Reflexões sobre planejamento urbano, lazer e turismo como instrumentos para a qualidade de vida Profa. Dra. Rita Giraldi1 Prof. Dr. Edson Leite2 Resumo: Este trabalho analisa a atividade de planejamento entendida como um processo sistemático e flexível, através de uma abordagem teórica e panorâmica, que qualifica temáticas relacionadas às abordagens do turismo, lazer e tempo livre. O presente estudo parte dos níveis de planejamento, passa pelo processo de planejamento, operacionalização, elaboração do plano de atividades, controle e aferição permanente de resultados para então analisar a importância do planejamento urbano em sua relação com as atividades de lazer e turismo levando em conta os aspectos econômicos e sociais, territoriais e espaciais além dos institucionais e políticos para que o mesmo atue como um instrumento visando à obtenção de uma melhor qualidade de vida calcada na valorização das atividades possibilitadas pelo tempo livre em sociedade. Palavras-chave: Processo de Planejamento; Planejamento Urbano; Serviços Turísticos; Qualidade de Vida. A arquitetura e o urbanismo, que são os meios pelos quais os homens fornecem à própria vida sua moldura útil, exprimem, exatamente, os valores materiais e morais de uma sociedade. Le Corbusier (1971:46) 1 Graduada em arquitetura, mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, professora do Curso de Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, atua principalmente nas questões referentes ao planejamento urbano, lazer e equipamentos de lazer. E-mail: [email protected] 2 Graduado em Direito – PUC-SP, mestre em Comunicação Social pela UMESP, doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e livre-docente pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Professor no Curso de Lazer e Turismo na EACH-USP e no Programa de Pós Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – USP. E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO Quando se aborda a questão do planejamento urbano deve-se ter em mente que duas variáveis são elementos constantes de análise: os fatos urbanos – expressos pela sua dimensão física e construída – e a dimensão social e política. Estas duas variáveis são tradicionalmente abordadas na dialética existente entre urbis x civitas. Modernamente, ao englobar a cidade em um raio mais amplo de realidade, outras dimensões ou aspectos se inter-relacionam, complicando cada vez mais o prisma de análise que passa a incluir higiene, plástica, economia etc. O homem está submetido a duas coordenadas: tempo e espaço. É nelas que flui a vida individual e social (BACAL, 2003). Estas coordenadas de tempo e espaço possuem aspectos particulares, principalmente se as analisarmos com relação às atividades exercidas pelo homem e para as quais elas servem como cenário. No que se refere ao tempo, podemos afirmar que sua importância na vida humana decorre de que “a temporalidade se instaura como essencial condição da vida humana. Somos ‘temporais’ no sentido que nossa existência se constrói no tempo e nele decorre” (BACAL, 2003:15) Contudo, quando se considera o tempo em si ele é algo misterioso e diversas são as perspectivas de estudo que têm tentado compreender sua essência. Quanto ao termo espaço, ele veicula uma ambigüidade de significados que historicamente tem categorização anterior à do tempo. Filosoficamente, o espaço é algo abstrato, que ocorre na esfera do ideal (ideia), só se tornando concreto quando lhe são colocados parâmetros Dependendo do enfoque dado por cada área de estudo, o espaço foi adjetivado como espaço geográfico, físico, econômico, político etc. Seguindo o princípio de adjetivação, temos o espaço urbano traduzido como cidade. No entanto, segundo Mumford (1982:9), “não há definição que se aplique sozinha a todas as suas manifestações, nem descrição isolada que cubra todas as suas transformações”. Neste sentido, quando analisamos o espaço urbano e as atividades de turismo e lazer temos que ter consciência de que o planejamento é instrumento de suma importância uma vez que segundo Rodrigues (1988: 64-5): (...) o ávido consumo dos produtos do turismo e do lazer relaciona-se diretamente ao número de habitantes residentes em centros