SER PROFESSOR POLIVALENTE NA ESCOLA PÚBLICA

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SER PROFESSOR POLIVALENTE NA ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL: TAREFA
COMPLEXA E ESSENCIAL
Vanda Moreira Machado LIMA, FCT/UNESP
Alana Silva MOREIRA, FCT/UNESP
Bruna Caçula ALVES, FCT/UNESP
Mariana Aparecida de Almeida LAURENTINO, FCT/UNESP
Eixo temático 01 - Formação inicial de professores de educação básica.
Agência Financiadora: PROGRAD/UNESP
[email protected]
INTRODUÇÃO
A escola busca construir-se como centro de debates, de discussões e de reflexões
sobre sua função social no contexto atual. Apresenta-se como espaço de formação
humana com o fornecimento de conhecimentos que possibilitem a seus integrantes
atuarem de modo crítico e transformador na sociedade capitalista em que vivemos. A
escola precisa educar seres humanos, formar cidadãos, sujeitos históricos que
compreendam sua contemporaneidade histórica, ampliem os valores da própria cultura,
da civilização e do grupo social a que pertencem, compreendendo o mundo e,
principalmente, escolhendo o modo de atuar sobre ele. Na tentativa de contribuir com a
construção da escola pública que agrega tais objetivos, desenvolvemos parcerias e
pesquisas referentes ao tema.
Estabelecemos parceria com uma escola pública municipal desde 2011, que tem
nos proporcionado momentos de reflexão e aprendizagem sobre a realidade da
Educação Básica, além de fornecer experiências enriquecedoras aos alunos do curso de
licenciatura em Pedagogia envolvidos. Em 2015, conseguimos a aprovação e o
financiamento do “Programa Projeto Núcleo de Ensino” da PROGRAD/UNESP, para duas
bolsistas e contamos com a colaboração de uma aluna voluntária, com o objetivo de
elaborar uma ação formativa envolvendo os professores polivalentes dos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
A partir desse projeto, desenvolvemos a pesquisa que apresentamos neste artigo.
O objetivo é refletir sobre o papel do professor polivalente que atua no 1º ano do Ensino
Fundamental na escola pública municipal, a partir da ótica de alunas do curso de
Pedagogia de uma instituição superior pública.
DESENVOLIMENTO
Para alcançar o propósito do artigo, organizamos o texto descrevendo a
metodologia utilizada e a discussão dos resultados da pesquisa.
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Metodologia
Nossa pesquisa é desenvolvida junto aos professores polivalentes do 1º ano do
ciclo I do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal, situada na periferia da
cidade de Presidente Prudente - SP.
Visando o desenrolar da pesquisa utilizamos a abordagem qualitativa. Nessa
perspectiva. As pesquisas qualitativas são significativas em retratar a complexidade do
cotidiano, pois a abordagem qualitativa de um problema, além de ser uma opção do
investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a
natureza de um fenômeno social. Há, necessariamente, a preocupação maior com o
processo em si do que com o produto, ou seja, o pesquisador estará atento a todas as
etapas e esse será o seu objeto de pesquisa (LUDKE; ANDRÉ, 1986).
Considerando nossos objetivos de pesquisa optamos pelo estudo bibliográfico,
observação participante e registro reflexivo.
A pesquisa bibliográfica refere-se ao levantamento e seleção de toda a bibliografia
publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado, em diferentes materiais, como:
livros, revistas, boletins, monografias, teses, dissertações, material cartográfico, com o
objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo o material já escrito sobre o
mesmo (LAKATOS; MARCONI, 1987). Nossos temas centrais são: escola pública,
professor polivalente, alfabetização e curso de Pedagogia.
A observação participante permite que o pesquisador, conforme os apontamentos
de Reys e Monteiro (2010, p. 19), se envolva “com os sujeitos em seu cotidiano, tentando
sentir o que significa estar naquela situação”.
