universidade do extremo sul catarinense unidade

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE
UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÁDIA WEBBER DIMER
AVALIAÇÃO DA BIOGÊNESE MITOCONDRIAL EM
CÉREBRO DE RATOS SUBMETIDOS A UM MODELO
ANIMAL DA DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO
CRICIÚMA
2014
1
2
NÁDIA WEBBER DIMER
AVALIAÇÃO DA BIOGÊNESE MITOCONDRIAL EM
CÉREBRO DE RATOS SUBMETIDOS A UM MODELO
ANIMAL DA DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO
Dissertação
de
Mestrado
apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências da Saúde
para obtenção do título de Mestre
em Ciências da Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Emilio Luiz
Streck
CRICIÚMA
2014
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
D582a
Dimer, Nádia Webber.
Avaliação da biogênese mitocondrial em cérebro de ratos
submetidos a um modelo animal da doença da urina do
Xarope do Bordo / Nádia Webber Dimer; orientador: Emilio
Luiz Streck. – Criciúma, SC : Ed. do Autor, 2014.
44 p: il. ; 21 cm.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul
Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Saúde, Criciúma, SC, 2014.
1. Doença da urina do xarope do bordo. 2. Erros inatos
do metabolismo. 3. Aminoácidos da cadeia ramificada. 4.
Leocinase. I. Título.
CDD. 22ª ed. 616.042
Bibliotecária Rosângela Westrupp – CRB 14º/364
Biblioteca Central Prof. Eurico Back - UNESC
4
5
6
FOLHA INFORMATIVA
A dissertação foi elaborada seguindo o estilo Vancouver e será
apresentada no formato tradicional. Este trabalho foi realizado nas
instalações do Laboratório de Fisiopatologia Experimental do Programa
de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Extremo
Sul Catarinense e no Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
7
8
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à minha família. Aos meus pais, que
sempre me apoiaram, deram exemplo e incentivaram, e são partes desta
conquista. Ao meu namorado, pelo amor e compreensão de sempre.
Ao meu orientador prof. Dr. Emilio pelo acolhimento, orientação
e aprendizado ao longo do trabalho.
Ao prof. Dr. Gustavo por todos os ensinamentos e incentivo à
pesquisa.
A todos os colegas do Laboratório de Bioenergética, que de
alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, sem eles
não seria possível.
Ao Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da PUC, pela
colaboração e parceria.
A todas colegas e amigas do antigo grupo de pesquisa que foram
muito importantes nesta caminhada.
A todos os professores do PPGCS que contribuíram para a
realização desta dissertação e colaboraram para meu aprendizado.
A CAPES e Unesc pelo apoio financeiro.
9
10
RESUMO
A doença da urina do xarope do bordo (DXB) é uma doença metabólica
de herança autossômica recessiva resultante de uma deficiência no
complexo α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada (CDCCR),
provocando o acúmulo de aminoácidos de cadeia ramificada (AACR),
leucina, isoleucina e valina, bem como de seus α-cetoácidos (CCR) e αhidroxiácidos correspondentes (HCR). Foi demonstrado que o acúmulo
de metabólitos na DXB leva a disfunção bioenergética na mitocôndria,
bem como um comprometimento na sua função. No entanto, os
mecanismos exatos subjacentes da disfunção mitocondrial provocado
por estes compostos não estão claramente elucidados. No presente
estudo investigou-se a expressão de fatores de transcrição mitocondriais
específicos (PGC-1α, NRF-1 e TFAM) em um modelo animal de DXB.
Para administração aguda, ratos Wistar de 10 e 30 dias de vida
receberam três administrações de um pool de AACR (15,8µL/g de peso
corporal), com intervalo de 1 hora entre as administrações, por via
subcutânea . Os animais do grupo controle foram submetidos ao mesmo
protocolo, porém receberam solução salina 0,9%. Para a administração
crônica, ratos Wistar de 7 dias receberam duas administrações diárias do
pool de AACR, com intervalo de 12 horas entre as administrações, por
via subcutânea, durante 21 dias (grupo teste). Os animais do grupo
controle foram submetidos às mesmas condições, porém receberam
solução salina 0,9%. Uma hora após a última administração (aguda) e
doze horas após a última administração (crônica) os ratos foram
eutanasiados por decapitação, o cérebro foi removido e o córtex
cerebral, hipocampo e estriado isolados e acondicionados no reagente
Trizol, para posterior analises dos marcadores de biogênese
mitocondrial. Em ratos tratados cronicamente observou-se uma redução
significativa nos níveis de mRNA do gene NRF-1 em córtex cerebral e
dos níveis de mRNA do gene TFAM no estriado. Estes resultados
sugerem que os AACR podem alterar de forma significativa os
marcadores de biogênese mitocondrial e contribuir, ao menos em parte,
para a patogênese do dano cerebral característico dos pacientes com
DXB.