urbanos, não só porque constituem um volume maior, mas também, sobretudo, pela ideologia do hedonismo consumista, que é largamente difundida pela mídia, tornando-se uma das características das sociedades pós-industriais. Assim, torna-se necessária a compreensão do fenômeno do lazer e dentre deste, o turismo e as possíveis relações que se pode estabelecer com o planejamento urbano, tendo em vista que uma das variáveis primordiais para a vida humana é o espaço arranjado e organizado para a prática de suas atividades. LAZER E TURISMO Quando um grupo humano percebe a possibilidade de usos alternativos do tempo suas magnitudes e conteúdos formam um bem social, regulável nas sociedades competitivas, como qualquer outro bem ou valor e a organização dos conteúdos do tempo remete a padrões sociais de alocações do tempo. Tal momento reflete o estágio de desenvolvimento de uma sociedade e sua escala de valores vigentes e a importância do lazer e do turismo para uma dada comunidade. Entretanto, não basta que uma parcela da população valorize os conteúdos de seus tempos livres, torna-se necessário que a avaliação objetiva da importância do lazer e do turismo seja imprescindível aos governos, aos planificadores e aos empresários que desejem conhecer todas as implicações de suas atividades neste universo em particular e, deste modo, uma série de mitos sobre o fenômeno pode ser desfeita e abrir o caminho para um novo exame de seu verdadeiro potencial de propulsor de desenvolvimento. A prestação dos serviços turísticos e de lazer é intangível. O profissional envolvido na atividade deve proporcionar ao cliente a oportunidade de viver uma experiência, um serviço percebido como algo gratificante, benéfico ou satisfatório. Tal prestação de serviços envolve não apenas a criação de atividades, programas ou facilidades - experiência turística -, mas também o planejamento de espaços adequados e a venda dos produtos turísticos (TRIGO, 2000). Inegavelmente, a questão do uso do tempo livre sempre se fez presente nas diversas sociedades e a relevância deste em relação aos outros tempos baseia-se, principalmente, nas conotações de satisfação pessoal que as atividades executadas proporcionam a seus praticantes. No entanto, a falta de investigação empírica e teórica no próprio segmento do turismo e do lazer se explica pela falta de reconhecimento de que ele representa um importante fator de mudanças comportamentais, sociais e culturais, assim como um elemento econômico com efeitos significativos. Para que a atividade turística e de lazer traga, para toda a sociedade, resultados positivos e o mínimo de custos é preciso que exista um bom planejamento para seu crescimento não só no que tange as atividades em si, mas principalmente no que se refere aos espaços destinados a tais atividades. Porém, tal ação só é possível mediante pesquisas e estudos feitos por especialistas que darão as linhas mestras que possibilitem concomitantemente o crescimento econômico e o desenvolvimento social. A palavra lazer remete a um universo complexo de significações onde se mesclam interpretações da moral, da religião, da filosofia e do senso comum. O termo lazer é banhado em um sistema de pensamentos que faz dele condição da “felicidade” e da “liberdade” humana. Apesar das diversas clarificações a palavra lazer continua impregnada de um pesado coeficiente subjetivo e de fronteiras imprecisas na separação entre a sua representação ideológica e a apreensão científica dos fenômenos abarcados (LANFANT: 1972). Em sua origem etimológica, a palavra lazer vem de longe, mas com um significado não muito claro. Ela aparece na língua francesa no século XIII com o vocábulo loisir que tem sua raiz no latim licere, que contém em sua essência a idéia de permissão. Isso faz com que o sentido subjacente que exprime a idéia de lazer tenda para um significado de ausência ou afrouxamento de diferentes formas de restrições ou de dependência: ausência de regras, de obrigações, de repressões ou de censuras. Deste modo, na linguagem de senso comum, as expressões derivadas do senso etimológico aproximam-se de “ter ou tomar o tempo de fazer”, às quais se juntam “ter tempo de fazer qualquer coisa de que se