SER PROFESSOR POLIVALENTE NA ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL: TAREFA COMPLEXA E ESSENCIAL Vanda Moreira Machado LIMA, FCT/UNESP Alana Silva MOREIRA, FCT/UNESP Bruna Caçula ALVES, FCT/UNESP Mariana Aparecida de Almeida LAURENTINO, FCT/UNESP Eixo temático 01 - Formação inicial de professores de educação básica. Agência Financiadora: PROGRAD/UNESP [email protected] INTRODUÇÃO A escola busca construir-se como centro de debates, de discussões e de reflexões sobre sua função social no contexto atual. Apresenta-se como espaço de formação humana com o fornecimento de conhecimentos que possibilitem a seus integrantes atuarem de modo crítico e transformador na sociedade capitalista em que vivemos. A escola precisa educar seres humanos, formar cidadãos, sujeitos históricos que compreendam sua contemporaneidade histórica, ampliem os valores da própria cultura, da civilização e do grupo social a que pertencem, compreendendo o mundo e, principalmente, escolhendo o modo de atuar sobre ele. Na tentativa de contribuir com a construção da escola pública que agrega tais objetivos, desenvolvemos parcerias e pesquisas referentes ao tema. Estabelecemos parceria com uma escola pública municipal desde 2011, que tem nos proporcionado momentos de reflexão e aprendizagem sobre a realidade da Educação Básica, além de fornecer experiências enriquecedoras aos alunos do curso de licenciatura em Pedagogia envolvidos. Em 2015, conseguimos a aprovação e o financiamento do “Programa Projeto Núcleo de Ensino” da PROGRAD/UNESP, para duas bolsistas e contamos com a colaboração de uma aluna voluntária, com o objetivo de elaborar uma ação formativa envolvendo os professores polivalentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A partir desse projeto, desenvolvemos a pesquisa que apresentamos neste artigo. O objetivo é refletir sobre o papel do professor polivalente que atua no 1º ano do Ensino Fundamental na escola pública municipal, a partir da ótica de alunas do curso de Pedagogia de uma instituição superior pública. DESENVOLIMENTO Para alcançar o propósito do artigo, organizamos o texto descrevendo a metodologia utilizada e a discussão dos resultados da pesquisa. 7661 Metodologia Nossa pesquisa é desenvolvida junto aos professores polivalentes do 1º ano do ciclo I do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal, situada na periferia da cidade de Presidente Prudente - SP. Visando o desenrolar da pesquisa utilizamos a abordagem qualitativa. Nessa perspectiva. As pesquisas qualitativas são significativas em retratar a complexidade do cotidiano, pois a abordagem qualitativa de um problema, além de ser uma opção do investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social. Há, necessariamente, a preocupação maior com o processo em si do que com o produto, ou seja, o pesquisador estará atento a todas as etapas e esse será o seu objeto de pesquisa (LUDKE; ANDRÉ, 1986). Considerando nossos objetivos de pesquisa optamos pelo estudo bibliográfico, observação participante e registro reflexivo. A pesquisa bibliográfica refere-se ao levantamento e seleção de toda a bibliografia publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado, em diferentes materiais, como: livros, revistas, boletins, monografias, teses, dissertações, material cartográfico, com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo o material já escrito sobre o mesmo (LAKATOS; MARCONI, 1987). Nossos temas centrais são: escola pública, professor polivalente, alfabetização e curso de Pedagogia. A observação participante permite que o pesquisador, conforme os apontamentos de Reys e Monteiro (2010, p. 19), se envolva “com os sujeitos em seu cotidiano, tentando sentir o que significa estar naquela situação”. Diante disso, nossas observações ocorrem uma vez por semana, das 12h20 às 17h20, por três graduandas do curso de Pedagogia, em três salas do primeiro ano do ciclo I do Ensino Fundamental, totalizando até agosto/2015 aproximadamente 180 horas de observação participante. Após as observações de um período na escola, as bolsistas registram individualmente os conteúdos, os fatos que julgaram relevantes e os questionamentos e dúvidas tanto sobre a prática do professor observado