Diante disso, nossas observações ocorrem uma vez por semana, das 12h20 às
17h20, por três graduandas do curso de Pedagogia, em três salas do primeiro ano do
ciclo I do Ensino Fundamental, totalizando até agosto/2015 aproximadamente 180 horas
de observação participante. Após as observações de um período na escola, as bolsistas
registram individualmente os conteúdos, os fatos que julgaram relevantes e os
questionamentos e dúvidas tanto sobre a prática do professor observado quanto sobre a
própria prática docente futura, ou seja, como atuariam diante dos desafios vivenciados
pelas professoras polivalentes da instituição parceira. Posteriormente, estas anotações
individuais são discutidas em nosso grupo de pesquisa e resultarão em um registro
reflexivo coletivo que será debatido numa reunião previamente agendada entre bolsistas,
orientadora, professores polivalentes e a equipe gestora da escola parceira. Trata-se de
um momento de formação continuada para todos os envolvidos.
Enfim, as bolsistas auxiliam o trabalho pedagógico do professor no cotidiano
escolar e, simultaneamente, num processo de reflexão, debates, leituras e devolutivas a
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esses profissionais, agregam conhecimentos e experiências e se formam enquanto
futuras professoras polivalentes do ciclo I do Ensino Fundamental.
Resultados
Organizamos a seguir a apresentação dos dados empíricos e nossas reflexões
em três tópicos: papel do professor na escola pública, observações relevantes e o estágio
supervisionado.
PAPEL SOCIAL DO PROFESSOR POLIVALENTE NA ESCOLA PÚBLICA
Atualmente, faz-se urgente enfrentar a complexidade da docência e os inúmeros
desafios de ser professor em nosso país. Este profissional, porém, não encontra desafios
somente na sala de aula; ser professor exige também uma relação com o ensino e com
outros sujeitos, como as famílias e a comunidade, a atuação na gestão escolar, a luta por
valorização e melhores condições de trabalho. É relevante considerar os baixos salários,
as precárias condições de trabalho, a formação inicial e continuada geralmente
fragilizada, entre outros. É contraditório que um país que almeja educação de qualidade
não valorize seus professores.
Considerando esse cenário, Silveira (1995, p. 26) afirma que “o verdadeiro papel
do educador numa sociedade cuja marca principal é a dominação de uma classe sobre a
outra deva ser o de um agente social que se compromete com a transformação dessa
sociedade em benefício dos oprimidos”.
Devemos assumir uma prática social transformadora, primeiro para lutarmos a
favor da classe a que pertencemos, para conquistarmos o devido reconhecimento para a
nossa profissão, para lutar por melhorias de condições salariais e para lutar pela melhoria
do ensino na escola pública (SILVEIRA, 1995).
Em relação ao papel do professor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei nº 9394/96 (LDB/96), enfatiza que esse profissional deve:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento
de ensino;
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica
do estabelecimento de ensino;
III - zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor
rendimento;
V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de
participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à
avaliação e ao desenvolvimento profissional;
VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias
e a comunidade. (BRASIL, 1996, art. 13).
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No entanto, ser professor significa muito mais do que cumprir esse artigo da LDB/
96. Corresponde também à preparação de outros seres humanos numa interação face a
face, o que exige uma formação sólida e qualificada (inicial e continuada).
Em nossas observações, pudemos constatar que ser professor polivalente do
ciclo I do Ensino Fundamental é um grande desafio.
Durante a nossa pesquisa, identificamos diversas situações complexas que o
profissional que atua nos anos iniciais encontra em seu dia a dia. Percebemos “in loco”
que um primeiro desafio refere-se em ser professor polivalente e atuar em sete áreas do
conhecimento, visto que lecionam as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências, História, Geografia, Artes e Educação Física no ciclo I.
Wajskop (2003) apresenta o significado de ser professor polivalente na Educação
Infantil. Contudo, essa definição nos auxilia a refletir sobre a polivalência no ciclo I.
Ser polivalente significa, portanto, trabalhar com conteúdos de naturezas
diversas, que abrangem desde cuidados básicos essenciais até mesmo
conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do
conhecimento. Esse caráter polivalente demanda, por sua vez, uma
formação bastante ampla do profissional, que deve tornar-se também
ele, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática,
debatendo com seus pares, dialogando com suas famílias e a
comunidade e buscando informações necessárias para o trabalho que
desenvolve. (WAJSKOP, 2003, p. 16).