goste”. Com esse sentido, o lazer evoca a ausência de constrangimentos temporais que indiquem uma qualidade subjetiva da ação. Os dois sentidos - objetivo e subjetivo - do lazer são freqüentemente tomados um pelo outro e essa ambigüidade do vocábulo é uma constante fonte de confusão, inclusive com outros termos que designam atividades executadas no tempo livre individual, como a recreação, por exemplo. Segundo Dumazedier (1976), o lazer aparece como parte da vida social e individual, em que a caracterização e as modalidades de expressão são principalmente definidas e determinadas por variáveis culturais e psicológicas. Contudo, existem variáveis estruturais que condicionam certas formas de expressão de lazer, mas que não são consideradas como determinantes ou explicativas, são casos em que acontecem rupturas entre o “tempo imposto” pelas obrigações produtivas e sociais e o “tempo livre” para a satisfação íntima dos interesses pessoais. O turismo, por sua vez, tem sido objeto de amplos estudos no que se refere às dimensões econômicas, sociais e até mesmo espaciais (MATHIESON; WALL, 1990). Acreditamos que isso se deva, principalmente, aos impactos que o turismo desencadeia nos núcleos receptores da atividade. No entanto, seja para as atividades de lazer ou turísticas é premente um planejamento adequado que possibilite ganhos para todos os sujeitos envolvidos no processo. PROCESSO DE PLANEJAMENTO Para melhor compreender o planejamento urbano é necessário em primeiro lugar compreender o que é o processo de planejamento. Desde as sociedades primitivas o planejamento fazia parte da realidade como necessidade de sobrevivência e evoluiu enormemente a partir da Revolução Industrial. O planejamento é, na realidade, um recurso metodológico que o homem, através da abstração, ordena, dirige e impulsiona aos fenômenos que deseja visando atingir metas propostas de forma racional. Os conceitos de planejamento passam por diferentes abordagens inter-relacionando variáveis que denotam focos diferenciados. O significado de planejamento perpassa pela identificação de uma série de variáveis, objetivando escolher um curso de ação que, com base em análises científicas, permita alcançar os objetivos e metas que foram estabelecidas anteriormente, prevendo o curso dos acontecimentos. Trata-se de um processo contínuo de tomada de decisões coerentes com os objetos que foram propostos. É um processo sistemático e flexível cuja finalidade consiste em atingir os objetivos que sem esta ação dificilmente seriam alcançados. A conceituação de planejamento agrupa, ainda, as idéias de um sistema de idéias organizado racionalmente para determinar mentalmente o que fazer na realidade depois de examinadas as circunstâncias concorrentes. É um processo de determinação de objetivos e de meios para a consecução dos mesmos, um modelo normativo de teorias operacionais. Trata-se de um mecanismo orientado para o futuro, um projeto de um futuro desejado e dos meios efetivos para torná-lo realidade. Enfim, é um processo contínuo de pensamento sobre o futuro de determinação de estados desejados e dos cursos de ação para que esses estados sejam alcançados. Todas as definições de planejamento deixam evidentes duas idéias: a de complexidade (sistema, processo, mecanismo) e a de ação voltada para o futuro constituindo uma intervenção deliberada, com base no conhecimento racional do processo sócio-econômico e de suas leis. O planejamento turístico é um segmento específico desse processo geral (MOLINA, 1997; BISSOLI, 2000). É inegável, entretanto, que o turismo – como prática do tecido urbano – possui como fator interveniente o próprio planejamento da urbe. PLANEJAMENTO URBANO O planejamento urbano fornece a base para alcançar o desenvolvimento das atividades existentes no urbano e seus respectivos espaços de modo integrado. Ao planejar o urbano é necessário que se tenha em consideração os diversos componentes do desenvolvimento do núcleo dentro da estrutura da região e do meio ambiente natural, construído e sócio-econômico local. A importância e a necessidade do planejamento urbano recaem na necessidade de impedir a desorientação e o erro cometido pela ignorância ou falta de previsão. O