quanto sobre a própria prática docente futura, ou seja, como atuariam diante dos desafios vivenciados pelas professoras polivalentes da instituição parceira. Posteriormente, estas anotações individuais são discutidas em nosso grupo de pesquisa e resultarão em um registro reflexivo coletivo que será debatido numa reunião previamente agendada entre bolsistas, orientadora, professores polivalentes e a equipe gestora da escola parceira. Trata-se de um momento de formação continuada para todos os envolvidos. Enfim, as bolsistas auxiliam o trabalho pedagógico do professor no cotidiano escolar e, simultaneamente, num processo de reflexão, debates, leituras e devolutivas a 7662 esses profissionais, agregam conhecimentos e experiências e se formam enquanto futuras professoras polivalentes do ciclo I do Ensino Fundamental. Resultados Organizamos a seguir a apresentação dos dados empíricos e nossas reflexões em três tópicos: papel do professor na escola pública, observações relevantes e o estágio supervisionado. PAPEL SOCIAL DO PROFESSOR POLIVALENTE NA ESCOLA PÚBLICA Atualmente, faz-se urgente enfrentar a complexidade da docência e os inúmeros desafios de ser professor em nosso país. Este profissional, porém, não encontra desafios somente na sala de aula; ser professor exige também uma relação com o ensino e com outros sujeitos, como as famílias e a comunidade, a atuação na gestão escolar, a luta por valorização e melhores condições de trabalho. É relevante considerar os baixos salários, as precárias condições de trabalho, a formação inicial e continuada geralmente fragilizada, entre outros. É contraditório que um país que almeja educação de qualidade não valorize seus professores. Considerando esse cenário, Silveira (1995, p. 26) afirma que “o verdadeiro papel do educador numa sociedade cuja marca principal é a dominação de uma classe sobre a outra deva ser o de um agente social que se compromete com a transformação dessa sociedade em benefício dos oprimidos”. Devemos assumir uma prática social transformadora, primeiro para lutarmos a favor da classe a que pertencemos, para conquistarmos o devido reconhecimento para a nossa profissão, para lutar por melhorias de condições salariais e para lutar pela melhoria do ensino na escola pública (SILVEIRA, 1995). Em relação ao papel do professor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96 (LDB/96), enfatiza que esse profissional deve: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. (BRASIL, 1996, art. 13). 7663 No entanto, ser professor significa muito mais do que cumprir esse artigo da LDB/ 96. Corresponde também à preparação de outros seres humanos numa interação face a face, o que exige uma formação sólida e qualificada (inicial e continuada). Em nossas observações, pudemos constatar que ser professor polivalente do ciclo I do Ensino Fundamental é um grande desafio. Durante a nossa pesquisa, identificamos diversas situações complexas que o profissional que atua nos anos iniciais encontra em seu dia a dia. Percebemos “in loco” que um primeiro desafio refere-se em ser professor polivalente e atuar em sete áreas do conhecimento, visto que lecionam as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes e Educação Física no ciclo I. Wajskop (2003) apresenta o significado de ser professor polivalente na Educação Infantil. Contudo, essa definição nos auxilia a refletir sobre a polivalência no ciclo I. Ser polivalente significa, portanto, trabalhar com conteúdos de naturezas diversas, que abrangem desde cuidados básicos essenciais até mesmo conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento. Esse caráter polivalente demanda, por sua vez, uma formação bastante ampla do profissional, que deve tornar-se também ele, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática, debatendo com seus pares, dialogando com suas famílias e a comunidade e buscando informações necessárias para o trabalho que desenvolve. (WAJSKOP, 2003, p. 16). Defendemos que o papel do docente polivalente é apropriar-se e articular os conhecimentos básicos das diferentes áreas do conhecimento que compõem atualmente a base comum do currículo nacional dos anos iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvendo um trabalho