Palavras-Chave: Doença da urina do xarope do bordo; biogênese
mitocondrial; aminoácidos de cadeia ramificada.
11
12
ABSTRACT
The Maple Syrup Urine Disease (MSUD) is a metabolic disease of
autosomal recessive inheritance resulting from a deficiency in the
branched-chain α-keto acid dehydrogenase complex (BCKD), causing
the accumulation of branched chain amino acids (BCAAs) leucine,
isoleucine and valine, and α-keto acids (BCKAs) from their and αhydroxy acids corresponding (BCHAs). It has been shown that the
accumulation of metabolites in DXB leads to bioenergetic dysfunction
in the mitochondria, as well as an impairment in their function.
However, the exact mechanisms underlying mitochondrial dysfunction
caused by these compounds are not clearly elucidated. In this study we
investigated the expression of specific mitochondrial transcription
factors (PGC-1α, NRF-1 and TFAM) in an animal model MSUD. For
acute administration, Wistar rats of 10 and 30 days of age received three
administrations of a pool of BCAAs (15,8μL / g body weight), with 1hour interval between administrations, subcutaneously. The control
group underwent the same protocol but received saline 0.9%. For
chronic administration, Wistar rats 7 days received two daily doses of
the pool of BCAA, with an interval of 12 hours between
administrations, subcutaneously for 21 days (test group). The control
group underwent the same conditions but received saline 0.9%. One
hour after the last (acute) administration and twelve hours after the last
administration (chronic) the rats were euthanized by decapitation, the
brain was removed and brain, hippocampus, striatum and cortex isolated
and packed in Trizol reagent for subsequent analysis of markers
mitochondrial biogenesis. In rats chronically treated there was a
significant reduction in mRNA levels of NRF-1 genes in the cerebral
cortex and mRNA levels in the striatum TFAM gene. These results
suggest that the BCAAs can significantly alter markers of mitochondrial
biogenesis and contribute, at least in part, to the pathogenesis of brain
damage characteristic of MSUD patients.
Keywords: Maple Syrup Urine Disease; mitochondrial biogenesis;
branched chain amino acids.
13
14
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AACR - aminoácidos de cadeia ramificada.
AMPK- proteína quinase ativada por adenosina monososfato, do inglês
adenosine 5′-monophosphate activated protein kinase.
ATP- trifosfato de adenosina, do inglês adenosine triphosphate.
BCAA - aminoácidos de cadeia ramificada, do inglês branched chain
amino acids.
BCHA - α-hidroxiácidos de cadeia ramificada, do inglês branchedchain alpha-hydroxy acids.
BCKA - α-cetoácidos de cadeia ramificada, do inglês branched-chain
keto acids.
BCKD - complexo α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada, do
inglês branched-chain α-ketoacid dehydrogenase complex.
BCKDHA - cetoácido desidrogenase de cadeira ramificada E1, alfa
polipeptídeo, do inglês branched chain ketoacid dehydrogenase E1,
alpha polypeptide.
Ca2+/CaMKIV - proteína quinase tipo 4 dependente de cálciocalmodulina, do inglês calcium/calmodulin-dependent protein kinase
type IV.
cAMP - Adenosina 3',5'-monofosfato Cíclico, do inglês 3'-5'-cyclic
adenosine monophosphate.
CCR - α-cetoácidos de cadeia ramificada.
CDCCR - complexo α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada.
cDNA - ácido desoxirribonucleico complementar, do inglês
complementary deoxyribonucleic acid.
cGMP - monofosfato cíclico de guanosina, do inglês cyclic guanosine
monophosphate.
CIC - ácido α-cetoisocapróico.
CIV - ácido α-cetoisovalérico.
CMV - ácido α-ceto-β-metilvalérico.
COBEA - Colégio Brasileiro de Experimentação Animal.
Cox - citocromo c oxidase, do inglês cytochrome c oxidase.
CREB - proteína de ligação ao elemento de resposta do monofosfato
cíclico de adenosina, do inglês cyclic adenosine monophosphate
response element binding protein.
