Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 2), 1999 Manfroi e cols. Artigo Original Identificação de isquemia pela cineventriculografia vs cintilografia Estudo Comparativo da Identificação de Isquemia Miocárdica pela Cineventriculografia Contrastada sob o Efeito de Mononitrato de Isossorbitol e pela Cintilografia Miocárdica Perfusional em Portadores de Cardiopatia Isquêmica Waldomiro Carlos Manfroi, Roberto Ludwig, Luciana Schmidt Kirschnick, Josiane Souza, Letícia Weiss Ribeiro, Karen Ordovás, Cristiane Leitão, Rosana Cruz, Rafael Candiago Porto Alegre, RS Objetivo - Avaliar a utilidade das cineventriculografias esquerdas contrastadas sob o efeito de nitrato na Identificação de isquemia miocárdica e comparar com os achados da cintilografia miocárdica. Métodos - Foram estudadas as ventriculografias obtidas antes e após o uso de 0,3mg/kg de mononitrato de isossorbitol de 26 pacientes portadores de cardiopatia isquêmica (CI). A motilidade segmentar e o desempenho do ventrículo esquerdo (VE) foram posteriormente comparados com os achados da cintilografia com 99mTc-Sestamibi Resultados - Em condições basais foram identificados 30 segmentos normais, 62 hipocinéticos, 28 discinéticos e 14 acinéticos. Após o medicamento 99 segmentos foram normais, 11 hipocinéticos, 11 discinéticos e 13 acinéticos. A cintilografia miocárdica apresentou 110 segmentos com isquemia e 18 com fibrose (p<0,005). Após o uso do medicamento, a cineventriculografia contrastada identificou aumento da velocidade de encurtamento circunferencial (p=0,0142), da fração de ejeção (p=0,0462), diminuição do volume sistólico final (p=0,0031), e sem alteração do volume diastólico final. Conclusão - Demonstrou-se que a presença de isquemia miocárdica pode ser identificada com a cineventriculografia contratada sob o efeito de nitrato com valor equivalente ao da cintilografia miocárdica perfusional. Palavras-chave: isquemia miocárdica, cintilografia miocárdica, cineventriculografia contrastada, nitrato Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre Correspondência: Waldomiro Carlos Manfroi – Rua Ramiro Barcelos, 2350 – S/206 – 90035-003 – Porto Alegre, RS Recebido para publicação em 21/11/97 Aceito em 25/11/98 Trabalhos realizados em laboratórios experimentais, utilizando técnica que provocasse interrupção aguda de um dos ramos da rede arterial coronária, contribuíram de modo decisivo para um melhor conhecimento da fisiopatologia do infarto do miocárdio (IM). Identificaram-se, então, os tempos de interrupção do fluxo necessários para que surgissem os sinais de isquemia, a redução da contratilidade miocárdica e os sinais da perda definitiva da função da área comprometida 1,2. Outros trabalhos demonstraram ainda que as alterações da função miocárdica eram reversíveis, desde que o fluxo coronário fosse restituído em tempo hábil. Nesses estudos foi possível identificar, ainda, que o tempo necessário para a recuperação era proporcional ao tempo de interrupção do fluxo 3,4. Esses novos conhecimentos permitiram que se identificasse, na fase evolutiva do IM, a presença de área com necrose e áreas com isquemia. Transferidos para a fisiopatologia do homem, proporcionaram a introdução de novos procedimentos terapêuticos farmacológicos e de assistência mecânica com o propósito de reverter a isquemia e diminuir a área de infarto 5,6. A introdução da angioplastia transluminal coronária, inicialmente, para o tratamento da angina do peito 7 e, posteriormente, como método para recuperar áreas de isquemia miocárdica em pacientes acometidos de IM 8, tinha sua indicação fundamentada nesses princípios de ordem fisiopatológica. Seu sucesso terapêutico estava condicionado a métodos laboratoriais invasivos e não-invasivos cada vez mais fidedignos de identificação de isquemia miocárdica e à definição da melhor conduta terapêutica. Na década de 70, depois de ter sido demonstrado, por meios de diversos trabalhos clínicos e experimentais, que a nitroglicerina melhorava o fluxo coronário para as áreas isquêmicas, os nitratos passaram a ser usados durante os estudos hemodinâmicos e cineangiocardiográficos, como Arq Bras Cardiol, volume 72 (nº 2), 171-177, 1999 171 Manfroi e cols. Identificação de isquemia pela cineventriculografia vs cintilografia método que podia distinguir áreas de fibrose de áreas de isquemia