interdisciplinar (CRUZ; BATISTA NETO, 2012). O professor polivalente deve compreender, portanto, a função complexa que lhe compete nesse sentido, buscando realizar um trabalho que envolva a interdisciplinaridade. O desenvolvimento do processo de alfabetização é outro desafio, principalmente em classes com aproximadamente 27 alunos com diferentes ritmos de aprendizagem. Numa mesma sala de aula encontramos alunos nos distintos níveis de alfabetização: présilábicos, silábicos e alfabéticos. Percebo que a maioria dos alunos já consegue escrever seus nomes completos. Podemos encontrar alunos que já se encontram no nível alfabético. Porém ainda encontramos alguns alunos que não conseguem escrever seus nomes completos e ainda encontram-se em nível présilábico, apresentando muita dificuldade em aprender as letras do alfabeto e suas formas, e até mesmo copiar da lousa. Diariamente o professor polivalente encontra diversos desafios, um deles é conseguir se adaptar aos 26 alunos, que apresentam suas especificidades e dificuldades, tendo que dar atenção a todos. Mesmo que o professor tenha uma boa formação e uma ótima prática fica difícil alcançar os objetivos de maneira simultânea, pois cada criança tem um tempo de aprendizagem e carrega consigo sua história de vida, que influencia nesse processo. (Aluna 1, registro reflexivo, 21/05/15). 7664 Os docentes, por sua vez, precisam dominar a metodologia utilizada. Para isso destaca-se mais uma vez a formação inicial e continuada de professores. É preciso conhecer as teorias, as metodologias, as práticas alfabetizadoras e ter autonomia para desenvolver um trabalho com embasamento teórico e metodológico que resulte na aprendizagem dos alunos. O professor polivalente alfabetizador que [...] possuir boa fundamentação teórica e científica, aliadas às práticas, terá condições de superar as imperfeições de métodos, poderá optar por um caminho e oferecer condições para que seu aluno tenha uma alfabetização consciente, que aprenda pensando e não apenas memorizando sinais gráficos. (MENDONÇA, MENDONÇA, 2007, p. 36). Trabalhar com diferentes ritmos de aprendizagem fica ainda mais complexo considerando o contexto social das famílias desses discentes. Em nossas observações, encontramos alunos que já sofreram abuso sexual pela própria família, alunos que têm pais presos devido a vários motivos, desde uso de drogas a outras questões mais graves, alunos que são “superprotegidos” pelas famílias, alunos indisciplinados, alunos desinteressados, entre outros. Como atuar com essa diversidade? Na maioria das vezes em que presenciamos um diálogo sobre a educação, observamos comentários que ressaltam apenas as precariedades da Educação Básica brasileira. Porém, “assumir uma atitude pessimista e negativa como educadores e professores é um empecilho à busca de uma educação emancipatória e de melhor qualidade” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 306). Faz-se necessário atentar-se para e direcionar pesquisas que busquem a melhoria da escola pública. É imprescindível que estudantes da área da educação olhem para a realidade da escola brasileira e procurem alternativas para atuar com qualidade nesse contexto educacional. Ser professor polivalente não é tarefa fácil; porém, notamos a partir de nossas observações em sala que é possível realizar um bom trabalho mesmo com tantas dificuldades. Abaixo, apresentamos algumas observações relevantes sobre a atuação dos professores polivalentes pesquisados. OBSERVAÇÕES RELEVANTES NAS SALAS DO 1o ANO NA ESCOLA PÚBLICA A instituição parceira nesta pesquisa localiza-se em um bairro periférico, no qual se encontram pessoas da classe trabalhadora e com inúmeros desafios sociais, econômicos e culturais, principalmente referentes aos serviços públicos, como saúde, transporte, lazer, cultura etc. Neste espaço educacional, em 2015, havia três salas do 1º ano do ciclo I do Ensino Fundamental, nas quais atuavam professoras contratadas e sem experiência na alfabetização. Em relação à infraestrutura, apresenta-se de forma adequada. Nas observações, encontramos algumas salas de aula climatizadas, com armários grandes e muito material 7665 disponível para o professor e os alunos. Possui uma biblioteca