Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 313 Seção: Gênero, Sexualidade e Feminismo A CONQUISTA DA CIDADANIA PELAS MULHERES POLICIAIS: INCLUINDOSE PARA PARTICIPAR E PARTICIPANDO PARA DEMOCRATIZAR Geni Francinelle dos Santos Alves1 Resumo: O presente artigo se propõe a refletir sobre a chamada “democracia de gênero”, levada a efeito pelos movimentos feministas, partindo-se da relação existente entre a inclusão das mulheres enquanto agentes de Segurança Pública e o processo de consolidação democrática vivenciado pelo país, usando como fio condutor a democracia sob dois aspectos, o intercorporis, destacando-se a igualdade dos integrantes das forças policiais; e o externo, pautado na atuação diária da polícia e suas práticas para assegurar o desenvolvimento de uma sociedade mais democrática. Primeiramente, será contextualizado historicamente o processo de democratização vivenciado no país com o fim do período ditatorial. Num segundo momento, será feito a abordagem teórica da trajetória das mulheres na conquista pela cidadania, destacando a influência dos movimentos feministas no reconhecimento de uma “democracia de gênero”, refletida principalmente, na ampliação dos espaços no mercado de trabalho. Após essa discussão, será analisada pontualmente a inserção das mulheres nas forças armadas e auxiliares e suas implicações no contexto políticoinstitucional. Para desenvolver o presente estudo, fez se uma revisão bibliográfica, buscando-se apoio nos Estudos de Gênero e em algumas abordagens das Teorias Feministas. Palavras-chave: Mulheres Policiais. Movimentos Feministas. Relações de Gênero. Democracia. Cidadania. Abstract: This article aims to reflect on the so-called "gender democracy", carried out by feminist movements, starting from the relationship between the inclusion of women as public security agents and the democratic consolidation process experienced by the country. As the main thread, democracy guides the study in two aspects: the intercorporis, emphasizing the equality of members of police forces; and external, based on daily performance of the police and their practices to ensure the development of a more democratic society. First, the process of democratization experienced in the country after the end of the dictatorship period will be put in context. Secondly, the trajectory of women in the conquest of citizenship will be theoretically approached, highlighting the influence of feminist movements in the recognition of a "gender democracy" mainly observed in the expansion of opportunities in the labor market. After this discussion, the inclusion of women in the armed and auxiliary forces and its implications in political and institutional context will be specifically addressed. A literature review in Gender Studies and some approaches in Feminist Theories provide the basis for this study. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas – PPGCJ pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB Área de Concentração em Direitos Humanos. Linha de Pesquisa: Gênero e Direitos Humanos. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ramalho Rabenhorst. E-mail: [email protected]. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 314 Keywords: Women in Police. Feminist movements. Gender Relations. Democracy. Citizenship. construído, neste processo de rearranjo institucional. Assim, é notável que as relações de gênero, em sua grande maioria, ainda INTRODUÇÃO se Neste por meio de uma pretendemos sobreposição de poder, gerada através da proceder à análise do processo decisório hierarquização, onde o homem se coloca inscrito no contexto político-institucional no topo da pirâmide hierárquica. Essa que desenhou um quadro favorável ao temática que tanto foi e é combatida pelo ingresso das mulheres nas corporações Movimento Feminista, vem sendo fonte militares. Fez-se necessário caracterizar de inspiração para estudos em todo o alguns elementos inerentes a tal processo mundo não só com o intuito de esclarecer decisório, como sua dimensão histórica, e entender sobre tal fenômeno em si, como condições de emergência da demanda, também de permear esforços na busca do mecanismos de inclusão na agenda estatal, estreitamento das diferenças estabelecidas dinâmica desenvolvimento, por desigualdades sociais e reconstruir a contradições e tendências, assim como, os sociedade de maneira mais equitativa e desdobramentos políticos institucionais. justa. de trabalho estabelecem seu Analisaremos algumas Ademais, também crescem os características do funcionamento e cultura estudos e eventos que investigam a militar, a sua conjuntura política, grupos admissão da mulher na esfera militar, de interesse e forças presentes, que por sua sejam vez levaram à decisão do ingresso das chamadas forças auxiliares, marcando um mulheres na carreira militar. Para tanto, período de redemocratização da sociedade realizaremos também uma aproximação brasileira. Todavia, fazem-se necessárias das características do novo papel dos mais investigações relacionadas com a militares no inserção da mulher em tais instituições momento histórico da lenta e gradual militarizadas, destacando seu verdadeiro abertura política, identificando em que papel, delimitando o real do virtual, medida este novo papel está relacionado estabelecido pelas corporações do ponto ao de vista misógino em relação à cultura enquanto ingresso enquanto das instituição, mulheres elemento militares construidor e nas forças armadas ou nas institucional. Diante dessa ausência, a DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 315 nossa pesquisa pretende se somar a outros caráter histórico, ainda que timidamente projetos, traçando um levantamento inicial retratado, uma vez que a presente pesquisa sobre a inclusão das mulheres nas se instituições seus democracia de gênero, vislumbrando a desdobramentos na busca por espaços no todos os aspectos aqui referenciados, mercado de trabalho. convergindo, pois, para a necessidade da militarizadas e Para alcançar esse propósito, o propõe temática a desvelar apontada ser a possível explorada, artigo discute, à luz da análise crítica, os articulada e edificada, permitindo em sua seguintes e essência identificar, explicar e provocar consolidação da democracia no Brasil, resistência àquilo que é senso comum do contextualizando o período de abertura discurso sobre as mulheres. tópicos: a construção política, após o fim do regime ditatorial; em um segundo momento será exposto a 1 – O NASCIMENTO DO “ESTADO democracia do ponto de vista do gênero, DEMOCRÁTICO DE DIREITO”: a com a chamada “democracia de gênero”, sua contextualização no Brasil efetivado com o reconhecimento das Ao se analisar sob o aspecto mulheres como cidadãs, destacando a histórico, constatamos que a experiência trajetória mulheres, democrática no Brasil é recente, marcada enquanto sujeito de direitos, culminando por muitas conquistas e também pela com a inserção feminina no mercado de persistência de muitas dificuldades na trabalho; por último, discutiremos o caso busca de uma sociedade mais igualitária. particular da inclusão destas nas forças Desde os fins da década de 70, vem se policiais, detalhando a conquista da formando gradativamente no Brasil um ocupação dos espaços em um meio consenso, ainda que formal, em torno das predominantemente misógino. idéias percorrida pelas de direitos humanos e de Por fim, entendemos que a democracia2. Conseguimos construir com junção mulher-instituição policial merece dificuldade as instituições formais da uma abordagem mais pontual, com um democracia como sistema partidário com 2 Humanos numa época de insegurança. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2008.p.201. BERNARDES, Márcia Nina. Educação em Direitos Humanos e Consolidação de uma Cultura Democrática. In: BITTAR, E. C. B.; TOSI, G. (Orgs.). Democracia e Educação em Direitos DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 316 competição livre entre os grupos políticos, A consolidação democrática sufrágio universal, eleições secretas e representa um processo de aprendizagem periódicas, e uma Constituição Federal e de criação de uma cultura universalista e que e inclusiva de direitos, onde a igualdade remédios judiciais para o caso de violação moral entre os cidadãos seja respeitada, e desses direitos. No entanto, apesar de as pessoas não se tornem merecedoras de inegáveis mesmas respeito apenas por conta da posição que instituições não foram capazes de gerar assumem na sociedade hierarquizada, que por aqui os efeitos inerentes ao ideário distribui a cada um o seu papel, e mesmo moderno da igualdade, que subjaz ao seu valor social, em função de sua raça, próprio conceito de democracia. O Brasil sexo ou do seu status social. assegura direitos avanços, individuais essas continua marcado por uma estrutural de Em um nível macro e formal, desigualdade social, política e econômica. pode-se afirmar que os direitos humanos e Os direitos de grupos vulneráveis, tais a democracia se consolidam como código como as mulheres entre outros, são dominante no Brasil. Isso significa, dentre violados rotineiramente sem que, de fato, outras coisas, que a defesa pública de qualquer remédio seja oferecido. práticas que patentemente firam os É importante destacar, que os princípios da igualdade e da dignidade brasileiros somente puderam vivenciar as humana, por exemplo, não é mais possível virtudes do regime democrático apenas em no país. Ainda que liberdade, igualdade, dois períodos, ou seja, entre 1946 e 1964, dignidade e inclusão sejam ideais ainda e, mais recentemente, entre 1988 e os dias não inteiramente realizados, formaram-se atuais. Em uma visão temporal longa, no país plataformas discursivas em torno portanto, a democracia é um fenômeno desses político relativamente novo no Brasil e, ao importante passo em direção a sua mesmo tempo, frágil e descontínuo na efetivação. O processo de transição e de experiência política dos brasileiros3. consolidação democrática coincide com o ideais que representam um processo de construção e ampliação de 3 MOISÉS, José Álvaro. Os significados da democracia segundo os brasileiros. In: José Álvaro Moisés e Raquel Meneguello (Org.). A desconfiança política e os seus impactos na qualidade da democracia. São Paulo: Editora Universitária de São Paulo, 2013. p.51-53. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 317 esferas públicas discursivas, em que atores das poucas exceções, onde retrata em seu da sociedade civil articulam sua visão de livro, Cidadania no Brasil: O Longo mundo e criam novos vocabulários e Caminho, e em textos recentes, que o repertórios de ações, a partir dos quais complexo processo de reconstrução das desafiam o status quo4. instituições democráticas converteu o Com efeito, a mobilização tema dos direitos de cidadania no foco das política popular na esfera pública não experiências geradas pela reforma das apenas contribuiu para o fim do regime instituições, que em 1988, concluíam com militar, mas também tornou possível que a promulgação da nova Constituição6. No grupos antes invisíveis, como as mulheres, entanto, não deixou de chamar a atenção conseguissem incluir na agenda política para o fato de que a reconquista da assuntos do seu interesse tais como ações liberdade e a ampliação dos direitos afirmativas, sociais e da participação política não violência doméstica e liberdade de orientação sexual. No país, diversos impediram que os fenômenos de autores desencanto e descrença políticos e de trataram das relações entre os efeitos das déficit de confiança dos cidadãos nas transformações decorrentes do fim do instituições regime autoritário e a consolidação dos com força, em que pesem os avanços direitos de cidadania, e alguns até realizados reconheceram a centralidade da questão democráticos no terreno econômico e para o processo de democratização, mas social. democráticas por emergissem diferentes governos raramente o problema foi posto em termos O que não que dizer que não de relações entre confiança política e tenham ocorrido mudanças desde que instituições públicas. Para Moisés5, o governos eleitos sucederam as ditaduras historiador José Murilo de Carvalho é uma militares. Cabe destaque ao exercício de 4 Álvaro Moisés e Raquel Meneguello (Org.). A desconfiança política e os seus impactos na qualidade da democracia. São Paulo: Editora Universitária de São Paulo, 2013. p.28. BERNARDES, Márcia Nina. Educação em Direitos Humanos e Consolidação de uma Cultura Democrática. In: BITTAR, E. C. B.; TOSI, G. (Orgs.). Democracia e Educação em Direitos Humanos numa época de insegurança. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2008. p. 203. 6 BRASIL, Constituição Federativa do Brasil de 1988. da República 5 MOISÉS, José Álvaro. Cidadania, confiança política e instituições democráticas. In: José DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 318 liberdade de expressão e do jornalismo incluída, através do direito à carteira de investigativo, e esse fator possibilitou que trabalho os fossem acrescidos, como assistência social, a discutidos abertamente e ventilado ao aposentadoria, a organização sindical, ao público, acontecia apelo à Justiça, para efetivação dos anteriormente, a não ser com um grande direitos infringidos, caracterizando assim, risco de vida e liberdade7. o direito subjetivo. problemas o da que violência não A contextualização da inserção e, demais direitos a ela Se, de um lado as lutas por dos direitos humanos, em especial, no direitos Brasil, enquanto fenômeno multifacetado, modernização da produção industrial permeado por todos os campos da ação produziam a legislação trabalhista e a humana, exige o seu desvelamento não só Consolidação no