Exercícios de Curvas Algébricas - Prof. Fernando Torres Kamila Andrade, Steve Vicentim e Leandro Morgado Exercício 1 Seja I ⊆ K[x1 , . . . , xn ] um ideal maximal. Mostrar que se Z(I) é não vazio, então Z(I) = {um ponto}. Solução: Suponha por absurdo que {a, b} ⊆ Z(I), com a ̸= b. Defina J = {f ∈ K[x1 , . . . , xn ] : f (a) = 0}. Temos que J é ideal próprio, pois: • 0 ∈ J; • f, g ∈ J ⇒ (f + g) ∈ J, pois (f + g)(a) = f (a) + g(a) = 0; • f ∈ J, g ∈ K[x1 , . . . , xn ] ⇒ f g ∈ J, pois f g(a) = f (a).g(a) = 0; • 1∈ / J. Além disso, note que como a ̸= b, existe j tal que aj ̸= bj . Então, o polinômio xj − aj anula-se em a e não em b. Portanto, temos que I está contido estritamente no ideal próprio J. Mas isso é absurdo, pois I é maximal. Logo Z(I) = {um ponto}. Exercício 2 Seja M ⊆ K[X, Y ] um ideal não nulo. Mostrar que M não está contido em K[X]. Solução De fato, como M ̸= {0}, existe f ̸= 0, f ∈ M . Logo, temos que Y f ∈ M /{0}, pois M é ideal. Além disso, segue que Y f ∈ / K[X]. Isso porque ∂Y (Y f ) ≥ 1, enquanto que se g ∈ K[x], temos que ∂Y g = 0. Logo, concluímos que M não está contido em K[X], como queríamos demonstrar. Exercício 3 Seja K um corpo, M ⊆ K[X1 , . . . , Xn ] um ideal maximal. Mostre que a extensão K[X1 , . . . , Xn ]/M | K é algébrica. Solução Caso n=1 Temos que K[X1 , . . . , Xn ] = K[X]. Considere o corpo K[X]/M . Como K[X] é domínio de ideais principais, existe f ∈ K[X] tal que M = (f ). É claro que deg(f ) ≥ 1, pois caso contrário, se deg(f ) = 0, teríamos f constante não nula, e portanto M = K[X], gerando uma contradição. E se f = 0, teríamos que M = 0, e assim K[X]/M = K[X], que não é corpo, contrariando a maximalidade de M . Veja que K[X]/M = K[x], onde x = X + M . Assim, K[x] é corpo, pois M é ideal maximal. Observe ainda que f (x) = 0, pois f ∈ M . Portanto, x ∈ K[x] é algébrico sobre K, e portanto, temos que K[x] | K é extensão algébrica. Caso n=2 Nesse caso, temos que K[X, Y ]/M = K[x, y], onde x = X +M e y = Y +M . Podemos supor x, y ∈ / K, pois caso contrário caímos no caso anterior, ou na extensão trivial. Por um exercício anterior, temos que existe f ∈ M tal que ∂X f ≥ 1 e ∂Y f ≥ 1. Dessa forma, podemos escrever: f = ad (X)Y d + . . . + a1 (X)Y + a0 (X), onde ai (X) ∈ K[X] ∀i, ad (X) ̸= 0. Também temos que ad (x) ̸= 0, pois caso contrário teríamos que x ∈ K, gerando uma contradição. Portanto, temos que a extensão K[x, y] | K(x) é algébrica, dado que f (x, Y ) ∈ K(x)[Y ]/{0} e f (x, y) = 0. Estamos agora na seguinte situação: K[x,6y] 66 66 66 6 K(x) 666 II II 666 II 6 II 66 I K t tt tt t tt tt K[x] Dessa forma, basta mostrar que a extensão K(x) | K