A Introdução da Acupuntura no Subsistema de Saúde Indígena do Brasil Relato de experiência Monografia apresentada para o curso de especialização e desenvolvimento em Medicina Chinesa-Acupuntura do Center AO (UNIFESP-EPM) São Paulo 2007 Gianna Guiotti Testa A Introdução da Acupuntura no Subsistema de Saúde Indígena do Brasil Relato de experiência Monografia apresentada para o curso de especialização e desenvolvimento em Medicina Chinesa-Acupuntura do Center AO (UNIFESP-EPM) Orientador: Prof. Dr. Ysao Yamamura Co-orientadora: Dra. Sofia Mendonça São Paulo 2007 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos amigos indígenas da Aldeia Boa Vista (Tekoá Jaexaá Porã), que me proporcionaram uma importante experiência profissional no campo da medicina de família e comunidade, e me mostraram que não preciso ir até o outro lado do planeta para conhecer práticas interessantes de Medicinas Tradicionais. Dedico à população indígena em geral do nosso país, que, com todas as suas diversidades e particularidades, conquistam cada vez mais profissionais, dispostos a trabalhar em benefício da melhoria da qualidade de vida destas. Em especial às minhas filhas e às crianças da Aldeia Boa Vista. AGRADECIMENTOS: Meus pais e minhas filhas (portos seguros que me ajudam a construir meus navios); Minhas irmãs pelo apoio; Wilson, Yara, e Anita, pelas vivências e ausências; Projeto Rondon-SC, FUNASA-CORE e CASAI-SP; Hospital São Paulo, Projeto Xingu, Ambulatório do Índio-UNIFESP–EPM; Secretaria Municipal de Saúde de Ubatuba; Colegas e professores da UNIFESP – Virtual; Augusto E. Braga, Augusta Sato (Guga), Hideiko Shiraishi, Marcos da Silveira Franco, Marcelo Sartório, Sofia Mendonça; Altino dos Santos, Santa Rosa, Maurício, Maria Helena, Marcelino, Olga, Venâncio, Lourdes, Iracema, Luísa, Jandira, Adriana, Danilo, José, Íris, Baiano, Nadia, Cida, Sr. Fernando, e todos do clã Boa Vista. Pelos anos de convivência, que deram o privilégio para uma descendente de europeus (espanhóis e italianos) batizada como Gianna Guiotti Testa sentir-se legitimamente brasileira ao ganhar um nome indígena guarani. Obrigada a todos vocês pela oportunidade de viver e escrever esta experiência. SUMÁRIO: DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS RESUMO INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA MÉTODOS E RESULTADOS DISCUSSÃO E CONCLUSÕES REFERÊNCIAS (BIBLIOGRAFIA CONSULTADA) ANEXOS INTRODUÇÃO: Este trabalho objetiva relatar a experiência da autora como médica da Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena da Aldeia Boa Vista, município de Ubatuba, litoral norte de São Paulo. A autora atuou como médica generalista, desenvolvendo as ações que competem a uma equipe de saúde da família e comunidade (assistência e promoção da saúde), e selecionou alguns casos para tratamento com acupuntura e moxabustão, práticas terapêuticas da Medicina Tradicional Chinesa. Em 1986 foi realizada a I Conferência Nacional de Proteção à Saúde Indígena no Brasil, logo depois, na constituição de 1988 foi criado o Sistema Único de Saúde cujo um dos princípios é a Equidade, ou seja, a assistência à saúde deve ser feita respeitandose as diferenças e peculiaridades de cultura e diferenças sociais das comunidades. A Equidade também pode ser interpretada como a necessidade de se investir mais para quem precisa mais para ter o mesmo resultado nos indicadores de saúde. Sendo assim, respeitando o princípio da Equidade do SUS e como resultado de um grande movimento da Reforma Sanitária Brasileira, Em 23 de setembro de 1999, através da lei n 9836, foi implantado o Subsistema de Saúde Indígena. A partir do mesmo ano, foram transferidos para FUNASA os recursos humanos, insumos e equipamentos utilizados na assistência à saúde indígena, anteriormente sob responsabilidade da FUNAI. Desde então, cabe a FUNASA