeiras Crenças verdadeiras e justificadas CONHECIMENTO Figura 1: Conhecimento Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Conhecimento-Diagrama.png - adaptado pela autora Patentes: o regime internacional... 21 1.a.b – Informação Diferentemente do que sugerem alguns autores, este texto não toma como sinônimos informação e conhecimento. Este já foi definido, cabendo agora a definição daquele a fim de explicitar a diferença. Informação é um termo extremamente complexo de ser conceituado, não apenas por agregar idéias diferentes e até mesmo opostas, mas por se referir a colocações concretas e abstratas. A primeira significação dada pelo Dicionário da Língua Portuguesa do Prof. Francisco da Silveira Bueno é a de “a ação de informar; formação ou moldagem da mente ou do caráter, treinamento, instrução, ensinamento, comunicação de conhecimento instrutivo”. No entanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o termo se alastrou para todas as ciências da comunicação e passou a ser reconhecido como qualquer comunicado, mensagem ou dado que não têm necessariamente valor intrínseco. De acordo com o professor e mestre em comunicação, Alexandre Goulart (2004), são três as teorias que definem tal termo: a Matemática, que a toma como redução de incertezas dentro de um sistema estatístico; a da Forma, que toma a informação como um ato de dar forma, possibilitar a percepção; e da Cognição que liga informação à consciência humana, como são projetadas e organizadas pelo homem a fim de que gerem conhecimentos. Para este trabalho todas as três definições não são excludentes entre si, mas complementares e passíveis de uso conjunto. De acordo com Joseph S.Nye Jr. (2002) há três dimensões da informação: como dados, notícias e estatísticas; como vantagem em situações de competição; e como item estratégico. O autor consegue estabelecer esses significados ao fazer uma leitura clara do cenário mundial, como veremos mais a diante. Michael Dertouzos é mais pontual em sua definição de informação como: “A hora do dia é informação. [...] O conteúdo de um memorando datilografado é informação. [...] Cantos dos pássaros e discursos presidenciais são informação. [...] Todos os 20 mil vídeos e filmes comerciais são informação, também.” (1997, p.81). Esse autor ainda destaca três “pontos-chave da natureza da informação” (1997. p.82): que os homens lidam com a informação através de três níveis, sendo o primeiro a captação pelos sentidos, o segundo, o processamento pelo sistema nervoso e a expressão, e o terceiro, externalizando-a; que ela pode desempenhar papel substantivo ou verbal; e que a informação não é igual ao canal que a transporta, hábito que se tornou muito comum na Era da Informação e do Conhecimento. Cecília Megali Ogata 22 Portanto, Dertouzo usa, majoritariamente, a primeira dimensão da informação de Nye. Este trabalho também adota a noção de Informação enquanto dados, códigos e símbolos disponíveis nos mais diversos ambientes e provenientes das mais diversas formas, mas é através da conotação de Informação como meio estratégico e de ganhos de vantagens que complementará sua análise quanto a importância dessa nos dias atuais. 1.a.c – Inovação e Invenção Sempre que se fala de Inovação fala-se também de Joseph Alois Shumpeter, economista austríaco, que nas suas obras sobre o desenvolvimento e os ciclos econômicos sempre destacou a importância da inovação e do empresário empreendedor. Defende que “É, contudo, o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os consumidores, se necessário, são por ele ‘educados’; eles são, por assim dizer, ensinados a desejar novas coisas, ou coisas que diferem de alguma forma daquelas que têm o hábito de consumir.” (1982, p.48). O processo de “Destruição Criativa” seria a substituição de antigos produtos e hábitos de consumo por novos: “[...] a estrutura econômica, a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial a cerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas.” (1984, p.113). Mas, uma vez que um produto novo seja aceito e consumido pelos consumidores, ele passa a ser copiado por outros produtores, não inovadores, o que gera uma onda de investimentos na economia. Esse seria o período de prosperidade dos ciclos econômicos. Porém, à medida que tais inovações ou modificações são absorvidas e generalizadas pela sociedade, a taxa de crescimento diminui e, também, os investimentos e o nível de emprego. Tem-se então o período de recessão dos ciclos. Para Schumpeter o caráter empreendedorista do empresário está ligado a sua intuição, “da capacidade de ver as coisas de um modo que depois prove ser correto, mesmo que não possa ser estabelecido no momento [...]” (1982, p. 60) e somente podem ser considerados empresários aqueles que efetivamente levam a cabo novas combinações. O desenvolvimento desses novos bens e métodos também explica o lucro empresarial, pois ele é fruto do excedente que essa inovação gera, ao ser comercializado. Para ele, inovação não implica invenção: “Enquanto não forem levadas à prática, as invenções são economicamente irrelevantes. E levar a efeito qualquer melhoramento é uma tarefa inteiramente diferente da sua invenção, e uma tarefa que requer tipos de aptidão inteiramente diferentes. [...]Além disso, as inovações, cuja Patentes: o regime internacional... 23 realização é a função dos empresários, não precisam necessariamente ser invenções. Não é aconselhável, portanto, e pode ser completamente enganado, enfatizar o elemento invenção como fazem, tantos autores.” (1982, p. 62) A palavra Inovação é derivada do termo em latim innovatio (algo criado novo) e se refere à novidade, ao desenvolvimento de novos processos, produtos ou serviços em resposta antecipada a necessidades e expectativas de clientes, mas, ao contrário do que pode parecer, e como afirma Schumpeter, ela não implica invenção, pois esta é anterior àquela. A passagem da invenção para inovação se dá à medida que conhecimentos e habilidades formatam novos projetos e novos produtos, envolvendo a seleção e a combinação de novas tecnologias dominadas e de última geração para definirem plantas e viabilizarem a produção de protótipos em escala econômica. Portanto, entende-se, resumidamente, que o conhecimento é fruto do trabalho da mente humana que correlaciona observações armazenadas com fatos recentes e que propicia respostas às questões da realidade, enquanto a informação é a codificação de dado conhecimento humano, que está disponível no exterior nos mais diversos meios e formas; e a inovação é a capacidade humana de criar, a partir dos seus conhecimentos e das informações coletadas, novas maneiras e objetos que sejam dotados de certa vantagem perante aos já existentes ou que introduzam algo totalmente inédito. Por fim, é importante destacar que não é de intenção deste trabalho aprofundar, tão pouco esgotar, as questões acerca das definições desses termos. Eles foram aqui brevemente expostos a fim de facilitar o trato com os mesmos tanto para a autora, como para os leitores, durante o desenvolvimento da questão central deste texto. 1.b – A globalização Nesta segunda parte do primeiro capítulo, abordar-se-á o pano de fundo sobre o qual se desenvolve este trabalho. Essa prévia se faz necessária porque localizará o leitor quanto ao contexto mais geral em que se insere a questão das patentes e também das empresas transnacionais. Cecília Megali Ogata 24 1.b.a – Evolução, conceito e características Ao se falar em “globalização” fica claro que se trata de “algo” em escala global, que se manifesta no globo e, assim, que envolve relações entre diferentes lugares, povos e nações. Portanto, antes de se definir o termo, será feita uma breve recapitulação histórica, enfocando acontecimentos influenciadores e geradores da globalização atual. Segundo alguns historiadores pode-se falar em relações exteriores2 já na antiguidade grega, pois este povo estava dividido em cidades-estados independentes que se relacionavam entre si e com outras civilizações. Também os romanos estabeleceram relação com outros povos, contudo, neste caso, a imensa maioria dessas relações era de dominação, portanto, embora houvesse intercâmbios materiais e culturais, acabavam por se constituírem no âmbito interno do império. Historiadores como, Fernand Braudel, Immanuel Wallerstein e Janet L. Abu-Lughod, apontam, que ainda no período antes de Cristo, a Rota da Seda (antigo emaranhado de caminhos entre a Ásia e a Europa, que passava pelo Império Mongol, parte da Índia e da China e do que hoje se conhece como Oriente Médio.)3 como o grande exemplo de que as relações exteriores e a circulação de mercadorias e informações não se iniciam apenas na Idade Moderna. Porém, como se deve ter notado, esses povos citados, ainda que expandindo suas atividades e interesses além fronteiras, não alcançavam uma escala propriamente dita global, pelo contrário estavam limitadas ao espaço regional, à extensão terrestre do seu domínio. Assim, o mais comum é que se refira à Idade Média como o ponto de partida da Globalização, representada tanto pelas trocas comerciais das cidades de Gênova, Pisa e Veneza, do ocidente com o oriente, como, principalmente, pela disseminação da fé cristã pela Igreja Católica – “a Senhora Feudal”4. A professora Aldaíza Sposati em seu artigo “Globalização: um novo e velho processo” parte integrante do livro “Desafios da Globalização” (1997, p. 44 e 45), reitera essa idéia: “A globalização não é necessariamente uma modernização ou uma idéia “pós-queda do muro de Berlim”. A cristianização das sociedades foi um primeiro grande movimento na 2 No caso, não se utiliza o termo “relações internacionais”, visto que não havia ainda sido estabelecido e formalizado o que seria um Estado, algo que só ocorre em 1648 com a Paz de Westfália. 3 Tal sistema surge das trocas comerciais entre o ocidente e o oriente via terrestre, como a Rota da Seda, e mais tarde também por via marítima. 4 Este termo é usado pelos historiadores para se referirem a Igreja Católica Medieval, pois: “Calcula-se que a Igreja Católica tenha chegado a controlar um terço das terras cultiváveis da Europa Ocidental. Era, portanto, uma grande "senhora feudal" numa época em que a terra constituía a base de riqueza da sociedade.” Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/idade-media/a-igreja-medieval/ Patentes: o regime internacional... 25 direção da globalização. No caso, sem dúvida, pela expansão da fé cristã. Este Movimento, legitimando a conquista de territórios e riquezas para a Igreja e a Monarquia, expandiu a figura de Cristo para muito além do seu berço natal, ou do circuito da cultura judaica”. Com o advento das Grandes Navegações, as trocas comerciais e o contato entre diferentes povos aumentaram, possibilitando ao homem o deslocamento por outros meios, não apenas por terra. Neste contexto, as Colonizações são uma grande ilustração de como o mundo se tornava cada vez mais interligado, pois atingiram povos que nunca antes haviam entrado em contato com outros. Contudo, é na Revolução Industrial do século XVIII que há uma acelerada evolução do processo de produção e do intercâmbio de produtos e um estreitamento de relações, tanto pelo desenvolvimento da máquina a vapor, quanto pelo crescente poderio da burguesia, detentora do capital. A Inglaterra foi a grande pioneira dessa revolução, investindo no desenvolvimento de novas tecnologias que viabilizassem a manutenção do seu modelo capitalista de acumulação. Além das vantagens de um solo rico em carvão e ferro, dispunha de mão-de-obra (fruto da política de Cercamento de Terras 1), de uma burguesia disposta a financiar esse desenvolvimento e da aplicação de uma política econômica liberal, em que o Estado interferia o mínimo possível na economia.Esta nova época regeu-se pelos interesses das indústrias e das finanças e não mais pelas motivações dinástico-mercantis. O mundo, não mais o território, ou o povo vizinho, ou a colônia, passou a ser visto como uma referência para obtenção de mercados, locais de investimento e fontes de matérias-prima. No século seguinte a ampliação dos espaços de lucro conduziu à globalização em moldes mais próximos do que se vê hoje. A Segunda Revolução Industrial gerou tecnologias que desenvolveram o uso da eletricidade, automóvel, telefone, televisor, rádio, avião, o que aproximou ainda mais continentes e interesses. Mas, assim como a comunicação, a economia e até mesmo a cultura atingiram escalas globais, também as guerras se tornaram confrontos mundiais. Nesse contexto de rivalidades cada vez mais crescentes advindas direta ou indiretamente de desdobramentos dessa globalização, ocorrem a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Na primeira, de 1914 a 1918, a Tríplice Entente (liderada pelo Império Britânico, França, Império Russo - até 1917- e Estados Unidos - a partir de 1917) derrotou a Tríplice Aliança (liderada pelo Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano), e causou o colapso de quatro impérios, mudando de forma radical o mapa geo-político da Europa e do Oriente Médio. A guerra química e o bombardeamento aéreo foram utilizados Cecília Megali Ogata 26 pela primeira vez em massa nessa guerra. A segunda, iniciada em 1939, opôs os Aliados (França, Reino Unido, União Soviética e Estados Unidos) às Potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), e culminou com a vitória dos primeiros em 1945. O fim da guerra é marcado pelo lançamento de duas bombas atômicas sobre o Japão. Cabe aqui destacar um fato importante que explicita o nível de interligação mundial que já se tinha: uma das causas da Segunda Guerra foi o abalo que sofreu a economia internacional com a Crise de 29, quando os países europeus se reestabeleceram após as devastações da Primeira Guerra e assim reduziram suas importações americanas, gerando um excedente de produção, que, por sua vez, ocasionou a queda dos preços, da produção, dos empregos, dos lucros e do valor das ações, sucessivamente, em todo mundo. Ou seja, a “interconecção” econômica do mundo era patente, a qual também estreitava os laços dos demais setores da sociedade. No pós – 45 observa-se um intenso movimento no sentido de independência de antigas colônias, pincipalmente, na África e Ásia, o que elevou ainda mais o número de atores internacionais. Neste período, os países europeus passam a atuar como coadjuvantes no sistema internacional, cabendo aos Estados Unidos e à extinta União Soviética o papel principal. Estas potências, por meio de suas ideologias excludentes: capitalismo e socialismo, dividiram o mundo em dois pólos de influência. Esse período conhecido como Guerra Fria, pelo fato de não ter havido um confrontamento direto5 entre os dois rivais, só termina definitivamente com a Queda do Muro de Berlim em 1989. Com isso é consagrado o modelo americano e o liberalismo econômico e a URSS é fragmentada em diversos países e inicia seu processo de abertura econômica (perestroika) e, posteriormente, política (glasnost). “The existence of communism limited the geographic range of capitalism; the end of cold war therefore led to globalization and more rapid spread of market principles around the whole world. [...]After the Cold War, there was a detectable trend in the advanced capitalist countries towards a more economically driven foreign policy.” (COX, 2001, p.141). O mundo, após a segunda metade do século XX, ingressou em uma etapa de profundas evoluções no campo tecnológico desencadeada, inclusive pelo revanchismo dos dois blocos, durante a Guerra Fria. Essas evoluções não se esgotaram com o fim da guerra, pelo contrário, 5 Os confrontos se davam de forma indireta, com apoio militar ou financeiro dos EUA e da ex- URSS aos grupos internos que se opunham quanto a qual ideologia adotar, como foi a Guerra do Vietnã e da Coréia do Norte. Patentes: o regime internacional... 27 prosseguiram e prosseguem a passos cada vez maiores. Muitos falam inclusive do surgimento da Terceira Revolução Industrial ou Tecno-científica, em que se desenvolveram principalmente os setores de tecnologia da informação e da comunicação, mas que, diferentemente das Revoluções anteriores, não se limitou a inovar e aprimorar apenas as atividades industriais que produzissem bens com altíssimo valor agregado, mas também, as formas de gestão desses organismos. Entretanto, o grande diferencial dessa nova Revolução é a comercialização cada vez maior de ativos intangíveis, como softwares, por exemplo. Procurou-se demonstrar que a globalização é “A historical process involving a fundamental shift or transformation in the spatial scale of human social organization that links distant communities and expands the reach of power relations across regions and continents.” (MCGREW, 2001, p.24), ou seja, “A globalização – o crescimento das redes mundiais de interdependência – é virtualmente tão antiga quanto a história humana. A novidade é que agora as redes são mais densas, complexas e incluem pessoas de mais regiões e classes sociais.” (NYE, 2002, p.78). “By globalization we simply mean the process of increasing interconnectedness between societies such that events in one part of the world more and more have effects on peoples and societies far away. A globalized world is one in which political, economic, cultural and social events become more and more interconnected, and also one in which they have more impact. In other words, societies are affected more and more extensively and more and more deeply by events of other societies.” (BAYLIS; SMITH, 2001, p.8) Desta forma, a globalização deve ser entendida como um processo e, como tal, não é assimilada por todos com a mesma rapidez e características, o que garante, portanto, dizer que ela não implica universalidade, pelo contrário, em muitos casos, acaba por aprofundar o abismo entre ricos e pobres, nas palavras de Anthony McGrew (2001), ela é “assimétrica”. Ainda abordando o termo, Lastre, Cassiolato, Lemos, Maldonado e Vargas, destacam o caráter ideológico do mesmo. Para estes autores “[...] a noção de globalização não apresenta consistência conceitual; tanto no que se refere ao verdadeiro significado do termo, quanto à extensão do processo em suas várias instâncias, uma vez que seus efeitos e impactos se fazem sentir de forma diferenciada em diversos segmentos dentro da própria esfera econômica, sejam estes financeiros, comerciais, produtivo, institucional, tecnológico, etc.” (1998, p. 3). Porém, argumentam que no fim do século XX, as características apontadas pelos estudiosos Cecília Megali Ogata 28 do assunto encontram certo consenso, o que, possibilita reduzir a imprecisão do seu significado. As principais características destacadas do processo são: a expansão das atividades sociais, políticas e econômicas para além das fronteiras territoriais e o contato com distantes comunidades e regiões do globo; o crescimento da magnitude da interdependência e das relações entre os países, as empresas e os indivíduos; a aceleração e o desenvolvimento dos processos e meios de comunicação, que aumentam a velocidade com que idéias, notícias, bens, informação, capital e tecnologia se movimentam; e o aumento da rapidez, intensidade e abrangência que se dá o relacionamento entre o local e o global. Dessas características da Globalização se desdobram outros apontamentos mais específicos, como por exemplo, a questão da importância da territorialidade. Ao se falar de redução de barreiras, “mundo sem fronteiras” ou “o mundo está ficando pequeno”, tem-se a errônea impressão de que o território, o espaço físico já não é relevante, que se estaria vivendo uma “desterritorialização” do mundo, mas, como Nye (2002, p. 82) argumenta, “Globalization has made national boundaries more porous but not irrelevant.”. Além disso, o território é um dos elementos fundamentais para constituição de um Estado – juntamente com o povo e o governo – e este é um dos atores fundamentais do Sistema internacional e da Globalização. “Hence the importance of globalization is that it has ended the monopoly of territoriality in defining the spatial character of the world economy. This is not to say that the trend has eliminated territoriality altogether. The global dimension of contemporary world commerce has grown alongside, and in complex relations with, its territorial aspects. Globalization has been configuring geography rather than obliterating territory.” (SCHOLTE, 2001, p. 615) A questão das fronteiras e do território serve de guia para uma outra suposição fruto da Globalização, a de que se estaria formando uma cultura global, ou seja, que a intensa transação de informações, bens de consumo e etc., estaria ocasionando uma homogeinização cultural. É verdade que indivíduos de todos os lugares do mundo podem comprar um mesmo produto, ouvir a mesma música e assistir o mesmo programa de TV. Porém, as peculiaridades culturais já enraizadas em cada sociedade não são facilmente substituídas, são, sim, influenciadas. Assim como ocorre na economia, que não atinge a todos da mesma maneira e com os mesmos benefícios, a língua inglesa, a calça jeans americana também não são automaticamente incorporadas por todos. Patentes: o regime internacional... 29 Além destas também merecem destaque as características da Globalização de regionalização, visto que há cada vez mais um nítido encaminhamento no sentido de se formar blocos econômicos e políticos com a finalidade de se fortalecerem perante a sociedade mundial e de alcançarem seus objetivos comuns mais facilmente, como é o caso da União Européia – mais desenvolvido, do Mercosul e tantos outros; de desenvolvimento do Direito Internacional e de novas temáticas concernentes a toda humanidade, como os Direitos Humanos, meio-ambiente e imigração. Aliás, a imigração é também uma das facetas da globalização, pois a modernização dos meios de transporte possibilita o deslocamento mais veloz e simplificado das pessoas ao longo do globo. A nova organização de produção que estabelece linhas de produção em diversos locais do mundo é também uma característica marcante do processo de globalização, porque desta forma, ocorre uma nova DIT – Divisão Internacional do Trabalho – e uma reorganização nos modos de gestão e de fabricação, pois o produto final é fruto agora de partes, peças desenvolvidas nos mais diversos países. Isso ocorre em busca de maior lucratividade e competitividade. O campo econômico é o que mais explicita os efeitos da Globalização, pois esta é fruto do desenvolvimento do capitalismo. A escala mundial que se tem hoje foi atingida buscando concretizar os desejos capitalistas, de maior consumo, venda e lucratividade e por isso pode-se dizer que o processo de globalização ocorreu e ocorre primeiramente na economia: “Mesmo havendo outros desdobramentos importantes decorrentes do processo de globalização – no campo da política, da cultura, da sociedade, da tecnologia, entre outros – estes seriam, em alguma medida, ainda que indiretamente e simplificando raciocínio, conseqüências do citado processo econômico.” (VIGEVANI, 1997, p.281). Por fim, destaca-se neste trabalho a característica mais estudada e questionada sobre a Globalização: a perda de poder de atuação dos Estados. Há, de fato, alguns assuntos e temáticas no âmbito internacional que não passam pela opinião dos Estados, que não depende deles e sobre as quais não têm controle. Contudo, falar-se na formação de uma Comunidade Mundial, sob um mesmo governo e a desmantelação e irrelevância das Nações no mundo globalizado é uma análise superficial: “In short, there is little sign that global commerce and the state are inherently antithetical. On the contrary, the two have shown considerable mutual dependence. States have provided much of the regulatory framework for global trade and finance, albeit that they have shared these competences with other regulatory agencies.” (SCHOLTE, 2001, p. 616) Cecília Megali Ogata 30 Ian Clark argumenta, nesse sentido, que o que se tem atualmente é um “globalized state” (2001, p. 739), ou seja, a globalização ocasiona uma transformação na natureza do Estado; eles não estão obsoletos, mas diferentes. A crise econômica que atingiu praticamente todos os países do globo em agosto de 20086 mostrou que os Estados realmente não desapareceram e nem desaparecerão – pelo menos tão cedo – do Sistema Internacional, pelo contrário, estão sendo eles os responsáveis pelo “controle” da crise, pelas tentativas a fim de voltar a economia ao seu ritmo anterior. Não é o mercado financeiro, nem as grandes corporações transnacionais que estão investindo milhões e bilhões em empresas “falidas”, a fim de revigorar o crescimento da economia mundial, mas, sim, os Estados, o que demonstra que, embora o mundo esteja cada vez mais globalizado, as políticas se mantém nacionalizadas. Por fim, cabe ainda colocar o que se fala em posições contra e a favor da Globalização. As primeiras destacam a abertura econômica, o desenvolvimento da área de comunicação, maior proximidade cultural das pessoas, o “encurtamento” do tempo e do espaço, os movimentos no sentido de um estado global e o desenvolvimento de uma cultura cosmopolita, ao passo que os contrários acusam que não se trata de um fenômeno recente, que empresas genuinamente transnacionais são pouquíssimas, que a economia não é global, mas concentrada nos países ricos, que as tecnologias não estão ao alcance de todos, que a globalização é na verdade, um imperialismo ocidental, e que há globalização de coisas ruins também, como o tráfico de drogas e o terrorismo. Este trabalho não defende nem é contrário à Globalização, entende que ela foi e é um processo originário das ações, desejos e escolhas dos homens, que possui pontos positivos e negativos, como os destacados acima, portanto, o mais adequado não é uma simples valoração de suas características, mas um estudo de suas causas e conseqüências para que assim se possa lidar de maneira mais coerente e eficaz com os desafios impostos por sua dinâmica. Finalizando, a questão acerca da Globalização é delicada desde sua possível origem até suas conseqüências mais modernas. Não se buscou debater amplamente as questões acerca de suas características e desdobramentos, preocupou-se antes, em consolidar para o leitor a imagem do que é a Globalização e suas manifestações. Sem seu estudo não é possível compreender o mundo atual. 6 O desenvolvimento dessa crise e sua evolução serão abordados na próxima seção. Ver nota:9 Patentes: o regime internacional... 31 1.b.b – A economia do pós-70 Este recorte temporal foi necessário para que se pudesse dedicar uma maior atenção ao desenvolvimento da economia mundial, que também é um “pano de fundo” das questões centrais deste texto. A escolha de se iniciar com o final dos anos 70 deve-se ao fato de que a partir daí “[...] foram intensas as modificações socioeconômicas relacionadas ao processo de internacionalização da economia mundial. É preciso enfatizar que esse processo não é novo. Mas ganhou características inusitadas e um assombroso impulso com o enorme salto qualitativo ocorrido nas tecnologias da informação. Essas mudanças permitiram a reformulação das estratégias de produção e distribuição das empresas e a formação de grandes networks. A forma de organização da atividade produtiva foi radicalmente alterada para além da busca apenas de mercados globais; ela própria passou a ser global.” (DUPAS, 1999). Portanto, o desenvolvimento econômico de tal período é fundamental para compreensão da formação das transnacionais que será abordado mais detidamente no terceiro capítulo deste trabalho e da consolidação da Era da Informação e do Conhecimento, discutidos na próxima seção deste capítulo. Em 1944, foi assinado o acordo de Bretton Woods, que tinha como objetivos principais reorganizar a economia e as finanças internacionais sob a nova hegemonia dos Estados Unidos e assegurar a não ocorrência de um segundo “Crash”, como o de 1929, além de reconstruir a Europa, arrasada pela guerra. Também foi criado o Fundo Monetário Internacional (FMI) a fim de promover a cooperação monetária internacional; favorecer a expansão equilibrada do comércio; oferecer ajuda financeira aos países membros em dificuldades econômicas; e contribuir para a instituição de um sistema multilateral de pagamentos e promover a estabilidade dos câmbios. Cria-se, nesta época também, o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) com o intuito de facilitar investimentos privados e reconstruir a Europa7. E, por fim, foi assinado o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) que se tronou um fórum de negociação para liberalização do comércio. Todas essas medidas contribuíram para o incremento das trocas comerciais entre vários paísese para cooperação destes em assuntos que lhes concernia. 7 Hoje o BIRD faz parte do Banco Mundial junto com Associação Internacional do Desenvolvimento (AID), Corporação Financeira Internacional (IFC), Agencia Multilateral de Garantias de Investimentos (AMGI) e Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI), todas reunida sob uma única presidência. Cecília Megali Ogata 32 No final da década de 60 e início da de 70, ocorre o que, Paulo Roberto de Almeida chama de “terceira onda da globalização”8, em que ocorre uma reorganização geral da economia mundial, permitida pela expansão do comércio internacional e pela abundância de capitais. Essas mudanças deram origem a uma Nova Ordem Econômica Internacional. As causas que impulsionaram essas modificações são as inovações tecnológicas, a reestruturação produtiva, a crescente mobilidade do capital, o aumento da concorrência empresarial, a globalização produtiva e financeira, intensificação de integrações tanto “rasas”, quanto profundas, e a redução do custo dos transportes. Todas essas causas geraram consequências que permanecem até hoje e que configuraram o cenário internacional desde então: a concorrência intercapitalista; a concentração do capital; investimentos em desenvolvimento de tecnologias; novos temas internacionais, como a questão dos serviços, de regras uniformes de comércio; e a abertura e busca de novos mercados. A globalização produtiva envolve “[...] a interação de três processos distintos, a saber, o avanço do processo de internacionalização da produção, o acirramento da concorrência internacional e a maior integração entre as estruturas produtivas das economias nacionais.” (BAUMANN; CANUTO; GONÇALVES, 2001, p.226). Cada vez mais e mais indústrias distribuem ao longo do globo suas diferentes unidade de produção e negócios, descentralizando-as, visando ganhos competitivos sobre uma mão-de obra mais barata, maior abundância de matéria-prima ou mesmo insenções fiscais, entre outros. Também a globalização finaceira pode ser entendida como a interação de três fatores diferentes “[...] a expansão extraordinária dos fluxos financeiros internacionais, o acirramento da concorrência nos mercados internacionais de capitais e a maior integração entre os sistemas finaceiros nacionais.” (BAUMANN; CANUTO; GONÇALVES, 2001, p.221). O dinheiro tem se tornado cada vez mais volátil e não conta mais com a necessidade do lastro, seja em dólar ou em ouro, compram-se títulos, ações, há muito mais dinheiro em operações finaceiras, do que em operações de comércio propriamente ditas. E há também uma necessidade vital dos países em estimularem investimentos em seus territórios, em valorizar suas ações, tal processo atinge não apenas aqueles países desenvolvidos, mas também os em desenvolvimento e os subdesenvolvidos. 8 Para Paulo Roberto de Almeida haveria, além dessa onda citada, duas ondas anteriores: a primeira no período dos descobrimentos e do capitalismo mercantil; e a segunda compreende o último quarto d o século XVIII até o início do século XX. Esses períodos, segundo o autor, apresentam mudanças significativa separa o processo de globalização ao mesmo tempo em que o intensificam ainda mais. Patentes: o regime internacional... 33 Outro fator muito importante de se destacar é que a partir deste período também ocorre uma crescente busca por se incrementar as integrações ja existentes (tanto entre nações, como entre organizações) e por criar novas a fim de se fortalecerem perante outro grande desafio da globalização que é a concorrência, a qual a partir da década de 70 também é reorganizada. O mundo ia deixando de estar dividido em dois grandes blocos e se fragmentava em inúmeros novos blocos supranacionais organizados para facilitar o comércio e a circulação de mercadorias e pessoas. Finalmente, o grande diferencial deste período que se inicia nos anos 70 é o surgimento de um novo paradigma: “técnico- científico –econômico” pautado na produção flexível de bens e serviços intensivos em informação, impulsionados e impulsionando uma vasta rede de infra-estrutura de telecomunicação. Este paradigma norteou uma nova competitividade marcada pelas inovações tecnológicas e pela crescente importância da propriedade intelectual. Este assunto será abordado separadamente na próxima seção devido a sua importância para este trabalho. Caminhando para o final dessa década, os custos militares americanos da Guerra do Vietnã e de programas de educação pública e desenvolvimento urbano, sem crescimento de impostos (NYE, 2002); a crescente concorrência da Europa, já reconstruída; a ascensão de novos pólos competitivos na Ásia; as crises do petróleo em 73 e 79, fizeram com que os Estados Unidos, por meio de seu poderio e pressões, iniciassem um processo de protecionismo. Mas, cabe lembrar que os “choques” do petróleo abalaram todo o mundo, tanto que é nesta época que se cunha o termo “estagflação” para se referir a uma situação em que se verifica a coexistência de elevado desemprego de fatores (estagnação) e de elevadas taxas de inflação. A explicação para uma situação deste tipo encontra-se no fato da inflação manter-se numa “inércia”, ou seja, uma vez instaurada não se encontram meios de exterminá-la. Assim, nos anos 80 surgiu o intenso debate entre as idéias neoliberais de ajustes estruturais de liberalização, privatização e desregulamentação e as idéias keynesianas de regulamentação por parte do Estado. Nas negociações nos anos 80 e 90, prevaleceram as posições liberais, expressas principalmente através do “Consenso de Washington”. Este conjunto de medidas consolidou o receituário de caráter neoliberal, passou a ser "receitado" pelo FMI, aos países em desenvolvimento que promovessem o "ajustamento macroeconômico", norteado por dez regras básicas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto (IED) com eliminação de restrições, privatizações de estatais, Cecília Megali Ogata 34 afrouxamento de leis econômicas e trabalhistas e concessão de direito à propriedade intelectual. Todos esses processos de recomendações e negociações culminaram com a formação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, que tem como principais funções gerenciar os acordos que compõem o sistema multilateral de comércio, servir de fórum para comércio internacional, supervisionar a adoção dos acordos e implementação destes acordos pelos membros da organização e a resolução de controvérsias. O século XXI se inicia com crescente liberalização econômica e desenvolvimento tecnológico, o qual não parou de produzir novos produtos, processos e conhecimentos desde a década de 70, porém, caminha, não para a centralização estatal, mas para um maior controle, uma maior participação dos Estados na economia mundial, principalmente em virtude da crise atual9 que começa junto como novo século. Finalizando, o que se percebe é que a partir da década de 70 a economia dominou todas as demais esferas da vida social e do sistema internacional. E ela introduziu novas configurações no cenário global, caminhando crescentemente para um maior aproveitamento de todos espaços do mundo, contudo não se deve criar a ilusão de que a globalização e as mudanças geradas pela economia atingem a todos, pelo contrário elas agravam mais ainda a distância entre pobres e ricos e colocam cada vez mais barreiras à inserção verdadeira deles nos negócios internacionais. 