é algébrica. Suponha que a extensão de anéis K[x, y] | K[x] seja integral. Como K[x, y] é corpo, temos que 1 x ∈ K[x, y] é integral sobre K[x] e então satisfaz a uma equação do tipo: ( ) ( )t−1 ( )t 1 1 1 b0 (x) + b1 (x) + . . . + bt−1 (x) + = 0. x x x Multiplicando a equação por xt−1 , temos: 1 + bt−1 (x) + bt−2 (x)x + . . . + b0 (x)xt−1 = 0. x Dessa forma: Portanto, 1 x ( ) 1 = − bt−1 (x) + bt−2 (x)x + . . . + b0 (x)xt−1 . x ∈ K[x]. Concluímos assim que x é algébrico sobre K, bem como K(x) | K é algébrico, seguindo o resultado. Assim, resta apenas mostrar que K[x, y] | K[x] é extensão integral, o que faremos a seguir. Seja M ⊆ K[X, Y ] um ideal maximal. Por um exercício anterior, sabemos que existe f ∈ M tal que ∂X f ≥ 1 e ∂Y f ≥ 1. Tome m = deg(f ). Temos então que: f (X, Y ) = ∑ ∑ α(i,j) X i Y j + i+j=m = i+j=m onde deg(g) < m. ∑ i+j̸=m i j α(i,j) X Y + g, α(i,j) X i Y j = (1) Logo, segue que: ∑ f (X − aY + aY, Y ) = α(i,j) (X − aX + aY )i Y j + g = ( i+j=m ∑ = = α(i,j) i+j=m ( ∑ i ∑ ( l l=0 ) α(i,j) ai i ) ) (X − aY )i−l (aY )l Yj +g = (2) Y m + h. i+j=m Agora, defina c(a) = ∑ α(i,j) ai , onde algum α(i,j) ̸= 0. i+j=m Note que existe a tal que c(a) ̸= 0. De fato, considere o polinômio não nulo dado por: c(T ) = ∑ α(i,j) T i . i+j=m Como K é infinito, temos que existe a ∈ K tal que c(a) ̸= 0. Finalmente, considere g(T ) ∈ K[x][T ], tal que g(T ) = 1 f (x, T ). c(a) • deg(g) = deg(f ); • g(y) = 1 f (x, y) c(a) = 0; • g(T ) mônico. Portanto, segue que y é integral sobre K[x]. Discussão do caso n em geral Considere o seguinte diagrama: K[x1 , ...,Exn ] EE EE EE EE E K(x1 , ..., xn−1 ) EEEE RRR EE RRR RRR EEE RRR EE R K[x1 , ..., xn−1 ] K kkk kkk k k kk kkk kkk Temos que: De forma análoga aos casos anteriores, basta mostrar que a extensão dada por: K[x1 , . . . , xn ] | K[x1 , . . . , xn−1 ] é integral para concluir que K(x1 , . . . , xn ) | K é algébrica. Para mostrar que K[x1 , . . . , xn ] | K[x1 , . . . , xn−1 ] é inteira, inicialmente tomamos o polinômio f ∈ M , de tal forma que f dependa de todas as variáveis. A seguir, analogamente ao caso n = 2, fazemos a mudança de variáveis, substituindo Xi por Xi − aXn + aXn , para todo i ∈ {1, . . . , n − 1}. Dessa forma, obtemos que f pode ser escrito como: f (X1 , . . . , Xn ) = c(a)XnN + c(X1 , . . . , Xn−1 )XnN −1 + . . . , onde c(a) ̸= 0 e N = deg(f ). Exercício 4 Completar a prova do Teorema dos Zeros de Hilbert para todo n ∈ N. Teorema (Zeros de Hilbert) Seja K um corpo algebricamente fechado. Seja J ⊆ K[X1 , . . . , Xn ] um ideal. Então I(Z(J)) = r(J). Demonstração Trivialmente, temos que r(J) ⊆ I(Z(J)). Vamos mostrar