contexto histórico, como nos níveis (CLT), cultural e político-social da sociedade que reivindicações produz e (reproduz) a comunidade e a clássico, por outro a transformação da sociedade de direitos. cidadania, No plano internacional, o Brasil teve participação significativa sociais e econômicos das Leis incluindo que do e a Trabalhistas algumas das movimento social através dos direitos econômicos e sociais transformavam pela nos primeira vez, brasileiros em cidadãos, processos de debate e de consolidação das figurando como sujeitos de direitos bases dos direitos humanos, assim como acabavam esteve presente em vários processos nos democratização, que não diziam respeito quais resultaram declarações, pactos e unicamente ao mundo do trabalho, convenções de direitos humanos. Porém, estendiam-se esta presença nem sempre espelhou a transformação política, onde o discurso política interna e a incorporação desses modernizador instrumentos à dinâmica do país. perfeitamente Por um longo tempo na história brasileira, a promoção dos direitos das pessoas 77 foi gradativamente por sofrer ao da limitações universo época justificável à da considerava sacrificar espaços de participação em troca do desenvolvimento econômico. sendo MENDEZ, J. E. Problemas da violência ilegal: introdução. In: Juan E. Mendez, Guilhermo O’Donnell e Paulo Sérgio Pinheiro. Democracia, violência e injustiça: O Não-Estado de Direito da América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 33. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 319 A inclusão dos direitos humanos, até então, não figurava na agenda de Constituição Cidadã, refletindo as mudanças ocorridas no país. discursos e de debates antes do golpe Deste modo, podemos destacar militar de 1964, que marcou um novo que a sociedade brasileira vem revelando, período na história brasileira, modificando nas últimas décadas, o crescimento de drasticamente esse modelo que emergia novas forças sociais, nascidas das lutas com o processo de mobilização social contra a ditadura militar implantada no ascendente, através de uma ruptura brusca Brasil em 1964 e influenciadas pelo e violenta das alianças de classes consenso mundial previamente existentes e do modelo humanos devem econômico assim como dos consensos fundamentais de uma sociedade livre, ideológicos vigentes até ali. Assim, harmônica e justa. A Constituição Cidadã, constituiu-se uma das metas do novo elaborada logo após o período ditatorial, regime, a quebra com qualquer aliança foi a expressão dos anseios de liberdade e com os trabalhadores, passando a figurar democracia de todo o povo e foi também como principal alvo da repressão, na o instrumento legítimo de consagração, medida com força jurídica, das aspirações por em atentavam que contra as o reivindicações novo modelo econômico8. de ser que os direitos princípios justiça social e proteção da dignidade humana de grande parte da população Com o fim do período ditatorial, brasileira, vítima tradicional de uma em que ocorreram flagrantes desrespeitos ordem injusta que condenava à exclusão e aos direitos humanos em nossa sociedade, à marginalidade. propiciou a emergência das primeiras Em resposta a tais anseios e experiências referentes à defesa de tais aspirações os constituintes de 1988 direitos, com a retomada do processo de consignaram democratização que se fez acompanhar da Constituição os direitos fundamentais da aprovação da nova Constituição de 1988, pessoa humana, prevendo também os passando como meios de garantia desses direitos e fixando SADER, Emir. Contexto histórico e educação em direitos humanos no Brasil: da ditadura à atualidade. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al. (Orgs.). Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2010. p.75. 8 a ser conhecida no texto da nova DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 320 responsabilidades por seu respeito e sua possibilitando um recente e lento processo promoção. Podemos afirmar, sem sombra de democratização, passaremos a discorrer de dúvida, que essa Constituição, pela sobre os avanços e conquistas alcançados intensa participação popular assim como pelas mulheres, fazendo para tanto, um pelo conteúdo, é a mais democrática de recorte de gênero, onde será melhor todas que o Brasil já teve e se inscreve na identificado linha das Constituições democráticas ampliação européias elaboradas depois da segunda democráticos, já que as mulheres não guerra mundial, das quais, aliás, sofreu foram favorecidas do mesmo modo que os bastante influência. Houve condições para homens, na busca de igualdade e dar ao país a promoção da justiça e isso foi especificidade, através da “democracia de feito pelos constituintes. gênero”. Entretanto, vontade de uma por expressar sociedade as de particularidades, direitos e na progressos a 2 – A “DEMOCRACIA DE GÊNERO” muito heterogênea e cheia de contradições, o E texto da Constituição de 1988 revela a MULHERES COMO CIDADÃS O RECONHECIMENTO DAS existência de novos fatores de influência Em sua luta por direitos, as social que já não podem ser ignorados, mulheres tiveram que enfrentar muita mas revela também a permanência parcial hostilidade e sempre foram “minoria” em de negativa, todos os países, sejam estes católicos ou preservando-se pontos substanciais à protestantes, liberais ou conservadores, dominação de elites conservadoras e com diferentes histórias nacionais. Mas o reacionárias. É bem provável que no fato de terem nadado contra a corrente faz século XXI assista, já em suas primeiras de suas conquistas algo impressionante. uma herança colonial décadas, à superação dessas contradições Ainda que discordantes em e à implantação de uma sociedade livre e alguns pontos, justa para todos os brasileiros, apesar das mulheres organizadas ou individualmente, resistências dos segmentos privilegiados. que lutaram os por movimentos idéias e de práticas Desse modo, feito esse breve feministas, coincidiam suas convicções de resgate da conjuntura social e política em que a opressão às mulheres deveria acabar, que se encontrava o Brasil, após a criação assim de uma “Constituição Cidadã” em 1988, tradicionais, como a inferioridade natural como, rejeitavam idéias DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 321 das mulheres da patamar de direitos humanos para as submissão feminina, acreditando que a mulheres, ainda que pendente de continuar ampliação dos papéis e opções para as a enfrentar o desafio da realização da mulheres seria favorável para todos. justiça social, no sentido de encurtar a As e a necessidade mulheres na atualidade desenvolvem uma série de atividades a distância para todas as mulheres, entre as conquistas legais e a realidade. que antes não tinham acesso devido às Ao longo da história do Brasil as restrições que sofriam como resultante da mulheres não permaneceram omissas ou divisão