a gestão da Saúde indígena através de convênios com Organizações Não-Governamentais e Indígenas, e órgãos do governo. O Subsistema de Saúde Indígena está organizado em Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena e possui mecanismos específicos de controle social. Os Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena constituem bases operacionais para programas de promoção e assistência à saúde dos indígenas. No Brasil há trinta e quatro DSEIS, sendo que cada DSEI é constituído de várias unidades de saúde dentro das aldeias, um ou mais pólos-base (onde há uma melhor infra-estrutura e melhor poder resolutivo). Há também as CASAIS, ou Casas de Saúde do Índio, unidades de apoio em algumas cidades e capitais para oferecer tratamento e assistência aos casos de maior complexidade. A FUNASA vem incentivando cada vez mais as práticas tradicionais de saúde dos povos indígenas, associadas às praticas técnicas da medicina acadêmica, em respeito ao princípio da Equidade. É importante ressaltar que as práticas tradicionais de cura devem ser estimuladas em associação a uma boa assistência preventiva e curativa à saúde dos povos indígenas. Devido à uma maior vulnerabilidade à vários fatores de adoecimento, os indígenas aldeados devem ter acesso aos programas de imunização, educação em saúde, e a serviços de média e alta complexidade. Um exemplo de incentivo às práticas tradicionais de saúde indígena foi a resolução SS-07, de 19/01/2004, instituída pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, através de articulação com a Coordenação Regional da FUNASA em São Paulo. Esta resolução determina que todos os hospitais públicos localizados nos municípios onde há aldeia deve se adequar para garantir a dieta adequada às indígenas por ocasião do período pósnatal, além da devolução da placenta à aldeia para ritual tradicional (No caso de partos realizados em ambiente hospitalar). Esta resolução foi fruto do trabalho denominado de” Projeto Parteiras”, que atualmente possui resultados excelentes de resgate dos partos tradicionais realizados pelas parteiras na própria aldeia, quando não há contra-indicação médica(e da própria parteira) e adesão da própria parturiente, que em geral é muito boa. Em particular na Aldeia Boa Vista, onde trabalhou a autora, o projeto teve um impacto positivo no numero de partos que passaram a ser realizados tradicionalmente (ver gráfico em anexo). A prática da acupuntura foi importante em alguns casos, associada ao pré-natal tradicional preconizado pelo Ministério da Saúde, pois em alguns casos onde a posição fetal pélvica desaconselhava o parto em domicílio, foi possível reverter a posição fetal para cefálica através do uso de pontos tradicionais de acupuntura, possibilitando que o parto fosse realizado na aldeia. É importante ressaltar que a mortalidade peri-natal no mesmo período foi zero, o que mostra que uma adequada assistência primária à saúde associada às práticas tradicionais pode manter bons indicadores. Sendo assim, o relato deste trabalho torna-se importante, pois a autora acredita que o uso da acupuntura e praticas complementares integradas podem favorecer a implantação e resgate da medicina tradicional das diversas etnias existentes em nosso país. E a tendência atual, tanto por parte dos gestores, quanto das lideranças indígenas, é incentivar a integração das duas práticas de assistência à saúde: tradicional e científica. REVISÃO DE LITERATURA: A acupuntura é definida hoje como um “conjunto de procedimentos terapêuticos que visam introduzir estímulos em pontos definidos e prescritos da anatomia, a fim de obter do organismo, em resposta, a recuperação global da saúde, ou a prevenção de doenças, através de estímulos aos processos regenerativos, normalização das funções orgânicas de regulação e controle, modulação da