CTE - cadeia transportadora de eletróns
DBT - dihidrolipoamida transacilase de cadeia ramificada E2, do inglês
dihydrolipoamide branched chain transacylase E2.
DCCR - desidrogenase dos α-cetoácidos de cadeia ramificada.
15
DMSO - dimetilsulfóxido.
DNA - ácido desoxirribonucleico.
dNTP
desoxirribonucleotídeos
trifosfatos,
do
inglês
deoxyribonucleotide triphosphate.
DXB - doença da urina do xarope do bordo.
E1 - α-cetoácido descarboxilase de cadeia ramificada.
E2 - dihidrolipoil transacetilase.
E3 - dihidrolipoamida desidrogenase.
EER- receptor relacionado a estrogênio, do inglês estrogen related
receptor.
EIM - erros inatos do metabolismo.
ERO - espécies reativas de oxigênio.
FAD - dinucleótido de adenina e flavina, do inglês flavin adenine
dinucleotide.
Gapdh
gliceraldeído-3-fosfato
desidrogenase,
do
inglês
glyceraldehyde-3-phosphate dehydrogenase.
GCN5 - general controle de aminoácidos e síntese de proteínas 5, do
inglês general control non repressed 5.
HCR - α-hidroxiácidos de cadeia ramificada.
HIC - ácido α-hidroxiisocapróico.
HIV - ácido α-hidroxiisovalérico.
HMV - ácido α-hidroxi-β-metilvalérico.
Hprt1 - hipoxantina fosforibosiltransferase 1, do inglês hypoxanthine
phosphoribosyltransferase 1.
Ileu - isoleucina.
Leu - leucina.
mRNA - ácido ribonucléico mensageiro.
MSUD - Doença da urina do xarope do bordo, do inglês maple syrup
urine disease.
mtDNA - ácido desoxirribonucleico mitocondrial.
mTOR- proteína alvo da rapamicina em mamíferos, do inglês
mammalian target of rapamycin.
NAD+ - nicotinamida adenina dinucleotideo oxidado, do inglês
nicotinamide adenine dinucleotide.
NADH - nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido, do inglês
nicotinamide adenine dinucleotide hydride.
nDNA - ácido desoxirribonucleico nuclear.
NO- óxido nítrico, do inglês nitric oxide.
NRF-1 - fator respiratório nuclear 1, do inglês nuclear respiratory factor
1.
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NRF-2 - fator respiratório nuclear 2, do inglês nuclear respiratory factor
2.
PCR - reação em cadeia da polimerase, do inglês polymerase chain
reaction.
PGC-1α - coativador 1 alfa do receptor ativado por proliferador do
peroxisoma, do inglês peroxisome proliferator activated receptor
gamma coactivator 1 alpha.
PGC-1β - coativador 1 beta do receptor ativado por proliferador do
peroxisoma, do inglês peroxisome proliferator activated receptor
gamma coactivator 1 beta.
PKA - proteína quinase A, do inglês protein kinase A.
PPAR - receptor ativado por proliferadores de peroxissoma, do inglês
peroxisome proliferator-activated receptor.
PRC - coativador relacionado com o PGC, do inglês PGC-1-related
coactivator.
RNA - ácido ribonucleico.
Rpl13α - proteína ribossomal L13 alfa, do inglês ribosomal protein L13
alpha.
RT-qPCR - reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa em
tempo real, do inglês real-time reverse transcription polymerase chain
reaction.
SIRT1 - Sirtuína 1, do inglês Sirtuin 1.
SNC - sistema nervoso central.
SSB - proteína de ligação de cadeia simples, do inglês single stranded
binding proteins.
TFAM - fator de transcrição mitocondrial A, do inglês mitochondrial
transcription factor A.
TFB2 - fator de transcrição B1, do inglês transcription factor B2.
Val – valina.