miocárdica, através da análise de duas ventriculografias, uma antes e outra após o uso do medicamento 9-13. Esse método embora eficiente, não se manteve na rotina diagnóstica, sendo substituído por outros procedimentos de investigação não invasiva. Dentre os que são utilizados com crescente freqüência, destacam-se os que evidenciam a perfusão miocárdica por imagem como a cintilografia miocárdica por perfusão, a ventriculografia radioisotópica, a tomografia por emissão de positrons, o stress-eco com provas farmacológicas e a eletrocardiografia ambulatorial pelo método de Holter 14-24. A cintilografia miocárdica com 99mTc-sestamibi tem sido utilizada para a detecção de isquemia miocárdica e da viabilidade celular. Carvalho e cols. demonstraram que a concentração intracelular do radiofármaco ocorre por difusão passiva entre o plasma e a membrana mitocondrial, graças ao potencial negativo através da membrana 25. Embora a literatura demonstre a superioridade do tálio-201 em relação ao 99mTc-sestamibi, na identificação de miocárdio viável, a sensibilidade e especificidade dos marcadores são superponíveis na detecção de isquemia miocárdica, na prática clínica. As características físicas do 99mTc (fotopico de 140 keV, meia-vida de 6h) permitem melhores condições de aquisição de imagens tomográficas (SPECT – single photon emition computed tomography). A coronariografia é considerada o padrão ouro no diagnóstico da cardiopatia isquêmica aterosclerótica. Entretanto, não é capaz de identificar a presença ou a extensão da isquemia miocárdica em situações de estresse, tais como exercício físico ou estímulo farmacológico. Porém, a experiência adquirida ao longo dos anos demonstrou que a comparação da motilidade segmentar e do desempenho do ventrículo esquerdo (VE) através de duas ventriculografias, uma antes e outra após o uso sublingual de nitratos, é um método útil para identificar a presença de isquemia miocárdica 10-13. Recentemente, com a introdução do mononitrato de isossorbitol para uso também por via venosa, conseguimos demonstrar que o medicamento melhora a motilidade segmentar de quase todos os segmentos hipocinéticos, da maioria dos segmentos discinéticos e não melhora a motilidade dos segmentos acinéticos 26. Face à indispensabilidade da cinecoronariografia e da cineventriculografia para o estabelecimento de diagnóstico anatômico e funcional da circulação coronária, se o método mostrar sensibilidade equivalente à obtida pela cintilografia miocárdica, a identificação de miocárdio isquêmico durante cateterismo permitiria ganho de tempo e economia para orientar a conduta terapêutica em determinadas situações de emergência. Para tanto, elaboramos o presente trabalho de investigação com o objetivo de analisar se é possível identificar por meio de duas ventriculografias, uma antes e outra depois do efeito de nitrato por via endovenosa, os segmentos miocárdicos isquêmicos do VE, identificados por meio da cintilografia miocárdica tomográfica com 99mTc-sestamibi, em portadores de cardiopatia isquêmica e comparar, respectivamente, a sensibilidade e a especificidade dos dois métodos para a detecção de isquemia miocárdica. 172 Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 2), 1999 Métodos Estudo realizado na Unidade de Hemodinâmica do Serviço de Cardiologia e do Serviço de Medicina Nuclear do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina da UFRGS, em 26 pacientes de ambos os sexos, com indicação de estudo hemodinâmico e cineangiocardiográfico por apresentarem cardiopatia isquêmica sintomática e comprovada por métodos não invasivos, com e sem IM prévio. Foram excluídos os pacientes diabéticos, os portadores de valvulopatias ou hipertrofia miocárdica associada e os pacientes impedidos de suspender o uso de nitratos 24h antes da realização de qualquer um dos procedimentos Depois de esclarecidos quanto à natureza do procedimento, seus riscos, o motivo da investigação e suas vantagens quanto à melhor escolha terapêutica, os pacientes assinaram termo de consentimento para a realização do exame e da pesquisa, onde constava que, durante o procedimento de rotina diagnóstica, seriam realizadas duas ventriculografias, uma antes e outra após o emprego por via venosa de 0,3mg/kg de mononitrato de isossorbitol e que esse procedimento seria utilizado para ajudar na conduta