INTERFACIS, Belo Horizonte, v. 2, n. 1, 2016. ANTUNES, Irandé. Gramática contextualizada: limpando “o pó das ideias simples”. São Paulo: Parábola, 2014. 158 p. RESENHA DO LIVRO GRAMÁTICA CONTEXTUALIZADA: LIMPANDO O PÓ DAS IDEIAS SIMPLES, DE IRANDÉ ANTUNES. NEUSÂNGELA MARIA DE OLIVEIRA DE MATOS Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte Av. Presidente Antônio Carlos, 521-31210-010- Belo Horizonte-MG-Brasil. [email protected] Gramática contextualizada, de Irandé Antunes (2014), é dividida em 13 capítulos em que se discorre sobre a importância do ensino de gramática relacionado às práticas sociais e às variações da língua. Antunes (2014) explica os motivos pelos quais não se devem abordar, no ensino, os termos gramaticais isolados do contexto. Além disso, apresenta várias discussões sobre alguns problemas que têm afetado a qualidade da educação no Brasil e sugere alguns exemplos que poderão ser eficazes na elaboração de planos pedagógicos, pois sua maior preocupação é alertar a escola para a responsabilidade do desenvolvimento político-social da comunidade em que o aluno está inserido. A obra apresenta, no primeiro e no segundo capítulos, uma concepção de língua dinâmica, em processo de constantes transformações, seja na escrita, seja na fala. Essa concepção vai de encontro à concepção de língua estática que permeia o ensino normativo de língua portuguesa. No terceiro capítulo, propõe conduzir o aluno a compreender o universo da linguagem em seus respectivos contextos. No quarto capítulo, a autora analisa os resultados de pesquisas relativas às aulas de língua portuguesa, que apontam o pouco significado destas aulas por não levarem o aluno a refletir sobre a língua. No quinto capítulo, fala dos objetivos a serem alcançados através da gramática contextualizada, por isso, ela destaca a relevância de aumentar o nível de conhecimento do aluno, o que implica uma prática de leitura e escrita de maneira analítica. No sexto capítulo, Antunes (2014) descreve a diferença entre norma padrão e norma culta. Segundo ela, essas normas devem ser abordadas em sala de aula, porém é preciso mostrar as falhas que elas apresentam. O sétimo capítulo traz uma crítica contundente aos estudos das frases aleatórias e fora do contexto. No oitavo capítulo, é apontada a relevância dos estudos teóricos para a análise da gramática contextualizada, e no nono capítulo é feita uma proposta para enriquecer os conteúdos de português, fazendo uso da elipse. No décimo capítulo, a autora explica as mudanças que vão ocorrendo nas regras gramaticais em virtude do contexto histórico e social. No décimo primeiro e segundo capítulos, Antunes (2014) analisa o uso dos conectores e dos pronomes de forma contextualizada. Por fim, no último capítulo, décimo terceiro, é exposta uma sequência de tópicos que pode contribuir para um ensino satisfatório de língua portuguesa. Mas a autora INTERFACIS, Belo Horizonte, v. 2, n. 1, 2016. 101 ressalta que a proposta da sequência é para auxiliar o educador, ou seja, não é uma “receita de bolo” infalível no ensino. Alguns temas e/ou tópicos desses capítulos chamaram a atenção e serão expostos e comentados a seguir. Um deles é a crítica que a autora faz ao ensino de língua portuguesa na maioria das escolas, na atualidade. Segundo ela, “A língua em uso está fora dessas atividades da escola; por isso mesmo, essa língua não provoca interesse e, muito menos, entusiasmo ou admiração” (ANTUNES, 2014, p. 82). Sendo assim, faz o seguinte questionamento: “De que servem aulas de língua portuguesa se não só não fazem refletir sobre a língua como também não oferecem ganho social, porque não logram colocar o indivíduo na ‘aristocracia’ da linguagem?” (ANTUNES, 2014, p. 73). Diante disso, percebe-se que a escola necessita incentivar o aluno a refletir sobre o papel que a língua desempenha na sociedade como um todo e na comunidade sua comunidade. Para que isso seja possível, Antunes (2014) propõe um ensino que vá além da abordagem gramatical normativa, alegando que, dessa maneira, é possível despertar o senso crítico do aluno, possibilitando a ele conhecer os recursos linguísticos e sua variação decorrente do contexto no qual são usados. A autora atribui à escola a responsabilidade de desenvolver as habilidades de comunicação do educando, advogando que essas instituições precisam estimulá-lo a refletir sobre a linguagem para que ele tenha uma visão crítica em relação ao que lê e ao que ouve. Por isso, ela questiona o ensino de frases soltas e fora do contexto. Esse ensino descontextualizado está relacionado diretamente à gramática tradicional, que, segundo Antunes (2014), vem sendo ensinada como única fonte capaz de desenvolver no aluno habilidades de leitura e de escrita. Mas esse tem sido um erro na educação, pois transformar a língua em um instrumento homogêneo é isolar as possibilidades de explorar o universo amplo da linguagem. Para solucionar isso, ela propõe uma gramática contextualizada que Seria uma perspectiva de estudo dos fenômenos gramaticais, ou uma estratégia de exploração do componente gramatical do texto, tomando, como referência de seus valores e funções, os efeitos que esses fenômenos provocam nos diversos usos da fala e da escrita (ANTUNES, 2014, p. 46). Além disso, Antunes (2014, p. 47) diz o seguinte: “A relevância dessa gramática contextualizada está, exatamente, na decisão de não isolar os elementos gramaticais de outros lexicais ou textuais, mas, ao contrário, ver a gramática tecendo, junto com outros constituintes, os sentidos expressos” Como afirma a autora, o estudo da gramática requer a contextualização de outros elementos que fazem parte da língua, como, por exemplo, o semântico, o pragmático, o lexical etc. Além disso, Antunes explica que INTERFACIS, Belo Horizonte, v. 2, n. 1, 2016. 