1.c – A Era da Informação e do Conhecimento e a economia gerada por bens não materiais Fruto da evolução da globalização e impulsionado pelas novas exigências da economia, a partir do século XX, principalmente da década de 80, ocorre um veloz desenvolvimento de inovações nas áreas de informática e telecomunicações, robótica, química 9 Em 2001, devido a baixa dos juros, muito americanos refinanciam seus imóveis pegando dinheiro em troca e elevando os valores dos imóveis até 2005, quando eles atingem níveis históricos. Em junho de 2006, com aumento da taxa de juros, os preços dos imóveis caem e novas hipotecas alcançam valores menores e empresas de concessão de crédito passam a enfrentar a inadiplência de muitos credores. Em março de 2007 a crise imobliária chega à bolsa de valores, pois as prestações imobiliárias reduzem o consumo da população e, assim, desacelera o mercado. Já neste ano muitas empresas do ramo imobiliário e de crédito e bancos começam a fechar e decretar falência e anunciar perdas gigantescas, inclusive europeus. Nem o congelamento dos juros das hipotecas de alto risco pelo presidente Bush desacelerou a crise, em 2008 muitos conglomerados financeiros encerram suas atividades e empresas de todos os ramos anunciam prejuízos que ultrapassam a esfera dos milhões. É então, em setembro de 2008, que o governo dos Estado Unidos assume o controle das maiores hipotecárias do país e marca um novo momento da economia mundial, no qual os Estados se tornam essenciais para a superação desta crise ajudando finaceiramente o setor privado. Patentes: o regime internacional... 35 fina e tecnologia10 em geral. Segundo José Eduardo Cassiolato, o que se tem é “[...] uma mudança de paradigma das tecnologias intensivas em capital e energia e de produção inflexível e de massa (baseadas em energia e materiais baratos) para as tecnologias intensivas em informação, flexíveis e computadorizadas” (1999, p.164). Para Lastres e Ferraz (1999, p. 35 e 36), tal paradigma, chamado de “paradigma tecnoeconômico das tecnologias de informação” tem como elementos constituintes básicos a informação, o conhecimento e o aprendizado; e como características mais importantes a crescente complexidade dos novos conhecimentos e tecnologias utilizados pela sociedade; a aceleração do processo de geração de novos conhecimentos e de fusão de conhecimentos e de adoção e difusão de inovações; a crescente capacidade de codificação de conhecimentos e maior velocidade, confiabilidade e baixo custo de transmissão; o aprofundamento do nível de conhecimentos tácitos; a maior flexibilidade e capacidade de controle nos processos de produção; as mudanças fundamentais nas formas de gestão e de organização empresarial; as mudanças no perfil dos diferentes agentes econômicos, passando a se exigir maior qualificação; e a exigência de novas estratégias e políticas, novas formas de regulamentação e novos formatos de intervenção governamental. “O novo paradigma é visto, portanto, como resposta encontrada pelo sistema capitalista para o esgotamento de um padrão de acumulação baseado na produção em larga escala de cunho fordista11, utilização intensiva de matéria e energia e capacidade finita de gerar variedade.” (LASTRES; FERRAZ, 1999, p. 36) É o surgimento desse novo paradigma que dará origem ao que se tem denominado Revolução da Informação ou 3ª Revolução Industrial. De acordo com Nye, ela é baseada em “[...] rapid technological advances in computers, communications, and software that in turn have led to dramatic decrease in the cost of processing and transmitting information.” (2002, p.42). Ele ainda relembra a frase de Robert Darnton: “Every age was an information age, each 10 Tecnologia é tomada neste texto como sendo a ciência aplicada no desenvolvimento e aprimoramento da técnica a fim de possibilitar resoluções e respostas aos problemas enfrentados. 11 Foi um modelo de produção criado por Henry Ford que “Consistia em organizar a linha de montagem de cada fábrica para produzir mais, controlando melhor as fontes de matérias-primas e de energia, os transportes, a formação da mão-de-obra. Ele adotou três princípios básicos; 1) Princípio de Intensificação: Diminuir o tempo de duração com o emprego imediato dos equipamentos e da matéria-prima e a rápida colocação do produto no mercado. 2) Princípio de Economia: Consiste em reduzir ao mínimo o volume do estoque da matéria-prima em transformação. 3) Princípio de Produtividade: Aumentar a capacidade de produção do homem no mesmo período (produtividade) por meio da especialização e da linha de montagem. O operário ganha mais e o empresário tem maior produção.” Disponível em: http://pt.shvoong.com/social-sciences/1674951-taylorismo-fordismo/ acessado em 30/05/2009 Cecília Megali Ogata 36 in its own way.”, mas adverte que a mudança crucial desta nova revolução é a grande redução do preço para transmissão dessa informação. As principais características dessa Revolução são: “O desenvolvimento de um conjunto de inovações tecnológicas de largo espectro de utilização e mutuamente estimuladoras entre si, nas áreas de novos materiais, biotecnologia e, sobretudo e principalmente, na microeletrônica.” (PASSOS, 1999, p.61); o aprimoramento e criação de formas de gestão que extraiam o máximo de conhecimento de humano e priorizem o incentivo à criação e ao aprendizado; aumento do uso de automação flexível, com instrumentos que permitem o controle e a automação dos processos em tempo real e auto-ajustáveis; modificação nos processos organizacionais, nas estratégias e culturas das organizações empresariais, com o “desmantelamento” de estruturas rígidas e maior investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Além disso, surge também o “Mercado de Informação”, que, Michael Dertouzos define como “[...] reunião de pessoas, computadores, meios de comunicação software e serviços que serão engajados nas transações de informações interpessoais e interinstitucionais do futuro. Estas transações incluirão o processamento e a transmissão de informações em conformidade com os mesmos estímulos econômicos que hoje impulsionam o mercado tradicional de bens e serviços” (1997, p.31). A propósito, o futuro de que Dertouzos fala é o século XXI de hoje. Essas mudanças atingiram também as políticas, a gestão estatal, a cultura, as organizações sociais e o indivíduo em si, mas há ainda locais no globo que não convivem com tais tecnologias, nem mesmo com tecnologias anteriores a essas. Sem dúvidas, a cultura das sociedades mundiais está sendo alterada, pois a internet está difundindo novos hábitos e padrões que de certa forma, não abruptamente, são incorporados em diversas partes do mundo, além disso, a privacidade dos indivíduos está sendo reduzida. Obviamente, como já dito anteriormente, isso não significa que haverá uma comunidade global como os mesmos valores, mas negar que a disseminação de determinados modos de vida está influenciando aos que têm acesso aos recursos dessa revolução é uma falácia. Quanto aos Estados, à semelhança da globalização, este tem que enfrentar sérias dificuldades no que diz respeito do seu poder de controle da informação, em outras palavras, com essa revolução de grande quantidade de informação circulando a todo vapor nos diversos meios e em diversas direções, o controle disso está cada vez mais rarefeito: “The spread of informaion will mean that power will be more widely distributed and informal networks [...] will undercut the monopoly of traditional bureaucracy.”(NYE, 2002, p.53). Contudo é inegável que está sendo criado um ciber espaço de relacionamentos e trocas de informações Patentes: o regime internacional... 37 paralelo às comunidades geograficamente localizadas e aos Estados–nações (grandes atores do sistema internacional). E isso faz com que o soft power12 seja crescentemente importante para os governos. Quanto à segurança, esta revolução trouxe também novas armas cada vez mais potentes e de maior alcance, a possibilidade de monitoramento dos espaços aéreo, terrestre e aquático, entre outros. Mas, o que também tem gerado cada vez mais preocupação é que tais informações e tecnologias ao mesmo tempo em que podem ser usadas para o bem, podem contribuir para o planejamento de ataques terroristas, da disseminação de crimes “digitais” e invasão de privacidade. Por fim, na área econômica tem-se o surgimento da “economia do conhecimento e da informação”, termo que se origina “[...] da observação de que a partir do final da Segunda Guerra Mundial, os processos produtivos têm crescentemente se apoiado e dependido de atividades baseadas em conhecimento.” (LUNDVALL, 199713 apud CASSIOLATO, 1999, p.172). Essa nova economia tende cada vez mais a aumentar o valor agregado dos bens intangíveis, de modo que o valor material de um CD é algo em torno de um real, mas se este estiver com o conteúdo de um programa de computador gravado nele pode atingir valores milhares de vezes maiores. Os ativos intangíveis podem ser definidos como: “[...] uma fonte não física de geração de valor, sendo resultante de inovação, estrutura organizacional específica ou práticas de recursos humanos.” (LEV, 200114 apud FINGERL; GARCEZ, 2002). Eles se distribuem nas categorias: marketing (marcas, logos); tecnologia (patentes, know-how), artes (copyrights), processamento de dados (software, banco de dados), consumidores, contratos (licenças, franquias), mas ainda fala-se da capacidade de exportação, liderança, flexibilidade e estratégia. Contudo, esses ativos têm uma grande peculiaridade: não são passíveis de mensuração, ou seja, como se mede o valor da marca Coca-Cola? Essa dificuldade é agravada pelo fato de que esses ativos não são posse de uma empresa, ou de um órgão governamental, elas são, por essência, frutos do trabalho intelectual humano e estão, assim, associadas a processos de aprendizagem, dependentes de contextos e formas de interação sociais específicas. Para Dertouzos, “O valor da informação não precisa se confinar a termos econômicos: [...] o valor da informação é determinado pelo valor intangível das coisas que gera [...]” (1997, p.299), 12 Termo cunhado por Joseph Nye Jr. que se refere ao poder de atrair os adversários e demais atores internacionais ou cooperar com eles para que queiram o mesmo que você. 13 LUNDVALL, B. A.; Development strategies in learning economy. Texto apresentado na conferência do 10º aniversário do STEPI. Seul, 1997. 14 LEV, B.; Intangibles: management, measurement and reporting. Washington: The bookings Institute. Cecília Megali Ogata 38 portanto relativa. Em certa medida Dertouzos está certo porque não há ainda nenhum instrumento capaz de mensurar com precisão esses ativos, mas a importância de avaliá-los em termos econômicos é cada vez maior visto que eles têm se transformado em fatores centrais da economia mundial. Por isso, é uma questão bastante discutida entre os empresários, governantes e estudiosos da área. Diante de tal configuração mundial, que se instalou no período pós-anos 80 e se consolidou no fim da década de 90 e início do século XXI, adotou-se a denominação de Era da Informação e do Conhecimento, que de acordo com a profª.Drª. Sarita Albagli (1999, p.292 e 293), tem como características principais: a vinculação de desenvolvimento científico ao tecnológico, na qual a ciência passa a desempenhar um papel estratégico como força produtiva e como mercadoria; a incorporação do progresso científico-tecnológico às esferas de poder público e simultânea privatização de tal processo por grandes agentes econômicos; e a inserção dessa tecnologia e ciência no cotidiano e na cultura contemporâneos. Nessa nova “era” a competição está cada vez mais acirrada e incrementada: “[...] a competição entre empresas se volta não apenas para o produto, mas principalmente para a tecnologia dos processos produtivos. A competitividade tecnológica implica também em custos elevados em pesquisa para desenvolvimento de produtos existentes e criação de novos produtos e serviços, na sofisticação, no atendimento da demanda e na provisão de assistência técnica. As empresas se reestruturam geograficamente, visando à competição a nível mundial, procurando as vantagens comparativas de cada país”. (KON, 1997, p. 64) A inovação figura, nesse cenário, “[...] como fator estratégico de sobrevivência e competitividade para as empresas e demais organizações” (LASTRES; CASSIOLATO, 2003, p. 4), é ela que vai garantir ganhos de vantagem competitiva, que dizer, é partir de uma inovação que a empresa “passa a frente” de suas concorrentes. E, como a inovação só surge por meio da utilização de tecnologias e informações direcionadas pelo conhecimento, estes também se tornam essenciais à atividade empresarial atual. Isso fez com que aparecesse, na área de administração, a “gestão do conhecimento” e a “gestão de competências”, que se ocupam, basicamente e respectivamente, “[...] de mapear e transferir conhecimentos críticos dos processos organizacionais.” e “[...] em compreender as competências15 dos funcionários em face das competências organizacionais (equipes) e 15 “[...] não apenas um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para exercer determinada atividade, mas também como desempenho expresso pela pessoa em determinado contexto, em termos de comportamentos e realizações decorrentes da mobilização e aplicação de conhecimentos, habilidades e atitudes no trabalho.” (CARBONE et al., 2006, p.43) Patentes: o regime internacional... 39 profissionais (cargos ou funções) desejadas.” (CARBONE, et al. 2006, p. 98). Além disso, outras organizações também criaram e vem criando departamentos/áreas/secretarias de gestão do conhecimento, como é o caso do BNDES, onde foi criada a Área de Gestão do Conhecimento em 2002. Esses esforços buscam desenvolver uma forma de estimular a criação de inovações e retenção dos conhecimentos gerados e utilizados dentro das organizações, porém, isso reflete uma contradição: ao mesmo tempo em que o conhecimento, enquanto matéria-prima para inovações pode ajudar a “alavancar” a empresa, a grande maioria deles é intransferível, ou seja, permanecem enraizados nas pessoas que os desenvolvem. Portanto, a produtividade e a competitividade dos agentes econômicos dependem cada vez mais da capacidade de lidar com seu “capital humano”16 e eficazmente com a informação para transformá-la em conhecimento (e vice-versa) e deste processo gerar inovações. “A complexidade crescente das relações concorrenciais sobre esses diferentes mercados e situações conduz as empresas, os Estados e as coletividades locais a elaborar novas formas de enfrentar a realidade. A eficácia de tais comportamentos repousa sobre o desenvolvimento de verdadeiros dispositivos de gestão estratégica de informação no interior de sistemas de inteligência econômica. Sua existência permite aos diferentes atores e interesses antecipar a situação dos mercados e a evolução da concorrência, detectar e avaliar as ameaças bem como as oportunidades disponíveis, para então definir as ações ofensivas e defensivas mais bem adaptadas a suas estratégias de desenvolvimento” (tradução livre do idioma francês: Relatório do Grupo “Inteligência Econômica e Estratégia das Empresas”, 1994, p. 16 apud PASSOS, 1999, p.74) Com os bens intangíveis possuindo, atualmente, maior valor agregado que muitos bens tangíveis, a propriedade intelectual figura como uma solução para atribuir valor a esses bens e com isso facilitar seu comércio e transnacionalização. Por isso, a importância do estudo deste assunto, no caso, da patente. Para a globalização atual e seus desdobramentos futuros, cada vez mais a patente e as demais formas de propriedade intelectual serão imprescindíveis às empresas e, direta ou indiretamente, aos Estados e indivíduos. Nas palavras de Lastres e Ferraz: “[...] tratar o agente inovador como um indivíduo (ou conjunto de indivíduos), e a ele conferir a propriedade do conhecimento, quando sabidamente o conhecimento que baseia tal inovação provém de um acervo social e coletivo. Daí o papel também crucial da propriedade 16 Para este termo podem ser encontradas diversas definições que, em geral, fundamental a mesma idéia da aplicação das capacidades humanas na realização de um trabalho, cumprimento de uma estratégia, desenvolvimento de ativo. Cecília Megali Ogata 40 intelectual na nova economia e dos debates que tema acompanhado sua nova abrangência e formulação” (1999, p. 40). Por fim, é desejo da autora deste trabalho encerrar este capítulo com uma crítica quanto ao caráter localizado da inovação. A Globalização, devido a seu caráter generalizado, faz com que se conclua que a tecnologia, as inovações, as pesquisas e outros recursos estratégicos estão circulando livremente e globalmente em todas as direções, nas palavras de Maldonado, imagina-se a existência de um “tecno-globalismo” 17 . O autor ainda fala da existência de duas vertentes de autores que debatem sobre essa questão: os que defendem a existência do tecno-globalismo e os que a negam enquanto fenômeno mundial. Os primeiros argumentam que a aceleração, a partir da década de 80, do processo de internacionalização das atividades de P&D se generalizou pelo globo, que os principais mercados do mundo já têm acesso, consomem e até produzem bens e serviços com conhecimento tecnológico. Os segundos, por sua vez, dizem que as atividades tecnológicas são exatamente um caso de nãoglobalização: “O essencial da P&D continua sendo desenvolvido no país de origem das empresas e quando se internacionaliza objetiva principalmente, adaptações ao mercado local do que realização de P&D propriamente dita.” (MALDONADO, 1999, p.108). Esse argumento pode ser reforçado pelo que diz Fingerl e Garcez (2002, p.1): “Ao contrário do que se poderia imaginar, cada vez mais a inovação se dá através de processos historicamente e culturalmente determinados, sendo fortemente vinculada a instituições e organizações locais”. Os recursos estratégicos de tecnologia e conhecimento se encontram localizados majoritariamente na “Tríade” – Estados Unidos, Japão e Europa Ocidental – e provoca um crescente processo de polarização entre blocos, países, regiões e grupos sociais, gerando novas e mais complexas disparidades entre eles. Como, cada vez mais, conforme já explicitado, a concorrência aumenta e se pauta em bens intangíveis de alto valor agregado de informação, conhecimento e inovação, esses ativos se tornaram estratégicos para todas as empresas. Assim, não tem sido incorporado à lógica da globalização de crescente difusão, pelo contrário, se mostram concentrados nos locais onde são desenvolvidos (majoritariamente, nos países ricos). “Em que pese a atual hiperdisponibilidade de informações, tornada viável pela revolução das tecnologias da informação e comunicação, o conhecimento tecnológico, ao se constituir num dos principais ativos estratégicos das empresas num quadro de acirramento da competição não se 17 “Tal termo diz respeito ao suposto caráter crescentemente internacional do processo de geração, transmissão e difusão das tecnologias” (MALDONADO, 1997, p.106) Patentes: o regime internacional... 41 globaliza, permanecendo, na sua essência, restrito ao âmbito daquelas que detêm esse conhecimento”. (MALDONADO, 1999, p.118). Este assunto será retomado mais a frente numa reflexão mais focada na patente. Cecília Megali Ogata 42 2. Patentes: proteção ao conhecimento e à inovação Neste capítulo busca-se realizar um aprofundamento da questão, que passa pela origem da propriedade intelectual, foca as patentes e vai até a adequação do sistema às novas necessidades dessa “Era da Informação”. É importante perceber que o sistema de propriedade intelectual é fruto de uma mudança na própria forma de ler a realidade. Durante muitos séculos as idéias, o conhecimento e a própria racionalidade foram tidos como presentes dos deuses e/ou de Deus. Além disso, a própria noção de propriedade mudou ao longo do tempo dando origem a teorias com distintas idéias, ora de que a propriedade é um direito natural (Locke), ora que é uma criação humana (Rousseau), entre outras. O aparecimento de novas tecnologias, das marcas, de novas formas de gestão, de modernos produtos, fez com que o conceito de propriedade fosse sendo “estendido” a fim de abarcar novas matérias e formas de posse da riqueza pelos agentes econômicos. Em outras palavras, “propriedade”, que antes se aplicava apenas aos bens tangíveis, hoje ultrapassou esse limiar e se refere também aos intangíveis. Como procuraremos demonstrar neste capítulo, não há uma agenda única associada aos diferentes regimes de propriedade intelectual no contexto internacional. Ao se estudar sua evolução, desde o século XIV – quando se fala da “primeira lei de Patente” – até a consolidação do TRIPS – Trade Related Intelectual Property Right – assinado no âmbito da OMC – Organização Mundial do Comércio – nota-se que as regras e regulamentações foram variando para acompanhar as inovações e, principalmente, os diferentes graus de apropriação e difusão das mesmas. Mas, mais do que isso, o regime foi consolidado com vistas a atender os interesses das potências dominantes, o que gerou grande contradição da propriedade intelectual, principalmente da patente: a questão da transferência de tecnologia e do desenvolvimento, que será comentada no final deste capítulo. Por fim, cabe acrescentar que o foco na patente deve-se ao fato de essa ser o principal, mais usado, difundido e procurado tipo de propriedade intelectual e por ser o mais utilizado nas empresas, assunto do capítulo final deste trabalho. 2.a – Introdução: Propriedade Intelectual (definição e teorias) Nesta seção tem-se como objetivo a definição do que vem a ser Propriedade Intelectual – chamada apenas de PI a partir de agora – e também de seus tipos. Patentes: o regime internacional... 43 A PI pode ser definida como “[...] um direito privado conferido a um cidadão, empresa ou entidade sobre as idéias, as informações, ou, de forma mais geral, as criações intangíveis e que dá ao seu detentor o poder de excluir os outros do livre uso do bem por ele criado ou adquirido” (CRUZ, 2008, p.22). Ela é composta de dois “subgrupos”: a Propriedade Industrial e os Direitos Autorais. O primeiro engloba a Proteção de Cultivares, Indicações Geográficas, Desenho Industrial, Marcas e Patentes. O segundo refere-se às obras literárias e artísticas, programas de computador e domínios de internet, protege trabalhos publicados ou não nas áreas da literatura, música, software, entre outros. Relaciona-se a ele o direito patrimonial, que se refere ao valor econômico de uma obra, mas, mesmo que o autor disponha de sua obra, o seu direito moral sobre ela é intransferível, sua autoria não pode ser omitida. Segue agora uma sucinta explicação sobre o que vêm a ser cada uma dessas modalidades (Museu Paraense Emílio Goeldi, 2004): Proteção de Cultivares: é o direito exclusivo, por um determinado período (no Brasil 15 ou 18 anos, de acordo com a espécie), de comercialização de novas variedades de plantas pelos cultivadores. Isso não significa, no Brasil, “patente de novas variedades vegetais”, é preciso que haja novidade (não exista ainda), distinguibilidade (ser clara diferença entre outras já existentes), homogeneidade (baixa variabilidade quando usadas em plantio), estabilidade (quando utilizadas comercialmente não devem apresentar alterações) e ter denominação conforme (genética). Esses requisitos foram estabelecidos pela UPOV – União para Proteção de Novas Variedades Vegetais - em suas convenções de 1978 e 1991, mas o TRIPS – Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights, acordo que regula as questões de PI relacionadas ao comércio e que está atualmente em maior evidência, permite que tal assunto seja protegido de três maneiras: por uma patente, por um sistema especial – como é o caso do Brasil, onde há a lei nº 9.456 de 25 de abril de 1997 regulamentada pelo decreto nº2.366 de 5 de novembro de 1997 e o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC)– ou pela combinação dos dois. Indicações Geográficas: é uma indicação de procedência (centro de produção, fabricação ou extração) ou de denominação de origem (país, cidades, região) que designem o produto, cuja qualidade se deva exclusivamente ao meio geográfico. É uma forma de agregar valor e credibilidade, um diferencial. Uma vez reconhecida, só pode ser utilizada pelos membros daquela determinada região. O acordo que rege tal assunto é o de Lisboa, mas como tem poucos signatários, os que não o integram tem Cecília Megali Ogata 44 feito uso de acordos bilaterais, baseados na reciprocidade, mas ela também é garantida pelo TRIPS. Desenho Industrial: é a forma plástica ornamental de um objeto, ou conjunto de linhas e cores que possam ser aplicados a um produto, proporcionando visual externo novo e original. A proteção atua sobre a originalidade da aparência. Precisa ter novidade, aplicação industrial, unidade (se referir a um só objeto) e cada pedido poderá conter até 20 variações. Este mecanismo goza do que é chamado “período de graça”, a permissão de divulgação da invenção até um ano antes do depósito, pelo inventor ou pessoa autorizada em feiras, palestras e exposições, sem que isso seja considerado quebra de novidade. Tem duração de 10 anos, prorrogável por mais três períodos de cinco anos. Ele só é válido dentro do país em que foi requerido, mas o Acordo de Haia possibilita um único depósito internacional. Marcas: são figuras, nomes ou símbolos que possam ser identificados visualmente, servindo para distinguir um determinado produto ou serviço, dentre aqueles dispostos no mercado. Patente: é um título de propriedade temporária, outorgado pelo Estado a criadores e inventores de novos produtos, processos e aperfeiçoamentos que tenham aplicação industrial. Como este é o foco deste trabalho, mais detalhes, como tipos de patentes, o processo de registro, bem como os órgãos responsáveis e requisitos serão tratados mais adiante. Além da patente, há também o Segredo Industrial, que protege um invento por meio do sigilo industrial, ou seja, mantendo-o em segredo. A vantagem desta proteção sobre a patente é de que dura o tempo que o inventor conseguir manter em segredo sua descoberta, muitas vezes muito mais que 20 anos – duração de uma patente. Contudo, uma vez violado, não há como impedir sua utilização por terceiros. Esse tema também é regulado pelo TRIPS. Obras Literárias e Artísticas: o registro das obras é facultativo ao autor. No Brasil pode ser feito na Escola de Belas Artes da UFRJ (artes plásticas), na Escola de Música da UFRJ (composições musicais), no Conselho Nacional de Cinema (produção cinematográfica), no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (projetos de arquitetura, paisagismo, geografia e outros) e na Biblioteca Nacional (obras literárias). A proteção se inicia a partir da criação e se estende por mais 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano seguinte à morte do autor ou do último autor. Além disso, são de domínio público as obras de autores que tenham Patentes: o regime internacional... 45 falecido sem deixar sucessores e as de autores desconhecidos. Não são passíveis de proteção, dentre outras coisas, esquemas, planos ou regras de atos mentais, formulários em branco, textos de convenções, leis e decretos, informações de uso comum, como calendário, nomes ou títulos isolados. A primeira Convenção a versar sobre o assunto foi a de Berna de 1886, mas atualmente a temática também está inserida no TRIPS. Programas de computador: é a expressão de um conjunto organizado de instruções contidas em suporte físico de qualquer natureza, necessário a máquinas automáticas de tratamentos de informação, dispositivos, instrumentos, entre outros aparelhos. Tem validade de 50 anos a partir do 1º de janeiro do ano seguinte a sua publicação. No Brasil deve ser registrado junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI – e não há exame técnico. Protege-se tanto o produto quanto seu nome comercial. Domínios na Internet: são nomes que servem para localizar e identificar conjuntos de computadores na Internet, tem como objetivo facilitar a memorização dos endereços de computadores na Internet. Não podem ser domínios de internet: palavras de baixo calão ou nome que represente um conceito pré-definido na rede. No Brasil é realizado o registro junto a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Para Marisa Gandelman18(2004), a PI tem como premissa ontológica a idéia de que o homem usa sua capacidade de criação a fim de se desenvolver e indiretamente, desenvolver a sociedade como um todo. Desta maneira, a ele caberia um “prêmio” pelo esforço e para que se sinta estimulado a continuar criando. Seria uma recompensa em defesa do interesse da própria sociedade. Assim, a autora conclui que o sistema de PI só é possível dentro de sociedades que reconheçam o direito de propriedade. Afinal, o termo advém da apropriação do conhecimento humano, ou seja, da apropriação de um bem intangível pelo conceito de propriedade, antes destinado apenas aos bens materiais. Por isso, antes de tratar das teorias de PI, cabe tecer um breve comentário sobre a questão da propriedade. Gandelman, em seu livro “Poder e conhecimento na economia global” (2004) e Liliam Ane Cavalhieri da Cruz em sua tese de mestrado “O regime global da propriedade intelectual e a questão do desenvolvimento: o poder dos países em desenvolvimento no campo multilateral” (2008) apontam algumas vertentes teóricas e seus 18 Doutora em Relações Internacionais pela PUC-RJ Cecília Megali Ogata 46 respectivos entendimentos sobre o que vem a ser propriedade, que serão expostas de maneira bem sucinta, uma vez que esse não é o propósito deste trabalho. O primeiro autor que discute a questão é John Locke. De acordo com ele, o homem tem direito de propriedade sobre si mesmo e sobre o resultado do seu trabalho. Portanto, a propriedade é vista como um direito natural do homem, a partir do trabalho humano sobre a natureza a fim de garantir sua subsistência, o homem converte o comum em próprio. A segunda teoria baseia-se na idéia de Rousseau de que a propriedade gera escravidão, os homens não possuem a mesma evolução, sendo a propriedade uma instituição social que se materializa necessariamente pela lei. É um direito elaborado por ficção jurídica, cuja justificativa é resolver o problema da desigualdade, pela organização da sociedade. Há ainda outra corrente com base em Hegel, segundo a qual a propriedade é o meio que permite ao indivíduo sua autodefinição, pois é a expressão de sua personalidade individual, meio pelo qual se reconhece. De certa forma a idéia de Macpherson de que a propriedade reflete uma escolha, valores priorizados por cada sociedade, de acordo com seu contexto e propósitos, também se vale de algumas idéias de Hegel. O filósofo Kant, segundo Riccardo Pozzo (2006), também toma a PI como parte da construção metafísica da atividade intelectual e fala inclusive de recebimento de “vantagens patrimoniais” daqueles que utilizam o trabalho adquirindo novos conhecimentos e experiências, mas para ele trata-se de um direito inalienável, porém transferível. Em contrapartida, Karl Marx vai dizer que a divisão do trabalho e a alienação do trabalhador19 já não permitem a identificação do trabalhador com o fruto do seu trabalho. Para ele, a propriedade privada impede o desenvolvimento do homem, embora sua abolição não signifique garantia de liberdade. O conhecimento é visto como propriedade de todos, fruto de um esforço coletivo antecedente. Nota-se que foi com base nessas mesmas teorias de propriedade que se desenvolveram também as teorias do Direito de Propriedade Intelectual – chamada a partir de agora de DPI. 19 “No primeiro manuscrito de 1844, Marx trata da questão da alienação. Tal termo fazia parte do vocabulário de Feuerbach, para quem a religião era uma alienação, pois, colocando sua essência e sua humanidade num Ser fora de si próprio, no mundo invertido da divindade, o homem vira um ser que não se pertence. Esse é o aspecto religioso da alienação que Feuerbach usa. O homem adora os ídolos que projeta. [...] Para Marx, a alienação religiosa seria gerada pela alienação econômica. Tal estado é, para Marx, resultado da realização de o trabalho aparecer como a desrealização do trabalhador. O objeto produzido pelo trabalhador aparece como estranho e independente a ele. As mercadorias existem para suprir necessidades. O sistema capitalista transforma o trabalhador e o trabalho em mercadorias, ao privar o trabalhador dos objetos que produz. Quanto mais ele produz, menos pode possuir. Essa apropriação do objeto pelos possuidores da propriedade se realiza como alienação do trabalhador. Este, ao pôr sua vida na produção de objetos que não lhe pertencem, perde a posse desta.” Disponível em: http://www.consciencia.org/marx.shtml acessado em 22 abril 2010. Patentes: o regime internacional... 