Defendemos que o papel do docente polivalente é apropriar-se e articular os
conhecimentos básicos das diferentes áreas do conhecimento que compõem atualmente
a base comum do currículo nacional dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
desenvolvendo um trabalho interdisciplinar (CRUZ; BATISTA NETO, 2012). O professor
polivalente deve compreender, portanto, a função complexa que lhe compete nesse
sentido, buscando realizar um trabalho que envolva a interdisciplinaridade.
O desenvolvimento do processo de alfabetização é outro desafio, principalmente
em classes com aproximadamente 27 alunos com diferentes ritmos de aprendizagem.
Numa mesma sala de aula encontramos alunos nos distintos níveis de alfabetização: présilábicos, silábicos e alfabéticos.
Percebo que a maioria dos alunos já consegue escrever seus nomes
completos. Podemos encontrar alunos que já se encontram no nível
alfabético. Porém ainda encontramos alguns alunos que não conseguem
escrever seus nomes completos e ainda encontram-se em nível présilábico, apresentando muita dificuldade em aprender as letras do
alfabeto e suas formas, e até mesmo copiar da lousa. Diariamente o
professor polivalente encontra diversos desafios, um deles é conseguir
se adaptar aos 26 alunos, que apresentam suas especificidades e
dificuldades, tendo que dar atenção a todos. Mesmo que o professor
tenha uma boa formação e uma ótima prática fica difícil alcançar os
objetivos de maneira simultânea, pois cada criança tem um tempo de
aprendizagem e carrega consigo sua história de vida, que influencia
nesse processo. (Aluna 1, registro reflexivo, 21/05/15).
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Os docentes, por sua vez, precisam dominar a metodologia utilizada. Para isso
destaca-se mais uma vez a formação inicial e continuada de professores. É preciso
conhecer as teorias, as metodologias, as práticas alfabetizadoras e ter autonomia para
desenvolver um trabalho com embasamento teórico e metodológico que resulte na
aprendizagem dos alunos. O professor polivalente alfabetizador que
[...] possuir boa fundamentação teórica e científica, aliadas às práticas,
terá condições de superar as imperfeições de métodos, poderá optar por
um caminho e oferecer condições para que seu aluno tenha uma
alfabetização consciente, que aprenda pensando e não apenas
memorizando sinais gráficos. (MENDONÇA, MENDONÇA, 2007, p. 36).
Trabalhar com diferentes ritmos de aprendizagem fica ainda mais complexo
considerando o contexto social das famílias desses discentes. Em nossas observações,
encontramos alunos que já sofreram abuso sexual pela própria família, alunos que têm
pais presos devido a vários motivos, desde uso de drogas a outras questões mais graves,
alunos que são “superprotegidos” pelas famílias, alunos indisciplinados, alunos
desinteressados, entre outros. Como atuar com essa diversidade?
Na maioria das vezes em que presenciamos um diálogo sobre a educação,
observamos comentários que ressaltam apenas as precariedades da Educação Básica
brasileira. Porém, “assumir uma atitude pessimista e negativa como educadores e
professores é um empecilho à busca de uma educação emancipatória e de melhor
qualidade” (DI GIORGI; LEITE, 2010, p. 306). Faz-se necessário atentar-se para e
direcionar pesquisas que busquem a melhoria da escola pública. É imprescindível que
estudantes da área da educação olhem para a realidade da escola brasileira e procurem
alternativas para atuar com qualidade nesse contexto educacional.
Ser professor polivalente não é tarefa fácil; porém, notamos a partir de nossas
observações em sala que é possível realizar um bom trabalho mesmo com tantas
dificuldades. Abaixo, apresentamos algumas observações relevantes sobre a atuação
dos professores polivalentes pesquisados.
OBSERVAÇÕES RELEVANTES NAS SALAS DO 1o ANO NA ESCOLA PÚBLICA
A instituição parceira nesta pesquisa localiza-se em um bairro periférico, no qual
se encontram pessoas da classe trabalhadora e com inúmeros desafios sociais,
econômicos e culturais, principalmente referentes aos serviços públicos, como saúde,
transporte, lazer, cultura etc. Neste espaço educacional, em 2015, havia três salas do 1º
ano do ciclo I do Ensino Fundamental, nas quais atuavam professoras contratadas e sem
experiência na alfabetização.