sexual do trabalho que estabelecia passivas. Na verdade, os estudos sobre a o exercício de determinadas tarefas de condição feminina realizada nas últimas acordo com o sexo. Diante desse contexto, décadas demonstram que, com relação a à mulher cabia o espaço privado, no qual esse assunto, tratou-se menos de um desenvolvia afazeres silêncio por parte das mulheres do que do domésticos, e ao homem pertencia o silêncio por parte da historiografia, seja espaço público, no qual realizava funções devido à inexistência da documentação, à mais se dificuldade de acesso a documentos estabelecia como um ser político. A manuscritos ou ainda à falta de interesse, família nesse campo tinha fundamental por parte dos pesquisadores, em encarar a papel para a manutenção do status quo. questão. No mais, fatos frequentemente principalmente valorizadas socialmente e Dentro dessa visão social e ignorados na narrativa histórica, como a política dos padrões da vida econômica, o contracepção ou a evolução das roupas, século enorme mostraram ser cruciais na melhoria da transformação da sociedade brasileira, qualidade de vida das mulheres e naquilo que se pode classificar como um importantes em suas lutas por valorização processo social, igualdade de oportunidades e XX conservadora”9, assumiu de na uma “modernização busca por uma igualdade de direitos entre homens e reconhecimento por demandas específicas. mulheres, as conquistas formais são As transformações ocorridas na significativas e estabelecem um novo situação da mulher são de profundo 9 DOMINGUES, José Maurício. Instituições formais, cidadania e solidariedade complexa. São Paulo: Lua Nova, 2006. p. 12. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 322 alcance e extensão. Em meio século, elas A reinvindicação por direitos passaram a viver mais, aumentaram sua iguais, onde homens e mulheres tivessem participação população os mesmos direitos políticos e civis, economicamente ativa, conquistando sua assinalaram os primeiros movimentos autonomia financeira, enquanto condição feministas, que ficaram marcados em seu primordial próprio tempo, como “movimentos por na para romper com a direitos iguais”. dependência econômica, superaram os homens em nível educacional. Na medida As primeiras defensoras dos em que constroem processos históricos de direitos das mulheres, no final do século conquista de direitos e deveres, ainda são XVIII e início do século XIX, agiram precárias as condições em que as mulheres isoladas e foram marginalizadas, mas brasileiras exercem sua cidadania, diante quando o liberalismo ganhou força e a de questões como a persistência de uma democracia tornou-se um ideal político de divisão sexual do trabalho que leva a muitos grupos, facilitou para o feminismo feminização de algumas ocupações e a conquistar simpatizantes e aliados, para se masculinização de outras, o pagamento organizar pelos direitos das mulheres. desigual de homens e mulheres que Inicialmente, o movimento foi composto ocupam função semelhante, as mulheres por mulheres dos estratos médios da continuam sendo as maiores responsáveis sociedade, originárias de famílias com pelos cuidados com as crianças, não ganhos moderados provenientes da terra, obstante da indústria ou de profissões liberais, que terem se tornado também provedoras, são minoria em todas as sentiam instâncias do poder político, e essas são dependência e a privação dos direitos apenas algumas das várias questões que políticos, econômicos e educacionais que envolvem a total eficácia de uma os cidadania conquistado ou estavam por conseguir. plena, através de uma homens democracia que se realize também no âmbito do gênero. com mais de seu intensidade grupo a haviam Baseada no Iluminismo e pela Revolução Francesa que a escritora e professora inglesa Mary Wollstonecraft, 2.1 – A trajetória das mulheres como publicou A vindication of the rights of sujeito de direitos e a abertura do woman em 1792, onde defendia o direito mercado de trabalho natural dos indivíduos à DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 323 autodeterminação, em oposição às leis de caridade para intervenções maiores na arbitrárias e hereditárias, e acreditava na sociedade. capacidade dos seres humanos (incluindo- Partindo desse ponto, o se as mulheres) de melhorar a sociedade, alargamento dos espaços de atuação das criando novas relações entre as pessoas mulheres se deu, inicialmente, com a com base no princípio da igualdade. valorização das próprias virtudes e papéis Segundo a escritora, mulheres e homens tidos como femininos. Desse modo, tais têm o mesmo potencial para desenvolver mulheres “respeitáveis”, frequentemente talentos portanto, moralistas e conservadoras, mas também deveriam receber s mesmas oportunidades reformistas, passariam a defender, a partir em termos de educação e participação de seus próprios valores, o direito das social. mulheres reformarem a sociedade, para e habilidades, e, É importante frisar, o quanto as que pudessem cumprir mais revoluções: a Americana e a Francesa, adequadamente com o papel feminino de marcaram de maneira paradoxal a história melhorar a sociedade. da cidadania das mulheres, pois, ainda que O reconhecimento da tenham evidenciado para as pessoas a competência das mulheres no campo possibilidade de romper com as tradições social, arraigadas e a hierarquia de poderes tentarem novas conquistas. Uma delas foi estabelecidos, antecederam, porém, o a educação, apesar de longa e árdua a luta período em que a domesticidade e a pela ampliação da educação e preparo exclusão das mulheres se desenvolveram profissional. A com mais força nas primeiras décadas do complicada, pelo século XIX. diferenciada para rapazes e moças não O de legitimidade reivindicação fato da para foi educação domesticidade fornecer às jovens os pré-requisitos para o estipulava para as mulheres um modo de ingresso em cursos superiores. Assim, vida restrito à administração doméstica, uma das frentes de batalha foi a defesa da desempenhando funções para o qual eram educação designadas. muitas mulheres surgiram, como as oposições dentro das privilegiadas encontraram caminhos fora famílias e a resistência das próprias da instituições de ensinos dos estudantes vida ideal deu-lhes Porém, doméstica, dedicando-se à filantropia, ampliando os tradicionais atos homens, igual. dos Outros professores obstáculos e dos DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 324 legisladores. Ao serem finalmente admitidas nas faculdades, tinham que lutar compatíveis com essa dupla responsabilidade. pelo direito de cursar todas as disciplinas Em e completar o curso, se os completavam, trabalhadores tinham que lutar pelo diploma, e, se trabalhavam por salários mais baixos, nos obtinham o diploma deviam enfrentar os setores menos prestigiados da economia obstáculos relativos ao exercício da ou