imunidade, promoção de analgesia e de harmonização das funções endócrinas, autonômicas e mentais” (Carneiro, 2000). Há mais de três mil anos, durante a dinastia Shang, apareceram os hieróglifos de Acupuntura e Moxibustão nas inscrições em ossos e cascos de tartaruga. Inicialmente, a “pedra Bian” era o principal instrumento para tratar doenças, mas nesse período, com o desenvolvimento das técnicas de fundição de lança em bronze, surgiram as primeiras agulhas feitas deste material para uso medicinal. Durante este período constituiu-se o pensamento filosófico do YinYang e cinco elementos, e os médicos antigos obtiveram o conhecimento preliminar de pulso, sangue, fluido corpóreo, Qi, Shen, essência, bem como a doutrina de adaptação pertinente do corpo humano ao ambiente natural. Surgiu, assim, o broto da teoria básica da Medicina Tradicional Chinesa. No século III antes de Cristo, foram descobertos dois rolos de seda registrando os canais de energia e colaterais, na escavação da tumba de Han (Dinastia Han-206ac-24dc), que revelaram a descoberta mais antiga da teoria dos canais de energia e colaterais. Durante as dinastias Setentrional e Meridional (265-581), devido às guerras, o conhecimento da Acupuntura e Moxibustão foram popularizados, aparecendo neste período cada vez mais monografias e mapas dos pontos de Acupuntura. Durante as dinastias Sui(581-618) e Tang(618-907), a China passou por um processo de prosperidade econômica e cultural da sociedade feudal, e a ciência da Acupuntura e Moxibustão também tiveram grande desenvolvimento. Na dinastia Ming (1368-1644), a acupuntura foi trabalhada e estudada até atingir o seu auge. Neste período, foram feitas revisões com resumos da literatura através dos séculos. Do estabelecimento da Dinastia Qing até a Guerra do Ópio (16441840),os doutores da Medicina consideraram a Medicina Herbária superior à Acupuntura, que caiu em desuso neste período. Em 1822, o imperador Dão Gang baniu a Acupuntura e moxibustão da Cidade Proibida, alegando que estas não eram práticas adequadas para serem aplicadas na monarquia. Com a revolução de 1911, terminou o império da Dinastia Qing, e a popularidade da Acupuntura entre os chineses sofria altos e baixos, estando a sociedade dominada por facções opostas: de um lado, aqueles que queriam libertar a China de tudo que fosse supersticioso e não-científico; e de outro, os que não queriam submeter a cultura chinesa `a influência ocidental. Quando a Medicina Ocidental foi ali introduzida, ela passou a ser considerada superior, e a Medicina Tradicional Chinesa foi relegada às áreas rurais e já não era mais ensinada nas faculdades. A Acupuntura foi introduzida novamente pelo governo comunista nos anos cinqüenta, por razões pragmáticas: a necessidade urgente de um tipo de assistência à saúde que incluísse toda a população de meio milhão de habitantes (Bonica, 1974). Foram dados cursos rápidos e de aplicação imediata de acupuntura e fitoterapia aos chamados “Barefoot Doctors” (médicos de pés descalços), profissionais que recebiam formação para atender às necessidades básicas da população em atenção primária. Eis aí um dos grandes programas de saúde pública do mundo. De fato, as principais práticas da Medicina Tradicional Chinesa são eficazes com pouco investimento financeiro, salvo nos recursos humanos, cujos profissionais devem estar tecnicamente qualificados para que o resultado final seja satisfatório. Em 1948, a Secretaria de Saúde do Governo Popular da China patrocinou um curso de Acupuntura, além de esta ter sido introduzida no Hospital Internacional da Paz, fato este que contribuiu para a disseminação e compreensão desta por doutores da Medicina Ocidental. Em 1950, o presidente Mão Zedong adotou uma importante política para unir os médicos das escolas ocidentais com as tradicionais. Nesta época, o