Em relação à infraestrutura, apresenta-se de forma adequada. Nas observações,
encontramos algumas salas de aula climatizadas, com armários grandes e muito material
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disponível para o professor e os alunos. Possui uma biblioteca climatizada e ampla com
muitos livros e materiais didáticos. No horário de intervalo, as crianças têm acesso à
quadra e funcionários estão disponíveis para cuidar e orientá-las. Também há uma mesa
com diversos livros e gibis que ficam à disposição das crianças, caso elas queiram ler
durante seu tempo livre. A qualidade da merenda escolar é excelente e diversificada:
“todos os dias no café da tarde as crianças têm pão, suco e frutas” (Aluna 1, registro
reflexivo, 28/05/2015). O grande desafio é a qualidade do ensino propiciado aos alunos,
mas, segundo a equipe gestora, avanços têm ocorrido gradativamente nesse quesito. Em
nossas observações, percebemos o empenho das pessoas que trabalham no ambiente
para alcançar seu objetivo, mesmo diante das dificuldades.
Considerando nossas observações é possível evidenciar que, em meio a tantos
obstáculos existentes na escola pública municipal e apesar dos desafios do cotidiano e
do contexto social escolar estudado, os professores polivalentes do ciclo I conseguem
adentrar na sala de aula e desenvolver um trabalho qualitativo em relação a seus alunos.
Trabalham diariamente a formação da cidadania e do conhecimento, por meio de regras
de convivência e de respeito ao outro, conforme nossas observações.
As atividades com a leitura são várias: as crianças emprestam livros na biblioteca
para levá-los para casa e ainda existe na sala de aula a caixa de leitura, na qual as
crianças pegam livros para ler quando terminam as atividades.
Constatamos que a leitura nas salas dos primeiros anos é diária e de qualidade.
Todos os dias as professoras lêem livros de Literatura Infantil para as crianças, livros
indicados pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), livros folclóricos, contos de
fadas, entre outros. Esse trabalho é planejado pelas professoras nos Horários de
Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) sob o apoio e a orientação da coordenadora
pedagógica, desconstruindo a ideia de que a escola pública não faz um bom trabalho.
[...] os alunos pegaram livros emprestados para levar para casa. É
importante esse incentivo para a leitura. A leitura em casa realizada com
ou pelos pais aproxima as crianças dos seus familiares e desperta o
gosto pela leitura para além da sala de aula [...]. (Aluna 3, registro
reflexivo, 27/08/15).
[...] leitura: “Pra que serve o ar?” Anna Claudia Ramos (PNLD). (Aluna 2,
registro reflexivo, 19/06/15).
Leitura: “Alice no país das maravilhas” [...] A professora utiliza estratégias
de leitura que são bem interessantes para despertar a curiosidade e
interesse pela história. Neste dia fez inferência texto- mundo, ou seja,
através do título da história fez relação com o país em que vivemos e
questionou as crianças a respeito do que é bom (as maravilhas) do
Brasil, e o que é ruim no país em que vivemos. As crianças falaram que
não tem guerra lutas, etc., mas não conseguiram falar o que era ruim no
Brasil. A professora falou um pouco sobre corrupção. (Aluna 3, registro
reflexivo, 31/08/15).
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Também é importante destacar que as práticas de contação de histórias utilizadas
pelas professoras não são tradicionais. Vivenciamos momentos em que utilizavam
recursos como avental para contação, fantoches, votação das crianças para escolher o
livro a ser lido em sala, narrativas participativas, caixas de contação e outras estratégias
que tornam o momento da leitura prazeroso, de construção de conhecimento e de
formação de cidadãos.
[...] história: “Maria vai com as outras”. A professora contou a história
para as crianças usando um avental confeccionado. [...] a professora
contou a história sem utilizar o livro e de forma lúdica. As crianças
prestaram muito atenção. A história possuía uma moral que fez com que
as crianças refletissem. (Aluna 2, registro reflexivo 26/06/2015).
Para despertar um interesse maior dos alunos [...]a professora [...] fez
uma votação. Pediu às crianças que escrevessem em papel o nome do
livro que gostariam que fosse lido primeiro. Após recolher todos os
papéis, ela foi pegando um a um e lendo, enquanto isso as crianças em
seus livros pintavam os quadradinhos um de cada cor. Cada vez que a
professora lia o nome de uma determinada história, uma parte da sala
comemorava assiduamente. No final a história do João e Maria “venceu”.