47 Willian Fisher, em “Theories of Intellectual Property” (2001), relata um grande crescimento do número de teorias sobre a PI, mas aponta as quatro principais, que concentram as demais: teoria do Utilitarismo, teoria do Trabalho, teoria da Personalidade e teoria do Plano Social. A primeira é a mais popular e foi criada a partir do entendimento de que a PI deve contribuir para a maximização do bem-estar social. Para isso deve haver um equilíbrio entre a recompensa (poder exclusivo) e o incentivo; e as medidas que garantam o bem-público. A segunda, Teoria do Trabalho, que baseia-se nas idéias de Locke, defende que há uma apropriação natural do homem sobre tudo aquilo que advém do seu trabalho, sobre sua capacidade de utilizar algo do bem-comum para converter em algo novo, não, simplesmente, encontrado na natureza. Contudo, Fisher menciona que Robert Nozick20 faz uma importante ressalva sobre o pensamento de Locke: a aquisição de propriedade, por meio do trabalho aplicado sobre algo da natureza só será legítimo se isso não causar prejuízo à pessoa e se após a aquisição ainda houver recursos para todos. Diante disso, Nozick argumenta que pela visão de Locke uma pessoa que aparecesse com a mesma invenção independente, depois de um primeiro inventor, teria os mesmos direitos de utilizá-la e comercializá-la Nozick, diferentemente de Locke, defende que o tempo de duração da patente, não deveria ultrapassar o tempo necessário para que outros chegassem a tal invenção. Ainda dentro da visão deste mesmo autor, a patente não representa um mal a sociedade, pelo contrário, ajuda os consumidores, porque mesmo que a patente traga algumas limitações de acesso, se ela não existisse, esse esforço inovativo do criador poderia nem ter sido revelado. A Teoria da Personalidade deriva dos escritos da Kant e Hegel e toma o DPI como crucial para a satisfação de necessidades humanas, justificável na medida em que defende autores e artistas da apropriação ou modificação de suas obras, que na verdade expressam seus próprios desejos e sentimentos. Os DPI criam condições sociais e econômicas que incentivam e apóiam a criação intelectual, que é importante para a que a humanidade prospere. Para Hegel, uma forma de sistema de PI ideal deveria abarcar as seguintes considerações: preocupar-se mais com os frutos das atividades altamente intelectuais; a 20 Robert Nozick (Nova Iorque, 16 de Novembro de 1938 — 23 de Janeiro de 2002). Foi um proeminente filósofo político americano nas décadas de 70 e 80. Desenvolveu outros trabalhos adicionais, mas menos influentes nas áreas de epistemologia e teoria da decisão. Seu "Anarquia, Estado e Utopia" de 1974 foi uma resposta libertária para o "Uma Teoria da Justiça" de John Rawls, publicado em 1971. http://br.geocities.com/discursus/filotext/nozicfil.html acessado em 30 de setembro de 2009 às 16horas. Cecília Megali Ogata 48 própria imagem pública da pessoa e a pessoa em si, enquanto detentora de uma personalidade deveria contar com proteção legal, mesmo não sendo fruto de trabalho; e os autores e inventores deveriam receber admiração, honra e dinheiro pela permissão de uso e cópia de seus trabalhos. Por fim, a Teoria do Plano Social defende que os DPI deveriam ser usados para ajudar a alcançar uma cultura justa e atrativa. Trabalha com diferentes teóricos, como Marx, Jefferson, Realistas legais e Republicanos clássicos. Entre os pontos de defesa dessa teoria destacam-se a maior abertura dos direitos autorais para o domínio público e maior uso de licenças compulsórias21 para equilibrar o interesse dos criadores com o dos consumidores. Willian Fisher argumenta que o ideal é que se faça um balanço entre as quatro teorias utilizando-se o que há de melhor em cada; que há ainda assuntos relativos à PI que nenhuma das teorias aborda; e que, atualmente, muitas das idéias teóricas se confundem com as leis, além de muita ambigüidade nos textos legislativos e na própria interpretação destes. Ele levanta também as principais vulnerabilidades de cada teoria. Para a Utilitarista, aponta que não se pode falar de bem-estar social de forma geral, visto que este não é igual para todos; que essas análises partem do ponto de vista de países ricos; e que a definição de bem-estar para a sociedade é muito restrita já que existem outras necessidades que não são abarcadas por essa denominação. Para a segunda teoria, a do Trabalho, as principais críticas são elaboradas em virtude do fato de: (1) essa teoria não agregar todos os tipos de produção intelectual; (2) da teoria de Locke apresentar diferentes possibilidades de interpretação e raciocínios, o que gera várias formas de se priorizar determinado aspecto de cada uma dessas interpretações; (3) de sua aplicação ser dificultada por não haver apenas um tipo de trabalho intelectual, apenas uma habilidade envolvida no desenvolvimento de uma invenção, mas sim, várias; (4) de que a propriedade vai residir sobre a criação, a qual fez uso de uma informação ou conhecimento prévio, na maioria das vezes não desenvolvidos pela mesma pessoa; (5) e de que o direito por ser inalienável seria também vitalício. Ao tratar da terceira teoria, a da Personalidade, Fisher defende que o direito de propriedade privada somente deveria ser concedido quando ele promove a evolução humana, protegendo interesses e necessidades comuns. Contudo, seria muito difícil ao judiciário 21 A licença compulsória é um mecanismo de defesa contra possíveis abusos cometidos pelo detentor de uma patente e que é acionado pelo governo do país concedente do privilégio. Através da licença compulsória o governo autoriza um terceiro a explorar o objeto da patente sem o consentimento prévio do detentor da mesma. Disponível em: http://www.cipi-qf.org.br/legislacao.asp?tipo=L&legislacao=7 acessado em 30 de setembro de 2009 às 14horas. Patentes: o regime internacional... 49 elaborar o que é de fato interesse da humanidade, tendo em vista sua heterogeneidade, e quais recursos seriam então passiveis de serem privados e quais seriam públicos. Finalmente, sobre a teoria do Plano Social, pode-se apontar que seria muito complicado estabelecer o que é justo e quais culturas são atrativas. Temas esses que são verdadeiramente impossíveis de serem padronizados e unificados em forma de um sistema. Cruz (2008) também faz algumas críticas de grande valor às construções teóricas da PI. Para ela é preciso ter em mente que o direito de propriedade privada foi criado, dentre outras razões, porque os bens tangíveis são passíveis de depredação, usurpação, fim, já os intangíveis não tem essa característica, não se pode falar que uma “idéia foi desgastada ou acabou”. Argumenta também, que o conhecimento é uma construção social, fruto da interação do homem com seu meio, sendo assim, não seria possível a admissão de um monopólio. Os DPI geraram uma mudança no significado da ciência, que agora deixa o ideal de busca de conhecimentos que ajudem no avanço do mundo e da sociedade, e passa a ter necessidade de aplicação, ser comercializável e lucrativo. Concluindo, nota-se que não há uma teoria geral que consiga abrigar todas as exigências sociais e ao mesmo tempo contemple os interesses dos inventores/inovadores. Porém, as teorias têm um grande valor, na medida em que ajudam a identificar resoluções não óbvias para determinados problemas e criar discussões entre vários participantes legislativos a fim de aprimorarem seus sistemas. Parece que ao mesmo tempo em que o Regime de PI se faz necessário para incentivar a atividade inovativa, que, em menor ou maior escala, direta ou indiretamente, atua sobre o bem-estar social , não pode deixar de estabelecer mecanismos que viabilizem a prioridade à dignidade humana. 2.b–Patentes Essa seção se dedicará ao exame mais detalhado do instituto da patente, embora seja mencionado o regime como um todo, referente a todas as formas de PI. Pretende-se, num primeiro momento, traçar a trajetória do Regime de PI desde seu surgimento até os dias atuais. Posteriormente, tecer um comentário analisando as peculiaridades implícitas em cada nova mudança ou adaptação desse mesmo regime, as forças que o conduziram até o ponto em que atualmente se encontra. Trata-se, portanto, de uma análise histórica. As questões relativas a regulamentações e procedimentos do “patenteamento”, serão analisadas dentro das Cecília Megali Ogata 50 legislações e órgãos nacionais e internacionais. Ao passo que o debate sobre sua utilização enquanto ferramenta de desenvolvimento e ganhos econômicos, nas seções finais do capítulo. 2.b.a –Histórico do Regime Internacional – da Convenção de Paris ao TRIPS Antes de se iniciar a cronologia do desenvolvimento deste Regime Internacional, é importante justificar porque se fala em “Regime”. O fato advém dos estudos do teórico de Relações Internacionais, Stephen Krasner (1995), considerado um dos fundadores da teoria neorealista. De acordo com ele, “Os regimes são definidos como um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, implícitos ou explícitos, em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em um domínio específico das relações internacionais. Princípios são crenças sobre fatos, causalidades e retitude. Normas são padrões de comportamento estabelecidos em termos de direitos e obrigações. Regras são prescrições ou proposições específicas para ação. Procedimentos de tomada de decisão são práticas prevalescentes ao fazer ou implementar escolhas coletivas.” (p.2). Ainda neste estudo, Krasner diz que há três escolas que estudam os regimes: estrutural convencional ou realismo estrutural; realismo estrutural modificado e grocianos. Para a primeira, os regimes são irrelevantes, “[...] é uma conceito que obscurece as relações econômicas e de poder [...]” (CEPAULINI, 2005, p.60). A segunda considera que os regimes só vão adquirir importância e utilidade em situações bem definidas e restritas, nas quais os Estados não conseguem atingir o Ótimo de Pareto22. Por fim, para a terceira escola os regimes são mais que necessários, são inerentes a qualquer padrão complexo de relações. Como se pode perceber, os regimes servem para superar problemas de ação coletiva, ampliar o horizonte de cálculos dos atores, permitir a coordenação das ações dos Estados com vistas a um determinado resultado, facilitar a reciprocidade e reduzir os custos de transações. Tendo em vista que não faz parte do objetivo deste trabalho analisar a questão isolada das teorias de regime, cabe somente justificar a escolha por essa definição porque a mesma permite a incorporação de outros atores transnacionais – no caso, empresas transnacionais, que são tema deste trabalho juntamente com as patentes – enquanto influenciadores da formulação de tais regimes, fato este que será comprovado mais adiante. 22 Diz-se que uma determinada situação representa um “ótimo de Pareto” quando não é possível melhorá-la a situação de um indivíduo sem piorar a situação de outrem. É também conhecida como “segundo ótimo” uma vez não se pode atingir a situação considerada ideal sem prejudicar a situação dos demais indivíduos. . Patentes: o regime internacional... 51 Isto posto, parte-se agora para a o nascimento e evolução deste Regime. Cruz relata que a globalização regulatória em matéria de PI é um processo com aproximadamente 200 anos, mas que os autores da área dividem a história do desenvolvimento da PI em 3 períodos: “[...] o período territorial, caracterizado pela ausência de uma proteção internacional; o período internacional, que começou na Europa no fim do século XIX, com as Convenções de Paris para proteção da Propriedade Industrial (1883) e com a Convenção de Berna para Proteção da Produção Literária e Artística (1886); e, o período global, cujo início tem seu marco na década de 1980, com a ligação construída pelos EUA entre PI e comércio, sendo estabelecido no campo multilateral com o Acordo TRIPS em 1994, sob auspícios da OMC.” (CRUZ, 2008, p. 46). Carla Hesse23(2002) mostra que, na Antiguidade, as criações, as artes e os saberes eram tidos como dádivas concedidas pelos deuses ou por Deus, contudo, no oriente, antes mesmo de se falar em leis de PI propriamente ditas, já havia na China antiga, por volta de 618- 907 a.C., na dinastia Tang, “leis de privilégios” que proibiam a transcrição e distribuição em larga escala da literatura, isso com vistas a proteger os interesses do imperador. Mas, esses privilégios não figuram como uma forma de PI, pois era um “presente” dado pelo imperador. Com a invenção da imprensa no século XV e sua rápida difusão, começam a surgir na Europa estruturas institucionais e legais com a finalidade de garantirem o monopólio comercial ou “privilégio” sobre as obras em troca da submissão a vigilância e controle do Estado. Assim, “The earliest European initiative occurred in Republic of Venice in 1469, where Johann Speyer was granted an exclusive monopoly or printing in Venetian territories for a period of five years. The practice of granting exclusive privileges to print in a particular city, to print a particular text, or to print a particular category of texts (schoolbooks, laws, Latin texts, etc.) spread rapidly from Venice throughtout the Italian states, and from there to France and England”. (HESSE, 2002, p.30) Essa “lei” de Veneza também é considerada a “primeira lei de patente”, pois assegurava o privilégio de 10 anos aos inventores de novas artes e máquinas. De 1445 a 1550 foram concedidos em torno de 100 privilégios, os quais pareciam exigir utilidade e colocação em prática. Para a autora o caso da Grã- Bretanha foi peculiar: em 1504, é criado o título de “King’s Printer”, concedido a um cidadão inglês, que obteve o direito exclusivo de imprimir 23 Professora de História na University of Califórnia Berkeley, com interesse nas áreas de Europa Moderna, França do séculos 16 a 20, História Intelectual da Europa no século 17 a 20. Disponpivel em: http://history.berkeley.edu/faculty/Hesse/ acessado em 7/4/2010 às 13:55h Cecília Megali Ogata 52 os documentos oficiais; em 1557 são criadas as “Stationer’s Company”, que detinham um monopólio virtual sobre a impressão e publicação dentro do território inglês; em 1559, Elizabeth I decreta que as publicações deveriam ter o aval de “críticos” indicados pela coroa para serem impressos e colocados em circulação; na década de 70 do século XVI, quatro dessas companhias passam a possuir o monopólio da publicação, por meio de cartas patentes, dos livros mais lucrativos da época, observa-se que até este fato, as concessões da coroa ainda figuravam mais como privilégios do que PI; e, em 1623, é criado o “Estatuto do Monopólio”, conhecido também como Carta Magna dos direitos do inventor, que “[...] ganhou reconhecimento por ter sido a primeira lei geral de um Estado moderno em que o monopólio de patente deveria ser outorgado apenas ao “verdadeiro e primeiro” inventor de um novo bem industrial” (CRUZ, 2008, p.48) Durante o século XVIII ocorrem mudanças significativas na Europa, a vida cultural se modifica, a classe média aumenta e isso gera uma maior procura por livros e invenções que facilitem a vida cotidiana. Com isso a aumenta também a pressão exercida por mudanças nos direitos dos autores e patentes, pois agora, além do reconhecimento da autoria, há também a importância comercial destas criações. Além disso, se consolida a noção de que as invenções são fruto essencialmente do trabalho humano, não dádivas divinas. Na segunda metade desse século, o sistema até então vigente nos países europeus entra em colapso sob forte pressão dos autores e inventores, o que levanta o debate sobre as bases e propósitos do conhecimento. Ganham força as idéias de Locke de que a propriedade é legítima e inerente ao homem pois é fruto de sua ação sobre a natureza: “Intellectual property, is a invention of the eighteenth century, thus brust into the world claiming to be real property in its purest form.” (HESSE, 2002, p.33). Não se deve mais falar em privilégio, pois o que deve haver é apenas a confirmação legal de um direito de propriedade anterior, assegurado pelo trabalho do autor. É importante ressaltar que outros teóricos também se manifestaram e nem sempre de acordo com Locke. Para Condorcet, por exemplo, a propriedade sobre obras literárias não é um direito natural, mas sim, criado pela sociedade; aliás, as própria idéias da mente do homem não seriam fruto apenas de si mesmo, mas de sua relação em sociedade (Condorcet é um dos fundadores da teoria do utilitarismo). Outro marco importante na consolidação do regime de propriedade intelectual foi a Revolução Francesa, quando se iniciou um movimento pela total liberalização do comércio e da indústria e, junto a isso, a liberalização também dos direitos autorais e das patentes, as quais, até 1762, eram concedidas apenas na forma de privilégios, abusivos e arbitrários. A Patentes: o regime internacional... 53 partir de então, o DPI passaram a receber regulamentações, como a duração de 15 anos, a não permissão de se herdar um privilégio e a necessidade de utilidade e prática do invento. Por isso somente em 1793, devido à pressão de um grupo de lobbistas, foi criada a “Declaração dos Direitos dos Gênios”, que se tornou a base dos direitos autorais na França e incorporados os princípios da “Carta Magna” inglesa de 1693 sobre os direitos de propriedade das invenções industriais. Já a Alemanha, embora no século XVI alguns príncipes tenham feito uso de patentes, só vai possuir uma lei de direitos autorais uniforme em 1870. Com a Revolução Industrial, o aumento do número de invenções e produtos e com a maior velocidade na comunicação, inicia-se a preocupação com leis que garantissem esses direitos também em outros países, pois a difusão de conhecimentos e técnicas estava ocorrendo de maneira muito acelerada. Além disso, na primeira metade do século XIX, o clima europeu era de prosperidade, haviam acabado as guerras napoleônicas e o continente se encontrava em pleno progresso industrial e comercial. Desta maneira, a cooperação entre as nações européias aumentou, inclusive no que diz respeito às patentes. Cruz observa que “[...] os princípios das leis de patente encontrados no Estatuto de Monopólio Inglês de 1623 foram paulatinamente sendo reconhecidos pelos outros Estados.” (2008, p. 49). Então, é no século XIX que se inicia o Regime de Propriedade Intelectual, enquanto conjunto de normas e regras sobre os quais os atores internacionais convergem. Quando os Estados começam a se organizar de modo a estender esses direitos além de seus territórios e consolidar uma maior harmonização de suas leis é o que se chama de segundo período da construção do Regime. Começam a surgir no século XIX relações bilaterais que versavam sobre a questão da PI, principalmente da patente, no tocante a proteção contra a pirataria. A Grã- Bretanha vai formalizar sua estratégia de reciprocidade, na qual somente reconheceria a patente de um inventor de outro país se o mesmo país reconhecesse as patentes de cidadãos ingleses. A partir de então ela passou a firmar contratos com diferentes países. Isso fez com que surgisse um “emaranhado” de acordos bilaterais sobre DPI, o que passou a dificultar o entendimento dos mesmos no continente como um todo. Desta dificuldade e da crescente demanda pela proteção, devido ao rápido processo de industrialização, desenvolvimento e relações exteriores a que as nações estavam passando, originaram as duas primeiras Convenções internacionais sobre o assunto: a de Paris para Proteção da Propriedade Industrial em 1883 e a de Berna para Proteção da Produção Literária e Artística em 1886. A segunda, que não aborda o tema central deste trabalho, entrou em vigor em 1887, assinada por Suíça, Itália, Espanha, França, Grã-Bretanha, Bélgica, Tunísia e Alemanha. Teve Cecília Megali Ogata 54 como princípios-chaves a reciprocidade, o mesmo tratamento que o dispensado ao autor nacional, proteção automática e garantia de direitos mínimos ao proprietário da obra, visando atingir a eficácia e uniformidade à proteção de produções literárias e artísticas. Essa Convenção tem como diferencial o fato de que deste seu início, ela surge com a pretensão de ser universal, por isso deixa os Estados livres para decidirem sobre suas próprias legislações. Em 1873 ocorreu o Congresso de Viena, considerado o primeiro encontro internacional para a regulamentação dos direitos de propriedade industrial, que terminou com caráter favorável à proteção patentária, mas, devido ao debate, permitindo a existência de licenças compulsórias. Em 1878 ocorreu a Conferência de Paris da qual surgiu a Convenção de Paris. A Convenção foi criada com o intuito de facilitar o fluxo de tecnologia e estabelecer requisitos comuns para concessão de patentes (não discriminação e direito de monopólio). Ela entrou em vigor em 1884, com a assinatura de: Itália, Holanda, Portugal, Espanha, França, Bélgica, Grã-Bretanha, Suíça, Tunísia e Brasil. Posteriormente em 1885, aderiram a Noruega e a Suécia e em 1887 os Estados Unidos. Seu embasamento teórico foi o de que a inovação deve ser premiada, que é fruto do trabalho do homem, por isso ele tem direito de obtê-la como sua propriedade, o que remete às idéias de Locke. Desta Convenção surgiu a União de Paris, cujo principal objetivo era promover um maior intercâmbio de tecnologia entre os países membros por meio da regulamentação da PI. Sua principal contribuição foi a inserção dos princípios de não-discriminação e de tratamento nacional às patentes concedidas em diferentes países, princípios estes que estão até hoje presentes em todos os tratados e acordos do tema. No século XX, já no terceiro período do regime de DPI, a Convenção passa por seis revisões: 1900 em Bruxelas, 1911 em Washington, 1925 em Haia, 1934 em Londres, 1958 em Lisboa, 1967 em Estocolmo, e, em 1979, uma emenda foi integrada à Convenção. A partir da segunda metade deste século, o assunto ficou ainda mais em voga, pois no mundo, a cada dia, as pessoas faziam novas descobertas que geravam novas invenções. O domínio de tecnologia passa a ser posto como uma questão de interesse nacional, seu acesso se tornou fundamental para o crescimento econômico e a participação no mercado internacional. “Na organização do sistema internacional do pós-guerra, a ordem de prioridade de valores começa a se modificar, e as interações entre as unidades do sistema passam a girar cada vez mais em torno da produção de riqueza e desenvolvimento. A capacidade tecnológica, isto é, a capacidade Patentes: o regime internacional... 55 de inovar e criar novas tecnologias a partir da existente, e à qual se tem acesso mediante a aceitação e o cumprimento de regras de transferência, é o ponto crucial ou a chave para o caminho do crescimento.” (GANDELMAN, 2004, p. 174) Na década de 60, com a Revisão de Estocolmo, citada a cima, é criada a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, a OMPI - 1967, para atuar como uma organização especializada no assunto, com a função de estimular a proteção e a inovação, modernizar a administração de PI, respeitando a soberania e com tratamento igualitário a todos os membros. Ao contrário do que pode parecer, a todo o momento desde o início da formação do regime sempre houve movimentos que não concordavam com os DPI, ora defendendo que a atividade intelectual advinha das relações coletivas, por isso deveriam ser um direito de todos; ora porque esses mais inibiam a difusão de tecnologia do que estimulavam, visto que impunham uma série de exigências a países ainda pouco desenvolvidos. Assim, dois anos após a criação da OMPI surge mais um desses movimentos aqui na América Latina, quando foi assinado o Tratado de Cartagenta entre os países andinos com o propósito de atuarem conjuntamente para minimizar os efeitos dos investimentos estrangeiros e da transferência de tecnologia. Na visão do grupo, as patentes tinham efeito negativo sobre o desenvolvimento porque a maioria era de titularidade estrangeira, substituíam investimentos estrangeiros e podiam ser fontes de práticas restritivas de negócios. Na década de 70, o mundo passa por intensas mudanças na organização da produção industrial e no desenvolvimento de ciências e tecnologias e da relação destas com as empresas, que passou a funcionar como importante fonte de ganho de competitividade. Importantes marcas americanas passaram a se consolidar mundo afora, como a Coca-cola, a IBM e a Ford. Essas empresas passaram a conquistar o mundo não apenas pelos produtos, mas também pelo conjunto de valores que transmitiam e que estavam agregados às suas marcas, a seus modelos de distribuição, sua publicidade. Na mesma época, surge o movimento para uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI) liderado pelo G-77, formado de países em desenvolvimento e subdesenvolvidos que vão compor, na sua grande maioria, o grupo do Não-Alinhados durante a Guerra Fria. Esse movimento mostrou que os países menos desenvolvidos estavam cientes das mudanças da economia mundial, mas, mais do que isso, cientes das modificações em suas próprias capacidades. (CRUZ, 2008). Cecília Megali Ogata 56 Ainda nessa década, em 1974, a Índia liderou o movimento pela revisão da Convenção de Paris. Foi publicado um relatório conjunto da United Nations Conference of Trade and Development (UNCTAD), Economic and Social Concil (ESOCOC) e da OMPI, que não obteve resultados satisfatórios as suas demandas. A OMPI, enquanto agência especializada da ONU teve e tem como uma de suas grandes realizações para melhoria do Regime Internacional de PI, a criação do Tratado de Cooperação de Patentes (PCT), em 1970. Este tratado tem como objetivo simplificar, tornando mais eficaz e econômico, tanto para o usuário como para os órgãos governamentais encarregados na administração do sistema de patentes, o procedimento a seguir, no caso de uma solicitação para proteção patentária em vários países, como será comentado mais a frente. Já na década de 80 ocorre a grande mudança que classifica esse período como um novo momento no Regime Internacional da PI: relação de PI com o comércio internacional. Isto acontece principalmente devido ao forte lobby24 exercido pelos grandes empresariados americanos (principalmente pelos setores: farmacêutico, de entretenimentos, de computadores e químico), que diante dos altos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de suas empresas preocupavam-se em impedir que as imitações – relativamente fáceis de serem feitas nesses setores – levassem à perda de competitividade e lucratividade.. De acordo com Cruz, isso ocorreu pela primeira vez em 1984, quando os EUA fazem um adendo no “Trade and Tariff Act”, incorporando oficialmente a PI aos assuntos comerciais. Tal adendo, dentre outras coisas, permitia ao “United States Trade Representative” – USTR (organismo do governo norte-americano com status de ministério encarrego de tratar dos assuntos relacionados ao comércio exterior) – usar a proteção à PI como um critério para eleger os países que “mereciam” ou não participar do Sistema de Preferências25. Durante muito tempo o país resolveu suas questões relacionadas à PI por meio de acordos bilaterais, mas a longo prazo esses acordos poderiam gerar dificuldades de interpretação, custos dispendiosos e complexidades administrativas. Daí em diante só aumenta o esforço americano no sentido de que incluir o assunto no General Agreement on Tariffs and Trade, o GATT, que foi criado logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1947, com a finalidade de harmonizar as políticas aduaneiras 24 É um grupo de pressão na esfera política, um grupo de pessoas ou organizações que tentam influenciar, aberta ou secretamente, as decisões do poder público em favor de seus interesses. http://www.brasilescola.com/politica/lobby.htm acessado em 30 de setembro de 2009 às 13 horas e 5 minutos. 25 O GSP ou “Generalized System of Prefrences” é um sistema de vantagens preferenciais que garantem a alguns países em desenvolvimento o acesso preferencial ao mercado americano. Patentes: o regime internacional... 57 dos signatários e, assim, facilitar suas relações comerciais. Para Marisa Gandelman, esse interesse de transferir a PI da esfera da OMPI para a do GATT, pauta-se em três razões: o processo de votação da OMPI, além de contar com mais membros, não viabilizava uma fácil solução de impasses; no GATT, o país contaria com questões como acesso a mercados e benefícios comerciais que lhe garantiriam maior poder de barganha, ao contrário da OMPI onde o assunto era um só; e porque na OMPI os assuntos discutidos versavam apenas sobre transferência de tecnologia e padrões de proteção. É necessária uma pequena pausa para enfatizar que desde a década de 70, quando as empresas vão se tornando realmente transnacionais, passam a “espalhar” sua produção pelo globo e buscar novos mercados para sua superprodução, surge também a percepção de que as patentes viriam a funcionar como recursos estratégicos e de ganhos competitivos. Essas demandas são então repassadas aos governos que vão buscando obter um regime mais uniformizado, universalizado e rígido. Portanto, as grandes empresas são também formadoras indiretas do regime. Na Rodada do Uruguai do GATT se iniciou em 1986, tendo como pauta principal os chamados “novos temas”: PI, investimentos e serviços, os quais eram interesses prioritários dos países desenvolvidos. Tentou-se ainda usar das questões agrícolas e têxteis como “moeda de troca” com os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Contudo, os EUA recomendaram a suas grandes empresas que incentivassem as grandes empresas do Japão e da Europa a também cobrarem de seus governos uma postura mais assertiva a cerca da PI e logo, se obteve um grande numero de países querendo a inclusão da PI nos temas da rodada. Paralelamente, foi também formado o G-10, grupo dos 10 países menos desenvolvidos (Índia, Brasil, Argentina, Cuba, Egito, Nicarágua, Nigéria, Peru, Tanzânia e Iugoslávia) que eram contrários à inclusão da PI como tema do GATT. Esse movimento não retrocedeu até o momento em que os EUA aplicaram sanções à Coréia do Sul e ao Brasil, com base na seção 301, que autoriza o governo norte-americano a aplicar sanções comerciais contra países que tomem medidas comerciais contrárias aos seus interesses. A partir de então os países em desenvolvimento aceitaram negociar sobre o assunto e sua inclusão na Rodada e no GATT. Gandelman (2004) afirma que tal mudança de comportamento não se deveu apenas à pressão americana, mas foi influenciada por diversos outros fatores, como: a queda do bloco socialista e a transformação do sistema internacional da bipolaridade para a unipolaridade; mudanças internas dentro dos países em desenvolvimento; e a adesão americana à Convenção de Berna em 1986, que além de o inserir nas discussões sobre direitos autorais, também tinha Cecília Megali Ogata 58 como intenção possibilitar o desempenho de sua hegemonia, assumindo uma posição de liderança. Por fim, em 1995, quando o GATT deixou de existir dando origem à Organização Mundial do Comércio26, foram incorporados à Ata Final da Rodada quatro anexos, o 1C é o “Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights”, mais conhecido como TRIPS. Este acordo será analisado detalhadamente mais adiante, por hora cabe dizer que tal acordo teve como bases legais a Convenção de Paris, a Convenção de Roma sobre intérpretes, produtores e empresas de radiodifusão, a Convenção de Berna e o Tratado de Washington de 1989 sobre circuitos integrados. E que ele representa o início da globalização desta forma de propriedade. No século XXI, com a “Economia do Conhecimento” cada vez mais evoluída, ágil e dinâmica; com a crescente importância da tecnologia para as empresas e a sociedade de forma geral; e como a rapidez com que as inovações vêm sendo processadas e comercializadas, a PI continua sendo um assunto importante e controverso. O que se observa é a entrada de novas matérias como sendo passíveis de DPI, juntamente com um alargamento do conceito de propriedade, ou seja, nesse novo século mais e mais ações, produtos, métodos estão sendo inseridos na proteção patentária ou de outras formas de PI. Alguns exemplos disso são as formas de vida, as manipulações genéticas e os conhecimentos tradicionais. Mas, no bojo desses assuntos também vem crescendo o número de ativistas, ONGs e a própria opinião pública que se posicionam contrários a essas proteções, que julgam transformar tudo em mercadoria. Questionam valores éticos e a supremacia do bem comum, da saúde pública e do interesse nacional perante as regras do Regime e os interesses dos países desenvolvidos e das grandes transnacionais. 2.b.b – Comentários e críticas da evolução do sistema Uma vez contada a formação histórica do Regime Internacional da Propriedade Intelectual, essa seção tem o intuito de elaborar comentários críticos a cerca desta formação. O primeiro e talvez mais nítido é que tal Regime foi elaborado e modificado por países desenvolvidos, em outras palavras, os “ditadores” das regras sempre foram aqueles com maiores recursos. Suas intenções estavam pautadas nas suas próprias condições internas, representavam os seus interesses, ora de proteger seus inventores, ora de proteger suas megaindústrias. Isso mostra que a harmonização não ocorreu por um padrão que alcançasse a 26 A Organização Mundial do Comércio - OMC é um organismo multilateral, internacional, para construção, defesa e desenvolvimento do sistema mundial do comércio. Patentes: o regime internacional... 59 todos. Embora os países em desenvolvimento tenham participado das Convenções, reuniões e acordos, nunca tiveram poder de barganha suficiente para fazer com que tais meios jurídicos incluíssem suas necessidades, que são diferentes das dos países desenvolvidos. É certo que o TRIPS, como será comentado mais adiante, inclui algumas salvaguardas para aqueles países, porém cabe dizer que não equivalem às que os desenvolvidos “se deram” ao longo de todas essas décadas de consolidação do regime. Uma das evidências dessa crítica é a coincidência entre a época dos primeiros tratados internacionais sobre patentes – as Convenções de Berna e Paris, respectivamente, 1886 e 1883 – e o momento em que a Inglaterra se consolida como potência econômica mundial, o chamado período do laissez-faire sob a égide do padrão Ouro-Libra, a partir de 1870. Graças a sua Revolução Industrial, o país atingiu um patamar que dificilmente seria alcançado pelos demais países. Portanto, após décadas sustentando um regime de comércio essencialmente protecionista para desenvolver sua própria indústria à custa da ruína da indústrias holandesas e indianas de tecidos, o país decide advogar um regime de livre-comércio, mas para evitar que os demais países da Europa e os Estados Unidos a alcancem, patrocinam aqueles primeiros acordos de patentes como forma de garantir seus privilégios de inovador. Assim também o fizeram Estados Unidos e vários outros países europeus, como a Suíça, por exemplo, que conhecida mundialmente pela excelência de seus laboratórios farmacêuticos só adotou uma lei de patentes em 1906, depois que sua indústria farmacêutica, com base na cópia, havia atingido um nível de excelência mundial; a mesma coisa foi feita pela Japão (CHANG, 2004). Contraditoriamente, países como o Brasil, que aderiram ao acordo de Paris na primeira hora – quem assinou o acordo pelo Brasil foi D. Pedro II, antes dos Estados Unidos – permanecem até hoje como fornecedores de matérias-primas. O segundo ponto a se destacar diz respeito à atuação americana. Nota-se que o país só assinou a Convenção de Berna um século depois de sua criação, ao passo que foi o grande responsável pela inclusão da PI nos assuntos comerciais. O que é aparentemente uma incoerência, se traduz na atuação americana favorável à PI somente quando seu desenvolvimento interno não seria prejudicado ou limitado pela mesma. Além disso, é importante notar também que o país não hesitou em utilizar ações coercitivas contra vários países de forma unilateral e autoritária. Neste ponto cabe comentar que a expressão “relacionados ao Comércio” no nome do acordo - TRIPS - trata-se de uma distorção à essência da proteção intelectual de incentivo aos inventores e publicação (tornar público) de tais inventos e técnicas, que nada tema ver com comércio propriamente dito. Essa modificação se deu a medida que a intenção americana era Cecília Megali Ogata 60 de trazer os assuntos relacionados à PI para o âmbito da OMC, muito mais rigorosa que a vigente na OMPI. Pode-se, inclusive, questionar porque um tema que já era objetivo de regulamentação internacional por um órgão da ONU foi submetido a uma nova regulamentação sob um novo organismo internacional. Ao se modificar o prazo de 10 para 20 anos de duração, a OMC instituiu um verdadeiro poder de monopólio, pois, como já comentado, em um mundo onde as inovações se processam de forma tão dinâmica e veloz, no prazo de 20 anos a tecnologia desenvolvida, com certeza já foi ultrapassada. Logo, esse acordo se contradiz ao que pregoam os desígnios do liberalismo: cada vez maiores e poucas corporações empresariais então obtendo o monopólio de determinadas inovações e com isso minando a possibilidade de desenvolvimento de outros países, senão os seus. Em terceiro lugar, trata-se de um comentário especulativo, pois se nota que os líderes de cada momento da construção do regime foram aqueles países que mais ganhariam com a implementação das regulamentações: a França, mediante a Revolução Francesa, a Inglaterra, mediante a Revolução Industrial e os EUA, mediante ao seu grande avanço industrial no século XIX e XX. Isso pode levar a pensar que talvez, com o surgimento de uma nova potência tecnológica, possa também surgir uma nova fase neste regime, que provavelmente admita mais e mais matérias, que tenha leis específicas para a nanotecnologia, a medicina genética e partes humanas produzidas artificialmente. O quarto ponto a ser levantado é a questão da transformação do sentido da patente e da PI, que até o século XVIII era tida como um meio de proteger o inventor, um direito pelo seu esforço, que pretendia evitar a cópia alheatória sem consentimento do criador original. Contudo, no século XIX e, principalmente, no XX, as patentes e a PI passam a ter um valor econômico e a funcionar elas mesmas como uma mercadoria, de modo que os DPI não mais estão atrelados à função de proteção do inventor, mas também a de gerar e obter lucros. Finalmente, é claro na evolução do regime que o conceito de propriedade foi sendo amplamente modificado a fim de se adequar às demandas dos países ricos e das poderosas indústrias. Contudo, é preciso que alguns critérios sejam sempre mantidos, ou a patente perderá seu sentido, se for possível patentear uma simples descoberta ou qualquer processo de correção de provas escolares, tudo terá se tornado propriedade e com isso o acesso será cada vez mais restrito e a desigualdade maior. Patentes: o regime internacional... 