trabalho principal era a sistematização da teoria básica da Acupuntura e Moxibustão e observar as indicações clínicas destas, para fazer uma exposição sistemática, associando-as á métodos modernos. Atualmente, as realizações de pesquisa de Acupuntura ganharam qualidade. E o efeito clínico e a pesquisa através de métodos científicos modernos estão na vanguarda do mundo. Diante deste processo histórico, a autora acha importante relatar a analogia que vem acontecendo no processo de assistência à saúde indígena no Brasil. Após o contato com a Medicina científica, os povos indígenas em sua maioria, relegaram a segundo plano as técnicas tradicionais e culturais de cura. Não menosprezando o valor e a importância da assistência médica tradicional (vacinas, medicações, pequenos procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, etc.), a atuação em campo faz qualquer colega concordar com a autora da importância dos procedimentos tradicionais de cura, muito valorizados pelos indígenas, para a promoção e assistência adequada á saúde destes. Dentro deste contexto, a Medicina Tradicional Chinesa possui semelhanças peculiares com a Medicina Tradicional dos Índios, no sentido de uso de derivados de plantas e animais como medicamentos e na crença de fatores ambientais, emocionais e até espirituais como etiologias de diversas doenças. A questão da etiologia espiritual não foi pesquisada pela autora dentro dos fatores etiológicos considerados pela Medicina Tradicional Chinesa. Fatores externos, tais como clima; dieta inadequada; fadigas físicas, sexuais e mentais; exposição às radiações patológicas; são classicamente reconhecidos e tratados pela Medicina Chinesa. A Psiconeuroendocrinoimunologia, ciência que estuda o agravamento ou desencadeamento das doenças devido às emoções reforça e confirma a crença da Medicina Tradicional Chinesa que as emoções representam o principal fator interno de adoecimento. Sabe-se que a filosofia do TAO que permeia a prática da MTC, preconiza a harmonia com a natureza e há relatos de formas bem sutis de cura, tais como Chi-Kung, e as chamadas “Invocações”. Além de práticas de preservação da saúde, tais como massagens, exercícios ao ar livre, dieta equilibrada, entre outras. Mas a etiologia das doenças relacionadas a fatores espirituais não é tão explícita dentro da Medicina Chinesa, assim como é em grande parte das etnias indígenas. De fato, várias etnias na literatura pesquisada pela autora atribuem á fatores espirituais as causas de diversas doenças, o que a um primeiro momento dificulta a aproximação e adaptação dos médicos e profissionais de saúde em geral, da medicina científica da medicina tradicional dos índios. Os indígenas da etnia Kaigang, por exemplo, admitem que o indivíduo fique doente por diversas causas: perda temporária da alma; ou um espírito de uma pessoa já falecida pode fazer mal ao indivíduo; e até mesmo um espírito natural (das chuvas, dos ventos, dos animais). Em relação a esta causa, admitem os Kaigang que todos os seres da natureza possuem um espírito: as árvores, terra, rochas, águas, sol, lua, estrelas, animais, ventos e tempestades, etc. Já entre os indígenas da etnia Bororó, não há entre eles a crença de que a moléstias ou a morte são ocasionadas pelo “furto da alma” ou algo tão espiritual, mas a moléstia seria causada pela introdução de um(s) elemento(s) estranho(s) no corpo da vítima. Talvez uma analogia com a medicina científica fossem as patologias do sistema imunológico. Fato curioso é que os indígenas desta etnia descrevem com ênfase os sintomas da menopausa, e dentre tais elementos estranhos que podem ser causadores de doenças, há “espíritos malignos “de natureza animal e vegetal”. De fato, outras etnias também acreditam que alguns animais são prejudiciais até no contato com o homem. Os indígenas da etnia