terapêutica a ser adotada depois do exame, bem como, que a droga usada era um similar do que se usa por via sublingual para aliviar a angina do peito. Constava ainda no documento, que esse medicamento, conhecido comercialmente como monocordil, já fora utilizado pelo coordenador da pesquisa em 108 pacientes nesse mesmo laboratório, sendo que nenhum deles apresentou cefaléia intensa, hipotensão e/ou reação alérgica. Na data do exame os pacientes oriundos da internação ou do ambulatório foram admitidos na Unidade de Pré-Cateterismo, quando foram entrevistados e avaliados por um residente e um bolsista de pesquisa, seguindo protocolo especialmente elaborado para seu desenvolvimento e permitindo análise de múltiplas outras variáveis relacionadas à cardiopatia isquêmica. O procedimento hemodinâmico e cineangiocardiográfico, realizado sempre pelo coordenador da pesquisa, constou de cateterismo cardíaco esquerdo por dissecção da artéria braquial direita na dobra do cotovelo ou por punção da artéria femoral na região inguinal direita, sob a ação de anestesia local com xylocaína a 2%. Inicialmente foram medidas as pressões na aorta e no VE e obtida uma ventriculografia em oblíqua anterior direita (OAD) a 35° com a injeção de 35ml de contraste amidotrizoato sódico, amidotrizoato de meglumina (urografina® 370), por meio de injetora Contract III, na vazão de 15ml/s, através de cateter Lehmann ou Pigtail, conforme programação do procedimento. A seguir, o paciente permaneceu em repouso, monitorizando-se, de modo contínuo, as pressões na aorta e no VE até que se atingissem as condições observadas antes da obtenção da ventriculografia. Em seqüência foram injetados 0,3mg/kg de mononitrato de isossorbitol por via venosa durante 30s. Após 5min da infusão foram medidas as pressões do VE e da aorta e obtida nova ventriculografia na mesma projeção. O procedimento seguiu com o estudo seletivo das artérias coronárias pelas técnicas de Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 2), 1999 Manfroi e cols. Identificação de isquemia pela cineventriculografia vs cintilografia Sones 27 ou Judkings 28, conforme plano estabelecido para o procedimento. Através da análise das ventriculografias contrastadas foram calculados os volumes ventriculares, diastólico final (VDF) e sistólico final (VSF); fração de ejeção (FE) do VE; velocidade média de encurtamento circunferencial (Vcf) e a percentagem de encurtamento de hemieixos cardíacos (R1R6, R2R5 e R3R4), utilizando-se métodos já consagrados para tais fins 29-31. As modificações da motilidade segmentar observadas antes e após o uso do medicamento foram feitas segundo Herman e cols. 32. Os achados na variação da motilidade segmentar observados na cineventriculografia antes e após o uso do medicamento foram comparados com os achados da presença de isquemia miocárdica identificada através da cintilografia. A SPECT foi sempre realizada por um médico com experiência na especialidade e obtida com o emprego, em protocolo de dois dias, com intervalo de 24h entre os exames de esforço e repouso. O estresse consistiu de teste de esforço em bicicleta ergométrica e administração de 20-25 mCi de 99mTcsestamibi no pico do exercício (>85% da freqüência cardíaca prevista), ou estímulo farmacológico com 0,56mg/kg de dipiridamol endovenoso infundido durante 4min e marcação com 99mTc-sestamibi no 7º minuto, conforme padrões já consagrados 33-35. O estudo cintilográfico iniciou 30-60min após o estresse e 60min após injeção em repouso, com lanche no intervalo entre marcação e aquisição de imagens. As imagens tomográficas (SPECT) foram realizadas em gamacâmara de campo amplo, com 64 fotomultiplicadoras (GE Starcam), colimador paralelo para baixa energia e de alta resolução, pico energético centrado em 140 keV e com janela de 20%, previamente testada para uniformidade do detector e centro de rotação. O estudo consiste de 64 projeções de 20s, em arco de 180º, iniciando em OAD de 45º e terminando em oblíqua posterior esquerda de 45º, com matriz de 64x64. O processamento das imagens envolveu reconstrução com filtro de retroprojeção, sendo obtidos cortes tomográficos de 6mm espessura nos eixos curto, horizontal e vertical longos, assim como análise semiquantitativa através de mapas polares. O estudo comparativo entre os dois métodos de avaliação da presença