climatizada e ampla com muitos livros e materiais didáticos. No horário de intervalo, as crianças têm acesso à quadra e funcionários estão disponíveis para cuidar e orientá-las. Também há uma mesa com diversos livros e gibis que ficam à disposição das crianças, caso elas queiram ler durante seu tempo livre. A qualidade da merenda escolar é excelente e diversificada: “todos os dias no café da tarde as crianças têm pão, suco e frutas” (Aluna 1, registro reflexivo, 28/05/2015). O grande desafio é a qualidade do ensino propiciado aos alunos, mas, segundo a equipe gestora, avanços têm ocorrido gradativamente nesse quesito. Em nossas observações, percebemos o empenho das pessoas que trabalham no ambiente para alcançar seu objetivo, mesmo diante das dificuldades. Considerando nossas observações é possível evidenciar que, em meio a tantos obstáculos existentes na escola pública municipal e apesar dos desafios do cotidiano e do contexto social escolar estudado, os professores polivalentes do ciclo I conseguem adentrar na sala de aula e desenvolver um trabalho qualitativo em relação a seus alunos. Trabalham diariamente a formação da cidadania e do conhecimento, por meio de regras de convivência e de respeito ao outro, conforme nossas observações. As atividades com a leitura são várias: as crianças emprestam livros na biblioteca para levá-los para casa e ainda existe na sala de aula a caixa de leitura, na qual as crianças pegam livros para ler quando terminam as atividades. Constatamos que a leitura nas salas dos primeiros anos é diária e de qualidade. Todos os dias as professoras lêem livros de Literatura Infantil para as crianças, livros indicados pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), livros folclóricos, contos de fadas, entre outros. Esse trabalho é planejado pelas professoras nos Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) sob o apoio e a orientação da coordenadora pedagógica, desconstruindo a ideia de que a escola pública não faz um bom trabalho. [...] os alunos pegaram livros emprestados para levar para casa. É importante esse incentivo para a leitura. A leitura em casa realizada com ou pelos pais aproxima as crianças dos seus familiares e desperta o gosto pela leitura para além da sala de aula [...]. (Aluna 3, registro reflexivo, 27/08/15). [...] leitura: “Pra que serve o ar?” Anna Claudia Ramos (PNLD). (Aluna 2, registro reflexivo, 19/06/15). Leitura: “Alice no país das maravilhas” [...] A professora utiliza estratégias de leitura que são bem interessantes para despertar a curiosidade e interesse pela história. Neste dia fez inferência texto- mundo, ou seja, através do título da história fez relação com o país em que vivemos e questionou as crianças a respeito do que é bom (as maravilhas) do Brasil, e o que é ruim no país em que vivemos. As crianças falaram que não tem guerra lutas, etc., mas não conseguiram falar o que era ruim no Brasil. A professora falou um pouco sobre corrupção. (Aluna 3, registro reflexivo, 31/08/15). 7666 Também é importante destacar que as práticas de contação de histórias utilizadas pelas professoras não são tradicionais. Vivenciamos momentos em que utilizavam recursos como avental para contação, fantoches, votação das crianças para escolher o livro a ser lido em sala, narrativas participativas, caixas de contação e outras estratégias que tornam o momento da leitura prazeroso, de construção de conhecimento e de formação de cidadãos. [...] história: “Maria vai com as outras”. A professora contou a história para as crianças usando um avental confeccionado. [...] a professora contou a história sem utilizar o livro e de forma lúdica. As crianças prestaram muito atenção. A história possuía uma moral que fez com que as crianças refletissem. (Aluna 2, registro reflexivo 26/06/2015). Para despertar um interesse maior dos alunos [...]a professora [...] fez uma votação. Pediu às crianças que escrevessem em papel o nome do livro que gostariam que fosse lido primeiro. Após recolher todos os papéis, ela foi pegando um a um e lendo, enquanto isso as crianças em seus livros pintavam os quadradinhos um de cada cor. Cada vez que a professora lia o nome de uma determinada história, uma parte da sala comemorava assiduamente. No