61 2.c –Direito das patentes Depois de relatada a formação do Regime Internacional da PI, deseja-se agora analisar quais são e o que dizem as legislações brasileiras sobre as patentes e também quais são as “legislações” internacionais sobre o assunto, ou seja, o conteúdo específico das Convenções, acordos e Tratados em matéria de patentes. Começaremos traçando um breve histórico do surgimento das legislações de Propriedade Industrial, interna e externamente, de forma geral e depois passaremos ao detalhamento apenas daquelas vigentes e que dizem respeito às patentes. 2.c.a – Legislação e Órgãos Nacionais De acordo com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a primeira iniciativa nacional no sentido dos DPI data de 1809. Foi um Alvará assinado pelo príncipe regente D. João, que isentava qualquer matéria-prima utilizada pelas indústrias de pagar direitos de entrada em todas as alfândegas dos estados, quando o fabricante as comprasse para gasto de sua fábrica. Também concedia algumas regalias a fabricantes, manufaturas nacionais e à navegação. Contudo, o mais importante desse alvará diz respeito ao seu sexto parágrafo, no qual já é destacada a importância de incentivar e proteger o inventor com privilégios exclusivos de 14 anos de duração, mediante uma avaliação do invento: “VI. Sendo muito conveniente que os inventores e introdutores de alguma nova máquina e invenção nas artes gozem do privilégio exclusivo, além do direito que possam ter ao favor pecuniário, que sou servido estabelecer em benefício da indústria e das artes, ordeno que todas as pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta do Comércio; e que esta, reconhecendo-lhe a verdade e fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo por quatorze anos, ficando obrigadas a fabricá-lo depois, para que, no fim desse prazo, toda a Nação goze do fruto dessa invenção. Ordeno, outrossim, que se faça uma exata revisão dos que se acham atualmente concedidos, fazendo-se público na forma acima determinada e revogando-se todas as que por falsa alegação ou sem bem fundadas razões obtiveram semelhantes concessões.” 27 A segunda regulamentação é a lei nº3.129 de 14 de outubro de 1882, assinada por D. Pedro II. Essa lei regula a concessão de patentes aos autores de invenção ou descoberta industrial. Ela protegeria a invenção de novos produtos industriais, a invenção de novos meios 27 http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/pasta_legislacao/alvara_28_04_1809_html acessado em 25 de setembro de 2009 às 9 horas. Cecília Megali Ogata 62 ou a aplicação nova de meios conhecidos para se obter um produto ou resultado industrial e o melhoramento de invenção já privilegiada, que tenha tornado mais fácil a fabricação do produto ou uso do invento privilegiado. Não poderiam ser patenteadas invenções contrárias à moral e à lei, ofensivas à segurança pública, nocivas à saúde pública e que não oferecessem resultado prático industrial. Só poderia ser concedida pelo Poder Executivo, duraria 15 anos e poderia ser desapropriada pelo Estado caso houvesse necessidade pública. Ainda garantia proteção a inventores de outras nacionalidades, se esses preenchessem as formalidade nacionais. Já expunha as questões da nulidade e caducidade da patente. A terceira medida foi uma lei sem número, de 1830, que concedia privilégio de exclusividade a quem descobrisse, inventasse ou melhorasse uma indústria útil e concedia um prêmio ao que introduzisse uma indústria estrangeira, sendo este firmado por meio de uma patente, com duração de 5 a 20 anos. O curioso dessa lei era que caso mais de uma pessoa aparecesse com o mesmo pedido, o pedido seria concedido a ambas. A lei nº 16.254 de 1923 criou a Diretoria Geral de Propriedade Industrial. Essa lei versava sobre a constituição dessa Diretoria, da concessão dos privilégios, do registro das patentes, das taxas e anuidades, da cessão, transferência e restrição das patentes, da nulidade e caducidade, das infrações e penalidades e do registro e arquivamento. Em 1934, é promulgada outra lei – nº 24.507, que aprova o regulamento para a concessão de patentes para desenho ou modelo industrial, para o registro de nome comercial e do título de estabelecimentos e, para a repressão à concorrência desleal. Alguns anos mais tarde, em 1945, é criado o Código da Propriedade Industrial, por meio da lei nº 7.903, que regula os direitos e obrigações concernentes à propriedade industrial. Neste código constam as disposições, exigências, duração e punições sobre cada tipo de propriedade industrial, ou seja, a concessão de privilégio de patente de invenção, modelos de utilidade, desenhos ou modelos industriais e variedades novas de plantas e de registros através de marcas de indústria e de comércio, nomes comerciais, títulos de estabelecimento e insígnias, expressões e sinais de propaganda e recompensas industriais. Vinte e quatro anos mais tarde é feita uma mudança nesse código, com a lei nº1.005 e não são mais consideradas propriedade industrial: modelos de utilidade, variedades novas de plantas, nomes comerciais, insígnias comerciais e recompensas industriais. No ano seguinte, em 1970, a lei nº 5.648 estabelece a criação do INPI e em 1971, com a lei nº5.772, é feita uma reformulação no Código da Propriedade Industrial, que institui um novo código. Observa-se a reincorporação dos modelos de utilidade: Patentes: o regime internacional... 63 “Art. 2.° A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial se efetua mediante: a) concessão de privilégios: de invenção; de modelo de utilidade; de modelo industrial; e de desenho industrial; b) concessão de registros: de marca de indústria e de comércio ou de serviço; e de expressão ou sinal de propaganda; c) repressão a falsas indicações de procedência; d) repressão à concorrência desleal.” 28 Em 1988 foi promulgada a nova Constituição brasileira que faz referência, em seu Art. 5º (sobre os direitos do homem), à propriedade , inclusive a dos autores e inventores sobre suas obras: “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ....... XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar. XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas. XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. .......”29 Contudo, a principal e atual lei vigente sobre o assunto é a nº9.276 de 1996. Essa lei foi estabelecida logo após a conclusão das negociações do antigo GATT, que deram origem à OMC e ao TRIPS. Acordo este que foi internalizado imediatamente pelo Brasil, como uma lei ordinária, não passando pelos tramites como um código. Essa lei possui 244 artigos, divididos em disposições preliminares e oito títulos, a saber: patentes, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas, crimes contra a PI, transferência de tecnologia e da franquia, disposições gerais e disposições transitórias e finais. Tomando como base a delimitação deste trabalho e sua natureza não-jurídica, os comentários serão acerca apenas dos pontos mais relevantes da lei que tratam da patente. 28 http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/pasta_legislacao/lei_5772_1971_html acessado em 26 de agosto de 2009 às 9 horas e 32 minutos. 29 http://www.ufmg.br/prpq/LegPICT&IT.html acessado em 26 de agosto de 2009 às 11 horas. Cecília Megali Ogata 64 Consta como uma das obrigações dos titulares de patentes o pagamento de anuidades junto ao INPI durante todo período de vigência da patente, relativa à manutenção do processo do pedido. O não pagamento ocasionará a extinção deste privilégio, se já foi concedido, ou seu arquivamento no caso de estar com o processo em andamento. Outra obrigação é a exploração efetiva da patente, ou seja, colocá-la em uso, caso isso não ocorra em até três anos após a concessão, estará sujeito a um processo de licença compulsória, podendo ser concedido a outra pessoa ou empresa. Os requisitos de patenteabilidade são: (1) constituir uma novidade, isto é não tenha sido divulgado de nenhuma forma em meio de comunicação; (2) ser passível de aplicação industrial, quer dizer, possível de ser produzida em série e para consumo; e (3) ser resultado de uma atividade inventiva, totalmente nova, sem precedentes no mercado ou que apresente uma melhora funcional significativa em comparação ao que já existe. Não podem ser patenteados: o que for contrário à moral, segurança pública e interesse nacional; substâncias, matérias, misturas e elementos de qualquer espécie; parte ou todo de seres vivos, exceto os que tenham alguma característica fruto da ação humana sobre ele ou que tenham sido modificados geneticamente; descobertas; teorias científicas, concepções abstratas, regras de jogos e métodos matemáticos; criações estéticas, obras literárias e artísticas30; programas de computador31; e técnicas e métodos cirúrgicos, terapêuticos ou de diagnóstico. A patente pode ser classificada em “de invenção”, quando é algo ou algum processo inédito – duração de 20 anos, de acordo com o Art.40 – e “de utilidade”, quando apresenta uma melhoria a algo já existente – duração de 15 anos, de acordo com o Art.40. Estão também especificados na lei os procedimentos necessários para o requerimento de uma patente. O primeiro passo é protocolar no INPI, em uma de suas delegacias regionais ou via postal, um pedido de patentes, definindo bem o produto ou processo, da forma mais abrangente possível, apresentando todos os detalhes da técnica. O pedido fica em sigilo até sua publicação, embora no Brasil, haja o “período de graça”, que é a permissão de divulgação, por parte do inventor ou de pessoa autorizada, no período de até um ano antes da divulgação, em palestras, exposições e publicações, sem que isso seja considerado quebra de novidade. É recomendado que se faça um exame prévio junto ao Banco de Patentes do Centro de Documentação e Informação Tecnológica – CEDIN, a fim de se evitar o pedido sobre algo já patenteado. Feito o pedido, esse será encaminhado para exame, o qual resultará num parecer 30 31 Esse tipo de produção é protegido pela lei de direitos autorais: nº9.610 de 1998 Esse tipo de produção é protegido por uma lei específica nº9.609 de 1998 Patentes: o regime internacional... 65 favorável, que concederá a Carta Patente, ou num parecer contrário, ou mesmo em um requerimento de reformulações. Os custo básicos são: a taxa de depósito de R$ 140,00, que pode diminuir para R$ 55,00 para pessoas físicas, instituições de ensino e pesquisa e microempresas; a taxa de pedido de exame de invenção com até 10 reivindicações de R$ 400,00; a taxa do pedido de exame do modelo de utilidade de R$ 280,00; e pela expedição da Carta Patente, taxa de R$ 95,00 para invenção e de R$ 40,00 para modelo de utilidade32. As licenças para exploração podem ser obtidas de duas formas: voluntária e compulsória. A primeira ocorre quando o proprietário da patente celebra um contrato de licença para exploração, ficando o licenciado investido pelo titular de todos os poderes para agir em defesa da patente. O contrato de licença deverá ser averbado no INPI para que produza efeitos em relação a terceiros e qualquer aperfeiçoamento introduzido na patente será de posse do que o fizer. A segunda é concedida em caso de uso dos direitos de patente de maneira abusiva; de não exploração do objeto patenteado em território nacional, com exceção de casos devidos a inviabilidade econômica ou comercialização insuficiente; e se não ocorrer a fabricação após três anos da sua concessão. Também pode ser proclamada licença compulsória temporária e não exclusiva em casos de emergência nacional e interesse público, como: saúde pública, nutrição, defesa do meio ambiente, desenvolvimento tecnológico, sócio-econômico e casos de perigo público. A extinção da patente ocorrerá quando expirar seu prazo, quando o titular renunciar, pela caducidade (não ter sido explorada) ou pela falta de pagamento de anuidade. Contudo, há o recurso da restauração, que permite o restabelecimento de seu andamento processual e deverá ser requerida no prazo de três meses a contar da data da notificação (publicação na Revista de Propriedade Indústrial) do seu arquivamento, por falta de pagamento da anuidade. Uma vez extinta a patente cai em domínio público. A nulidade administrativa acontece quando não tiverem sido atendidos os requisitos legais, inclusive para preenchimento dos relatórios e das reivindicações; quando o objeto se estender a algo não requisitado no depósito e quando alguma formalidade essencial tiver sido omitida. A lei prevê ainda medidas punitivas para crimes contra as patentes: para violação das patentes de invenção a pena é de detenção de três meses a um ano ou multa e para quem 32 De acordo com o site do INPI – www.inpi.gov.br - acessado em 2010. Cecília Megali Ogata 66 comercializar produto produzido sem a devida licença a pena é de multa e de um a três meses de detenção. A lei ainda aborda o caso em que a invenção é fruto do empregado ou de prestador de serviço. Ela será do empregador se resultar de atividade inventiva advinda da própria natureza do trabalho empregado. Será do empregado se a invenção for fruto do trabalho não relacionado ao que exerce dentro do estabelecimento e não tenha feito uso das ferramentas a este pertencentes. E será comum dos dois se for fruto de atividade do empregado, mas com contribuição dos recursos do empregador. Resta ainda comentar a questão do pipeline, regido pelos Art. 230 e 231, o qual significa, basicamente, “[...] o mecanismo em que a patente expedida no exterior é reconhecida no Brasil apenas até o tempo em que ela leva para expirar no país de origem.”33 “De acordo com a Lei de Propriedade Industrial, os pedidos ou depósitos no sistema pipeline deveriam ser feitos no prazo de um ano contado da publicação da Lei – ocorrida em 15/05/96 – e as patentes seriam concedidas sem avaliação prévia do INPI. Bastava à requerente comprovar a existência do depósito original em outro país para ser-lhe concedido o direito de prioridade no Brasil, por meio de depósito aqui. E assim que concedida a patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, haveria concessão no Brasil. Por isso, as patentes pipeline são conhecidas como patentes de importação ou revalidação.”34 A lei nº10.196 de 2001 “[...] acrescentou que os pedidos relativos a produtos farmacêuticos e produtos químicos para a agricultura, não protegidos pela legislação de 1971, depositados entre primeiro de janeiro de 1995 e 14 de maio de 1997, seguirão os critérios de patenteabilidade da Lei 9.279, assegurando a proteção a partir da data da concessão das patentes, pelo prazo restante a contar do dia do depósito no Brasil.” (CRUZ, 2008, p.94) As principais críticas que podem ser feitas a esse mecanismo são a de que não é algo estipulado pelo TRIPS, ou seja, é uma “regalia” oferecia pela legislação nacional, que privilegia depositários estrangeiros e que é um monopólio concedido, sem o requerimento de novidade, um dos requisitos fundamentais, segundo a mesma legislação, para se obter o privilégio. De acordo com as estatísticas do INPI, até 2004 o número de depósitos de pedidos de patente de não residentes era, em média, o dobro do relativo a residentes, contudo em 2005 essa posição se inverteu, prevalecendo os depósitos de residentes. Ainda de acordo com os 33 http://www.inpi.gov.br/noticias/anvisa-patente-pipeline-e-criacao-nacional-1/ acessado em 23 de agosto de 2009 às 14 horas e 15 minutos. 34 http://www.deolhonaspatentes.org.br/?cid=718 acessado em 25 de setembro de 2009 às 14 horas. Patentes: o regime internacional... 67 dados do Instituto, até 1996 a maioria dos depósitos se referia a Privilégio de Invenção, a partir desta data a maior parte foi proveniente do PCT, o que demonstra maior interesse, por parte de inventores estrangeiros em garantirem seus direitos em diversos lugares. Como já mencionado, o órgão responsável pela administração, concessão, registro e avaliação das patentes, no Brasil é o INPI, que foi criado em 1970 e está vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O instituto sofreu uma reestruturação em 2004 a fim de modernizar tanto os processos administrativos quanto as áreas fins, em especial as relacionadas às marcas e patentes. Concluiu a primeira fase em 2006 com a contratação de 330 novos funcionários e com a criação da Ouvidoria e da Diretoria de Articulação e Informação Tecnológica. Procurou-se também implementar um projeto que viabiliza o requerimento de proteção de marcas via internet. Na segunda fase pretende-se conferir ao INPI importância estratégica nacional, rever o estatuto jurídico, modernizar e fortalecer sua política de recursos humanos, melhorar as instalações físicas e as informatizações. O Instituto possui parcerias com a Confereção Nacional da Indústria (CNI) e o SEBRAE e realiza Ciclos de Discussões Técnicas sobre temas variados a fim de promover a interação com a sociedade. A sede fica no Rio de Janeiro – RJ, mas possui representações em todos os estados da federação. 2.c.b – Legislação e Órgãos Internacionais Como já foi feito anteriormente, neste capítulo, um histórico do desenvolvimento e da evolução de todo Regime Internacional da Propriedade Intelectual, particularmente das patentes, apenas serão citados os principais acordos internacionais anteriores ao TRIPS, o qual será detalhado melhor por ser o principal instrumento de regulamentação do assunto nos dias atuais. Recapitulando, temos a primeira fonte de normatização do regime, com a formação da União de Paris, fruto da Convenção de Paris de 1883. Essa convenção, como já foi dito, passa por revisões ao longo do século XX, mas os princípios originários nela, como a questão do tratamento nacional às patentes estrangeiras registradas no país e a concessão estar restrita a uma determinada territorialidade fazem parte das normas atuais. Em 1967, com a criação da OMPI, por meio da convenção de Estocolmo, a PI ganha um arcabouço muito forte no que tange sua maior harmonização e regulamentação, pois, além de ser uma organização de caráter mundial, é também uma agência especializada e da ONU, a maior e mais forte Organização Internacional da qual fazem parte 192 países. Cecília Megali Ogata 68 No que tange as regras, foram mantidas as mesmas presentes nas Convenções de Paris e Berna, mas houve a novidade da inclusão de “performance dos artistas, fonogramas e radiodifusão35” como itens que se enquadram no conceito de PI. Além disso, foi estabelecida uma Assembléia Geral formada pelos signatários, para realização de revisões, alterações e tomadas de decisões. Também possui uma Conferência para discutirem temas relativos à PI que interessem a todos e um Comitê para assessorar os órgãos e preparar as agendas tanto da Assembléia como da Conferência. Essa organização ainda possui a capacidade de concluir acordos com outras organizações e buscar cooperação com outros órgãos de diferente natureza. No entanto, a maior contribuição, sem dúvidas, da OMPI foi a criação do Tratado de Cooperação de Patentes – PCT, estabelecido em 19 de junho de 1970, em Washington. “O PCT tem como objetivo simplificar, tornando mais eficaz e econômico, tanto para o usuário como para os órgãos governamentais encarregados na administração do sistema de patentes, o procedimento a seguir, no caso de uma solicitação para proteção patentária em vários países. No que se refere ao pedido internacional, o tratado prevê basicamente o depósito internacional e uma busca internacional. O depósito do pedido internacional deve ser efetuado em um dos países membros do PCT e tal depósito terá efeito simultâneo nos demais países membros. O Pedido Internacional, junto com o relatório internacional da busca, é publicado após o prazo de dezoito meses contados a partir da data de depósito internacional ou da prioridade, se houver.”36 O Tratado não substitui a legislação nacional e nem a necessidade de se fazer um depósito de pedido nacional nos escritórios recomendados, contudo, tem como vantagem que antes do início da Fase Nacional, o usuário, já com conhecimento do Relatório de Busca Internacional e da opinião escrita, poderá avaliar as possibilidades reais de patenteabilidade do seu pedido, prosseguindo ou não com o mesmo. Esta avaliação é importante em vista dos gastos de tramitação necessários nas respectivas Fases Nacionais. O seguinte organograma elaborado pelo INPI explicita esses tramites: 35 Em 1961 foi assinada a Convenção de Roma que trata dos direitos conexos aos direitos de autor, reconhecendo o direito da empresa de radiodifusão sobre o sinal transmitido, bem como o das produtoras sobre as gravações artísticas sonoras. 36 http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/pasta_pct acessado dia 21 de setembro às 18 horas. Patentes: o regime internacional... 69 Fonte: INPI Na última década do século XX é assinado, no âmbito do novo sistema GATT/OMC, o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio – TRIPS (sigla inglesa), que marca a transição da PI para o campo também do comércio. Segundo Vera Thorstensen (2001, p.219), “A questão da propriedade intelectual afeta a área do comércio internacional de várias maneiras. Uma delas é que os produtores exportadores de bens de maior conteúdo tecnológico desejam garantir que os altos custos que incorreram com pesquisa e desenvolvimento fiquem protegidos nos países produtores. Outra maneira é porque os investidores desejam produzir localmente, ou conceder licenças de produção a países que tenham como garantir a proteção da tecnologia transferida. Finalmente, produtores e exportadores estão cada vez mais preocupados com a questão da pirataria e contrafação em países que dão proteção a propriedade intelectual.” Este acordo foi estabelecido ao término da Rodada do Uruguai e teve o prazo para sua implementação um ano para países desenvolvidos e cinco para em desenvolvimento. Seu objetivo central era estabelecer um quadro de referências, para negociações multilaterais, de princípios, regras e disciplinas sobre PI, para que esta não se transformasse em mais uma barreira ao comércio internacional. O acordo está dividido em sete partes: I. Disposições Gerais e Princípios Básicos; II. Normas Relativas à Existência, Alcance e Exercício de Direitos de PI; III. Observância dos Direitos de PI; IV. Aquisição e Manutenção dos Direitos de PI e Procedimentos Cecília Megali Ogata 70 Contraditórios Relacionados; V. Prevenção e Solução de Diferenças; VI. Disposições Transitórias; e VII. Disposições Institucionais. A parte I diz que os signatários podem implementar, em suas próprias legislações, regulamentações para uma proteção mais rígidas, desde que essa não conflite com os dispositivos do acordo. Além disso, o TRIPS substitui e incorpora as convenções, tratados e acordos anteriores a ele sobre PI, como a de Berna e de Paris, por exemplo. Prevalecem como princípios fundamentais a cláusula de nação mais favorecida, segundo a qual o mesmo privilégio concedido a um determinado membro, deve ser estendido a todos os demais; e a do tratamento nacional, ou seja, dar-se-á o mesmo tratamento tanto para residentes, como para não-residentes. São apontados como elementos de PI: direito de autor, marcas, indicações geográficas, desenho industrial, patentes, topografia de circuitos integrados, proteção de informação confidencial, controle de práticas de concorrência desleal em contratos de licenças. Na parte II há oito seções cada uma abordando especificamente cada uma dessas formas de PI acima citadas. A seção V aborda as questões relativas às patentes, vai do Art.27 ao Art.34. O primeiro, então, corresponde aos requisitos de patenteabilidade: “qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial”37. Faz a ressalva de que o país pode considerar não passíveis de patente aquelas invenções cuja exploração em seu território seja necessário para proteger a ordem pública, a moralidade, a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio ambiente. O próximo artigo, 28, versa sobre os direitos dos titulares das patentes e o 29 sobre a necessidade do requerente de divulgar a invenção de modo suficientemente claro e completo para permitir que um técnico habilitado possa realizá-la, além da indicação do melhor método de se realizar a invenção. O Art. 33 define como prazo de vigência o período de 20 anos a partir do depósito e o Art. 34 refere-se ao patenteamento de processos. O acordo ainda diz que suas exigências devem ser aplicadas de maneira justa e eqüitativa, sem procedimentos caros e complicados desnecessários; prevê remédios para casos de violação dos dispositivos, como, por exemplo, indenizações; permite às autoridades a aplicação de medidas cautelares em caso de violação dos DPI, sobretudo se essa afeta o comércio e para preservar provas; e versa sobre os procedimentos em caso de pirataria e dos remédios aplicáveis nesse caso, podendo os membros aplicar medidas penais. 37 http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/pasta_legislacao/27-trips-portugues.doc/download acessado em 21 de setembro de 2009 às 23horas e 25 minutos. Patentes: o regime internacional... 71 Na parte V o TRIPS aborda questão da solução de controvérsias, que cobra a transparência das legislações nacionais sobre PI, devendo estas serem publicadas logo que postas em vigor. Por fim, nas duas últimas partes, fala-se sobre a extensão de 10 anos para implementação do acordo para países de menor desenvolvimento relativo e da ajuda a esses quanto à transferência de tecnologia; sobre a não existência de reservas no acordo; sobre as obrigações e funções do Conselho; sobre a concordância entre os membros de cooperarem a fim de que a proteção à PI não se torne uma barreira comercial; e sobre a não obrigação dessas regras aos assuntos e casos posteriores a ela. Assim, nota-se, que o órgão responsável pela regulamentação dos DPI, internacionalmente, apesar de existir a OMPI, uma agência especializada no assunto, na prática, é a OMC. No Art. 4 do TRIPS estabelece-se o acordo OMPI-OMC, cabendo a primeira o fornecimento de conhecimento e know-how à segunda sobre PI, sendo a OMPI o foro responsável pelo avanço da PI por outros instrumentos e tratados. Mas, existem, além dessas organizações, algumas organizações supranacionais de caráter regional, como é o caso da Organização Européia de Patente (EPO), Convenção Eurasiana de Patentes e a Organização Regional Africana de Propriedade Industrial (ARIPO) e também algumas seções especiais dentro de outras organizações que abordam o assunto, como é o caso da ALCA e da União Européia 2.d – Paradoxo das patentes: desenvolvimento? Depois desta análise de toda formação do Regime Internacional, das legislações vigentes e dos procedimentos exigidos no território brasileiro e no exterior para a aquisição da carta patente, essa seção se dedica a levantar pontos de análise sobre o papel das patentes dentro das questões de desenvolvimento. Afinal, ao mesmo tempo em que a patente parece ser necessária para estimular o inventor e garantir os direitos daqueles que se dedicam a atividades inovativas, há fortes evidências de que ela não tem cumprido com seus papéis de difusão e transferência tecnológica e conseqüentemente, de indutor de desenvolvimento; pelo contrário tem contribuído para maior concentração tecnológica e servido aos interesses dos países desenvolvidos. Primeiramente, é importante definir que, para este trabalho, “desenvolvimento” não se refere somente a um estágio de bons índices sociais e econômicos, com estabilidade política e constantes taxas de crescimento a ser atingido pelos países. Entende-se aqui que o desenvolvimento de um país é antes de mais nada o desenvolvimento humano, ou seja, “um processo que amplia as possibilidades de escolha das pessoas, permitindo-lhes viver de modo seguro, com liberdades e direitos plenos. O desenvolvimento humano requer que haja um Cecília Megali Ogata 72 crescimento econômico sustentável e eqüitativo. Exige também a promoção da igualdade entre homens e mulheres e a participação das pessoas nas decisões que afetam sua vida.” (IPEA, 2004, p.41) O famoso “Chutando a Escada” de Ha-Joon Chang, publicado em 2004, tem como tese central a defesa de que as instituições e políticas “boas” recomendadas atualmente pelos países desenvolvidos aos em desenvolvimento e que são usadas, por muitos autores, para justificar o patamar de desenvolvimento atingido por aqueles países, na verdade, não foram as utilizadas por eles em seus momentos de crescimento, desenvolvimento e ascensão. Pelo contrário, valeram-se de políticas opostas. Quanto às políticas de desenvolvimento econômico, Chang critica que todos os países desenvolvidos usaram de medidas protecionistas, de subsídios, de práticas de espionagem e outras ferramentas que hoje condenam, recomendando a implantação de aparatos que facilitem a liberalização comercial e econômica. Nesse sentido, ele argumenta que até o século XIX os países não haviam se empenhado, tão pouco exigido, instrumentos de proteção à propriedade intelectual. A transferência de tecnologia ocorria por meio da importação do inventor e do próprio invento. Com a evolução para produtos mais complexos começaram a se organizar para propor essas regulamentações (Convenções de Berna e Paris), contudo, continuaram violando essas regras até boa parte do século XX. Ha-Joon Chang define como as instituições “boas”, a democracia, a burocracia e o judiciário, a governança empresarial, as instituições financeiras, o bem-estar social e as instituições trabalhistas e os direitos de propriedade. Sobre a democracia, a tese comumente defendida é de que ela ajuda o desenvolvimento econômico, sendo, portanto, indispensável. Contudo, a história mostra que dos 19 países mais desenvolvidos, apenas cinco adotaram o sufrágio universal no começo do século XX, a maioria o faz na segunda metade ou na década de 40. Assim também ocorre no que diz respeito às questões de propriedade, principalmente, intelectual. Os primeiros regimes instituídos pelos países desenvolvidos eram bastante “deficientes”, com altos custos dos processos e verificação de originalidade muito frouxa, levando ao patenteamento de tecnologias importadas e já em uso. A Suíça só teve uma lei de patentes comparável à dos países desenvolvidos como ela, em 1954, sendo excluídas as substâncias químicas até 1978. Na atualidade, o TRIPS foi posto como obrigatório aos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, inclusive porque foi assinado dentro do acordo da OMC em regime de “single undertaking”, ou seja, um único acordo para todas as questões discutidas na Rodada do Uruguai, quem o assinasse, automaticamente estaria concordando com todos os demais acordos no “pacote”. Sintetizando, então, a idéia do autor, pode-se citar: “Quando estavam em situação de catching-up, os PDs protegiam a indústria nascente, cooptavam mão-de-obra especializada e contrabandeavam Patentes: o regime internacional... 73 máquinas dos países mais desenvolvidos, envolviam-se em espionagem industrial e violavam obstinadamente as patentes e marcas. Entretanto, mal ingressaram no clube dos mais desenvolvidos, puseram-se a advogar o livrecomércio e a proibir a circulação de trabalhadores qualificados e de tecnologia; também se tornaram grandes protetores de patentes e marcas registradas. Assim, parece que as raposas têm se transformado em guardiãs do galinheiro com perturbadora regularidade.” (CHANG, 2004, p. 114) “No entanto, o que parece claro para nossa análise é que as instituições, tipicamente, levaram décadas ou mesmo gerações para se desenvolver. Nesse contexto, a exigência atual e tão generalizada de que os países em desenvolvimento adotem, imediatamente ou nos próximos cinco a dez anos, instituições de “padrão mundial”, ou que sofram punições por não o terem feito, parece contrariar a experiência histórica dos próprios PADs38 que fazem tal exigência.” (CHANG, 2004, p.200) “[...] podemos concluir que, na aurora do desenvolvimento econômico, os PADs operavam com estruturas institucionais muito menos desenvolvidas do que as hoje existentes nos países em níveis de desenvolvimento comparáveis. É ocioso dizer que o nível de desenvolvimento institucional dos PADs estava muito abaixo dos “padrões globais” ainda mais elevados com os quais os países em desenvolvimento têm sido exortados a se conformar” (CHANG, 2004, p. 203) Essa seria então uma visão de que o Regime de DPI não ajuda no desenvolvimento dos países menos desenvolvidos, como no passado não foi fundamental para os desenvolvidos de hoje. Pelo contrário, seria uma barreira tanto à transferência de tecnologia quanto a aplicação desta nas atividades econômicas e sociais internas. Em posição contrária, os estudos de Robert M. Sherwood (2002) defendem que a proteção a PI pode ser tomada como um elemento de infra-estrutura do país e nesse sentido beneficiar os países em desenvolvimento, o que configuraria uma nova teoria de PI, segundo o autor, a do “benefício público” ou “estímulo ao desenvolvimento econômico”, ou ainda “taxa de retorno social”. Para Sherwood, com o desenvolvimento de novas tecnologias, a proteção a PI torna-se evidente, facilitando o fluxo de conhecimento técnico para estudiosos e pesquisadores dos países que estão dispostos a proteger tais conhecimentos, o que influenciará na hora de planejar e decidir a atividade industrial. De acordo com sua pesquisa realizada junto ao empresariado brasileiro da época (1992) a falta de uma proteção efetiva de patentes e copyrights foi dada como uma razão para perdas, além disso 47% dos entrevistados declararam ter tido perdas de segredos de negócio para outras companhias. 