guarani da Aldeia Boa Vista não ingerem peixes de água salgada, apesar da proximidade com o mar, por questões culturais. O emprego de plantas “medicinais” tradicionais, que muitas vezes não tem nenhum valor terapêutico ou profilático, é feito sem a intervenção dos pajés e das parteiras. Muitas vezes, porém, durante os rituais de cura, conhecidos como “pajelança”, várias plantas de conhecimento restrito e tradicional são utilizadas. Alguns autores nos dão uma lista grande destas plantas, não só o valor curativo, mas também preventivo, e para fins desejáveis bem interessantes e peculiares, tais como “crescer robusto; ter boa memória; tornar-se invisível; dentre outros”. É provável que muitas plantas utilizadas contra os animais nas caçadas, com o intuito de enfraquecê-los e os tornar mais acessíveis ao homem, sejam empregadas pelos índios uns contra os outros, ou contra supostos “inimigos”. Além do tratamento ritual realizado durante a sessão de pajelança, o pajé prescreve algumas receitas, que incluem chás, emplastros, banhos, defumações, fricções. Tais práticas são utilizadas pelas Medicinas Orientais em geral, e a Moxibustão, prática utilizada em algumas indicações clínicas da Medicina Chinesa, foi muito bem aceita pelos pacientes indígenas. Interessante também citar que é forte a crença em algumas etnias de que as receitas foram fornecidas por espíritos incorporados durante o “estado de transe” do pajé. Na Medicina Tradicional Chinesa, não encontramos tal caráter fortemente espiritual, mas há relatos de estados de relaxamento ou consciência do curador, para obter melhor resultado na cura. Quanto mais receptivo e motivado também se apresentar o paciente, melhor o resultado desta. MÉTODOS E RESULTADOS: A autora atuou como Médica na Unidade Básica de Saúde da Aldeia Boa Vista durante três anos, inicialmente através da Secretaria Municipal de Saúde de Ubatuba e posteriormente através de um convênio entre a Fundação Nacional de Saúde e a OSCIP Projeto Rondon de Santa Catarina. Atualmente a assistência à saúde na aldeia é feita através de equipe multidisciplinar de saúde indígena, composta por agentes indígenas de saúde, agentes de saneamento, auxiliar de enfermagem, enfermeiro, médico, dentista, auxiliar de consultório dentário e motorista. Dentre os casos selecionados tratados através da Acupuntura e Medicina Tradicional Chinesa, a autora selecionou um para o relato neste trabalho. O caso relatado preserva o anonimato do paciente, sendo fidedignos somente o gênero e idade dos mesmos. A autora esclarece ainda que foi solicitado às lideranças da comunidade a autorização para a descrição do caso a seguir. Caso 1 - PDA, feminino, 54 anos. Trata-se de uma paciente com quadro de rinosinusite alérgica crônica importante, agravada pelas condições adversas de moradia e pelo clima local intensamente úmido, além do hábito cultural de exposição freqüente à fumaça em ambientes fechados. A paciente recebeu acompanhamento conjunto regular no setor de rinologia do Hospital São Paulo, onde foi submetido à procedimento cirúrgico há cerca de dois anos, para minimizar a freqüência das crises de rinosinusite agudas. Como co-morbidades a paciente apresentava asma leve, hipertensão arterial leve,insuficiência cardíaca grau I e sobrepeso importante, fato este comumente observado em grande parte da população indígena, já como um processo danoso de hábitos alimentares adquiridos da cultura “civilizada”. Mesmo após o procedimento cirúrgico realizado, a paciente manteve uso regular de corticoterapia e higienização nasal, antihipetensivo, e precisava frequentemente de uso oral de antibioticoterapia e corticóide, o que poderia agravar ainda mais o problema de sobrepeso e um possível surgimento de síndrome metabólica, ou resistência periférica à insulina. Sinusopatias segundo a Medicina