final a história do João e Maria “venceu”. As crianças comemoraram muito. Acredito que fazer um esquema de votação instigou mais aos alunos a prestarem atenção na leitura e querer mais leituras, foi uma forma bem positiva e interessante. (Aluna 3, registro reflexivo, 26/05/15). As professoras do primeiro ano vêm realizando um projeto belíssimo chamado “Brincadeiras Folclóricas”. Primeiro, as crianças analisaram quadros do artista Ivan Cruz e as brincadeiras que continham neles. A professora realizou um diálogo com os alunos, perguntando quais brincadeiras conheciam, quais já haviam brincado, se sabiam seus nomes e quais eram as preferidas. Após essa conversa, as crianças pintaram em bandejas de isopor suas brincadeiras preferidas, com tinta guache e pincéis. O projeto também conta com leituras diárias de livros folclóricos, como Iara, A Mula Sem Cabeça, O Curupira etc. Vale destacar o “Projeto Valores”, uma iniciativa elaborada a partir da parceria existente entre a universidade e a escola, na qual a equipe de professores e gestores escolhe um filme que enfatiza valores como amizade, companheirismo, caráter, educação e, posteriormente, em sala de aula, discutem com os alunos os temas abordados. Percebemos que o aluno das salas de aula observadas tem “vez e voz” no dia a dia. A importância do papel ativo do aprendiz no cotidiano escolar é frequente entre as três professoras. Notamos que é preciso ouvir os alunos, o que eles têm a dizer, dar-lhes voz, respeitar o que trazem de novo, assim como sua cultura, seu conhecimento, suas vivências. O professor deve mostrar ao aluno que ele é capaz de produzir novos conhecimentos. ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: ESCOLA E UNIVERSIDADE 7667 A formação inicial busca promover vivências diversas que nos proporcionem a melhor compreensão da realidade da escola púbica, futuro espaço de atuação profissional, bem como ter conhecimentos das áreas de atuação, além de condições de enfrentar os desafios diários que o contexto educacional nos apresenta. O professorado, diante das novas realidades e da complexidade de saberes envolvidos presentemente na sua formação profissional, precisaria de formação teórica mais aprofundada, capacidade operativa nas exigências da profissão, propósitos éticos para lidar com a diversidade cultural e a diferença, além, obviamente, da indispensável correção nos salários, nas condições de trabalho e de exercício profissional. (LIBÂNEO, 2002, p. 36). Os cursos de formação inicial do professor, no caso deste estudo o curso de Pedagogia, deveriam “integrar os conteúdos das disciplinas em situações da prática que coloquem problemas aos futuros professores e lhes possibilitem experimentar soluções, com a ajuda da teoria.” (LIBÂNEO, 2002, p. 44). Na busca por um ensino de qualidade faz-se urgente repensar os cursos de formação de professores e, neste contexto, um grande desafio são os estágios curriculares. Compreendemos que estes, nos cursos de Pedagogia, não são uma atividade prática, mas “uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis” (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 45). As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Licenciatura em Pedagogia, pela Resolução CNE nº 1/2006 (BRASIL, 2006), estabelece a carga horária mínima de 3.200 horas, divididas em: 2.800 horas dedicadas às atividades formativas (aulas, seminários, pesquisas, atividades práticas de diferente natureza; e outras); 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado; 100 horas de atividades teórico-práticas. (BRASIL, 2006, art. 7º). Diferente proposta foi apresentada pelo estado de São Paulo. O Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE SP) fixou as Diretrizes Curriculares Complementares para a formação de docentes para a Educação Básica nos Cursos de Graduação de estabelecimentos Pedagogia, de Ensino Normal Superior Superior, e Licenciaturas, vinculados ao sistema oferecidos pelos estadual, pelas Deliberações nº 111/2012 e 126/2014. Observa-se uma inovação na compreensão do estágio, visto que estabelece aos cursos de Pedagogia a carga horária mínima para o estágio de 400 horas, sendo divididas em: I – 200 (duzentas) horas de estágio na escola, compreendendo