planejamento está em função de realidades específicas e de ações interdisciplinares conjuntas que integram esforços de arquitetos, urbanistas, sociólogos, economistas etc. O planejamento urbano é orientado, especialmente, pelos seguintes princípios (FERRARI,1982): • da inerência: que define que o planejamento é indispensável; • da universalidade: que tenta prever as variáveis e todas as conseqüências – até onde seja possível –, levando em conta todas as opiniões; • da unidade: que abrange facetas que devem ser integradas num conjunto coerente; • da previsão: que determina que o planejamento é intrinsecamente previsão; • da participação: que requer a participação de todos os níveis e setores da administração. Ao conceituar o planejamento enquanto atividade deve-se ressaltar o seu caráter permanente, uma vez que esta atividade se volta ao acompanhamento da evolução de determinada realidade dinâmica, característica que enfatiza o produto da atividade planejadora enquanto seqüência de decisões baseadas em séries de proposições, de forma continuada e permanentemente revista. Deve-se diferenciar planejamento de plano uma vez que o plano é elemento pronto e acabado a ser exposto sobre a realidade visando à sua transformação, enquanto que o planejamento é um processo de trabalho permanente. No processo de planejamento, os planos são a expressão localizada, temporal e espacial de um conjunto de medidas, visando à evolução da realidade, devendo ser objeto de permanente atualização. NÍVEIS DO PLANEJAMENTO O planejamento pode ser entendido como possivelmente inerente a qualquer âmbito da atividade humana, desde a organização da vida pessoal do indivíduo até a elaboração de estratégias para a resolução de quaisquer problemas em âmbito mundial, como a produção de alimentos, o combate às moléstias, o controle da explosão demográfica etc. Assim, o planejamento pode ser traduzido através de diversos níveis, em correspondência ao âmbito do problema que se objetiva resolver. O âmbito do planejamento se refere a toda uma gama de interesses que envolvem a comunidade, abrangendo os problemas de desenvolvimento econômico, os relacionados ao bem-estar social e aqueles relativos à organização do espaço. A partir do parâmetro físico para o estabelecimento do âmbito do planejamento, são estabelecidos os níveis do planejamento. Como exemplo de nível de planejamento pode-se considerar um parâmetro com âmbito nacional, em que o primeiro nível pode ser o global ou nacional. A partir desse primeiro nível, podem ser estabelecidos sucessivos desdobramentos, correspondendo aos diversos conglomerados específicos que participam do espaço e da comunidade nacional. A estes desdobramentos podem corresponder, sucessivamente, os níveis macro-regional, regional, estadual, microregional e local (LE CORBUSIER, 1971). Portanto, níveis são processos de ordenação de meios, visando à melhoria das condições no âmbito de cada uma das especificações espaciais citadas ou processos de sistematização de atividades, estruturados de acordo com os interesses específicos de uma determinada localidade e tendo em vista a melhoria de vida de sua população. A multisetorialidade do planejamento decorre da organização dos meios para atingir determinados fins. Dessa maneira, a atividade planejadora entendida no seu conjunto deve levar em conta os aspectos econômicos e sociais, os aspectos territoriais e espaciais e também os institucionais e políticos. Somente a partir de uma ordenação integrada de todos estes aspectos setoriais será possível obter o efeito da atividade planejadora, no sentido de contribuir para a melhoria progressiva da realidade existente. O planejamento é, portanto, uma atividade multisetorial a ser desenvolvida em diferentes níveis de amplitude com o objetivo de atender integradamente à melhoria da realidade global (PERLOFF, 1973). As escalas de planejamento são constituídas pelas áreas de abrangência que o planejamento “pontual” pode exercer, levando em consideração os dados espaciais e temporais disponíveis. Pode-se trabalhar, sob esta perspectiva, com diversas escalas uma vez que cada uma delas corresponderá a um nível de intencionalidade. PROCESSO DE PLANEJAMENTO