38 Países Desenvolvidos Cecília Megali Ogata 74 Quanto às empresas estrangeiras, transnacionais, chamadas pelo autor de multinacionais, ele mostra que encontram “saídas” mais facilmente para a ineficácia ou inexistência de proteção, porque “[...] podem desenvolver sua tecnologia no estrangeiro e depois escolher elementos que podem ser trazidos para o país que as acolhem, com um menor risco de perda.” (SHERWOOD, 1992, p.137). Destaca também a importância desses recursos de proteção para promoverem uma maior interação universidades-indústrias, no sentido de que os pesquisadores se sentem mais seguros para passarem seus conhecimentos e invenções ao setor privado. Outro ponto incentivado pela proteção seria a criação de mais centros de pesquisas. “A incapacidade das universidades dos países em desenvolvimento e seus pesquisadores de obter rendimentos por meio de royalties cobradas pelos resultados de sua pesquisa significa não apenas a perda direta daquele dinheiro. Significa também a perda do reconhecimento público de que as universidades produzem resultados positivos. E isto, provavelmente tem uma influência não-declarada sobre a alocação de recursos públicos escassos.” (SHERWOOD, 1992, p. 143) A proteção forte à PI viabiliza um maior fluxo de informações e tecnologias, pois inspira maior confiança para os inventores, uma redução dos riscos de perdas e, consequentemente, pode atrair maiores investimentos internos e externos. Desta maneira o autor coloca como mitos da proteção fraca a economia de divisas para o país, a promoção da indústria nacional, a ajuda na aquisição tecnológica e a diminuição de dependência. Para ele não há redução de custos porque esse raciocínio deixa de considerar que os padrões de atividade e as instituições que seriam encorajados pela ausência da proteção, podem desaparecer ou se tornarem insignificantes, assim a não ou pouca concorrência tecnológica geraria uma elevação de preço. Além disso, argumenta o autor que a produção industrial poderia se locomover para países que oferecessem maior proteção intelectual e contra a pirataria. A proteção fraca não estimula a promoção industrial porque nesses locais a indústria local tende a começar seu desenvolvimento por meio de imitações, que não configuram ganhos estratégicos e de conhecimento próprios. Ademais, para Robert Sherwood, uma grande taxa de retorno social é sacrificada sem a proteção efetiva, pois a proteção ineficiente não possibilita o desenvolvimento de uma atividade robusta e diferenciada, o que viabilizaria o retorno à sociedade. Patentes: o regime internacional... 75 O terceiro mito também é contestado pelo autor, porque não basta ter a tecnologia, o seu uso e aplicação estão condicionados a quantidade e qualidade de conhecimento tácito já existente no país, o que, como já dito anteriormente, pode ser reduzido sem o incentivo à inovação e pesquisas, o qual advém de uma maior proteção dos resultados dessas atividades. Por outro lado, também a “má impressão” do país internacionalmente no sentido desses DPI gera uma resistência exterior a transferência de tecnologia. Por fim, a diminuição da dependência é apontada por Sherwood como um mito, porque para ele a ausência de proteção inibe a transferência de tecnologia, o que vai atrofiar sua capacidade de gerar inovações e, por conseguinte, aumentar sua dependência, não reduzila. Conclui o autor, que a proteção à PI deve ser parte da infra-estrutura do país, um dos aparatos legais oferecidos por ele, é um meio pelo qual governo pode mudar de realizador de pesquisas tecnológicas para prestador de serviços de extensão, o que não reduz seu papel de incentivador e investidor em ciência básica, mas estimula os setores privados a investirem em tecnologias mais avançadas. Os DPI como infra-estrutura também contribuem para o maior vínculo empresa-universidade, para a boa imagem do país no exterior e leva ao envolvimento do país em redes globais de tecnologias e estimula criatividade dentro da economia nacional. “A implementação do sistema de propriedade intelectual é de importância vital por causa do modo de pensar da população. O engenho e a criatividade humanos não estão espalhados de modo desigual no mundo. São talentos presentes em qualquer país. Em alguns, infelizmente, falta infra-estrutura proporcionada por um sistema eficiente de proteção à propriedade intelectual.” (SHERWOOD, 1992, p. 193) Assim, parece ser o mais adequado que se faça uso de ambas as opiniões. Pois, se de um lado o regime internacional, expresso através do TRIPS, impõe medidas inviáveis aos países em desenvolvimento, por outro, o abando destes direitos também é igualmente inviável na medida em que na atual configuração econômica mundial, os bens intangíveis são os de maior valor agregado; e que a ampliação das capacidades científicas e tecnológicas nacionais, é um pré-requisito para o desenvolvimento. Mesmo elaborando de forma linear e clara sua posição, Sherwood parece partir de uma falsa premissa de que a questão central relativa às patentes e à propriedade intelectual se localiza no fato da existência ou não da proteção, no entanto, conforme descrito anteriormente, a história da construção do Regime Internacional de Patentes mostra que países que hoje são “menos desenvolvidos”, assinaram tratados relativos ao tema, antes de Cecília Megali Ogata 76 países desenvolvidos, como, por exemplo, o caso do Brasil ante os Estados Unidos. A questão é que no âmbito da OMPI cada país poderia excluir da proteção de patentes setores que fossem considerados de interesse estratégico para o país. Desse modo, antes do TRIPS, o Brasil não reconhecia patentes em medicamentos e alimentos, por entender que isso afetaria negativamente a população de baixa renda, pela elevação dos preços da comida e dos remédios, resultado inevitável da criação de um regime de monopólio sobre o setor, como ficou comprovado depois de 1994, quando os preços médios dos medicamentos dobraram. Se o argumento do senhor Sherwood estivesse correto, depois do TRIPS, as multinacionais de medicamentos, para quem ele trabalhou durante as negociações em 1994, deveriam ter, depois do novo acordo, aumentado seus investimentos em P&D no Brasil. E, na realidade, o que ocorreu foi exatamente o contrário, ou seja, antes do TRIPS, a maioria das multinacionais de medicamentos era obrigada pelo governo brasileiro a produzir no Brasil os sais básicos para a produção dos medicamentos e, depois da lei, elas concentraram a produção em suas matrizes e beneficiadas pelas “patentes de importação”. Ainda que o TRIPS tenha disponibilizado algumas flexibilidades, das quais podem se valer os países menos desenvolvidos, como: a liberdade para determinar a forma de implementação do acordo, conforme seus sistemas jurídicos; a liberdade para escolher o regime de exaustão dos DPI; o reconhecimento que os DPI devem contribuir para o bempúblico e desenvolvimento; o reconhecimento da necessidade de medidas que viabilizem as transferências tecnológicas; a possibilidade de medidas especiais, como a licença compulsória; as provisões para evitar práticas anticompetitivas em contratos de licenças; os prazos diferenciados a países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo PMDR - para aplicação do acordo; e a obrigação dos países desenvolvidos de incentivar suas empresas e instituições a realizarem transferência de tecnologia (Art.66.2); a aplicação dessas flexibilidades seriam apenas a PMDRs, de modo que muitas delas não podem ser utilizadas pelos “em desenvolvimento”. Além do mais, os prazos estabelecidos pelo acordo de 1994 já venceram, colocando fim a essas flexibilidades. Outro ponto a se destacar é que alguns países em desenvolvimento, como é o caso da China, que só entrou na OMC em 2001, e da Rússia que ainda hoje pleiteia sua entrada, não se servirão dessas flexibilizações oferecidas aos países que adotaram tais regulamentações anteriormente Para Liliam Ane Cavalhieri da Cruz (2008) o regime de PI aumentou as importações de tecnologias, os gastos com ajustes estruturais dentro dos países em desenvolvimento e os fluxos de dividendos para os para os desenvolvidos, o que elevou a concentração tecnológica. Para ela, a solução possível a esses países é uma correta adequação interna, política e Patentes: o regime internacional... 77 legislativa, respeitando as regras internacionais, mas utilizando-as de maneira pró-competitiva de acordo com seus graus de desenvolvimento e melhorar a administração das patentes, não insistindo em reverter o sistema, algo que já parece estar consolidado. Neste sentido, também Lastres e Cassiolato (2003) defendem, que há realmente uma grande concentração das atividades de P&D e de inovação nos países ricos, a chamada “triardização”, que compreende os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão. Esse pode ser comprovado pela concentração dos depósitos de patentes: “Os escritórios que mais recebem demandas para depósitos de patentes, segundo dados da Ompi, são os do Japão, Estados Unidos, China, Coréia do Sul e o Escritório Europeu de Patentes. De acordo com o relatório, as cinco regiões representam 77% das demandas por depósitos de patentes e 74% das patentes concedidas em todo o mundo.”39 Argumentam esses autores que essas atividades são estratégicas para as empresas (e, conseqüentemente, países) e representam, portanto, importantes fatores de ganhos de competitividade, por isso não são facilmente “exportadas”, como são os produtos. Desta maneira, eles vêem que o Estado deve ter um papel importante para alavancar a capacidade do país de produzir bens de maior valor agregado, seja com políticas de apoio à educação e incentivo à P&D, seja com leis de incentivo à inovação. A conhecida obra “Da imitação à inovação. A dinâmica do aprendizado tecnológico da Coréia” de Linsu Kim (2005) pode ser tomada como um bom exemplo de um país que soube lidar com esse regime internacional e se adaptar de forma a se desenvolver. Até 1961 a Coréia do Sul era um país pouco desenvolvido como tantos outros do mundo, apresentava PNB per capita inferior ao do Sudão. Contudo em 1962 a economia teve um grande crescimento, chegando o país em 1995 a ser considerada a 11ª potência econômica do mundo. Assim sendo, o livro aborda os aspectos relevantes que propiciaram esse grande salto qualitativo e quantitativo na economia e no desenvolvimento do país. Dentre esses fatores o autor destaca a imitação, que não implica necessariamente em falsificação e clonagem de mercadorias importadas, nem a violação de patentes e pirataria intelectual. Os autores também contam como esses fatores a existência de um governo dirigente, que estimulou o processo de aprendizado tecnológico e investiu em educação; os Chaebols, que são grandes conglomerados de empreendimentos familiares, que funcionaram como motores do processo; uma mão-de-obra disciplinada e esforçada; a estratégia voltada para exportação; e a construção de crises pelo governo para propagação de aprendizado tecnológico. 39 http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=010175070816 acessado em 26 de setembro de 2009 às 16horas. Cecília Megali Ogata 78 Merecem destaque, por servirem como exemplo aos demais países em desenvolvimento, as políticas de transferência de tecnologia, por meio da restrição dos investimentos estrangeiros diretos, que permitiram que as empresas coreanas mantivessem sua independência administrativa, criando novas bases para o aprendizado tecnológico e a implementação de institutos públicos para desempenhar um papel fundamental nas atividades avançadas de P&D industrial, mas principalmente, pelo fornecimento de pesquisadores experientes e capazes de exercerem papeis de liderança nessas atividades. Também o uso da engenharia reversa e a imposição do governo de metas ambiciosas que geravam crises que exigiam a superação daquele determinado padrão tecnológico. Pode-se dizer, portanto, que o sistema de patentes é, sim, importante, porque é tido para muitos países e empresas como requisito para investimentos e estabelecimento de relações, porque é uma maneira de se incentivar e recompensar inventores e porque, como veremos a seguir, possui hoje um grande valor econômico. No entanto, é preciso que haja maior habilidade governamental para converter esses recursos a seu favor, se aproveitar de pequenas “brechas” e de parcerias com demais países em desenvolvimento para que juntos possam cobrar um regime mais igualitário, que não queira, fazendo uso de um trecho de Kjeld Jakobsen em “Comércio Internacional e Desenvolvimento” (2005), “A aplicação desse tratamento igual a desiguais [...]” (p.108). Essa cobrança por medidas mais afirmativas em defesa do desenvolvimento humano perante os DPI parte também das ações da sociedade civil que tem se interado cada vez mais do assunto, principalmente pelas informações espalhadas pela internet, e participado das discussões do regime, não só em âmbito local. Existe inclusive um movimento conhecido como A2K (Access to Knowledge) que defende a maior transferência tecnológica para países em desenvolvimento e a estipulação de uma Agenda de Desenvolvimento relacionada à PI. Um outro movimento, mais inusitado, é o Partido Pirata fundado na Suíça em 2006 que tem como objetivos principais a abolição das patentes, a restrição de direitos de autor e garantia da privacidade. Esse partido obteve 0,63% dos votos. “Em última análise, a comunidade internacional deve estabelecer uma forma de proteger a propriedade intelectual que não envolva sanções comerciais. As sugestões quanto a possíveis reformas incluem uma “gradação” da propriedade intelectual, um modelo “Tripsminus”, um regime de propriedade intelectual com cláusulas derrogatórias específicas, e regimes separados de propriedade intelectual para direitos individuais e coletivos” (IPEA, 2004, p.54). A Declaração de Doha sobre o TRIPS apresentou um importante avanço, nesse sentido, ao reconhecer que os direitos determinados pelo acordo estão subordinados à Patentes: o regime internacional... 79 questões de saúde pública. Mesmo assim ainda há muito a se fazer, afinal, “O objetivo supremo do desenvolvimento não é criar mais riquezas ou alcançar maior crescimento, mas expandir a gama de possibilidades de escolha de cada ser humano.” (IPEA, 2004, p.66). 2.e – O valor econômico das patentes Para encerrar esse capítulo, pretende-se agora realizar uma breve aproximação das questões da patente com as empresas transnacionais, a fim de já traçar uma introdução do capítulo seguinte. Aproximação esta que se faz a partir do reconhecimento de que as patentes passam a ser vistas e usadas como mercadorias em si mesmas, ou seja, deixam de ser apenas um direito no campo jurídico para estarem também no econômico. Isso ocorre a partir da percepção do homem e das grandes empresas de que a descoberta de um processo que acelera determinada reação química ou a criação de um parafuso que não enferruja (passíveis de aplicação industrial em grande escala e de geração maiores ganhos) podem ser comercializados. Quando se analisa a construção do regime, fica evidente que as empresas, na medida em que se dão conta dessa “nova finalidade” da patente passam a exercer pressão sobre os governos para implementação de regras mais rigorosas relativas à PI. Com a busca por novos mercados e a internacionalização da produção das indústrias, estas deixam de ser locais e passam para a posição de transnacionais, com isso, o requerimento de leis mais rigorosas sobre PI aumenta, exigindo que não somente as leis internas garantam esses direitos, mas também as dos outros países com que as transnacionais se relacionam. Somado ao surgimento desse tipo de empresas está também a mudança de valor que os bens intangíveis tem assumido nas últimas décadas: “At one time, the value of a corporation lay in physical assetss – land, plants and raw materials. Today, intangible assets – often protected by IP rights - make up na increasingly large percentage of the value of publicly traded companies.” (EPO, 2007, p.17). O conhecimento e o acesso a ele são fontes de poder e ganhos competitivos. No contexto da globalização, existem muitos outros atores atuando nas mais diversas esferas internacionais, o que torna a competitividade mais acirrada. Ademais, a facilidade de locomoção das pessoas e de acesso a informações pela internet dificulta a manutenção localizada dos fatores estratégicos da empresa. Também merece destaque a velocidade com que novas tecnologias e aparelhos surgem no mundo, buscando melhorias que gerem maiores Cecília Megali Ogata 80 resultados e mais lucratividade. Toda tecnologia tem um ciclo de vida que obedece a invenção, o desenvolvimento, a maturidade, os desafios da competição, declínio gradual e o desaparecimento, contudo, hoje em dia, esse ciclo tem durado em média dois anos, o que pode ser considerado um tempo demasiadamente curto para evolução de novos produtos. Todos esses fatores contribuíram e contribuem para que a patente seja vista como algo extremamente necessário, um direito que garante a manutenção de recursos estratégicos e possui valor econômico: “So business now sees patent rights as a financial assets as well as right to a pontential monopoly. The biggest companies, with the largest portfolios of patents, deploy a armies of researches, accountants and lawyers to evaluate opportunities around exploitation of their patents. And they understand that the value of these assets is dependent on a workable system of regulation that is, in fact, already overloaded.” (EPO, 2007, p.35). Cada vez mais as grandes companhias e até mesmo as de menor porte tem notado a importância dos DPI e, com isso, a pressão por uma harmonização mais rápida e global deste sistema tem crescido. Quanto mais parecidos e homogêneos forem os sistemas, mais fácil será para as empresas garantirem seus direitos e preservarem seus recursos ao longo do globo. Embora haja do outro lado as questões de desenvolvimento social, como mostrado anteriormente, há de se ter em mente que essas empresas são grandes atores internacionais e que detêm em suas mãos um grande poder de barganha. Um estudo realizado pelo European Patent Office – EPO – em 2007 sobre o sistema de patentes, além de fornecer importantes informações sobre o nascimento do sistema e sua atuação no mundo contemporâneo, realizou também estimativas para o futuro dentro dos quatro cenários que analisava: o mercado, a geopolítica, a sociedade e a tecnologia. Sobre o primeiro, no qual a força dominante vem do mercado, o escritório estima que em 2025 o sistema de patentes esteja muito mais dinâmico, pois será vital pra as empresas como uma defesa estratégica. Acredita-se ainda que haverá uma redução de preços no patenteamento o que elevará os seus números. Para o segundo cenário, no qual a maior força parte dos Estados, o EPO fala na formação de blocos regionais mais intensa, inclusive no possível TAFTA (TransAtlantic Free Trade Association), que incluiria os países mais ricos do globo, como EUA, os da União Européia e o Canadá. Acredita-se que os blocos regionais irão acordar internamente suas regras de patentes, mas que, em virtude do poder do TAFTA, a maior parte delas emanarão deste bloco, deixando assim o TRIPS de ser tão relevante. Isso será acompanhado pela luta contra a pirataria, pelo crescimento de países asiáticos, pela preocupação ambiental e pela Patentes: o regime internacional... 81 formação de mais alianças Sul-Sul, inclusive para proteção de suas riquezas e diversidades naturais. No cenário em que a sociedade é maior força de pressão, as previsões são bastante diferentes. As patentes em 2025 já estariam sendo abolidas em vários campos, priorizando, pelo mercado, o uso de segredos, marcas, desenhos industriais e indicações geográficas. A fim de não se reduzir a inovação, os estímulos partiriam de outras fontes, como ONGs e exescritórios de patentes, que informariam sobre outras formas de proteção. A sociedade estará mais conectada e incluída nos processos de inovação, com uma participação mais ativa e próxima das empresas, contando inclusive, com mais produtos liberalizados. Por fim, sobre a tecnologia e sua relação com a patente, o EPO prevê que haverá uma rápida adaptação do sistema às novas tecnologias, com proteções alternativas, mas também que aumentarão as infrações e a competitividade. Alguns países tentarão levar a PI a outras instancias também, como fizeram no passado com a OMC. Para uma melhor adequação às demandas patentárias, crê-se que haverá uma distinção entre “soft patent” e “classic patent”, sendo a primeira voltada a campos mais complexos, como softwares e a segunda voltada para áreas mais clássicas, como a farmacêutica, afinal o modelo atual não enquadra todas as especificidades de cada caso. Conclui-se, portanto, que continuarão a existir demandas divergentes no campo dos DPI, sobretudo no que tange as patentes, visto que essas são as mais utilizadas e lucrativas. Caberá aos Estados, a sociedade e aos grandes empresários buscarem uma harmonização que equilibre as questões de desenvolvimento e acesso a tecnologia e as demandas econômicas das empresas e dos países de forma geral. Cecília Megali Ogata 82 3. As transnacionais e as patentes: o grande valor da inovação Durante muito tempo o estudo das Relações Internacionais esteve pautado apenas nos Estados e nas Organizações Internacionais, contudo, com a crescente globalização, o espaço “internacional” passou a ser ocupado por outros atores. Ultimamente, a multiplicidade desses atores no sistema internacional é tão grande que vai além das corporações internacionais, das organizações internacionais, das ONG, das transnacionais e inclui também as religiões/ igrejas, organizações criminosas internacionais, a opinião pública e até mesmo o próprio indivíduo. Por exemplo, a Igreja Católica e o Islã que ultrapassaram fronteiras e limites culturais: existem islâmicos no ocidente e cristãos no oriente, de modo que a ideologia pregada por essas e outras religiões são assuntos que não dizem respeito apenas a uma sociedade e local. A opinião pública é capaz de pressionar governos e lideranças sobre certas decisões que nem sempre se encontram sob o território daquela. E o que dizer de organizações como a Al Quaeda? Um grupo que consegue se organizar internacionalmente e promover um ataque terrorista no território da maior potência global não deve ser subestimado enquanto um agente do sistema internacional. E sobre os indivíduos pode-se afirmar que são pessoas nem sempre possuidoras de grandes riquezas ou cargos políticos, mas que conseguem mobilizar a opinião pública, colocar em xeque assuntos polêmicos e despertar o olhar de toda uma sociedade para determinado fato. Neste último capítulo, pretende-se analisar melhor um desses novos atores: as empresas transnacionais. Mesmo com algumas vertentes teóricas resistentes a reconhecer esses novos agentes internacionais, como veremos adiante, dados oficiais mostram a todo momento que algumas dessas empresas globais possuem rendimentos maiores que o PIB de muitos países, como é o caso da Shell, cujas vendas equivalem ao triplo do PIB da Guatemala e da Siemens que equivalem ao sêxtuplo do PIB da Jamaica40. Em virtude do seu domínio no campo econômico, que se estende também para esferas políticas e sociais, elas se tornaram atores capazes de promover e impulsionar mudanças que afetaram a todos, direta ou indiretamente. Assim, entender o poderio e funcionamento desses grandes conglomerados empresariais é algo fundamental para a atualidade globalizada das Relações Internacionais. Nesse sentido, as empresas transnacionais são também um dos principais interessados nos debates a respeito dos DPI, sobretudo a patente. Com já se comentou no capítulo anterior, 40 Disponível em : http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2002/not20020812p35633.htm acessado em 30 de março de 2010 às 10:45h Patentes: o regime internacional... 83 a inovação tem garantido cada vez mais, maiores ganhos de escala para as grandes produtoras mundiais de todos os tipos de produtos e serviços, desde alimentos até softwares. Visando uma maior reflexão sobre a importância das patentes para as transnacionais, o presente capítulo encontra-se estruturado em três seções: a primeira busca analisar melhor as próprias empresas transnacionais, de maneira geral, busca mostrar como elas surgiram, como funcionam e o poder que detêm; a segunda discorre sobre um setor específico dessas empresas: a área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), área esta responsável pela parte de inovação da empresa, de onde surgem os principais aprimoramentos e novos serviços e produtos, por essa razão, é a área que se relaciona diretamente às patentes; e, por fim, a última seção de todo este trabalho se dedica a unir todos os fatores estudados até aqui e demonstrar como as patentes, apesar das novas tendências que surgem e que também serão analisadas, ainda são importantes ferramentas para as transnacionais e como o seu regime interfere em diversos atores e no próprio sistema internacional. 3.a – As empresas Transnacionais Muitas empresas atingem um nível de produção em seu país que supera aquele necessário, precisando exportar para outros mercados consumidores seus excedentes, ganhando mais expandindo suas vendas para outros países; outras percebem que podem aumentar a sua eficiência e a de seus bens se começarem não apenas exportar, mais também fabricar em outros lugares; outras buscam expandir sua carteira de clientes, prestando serviços em outros continentes e assim, cada vez mais, são internacionalizados serviços, produtos, pessoas e empresas. Há alguns anos, apenas grandes e sólidas empresas conseguiam essa proeza, mas hoje em dia, com os avanços tecnológicos e, sobretudo com os avanços nas áreas de transporte e comunicação, pequenas e médias empresas já se inserem na esfera internacional. Tudo isso fez com que o ambiente econômico internacional se tornasse cada vez mais competitivo. E para vencer essa competição as empresas se valem de recursos cada vez menos palpáveis, sendo o principal deles a “capacidade de inovar”, pois é através da inovação que paradigmas são superados e se expande o horizonte para uma serie de novas ferramentas e soluções. Contudo, com tantos concorrentes, proteger esse ativo tão singular não é tão fácil, é preciso um sistema sólido e confiável, um sistema aceito mundialmente e com garantias. É aí que as patentes podem ser importantes: enquanto meio de proteger a inovação da concorrência global acirrada e, mais do que isso, enquanto mais uma forma de geração de dividendos. Cecília Megali Ogata 84 Mas antes é preciso entender melhor como funcionam essas grandes promotoras da inovação: as empresas Transnacionais. 3.a.a – Origem e evolução: outro ator internacional Alguns anos atrás, as Transnacionais (TNC) eram chamadas de Multinacionais41, termo pelo qual são mais popularmente conhecidas, a mudança deve-se ao fato de que tais empresas não pertencem à “múltiplas nações”, pois, possuem sede em um determinado país ao qual legalmente pertencem e filiais em outros. Essa seria a definição mais clara de corporações empresariais internacionais ou TNC. “Segundo Giddens, o termo transnacional é preferível, porque indica que estas diferentes empresas operam através de diferentes fronteiras nacionais, mais do que dentro de várias ou muitas nações.” (OLIVEIRA, 2004, p.251). Para Robert Gilpin (2002, p.289) as Transnacionais podem ser definidas como: “[...] empresas oligopolísticas cuja propriedade, administração, produção e atividade de comercialização se estendem por várias jurisdições nacionais. Há um escritório central em um país com uma rede de subsidiárias em outros países.”. A emergência de empresas fora de suas fronteiras nacionais se inicia por volta dos séculos XV e XVI, com as dinastias comerciais e bancárias dos Fugger, dos Ausburgos, que prestaram serviços aos imperadores da Áustria e Inglaterra, com filiais em Viena e Londres. No século XIX as TNC se destacaram nos setores de atividade mais importantes da época: extrativista de carvão e aço, alimentício e farmacêutico.42 É importante ressaltar que nesse período a Revolução Industrial já tinha ocorrido e as novas tecnologias desenvolvidas por ela já estavam se espalhando pela Europa, havia o neo-colonialismo em busca de mais matéria-prima e mercado consumidor e a facilitação da distribuição de mercadorias com transportes mais modernos. 41 Há diferentes terminações quando se fala em empresas que possuem atividades além de suas fronteiras: internacional (reagrupa suas operações internacionais ao nível de diretoria e lança estratégias de penetração em mercados externos), multinacional (que reparte os recursos sem preocupação com as fronteiras e considera as atividades externas tão importantes quanto as internas, mas possui influencia do Estado de origem na propriedade e direção), supranacionais (juridicamente desnacionalizada e registrada junto a uma OI a qual pagará impostos, mas não há nenhuma corporação deste tipo no mundo) e, por fim, a transnacional (pertence e é gerida por nacionais, mas suas decisões escapam totalmente à ótica nacional), mas não há clareza nessa separação, visto que são pequenas variações e que os autores americanos e europeus já cunharam os temos multinacional e transnacional, para se referirem a esse tipo de indústrias. 42 São desta data: Cockerill (Bélgica, carvão e aço), Bayer (Alemanha), Nestlé (Suíça), Solvay (Bélgica), Lever (Inglaterra), Michelin (França). Patentes: o regime internacional... 85 Contudo, é no século XX que essas empresas se consolidam. Com o aperfeiçoamento dos métodos, da gestão empresarial e da crescente concorrência, as empresas conseguiram penetrar nos território de outros países mais fácil e eficazmente: “Ainda nas primeiras décadas do século XX, em 1929, ocorreu o significativo caso de fusão da Unilever entre empresas transnacionais, formada pela Unilever Limited, de Londres e a Unilever N. V., de Rotterdam.” (OLIVEIRA, 2004, p.255). Também em 1929, com a Crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque, as TNC também foram atingidas, tanto pelo endurecimento das leis que as regulavam nacionalmente por parte dos governos, quanto pela queda na produção, demanda e preços. O processo depressivo sofrido pelos países nesse período fez com que os governos passassem a adotar medidas de proteção à indústria local. Após a 2ª Grande Guerra, as TNC alcançaram escalas muito maiores, merecendo destaque as norte-americanas que atuaram na reconstrução da Europa. Além da reconstrução européia, a abolição dos direitos aduaneiros junto ao mercado comum europeu, a generalização da sociedade de consumo43 e a substituição do carvão pelo petróleo propiciaram o desenvolvimento de outras indústrias como a petroquímica, de automóveis e transportes. Contudo, é a partir da década de 70, que há maior diversificação tanto dos setores dessas empresas quanto de suas localizações: o processo industrial da maior parte dessas grandes corporações deixa de se concentrar em um lugar ou apenas nos países do hemisfério norte e atinge uma verdadeira escala mundial, é a reestruturação produtiva. Transnacionais como Nike, Coca-Cola, Unilever, Shell, entre milhares outras fazem parte do cotidiano de grande parte da população mundial e muitas dessas empresas se tornaram fundamentais para a vida de muita gente, como é o caso de empresas alimentícias e farmacêuticas que disponibilizam seus produtos em lugares que dificilmente poderiam ser produzidos. “Empresas transnacionais, diferentes das nacionais, obtêm vantagens que se traduzem em benefícios derivados das chamadas imperfeições do sistema econômico 43 “A sociedade de consumo é um termo cunhado pela economia e sociologia para designar o tipo de sociedade que se encontra em uma avançada etapa do desenvolvimento industrial capitalista e que se caracteriza pelo consumo massivo de bens e serviços disponíveis em quantidade maior que a demanda devido à elevada produção dos mesmos. Esse padrão de sociedade está ligado ao conceito de capitalismo, ou seja, à livre circulação do capital, produtos e pessoas, sem a intervenção do Estado. Trata-se da economia de mercado que tenta encontrar um equilíbrio entre oferta e demanda. Desse modo, não há excedente de produção que possa afetar a acumulação de capital por parte dos grandes produtores e investidores. O maior desafio da sociedade de consumo é transformar o consumidor em um comprador compulsivo de produtos e serviços, aumentando a demanda e a necessidade de aquisição de mercadorias. Assim, o mercado cria a necessidade no consumidor e este, por sua vez, estabelece a demanda de consumir. Esse fato desencadeia o aumento da produção e, conseqüentemente, a elevação dos lucros por parte daqueles que detém o capital, atingindo o princípio básico do capitalismo: acumular capital.” (Cardoso, Fernanda Simplício; Ferreira, Cíntia Borges. Disponível em: www.fae.edu/.../Cíntia%20Ferreira%20e%20Fernanda%20Simplício.pdf acessado dia 30/03/2010 às 11:05h ) Cecília Megali Ogata 86 internacional.” (OLIVEIRA, 2004, p. 264). Essas imperfeições são de mercado e marcadas tanto pela fragilidade e necessidade de alguns Estados perante os produtos destas empresas, quanto pelo caráter oligopolista destas em relação a certos bens, principalmente no que tange a tecnologia e as inovações: “Inovação científico-tecnológica, constitui esse poder de conhecimento uma das fortes armas dos monopólios transnacionais, fator de imponência e domínio junto às empresas nacionais de pequeno e médio porte” (OLIVEIRA, 2004, p. 267). Entendendo melhor como surgiram essas empresas, percebe-se que o grande impulsor da internacionalização é a busca de maiores ganhos, maior lucratividade, que estão relacionados, de alguma forma, à busca de matéria-prima mais barata, de mercado consumidor e mão-de-obra mais eficaz e barata. Recentemente, porém, a globalização e o avanço tecnológico fizeram com que essa busca pudesse ser generalizada como uma “busca por vantagens competitivas44”, ou seja, busca se estar mais próximo, deter, aquele ativo que garante a empresa ganhos maiores comparados aos seus concorrentes por criar um valor ao cliente superior ao próprio custo (valor) da produção; e isso não significa mais apenas insumos e trabalhadores, inclui também bens intangíveis, como acesso ao know-how internacional e ao conhecimento e tecnologia: “One manager stated: ‘We came here for cheap labour and the tax advantages, but we are staying because of the expertise we have built up here. As far as assembly and test are concerned we have more expertise here than we have in the U.S. We sometimes have to send our Malaysian engineers to the States to solve their problems.”