o acompanhamento do efetivo exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental e vivenciando experiências de ensino, na presença e sob supervisão do professor responsável pela classe na qual o estágio está sendo cumprido e sob orientação do professor da Instituição de Ensino Superior; II – 200 (duzentas) horas dedicadas às atividades de gestão do ensino, na educação infantil e nos 7668 anos iniciais do ensino fundamental, nelas incluídas, entre outras, as relativas ao trabalho pedagógico coletivo, conselhos da escola, reuniões de pais e mestres, reforço e recuperação escolar, sob orientação do professor da Instituição de Ensino Superior e supervisão do profissional da educação responsável pelo estágio na escola, e, atividades teórico práticas e de aprofundamento em áreas específicas, de acordo com o projeto político-pedagógico do curso de formação docente. (SÃO PAULO, 2014, art. 7º). Avaliamos que essa legislação poderá contribuir para o redimensionamento das propostas de estágio supervisionado desenvolvidas nos cursos de Pedagogia, visto que aborda duas dimensões da docência: o ensino em sala de aula propriamente dito e a gestão do ensino, como descreve o trecho acima. Outro aspecto fundamental refere-se à ênfase que a legislação estadual traz para a orientação e a supervisão do estagiário e a necessária parceria entre instituição de Ensino Superior e a escola de Educação Básica. Recentemente foi aprovada a Resolução CNE 2/2015 (BRASIL, 2015, art. 13 § 1º) que estabelece, como mínimo de duração para os cursos de formação de professores para a Educação Básica, 3.200 horas, mínimo de oito semestres ou 4 anos, tendo: 400h de Prática Componente Curricular; 400h de Estágio Supervisionado; 2.200h dedicadas às atividades formativas dos núcleos e 200h de atividades teórico-práticas para aprofundamento de áreas de interesse. Diante dessas legislações que se referem à formação inicial do professor, ressaltamos uma reflexão sobre o estágio curricular supervisionado desenvolvido na universidade. Qual impacto que essas legislações terão de fato nos estágios? Como avançar nos estágios de modo a contribuir de verdade para a formação do professor? Infelizmente, verificamos que, na maioria dos cursos de formação inicial de professores, os estágios curriculares obrigatórios são fragmentados, se constituem da observação passiva de algumas horas em salas de aula que, geralmente, não articulam teoria e prática. Provocam estranhamento na relação entre estagiários e professores, causando desconforto e visão distorcida da realidade da sala de aula. A vivência semanal em uma sala de aula tem propiciado a construção de uma parceria entre estagiária e professora da sala, inclusive na participação ativa nas atividades desenvolvidas neste ambiente e na oportunidade de refletir sobre o cotidiano escolar, conforme trechos de nossos registros reflexivos. [...] ajudei a professora com a correção da lição de casa e com a digitação de materiais, como história, calendários com os aniversariantes do mês etc. Estou atenta para aprender mais e poder utilizar tudo que aprendi futuramente [...]. (Aluna 1, registro reflexivo, 27/08/2015). [...] na faculdade, muitas vezes é nos apresentada uma visão errônea da escola. Ouvimos várias vezes professores falando que não existem alunos indisciplinados, que os professores não saem da rotina e só fazem atividades sem significado para a criança. Porém, com essa experiência, é possível mudar totalmente essa concepção. A escola tenta 7669 por meio de vários projetos melhorar a aprendizagem do aluno. As professoras sempre se esforçam para organizar sua aula e melhorar sua metodologia de trabalho [...]