As crianças comemoraram muito. Acredito que fazer um esquema de
votação instigou mais aos alunos a prestarem atenção na leitura e querer
mais leituras, foi uma forma bem positiva e interessante. (Aluna 3,
registro reflexivo, 26/05/15).
As professoras do primeiro ano vêm realizando um projeto belíssimo chamado
“Brincadeiras Folclóricas”. Primeiro, as crianças analisaram quadros do artista Ivan Cruz
e as brincadeiras que continham neles. A professora realizou um diálogo com os alunos,
perguntando quais brincadeiras conheciam, quais já haviam brincado, se sabiam seus
nomes e quais eram as preferidas. Após essa conversa, as crianças pintaram em
bandejas de isopor suas brincadeiras preferidas, com tinta guache e pincéis. O projeto
também conta com leituras diárias de livros folclóricos, como Iara, A Mula Sem Cabeça, O
Curupira etc.
Vale destacar o “Projeto Valores”, uma iniciativa elaborada a partir da parceria
existente entre a universidade e a escola, na qual a equipe de professores e gestores
escolhe um filme que enfatiza valores como amizade, companheirismo, caráter, educação
e, posteriormente, em sala de aula, discutem com os alunos os temas abordados.
Percebemos que o aluno das salas de aula observadas tem “vez e voz” no dia a
dia. A importância do papel ativo do aprendiz no cotidiano escolar é frequente entre as
três professoras. Notamos que é preciso ouvir os alunos, o que eles têm a dizer, dar-lhes
voz, respeitar o que trazem de novo, assim como sua cultura, seu conhecimento, suas
vivências. O professor deve mostrar ao aluno que ele é capaz de produzir novos
conhecimentos.
ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO: ESCOLA E UNIVERSIDADE
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A formação inicial busca promover vivências diversas que nos proporcionem a
melhor compreensão da realidade da escola púbica, futuro espaço de atuação
profissional, bem como ter conhecimentos das áreas de atuação, além de condições de
enfrentar os desafios diários que o contexto educacional nos apresenta.
O professorado, diante das novas realidades e da complexidade de
saberes envolvidos presentemente na sua formação profissional,
precisaria de formação teórica mais aprofundada, capacidade operativa
nas exigências da profissão, propósitos éticos para lidar com a
diversidade cultural e a diferença, além, obviamente, da indispensável
correção nos salários, nas condições de trabalho e de exercício
profissional. (LIBÂNEO, 2002, p. 36).
Os cursos de formação inicial do professor, no caso deste estudo o curso de
Pedagogia, deveriam “integrar os conteúdos das disciplinas em situações da prática que
coloquem problemas aos futuros professores e lhes possibilitem experimentar soluções,
com a ajuda da teoria.” (LIBÂNEO, 2002, p. 44).
Na busca por um ensino de qualidade faz-se urgente repensar os cursos de
formação de professores e, neste contexto, um grande desafio são os estágios
curriculares. Compreendemos que estes, nos cursos de Pedagogia, não são uma
atividade prática, mas “uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e
intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis” (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 45).
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Licenciatura em
Pedagogia, pela Resolução CNE nº 1/2006 (BRASIL, 2006), estabelece a carga horária
mínima de 3.200 horas, divididas em: 2.800 horas dedicadas às atividades formativas
(aulas, seminários, pesquisas, atividades práticas de diferente natureza; e outras); 300
horas dedicadas ao Estágio Supervisionado; 100 horas de atividades teórico-práticas.
(BRASIL, 2006, art. 7º).