de isquemia miocárdica foi feito nos pacientes que tiveram cintilografia prévia ou que a realizaram após o cateterismo cardíaco, como método necessário para avaliar a presença ou não de isquemia, a fim de definir a conduta terapêutica de revascularização miocárdica. Nenhum paciente foi submetido a estudo hemodinâmico e cineangiocardiográfico ou a cintilografia miocárdica apenas para participar do protocolo de pesquisa. Foram incluídos no estudo somente os segmentos do VE avaliados pela cineventriculografia contrastada em OAD, quais sejam: apical, ântero-lateral, ântero-basal, diafragmático e póstero-basal. Os segmentos septais analisados pela cintilografia miocárdica foram excluídos, porque esta área não foi analisada na projeção utilizada para obter a cineventriculografia contrastada. A análise estatística foi efetuada através do programa SPSS (Statistical Package for Social Science), utilizando análise multivariada e regressão logística com o propósito de reduzir os fatores de confusão. Resultados Nas cineventriculografias realizadas nos 26 casos foram observados, comparadamente, os cinco segmentos mencionados, quanto a alterações da motilidade segmentar em função da medicação administrada. No segmento apical, previamente ao medicamento foram identificados: um segmento normal, 6 hipocinéticos e 19 discinéticos. Após o medicamento, 15 foram identificados como normais e apenas 3 como hipocinéticos e 8 discinéticos (p=0,0003). No segmento ântero-basal, 13 eram normais, 12 hipocinéticos e um acinético antes da administração do mononitrato e, após seu uso, 24 foram identificados como normais e apenas um hipocinético; e um caso não sofreu alteração permanecendo acinético (p=0,0033). No segmento póstero-basal, no momento anterior à droga, 7 eram normais, 14 hipocinéticos e 5 acinéticos. Após a medicação, 19 casos eram normais, 2 hipocinéticos, um discinético e 4 acinéticos. Neste segmento um caso, cuja motilidade se caracterizava como acinética, passou para discinético (p=0,0015). No segmento ânterolateral, 2 casos eram normais, 15 hipocinéticos, 8 discinéticos e um acinético em condições basais; alterando para 20 normais, 3 hipocinéticos, 2 discinéticos e um acinético após o uso da medicação (p=0,0001). No segmento diafragmático, no período prévio à medicação, 7 eram normais, 15 hipocinéticos, um discinético e 3 acinéticos; alterando para 21 normais, 2 hipocinéticos e 3 acinéticos após o uso do medicamento (p=0,001) (tab. I). A cintilografia, ao ser comparada às modificações pós medicamento na cineventriculografia, confirmou os mesmos achados. Entre os segmentos analisados dos 26 pa- Tabela I – Caracterização da amostra em relação à cineventriculografia quando comparada antes e após o uso do mononitrato de isossorbitol Segmento N Apical Ântero-basal Pôstero-basal Ântero-lateral Diagragmático Normal % 1 13 7 2 7 3,8 50 26,9 7,7 26,9 Hipo Disc Acin Normal % N % N % N % N 6 12 14 15 15 23,1 46,2 53,8 57,7 57,7 19 8 1 73,1 30,8 3,8 1 5 1 3 3,8 19,2 3,8 11,5 15 24 19 20 21 57,7 92,3 73,1 76,9 80,8 Hipo Disc Acin N % N % N % 3 1 2 3 2 11,5 3,8 7,7 11,5 7,7 8 1 2 - 30,8 3,8 7,7 - 1 4 1 3 3,8 15,4 3,8 11,5 Hipo- hipocinéticos; Disc- discinéticos; Acin- acinéticos. 173 Manfroi e cols. Identificação de isquemia pela cineventriculografia vs cintilografia cientes, 99 apresentaram-se com motilidade normal na cineventriculografia e 110 segmentos apresentavam características de isquemia na cintilografia. Os segmentos restantes, que apresentaram alguma evidência de necrose na cineventriculografia contrastada, compreenderam 11 hipocinéticos, 11 discinéticos e 8 acinéticos e, na cintilografia, foram 18 segmentos que também apresentaram fibrose (p=0,041; S=81% ; E=64,29%). Comparando a cintilografia e a cineventriculografia especificamente para cada segmento, aquele que apresentou resultado estatisticamente significativo foi o segmento póstero-basal. Nesse segmento, de 19 casos identificados pela cineventriculografia com isquemia, 15 foram confirmados na cintilografia. De 7 pacientes com necrose na cineventriculografia, 7 também apresentaram necrose na cintilografia (p=0,0012; S=73,68% ; E=100%) (fig. 1). As demais variáveis estudadas também comprovaram a eficácia do medicamento. A Vcf no período anterior à droga apresentou valor médio de 0,8572, alterando para 1,0612 após o