. (Aluna 2, registro reflexivo, 28/08/2015). Temos a oportunidade de vivenciar a sala de aula, não como meros observadores, mas como participantes que contribuem com o processo de ensino-aprendizagem. Experimentamos momentos únicos. Verificamos que a escola é uma instituição dinâmica, em movimento constante, num ritmo acelerado que exige de seus profissionais respostas e ações imediatas. Nem sempre há tempo para uma reflexão, para uma discussão coletiva. Geralmente, são problemas que exigem uma atuação imediata e individual. Observamos em vários momentos a atuação competente e democrática da equipe gestora resolvendo problemas junto aos pais, professores e funcionários. É importante destacar que o curso de Pedagogia nos proporciona boa formação. Entretanto, ter a oportunidade de atuar no “chão da escola” é algo único, pois podemos nos colocar no lugar dos professores e gestores e pensar em como lidaríamos com diversas situações cotidianas que, muitas vezes, não são abordadas no curso. Com essa experiência pudemos ver como cada aluno tem um nível de aprendizagem diferente, como cada um tem sua especificidade, sua história, seu contexto social, visto que a bagagem cultural e o contexto familiar influenciam no momento da aprendizagem. Reafirmamos que o estágio é um espaço formativo essencial na formação do professor e, para que tenha sentido e significado, é necessário envolver atividades orientadas e supervisionadas, que incluam: [...] ir às escolas e realizar observações, entrevistas, coletar dados sobre determinados temas abordados nos cursos, problematizar, propor e desenvolver projetos nas escolas; conferir os dizeres de autores e da mídia, as representações e os saberes que têm sobre a escola, o ensino, os alunos, os professores, nas escolas reais; começar a olhar, ver e analisar as escolas existentes com olhos não mais de alunos, mas de futuros professores. (PIMENTA, 1999, p. 28). CONCLUSÕES Na análise dos dados empíricos, notamos relevantes aspectos que contribuem significativamente para a formação inicial, principalmente no que se relaciona a modelos e propostas enriquecedoras para o Estágio Curricular Supervisionado para o curso de Pedagogia, tal como esta experiência da pesquisa. Um projeto elaborado em conjunto pela escola e universidade considerando a necessidade dos professores; o estagiário que auxilia o trabalho do professor; a vivência semanal junto aos professores; o contato direto com os alunos; o registro reflexivo discutido e debatido no coletivo da universidade; a devolutiva das reflexões trazidas para a escola envolvendo aluno, professor universitário, equipe gestora e docente da escola. 7670 A parceria desenvolvida entre universidade e escola é essencial e estabelece um elo necessário para a aproximação entre a teoria e a prática. Vivenciar em processo de formação inicial o contato direto com professores polivalentes numa escola pública municipal real, podendo refletir e discutir no grupo de pesquisa nossos registros reflexivos, analisá-los e nos questionarmos sobre a atuação desses profissionais, contribui com nossa formação profissional, uma vez que proporciona melhor compreensão acerca da organização e do funcionamento do futuro espaço de atuação que é a escola pública. Afinal, a “formação geral de qualidade dos alunos depende de formação de qualidade dos professores” (LIBÂNEO, 2002, p. 39). Ao mesmo tempo em que a escola proporciona momentos de aprendizagens para a nossa formação profissional, também nos permite auxiliar os professores do 1º ano, pois nossa presença facilita o desenvolvimento de algumas atividades. Para nós, graduandas, essa parceria entre a escola e a universidade tem permitido experiências indescritíveis, uma prática nunca antes vivenciada por nós ao longo do curso de Pedagogia. Trata-se de uma prática real, que antecipa e nos aproxima de nossa futura profissão, como professoras polivalentes. A parceria entre escola e universidade nos projetos do Estágio Curricular é essencial para a construção de uma relação de desenvolvimento profissional entre professor e estagiário no espaço da sala de aula. A construção dessa parceria e de um trabalho colaborativo entre essas duas instituições propicia momentos de efetiva interação vivenciados e descritos nesta pesquisa, além do desenvolvimento profissional qualificado a todos os envolvidos no processo, enfatizando os sujeitos da escola (professor e equipe gestora) e os sujeitos da universidade (alunos de graduação e professor universitário). Em síntese, ser professor polivalente é uma tarefa desafiante e complexa, mas de essencial relevância no atual contexto da escola púbica municipal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da Educação. 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