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18
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 20
1.1 ERROS INATOS DO METABOLISMO .......................................... 20
1.2 DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO ......................... 21
1.2.1 Histórico ......................................................................................... 21
1.2.2 Etiologia ......................................................................................... 22
1.2.3 Metabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada (AACR) .. 22
1.2.4 Diagnóstico..................................................................................... 24
1.2.5 Fenótipos ........................................................................................ 24
1.2.6 Fisiopatologia................................................................................. 26
1.2.7 Tratamento .................................................................................... 28
1.3 BIOGÊNESE MITOCONDRIAL...................................................... 28
2 JUSTIFICATIVA ............................................................................... 33
3 OBJETIVOS........................................................................................ 34
3.1 OBJETIVO GERAL .......................................................................... 34
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................. 34
4 METODOLOGIA ............................................................................... 35
4.1 ANIMAIS EXPERIMENTAIS .......................................................... 35
4.2 POOL DE AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA ............. 35
4.3 ADMINISTRAÇÃO DO POOL DE AACR (modelo animal da
DXB quimicamente induzido) ................................................................. 35
4.4 EXPRESSÃO DE FATORES DE TRANSCRIÇÃO
MITOCONDRIAL ESPECÍFICOS (NRF-1, PGC-1Α, E TFAM) .......... 37
4.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA ................................................................ 38
5 RESULTADOS ................................................................................... 39
6 DISCUSSÃO........................................................................................ 42
7 CONCLUSÃO ..................................................................................... 47
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 48
ANEXO A - Protocolo CEUA ............................................................... 67
19
20
1 INTRODUÇÃO
1.1 ERROS INATOS DO METABOLISMO
O conceito de erros inatos do metabolismo (EIM) foi apresentado
em 1908, por Archibald Garrod, ao publicar seus estudos sobre
distúrbios metabólicos, incluindo o albinismo, alcaptonúria, cistinúria e
pentosúria. Garrod relacionou o defeito de uma enzima com o defeito
em um único gene, observando que as doenças metabólicas estudadas
eram transmitidas em conformidade com as leis de Mendel (Rose et al.,
1962).
Erros inatos do metabolismo (EIM) incluem doenças hereditárias
bioquímicas, na maioria das vezes, de herança autossômica recessiva,
ocasionadas pela deficiência de uma enzima específica, determinando o
bloqueio de uma via metabólica e interferindo no metabolismo normal
de proteínas, carboidratos ou gorduras. Este bloqueio leva ao acúmulo
do substrato inicial, deficiência do produto da reação ou desvio da rota
metabólica alternativa, originando assim, a formação de outro produto
final (Araújo, 2004).
No refere-se à manifestação clínica, as crianças portadoras de
muitos EIM, parecem perfeitamente normais ao nascimento. Os
sintomas aparecem quando há alteração, por fatores exógenos, do
equilíbrio bioquímico mantido até determinado momento pela criança
(Jardim e Ashton-Prolla, 1996; Fumero, 2003), sendo a disfunção
neurológica a sintomatologia mais comum, caracterizando entre eles na
regressão neurológica, convulsões, coma, ataxia, hipotonia, hipertonia,
irritabilidade,
tremores,
tetraparesia
espástica,
atraso
no
desenvolvimento neuropsicomotor, etc. Se não forem tratados, estes
distúrbios metabólicos podem levar a uma série de consequências
clínicas e no desenvolvimento, sendo que um grande número de casos
tem desenlace fatal ainda no primeiro ano de vida, enquanto que os
pacientes que sobrevivem aos estágios iniciais da doença apresentam um
grau variável de retardo mental e outras sequelas neurológicas (Scriver,
2001; Camp et al., 2012),
Os principais sinais e sintomas dos EIM são vômitos, diarreia,
hiperamonemia, hepatomegalia, icterícia, odor anormal na urina, recusa
alimentar, coma, letargia, convulsão entre outros, e seu diagnóstico é
feito através de exames laboratoriais e determinação da atividade
enzimática (Ferferbaum et al., 1994; Wajner et al., 2002). Apesar da
incidência isolada de cada uma das doenças metabólicas ser
21
relativamente pequena, foram descritos cerca de 500 distúrbios
(Sanseverino et al., 2000; Scriver et al., 2001; Araújo, 2004), a maioria
deles envolvendo processos de síntese, degradação, transporte e
armazenamento de moléculas no organismo (Scriver et al., 2001). Sua
prevalência é estimada em aproximadamente 1/5000 nascidos vivos
(Martins, 2003). Entretanto, deve ser considerado que estes números
baixos podem representar a raridade dos distúrbios e especialmente, a
subestimação de seu diagnóstico.
1.2 DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO
1.2.1 Histórico
A Doença da Urina do Xarope do Bordo (DXB; Cetoacidúria de
cadeia ramificada) foi descrita pela primeira vez em 1954, por Menkes e
colaboradores ao analisarem uma doença degenerativa cerebral em
quatro membros de uma mesma família. Os sintomas
neurodegenerativos apareciam na primeira semana de vida com
desfecho fatal durante os três meses seguintes. O odor de açúcar
queimado na urina era a principal característica encontrada nos quatro
pacientes, o que originou o nome da doença (Chuang e Shih, 2001).