O processo de planejamento engloba a motivação, que leva à elaboração do plano, sua implementação, implantação e controle – que permite analisar as necessidades de revisão e as possibilidades de continuidade do planejamento. Esse processo pode ser representado graficamente da seguinte maneira: Motivação Elaboração do plano Implantação Implementação (continuidade) controle (REVISÃO) OPERACIONALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO A operacionalização do planejamento se dá através dos mecanismos institucionais existentes, por intermédio dos quais são tomadas decisões que influem no processo de desenvolvimento do planejamento. Assim, a participação de cada uma das entidades atuantes se efetiva através de canais institucionais aos quais elas se relacionam ou mesmo, de forma autônoma, por iniciativa própria. Isso resulta em uma somatória de esforços, nem sempre coordenados e coerentes entre si (TYLER; GUERRIER, 2001). Para evitar a ausência de planejamento há a necessidade de se instituir um processo, objetivando orientar a coordenação dos organismos que atuem no local, visando compatibilizar suas ações em função de objetivos comuns fixados com vistas ao melhor desempenho das estruturas de organização da comunidade. Dentro desta visão, cabe verificar qual, ou quais, dos mecanismos institucionais existentes têm melhor capacidade de assumir essa coordenação do processo do planejamento. São exemplos de entidades participantes da atuação do planejamento em nível local: a) instituições governamentais locais: prefeitura, câmara municipal, empresas de serviços públicos locais, instituições escolares, de saúde etc.; b) instituições de natureza comunitária local: associações de bairros, comunidades paroquiais, agremiações recreativas, sociais, esportivas, profissionais ou políticas etc.; c) instituições empresariais, de produção ou de prestação de serviços, com interesse ou orientação estritamente local; d) organismos governamentais de nível regional ou estadual: órgãos judiciais, coletoria estadual, casa da agricultura, entidades educacionais, de saúde, de promoção social, órgãos descentralizados de empresas ou entidades estaduais prestadoras de serviços públicos – a exemplo de serviços de água e esgoto, rodoviário, de comunicações – etc.; e) organismos governamentais de nível nacional: instituições militares, organismos descentralizados da administração federal, agências de empresas ou entidades federais prestadoras de serviços, entidades educacionais federais etc.; f) organismos governamentais de interesse internacional: representações diplomáticas etc.; g) instituições de natureza comunitária não local: agremiações políticas, associações de municípios etc.; h) instituições empresariais de produção ou de prestação de serviços de orientação extra-local regional, nacional ou mesmo multinacional, e/ou com interesses estritamente locais. Essa relação, não discriminatória, mostra a amplitude dos graus de interferência na vida local na medida em que se multiplicam as entidades que, de uma forma ou de outra, participam das atividades que se desenvolvem a nível local. Para desencadear o processo de planejamento, com possibilidades de êxito, é necessário ter em vista os diversos elementos ou fases desse processo incluindo a consciência do problema a ser equacionado; a correta elaboração do plano e dos conceitos básicos do planejamento; o preparo da implementação do plano e da formulação dos respectivos instrumentos e o permanente controle e aferição dos resultados decorrentes da ação planejadora (MOLINA, 1997). Porém, é imprescindível que haja consciência da necessidade do planejamento de forma a levar a administração do local a assumir essa tarefa, com seriedade e em caráter permanente. Essa necessidade de planejamento pode ser sentida através de pressões e obrigações de caráter institucional ou legal, como ocorre (no caso de haver) para obtenção de quaisquer recursos por parte da administração do local, a subordinação, à existência de um plano diretor ou de desenvolvimento. A obrigatoriedade, nem sempre é fator decisivo na formação de uma consciência frente à necessidade do planejamento, podendo dar origem à elaboração de planos