Diferente proposta foi apresentada pelo estado de São Paulo. O Conselho
Estadual de Educação de São Paulo (CEE SP) fixou as Diretrizes Curriculares
Complementares para a formação de docentes para a Educação Básica nos Cursos de
Graduação
de
estabelecimentos
Pedagogia,
de
Ensino
Normal
Superior
Superior,
e
Licenciaturas,
vinculados
ao
sistema
oferecidos
pelos
estadual,
pelas
Deliberações nº 111/2012 e 126/2014. Observa-se uma inovação na compreensão do
estágio, visto que estabelece aos cursos de Pedagogia a carga horária mínima para o
estágio de 400 horas, sendo divididas em:
I – 200 (duzentas) horas de estágio na escola, compreendendo o
acompanhamento do efetivo exercício da docência na educação infantil e
nos anos iniciais do ensino fundamental e vivenciando experiências de
ensino, na presença e sob supervisão do professor responsável pela
classe na qual o estágio está sendo cumprido e sob orientação do
professor da Instituição de Ensino Superior; II – 200 (duzentas) horas
dedicadas às atividades de gestão do ensino, na educação infantil e nos
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anos iniciais do ensino fundamental, nelas incluídas, entre outras, as
relativas ao trabalho pedagógico coletivo, conselhos da escola, reuniões
de pais e mestres, reforço e recuperação escolar, sob orientação do
professor da Instituição de Ensino Superior e supervisão do profissional
da educação responsável pelo estágio na escola, e, atividades teórico
práticas e de aprofundamento em áreas específicas, de acordo com o
projeto político-pedagógico do curso de formação docente. (SÃO
PAULO, 2014, art. 7º).
Avaliamos que essa legislação poderá contribuir para o redimensionamento das
propostas de estágio supervisionado desenvolvidas nos cursos de Pedagogia, visto que
aborda duas dimensões da docência: o ensino em sala de aula propriamente dito e a
gestão do ensino, como descreve o trecho acima. Outro aspecto fundamental refere-se à
ênfase que a legislação estadual traz para a orientação e a supervisão do estagiário e a
necessária parceria entre instituição de Ensino Superior e a escola de Educação Básica.
Recentemente foi aprovada a Resolução CNE 2/2015 (BRASIL, 2015, art. 13 § 1º)
que estabelece, como mínimo de duração para os cursos de formação de professores
para a Educação Básica, 3.200 horas, mínimo de oito semestres ou 4 anos, tendo: 400h
de Prática Componente Curricular; 400h de Estágio Supervisionado; 2.200h dedicadas às
atividades formativas dos núcleos e 200h de atividades teórico-práticas para
aprofundamento de áreas de interesse.
Diante dessas legislações que se referem à formação inicial do professor,
ressaltamos uma reflexão sobre o estágio curricular supervisionado desenvolvido na
universidade. Qual impacto que essas legislações terão de fato nos estágios? Como
avançar nos estágios de modo a contribuir de verdade para a formação do professor?
Infelizmente, verificamos que, na maioria dos cursos de formação inicial de
professores, os estágios curriculares obrigatórios são fragmentados, se constituem da
observação passiva de algumas horas em salas de aula que, geralmente, não articulam
teoria e prática. Provocam estranhamento na relação entre estagiários e professores,
causando desconforto e visão distorcida da realidade da sala de aula.
A vivência semanal em uma sala de aula tem propiciado a construção de uma
parceria entre estagiária e professora da sala, inclusive na participação ativa nas
atividades desenvolvidas neste ambiente e na oportunidade de refletir sobre o cotidiano
escolar, conforme trechos de nossos registros reflexivos.
[...] ajudei a professora com a correção da lição de casa e com a
digitação de materiais, como história, calendários com os aniversariantes
do mês etc. Estou atenta para aprender mais e poder utilizar tudo que
aprendi futuramente [...]. (Aluna 1, registro reflexivo, 27/08/2015).
[...] na faculdade, muitas vezes é nos apresentada uma visão errônea da
escola. Ouvimos várias vezes professores falando que não existem
alunos indisciplinados, que os professores não saem da rotina e só
fazem atividades sem significado para a criança. Porém, com essa
experiência, é possível mudar totalmente essa concepção. A escola tenta
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por meio de vários projetos melhorar a aprendizagem do aluno. As
professoras sempre se esforçam para organizar sua aula e melhorar sua
metodologia de trabalho [...]. (Aluna 2, registro reflexivo, 28/08/2015).
Temos a oportunidade de vivenciar a sala de aula, não como meros observadores,
mas como participantes que contribuem com o processo de ensino-aprendizagem.
Experimentamos momentos únicos.