vulneráveis à flutuação e geralmente profissão. em tarefas “não qualificadas” e em Uma vez ampliada as posições comparação homens, subordinadas. com as os mulheres O fato de possibilidades de atuação das mulheres, empregadores contratarem além da educação, novas oportunidades de prioritariamente emprego, no setor terciário, surgem para determinados serviços significava que aquelas com alguma escolaridade a partir queriam diminuir seus custos com a mão do final do século XIX. de obra. O trabalho para que eram mulheres para O mercado de trabalho passava contratadas passavam com o tempo a ser paulatinamente a absorver as mulheres visto como “de mulher”, “adequado ao trabalhadoras, feminino” e encarado como sendo de que apesar das dificuldades, procuravam compatibilizar suas atividades domésticas com as baixa produtividade. Ao longo da história, as remuneradas. Sua inserção no mercado de principais reivindicações na luta por trabalho e mesmo a localização de seu direitos sociais, no que diz respeito trabalho (casa, oficina, rua) dependia, especificamente às mulheres, estão o de além da oferta de trabalho para elas, da receber seus salários de forma igual aos quantidade e da idade dos filhos. O tempo dos homens por desempenharem os gasto com as atividades domésticas, mesmos trabalhos e de exercer qualquer variavam profissão escolhida, mas estas não se conforme as pressões do trabalho e a situação econômica da mostraram família. A dupla carga de trabalho reconhecimento caracterizava a vida das mulheres das mulheres receberem seu próprio salário classes trabalhadoras, elas procuravam, implicaria admitir que são indivíduos sempre livres e adultos capacitados. Não foram que possível, ocupações conquistas da fáceis. possibilidade O de poucas as lutas, para que as mulheres, DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 325 principalmente as casadas, fossem na agricultura, entre outros, para o reconhecidas como capazes de administrar trabalho na indústria. Enquanto nas áreas seus ganhos. urbanas s mulheres substituíam A ideia de incapacidade civil da temporariamente os homens nos trabalhos mulher casada, regidos por códigos civis mais bem pagos, no campo elas iriam influenciados pelo Código Napoleônico, substituir os homens mais jovens que levaram muito tempo para abolir a foram para a guerra e os animais menoridade das mulheres casadas e a requisitados pelo exército. obrigatoriedade de sua submissão ao No decorrer dos anos, é notório marido, este, sim considerado cidadão as conquistas das mulheres no mercado de capaz. Deste modo, durante muito tempo, trabalho, ocupando as mais diversas casar-se para muitas mulheres significou profissões, ainda que, com restrições, perder a capacidade jurídica. podemos afirmar que atualmente, a Outra batalha enfrentada pelas presença das mulheres em todos os níveis mulheres foi o exercício de profissões de ensino e preparo profissional, incluindo mais bem remuneradas e de maior o superior, foi decisivo para o avanço de prestígio. Não foi sem muito esforço que fronteiras, o que não significa que ainda as existem mulheres puderam tornar-se muitas fronteiras a serem profissionais em campos que exigiam ultrapassadas. A busca da autonomia formação universitária. As primeiras econômica e a luta pelo reconhecimento profissões qualificadas exercidas por do valor de seu trabalho ainda façam parte mulheres foram aquelas pensadas como das agendas discursivas no momento. extensão das atividades domésticas e Apesar de garantir espaços no mercado de maternas, trabalho, as mulheres confrontam-se com tais como professoras, pedagogas e enfermeiras. a marcante ausência de políticas sociais Grande parte da abertura das que as libertem da dupla jornada de profissões para as mulheres, também foi trabalho (no emprego remunerado e nas proporcionada pela ocorrência das duas tarefas domésticas). Além disso, têm que grandes guerras, quando ocorreu um se retomar constantemente a batalha deslocamento de funções. As mulheres contra as discriminações sexuais no passaram mundo do trabalho, pois segregações de atividades menos remuneradas, como trabalhos domésticos, DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 326 ocupacionais e diferenças salariais qualidades persistem até os dias de hoje. masculinas. Mas especificamente, os postos superiores estão condicionados ao exercício do 3 – A INCLUSÃO DAS MULHERES comando, área ainda limitada para as COMO AGENTES DE SEGURANÇA mulheres10. PÚBLICA expressamente o oficialmente, uma vez 3.1 – A ocupação de espaços dentro das que as mulheres já haviam participado de corporações campanhas militares, mas como auxiliares militares: incluindo-se necessário constar ajudantes de funções não propriamente para participar Seguindo É esse processo de militares e sem carregar o status de conquistas, as Forças Policiais e as Forças “militares” Armadas secretárias, etc.). recentemente incorporaram (enfermeiras, médicas, mulheres em seu quadro efetivo. Em Em 1981, o então ministro princípio, a partir da Guarda Civil, em São Maximiano da Fonseca criou o Corpo Paulo, na década de 1950, e, nas Forças Auxiliar Feminino da Reserva a Marinha Armadas oficialmente a partir da década (CAFRM) e posteriormente, os Quadros de 1980. Complementares (QC) e o Quadro Cabe salientar, que segundo Auxiliar de Oficiais (QAFO), o fez com o D’ARAÚJO, as mulheres foram aceitas intuito de suprir as demandas existentes na inicialmente nos quadros complementares área da saúde, especialmente no Hospital de apoio administrativo e passaram a Naval Marcílio Dias, localizado no Rio de exercer funções nos quadros de médicos, Janeiro. dentistas, farmacêuticos, veterinários, Essa foi a porta de entrada das professores, economistas, advogados e mulheres nas forças armadas. Depois outros. Foram depois incorporadas aos desses atos, a Aeronáutica e o Exército quadros permanentes, não exclusivamente passaram a aceitar mulheres, oficialmente, femininos, mas mesmo nesta condição não nas suas linhas. podem galgar o topo da carreira, pois os Assim, as mulheres, mesmo postos mais altos ainda estão associados a isentas do serviço militar obrigatório, D’ARAÚJO, Maria Celina. Mulheres, homossexuais e Forças Armadas no Brasil. In: CASTRO, Celso et al. (Orgs.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FVG: Bom Texto, 2004. 