medicamento (p=0,0142) (fig. 2). A FE alterou de 48,82% em média para 53,04% após o final do experimento Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 2), 1999 nos 26 casos (p=0,0462) (fig. 3). O VSF apresentou valor médio de 54,22 antes da medicação e diminuiu para 45,20 após a administração do mononitrato (p=0,0031) (fig. 4) e o VDF não apresentou mudança significativa em relação ao medicamento, tendo valor médio prévio de 106, 89 e posterior de 100,46 (p=0,1014). Os valores que caracterizam a percentagem de encurtamento dos hemieixos em relação à sístole e à diástole foram estatisticamente significativos para R2R5 e R3R4, não apresentando significância estatística para R1R6. Os valores médios de R2R5 nos 26 casos quando anteriores foram 29,94 e quando posteriores de 34,38 (p=0,000) e para R3R4 foram 27,26 e 32,35 antes e após o uso do medicamento respectivamente (p=0,037) (fig. 5). Discussão A identificação da presença de isquemia miocárdica tem ocupado significativa relevância para definição de conduta terapêutica farmacológica ou intervencionista. Antes Fig. 1 - Comparação de resultados entre os métodos para o segmento póstero-basal. É demonstrada a equivalência entre os métodos, cintilografia e cineventriculografia contrastada, antes e depois de mononitrato de isossorbitol para identificar isquemia viável ou fibrose (necrose). O segmento póstero-basal, entre os analisados, foi o que apresentou valores estatisticamente significativos (p=0,0012; S=73,68%; E=100%). Fig. 3 - Variação na fração de ejeção em relação ao uso do medicamento demonstrando a variação estatisticamente significativa na fração de ejeção, quando comparada antes e após o uso do mononitrato de isossorbitol (p=0,0462). Fig. 2 - Variação na velocidade de encurtamento circunferencial em relação ao uso do medicamento demonstrando a variação estatisticamente significativa na velocidade de encurtamento circunferencial, quando comparada antes e após o uso do mononitrato de isossorbitol (p=0,0142). Fig. 4 - Variação no volume sistólico final em relação ao uso do medicamento demonstrando a variação estatisticamente significativa no volume sistólico final, quando comparado antes e após o uso do mononitrato de isossorbitol (p=0,0031). 174 Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 2), 1999 Manfroi e cols. Identificação de isquemia pela cineventriculografia vs cintilografia Fig. 5 - Percentagem de encurtamento dos hemieixos - apresenta a variação estatisticamente significativa no encurtamento dos hemieixos cardíacos, os quais são determinados na sístole e na diástole, em relação ao uso do medicamento(R2R5 p=0,000 e R3R4 p=0,0037). do advento dos métodos de revascularização, os nitratos eram usados com eficiência para o tratamento das manifestações clínicas da isquemia, há mais de 200 anos 36,37. Com as condições tecnológicas existentes a partir da década de 50 demonstrou-se inicialmente que os nitratos reduziam a pré e a pós-carga e, conseqüentemente, o trabalho cardíaco, responsável pela melhora dos sintomas dos pacientes. Posteriormente, com a incorporação de novos equipamentos, outros trabalhos mais recentes ampliaram os conhecimentos sobre os mecanismos de ação dos nitratos na isquemia miocárdica. Dentre eles, devem ser destacados sua comprovada ação vasodilatadora sobre a rede arterial coronária, seu efeito direto sobre a distribuição do fluxo para áreas isquêmicas e na circulação coronária colateral 9,21,38,39. Na década de 70, face às necessidades de identificar a presença de isquemia miocárdica, como parâmetro para a indicação de cirurgia de revascularização, a nitroglicerina passou a ser usada em laboratório de hemodinâmica, também com essa finalidade. Coube a Dove e cols., em 1974, demonstrarem por meio de duas cineventriculografias, uma realizada antes e outras após o uso de nitroglicerina, que podiam se separar pelo método áreas de isquemia miocárdica de áreas de fibrose 40. Foi por meio dessa técnica que se começou a comprovar que os segmentos que melhoravam sua motilidade após uso de nitrato eram os que melhoravam após a cirurgia de revascularização miocárdica 38,39. A nossa experiência na investigação dos efeitos dos nitratos sobre a circulação e sobre o coração iniciou na década de 70. Com os primeiros trabalhos tivemos a oportunidade de constatar que a nitroglicerina