102 Convém ressaltar que uma gramática contextualizada requer, também e sobretudo, que as descrições que dela são feitas encontrem apoio nos usos reais, orais e escritos, do português contemporâneo, ou seja, nos textos que ouvimos e podemos ler na imprensa, nos documentos oficiais, nos livros ou revistas de divulgação cientifica etc. Implica, pois, ter como respaldo o que, de fato, pode ser comprovado nos textos que circulam aqui e ali por esse Brasil afora. (ANTUNES, 2014, p.111). Esses recursos para o ensino da gramática contextualizada permitem ao sujeito adquirir domínio da leitura e da escrita, principalmente, apoiado em assuntos que fazem parte de seu cotidiano. A autora fala da expressão lexicogramática, que se refere à união do léxico e da gramática, pois, para ela, esses dois elementos da língua não agem isolados. Para melhor completar esse raciocínio, ela usa exemplos de conectores que ligam os termos lógico-discursivos para dar sentido ao texto, lembrando que esses conectivos podem interligar vários elementos que fazem parte da língua, ou seja, tanto gramaticais quanto lexicais. Eles são os principais responsáveis ao que se refere à coesão e à coerência de um texto. Antunes (2014) ressalta ainda que sua pretensão não é desconsiderar o ensino gramatical. É, sobretudo, apontar a abrangência que esse ensino pode ter ao se fazer uma análise reflexiva e contextualizada. Como exemplo, ela cita os usos dos pronomes, que podem ser explorados de maneira ampla, atribuindo vários sentidos dentro de um contexto. Além disso, explica que, na produção escrita, muitas vezes, exige-se do aluno que este siga a ordem canônica com os termos sujeito, verbo e complemento. Porém, dependendo do contexto em que o texto é escrito, isso pode prejudicar o sentido do que está sendo dito ou escrito, pois, em alguns casos, o termo mais relevante poderá fica subtendido quando é respeitada a ordem direta. A pesquisadora também comenta algumas pesquisas realizadas sobre o ensino da língua portuguesa em escolas públicas e privadas. Segundo ela, os resultados dessas pesquisas demonstraram que o uso da norma tradicional tem ocupado o período de ensino de maneira vazia; regras que são usadas fora do contexto da língua. Sendo assim, a autora questiona o apego destas instituições ao ensino da gramática com frases separadas do texto, visto que, para ela, este tipo de ensino não contribui para o crescimento intelectual do aluno. Além disso, a autora enfatiza a influência que determinados fatos sociais, sobretudo de ordem econômica e cultural, tiveram no uso da língua ao longo dos anos e ainda imperam no ensino atual, estabelecendo um padrão ideal para falar corretamente. Isso não passa de uma maneira de separar as classes dominantes das demais. Após a leitura do livro, percebemos que os conceitos e assuntos que são discutidos permitem verificar o quanto são necessárias mudanças na educação, especificamente no ensino de língua portuguesa. Isso porque o ensino de regras gramaticais descontextualizadas pode ser um dos principais motivos da frustração do aluno quando se trata de aprender a língua portuguesa. Além disso, o fracasso do aluno para aprender a ler e a escrever fluentemente compromete o aprendizado das demais disciplinas e, também, o exercício de sua cidadania, já INTERFACIS, Belo Horizonte, v. 2, n. 1, 2016. 103 que o domínio dessas habilidades é imprescindível na sociedade atual, em que toda a relação entre o sujeito e as instituições oficiais é mediada, sobretudo, pelo texto escrito. Portanto, essa obra possibilita ao educador refletir a respeito do ensino da gramática em sala de aula e a complexidade que envolve a língua e, consequentemente, seu ensino, que não deve reduzir ou tentar deixar homogênea a diversidade que envolve qualquer língua natural. A Gramática contextualizada é uma ferramenta indispensável no contexto escolar, pois esclarece dúvidas relevantes na área educacional e aponta problemas que persistem na educação. Além disso, desperta no profissional o interesse em formar alunos conscientes e conhecedores dos papéis que a língua desempenha na sociedade. Pelo fato de Antunes (2014) disponibilizar um material riquíssimo em informação teórica e prática, pertinente e indispensável para o trabalho pedagógico com língua portuguesa na sala de aula, recomendamos esse livro para professores de língua portuguesa, universitários, pesquisadores, graduados e pós-graduados, e outros que se interessam pelo estudo e pelo ensino da língua portuguesa.