de caráter meramente formais. De forma mais decisiva que a simples imposição legal, a necessidade de planejamento pode se evidenciar através de problemas efetivamente existentes, criando pressões sobre a administração, no sentido de equacioná-los. Esta necessidade se torna cada vez mais real na medida em que os problemas, principalmente os urbanos, se agravam e passam a atingir diretamente a população. A solução de problemas urbanos exige, cada vez mais, uma visão integrada de seu conjunto, uma vez que soluções parciais não costumam atingir o cerne do problema podendo, até mesmo, agravá-los. Outro fator que deve ser levado em conta para o desencadeamento do planejamento de um local é a motivação em relação à atividade planejadora, importante tanto no que diz respeito aos administradores, como também à própria população local. Pode surgir a partir da própria consciência dos problemas e, assim, tornar-se o impulso inicial para o desencadeamento de uma mentalidade de planejamento. FATORES PARA A ELABORAÇÃO DE UM PLANO A partir da conscientização frente à necessidade e importância de instaurar um processo de planejamento, a administração deve optar inicialmente pela forma que lhe parecer mais adequada para a condução desse processo. Várias são as formas de trabalho (WOILER; MATHIAS, 1996) que podem ser adotadas para elaboração de um plano, no entanto, duas são básicas: os recursos financeiros e os técnicos. Quanto aos recursos financeiros, a administração poderá decidir sobre: 1) utilização de recursos humanos, financeiros e técnicos disponíveis na administração local, acionando-os para a criação de um processo interno de elaboração do plano e utilizando, eventualmente, a orientação técnica de órgãos especializados. Para tanto, é necessária a existência de recursos mínimos que garantam a efetivação e continuidade do trabalho de planejamento; 2) utilização de recursos financeiros próprios e contratação dos serviços profissionais de empresa especializada para a elaboração do plano ou para orientação do pessoal administrativo local na elaboração do mesmo, contando para tanto com a assistência técnica de órgãos oficiais; 3) obtenção de empréstimos para elaboração do plano, através de agências oficiais de financiamento, entregando a elaboração à responsabilidade de uma empresa especializada, sob a fiscalização do órgão financiador. Quanto aos aspectos técnicos envolvidos na elaboração de um plano é importante levar em consideração os seguintes fatores condicionantes: 1) recursos técnicos necessários em termos de material e pessoal; 2) possibilidade de efetivação de levantamentos preliminares sumários, necessários à confecção de termos de referência, que especificam as necessidades e objetivos mínimos que devem ser atendidos pelo plano; 3) criação de organização local para o planejamento, que permita a assimilação dos trabalhos efetuados; 4) análise e escolha da forma mais apropriada para alocação dos recursos necessários através de concorrências, convites ou outras formas, atentando ao fato de que existem normas legais que regem esta matéria. FASE DE IMPLANTAÇÃO A fase de implantação no planejamento tem igual ou maior importância que a elaboração do plano, pois é mediante a implantação que se transformam em realidade as proposições podendo-se nesta fase, através de cuidadoso controle, aferir propostas elaboradas e sugerir retificações para manter o processo de desenvolvimento no rumo desejado. Três pontos merecem destaque nesta fase: 1) organização administrativa: de fundamental importância a implantação efetiva das medidas propostas pelo planejamento na parte institucional, inclusive a curto-prazo, para garantir uma base administrativa eficaz. Há necessidade de um sistema de planejamento que atue em nível conceitual e executivo, cuidando das questões de controle arquitetônico e urbanístico (inclusive quanto à elaboração de projetos públicos), programação e controle orçamentário e centralização de informações; 2) previsão financeira: necessária à adequação dos planos de ação às possibilidades financeiras da administração local, devendo ser acionados os controles de execução orçamentária, principalmente no que se refere aos investimentos; 