então a outra inclusão. Tome f ∈ I(Z(J)). Queremos mostrar que f ∈ r(J), ou seja, existe N ∈ N tal que f N ∈ J. Para tanto, vamos usar o truque denominado "Truco de Ravinovich". Defina: S ′ = J ∪ {f Xn+1 − 1} ⊆ K[X1 , . . . , Xn , Xn+1 ]. É claro que Z(S ′ ) = Z(< S ′ >) = ∅, pois se p = (a1 , . . . , an+1 ) ∈ Z(< S ′ >), então g(p) = 0 para todo g ∈ J. Mas, por outro lado, note que (f Xn+1 − 1)(p) = −1, gerando uma contradição. Como K é algebricamente fechado, pelo Teorema de Zariski, segue que < S ′ >= K[X1 , . . . , Xn , Xn+1 ]. Temos então que 1 ∈< S ′ > e, portanto, podemos escrever: 1 = c1 f1 + . . . + ct ft + ct+1 (f Xn+1 − 1), onde ci = ci (X1 , . . . , Xn+1 ) e fi ∈ J. Agora, substituindo de forma adequada a coordenada Xn+1 por a equação por uma potência f demonstração. N conveniente, obtemos que f N 1 f e multiplicando ∈ J, o que completa a Exercício 5 Completar a prova do Teorema de Zariski para todo n ∈ N. Teorema (Zariski) Seja K um corpo algebricamente fechado, J ⊆ K[X1 , . . . , Xn ] um ideal próprio. Então V (J) ̸= ∅. Demonstração Aplicando o Lema de Zorn, temos que existe um ideal maximal M ⊆ K[X1 , . . . , Xn ] que contém J. Como Z(J) ⊇ Z(M ), basta mostrar que Z(M ) ̸= ∅, o que faremos a seguir. Considere o seguinte mapa: K −→ K[X1 , . . . , Xn ] −→ K[X1 , . . . , Xn ]/M. Temos que esse mapa é injetivo. Caso contrário, existiria uma constante em M , e assim, teríamos que M = K[X1 , . . . , Xn ], o que contraria a sua maximalidade. Dessa forma, temos que K[X1 , . . . , Xn ]/M é uma extensão de K. Por um exercício anterior, esta extensão é algébrica, e como K é algebricamente fechado, segue de imediato que K = K[X1 , . . . , Xn ]/M . Assim, temos que xi = ai , para certo ai ∈ K. Portanto: xi − ai ∈ M ∀i ∈ {1, . . . , n}. Temos então que o ideal maximal (X1 − a1 , . . . , Xn − an ) está contido em M . Mas como M é maximal, é claro que M = (X1 − a1 , . . . , Xn − an ). E assim, concluímos que: Z(M ) = {(a1 , . . . , an )}. Mostramos então que Z(M ) ̸= ∅, o que conclui a prova do Teorema. Exercício 6 Sejam K um corpo infinito e f ∈ K[X1 , ..., Xn ] um polinômio não constante. Mostre que: 1. AnK \ Z(f ) é um conjunto infinito; 2. #AnK \Z(f ) = #k. Solução 1. Suponha por absurdo que AnK \ Z(f ) é finito e escreva AnK \ Z(f ) = {P1 = (a11 , . . . , a1n ), . . . , Pm = (am1 , . . . , amn )}. Para cada i ∈ {1, . . . , m} e para cada j ∈ {1, . . . , n} considere fij = Xj − aij. Dessa forma fij ∈ K[X1 , ..., Xn ] \ {0}. Considere agora, fi = n ∏ fij . j=1 Observe que, para todo i ∈ {1, . . . , m}, fi ̸= 0 e fi (Pi ) = 0 pois fij ̸= 0 e fij (Pi ) = 0 para todo j ∈ {1, . . . , n} logo {Pi } ⊆ Z(fi ). Como k é um corpo infinito, se g ∈ K[X1 , ..., Xn ] é tal que g(a1 , . . . , an ) = 0 para todo a1 , . . . , an ∈ AnK então g = 0. Daí, Z(fi ) {Pi } ⊆ Z(fi ) Por fim, defina g = f ∏m i=1 AnK donde obtemos AnK . fi . Agora, se P ∈ Z(f ) então f (P ) = 0 donde g(P ) = 0. Por outro lado, se P ̸= Z(f ) então P ∈ Ank \ Z(f ) logo P = Pi para algum i ∈ {1, . . . , m} donde fi (P ) = fi (Pi ) = 0 e, consequentemente, g(P ) = 0. Portanto, g(P ) = 0 para todo P ∈ Ank logo g = 0. Uma vez que k[X1 , . . . , Xn ] é um domínio de integridade e fi ̸= 0 para todo i ∈ {1, . . . , n}, devemos ter f = 0 o que é um absurdo. Assim, AnK \ Z(f ) é um conjunto infinito. 2. Como f é não constante, temos que deg(f ) ≥ 1. Logo, existe i ∈ {1, . . . , n} tal que ∂Xi f ≥ 1. Além disso, se f (p) = 0 para todo p em Ank , teríamos f = 0, gerando uma contradição, pois f ∈ K[X1 , ..., Xn ] \ K. Tome então p ∈ Ank tal que f (p) ̸= 0. Escreva: p = (a1 , . . . , ai−1 , ai , ai+1 , . . . , an ). Agora considere o polinômio: g(Xi ) = f (a1 , . . . , ai−1 , Xi , ai+1 , . . . , an ) ∈ K[Xi ]. Temos que g ̸= 0, pois g(ai ) = f (p) ̸= 0. Defina o conjunto: A := {(a1 , . . . , ai−1 , α, ai+1 , . . . , an ) ∈ Ank | α ∈ K}. Note que A não está contido em V (f ). De fato, se A ⊆ V (f ), temos g(α) = 0 para todo α ∈ K e fazendo α = ai , teríamos 0 = g(ai ) = f (p) ̸= 0. Além disso, A ∩ V (f ) é finito. De fato: A∩V (f ) = {(a1 , . . . , ai−1 , α, ai+1 , . . . , an ) ∈ Ank | f (a1 , . . . , ai−1 , α, ai+1 , . . . , an ) = 0}. Segue que #(A ∩ V (f )) = #V (g), que é finito, pois g ∈ K[Xi ], e obviamente #V (g) ≤ ∂Xi f . Assim, temos que: A \ V (f ) = A \ (A ∩ V (f )) ⇒ #(A ∩ V (f )) = #K, pois #A = #K e K é infinito. Logo: A \ V (f ) ⊆ Ank \ V (f ) ⊆ Ank . Como #Ank = #K, temos portanto # (Ank \ V (f )) = #K. Exercício 7 Dê exemplos onde não vale o Teorema dos Zeros de Hilbert para k = R, Q, I IFq e n = 1, 2. Solução Temos que encontrar exemplos de ideais I ⊂ k[X1 , . . . , Xn ] tais que Rad(I) ̸= I(Z(I)). Vejamos • k = R ou k = Q I – n=1 Considere I = (X 2 + 1) assim Z(I) = ∅ donde I(Z(I)) = A1k . Agora, uma vez que o polinômio X 2 + 1 é irredutível em k[X], I é ideal maximal e I donde 1 ̸= Rad(I). Portanto, Rad(I) A1k I(Z(I)). – n=2 Considere I = (X 2 + Y 2 ), então Z(I) = {(0, 0)}. Temos que X ∈ k[X, Y ] e X |(0,0) = 0 logo X ∈ I(Z(I)). Seja f ∈ Rad(I) então ∂Y f ≥ 2 donde X ̸= Rad(I). Portanto, Rad(I) ̸= I(Z(I)). • k = IF2 – n = 1, 2 Considere I = (X 2 + X + 1) assim Z(I) = ∅ e I(Z(I)) = Ank . Como X 2 + X + 1 é irredutível sobre IF2 temos que I Rad(I) I(Z(I)). Ank donde 1 ̸= Rad(I). Portanto,