( STOPFORD; STRANGE;,HENLEY 1991, p.147) Além dessa variação de fatores impulsionadores da internacionalização, percebe-se ao longo das décadas, que as próprias TNC modificaram sua lógica de acordo com o ambiente global, em outras palavras, se globalizaram também. As principais mudanças, como afirmado 44 “Vantagem Competitiva é um conceito desenvolvido por Michael E. Porter no seu best-seller Competitive Advantage e que procura mostrar a forma como a estratégia escolhida e seguida pela organização pode determinar e sustentar o seu sucesso competitivo.A vantagem competitiva surge fundamentalmente do valor que uma determinada empresa consegue criar para os seus clientes e que ultrapassa os custos de produção. O termo valor aqui aplicado representa aquilo que os clientes estão dispostos a pagar pelo produto ou serviço; um valor superior resulta da oferta de um produto ou serviço com características percebidas idênticas aos da concorrência mas por um preço mais baixo ou, alternativamente, da oferta de um produto ou serviço com benefícios superiores aos da concorrência que mais do que compensam um preço mais elevado.Segundo Porter, existem dois tipos básicos de vantagem competitiva: aliderança no custo e a diferenciação, as quais, juntamente com o âmbito competitivo, definem os diferentes tipos de estratégias genéricas.Porter descreve ainda o instrumento básico para diagnosticar a vantagem competitiva e para encontrar formas de a intensificar: a cadeia de valores. Através da cadeia de valores, a organização é dividida nas suas actividades básicas (investigação e desenvolvimento, produção, comercialização e serviço) o que facilita a identificação das fontes de vantagem competitiva.” ( Nunes, Paulo, 2007, disponível em: http://www.knoow.net/cienceconempr/gestao/vantagemcompetitiva.htm acessado dia 30/03/2010 às 10:55h) Patentes: o regime internacional... 87 anteriormente, surgem a partir de 1970, com a instalação de um novo paradigma técnicoeconômico pautado na produção flexível de bens e serviços intensivos em informação. Impulsionadas por uma vasta rede de infra-estrutura de telecomunicação, as TNC modificaram seu modelo de atuação. Antes, a transnacionalização se dava pelo estabelecimento de filiais praticamente idênticas à sede, porém menores, que produziam os mesmos produtos e estabeleciam uma relação vertical com a matriz. Atualmente, a transnacionalização nem sempre significa o estabelecimento de plantas em outros países, podem ser escritórios, representantes, pequenas linhas de produção de um só produto ou de um só componente e a relação matriz-filial é “horizontalizada”. Ou seja, na qual a empresa está atenta a todas as esferas de toda cadeia de fornecimento e produção, desde a área de Pesquisa e Desenvolvimento até a distribuição, cada linha de produção de determinada peça ou produto, cada subsidiária é administrada de acordo com suas especificidades, buscando mais a cooperação que a hierarquização. Estando presente em diversos locais como uma única empresa, porém admitindo especificidades em relação aos diferentes públicos que alcança, as TNC têm aumentado cada vez mais seu poderio econômico. “Directly or indirectly, they [TNC] have been estimated to control over one quarter of the world’s economic activity outside their home countries; over half the world trade in manufactured goods and even more of growing trade in services; 80 per cent of the world’s land cultivated for export crops, and the lion’s share of workd’s technological innovations.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.15) Isso deixa claro que tanto na esfera que dominam – a econômica - quanto nas esferas políticas e sociais, as empresas transnacionais têm um poder de influência muito grande. No entanto, algumas vertentes teóricas das Relações Internacionais são resistentes em aceitar as empresas transnacionais como atores do sistema internacional. Os adeptos do idealismo entendem que os interesses e a atuação de outros atores, como as ONGs e as OI devem ser levados em consideração e que devido à expansão capitalista houve uma crescente internacionalização de temáticas, que hoje o que se tem é uma interdependência45 mundial, pois muitos assuntos já ultrapassaram a esfera estatal, e se tornaram supranacionais. Há “multicanais”46de expressão de novas demandas, o poder militar já não é o mais poderoso e a criação de Regimes Internacionais (regras, normas e leis elaboradas no bojo das OI para 45 “Interdependence, most simply defined, means mutual dependence. Interdepencence in worls politics refers to situations characterized by reciprocal effects among countries or among in different countries.”(KEOHANE; NYE, 2000, p.7) 46 Correnpondem a uma das característica da interdependência: “multiple channels connetc societies, including: informal tiés between governmental eliities as well as formal foreign Office arrangements; [...] These channels can be sumarized as interstates, transgovernamental, and transnational relations.” (KEOHANE; NYE, 2000, p.21) Cecília Megali Ogata 88 proteção e obtenção de algo na esfera mundial) figuram como o espaço em que empresas e Estado atuam a fim de alcançar seus interesses, espaço esse, portanto, sem hierarquia formal, mas com elementos de regulação. Por outro lado, a segunda grande vertente das teorias de RI, o Realismo, vê o Estado como o ator principal da política internacional e que deve buscar poder através de um cálculo racional, sua sobrevivência, visto que nunca está garantida devido a ameaça constante de outros Estados. Nas décadas de 60 e 70 Kenneth Waltz, funda o neorealismo ou realismo estrutural, que passa a propor o entendimento do Estado como uma Unidade Política – a principal, mas não a única. Pode-se dizer que, a respeito do que pensam os neorealistas, as TNC, talvez não tenham ainda o mesmo poder que os Estados e a recente crise econômica47 veio provar isso, quando muitos bancos precisaram da ajuda governamental para não fecharem; também podese dizer que essas empresas não tenham o poder direto sobre alguns assuntos de escala global, como o combate ao HIV ou a erradicação da fome mundial. Contudo, como Hans Morgenthau48 sugere como primeiro princípio da teoria do realismo político, que a analise internacional deve se basear na racionalidade e objetividade, parece um tanto quanto racional, observar que a realidade conta com grandes conglomerados empresariais a frente (e também atrás) de importantes decisões e consideráveis montantes de dinheiro. Em seu livro “Rival States, Rival Firms”, que debate, em linhas gerais, a atual relação entre os Estados e as Multinacionais49 e como essas vêm em grande medida pressionando e barganhando com os países, John Stopford, Susan Strange and John S. Henley afirmam que as mudanças no sistema mundial são produto de infinitas ações de todos os atores, sejam eles indivíduos, empresas, estados ou organizações internacionais e vão além ao dizerem que “Taken together, their [atores do sistema internacional] actions have limited the independent options for states during the last two decades.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.204). 3.a.b - Funcionamento e poderio econômico As TNC, na sua grande maioria funcionam com uma sede/matriz, no seu país de origem e subsidiárias em outros países, mas há grandes variações desse modelo, pois algumas 47 Iniciada em agosto 2008 Teórico alemão, pioneiro na teoria realista de RI 49 Termo utilizado pelos autores ao longo do livro 48 Patentes: o regime internacional... 89 atuam apenas através de escritórios, enquanto outras possuem plantas inteiras, até maiores que as localizadas no país “natal”, em países estrangeiros. É por meio do chamado Investimento Externo Direto (IED) que essas empresas atuam de forma mais efetiva no exterior. “O IED, na concepção do Fundo Monetário Internacional (IMF, 1998), designa um investimento que visa adquirir um interesse duradouro em empresa cuja exploração ocorre em outro país que não no investidor, com o objetivo de influir efetivamente na gestão da empresa em questão. Assim, de acordo com a sua natureza, o IED é concebido em uma perspectiva de longo prazo. Ou seja, ele é caracterizado, de um lado, por um elevado grau de irreversibilidade, do outro, pela permanência também elevada na economias receptoras. Contudo, mesmo que o IED não apresente o mesmo grau de volatilidade que os outros fluxos de capitais (em especial investimentos em portfólio), os dados históricos mostram um padrão de flutuação cíclico, que entre outros fatores é função das expectativas de rentabilidade ligadas ao desempenho da empresa receptora do investimento.” (CRISTINI; AMAL, 2006, p.13) Os IEDs das TNC são montantes financeiros que se traduzem em diversos tipos de investimentos, que influem diretamente na transferência de capitais, na produção e no mercado global e com isso acabam por dominar em grande parte a economia mundial. “[...] MNC’s [multinacionais] decision whether to export a product from its home market or to invest abroad in order ro service a foreign market will strongly affect the location of economic activities and the rates of economic growth around the world. In this fashion, the activities of MNCs can have a profound impact on international economic affairs. MNCs are not merely substitutes for trade; indeed they attempt to extend their power and control over foreign economies. It is clear that multinational firms desire not only to arn immediate profits, but also to change and influence the rules or regimes governing trade and international competition in order to improve their long-term positions.”(GILPIN, 2001, p.281) No entando, o IED não é distribuido de maneira uniforme: “Although FDI50 has grown rapidly, in developing countries, most FDI has been placed in the United States and Europe, while only a small percentage of U.S. foreign direct investment has gone to developing countries.” (GILPIN, 2001, p.289). Essa concentração localizada que ocorre com os investimentos também ocorre com outros fatores da empresa. Alguns autores destacam que as lideranças, de onde emanam as principais decisões da empresa e as definições de estratégias permanecem no país sede, algo que ocorre também com os setores de maior valor agregado da empresa, como o de P&D (sobre isso há controvérsias que serão analisadas na próxima seção). 50 Sigla americana para IED, derivada de: Foreign Direct Investment Cecília Megali Ogata 90 As TNC, por meio da internacionalização do seu processo produtivo, contam também com o comércio intra-firma (dentro da mesma empresa, mas entre as diversas subsidiárias) como uma outra forma de realizarem movimentações financeiras e interferirem no panorama da economia mundial, pois uma parte substancial do comércio mundial é representada pela importação e exportação de componentes e produtos intermediários, produzidos por diferentes subsidiárias de uma mesma TNC em diferentes países. É preciso ter em mente, no entanto, que mesmo empresas que competem no mesmo mercado, pertencem a um mesmo “nicho”, desenvolvem diferentes estratégias e organizações para lidarem com as adversidades do mercado global e as incertezas geradas pelos movimentos da globalização. Isso porque parte significativa do que é e como funciona a empresa deriva do modo de vida, de pensar, da cultura e da política de seu país de origem, pois diferenças nacionais ainda são preservadas e reforçadas no cenário internacional. Por exemplo: na Alemanha e no Japão as empresas criam vínculos mais fortes com seus funcionários evitando ao máximo a demissão, os trabalhadores costumam passar a carreira inteira na mesma companhia, o que acaba criando um forte sentimento de lealdade; enquanto em países como Estados Unidos e Reino Unido, a base da relação empresa-funcionário são os contratos de prestação de serviço, o horizonte dos empregados é bem menor dentro da empresa. Além da diferença na relação que a empresa cria com seu empregado, podemos encontrar ao longo do globo inúmeras diferenças no modo como as TNC buscam combinar seus recursos e capacidades e com isso obter maior ganho em escala. De acordo com pesquisadores do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), autores do livro “How we compete”, organizado por Suzanne Berger, o modelo prevalecente das firmas na década de 80, era o do “kit de avião”, no qual cada peça encaixava-se perfeitamente a outra e cada era projetada para se encaixar a um único lugar. Contudo, com o passar dos anos, esse modelo evoluiu e se assemelha, atualmente, mais ao jogo infantil chamado “Lego”, no qual é possível se criar diferentes modelos usando as mesmas peças. As pressões geradas pelo surgimento de novos competidores (principalmente na região do sudeste asiático e nos países emergentes) e as mudanças na economia internacional fizeram com que as companhias se tornassem mais sensíveis aos custos do trabalho (salários) e do capital. Somada a este fato, a importância crescente de ativos intangíveis, antes pouco estudados e analisados pelas empresas, como o conhecimento, as habilidades individuais dos funcionários e capacidade de inovação, fez com que as companhias buscassem manter dentro de suas paredes o menor número possível de operações, no caso, somente as mais importantes Patentes: o regime internacional... 91 para o sucesso do produto ou serviço e de maior valor agregado. É o que Berger chama de “sistema Modular”. No sistema Modular há a necessidade de se estabelecer determinados padrões, frutos de acordos ou de um produto já consolidado, para que não haja incongruência no fornecimento de peças, produtos e serviços ao longo do globo. “In a growing number of industries, managers of brand-name firms no longer run manufacturing, but buy it from contract manufacturers that have been able to capture significant parts of the production system. Top-quality performance in many complex manufacturing operations used to require carrying out all important functions either in-house or else in the plants of closely controlled “captive” suppliers. Today the same level of performance can be achieved through coordination of a supply chain with multiple autonomous firms located along the links between product definition and sale to the final customer. Given the availability of new technology options and the whip of severe economic pressures, most large multinational corporations have transformed themselves into organizations focused on a smaller set of core competencies.” (BERGER, 2006, p.83 e 84) Desta forma, a maneira como cada empresa vai se adaptar essa nova realidade varia e não há um modelo ótimo e nenhum que ganhe sempre. A Dell, empresa americana do ramo da informática, tem como grandes diferenciais a possibilidade do cliente customizar seu computador da maneira que melhor lhe agradar e a rápida entrega deste produto, para tanto, em “casa” (Estados Unidos) ela é responsável apenas por reunir todas as peças no final. Podese dizer, portanto, que a empresa tem como principais fontes de sua riqueza e geração de valor o marketing, a inovação na forma como o cliente se relaciona com o produto e a distribuição, as quais permanecem sob o próprio teto da empresa. Outra estratégia é a de manter a produção em casa, como fazem a Sony e boa parte das empresas italianas do ramo da moda. A primeira alega que além de estar menos sujeita às vulnerabilidades da produção no exterior, domesticamente ela conta com uma mão de obra mais especializada e acostumada com os produtos da firma, o que faz com que haja um elevado índice de lançamentos a todo o momento, que é um grande diferencial da Sony. No segundo caso também há a preferência pela mão-de-obra nacional por se tratarem de produtos de altíssima qualidade, mas essas empresas contam como importante vantagem competitiva a força de suas marcas (Gucci, Dolce e Gabbana, Versace, entre outras) e do selo “Made in Italy”, que é associado à luxo e elevada qualidade. A Intel, líder no ramo de microprocessadores, adota outra estratégia, a empresa produz apenas componentes separados, os quais são exportados e utilizados por diversas empresas ao Cecília Megali Ogata 92 longo do globo. Já a FIAT optou por ter não apenas fábricas, mas também escritórios de criação no Brasil a fim de facilitar a captura da demanda nacional. Essa revolução modular criou inúmeras novas possibilidades de ação para as TNC de diferentes países e aumentou a possibilidade de disputa mais igualitária. Possibilitou também um contato maior da empresa com seus consumidores finais, o que facilita a captação das novas tendências e das diferentes necessidades de cada local, expandindo consideravelmente a capacidade de inovação e de se desenvolverem novas atividades. Existem empresas hoje especializadas apenas na distribuição, outras apenas na fabricação de determinados componentes, outras só em criação de designs. Novas áreas de atividades, sobretudo serviços, estão surgindo diariamente. Porém, todo esse processo de transnacionalização também é passível de críticas. Conforme já mencionado anteriormente, desde a década de 70 essas empresas têm apresentado progressivos índices de vendas, movimentações financeiras e crescente poderio de influência sobre padrões de consumo e sociais. Isso fez com que as TNC passassem a ser vistas como grandes vilãs: ora como ferramentas do “imperialismo” americano; ora como difusoras de um capitalismo desenfreado. É verdade que são as grandes empresas, as maiores poluidoras do meio ambiente, também são, por meio de massivas estratégias de marketing, importantes formadores de uma “cultura global” e incentivadoras do consumismo. Além disso, ao utilizarem modernas máquinas acabam gerando desempregos estruturais. Contudo, são elas que possibilitaram o contato de povos distantes com produtos de outros locais, o fornecimento de medicamentos em larga escala e o desenvolvimento de tecnologias e inovações em todas as áreas da ciência, inclusive aquelas para sanarem o mal que causam (um verdadeiro paradoxo tecnológico). Transnacionais são ainda mais atacadas quando se trata de seu poder sobre os Estados. Por meio do seu poderio sobre diversos setores da economia, essas grandes empresas conseguem exercer determinada “pressão” sobre os Estados para que esses ora modifiquem suas leis a favor de interesses particulares da firma, ora implantem políticas que também as favoreçam, isso ocorre em vários países, principalmente em relação às leis trabalhistas, políticas de isenção fiscal e, conforme visto no capítulo anterior, com os DPI. Quanto a essa relação entre TNC e Estado, se estabelece um grande debate, não apenas quanto à autonomia dos países, mas também quanto aos direitos sociais, que por vezes são suprimidos por questões econômicas. Ocorre que as empresas buscam o maior retorno pelo menor investimento, quanto mais arriscado o investimento, mais se espera como retorno; enquanto governos mensuram de forma diferente seus ganhos, baseados em taxas de retorno Patentes: o regime internacional... 93 não apenas econômico, mas também social. Desta maneira, o que parece bom para as empresas, não necessariamente é para o país, principalmente porque a ótica primordial das TNC é uma ótica global, pois opera na dinâmica global, ao passo que o país, apesar de também estar nesse cenário, participa majoritariamente da dinâmica nacional, tendo assim, interesses, por vezes, muito distintos. “All our evidence shows clearly that multinational are not secondary at all. They are increasingly indispensable allies, whether liked or not. They too are competing for world market shares as a mean to wealth and survival. But whereas the state needs the production of the world market to be located on its territory, no matter who is organizing it, the firm needs the production for the world market to be under its ultimate control no matter where it is located – and in many cases, no matter who possess title to ownership.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.212) Um exemplo clássico dessa rivalidade se processa justamente no campo da inovação e tecnologia. É desejo de muitos países “hospedeiros” dessas TNC, que ocorra a transferência de tecnologia, ou seja, que a empresa não use os recursos do país apenas para produzir, mas que deixe nele um pouco de aprendizado, que transfira conhecimento, informação e a tecnologia utilizada por ela, a fim de aumentar a capacidade local do país na área. Porém isso nem sempre ocorre, na maioria dos casos esses recursos-chaves ficam retidos na sede da empresa e nos escritórios nacionais, como veremos mais adiante. Mesmo com tantas adversidades envolvendo essa relação TNC-Estado, há ainda muitos países, sobretudo os menos desenvolvidos, que disputam a presença de subsidiárias de grandes corporações. Segundo Stopdord, Strange e Henley (1991, p.215) é essa competição que parece ter reduzido consideravelmente o poder de barganha dos Estados, o que não significa dizer que eles não mantêm um considerável poder sobre as firmas estrangeiras, mas, que a razão das TNC estarem se sobressaindo é a natureza da competição por mercados mundiais, a nova estrutura produtiva mundial, que alterou o valor dos fatores controlados pelo Estado, como mão-de-obra e matéria-prima no mercado global, passando a valorizar mais os bens intangíveis, a inovação e a informação, os quais estão, na sua maioria, sob o poder de grandes corporações. “The interaction between governments wanting to change firms’ behaviour and firms resisting or acceding to pressure throws up a kaleidoscope of responses. The tussles between headquarters and subsidiaries can lead to unexpected outcomes that sometimes help and sometimes hinder host states.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.168) Cecília Megali Ogata 94 Não se pretende aqui esgotar esse embate a respeito dessa relação tão delicada entre Estado e TNC, o importante é não subestimar a potência de nenhum deles frente às modificações internacionais. 3.b – Pesquisa e Desenvolvimento Depois de uma visão geral de como as TNC chegaram ao patamar de desenvolvimento atual, como tem se relacionado com os novos modelos de produção e como tem influenciado na formação de novas estratégias e áreas de atuação, deseja-se agora analisar, em especial, a área de P&D dessas empresas. Esse aprofundamento em um determinado setor se faz necessário à medida que é nele que ocorrem as inovações, criações e é onde o conhecimento e a informação são os principais insumos. Mas também se pretende comentar a questão da pesquisa e do desenvolvimento (P&D) de maneira geral ao redor do mundo, suas influências no mercado global e suas tendências atuais. Primeiramente será feita uma análise da área de maneira mais abrangente, destacando sua importância e seu papel, enquanto parte de uma TNC e também como um setor da economia mundial. E, num segundo momento, debater a grande questão que se relaciona com os fatores intangíveis da empresa: esses ativos e essas habilidades desenvolvidos dentro da P&D são transnacionalizados? Ou se encontram localizados e centralizados nas matrizes dessas empresas transnacionais? 3.b.a – O que é e pra que serve P&D? A sigla P&D é cada vez mais conhecida ao redor do mundo, tanto por estudantes, quanto por governantes e empresários. Ela serve para designar um setor da economia e também uma área interna de algumas fábricas e organismos governamentais ou não, que se dedicam à Pesquisa de novos materiais, fórmulas e processos e ao desenvolvimento de modernos aparelhos, máquinas, modelos de gestão, produtos e serviços. Em resumo, é uma área que se dedica à inovação, seja ela em um bem físico ou em algo não palpável, como uma estratégia e serviços. Ela pode ser desenvolvida tanto pelo governo, em instituições de ensino, de pesquisa, em laboratórios nacionais e em empresas nacionais; quanto por universidades, públicas e privadas ou ainda por empresas de todos os ramos e tamanhos. Mantendo o foco do trabalho, a análise se concentrará neste último caso: as empresas, sobretudo as TNC. Patentes: o regime internacional... 95 A importância cada vez maior dessa área se deve ao fato de que, no mercado mundial, cada vez mais são os bens intensivos em tecnologia e conhecimento que estão sendo valorizados, em detrimento de outros intensivos em matéria-prima e mão-de-obra. Além disso, novos conceitos, como portabilidade, maleabilidade, flexibilidade, velocidade e design, estão se consolidando, exigindo das empresas o desenvolvimento de produtos cada vez menores, mais sofisticados, com mais funções e de rápido lançamento e disponibilidade comercial. “Even in the lowest-end producers, competing only on price, we usually found them making some affords at an R&D [Research and Development – Pesquisa e Desenvolvimento] function to come up with new products that would help them diversify and thereby lower the company’s risk.” (STRANGE, 2006, p.194) “Indeed, the proportion of goods in international trade with medium-high or high technology content rose from 33 percent in 1976 to 54 percent by 1996 (World Bank, 1999).” (RODRIGUEZ; SALMI; DAHLMAN, 2008, p.19) “(…) a company that introduces new technological products to the market has productivity 23 percent higher than a company that does not innovate. (…) In addition, a 1 percent increase in R&D intensity would be associated with increase of 0.2 percent in the firm’s productivity – and almost 0.5 percent for firms specialized in standard products.” (RODRIGUEZ; SALMI; DAHLMAN, 2008, p.83) Mas essas empresas também têm investido em outra forma de inovação, a reinvenção, ou seja, estão utilizando materiais e mecanismos já desenvolvidos, para novas funções, acrescentando modificações, realizando melhorias e com isso, economizando dinheiro e tempo sem deixar de inovar e se adaptar na mesma velocidade das demandas mundiais. Afinal, reinventar não deixa de ser inventar. Embora todos os tipos de empresa possam inovar, essa atividade ainda é majoritariamente concentrada nas TNC não só por demandar grandes investimentos, mas porque “On the one hand innovation is a key engine of internationalisation as it largely contributes to make it profitable to compete in foreign markets. On the other hand, internationalisation cretes important innovation opportunities. In this context, multinationals play a key role in the international exploitation and generation of innovative advantages.” (CASTELLANI; ZANFEI, 2006, p.9). Desta forma, a inovação e a transnacionalização caminham lado a lado, uma usufruindo da outra. Firmas com elevado gasto em P&D estão mais propícias a lançar inovações que poderão ser exploradas em diferentes mercados, não apenas em casa e, em contrapartida, se internacionalizando, a empresa tem mais acesso a novos e diferentes Cecília Megali Ogata 96 conhecimentos. Castellani e Zanfei (2006) acreditam que a vantagem competitiva não está em um único país, mas em vários e que quanto maior for a variedade de acessos, conhecimentos e inovações, mais dinâmica será a competição e que, quanto menor for o custo do conhecimento, maior será sua aplicação e o uso de tecnologias, o que, por sua vez, incrementará a divisão do trabalho inovativo. Em outras palavras, quanto maior for a capacidade e habilidade de lidar com diferentes contextos, maior será o acesso a oportunidades e menores os riscos, devido à possibilidade de contato com recursos heterogêneos, isso tudo facilita a atuação em diferentes mercados. No entanto, para aproveitar esse conhecimento “espalhado” ao longo do globo, a transnacional precisa de muita organização, inclusive para que o conhecimento e a inovação utilizados ou descobertos em um lugar possam ser transferidos de maneira correta aos demais. Segundo o relatório “Knowledge and Innovation for Competitiveness in Brazil”, do Banco Mundial, publicado em 2008, há três tipos de inovação: a criada, ou seja, que parte de um ponto zero, para algo totalmente novo; a adquirida e adaptada, que a empresa ou instituição tem acesso por meio de licenças, acordos ou contratos e adapta a sua realidade particular; e a absorvida e utilizada, que se vale de recursos internos ao país de origem para inovar e criar. O que mostra que a inovação não está apenas na criação de objetos totalmente novos, por exemplo, o caso do McDonalds, cuja empresa não criou algo novo, mas criou uma nova categoria de mercado, o conceito de fast foods: “[...] a inovação tem mais a ver com a busca pragmática da oportunidade do que com idéias românticas sobre a fortuna acidental, ou com pioneiros solitários que pugnam por sua visão contra todas as adversidades.” (VALÈRY, 2000, p.311). Compartilha desta mesma idéia a pesquisadora do MIT, Susan Strange (2006, p. 146): “[...] the core strenghts of innovative and successful companies are not located in the products themselves, but rather in the capabilities a firm possesses and develops for carrying out particular functions.”. Desta maneira, fica claro que a inovação dentro das TNC não precisa partir necessariamente de laboratórios de P&D, mas podem ser oriundas de todos os setores dela, é afetada pela sua organização e acaba influenciando o IED. Contudo, deve-se deixar claro que, à luz da teoria de Shumpeter, um produto, serviço ou processo, totalmente novo garante ganhos muito superiores à simples incrementações, como o inventor do MP3, gerou uma revolução muito maior do que o do MP4, que apenas aumentou algumas funções e capacidades do aparelho. É em busca dessa vantagem que as TNC têm investido cada vez mais em P&D. Alguns dados confirmam essa idéia: Patentes: o regime internacional... 97 Década de 1990 o investimento em P&D dos países da OCDE e Coréia do Sul esteve acima de 2% do PIB. (BUAINAIN, et al. s/d51, p.1) Das 700 empresas que mais investem em P&D, 98% são transnacionais, algumas delas investem mais do que todos os gastos de alguns países desenvolvidos, como Espanha, Israel e Suíça. (CASTELLANI; ZANFEI, 2006, p.1) Empresas líderes em tecnologia, como IBM e Fujitsu, gastam em média 10% dos seus dividendos em P&D e as farmacêuticas, 20%. 80% das realizações em P&D nas principais economias mundiais advêm das TNC (GOMES, 2006, p.14) Esses dados mostram como as empresas têm consciência da importância de se investir em P&D para se manterem na dianteira do mercado internacional. “Firms will differ in their international involvement according to their endogenous choices to invest in competence creation and innovation.” (CASTELLANI; ZANFEI, 2006, p.82). “Their [transnacionais] investments in competitive innovation have proved decisive in determining who gains leadership on the world stage and who loses. (…) The dynamics of competition are such that firms’ capacities can be regarded as more important than industry-level economics in determining the international division of labour for specific projects.” (STOPFORD, STRANGE, HENLEY, 1991, p.66). “In sum, these results point two distinct channels for becoming stablished in the market as an innovative firm. One channel in through more sophisticated inventive activities – thatis, R&D in the conventional sense. This kind of activity may or may not translate into salable products, but once it does, a firm well positioned to widen its portfolio of products in the marketplace. The second channel is through high-skilled workers who are able to transform existing technologies into new products.” (RODRIGEZ; DAHLMAN; SALIM, 2008, p.87) 3.b.b – Concentração ou não? Uma vez compreendido melhor a que se destinam os laboratórios e escritórios de P&D e a sua importância dentro da TNC, cabe agora abordar uma questão corrente a cerca do grande debate que se instaurou sobre a internacionalização ou não dessa área da empresa. De um lado estão aqueles que defendem que o setor, por ser tão estratégico para a competitividade da empresa, não é colocado “fora de casa”, a fim de evitar riscos; e do outro 51 Disponível em: http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/sti/publicacoes/futAmaDilOportunidades/futIndCadProdutivas.php acessado em 8/12/2009 às 14h Cecília Megali Ogata 98 lado, estão aqueles que acreditam que a internacionalização dessa área contribui para o desenvolvimento da empresa por colocá-la em contato com mais conhecimentos e maiores oportunidades. De acordo com os estudiosos desta segunda hipótese, as principais vantagens e razões para a empresa instalar centros de P&D em outros países são: o acesso a maiores volumes de informação e diferenciados tipos de conhecimento; o caráter indisciplinar da ciência, que por si mesma, tende a dispersar; a possibilidade de estabelecer diferentes arranjos de cooperação; ter acesso a mais recursos para inovar e com isso adquirir e acumular vantagens competitivas; aumentar as possibilidades de especialização; maior facilidade de proteger inovações já desenvolvidas; contato e acesso a novos mercados; e a importância do saber técnico e do conhecimento tácito, que se encontra em cada indivíduo e nação e que não podem ser compartilhados ou adquiridos de outra forma senão pelo aprendizado direto e contato com as pessoas. Os professores italianos, Davide Castellani e Antonello Zanfei, acreditam que a internacionalização da P&D não apenas existe como tende a ser aumentada devido a essas importantes vantagens que ela oferece. Para eles, “Enterprises and business units belonging to the multinational group and located in different countries are not only able to passively adapt knowledge generated elsewhere. They are also able to generate and circulate new information, and are more and more tied to one another by means of cultural (value and languages, rather than hierarchical linkages. ” (CASTELLANI; ZANFELI, 2006, p.23). Os autores defendem que as subsidiárias contam e devem contar com autonomia para lidarem com os desafios e oportunidades do ambiente local, mesmo estando sempre ligadas a uma coesão interna. Isso porque, desta maneira, as filiais podem desenvolver projetos e produtos que melhor se adaptem à cultura local, à capacidade de absorção de aprendizado dela e ao consumidor local, conseguindo criar vantagens com base nas competências locais disponíveis. Além disso, estando em contato com outros diversos conhecimentos, muitas vezes complementares aos que a empresa já possui, a subsidiária pode produzir novas tecnologias. Portanto, para esses autores italianos, as principais vantagens na internacionalização da P&D são: aumento do processo de aprendizado pelo contato com diferentes pessoas, culturas e conhecimentos; redução dos riscos, pelo conhecimento mais profundo do local e consumidores; transmissão e captação de conhecimento tácito, que só ocorre quando em contato direto com as pessoas e lugares, assim como o conhecimento social, intrínseco a cada sociedade. Eles apresentam mais uma vantagem de que a produção no exterior de P&D seria Patentes: o regime internacional... 