Ocidental: O diagnóstico das sinusites agudas ou crônicas baseia-se na anamnese, exames otorrinolaringológicos (palpação dos seios nasais, transiluminação em câmara escura, rinoscopia anterior e posterior e endoscopia nasal). O tratamento á composto por quatro princípios básicos: controle da infecção, redução do edema, facilitação da drenagem, manutenção da permeabilidade do óstio. Para isto, dispomos de um arsenal terapêutico composto por antibióticos, que são usados segundo a prevalência ou confirmação do(s) germe(s) causador (es); descongestionantes nasais; e corticoesteróides tópicos ou sistêmicos. Sinusopatias segundo a Medicina Tradicional Chinesa: Segundo Maciocia, a sinusite corresponde à antiga categoria médica chinesa do By Yuan. Na etiologia e patologia das sinusites estão envolvidas duas entidades: invasões repetidas de vento- calor ou vento- frio e a dieta. Aqui a autora faz uma analogia entre as etiologias das doenças segundo a Medicina Chinesa e a visão das culturas indígenas em que os fenômenos naturais também são fatores determinantes de doenças A paciente manifestava grande necessidade de rituais de cura tradicionais, fato este que sempre era apoiado pela equipe de saúde, FUNASA e Projeto Rondon, através do transporte para pajés de outras aldeias, e o fornecimento de insumos para rituais de cura tradicionais. Dentre os padrões causadores de sinusopatias segundo a Medicina Chinesa, após anamnese e exame físico da paciente em questão, o tratamento foi escolhido com base em dois padrões etiológicos: - Fogo (yang relativo) no Fígado (GAN) e na Vesícula Biliar (DAN), - Umidade e Calor no Estômago (WEI) e Baço-Pâncres (PI). Sendo assim, os pontos selecionados foram: F2, VB43, P7, IG4, VB15, VC12, B20, VC9, BP9, B22, VC13, VG23, IG20, E5, VC22, IG11, IG4, M-CP-3(YINTANG), M-CP9(TAIYANG), M-CP-14(BITONG). A paciente fez aplicação regular de acupuntura durante cerca de um ano, paralelo ao uso de medicação tópica e acompanhamento conjunto dos especialistas do Hospital São Paulo, e a adoção da acupuntura possibilitou um controle das crises agudas, diminuindo a necessidade do uso sistêmico de antibióticos e corticóide, o que poderia agravar ainda mais o quadro de sobrepeso e resistência á insulina da paciente em questão. A adesão da paciente à dieta recomendada e aos tratamentos não farmacológicos e farmacológicos foi relativamente boa, o que contribuiu bastante no sucesso do tratamento. Além do caso relatado, vários outros foram utilizados em nível de pronto-atendimento em acupuntura (principalmente os casos de algias periféricas), cuja experiência a autora adquiriu através da UNIFESP e Hospital São Paulo, onde funciona o único ProntoAtendimento Hospitalar em Acupuntura da América Latina. Além de casos de dor; crises hipertensivas; reabilitação de uma criança com retardo de desenvolvimento em conjunto com fisioterapia; a autora acredita que as práticas da acupuntura favoreceram muito a implantação do “Projeto Parteiras”, uma vez que algumas gestantes receberam praticas da Medicina Chinesa que favoreceram o parto via baixa, tais como inversão da posição pélvica para cefálica, e a indução de alguns trabalhos de parto póstermo. É claro que um bom acompanhamento pré-natal, preconizado pelo Ministério da Saúde, além do incentivo ao trabalho das parteiras, é fundamental para a manutenção deste trabalho. A prática denominada QI Mental, cujo ambulatório funciona juntamente com a Acupuntura no Hospital São Paulo, consiste em trabalhar com a força, ou energia (Chí ou QI) do pensamento, e tem resultados eficazes no controle e cura de patologias importantes, através da atuação nos padrões mentais do paciente. Muitas vezes esta prática do QI Mental é feita de forma complementar ao tratamento com acupuntura e fármacos, além de cirurgias. E alguns trabalhos recentes mostram um índice de cura bem melhor nestes casos. Esta técnica de mobilização do QI mental pode ser comparada ao processo de cura em alguns rituais indígenas. Uma vez que o curandeiro tradicional (pajé) atua em estado alterado de consciência (mudança do padrão habitual das ondas cerebrais) e o paciente também se encontra em estado de relaxamento, ou “transe”. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES: Diante de tudo o que foi exposto, e das semelhanças entre as duas culturas e práticas de medicinas tradicionais, a autora espera que este trabalho seja apenas o começo de uma aproximação entre a prática da Acupuntura e terapias integradas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, e à assistência á saúde dos povos indígenas. Principalmente no local onde atuou a autora, cuja referência para atenção secundária à saúde indígena é o próprio Hospital São Paulo, onde também funciona um dos melhores serviços médicos prestados aos clientes do SUS na área de Medicina Tradicional Chinesa e Acupuntura, a expectativa da autora é uma integração cada vez maior destes dois serviços. A exemplo do que vem acontecendo no campo da atenção à saúde indígena, na política de incentivo a prática de medicinas tradicionais, a Acupuntura representa um meio de apoio ao fortalecimento desta política, pelos motivos que foram relatados nesta experiência. Além do mais, a Acupuntura hoje é reconhecida como uma medicina cientificamente comprovada, através de trabalhos publicados no mundo inteiro, e é cada vez mais aceita e utilizada nos serviços de atenção à saúde (públicos e privados), e poderá contribuir também no processo de desmedicalização da atenção à saúde indígena. Os trabalhos realizados pela UNIFESP, dentre outras instituições, de formação de recursos humanos da própria comunidade indígena, capacitação de gestores para garantir a equidade, universalidade e integralidade dentro do Sistema Único de Saúde devem ser expandidos e incentivados. Uma vez que a população indígena possui cada vez mais condições de aprender a medicina científica e aproxima-la da Medicina Tradicional. Sendo assim, a autora espera uma inserção cada vez maior da Medicina Tradicional Chinesa enquanto prática científica de atenção à saúde, integrada com a assistência tradicional á saúde dos povos indígenas, respeitando a diversidade cultural entre as várias etnias. REFERÊNCIAS: (Bibliografia Consultada) - Acupuntura Tradicional: A arte de Inserir, Ysao Yamamura, 2 edição, ed. Roca; - Medicinas Tradicionais e Medicina Ocidental na Amazônia, Dominique Buchillet, 1991; - A Ilha Encantada: Medicina e Xamanismo em uma comunidade de pescadores, Raymundo Heraldo, Dissertação de Mestrado, UNB, 1977; - Parque Indígena do Xingu: Saúde, Cultura e História, Roberto Baruzzi e Carmem Junqueira (orgs.), ed. Terra Virgem; - Saúde e Povos Indígenas, Ricardo V. Santos e Carlos Coimbra (orgs.), ed. Fio Cruz, 1994; - Os meios de defesa contra moléstias e a morte em duas tribos brasileiras: Kaigang e Boróro oriental, Gioconda Mussolini, tese de mestrado, UNB, 1947; - A acupuntura na atenção primária no município de Florianópolis, Daniela Kanno, monografia de conclusão de curso, UNIFESP, 2002; - Acre, Rio Negro e Xingu; A formação indígena para o trabalho em saúde, Maria Bittencourt, Maria Toledo, Simone Argentino, Lavínia S. Oliveira, Associação Saúde Sem Limites; - Manual de atenção à saúde da criança indígena brasileira, FUNASA, MS, 2004; -Publicações sobre Gestão Administrativa e Medicina Tradicional (VIGISUS II), FUNASA, MS. - Fitoterapia: Conceitos clínicos, Degmar Ferro, ed. Atheneu; -Vadé-Mecum de Medicina Homeopática, Biomolecular e Homotoxicologia; -Os Fundamentos da Medicina Chinesa, Giovani Macciocia, ed. Roca; - Sistemas de Órgãos e Vísceras da Medicina Tradicional Chinesa, Jeremy Ross, segunda edição, Roca.