10 DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 327 puderam ingressar nas fileiras do Exército desempenhado por policiais femininas é como voluntárias, de acordo com a visivelmente disponibilidade A mascarada em meio a idealizações de uma aeronáutica, por sua vez, foi a primeira realidade de igualdade profissional que força armada brasileira a admitir mulheres dificilmente é verificada in loco. da instituição. para a formação de oficiais, a partir de 1981. ignorada, quando não, Em 2009, a primeira Polícia Feminina do País, a do Estado de São A admissão da mulher na Paulo, completou 54 anos. A ideia de corporação coincide com o momento em empregar mulheres em missões policiais que o regime militar perde a legitimidade no Brasil surgiu na década de 50 e foi uma no uso da força e busca se desvincular mulher, em 1953, que apresentou, no 1º paulatinamente da imagem de violência e Congresso Brasileiro de Medicina Legal e de tortura institucionalizada, é o chamado Criminologia, sua tese da necessidade de período de “distensão militar”11. criação de uma polícia de mulheres e A inclusão da mulher nas forças defendia que as mulheres eram tão auxiliares, ao exemplo do que ocorreu nas competentes quanto os homens para Forças Armadas traz consigo um longo realizar o trabalho de policial. Isso foi em caminho pelo 1953 e a mulher era Hilda Macedo, reconhecimento de seu potencial, bem assistente da cadeira de Criminologia da como de sua qualificação enquanto mão- Escola de Polícia. percorrido, de-obra especializada de lutas e apta a Em janeiro de 1955, baseado na desempenhar o papel de agente de ideia de Hilda, o então governador do segurança. Estado, Jânio Quadros, pediu ao diretor da A tarefa de mapear o avanço Escola de Polícia da época, Walter Farias histórico da inclusão da mulher no espaço Queiroz, que estudasse a possibilidade de militarizado, mas especificamente nas ser criada uma polícia de mulheres. Em 12 instituições policiais militares é bastante de maio de 1995 foi assinado o decreto nº. árdua, uma vez que a escassez em torno da 24.548, criando na Guarda Civil de São bibliografia concernente ao trabalho que é Paulo, o Corpo de Policiamento Especial 11 UNICENTRO, 2008. Resumo. Florianópolis : Ed. Universitária – UFSC. MOREIRA Rosimeri. Policial militar a presença e ausência do viril. In: Fazendo Gênero 8 – Corpo Violência e Poder, UFSC – DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 328 Feminino e foi escolhida para chefiar as Conforme visto anteriormente, a mulheres, a própria Hilda Macedo, que se participação tornou a primeira comandante mulher. Foi inicialmente pautada no isolamento e a primeira Polícia de mulheres do país e da segregação foi marcada pela luta em busca América Latina. A elas foi atribuído o de espaços, que no âmbito nacional restou trabalho de proteger mulheres e jovens, por superado tal “especialização” em prol missão que atendia as necessidades sociais do gênero, e hoje, é uma realidade o seu da época. desempenho diário nas mais diversas Por fim, as políticas de ações feminina missões embora policiais militares, afirmativas e as concepções de Segurança indissociavelmente Pública quanto à inserção feminina nas masculina, contidas num conjunto que policias militares, ainda, corresponde a um agora se compõe da unidade de integrantes pensamento da mulher policial militar que fazem parte da instituição policial vinculado à natureza inerente ao cuidado militar, sejam estes homens ou mulheres. com o outro, como forma de negar uma Ao nova configuração de poder entre os perceptível sexos. conquistado Estamos diante de um longo o da da avanço pelas presença história e mulheres é destaque como afrouxamento de barreiras simbólicas, que policiais na hierarquizada instituição se estabilizam, enquanto novas fronteiras policial militar. Assim, como mapeado se erguem na luta por novos espaços. As acima, a diferenciação latente na definição mais diversas formas de articular o de um perfil ideal da policial militar feminino e o masculino presente no feminina, representa o surgimento de uma mundo do trabalho estão presentes nas nova profissão, ou ainda, de uma profissão lutas políticas de forma inusitada, ora “parecida”, porém diferenciada do policial entrelaçando a ideia de força e fragilidade, militar masculino tradicional, cujo perfil ora reforçando mais do mesmo, como será traçado ao longo dos anos, remonta a um visto adiante, sendo destacados alguns perfil marcado pela virilidade e pela força pontos relevantes da cultura institucional. física. A inclusão da mulher, enquanto 3.2 – As contradições da cultura símbolo de fragilidade e delicadeza no institucional: seio da corporação vem reforçar a imagem democratizar participando para de uma polícia que não é mais truculenta, DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 329 que se preocupa com a sociedade, com se pode agir sobre a ação dos outros, pois crianças e as mulheres, que é formada por em toda relação de poder ocorrem seres humanos, passando então a ser diferenciações que são por si só, ao humanizada. o mesmo tempo condições e efeitos. Entre policial deve personificar a organização e esses sistemas, podemos destacar as transmitir seus valores, esse novo perfil de diferenças policial reflete as novas tendências das jurídicos organizações policiais, as quais o perfil da econômicas, diferenças espaciais nos mulher comandante encoraja um novo tipo processos de a linguísticas ou culturais, diferenças de das habilidades e nas competências e, por que Considerando-se comportamento necessidade de e que propaga reestruturação organizações policiais. O relacionadas e de a tradicionais, aspectos diferenças produção, diferenças não considerar as diferenças de gênero, já trabalho feminino que são construídas socialmente12. profissionalizado na Polícia Militar está Por outro lado, as formas de diretamente relacionado a um momento de institucionalizações crise institucional, em que diante de Bourdieu transição democrática, necessitava de objetivas do campo de poder, ou seja, as apresentar imagem práticas sociais, os discursos, os ritos, a institucional, somente possível com uma cultura, as instituições e os tipos de capital refrigeração interna da corporação com o que os agentes possuem, por meio dos ingresso de mulheres. Nesse contexto, quais se analisam as relações de poder. permite-se que as mulheres se beneficiem Elas da tradicionais, lógica uma nova dominante, visto que envolvem descreve podem como mesclar estruturas o que estruturas dispositivos jurídicas e ingressaram em um espaço até então fenômenos de hábito ou de modismo, e masculino e, com o tempo, tem podido podem apresentar a aparência de um galgar novas posições de poder na esfera dispositivo fechado sobre si mesmo com hierarquia da instituição. lugares específicos, próprios, estruturas Segundo Foucault, os sistemas regulamentos hierarquizadas e de diferenciação são aqueles com os quais 12 FOUCAULT, Michel; MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. 26. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2008. p. 184. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 330 relativa autonomia funcional, como as uma posição inferior ao masculino. A organizações militares13. diferença expressa a falta de semelhança, Alguns dos aspectos inerentes ou seja, os policiais do sexo masculino são aos sistemas de institucionalização atuam diferentes das policiais do sexo feminino. no sentido de igualar ou de diferenciar as Isso não há como negar e nem evitar. Já a policiais femininas de seus colegas desigualdade coloca um sexo em posição homens. Os aspectos que igualam estão de inferioridade ao outro e esse processo é muito relacionados aos valores reforçados caracterizado como discriminação no pela organização policial militar, já os trabalho ou no emprego, seja por critérios aspectos que diferenciam podem ser formais ou informais na organização. atribuídos, em sua maioria, ao gênero, construído socialmente. Quando nos remetemos a esses agentes limitados que fazem parte da A partir do momento em que as instituição policial militar nos deparamos policiais constroem estratégias próprias com traços culturais trazidos ao longo de para seus mecanismos de controle e de um processo histórico, desnudando esse exercício do poder, elas começam a processo de formação, encontramos os mostrar sua capacidade de sublimação. mais sutis detalhes que compõem a cultura Essa capacidade envolve aceitar a sua policial. Um dos primeiros elementos que parte de estranheza, suas limitações e podemos destacar é a presença da contradições, ou seja sua subjetividade, disciplina indissociável da hierarquia, que para daí em diante, saber lidar com o desfigura os agentes ao mesmo tempo em outro. que Nesse contexto, o vocábulo personifica um estereótipo institucional. “diferença”, não deve ser empregado Sendo assim, o soldado é, antes como sinônimo de “desigualdade”, o que, de tudo, alguém que se reconhece de na maioria das vezes, tem ocorrido quando longe; que leva os sinais naturais de seu se as vigor, coragem e a sua virilidade, as diferenças entre homens e mulheres são marcas de seu orgulho também se fazem hierarquizadas de maneira desigual e o presentes: seu corpo é o brasão de sua trabalho feminino acaba sendo posto em força e de sua valentia, e se é verdade de 13 trata do trabalho feminino: BOURDIEU, op. cit., p. 28-40. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 331 que deve aprender aos poucos o ofício das mostrar ordenada a partir de escalas de armas – essencialmente lutando – as alguma forma cumulativas, praticamente manobras como a marcha, as atitudes em todas as sociedades, ao menos desde o como o porte da cabeça se origina, em boa registro de sua história escrita. parte, de uma retórica corporal da honra14. Pode-se dizer que, a partir da A disciplina segue seu caminho, Declaração dos Direitos do Homem, as criando espaços complexos que realizam a sociedades que se encaixam no rótulo de fixação e permitem a circulação de “modernas” são as únicas a externar o moldes, indica valores a serem adotados, princípio da igualdade, a torná-lo explícito na organização das “fileiras”, garante a e, em certo sentido, a fazer de tudo para obediência dos indivíduos, forjando no que esse princípio chegue idealmente o seio do militarismo a sua criação mais mais próximo possível de uma situação de aprimorada da “máquina do poder”, o fato, ao menos ao plano geral da lei, que “soldado”, símbolo maior da instituição iguala todos os indivíduos na condição de policial cidadãos. militar, produto do poder disciplinar associado ao hierárquico, Entretanto basta olhar para os criando-se uma nova classe, ou até mesmo lados que veremos em vários aspectos grupo de pessoas que se distinguem das particulares da dita vida moderna, a demais pela chamada “cultura policial”, hierarquia se disseminar: nas escolas, na nasce então uma classe eliminatória, que família, na propriedade, na religião, no se encontra fora dos limites da seleta interior do próprio Estado e, naturalmente, classe policial, origina-se os chamados nas Forças Armadas. Nestas últimas, “paisanos”. contrariamente, pode-se dizer que um Voltando-se ao fenômeno da princípio geral, que é externado é tornado hierarquia existente nas mais variadas explícito, é o princípio da hierarquia. Ele formas e situações, geralmente como parte aparece de de constitucional das Forças Armadas e classificação, sistemas de representações, Forças Auxiliares, em que destacamos as ou qualquer outra área que se pretende Polícias Militares, são ao todo instituições 14 Ramalhete. 36. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 131. sistemas sociais, formas FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel na própria definição DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 332 organizadas com base na hierarquia e na ainda que se somando a essa massa de disciplina15. corpos dóceis a serem adestrados pela Longe um hierarquia, através da disciplina. As princípio legal, a hierarquia é a base sobre mulheres não conseguiam se integralizar, a qual se exteriorizam cotidianamente fazer parte desse corpo policial, pois sinais de respeito, honras, cerimonial, estavam à margem do processo de continências, ordens e comandos; tudo institucionalização, isso executado pelos membros da polícia, praticando todas as atividades propostas cada qual em uma posição no interior da elas eram excluídas veladamente pela instituição, sem que ao mesmo precisem cultura ter consciência de que,tomadas em seu concebimento conjunto, as diferentes condutas são masculinidade, onde se vislumbra e manifestações que ressalta a figura do “soldado”, enquanto esse símbolo da instituição policial militar. necessariamente de ser apenas particulares transitam por policial de mesmo que enraizada um no ideário de princípio regulador coletivo que é a O estudo da masculinidade tem hierarquia. Pode-se dizer, portanto, que a se tornado difícil, talvez, em decorrência partir dela se espelham as relações sociais da indissocialidade que se tem da ideia de e a visão de mundo dos militares. Veremos se ver no sexo e no corpo a raiz do gênero. mais adiante, que ela não é somente Ao contrário da classe ou das instituições relevante para o mundo interno da caserna, sociais como a família, o gênero cruza mas também determinante do modo pelas todas quais as relações com o mundo civil se transversalmente, estruturam16. identidades pessoais e sociais, o gênero No âmbito institucional, essa elas, por assim constituindo dizer, de não cria, porém grupos sociais, mas sim categorias17. cultura policial se constituiu em mais um obstáculo simbólico para as mulheres que O gênero não é só sobre homens estavam prestes a ingressar nas fileiras, e mulheres, é por essa razão que as 15 17 LEIRNER, P. de C. Meia volta volver: um estudo antropológico sobre a hierarquia militar. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. p. 52. 16 ALMEIDA, Miguel Vale de. Senhores de si: uma interpretação Antropológica da Masculinidade. Lisboa: Edições Fim de Século, 2000. p. 136. Idem, p. 53. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 333 mulheres podem se dissociar de serem passagem pelo “portão das armas” (portão fêmeas, tal como os homens têm de provar de entrada principal), há uma segregação que podem utilizar o potencial de serem física entre o mundo exterior e o quartel. machos. Uma pessoa de qualquer sexo Um ponto comum dos pode comportar-se de forma masculina ou sociólogos que estudaram sobre os centros feminina18. de formação militar é o destaque que dão A interpretação do gênero como à intensidade do processo de socialização um sistema de símbolos e significados profissional militar, combinada ao fato de influenciadores e influenciados de e por que esse processo ocorre em relativo práticas e experiências culturais, por outro isolamento ou autonomia. Por isso, lado o mesmo gênero é visto como comparada às outras profissões, a militar elaboração de uma diferença biológica e representaria uma grande coesão ou levou à dicotomias público/doméstico, homogeneidade interna, com o chamado produção/reprodução. “espírito É comum dizer-se que os de frequentemente corpo”, ao mesmo preço de que um homens são vítimas da sua dominação. distanciamento entre os militares e o Bourdieu diz que isso é verdade, só que mundo civil20. são dominados pela sua dominação, o que A questão de gênero esteve faz uma grande diferença em relação às presente desde o primeiro dia de inclusão mulheres. O habitus masculino constrói- de mulheres nos quadros militares, havia se e cumpre-se em relação com o espaço uma clara demarcação de espaços em um reservado onde se jogam, entre homens, os território jogos da competição, estabelecendo uma Paradoxalmente, ao que se era pregado dessimetria entre homens e mulher nas nos cursos em vigor, essa ideia de trocas simbólicas, uma dessimetria de “espírito de corpo” passou a existir apenas sujeito e objeto, de agente e instrumento19. para o grupo masculino, deixando de fora Simbolicamente, ao se ingressar o grupo feminino que ficava à margem da até então masculino. na polícia militar e após a solenidade de 18 Idem, p. 137. 20 Idem, p. 34. 19 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 63. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 334 formação, sendo visto com preconceito e da mulher, desde a sua inclusão, discriminação. marcada por encontro e desencontro de A trajetória das mulheres na vida ideias que em muitas das vezes militar é acompanhada por altos e baixos constituiu-se em uma cortina a inebriar momentos, contenção as verdadeiras funções ocupadas por matrimonial e de natalidade impostas pela essas mulheres, que fazem parte a mais corporação foram motivos de baixas de durante e após o curso, o primeiro grande militares, desempenhando tal qual como desafio se pautava na escolha entre a os homens a atividade policial militar, profissão, matrimônio e os encargos em meio a barreiras e acomodações familiares, submetidas a compromissar-se impostas institucionalmente, voltadas perante a instituição em muitos Estados no para o novo momento, em que se fazia início da integração, obrigavam sob pena necessário passar para a sociedade uma de expulsão a não contrair matrimônio ou imagem assumir encargos familiares, antes de contraposição à imagem de truculência decorridos dois anos após a conclusão do herdada pelo regime ditatorial. a própria meio século de nas corporações credibilidade, em curso, de modo a prejudicar a servidora no desempenho de sua atividade em regime CONSIDERAÇÕES FINAIS de tempo integral21. Por fim, mas sem, entretanto Ao longo deste trabalho esgotar a riqueza material durante o destacamos como o processo de transição processo de pesquisa consideramos as democrática representa um processo de Forças seus aprendizagem e de criação de uma cultura mulheres, universalista e inclusiva de direitos, em enquanto grupo de estudo, onde fizemos que a igualdade moral entre os cidadãos um a seja respeitada, e que as pessoas não se busca tornem merecedoras de respeito apenas incessante das mulheres por uma por conta da posição que assumem na cidadania plena, com destaque ao papel sociedade hierarquizada, que distribui a Policiais, integrantes, homens superficial discussão bem que como e campeio sobre envolve a 21 LIMA, M. A. A major da PM que tirou a farda. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2002. p. 15. DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 335 cada um o seu papel, e mesmo seu valor oportunidades, onde as mulheres teriam social, em função de sua raça, sexo ou do suas seu status social reconhecidas, embora sejam notórias as demandas de especificidade Ao se fazer a escolha do tema da mais diversas conquistas das mulheres em pesquisa, considerou-se o pressuposto de lugares antes exclusivamente masculinos. que o ingresso de mulheres militares Concebeu-se que é impresso à enquanto elemento constitutivo de um mulher policial o mesmo papel que lhe é processo de rearranjo institucional foi imposto na sociedade, quase que como realizado, principal uma marca indelével e intransponível, de vantagem o fato de ser uma solução para o proteção e orientação, ao passo de que aos problema de falta de pessoal na área homens administrativa, devido mantenedor do domínio sobre as práticas deslocamento de homens para a atividade que marcam a masculinidade: violência e fim, força. tendo como com baseando-se no a o enfoque da construção cultural da diferença sexual e da interpretação bio-psicológica socialmente construída da mulher. é reservado Diante das o papel de considerações expostas, acresce dizer ainda que, apesar das discussões e dos avanços políticos do Acredita-se, portanto, em uma gênero feminino na disputa da igualdade formação social, cultural e histórica do de oportunidades e de tratamento, através Brasil, tradicionalismo de uma sonhada “democracia de gênero” estabeleceram delimitações de papéis para com a conquista da cidadania plena, homens e mulheres, o que não é de se compreende uma longa trajetória ainda estranhar sua continuidade nos dias atuais. não completada pelas mulheres. Contudo, Fato que se pode explicar a partir da revendo a história, podemos perceber que percepção de que as estrutura política, as mais variadas conquistas obtidas pelas cultural e econômica ainda se encontram mulheres, servirão de estímulo para as sob o poder masculino, sem falar do caso lutas futuras, onde a capacidade de do alto escalão militar composto em sua inclusão e participação será cada vez mais maioria por homens, realidade esta que necessária, para que se possa lançar mão não sofreu alterações necessárias capazes de de interferir profundamente na construção consolidação democrática. de um arraigado processo no de igualdade um verdadeiro processo de de DOI: 10.18351/2179-7137/ged.2015n1p313-338 Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba Nº 01 - Ano 2015 ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index 336 REFERÊNCIAS uma Cultura Democrática. 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