Verificamos que a escola é uma instituição dinâmica, em movimento constante,
num ritmo acelerado que exige de seus profissionais respostas e ações imediatas. Nem
sempre há tempo para uma reflexão, para uma discussão coletiva. Geralmente, são
problemas que exigem uma atuação imediata e individual. Observamos em vários
momentos a atuação competente e democrática da equipe gestora resolvendo problemas
junto aos pais, professores e funcionários.
É importante destacar que o curso de Pedagogia nos proporciona boa formação.
Entretanto, ter a oportunidade de atuar no “chão da escola” é algo único, pois podemos
nos colocar no lugar dos professores e gestores e pensar em como lidaríamos com
diversas situações cotidianas que, muitas vezes, não são abordadas no curso. Com essa
experiência pudemos ver como cada aluno tem um nível de aprendizagem diferente,
como cada um tem sua especificidade, sua história, seu contexto social, visto que a
bagagem cultural e o contexto familiar influenciam no momento da aprendizagem.
Reafirmamos que o estágio é um espaço formativo essencial na formação do
professor e, para que tenha sentido e significado, é necessário envolver atividades
orientadas e supervisionadas, que incluam:
[...] ir às escolas e realizar observações, entrevistas, coletar dados sobre
determinados temas abordados nos cursos, problematizar, propor e
desenvolver projetos nas escolas; conferir os dizeres de autores e da
mídia, as representações e os saberes que têm sobre a escola, o ensino,
os alunos, os professores, nas escolas reais; começar a olhar, ver e
analisar as escolas existentes com olhos não mais de alunos, mas de
futuros professores. (PIMENTA, 1999, p. 28).
CONCLUSÕES
Na análise dos dados empíricos, notamos relevantes aspectos que contribuem
significativamente para a formação inicial, principalmente no que se relaciona a modelos
e propostas enriquecedoras para o Estágio Curricular Supervisionado para o curso de
Pedagogia, tal como esta experiência da pesquisa. Um projeto elaborado em conjunto
pela escola e universidade considerando a necessidade dos professores; o estagiário que
auxilia o trabalho do professor; a vivência semanal junto aos professores; o contato direto
com os alunos; o registro reflexivo discutido e debatido no coletivo da universidade; a
devolutiva das reflexões trazidas para a escola envolvendo aluno, professor universitário,
equipe gestora e docente da escola.
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A parceria desenvolvida entre universidade e escola é essencial e estabelece um
elo necessário para a aproximação entre a teoria e a prática. Vivenciar em processo de
formação inicial o contato direto com professores polivalentes numa escola pública
municipal real, podendo refletir e discutir no grupo de pesquisa nossos registros
reflexivos, analisá-los e nos questionarmos sobre a atuação desses profissionais,
contribui com nossa formação profissional, uma vez que proporciona melhor
compreensão acerca da organização e do funcionamento do futuro espaço de atuação
que é a escola pública. Afinal, a “formação geral de qualidade dos alunos depende de
formação de qualidade dos professores” (LIBÂNEO, 2002, p. 39).
Ao mesmo tempo em que a escola proporciona momentos de aprendizagens para
a nossa formação profissional, também nos permite auxiliar os professores do 1º ano,
pois nossa presença facilita o desenvolvimento de algumas atividades.
Para nós, graduandas, essa parceria entre a escola e a universidade tem
permitido experiências indescritíveis, uma prática nunca antes vivenciada por nós ao
longo do curso de Pedagogia. Trata-se de uma prática real, que antecipa e nos aproxima
de nossa futura profissão, como professoras polivalentes.
A parceria entre escola e universidade nos projetos do Estágio Curricular é
essencial para a construção de uma relação de desenvolvimento profissional entre
professor e estagiário no espaço da sala de aula. A construção dessa parceria e de um
trabalho colaborativo entre essas duas instituições propicia momentos de efetiva
interação vivenciados e descritos nesta pesquisa, além do desenvolvimento profissional
qualificado a todos os envolvidos no processo, enfatizando os sujeitos da escola
(professor e equipe gestora) e os sujeitos da universidade (alunos de graduação e
professor universitário). Em síntese, ser professor polivalente é uma tarefa desafiante e
complexa, mas de essencial relevância no atual contexto da escola púbica municipal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CRUZ, S. P. S.; BATISTA NETO, J. A polivalência no contexto da docência nos anos
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