não produzia os mesmos efeitos sobre o desempenho cardíaco nas diversas formas de doença cardíaca. Embora o medicamento provocasse efeitos semelhantes na circulação pulmonar, na circulação sistêmica, e na freqüência cardíaca, tanto em indivíduos normais, como em portadores de cardiopatia isquêmica, de valvulopatias ou de miocardiopatia primária, somente melhorava o desempenho do VE nos pacientes com dissinergia ventricular por obstrução coronária 41. Demons- tramos em outros trabalhos, que todos os nitratos, embora tivessem pequenas diferenças nas suas propriedades farmacodinâmicas, normalizavam a motilidade dos segmentos hipocinéticos, melhoravam a maioria dos segmentos discinéticos e não alteravam a motilidade dos segmentos acinéticos 42,43. Com base nesses achados, passamos a utilizar o método para a definição de conduta terapêutica. Atualmente, face à introdução de múltiplos procedimentos de revascularização miocárdica por meio da hemodinâmica intervencionista, a identificação da existência de isquemia miocárdica tornou-se ponto de fundamental importância para a tomada de decisão quanto à melhor conduta terapêutica a ser seguida. A necessidade de melhor conhecer as condições do miocárdio na cardiopatia isquêmica obteve um grande apoio através do desenvolvimento de métodos mais eficazes para avaliar as condições do miocárdio. Dentre elas, destacam-se a cintilografia miocárdica perfusional por tálio-201 ou 99mTc-sestamibi com SPECT e, mais recentemente, a utilização da ecocardiografia com emprego de estresse medicamentoso, instrumentos muito úteis para avaliar a presença de isquemia miocárdica 44-47. Em 1995, Bisi e cols. introduziram os nitratos para a avaliação da isquemia miocárdica através da cintilografia miocárdica perfusional com 99mTc-sestamibi. Nesse trabalho os autores constataram que os segmentos que melhoravam a captação, após o uso de nitratos, eram os que mostravam melhora da motilidade segmentar após a realização de cirurgia de revascularização miocárdica 48. Esses trabalhos, embora empregando equipamentos diferentes, encontraram os mesmos resultados de Dove e cols. e Helfant e cols. na década de 70 40,49 e, também, resultados semelhantes aos por nós constatados no presente estudo. A cineventriculografia contrastada identificou em condições basais 30 segmentos normais, 62 hipocinéticos, 28 discinéticos e 14 acinéticos. Após o uso do medicamento 99 segmentos eram normais, havendo apenas 11 segmentos hipocinéticos, 11 discinéticos e 13 acinéticos. Destacandose que dos 14 segmentos acinéticos, somente um melhorou a motilidade após o uso do nitrato, enquanto os demais permaneceram inalterados. A análise da cintilografia miocárdica, das mesmas áreas, demonstrou que aproximadamente 110 segmentos apresentavam características de isquemia e 18 de necrose, dados que confirmaram os resultados obtidos com os segmentos que melhoraram a motilidade após o uso do medicamento. A análise da avaliação do desempenho do VE demonstrou que os hemieixos R2R5 e R3R4 diminuíram significativamente, assim como a Vcf e a FE melhoraram após o uso do medicamento. O que podemos admitir no presente estudo é que o nitrato utilizado identificou segmentos miocárdicos que melhoraram sua motilidade, e esses segmentos são identificados pela cintilografia miocárdica como segmentos com isquemia miocárdica. Essa constatação não nos permite supor que a cineventriculografia esquerda com o uso de nitrato venha substituir a cintilografia miocárdica, pois são métodos distintos de avaliação. Mas, com os resultados obtidos na presente investi175 Manfroi e cols. Identificação de isquemia pela cineventriculografia vs cintilografia gação, subordinados ao número de casos e à metodologia empregada, concluímos que, por meio do mononitrato de isossorbitol utilizado via endovenosa, podemos identificar a presença de isquemia miocárdica pela ventriculografia contrastada com a mesma eficiência que a observada com o emprego da cintilografia miocárdica perfusional. Esta constatação tem conseqüências práticas relevan- Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 2), 1999 tes, podendo agilizar a decisão de conduta e reduzir o número de investigações a que o paciente deva ser submetido. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS). 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