99 benéfica ao país receptor dessas subsidiárias, devido à transferência de tecnologia, possibilidades de treinamento e financiamento e melhora na competição internacional do país. Contudo, não dispensam a existência de um escritório central com função de impor normas para a produção internacionalizada da P&D, não com intuito de centralização, mas para evitar que as subsidiárias deixem de repassar suas “descobertas” e deixem lacunas na transmissão de informação intra-firma. Também Rogério Gomes52 defende esse mesmo ponto de vista. Segundo ele, a internacionalização da P&D é o “IED procurando ativos estratégicos” (2006, p. 141), movimento que, segundo o mesmo autor, se inicia na década de 80. Esses laboratórios de P&D podem ser classificados em quatro tipos, de acordo com a função que realizam. O primeiro deles seria o “laboratório de suporte local”, que realiza atividades tradicionais de adaptação e confecção de produtos e processos, ajustando-os de acordo com as especificidades periféricas e do local onde se encontram. O segundo tipo seria o “laboratório integrado de suporte”, responsável por atividades como definição de formato comercial, fontes de pesquisa especializadas e adaptações de acordo com a demanda de clientes. O terceiro deles é do tipo “regionalmente integrado” que se dedica a criação de produtos de implementação aos produtos das transnacionais, com estreitamento de funções de engenharia, comercialização e administração. E, por fim, os “laboratórios internacionalmente integrados”, que atuam na pesquisa básica e aplicada para a transnacional, integrando-se com outras unidades do mesmo tipo, independentemente da produção subsidiária. Nesses laboratórios a autonomia é proporcional à complexidade das atividades que realizam, quanto mais complexa, mais independente da matriz é a subsidiária. Gomes, em “Empresas Transnacionais e Internacionalização da P&D”, defende como tese central, que este movimento que se inicia na década de 80, “[...] tem se expandido consideravelmente tanto quantitativa, como qualitativamente, resultando em uma reconhecida tendência de fortalecimento da P&D nas unidades em países estrangeiros.” (2006, p.142). Para ele, diferentemente do que propõem os estudos tradicionais do assunto, a P&D não é geograficamente localizada nas nações industrializadas e nem centrada no país de origem, as forças que retiam esse setor, como economia de escala53, economia de aglomeração54, 52 Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Economia , com ênfase em Crescimento, Flutuações e Planejamento Econômico. Atuando principalmente nos seguintes temas: redes de produção, redes de inovação, laboratórios de P&D, Descentralização, Dispersão e duplicação de P&D. 53 "Existe economia de escala quando a expansão da capacidade de produção de uma firma ou indústria causa um aumento dos custos totais de produção menor que, proporcionalmente, os do produto. Como resultado, os custos médios de produção caem, a longo prazo". (Bannock et alii, 1977). "Aquela que organiza o processo produtivo Cecília Megali Ogata 100 demanda e mecanismos de controle e coordenação, já não são suficientes para contrariar o movimento global de transações de pessoas, produtos, conhecimentos, informações e ciência. Embora o autor acredite na crescente internacionalização dessa área, com uma leitura mais detalhada do livro, percebe-se que em vários pontos ele mesmo evidencia a forte tendência ainda a concentrar e localizar esses fatores estratégicos da empresa: “Ainda que as atividades de P&D executadas pelas ETNs [empresas transnacionais] se mantenham geograficamente mais concentradas que outras formas de investimento direto estrangeiro (IDE) e mais circunscritas às nações industriais, a nova organização industrial que emerge da luta competitiva tornada global está forçando a crescente dispersão das funções de maior valor adicionado.” (p.131 [grifo nosso]) “É por intermédio da terceirização de todas as atividades não relacionadas diretamente com o estabelecimento e a manutenção do poder de mercado, que as empresas detentoras de marca mundiais reafirmam o amplo controle das funções de alto valor adicionado, como, por exemplo, a definição, a concepção e a comercialização do produto.” (p.17 [grifo nosso]) “Em geral, excetuando-se as estratégias de marketing e o “núcleo duro” da P&D, grande parte das demais funções estão sendo terceirizadas.” (p.67 [grifo nosso]) Rogério Gomes ainda afirma (p.98) que as empresas líderes tecnológicas estão mais aptas a expandir suas atividades além-fronteiras. Essa afirmação parece bastante óbvia, pois uma vez que a empresa se tornou líder, conta com mais recursos e segurança (inclusive financeira) para arcar com essa expansão. No entanto, deve-se ter em mente que a maioria dessas empresas só atinge a posição de líderes depois de terem centralizado fortemente seus recursos principais, como P&D, quando partem para a internacionalização deles é porque já possuem condições de se manterem na dianteira. O autor cita o caso da Nokia, que em 2001, iniciou um processo de transferência para subcontratadas da maior parte de suas fábricas de equipamentos para infra-estrutura e componentes, excetuando as unidades produtoras de celulares. Mas, deve-se perceber que essa exceção não foi aleatória: este é o principal produto de maneira que se alcance, através da busca do tamanho ótimo, a máxima utilização dos fatores que intervêm em tal processo. Como resultado, baixam-se os custos de produção e incrementam-se os bens e serviços". (SAHOP, 1978). Disponível em:http://portalgeo.rio.rj.gov.br/mlateral/glossario/T_Economia.htm#e acessado em 30/03/2010 às 11:42h 54 Economias de aglomeração consistem em ganhos de produtividade que são atribuídos à aglomeração geográfica das populações ou das atividades econômicas. “Como a fonte dos ganhos de produtividade se situa no exterior das empresas, no meio que as rodeia, fala-se de economias externas ou externalidades [...]” (POLÈSE, 1998, p.77). Disponível em: http://www.eumed.net/tesis/jass/9.htm acessado em 30/03/2010 às 11:59h Patentes: o regime internacional... 101 da empresa, como o próprio autor deixa claro ao dizer: “O grupo Nokia gasta aproximadamente 8% do total das vendas em atividades de P&D e metade deste percentual no segmento de telefonia móvel.” (2006, p. 185). Nesse sentido é que se estabelece a corrente divergente à internacionalização de P&D. Segundo os pesquisadores da área, a P&D, por ser um ativo essencialmente estratégico para a transnacional nesse panorama internacional globalizado e de crescente valorização do conhecimento, da informação e das tecnologias, não é internacionalizada. Pois, isso significaria por em risco os elementos-chave para a competitividade da empresa no mercado mundial. Ela estaria sujeita a ter suas inovações copiadas e disseminadas para outras empresas, ou mesmo ficaria sujeita à vontade da subsidiária em transferir tal inovação. “As firms have increased their presence in foreign markets, some distancing form their home economies have taken place and their national identities have been attenuated; yet, the greater part of firm’s production, R&D, and activity remains in the home economy.” (GILPIN, 2001, p.294) “Furthermore, control over corporate finances is normally retained in the home country. The key elements of research and development are also still retained in the home economy” (GILPIN, 2001, p.299) José Eduardo Cassiolato e Helena Maria Martins Lastres, estudiosos da área e defensores do “não-tecnonoglobalismo”, afirmam que a não internacionalização da P&D se deve ao fato de sua natureza estratégica; à necessidade de manutenção da sua coesão interna. Eles entendem que há sim, descentralização da P&D em algumas empresas (muito mais em Desenvolvimento do que em Pesquisa), mas que quando isso ocorre, é feito com grande coordenação centralizada e se dirige a países desenvolvidos. “Aponta-se também, contrariamente ao que se apregoa, considerável inércia na internacionalização das atividades de P&D por parte das EMs [empresas multinacionais]: estas não internacionalizam suas atividades de P&D na mesma proporção em que internacionalizam suas atividades produtivas.” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p.1231) “A globalização tende a reforçar o caráter cumulativo das vantagens competitivas dos grandes conglomerados, cujo campo de atuação é cada vez mais global, mas cujas redes e centros de decisão localizam-se em seu próprio país.” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p.1243) “Most R&D remains at home, too. In 2000, U.S. multinationals carried out R&D expenditures of $131.6 billion (87 percent of the total) in the United States while doing $19.8 billion of R&D in their overseas affiliates” (BERGER, 2006, p.281) Cecília Megali Ogata 102 Segundo o artigo 7 do TRIPS: “A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social e econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.” Mas os dados mostram que essa transferência não é levada em consideração pela maioria das empresas transnacionais e seus países de origem: 73,2% de todas unidades de P&D se concentram nos Estados Unidos, União Européia e Japão. (CASSIOLATO; LASTRES, 2005). De acordo com Paulo César Siqueira, coordenador executivo do acompanhamento e avaliação do Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (PRONEX) do CNPq, transferência de tecnologia pode ser definida como: “processo pelo qual a indústria incorpora ao seu patrimônio uma tecnologia desenvolvida em um outro setor ou por uma outra agência, pertencente ou não à mesma empresa. No plano internacional, indica a incorporação ao patrimônio de um país de uma tecnologia desenvolvida no exterior.” (2000, p.1) No caso do Brasil isso é especialmente verdade: apesar de o país ser um importante receptor de IED, ele é pouco importante objeto de gasto com P&D por parte das subsidiárias. “Porém, o aumento dos IED no Brasil nos anos 90 não foi acompanhado por uma ampliação dos gatsos com P&D por parte das subsidiárias das EMs [empresas multinacionais] norte-americanas. [...] Os gastos em P&D das subsidiárias norte-americanas na União Européia, Japão e Canadá representavam 79,2% do total em 2000” (CASSIOLATO, LASTRES, 2005, p.1228). No Brasil, os gastos em P&D são majoritariamente públicos e bastante vinculados às grandes empresas nacionais, como Embraer, Petrobrás, Embrapa, Usiminas, entre outras. De acordo com um estudo do Banco Mundial, publicado em 2008, sobre o conhecimento e a inovação no Brasil para desenvolvimento de competitividade, 55% do investimento em inovação no país vem do governo, contra apenas 30% nos Estados Unidos. Mas o país não está deficitário apenas quando comparado com potências mundiais, em 2000 apenas 0,18% das patentes mundiais foram brasileiras, contra 1,7% da Coréia do Sul, um país também de médio desenvolvimento. Ainda segundo o documento, a má infra-estrutura de telecomunicações, estradas, portos, aviação, energia e a carência de investimentos em educação são grandes obstáculos a serem superados para incrementação dos mecanismos de inovação no país. Além disso, a P&D desenvolvida aqui é efetiva em gerar conhecimento conceitual, não inovador e 103 tecnológico, isso acaba por desconectar as academias das empresas, deixando uma lacuna entre o conhecimento produzido e o efetivamente utilizado. Como se pode perceber a área de P&D é fundamental para as inovações da empresa, não é a única capaz de inovar, mas é de onde surgirão as invenções pioneiras e as que gerarão mais lucros e ganhos competitivos. Por isso as TNC tem destinado tanta verba para o seu desenvolvimento e aprimoramento, mas também para sua proteção, afinal é ela a “galinha dos ovos de ouro”. Dada essa importância, fica mais fácil a compreensão do porquê de concentrar e localizar esses setores junto à cabeça da empresa, aos líderes e ao país de origem. Embora algumas evidências, como estudam Gomes, Castellani e Zanfei, mostrem que há um crescimento na internacionalização da P&D, isso só ocorre quando a empresa já é líder de mercado, ou seja, está num patamar superior na competição global; ou quando ela tem uma estrutura interna muito organizada capaz de manter sob controle todas as subsidiárias; ou quando o país ou região alvo é desenvolvido. “They [transnacionais] insisted on retaining complete ownership and control over those newer technologies which the thought might produce world-class products” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.168) 3.c - A importância das patentes para as transnacionais Embora o título do capítulo e do próprio trabalho se relacionem à importância específica das patentes para as TNC se fez necessário uma abordagem preliminar do panorama mundial no qual essas empresas transnacionais se inserem e de onde surgiram não apenas elas, mas também os Direitos de Propriedade Intelectual (capítulo 1), passando-se depois para uma análise de como funcionam e se consolidaram os DPI, em especial as patentes (capítulo 2) e agora, focando-se nas empresas e em como utilizam e precisam desses direitos/recursos. Uma vez analisadas essas informações prévias, já se tem uma idéia, a partir da maneira como foram consolidados os DPI e de como as empresas globais buscam obter ganhos cada vez maiores no mercado e de que as patentes funcionam essencialmente como proteção aos ativos mais estratégicos das TNC: a inovação. Por isso, esse capítulo pretende realizar uma junção das idéias discutidas ao longo do texto para sintetizar o pensamento que se procurou demonstrar no trabalho. Há alguns séculos, pensar em patente significaria pensar em proteger o inventor, premiá-lo com um direito exclusivo. Atualmente, pensar em patente é pensar em proteger também, mas não apenas uma pessoa e, sim, uma empresa inteira, uma equipe de cientistas 104 que dedicaram a vida a uma descoberta, o esforço de equipes imensas de P&D e um nicho de mercado. Além de significar a busca por recompensas pelo elevado investimento financeiro e de tempo. Essa amplitude que a proteção patentária tomou deve-se primeiramente às mudanças que vem ocorrendo desde a década de 70, quando um novo paradigma tecnológico (de avanços na área da informática, da comunicação, dos transportes e outras) se impôs sobre o antigo modelo de produção hierarquizado, rígido e centralizado na obtenção de ganhos por menores preços de matéria – prima e mão-de-obra. No novo modelo flexibilizado, que se espalha pelo mundo, a busca de vantagens ocorre em diversas áreas, intensifica-se a terceirização da produção e se preocupa mais em competir nas inovações do que nos preços. “A primeira coisa a desaparecer é a concepção tradicional do modus operandi. Depois de muita demora, os economistas estão saindo do estágio em que viam apenas a competição por preços. Logo que as concorrências de qualidade e do esforço de venda são admitidas nos sagrados recintos da teoria, a variável preço é desalojada de sua de sua posição dominante. Entretanto, a atenção ainda é praticamente monopolizada pela concorrência dentro do padrão rígido de condições invariantes, em particular, métodos de produção e formas de organização industrial. Mas, na realidade capitalista, diferentemente de sua descrição de livro-texto, não é esse tipo de concorrência que conta, mas a concorrência através de novas mercadorias, novas tecnologias, novas fontes de oferta, novos tipos de organização (a grande unidade de controle em larga escala) – concorrência que comanda uma vantagem decisiva de custo ou qualidade e que atinge não a fímbria dos lucros e das produções das firmas existentes, mas suas fundações e suas próprias vidas. A eficiência desse tipo de concorrência, perto do outro, é assim como um bombardeio comparado a se forçar uma porta – e é tão mais importante que passa a ser relativamente indiferente saber se a concorrência no sentido comum funciona mais ou menos prontamente; em qualquer dos casos, a poderosa alavanca que, no longo prazo, expande a produção e reduz os preços é feita de outro material.” (SHUMPETER, 1984, P.114 [grifo nosso]) Esse raciocínio é chave para se entender a importância das patentes para as TNC: a partir do momento em que os preços deixam de ser o mais importante na competição global, não basta fazer o computador mais barato, ele tem que ser mais barato, mais equipado, com mais funções e disponível em pouco tempo para o consumo. Dessa maneira, obter mão-deobra e matéria-prima mais baratas é necessário, mas não são eles os geradores de vantagens competitivas. Essas vantagens estarão em outros recursos, frutos da capacidade de inovar da empresa, seja nos seus serviços ou produtos. Isso fez também, com que o ciclo de vida das invenções se reduzisse drasticamente, sendo lançados no mercado vários produtos a cada mês, fazendo com que o prazo de lançamentos seja fundamental para o sucesso da firma. Patentes: o regime internacional... 105 “No mundo contemporâneo, o desenvolvimento econômico baseia-se, fundamentalmente, na capacidade de os países gerarem, apropriarem-se e aplicarem o conhecimento na geração e distribuição de riquezas. A própria riqueza vem assumindo, cada vez mais, formas intangíveis. O ativo intelectual das empresas é a base sobre o qual se assenta a competitividade. [...] No processo de concorrência as inovações se traduzem na invenção de novos bens e serviços e na contínua reinvenção das coisas.” (BUAININ; et al, s/d55, p.1). “Em suma, a “informação processada”, isto é, “o conhecimento”, passa a ser a pedra de toque do novo padrão de competição. Mais competitiva será a empresa que dispuzer de mais ciência, mais tecnologia e mais cooperação das pessoas e da rede de entidades conectadas com sua produção e com seu mercado.” (PASSOS, 2000, p.149). “Intangible advantages are created by investments in technology, marketing and skills organization. These provide firms with product and service differentiation that allows them to compete on other bases than merely those of costs and prices. These ‘intangibles’ are growing in importance in NFP [New Form of Production – Nova Forma de Produção] structures to provide alternative forms of scale benefit to leading firms and erect further barriers to entry.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.75) Devido a esse novo panorama internacional, as TNC buscam se manter enquanto empresas competitivas no mercado investindo em pesquisas de longo prazo que garantirão opções futuras e assim, maior flexibilidade da companhia para reagir às incertezas de mercado. Sabendo que seus produtos e serviços estão ficando cada vez mais sofisticados para atender aos seus consumidores e cada vez mais repletos de inovações, que exigem grandes investimentos, as TNC precisam buscar equilibrar seus gastos, “economizando” em outras áreas nas quais a mão-de-obra possa ser mais barata, os insumos mais acessíveis e o trabalho menos elaborado. “It is also pretty evident that, in manufacturing – and indeed in mining and agriculture – the nature of innovatory technology is such that both the products and the process of their production are becoming more capital intensive and less labour intensive than those they replace. The combination of added costs of investment and diminished time for the realization of profits from the product or process has effectively pushed firms into seeking larger markets from which to extract the income necessary to amortise the debts incurred for capital investment in time to be ready for next wave of 55 Disponível em: http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/sti/publicacoes/futAmaDilOportunidades/futIndCadProdutivas.php acessado em 8/10/2009 às 14h Cecília Megali Ogata 106 technological innovation. This, it is now argued, is a more powerful force behind the internationalization of industrial production than saving in transaction costs made possible by enlarging the size and scope of the firm.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.77-9 apud STRANGE, 1998, p.27 e 28) “Although some of the most important MNCs [multinacionais] are not hightech, it is not coincidental that many MNCs predominant in industries characterized by extensive and expensive research and development activities. Obviously, such firms are anxious to appropriate for themselves all the results of their R&D effords.” (GILPIN, 2001, p.284) Como os custos e riscos dos investimentos em P&D são muito elevados, muitas empresas, a fim não ficarem à margem do processo atual de competição mundial, tem buscado alternativas. Algumas realizam parcerias com universidades e centros de pesquisa nacionais e outras buscam outras empresas que terceirizam esses serviços, são as chamadas empresas de “pesquisa sob contrato”. Nos dois primeiros casos há alguns complicadores devido a questões burocráticas, como o preço a ser cobrado, visto que laboratórios públicos fazem uso de um bem público; para quem fica a patente da invenção; quem trabalhará no projeto e como vai receber. Mas também, oferece uma considerável economia tendo em vista que tais centros de pesquisa já dispõem de infra-estrutura e pessoal treinado. O caso das empresas de “pesquisa sob contrato” é diferente porque se trata de uma empresa, como outra, mas cujo produto é uma idéia, uma inovação, uma invenção. Essas indústrias surgiram na década de 50 para atender a necessidade de pequenas e médias empresas, mas hoje já existem várias em diversos países que prestação serviços inclusive para grandes transnacionais. De acordo com Rogério Gomes (2006), a terceirização da produção de P&D reduz os riscos da expansão do setor para outros países, diminui o custo de se manter uma capacidade ociosa e possibilita maior flexibilidade na organização e expansão geográfica da firma. “The spurs to create aliances are the rising costs of research, the quickening pace of technological change and the costs of entry to heavily regulated markets. All these mean that even large multinationals may not have sufficient resources to succeed on their own. Alliances provide the mix of scale and flexibility needed to generate sufficient revenues for nextgeneration product development. [...] Alliances include many forms of joint venture, outsourcing agreements, product licences and co-operative research. They differ from older forms of association in that they are twoway trades of complementary strengths among competitors.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.92) Patentes: o regime internacional... 107 A ausência de um sistema eficaz de patentes pode ser tão prejudicial quanto um sistema muito rígido, pois, como defendem Stopford, Strange e Henley (1991), muitas empresas preferem não patentear e manter a invenção sob segredo, do que contar como fizeram e tornar isso público: “[...] the patent system does not give away the vital clue to an innovative product of process, innovating enterprises now increasingly prefer to keep their knowledge to themselves in order to preserve their options on when, where and how to market it.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.38). “Despite, or perhaps because of, the TRIPS debate, many firms increasingly rely on unpatented ‘know-how’. […] many are also reluctant to issue licences in key territories for fear of creating new competition.”( STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.215). “The resultant exports are, however, dependent upon the multinationals; relatively few local suppliers have yet broken out to provide an independent, though necessarily volatile, supply capability. The price of such dependency is that local suppliers are vulnerable when each new generation of technology arrives to upset existing patterns of supply.” (STOPFORD; STRANGE; HENLEY, 1991, p.87). Embora muitos autores entendam e justifiquem a importância das patentes para as empresas e até mesmo como um direito do indivíduo, a questão sobre os desequilíbrios entre países ricos e pobres, entre empresas nacionais e TNC e entre os lucros e o bem social ainda é uma problemática corrente. Pois não há como negar que há sim, elevada concentração de desenvolvimento tecnológico e científico e processamento de conhecimento nos países historicamente mais desenvolvidos e nas empresas que conseguiram se inserir na lógica global. “Como 96% das patentes industriais registradas no mundo constituem privilégios concedidos a titulares residentes em países desenvolvidos, à tais nações deveriam naturalmente caber as obrigações contidas no Artigo 7 de TRIPS, na busca de um melhor balanço entre direitos e obrigações.” (ALÁRIO JR; OLIVEIRA, 2000, p.50 e 51). Além de fatores históricos e da desigualdade de poder de barganha no estabelecimento do Regime Internacional de DPI, os países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo ainda encontram outro grande complicador: o desconhecimento a respeito do que vem a ser as patentes e de como elas podem ser lucrativas. “Conforme dados da Association of University Technology Managers, a taxa de patenteamento na universidades aumentou consideravelmente desde a implantação da Bayh-Dole Act56. O estudo da AUTM nas 13º principais 56 “The Bayh-Dole Act allows for the transfer of exclusive control over many government funded inventions to universities and businesses operating with federal contracts for the purpose of further development and commercialization. The contracting universities and businesses are then permitted to exclusively license the Cecília Megali Ogata 108 universidades indetificou ainda a existência de 9300 licenças ativas de comercialização.” (SCHOLZE; CHAMAS, 2000, p.86) Ainda de acordo com essa pesquisa, descontadas as despesas e a parcela que permanece para instituição, a média de premiação do pesquisador corresponde a 8 mil dólares ao ano. “[...] o baixo desempenho das universidades e centros de pesquisa brasileiros, relativamente ao patenteamento de suas invenções, deve-se, entre outros fatores, à falta generalizada de reconhecimento de que a patente constitui importante indicador tecnológico, revelando a excelência tecnológica da instituição, bem como aos desconhecimento dos benéficos econômicos da exploração dessas criações intelectuais.” (SCHOLZE; CHAMAS, 2000, p.88). Alguns institutos de pesquisa, como EMBRAPA e FIOCRUZ e algumas universidades como a Federal de São Carlos, a Federal do Rio de Janeiro, a Universidade de São Paulo, a Estadual de Campinas e a Federal de Minas Gerais criaram políticas, grupos e fundações de apoio ao assessoramento dos inventos e das patentes destes a fim de tentar reverter essa situação. Outro problema levantado pelos países menos desenvolvidos é a questão da duração da patente, como já comentado no capítulo anterior, de 20 anos que cria um monopólio sobre a invenção. Contudo, na lógica das empresas, que não é a mesma dos Estados, é justamente esse monopólio que se busca, pois sua obtenção significa maior competitividade e a exclusividade lhe garante lucratividade muito superior. Além disso, segundo uma pesquisa feita por alunos da Faculdade de Economia e Administração da USP (2008) publicada em Revista de Administração e Inovação, a proteção a uma inovação por apenas cinco anos não é suficiente para que as maiores empresas do mercado consigam alguma vantagem competitiva além do retorno dos gastos com P&D. Mas, de acordo com Denis Borges Barbosa57 devido à grande capacidade de dispersão do conhecimento e dos bens imateriais, o não retorno dos investimentos em atividade econômica de pesquisa seria bastante prejudicado, ocorrendo uma falha de mercado. A fim de inventions to other parties.” Datada de dezembro de 1980. (disponível em: http://www.cptech.org/ip/health/bd/ acessado em 18 de março às 15:28h). 57 Advogado e professor carioca atua nas áreas de direito internacional e direito empresarial, mais especificamente nas áreas de propriedade intelectual e características jurídicas do mercado. Inclusive foi Delegado e Assessor e várias Conferência Diplomáticas e reuniões internacionais na World Intellectual Property Organization, United Nations Conference on Trade and Development, General Agreement on Trade and Tariffs, assim como em reuniões bilaterais com vários Governos estrangeiros. Atuou ou atua como consultor para a UNCTAD, a OMS, o ICTSD-UNCTAD, o Sistema Econômico Latino Americano, o Itamarati, o INPI, o Ministério da Saúde, o Ministério da Ciência e Tecnologia (CGEE) e o CADE. Disponível em: http://denisbarbosa.addr.com/denis2.htm acessado em 24 de março de 2010 às 9:47h. Patentes: o regime internacional... 109 se corrigir essa falha é que foram criados os DPI, no entanto, à medida que esses permitem um monopólio, estariam criando uma nova falha de mercado. Desta maneira, o debate entre as empresas e os Estados a respeito dos DPI, e principalmente das patentes, é constante, não podendo se defender apenas o lado estatal, pois: “As empresas respondem por mais de 70% dos inventos patenteados no mundo, posto que a patente de invenção é um bem econômico de alto valor comercial por gerar um monopólio de mercado que assegura elevado retorno aos investidores bem sucedidos. São as empresas que respondem, no mundo inteiro, pelos pesados investimentos de longo prazo e elevado risco aplicados em patentes de invenção, ainda que generosamente subsidiados pelos governos, e que se traduzem em retornos comerciais consideráveis (vide situação privilegiada da industria farmacêutica norte-americana, cuja lucratividade é o dobro da média apresentada pelo setor químico). “Estimase, a nível internacional, que a cada US$ 1,5 a US$ 2 milhões investidos em P&D, deva surgir uma patente de invenção.” (ALÁRIO JR; OLIVEIRA, 2000, p.46 e 47) No pós-guerra, o padrão de competição internacional se baseava em vantagens comparativas estáticas, ou seja, os determinantes eram mão-de-obra barata, recursos naturais disponíveis e acesso a mercados. Os ativos intangíveis eram incorporados aos produtos, marcas e máquinas de maneira mais simples e já maturadas, o que facilitava a proteção. Era uma competição sensível a preços e a diferenciação se processava na maneira como eram aproveitados e utilizados os insumos. A partir de 1970, esse padrão se modifica, para uma competição “centrada na capacidade de traduzir desejos ou necessidades em produtos” (AVILA, 2006). Em outras palavras, a competição agora é por vantagens comparativas dinâmicas, pautadas em diferentes e modernas tecnologias e na constante atualização e transmissão de conhecimentos e informações, impulsionadas pelos avanços nas áreas de comunicação e transportes. Aumentase a importância dos ativos intangíveis e da inovação os quais por sua vez são muito fáceis de serem dispersados, isso faz com que a proteção se torne mais necessária. Contudo, tão importante quanto ter a idéia e protegê-la é a capacidade de realizá-la no mercado antes que seus concorrentes a façam. “A propriedade intelectual possibilita transformar o conhecimento em princípio um bem quase-público em bem privado e é o elo de ligação entre o conhecimento e o mercado (Lastres; Ferraz, 1999). A intensidade do desenvolviemnto científico e tecnológico, a aproximação e a interpenetração entre ciência e tecnologia (aproximando a ciência do mercado de forma não experimentada anteriormente), a redução dramática do tempo requerido, a redução do ciclo de vida dos produtos no mercado; a elevação dos custos de Cecília Megali Ogata 110 pesquisa e desenvolvimento e dos riscos implícitos na opção tecnológica; a incorporação da inovação como elemento da ampliação da competitividade; e, particularmente, a capacidade de codificação dos conhecimentos, aumenta a importância da proteção à propriedade intelectual como mecanismo de garantia dos direitos e de estímulo aos investimentos.” (BUAINAIN; CARAVALHO, 2000 apud BUAINAIN et al, s/d58, p.2) De acordo com relatório do EPO, a função primeira da patente e das demais formas de PI é permitir que a inovação seja transacionada e que produtos e serviços sejam trazidos ao mercado de uma forma que justifique o investimento prévio para desenvolvimento desses bens, no entanto, o relatório ressalta que, devido às mudanças na forma organizacional e de produção das empresas (inclusive com aumento da terceirização) o propósito e o valor das patentes tem se modificado de apenas uma forma de proteção para partes fundamentais dos ativos da empresa. “So business now sees patent rights as a financial assets as well as a right to a potential monopoly. The biggest companies, with the largest portfolios of patents, deploy armies of researchers, accountants and lawyers to evaluate opportunities around the exploitation of their patents. And they understand that the value of these assets is dependent on a workable system of regulation that is, in fact, already abroad.” (EPO, 2007, p.35) Então, as principais motivações para as empresas buscarem o mecanismo de patentes seriam cincoa: a exploração comercial como ativo de alto valor agregado, a possibilidade de fazer licenciamentos e licenciamentos cruzados, a prevenção contra a imitação, o bloqueio o acesso dos concorrentes a determinadas tecnologias e a manutenção uma elevada reputação no cenário mundial, uma vez que as patentes funcionam como fortes indicadores de performance. Para as grandes empresas são interessantes principalmente aquelas patentes que cobre muitos aspectos marginais e tecnologias mais simples, pois essas patentes ficam, assim, mais sujeitas a infrações de outras firmas e, consequentemente, ao pagamento de royalties. Também de acordo com esse relatório, à medida que algumas empresas alocam em outros países algumas atividades ligadas à P&D, a tendência a se preocupar com a proteção e as patentes desses inventos e inovações é aumentada. Isso comprova o que já havia sido dito anteriormente: mesmo quando a empresa externaliza alguma atividade de P&D, ela mantém sob seu domínio os frutos dessa atividade e busca logo obter o direito de propriedade do bem (tangível ou não) para si. 58 Disponível em: http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/sti/publicacoes/futAmaDilOportunidades/futIndCadProdutivas.php acessado em 8/10/2009 às 14h Patentes: o regime internacional... 111 “Some multinationals are starting to see the threat from this development and are already changing the way they exploit their patents portfolio in order to head off competitionfrom emerging companies – before the tipping point. The OECD59 report cities Hitachi, which earned licensing revenues of ¥ 43 bn in 2002, then changed its licensing policy in 2003 from one of openness to a more closed approach. “to preserve its competitive advantages through greater control of inventions.”