3) legislação: a garantia para a implantação das propostas de um plano é dada pela existência de uma legislação que trace normas oficializando e institucionalizando as diretrizes preconizadas no plano. CONTROLE E AFERIÇÃO PERMANENTE DOS RESULTADOS Um último aspecto do processo de planejamento a ser ressaltado é o controle e aferição permanente dos resultados decorrentes da ação planejadora. De certa forma, esta fase tem início simultaneamente à própria elaboração do plano, na medida em que já se procura adequar as ações de intervenção na realidade às diretrizes que estão sendo formuladas no plano e, num processo reflexo, levar às diretrizes do plano os resultados de qualquer ação desenvolvida, visando adequar perfeitamente aquelas diretrizes à realidade. Ao implantar as proposições de um plano, através dos instrumentos estruturados há necessidade de se estabelecer procedimentos que permitam aferir sistematicamente e permanentemente os resultados efetivos que se obtêm a partir das ações realizadas. Os mecanismos de controle devem permitir a constatação de desvios nas propostas ou nos instrumentos utilizados de forma a possibilitar sua correção de maneira bastante dinâmica. Trata-se, basicamente, de uma realimentação do processo de planejamento (PETROCCHI, 2001). Procedimentos básicos desse controle são: • a verificação permanente dos fenômenos urbanos através do levantamento e acompanhamento de indicadores da realidade; • a instituição de mecanismos de apuração e fiscalização dos resultados da aplicação dos instrumentos legais; • a instituição de sistemas de informações, voltados ao planejamento, programados para a sua permanente atualização; • a implantação, manutenção e atualização de sistemas cadastrais; • a criação de mecanismos de controle de atuação pública mediante aferição permanente da implantação de programas e da realização orçamentária. PLANEJAMENTO URBANO E QUALIDADE DE VIDA Aspectos relativos à densidade demográfica, empregos e saúde pública são pauta de grandes discussões que envolvem o espaço urbano e a qualidade de vida, bem como a questão do lazer dos citadinos. Quando se fala em citadinos ou megalopolitanos devemos levar em conta que, sem sombra de dúvida, eles são os agentes do crescimento urbano, cujo processo é irreversível. Por outro lado, as questões relativas a esse crescimento passam, também, pelas possibilidades de maiores investimentos de infra-estrutura e tecnologia, além dos processos migratórios. As grandes cidades ainda são reflexos de uma alta densidade populacional que convive cotidianamente com diversos problemas, dentre os quais: o uso do tempo livre que expressa o modus vivendi da sociedade atual e que certamente refletirá sobre a futura (SANTINI, 1987). Ao abrirmos cotidianamente o jornal nos deparamos com dezenas de dados estatísticos que procuram delimitar uma paisagem da situação de vida do homem contemporâneo, principalmente, no que diz respeito aos denominados países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Já há duas décadas debatia-se sobre a inflação humana, apontando-se algumas mega-metrópoles e discutindo-se que o padrão material de vida havia melhorado, apesar de uma resistência para com a alteração dos padrões de comportamento que se mantinham os mesmos frente ao planejamento familiar. No início desta década, o debate continua o mesmo e a grande preocupação ainda é sobre as condições de vida do homem contemporâneo. Para obter tal resposta, a busca se respalda na obtenção de dados quantitativos para tentar medir a chamada qualidade de vida. Mas será possível medir qualidade de vida através de índices relativos a renda, aquisição de bens, acesso a informações etc.? No que consiste, realmente, qualidade de vida? Alllardt (1988) estabelece três níveis como parâmetros para definir a qualidade de vida do ser humano: ter, amar e ser. Cada um desses patamares possui atributos próprios que podem ser adquiridos simultaneamente ou não. Segundo Allardt, a esfera do ter corresponde à aquisição de meios de sobrevivência e está situada no nível objetivo da vida. As duas esferas seguintes – amar e ser – expressam um critério subjetivo de análise, pois no amar está incluso o prestígio, o status e o reconhecimento; no ser encontra-se a satisfação própria, fazer coisas interessantes e a auto-realização. Nesta teoria podemos pressupor que o uso do tempo livre - preenchido com atividades discricionárias3 - possa contribuir para mensurar as duas esferas subjetivas, principalmente se no âmbito do planejamento urbano tais atividades forem contempladas com espaços organizados e animados para sua concretude. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do advento do capitalismo, os valores culturais permeados pelo apelo consumista resumiram o homem a promotor e, ao mesmo tempo, expectador de sua produtividade. Sua capacidade de produção e, conseqüentemente, sua capacidade de consumo de bens materiais são parâmetros pessoais e sociais para a avaliação que o situa entre o sucesso e o fracasso. Em decorrência do enorme progresso tecnológico, especialmente das últimas décadas, que vem transformando as relações entre capital e trabalho, o homem passa a ter horários específicos e pré-determinados de jornada laboral e é dentro dessa ordem social, que passa a existir o tempo livre definido como o tempo no qual o indivíduo não está diretamente atrelado a sua condição de agente de produção, derivando daí uma questão crucial para o homem e a sociedade contemporânea: o que fazer com esse tempo que “sobra” da atividade produtiva? Treinados que fomos a nos qualificar - positiva ou negativamente - por valores determinados externamente e com objetivos às vezes obscuros, mas que perseguimos com obstinação cega, fica difícil atuarmos com habilidade numa esfera desconhecida, despojada de obrigações e deveres formais que nos remetem à memórias infantis carregadas de sutilezas como o prazer, a felicidade e a alegria. O ser humano contemporâneo perdeu os elos da cadeia que o definem como tal em sua plenitude. Observa-se grande inadequação para a vida fora do ambiente de trabalho. As pessoas não sabem o que fazer com o tempo que excede à atividade produtiva e precisam re-aprender o quê e como fazer coisas em seu tempo livre. Observa-se nos momentos de lazer sentimentos de tédio, solidão, insatisfação, sensação de vazio e de inutilidade. 3 O sentido adotado para atividades discricionárias é de que o indivíduo, em seu tempo livre, pode optar dentre as várias atividades que lhe sejam possíveis exercer. Tal opção se baseia nos graus de liberdade que possuímos, que por sua vez, possuem referencial com o contexto cultural em que estamos inseridos. O ambiente sufocante e competitivo do trabalho acompanha o indivíduo em seu tempo livre, uma vez que ele não equilibra o tempo dedicado para as atividades produtivas com o das atividades prazerosas ou lúdicas que o mantém ligado às suas necessidades de foro íntimo e necessidades intrínsecas, cuja satisfação é responsável em última análise pela sobrevivência psíquica e, também, pela integridade física. Neste contexto, o equilíbrio entre os diferentes e vários âmbitos de atuação do homem pleno pode se traduzir em qualidade de vida. Segundo Amaury Souza (1972:53): (...) a melhor qualidade de vida pertence à cidade que mais possibilite à sua população acesso a maior número de modos alternativos de vida. A maneira como a cidade impõe gastos diferenciais de tempo físico à sua população (...) é, nesta perspectiva, a medida exata do grau em que ela se aproxima da Cidade do Homem ou da bête noire do progresso industrial. A opção pela avaliação do emprego e planejamento do espaço urbano como referente de qualidade de vida em função de sua relação com o lazer e o turismo tem respaldo, principalmente, por possibilitar a manifestação das idiossincrasias e ao mesmo tempo, pela tendência à valorização das atividades possibilitadas no tempo livre em sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLARDT. Lista delle preoccupaziono sociali. In: Revue de Tourisme n. 4, out/dez, 1988. BACAL, Sarah S. Lazer e o universo dos possíveis. São Paulo: Aleph, 2003. BISSOLI, M. Angela M. A. Planejamento turístico municipal com suporte em sistemas de informação. São Paulo: Futura, 2000. DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976. FERRARI, Célson. 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