. Why? The rapid improvement in the technology of Korean and Chinese competitors. The OECD concludes that “holding strong patents seems to be a key success factor”, a lesson not lost on South Korea in particular.” (EPO, 2007, p.56) Desta maneira, “Quando a proteção à propriedade intelectual é fraca, a gestão dos intangíveis deve valorizar estratégias que reduzam os riscos de imitação pelos concorrentes.” (BUAINAIN; CARVALHO, 2000, p.149), como as alianças estratégicas e o licenciamento cruzado. A primeira se refere ao estabelecimento de acordos entre empresas para estabelecer e usufruir de complementaridades entre suas habilidades e capacitações, já o segundo é uma estratégia que permite que uma empresa use produtos e/ou processos que outra empresa possui patenteados e vice-versa, sem o pagamento de royalties. Essa é uma prática cada vez mais utilizada pelas grandes empresas como Microsoft, Toyota, Nokia, entre outras. Apesar de algumas áreas poderem colaborar no que tange as questões das patentes, o regime internacional, materializado no acordo TRIPS, ainda é muito falho ao tentar estabelecer regras iguais a setores diferentes. Por exemplo, para as empresas de fármacos e biotecnologia, a patente funciona mais como um mecanismo de proteção do que de defesa, como é o caso das firmas que desenvolvem semicondutores e softwares, inclusive o ciclo de vida dos produtos e a exigência de investimentos são bem diferentes. Isso acaba gerando muitas contradições dentro não apenas das discussões globais sobre o assunto, mas também nas políticas internas de cada país, que são altamente influenciadas por grupos lobbistas dessas empresas. Além disso, a patente é mais relevante para inovações em produtos, do que em processos. O caso da IBM é um tanto quanto peculiar, pois a empresa, líder no setor de softwares e também no número de patentes (3248 registros só no escritório americano em 2004), anunciou em 2005 que liberaria em torno de 500 patentes para o domínio público, sem exigir pagamentos de royalties. De acordo com John E. Kelly, vice presidente da empresa, essa política pode ser considerada de “desarmamento”, porém não de entrega de todos projetos (BERGER, 2006,p.263). Deve-se observar nesse caso, que a empresa está disponibilizando 59 Sigla inglesa para OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Cecília Megali Ogata 112 patentes que já não constituem mais vantagens competitivas para ela. Além disso, ela somente fez isso quando já possuía a posição de liderança no mercado, o que mostra que as empresas realmente buscam reter em e para si os ativos e inovações mais estratégicos e que, uma vez atingida a liderança, ela pode abrir mão de alguns recursos que ainda assim permanecerá na dianteira dos negócios. Nota-se que mesmo quando a empresa internacionaliza algumas partes da sua P&D, ainda mantém, aquilo que considera vital para sua performance localizado e centralizado: “As we learned in interviews with Taiwanese original design manufacturers (ODMs), they find themselves doing a growing amount of design services for Dell, in addition to manufacturing the parts. But Dell still controls the vital part of design: knowledge of customer and ability to respond rapidly to new demands.” (BERGER, 2006, p.152) Mas, manter a produção no local de origem ou apenas as partes vitais parece ir na contra-mão da idéia de TNC, porém, a busca de vantagens em diferentes lugares e por matéria-prima mais barata e abundante não exige mais a proximidade física devido ao desenvolvimento dos transportes e da comunicação. Além disso, a busca por mão-de-obra barata que é sempre apontada como um dos principais fatores para a internacionalização das empresas, não tem parecido verdade incondicional, pois, com o contínuo e crescente uso de automação os salários representam hoje, cerca de apenas 5% dos gastos empresariais (BERGER, 2006). Os pesquisadores do MIT que trabalharam com Berger concluem, ao fim do segundo capítulo, que empresas cujas soluções se baseiam na redução dos custos de salários e benefícios sociais, sempre tendem a perder, pois os salários representam uma pequena parte dos custos da firma. Para Berger, “The activities that succeed over time are, in contrast, those that build on continuous learning and innovation. These allow companies to build capabilities – brand name, long-term working relations with suppliers and customers, intellectual property, specialized skills, reputation – all of which are out of reach to companies whose only assets are their access to cheap labor.” (BERGER, 2006, p.54). De acordo com os pesquisadores do MIT, esse novo modelo de produção, chamado “modular”, não implica necessariamente sair de casa, embora poucas sejam as empresas que mantêm a produção localizada. As principais vantagens destacadas pelos empresários é que os trabalhadores locais já possuem o know-how necessário e que é uma forma de reter esse conhecimento nos domínios da firma e, assim, consequentemente, preservar as principais vantagens competitivas das empresas. Patentes: o regime internacional... 113 “Outside of the United States and Europe, there are relatively few fab-less IC (integrated circuits) design firms with real innovative capabilities. The highly trained and creative talent they need to recruit is a scarce resource in most countries.” (BERGER, 2006, p.178) Ao contrário da Dell, que tem como diferencial o serviço (rápida entrega e possibilidade de adaptação do produto à demanda individual do cliente), a Sony é uma empresa que investe pesadamente em P&D, aproximadamente 6,4 % de suas rendas (em 2003) e busca criar mercados totalmente novos. Isso a torna menos vulnerável aos ciclos de negócios, sobretudo por ser uma empresa essencialmente japonesa, com produção no Japão, o que possibilita que nem mesmo o “how to do” seja ensinado, transmitido como facilidade, sendo a localização também uma forma de proteção: “Because outsourcing can lead to leaks in intellectual property, Sony tries to prevent this, or at least slow it down during the window of opportunity of new-product introduction, when the highest margins are made.” (BERGER, 2006, p.157). Em algumas empresas, inclusive, são os trabalhadores de produção que ajudam a gerar patentes, como é o caso da Anagram60 (Minnesota), na qual os funcionários ajudaram a fazer a máquina mais rápida do mundo, de acordo com gerente isso foi possível devido a elevada capacidade da mão-de-obra local. Além disso, algumas áreas de todos os setores industriais ainda não podem ser dissociadas umas das outras, precisam de presença, de contato, como é o caso da japonesa Ulvac61: “The information needed to move form prototype to producing on a larger scale cannot be standartized and translated into digital code.” (BERGER, 2006, p.220), ademais, o presidente da empresa afirmou aos pesquisadores, que outro motivo é que 60 Founded in 1977, and part of the Ascam family of companies since 1998, Anagram delivers more than just the highest quality foil balloons in the industry, we also offer the largest portfolio of licenses and licensed character products. Our Headquarters and Manufacturing Facility is located in Minneapolis, MN where you will find a dedicated staff of Manufacturing Specialist that produce balloons 24 hours a day, 7 days a week, an industry-leading Creative team including trend, color and design specialists, R&D, Quality Control, Customer Service, Administration Support, Sales and Marketing. Our state-of-the-art, proprietary manufacturing technology ensures that our Distributors and Retail Partners have the best balloons in the industry that offer the highest quality and the latest innovation Anagram products are marketed in over 140 countries. Anagram is prepared to support our customers' marketing activities world wide, either through our Minneapolis office, or one of our sales and distribution facilities located in the United Kingdom, Australia, Mexico, and Japan. Disponível em: http://anagramballoons.com/ acessado em 23 abril 2010. 61 Founded in Japan in 1952, ULVAC is an international corporation that designs, manufacturers and markets equipment and materials for industrial applications of vacuum technology. Today, ULVAC is a leading global supplier of production systems, instrumentation, pumps and vacuum components used in the semiconductor, flat panel display, disk/magnetic media, and industrial manufacturing markets. The corporation is comprised of some 36 individual companies engaged in all sectors of the vacuum industry. The ULVAC name is derived from the company's conceptual foundation - "The ULtimate in VACuum Technology". Disponível em: www.ulvac.com acessado em 30/03/2010 às 13:10h Cecília Megali Ogata 114 a empresa quer preservar e proteger as suas PIs a fim de evitar que, através da terceirização ou de joint ventures, ocorra o uso de sua tecnologia por outros. “Exploiting this tacit knowledge was so important that companies built organizations around preserving and encapsulating it within their own walls. The organizations of the most successful vertically integrated enterprises, such as IBM and Hitachi, were centered around capturing the firm’s formal knowledge (often protected by patents or in proprietary process technology) and combining it with the hands-on knowledge and the expertise of employees.” (BERGER, 2006, p.140) “Polegato calls this intelligent “offshoring”: All the high-skilled parts stay home; the rest is done in low-wage labor markets.” (BERGER, 2006, p.258) “To start, in sectors like electronics and textiles that have been the most heavily affected by globalization, changes have taken place via a fragmentation of production that makes it possible to break apart stages of research, development, design, manufacturing, and marketing and move them to different companies and locations around the world. Where fragmentation of production is technically possible, companies need to keep within their own walls only those activities in which they can compete with the best in the world. In fact, they have to be able to match their performance with best-in-class across each of their functions.” (BERGER, 2006, p.51) É justamente essa uma das conclusões que a equipe liderada por Berger chega ao fim do 11º capítulo: nesse novo panorama de competição intensa, as empresas estão realmente preocupadas em “não criar um competidor”. Para isso elas se valem tanto da manutenção de ativos estratégicos no território de origem, quanto dos DPI e também do chamado “blackbox”, ou seja, incorporar novas tecnologias aos produtos e processos de maneira tal que seja impossível que os competidores realizem engenharia reversa. “As important as any of these technical capabilities, the fab has to convince its customers that it can protect their intellectual property (IP). The fab cannot compete with its own customers and survive. It has to manage the business in a way that prevents the leakage of one customer’s IP to the others. The files created by the chip designer and dent to the fab contain information on the positioning of microcomponents. If this leaked out, the designs could be copied and made into counterfeits, and rival could learn each other’s secrets.” (BERGER, 2006, p.81) “American-led firms also worry about their intellectual property disappearing when they deal with Taiwanese ODM62 companies. A manager at a telecom equipment company explained that though the Taiwanese 62 Original Design Manufacturing Patentes: o regime internacional... 115 ODMs were very efficient, they bring a lot of intellectual property risk – “they scare the hell out of us” – and so the decision was to use Flextronics (a U.S.-based contract manufacturer) instead.” (BERGER, 2006, p.158) Pode-se dizer, portanto, que embora em alguns casos as empresas optem por obter vantagens competitivas através de uma diferente estrutura de vendas ou prestação de serviços, elas estão essencialmente inovando. Além disso, mesmo que algumas inovações não sejam passíveis de patentes, as empresas buscam protegê-las de alguma forma, seja mantendo sua administração e coordenação localizada, seja por um dinâmico e eficaz mecanismo de organização entre as cadeiras de suprimentos. Contudo, como citado por diversos autores acima, a patente é um importante recurso de caráter jurídico que possibilita de um lado a preservação de uma inovação e o seu monopólio pelo detentor da carta patente e com isso a preservação de uma vantagem competitiva; e do outro que essa inovação se torne pública e acessível (por meio de pagamento de royalties). Assim, a patente, nesse atual sistema globalizado, é um importante recursos para as empresas transnacionais, principalmente porque ao se expandirem ao redor do mundo, potencializam a existência de concorrentes em cada lugar em que se instalam, além dos demais também globalizados que competem no mercado mundial. Cecília Megali Ogata 116 Considerações Finais: Todo estudo que envolva a globalização, por mais detalhado e completo que seja, dificilmente dará conta de tantos fatores que estão envolvidos e relacionados a ela. Na primeira parte deste capítulo procurou-se, de maneira geral demonstrar algumas das mudanças e características mais recentes desse processo, tais como: a reestruturação produtiva, a ameaça ao poder estatal por parte dos novos atores transnacionais, as inovações nos meios de comunicação, a rapidez de locomoção e redução de custos propiciada pelo avanço na área de transportes, a facilidade de locomoção dos indivíduos entre as diversas fronteiras estatais e, principalmente, as mudanças de paradigmas no que tange a importância crescente de ativos intangíveis, tanto para economia, quanto para o próprio desenvolvimento social. Contudo, ao contrário do que possa parecer, a globalização não é uma força centrífuga, que distribui de forma uniforme por todos os lugares esses avanços técnicos e científicos. Pelo contrário, trata-se de uma fora centrípeta que permite às grandes corporações se aproveitar das crescentes facilidades de transporte e comunicação, bem como da desregulamentação e abertura das fronteiras para concentrar a produção nas localidades em que possam obter o máximo lucro proporcionado pela posse de ativos específicos relacionados principalmente a capacidade de inovação tecnológica. Claro, pode-se argumentar que até mesmo nos países subdesenvolvidos do tão esquecido continente africano, onde até mesmo falta água potável, é possível tomar uma Coca-Cola, mas a questão é que, nesse caso, trata-se apenas de uma comercialização, não necessariamente de uma produção local, do fornecimento de postos de trabalho ou investimentos no país: os fluxos, ao se tornarem mais fáceis e ágeis, livram as empresas e demais tores internacionais de manterem instalações industriais em todos os lugares em que seus produtos, físicos ou não, estão. Se isso se aplica a um bem material, é especialmente válido para os imateriais. Para alguns grandes pesquisadores do assunto, o caso da tecnologia é o mais evidente, pois não haveria o “tecnoglobalismo”, mas sim, uma concentração cada vez maior desse ativo e recurso, nos países desenvolvidos, sobretudo nas sedes da empresa. Isso porque a informação, o conhecimento e principalmente a inovação, são as principais matérias-primas desse novo século, atribuindo a ele inclusive, o nome de “Era da Informação e do Conhecimento”. Desta maneira, nenhum país ou empresa quer correr o risco de internacionalizar sua principal fonte de garantia de competitividade. Trata-se que a competição atual global, não se processa, como anteriormente, em termos de preço, mas sim em inovação. Ou seja, se anteriormente, se tornava líder do Patentes: o regime internacional... 117 mercado a empresa que conseguisse produzir ao menor custo possível, ao passo que nos dias de hoje, torna-se líder do mercado, a empresa que consegue inovar mais e melhor em seus produtos, pois a inovação possibilita que o consumidor aceite pagar um pouco mais, acima do mercado, para ter um aparelho mais moderno, com mais funções e um design mais arrojado. Em virtude disso, tomando como pressuposto que o capitalismo tem como características primárias e inerentes a desigualdade e a propriedade para sua perpetuação e evolução e que, a globalização é um processo fruto desse modelo capitalista, os direitos de propriedade intelectual surgem, então como uma forma de apropriação dos bens imateriais. Se, na nova “Era da Informação e do Conhecimento”, o que garante uma melhor competitividade da empresa são ativos essencialmente imateriais, esses direitos surgem para tornar possível sua aquisição, apropriação e mesmo comercialização. Porém, como demonstrado no texto, os DPI não são recentes. O que é recente é conotação a eles atribuída, principalmente no caso das patentes. Quando surgem, no século XV em Veneza, têm como principal objetivo a proteção do inventor, como uma recompensa pelo seu esforço, evitar que seja copiado indiscriminadamente sem um retorno a ele; e tornar público tal invento, de modo que toda sociedade possa saber, como, com o que foi feito e para que serve, podendo copiá-lo ou mesmo melhorá-lo, mas reconhecendo a titularidade do feito ao seu inventor. Atualmente, em virtude de todas as modificações acima citadas, esses direitos passaram a funcionar como estratégias de obtenção de vantagem competitiva, mas, mais do que isso, se tornaram ferramentas de monopólio. Pode parecer um tanto quanto incoerente dizer que a patente (que exige do inventor que este revele para sociedade como chegou a tal invento e como fazê-lo) propicie monopólio e isso até a década de 1970 poderia ser mesmo incoerente, mas o fato é que desde então as mudanças sobretudo nas áreas de comunicação e transportes, tem propiciado um intercâmbio muito maior de informações e também maior acesso a diferentes insumos e mercados, isso tudo fez com que a capacidade de inovar aumentasse consideravelmente, proporcionando o aparecimento de novas tecnologias quase diariamente. O ciclo de vida das tecnologias está muito reduzido, ao longo de dois anos, inúmeras tecnologias se tornam obsoletas, seja por uma inovação total, seja por uma inovação incremental. Ademais, os royalties, pagos à empresa ou pessoa proprietária da patente são muito elevados. Assim, ao conceder uma patente de 20 anos para uma empresa, esta fica, de fato, com o monopólio de tal invenção. Este fato se confirma, por exemplo, com o caso da IBM mencionado no texto, que desde 2005 vem “liberando” algumas de suas patentes para o domínio público, certamente essas já estão ultrapassadas. Cecília Megali Ogata 118 Esse atual Regime de patentes e PI que se estabeleceu com base em tratados do século XIX (de Berna em 1886 e de Paris em 1883), mas que adquire novas características com a assinatura do Acordo sobre Propriedade Intelectual na OMC (Trips), aumentando sua abrangência, tanto no sentido de valer para mais países, quanto no sentido de aumentar os objetos passíveis de patenteamento, foi imposto pelos países desenvolvidos aos países emergentes e de menor desenvolvimento relativo de maneira a literalmente, “chutarem a escada” pela qual subiram. Os países desenvolvidos não se utilizaram das patentes enquanto estavam começando seu desenvolvimento e suas atividades industriais, pelo contrário, utilizaram de cópia, pirataria, às vezes chamando tais processos eufemisticamente de “engenharia reversa” e só passaram a defender tais direitos, quando já se encontraram no topo da economia mundial. Quando estes perceberam a importância que os ativos intangíveis estavam tendo na economia mundial e quando as próprias empresas transnacionais notaram como poderia ser desvantajoso se internacionalizar para países cujos mecanismos de proteção não fossem suficientemente rígidos e que poderiam acarretar perda de competitividade, passaram a realizar fortes pressões sobre seus governos e organizar lobbies para que tal assunto fosse discutido em âmbito internacional e, mais do que isso, para que fosse levado para a esfera comercial. Em outras palavras, a partir do memento que tanto empresas, quanto estados percebem a crescente importância das inovações, do conhecimento e das informações para ganhos de vantagens competitivas, eles procuram uma forma de inserir tal assunto na sua esfera de poder, no caso a econômica – comercial. Desta forma, os assuntos relacionados à PI, que na sua origem nada têm a ver com comércio e por isso mesmo, eram regulados por um órgão especial da ONU, a OMPI, passa a ser tratado na OMC. Isso acarretou não apenas perda do poder de barganha dos países menos desenvolvidos, uma vez que os acordos na OMC estão sujeitos ao mecanismo de entendimento único (single-undertaking, ou seja, ou se assina tudo, o “pacote” inteiro, ou nada), mas também reduziu o poder da OMPI, desviando o foco de outras questões relacionadas a PI como desenvolvimento, distribuição e transferência de tecnologia. Em todo esse processo de criação, construção, consolidação e mudança de foco do regime internacional de patentes (de PI), as empresas transnacionais, que se tornaram importantes atores do sistema internacional, capazes de influenciar todas as atividade sócias, são agentes ativos. Mesmo que não negociando diretamente, seus interesses foram expressos pelas atitudes dos governos dos países a que pertencem (pelo menos juridicamente). Portanto, em praticamente todos os assuntos, mas em especial no que tange o caso do regime Patentes: o regime internacional... 119 internacional de PI, elas não podem ser tidas como atores secundários, seja por seu poderio econômico, seja pelo seu poder de influenciar políticas. Desta forma, como se procurou demonstrar no texto, as TNC são grandes beneficiadas desse regime, pois é delas que advém uma elevada parcela da inovação do planeta, pois os custos de P&D são muito elevados. Essa evidência, mostrou também que a preocupação com as patentes tende a se tornar cada vez maior, para essas empresas, devido ao fato de gerarem grandes vantagens competitivas e assegurarem monopólio de determinada tecnologia. A relação das TNC com as patentes, evidencia, portanto, não apenas a real mudança no padrão de competição mundial, mas também como novos atores do sistema internacional não podem ter sua força de influência negligenciada e também, como os países mais desenvolvidos atuam de maneira (ainda) a impor suas vontades para atender suas necessidades e interesses específicos, não globais e universais. Enfim, o estudo das patentes e das PI é uma rica fonte de análise de várias facetas do sistema internacional, permite observar diferentes óticas que um mesmo assunto pode assumir, como diversos atores estão de fato interligados e como ainda há muito a ser feito para que os princípios universais se tronem, de fato universais. Cecília Megali Ogata 120 Referências: ALÁRIO JR, DANTE; OLIVEIRA, NELSON BRASIL de. A Inovação Tecnológica e a Indústria nacional. . In: Revista Parcerias Estratégicas, n.8, 2000. p.45-53. ALBAGLI, S. Novos espaços de regulação na era da informação e do conhecimento. In: LASTRES, M. H. M.; ALBAGLI, S.(Org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p.290-313. ALMEIDA, P.R. Globalização e as desigualdades: quais as evidências? In: A Grande Mudança: conseqüências econômicas da transição política no Brasil. São Paulo: Editora Códex, 2003; pp. 117-122. ÁVILA, J. A. P. C. A importância das marcas, patentes e outras formas de Propriedade Intelectual para competitividade das empresas. 2006. Apresentação em Power Point disponível em: http://www.acrj.org.br/IMG/pdf/doc-297.pdf acessado em 20 maio 2009. BARROS, B. da Silva; BELAS, C. A. (coord.). Curso de Introdução à Propriedade Intelectual. Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, PA, 2004. BAUMANN, R.; CANUTO, O.; GONÇALVES, R. Globalização financeira e globalização produtiva. In: ______ Economia Internacional. Teoria e Experiência Brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 2001. p.221-233. BUAINAIN; et al. Propriedade Intelectual e inovação tecnológica: algumas questões para debate atual. [20--] Disponível em: http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/sti/publicacoes/futAmaDilOportunidades/futIndCa dProdutivas.php acessado em 8/12/2009 às 14h. BUAININ, A. M.; CARVALHO, S. M. P. de. Propriedade Intelectual em um mundo Globalizado. In: Revista Parcerias Estratégicas, n.9, 2000. p.145-153. BAYLIS, J.; SMITH, S. Introdução. In: ________ Globalization of World Politics. An introduction to international relations. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. p.1-13. BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD, s/a. BERGER, S. (org.). How we compete. 2.ed. Estados Unidos: Acurrency Book, 2006. CARBONE, P. P. et.al. Gestão por competências e gestão do conhecimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. CASTELLANI, D.; ZANFEI, A. Multinational firms, Innovation and Productivity. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2006. CASSIOLATO, J.E. A economia do conhecimento e as novas políticas industriais e tecnológicas. In: LASTRES, M. H. M.; ALBAGLI, S.(Org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p.164-189. Patentes: o regime internacional... 121 CASSIOLATO J.E.; LASTRES, H. M. M. Tecnoglobalismo e o papel dos esforços de P,D&I de multinacionais no mundo e no Brasil. In: Seminários temáticos para a 3ª Conferência Nacional de C&T&I, Parcerias Estratégicas, n.20, jun. 2005. p. 1225-1245. CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. Trad. Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo: Editora UNESP, 2004. CLARK, I. Globalization and the post-cold war order. In: BAYLIS, J.; SMITH, S. Globalization of World Politics. An introduction to international relations. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. p.728-742. COX, M. From the cold war to the war terror. In: BAYLIS, J.; SMITH, S. Globalization of World Politics. An introduction to international relations. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. p.132 – 157 CRISTIANI, M.; AMAL, M. (coord.). Investimento Direto Externo no Mercosul: o papel da Europa. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer, Stiftung, 2006. p.13-43. CRUZ, L. A. C. da. O regime global da propriedade intelectual e a questão do desenvolvimento: o poder dos países em desenvolvimento no campo multilateral. 2008. 140 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2008. DERTOUZOS, M. O que será: como o novo mundo da informação transformará nossas vidas. Tradução de Celso Nogueira. São Paulo : Companhia das Letras, 1997 DUPAS, G. Impactos Sociais e Econômicos das novas tecnologias de informação. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL: "IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO: UNIVERSIDADE E SOCIEDADE", 1999, São Paulo. Disponível em: http://www.ime.usp.br/~cesar/simposio99/Dupas.htm acessado em 17 junho 2009. EUROPEAN PATENT OFFICE. Scenarios for the future. How might IP regimes evolute by 2025? What global legitimacy might such regimes have?. 2007 FINGERL, E.; GARCEZ, C. Economia do conhecimento e a atuação do BNDES: considerando os intangíveis. In: INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE. Rio de Janeiro: trabalho e sociedade. Ano 2, nº especial, dezembro 2002 FISHER, Willian. Theories of Intelectual Property. In: Stephen Munzer (ed.), New Essays in the Legal and Political Theory of Property. Inglaterra: Cambridge University Press, 2001. GANDELMAN, M. Poder e conhecimento na economia global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. GILPIN, R. A economia política das relações internacionais. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: editora UNB, 2002. p.257-290. _________. Global political economy. Understanding the international economic order. Princeton: Princeton University Press, 2001. p. 278 – 304. Cecília Megali Ogata 122 GOMES, R. Empresas Transnacionais e Internacionalização da P&D. Elementos de organização industrial da economia da inovação. São Paulo: editora UNESP, 2006. GOULART, A. Informação. Precisamos definir esse termo. 2004. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=286DAC002 acessado em 30 maio 2009. HESSE, C. The rise of IP 700 B.C. – A.D. 2000: one idea in balance. In: Daedalus, spring – 2002. p.26-45. JAKOBSEN, K. Comério internacional e desenvolvimento. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. p.105-109 KIM, L. S. Da imitação à inovação. A dinâmica do aprendizado tecnológico da Coréia. Tradução Maria Paula G. D. Rocha. Campinas: Editora UNICAMP, 2005. KON, A. Tecnologia e trabalho no cenário da globalização. In: DOWBOR, L.; IANNI, O.; RESENDE, Paulo –EdgarA (Org.). Desafios da Globalização. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p.60-69. KRASNER, Stephen D. Structural causes and regimes consequences: regimes as intervening variables. In: KRASNER, Stephen D. International regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1995. LASTRES, M. H. M.; FERRAZ, J. C.. Economia da Informação, do Conhecimento e do Aprendizado. In: LASTRES, M. H. M.; ALBAGLI, S.(Org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p.27-58 LASTRES, M. H. M.; CASSIOLATO, J. E. Novas Políticas na Era do Conhecimento: o foco em arranjos produtivos e inovativos locais. In: Revista Parcerias Estratégicas, n.17, 2003. p.5-31. Disponível em: http://www.cgee.org.br/arquivos/pe_17.pdf acessado em 17 maio 2009. LASTRES, M. H. M. et al. Globalização e Inovação Localizada. Rio de Janeiro, 1998. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/redesist/P1/texto/NT01.PDF acessado 06 junho 2009 acessado em 1 de junho de 2009. MALDONADO, J. Tecno-globalismo e o Acesso ao Conheciemnto. In: LASTRES, M. H. M.; ALBAGLI, S.(Org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p.105-122. MCGREW, A. Globalization and global politics. In: BAYLIS, J.; SMITH, S. Globalization of World Politics. An introduction to international relations. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. p.19-40. NYE Jr., J. S. O paradoxo do poder americano :porque a única superpotência do mundo não pode prosseguir isolada. Tradução de Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo : Ed. da UNESP, 2002. Patentes: o regime internacional... 123 OLIVEIRA, M. O. de. Relações Internacionais. Estudos de Introdução. 1. Ed.(2001) 4. tiragem. Curitiba: Juruá, 2004. PASSOS, C. A. K. Novos modelos de Gestão e as Informações. In: LASTRES, M. H. M.; ALBAGLI, S.(Org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p.58-84. __________. Gestão empresarial inovadora como questão estratégica. In: Revista Parcerias Estratégicas, n.8, 2000. p.128-155. PNUD. Como colocar o comércio global a serviço da população. Brasília: IPEA : ENAP : PNUD. 2003. POZZO, R. Immanuel Kant on Intelectual Property. In: Trans/Form/Ação, v.29, nº2. São Paulo, 2006. p. 11-18. RODRÍGUEZ, A.; DAHLMAN, C.; SALMI, J. Knowledge and Innovation for competitiveness in Brazil. THE WORLD BANK, 2008. SCHOLTE, J. A. Global trade and finance. In: BAYLIS, J.; SMITH, S. Globalization of World Politics. An introduction to international relations. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. p.600-615 SCHOLZE, S.; CHAMAS, C. Instituições públicas de pesquisa e o setor empresarial: o papel da inovação e da propriedade intelectual. In: Revista Parcerias Estratégicas, n.8, 2000. p.8592. SCHUMPETER, J. A. Processo de destruição criativa. In: ______ Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. p.110 – 116 SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. 1982. SHERWOOD, R. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento. Tradução Heloísa de arruda Villela. São Paulo: editora USP, 1992. SPOSATI, Aldaíza. Globalização: um novo mundo e velho processo. In: DOWBOR, L.; IANNI, O.; RESENDE, Paulo –EdgarA (Org.). Desafios da Globalização. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p.43-49. STOPFORD, J.; STRANGE, S.; HENLEY, J. S. Rival States, Rival Firms. Competition for world market shares. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. TANIS, Daniel ; CRUZ, Hélio Nogueira da . Modelo Evolucionário para Tempo de Duração de Patentes e Inovação. In: Revista de Administração e Inovação, v. 5, 2008. p. 67-86. THORSTENSEN, V. OMC – Organização mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001 Cecília Megali Ogata 124 VALÈRY, N. The Economist Technology Quarterly. In: The Economist, 2001. p. 311 -. Disponível em: http://www.economist.com/surveys/displaystory.cfm?story_id=E1_TRGGND acessado 25 novembro 2009 às 17h. VIGEVANI, T. Globalização e política: ampliação ou crise da democracia?. In: Ladislau Dowbor; Octávio Ianni; Paulo-Edgar Resende. (Org.). Desafios da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 285-296. Bibliografia Consultada: ALBUQUERQUE, E. da Motta e. Patentes segundo a abordagem neo-shumpeteriana: uma abordagem introdutória. In: Revista de Economia Política. V.18 nº 4(72), 1998. p. 65-82. ATAÍDE, M.E. M. O lado perverso da globalização na sociedade da informação. In:Ciência da Informação. vol. 26 no. 3. Brasilia Sept./Dec. 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-19651997000300006&script=sci_arttext acessado em 15 junho 2009 às 9h BAYLIS, J.; SMITH, S. Globalization of World Politics. An introduction to international relations. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. BARBOSA, D. B. A Propriedade Intelectual e a teoria de Marketing Failure. 2002 Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&ct=res&cd=1&ved=0CBoQFjAA&url=htt p://denisbarbosa.addr.com/32.doc&rct=j&q="Propriedade+Intelectual+e+a+teoria"&ei=7yPK S5PFIs-nuAfhpeWGBQ&usg=AFQjCNF1fppomQTN3XripOLUvdBdQeVi-w acessado em 7 abril 2009. BARTON, J. H. et al. The evolution of the trade regime. Princeton: Princeton University Press. 2006. p.139-143. CHEREM, M.T.C. S.; SENA JR., R. DI. Comércio Internacional e desenvolvimento: uma perspectiva brasileira. São Paulo: Saraiva, 2004. DOWBOR, L.; IANNI, O.; RESENDE, Paulo –EdgarA (Org.). Desafios da Globalização. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 1997. GRIFFITHS, M. 50 Grandes estrategistas das Relações Internacionais. Tradução Vânia de Castro. São Paulo: Contexto, 2004. KARAN, F. H..Conhecimentos tradicionais, propriedade intelectual e política externa brasileira. 2008. 197 f. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. UNICAMP. 2008. KEOHANE, R.; NYE, J. Power and Interdependence. 3td ed. Ed:Harper-Collins Publishers, 2000. LASTRES, M. H. M.; ALBAGLI, S.(Org.). Informação e globalização na era do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. Patentes: o regime internacional... 125 PEREIRA, L. V. Sistema de propriedade Intelectual no Contexto Internacional. In: SCHUWARTZMAN, S. (coord.). Ciência e Tecnologia no Brasil: Política industrial, mercado de trabalho e instituições de apoio. Rio de Janeiro: FGV, 1995. p.82-113. RODRIK, D. One economics. Many Recipes. Princeton: Princeton University Press. 2007. p.99-152. ROMERO, J. In: Diário do Senado Federal, dia 12/11/2003. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2003/11/11112003/36196.pdf acessado em 15 junho 2009. RORTRUP-NIELSEN, J. R. O estabelecimento de prioridades num novo contexto sócioeconômico, a visão de um industrialista. In: Revista Parcerias Estratégicas, n.8, 2000. p.301-311. ROSENBERG, B. Propriedade Intelectual In: THORSTENSEN, V.; JANK, M. S. (coord.) O Brasil e os grandes temas do comércio internacional. São Paulo: Lex; Aduaneiras, 2005. p.273-297. SIQUEIRA, P. C. As empresas de pesquisa sob contrato: um exemplo de integração pesquisa-indústria. In: Revista Parcerias Estratégicas, n.8, 2000. p.54-83. STRANGE, Susan. Mad Money. Michigan: The University Michigan Press. 1998. p. 1-42 e 179-191. Sites consultados: www.inpi.gov.br www.wipo.int www.historiadomundo.com.br http://br.geocities.com http://www.cipi-qf.org.br http://www.notapositiva.com/dicionario_economia http://history.berkeley.edu/faculty/Hesse/ http://www.artigosbrasil.net http://www.brasilescola.com http://www.ufmg.br/prpq/LegPICT&IT.html http://www.deolhonaspatentes.org.br http://www.inovacaotecnologica.com.br http://pt.shvoong.com/ http://www.epo.org/ http://www.estadao.com.br/arquivo/economia http://www.knoow.net http://portalgeo.rio.rj.gov.br http://www.eumed.net/tesis http://www2.desenvolvimento.gov.br http://www.cptech.org www.ulvac.com www.consciencia.org http://anagramballoons.com/ Monografias IGEPRI é um produto do Instituto de Gestão Pública e Relações Internacionais da Univerisidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Nosso trabalho tem por objetivo promover e difundir ideias e práticas transparentes de Gestão Pública nos âmbitos das Relações Internacionais. Os trabalhos aqui presentes são de autoria exclusiva de seus idealizadores e possuem o intuito de enriquecer cada vez mais o conhecimento nessas áreas.