Mackenzie et al. (1959), questionaram o nome dado à doença, pois não
havia nenhuma razão lógica escolher um nome de outra substância, no
caso o xarope extraído de plantas do gênero Acer, para fornecer o nome
para a doença.
Westall et al. (1957), observaram outro paciente e encontraram
altas concentrações dos aminoácidos de cadeia ramificada (AACR)
(leucina, isoleucina e valina). Estudos posteriores demonstraram que
além do acúmulo dos AACR, ocorre o acúmulo de seus correspondentes
α-cetoácidos (HCR) e hidroxiderivativos (HCR). Observando-se assim,
que o bloqueio metabólico ocorria na segunda etapa do metabolismo dos
AACR, ou seja, na descarboxilação oxidativa dos α-cetoácidos (Dancis
et al., 1960; Patrick, 1961).
A incidência da DXB na população em geral é de 1 para 185.000
nascidos vivos, tendo uma alta prevalência (1:200 nascimentos) em
Menonitas, uma população dos condados de Lancaster e Lebanon no
estado da Pensilvânia/EUA, devido às altas taxas de casamentos
consanguíneos (Aevarsson et al., 2000).
22
1.2.2 Etiologia
A DXB é uma doença metabólica de herança autossômica
recessiva resultante de uma deficiência no complexo α-cetoácido
desidrogenase de cadeia ramificada (CDCCR; E.C.1.2.4.4), uma enzima
mitocondrial envolvida na via de degradação de (AACR), provocando o
acúmulo de leucina (Leu), isoleucina (Ileu), valina (Val), bem como de
seus respectivos correspondentes α-cetoácidos (CCR): ácido αcetoisocapróico (CIC), ácido α-ceto-β-metilvalérico (CMV) e ácido αcetoisovalérico (CIV), em tecidos e fluidos corporais. Também são
encontrados em concentrações elevadas os hidroxiderivativos
correspondentes (HCR) ácido α-hidroxiisocapróico (HIC), ácido αhidroxiisovalérico (HIV) e ácido 2-hidroxi-3-metilvalérico (HMV)
(Mackenzie e Woolf 1959; Treacy et al., 1992).
Pelo menos quatro genes podem estar envolvidos com a doença:
o gene BCKDHA localizado no cromossomo 19q13.1-q13.2, o gene
BCKDHB localizado no cromossomo 6p21-q22, o gene DBT localizado
no cromossomo 1p31 e o gene DLD localizado no cromossomo 7q31q32 (Chuang e Shih, 2001; Joshi et al., 2006).
1.2.3 Metabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada (AACR)
A via catabólica dos AACR inicia com o transporte destes
aminoácidos para dentro da célula através do sistema do sistema Ltransportador Na+-independente, localizado na membrana plasmática.
Dentro da célula, os AACR compartilham as três primeiras etapas para
sua oxidação. A primeira etapa é a transaminação reversível pela
aminotransferase de cadeia ramificada, citosólicas ou mitocondriais,
produzindo os CCR; CIC da leucina, CMV da isoleucina e CIV da
valina. Na segunda etapa os CCR são translocados para o interior
mitocondrial onde sofrem descarboxilação oxidativa irreversível
catalisada pelo CDCCR. Nesta mesma via metabólica, os CCR originam
seus hidroxiácidos: HIC, HIV e HMV, que sofrem desidrogenação pelas
desidrogenases acil-CoA específicas na terceira etapa do metabolismo
dos AACR. Estas reações produzem os respectivos acil CoA de cadeia
ramificada que são metabolizados por vias distintas. Os produtos finais
do catabolismo da leucina são a acetil CoA e o acetoacetato, da valina,
succinil CoA e da isoleucina, acetil CoA e succinil CoA. Após essas três
etapas, o caminho dos produtos originados a partir dos AACR diverge
(Figura 1) (Chuang e Shih, 2001).
23
DCCR (desidrogenase dos AACR) juntamente com piruvato
desidrogenase e α-cetoglutarato desidrogenase formam um grupo de
complexos de desidrogenases de α-cetoácidos que apresentam estrutura
e função similares. O CDCCR é um complexo enzimático localizado na
membrana interna mitocondrial de mamíferos, compreendendo três
componentes catalíticos: α-cetoácido descarboxilase de cadeia
ramificada (E1), dihidrolipoil transacilase (E2), que são específicos do
DCCR e dihidrolipoamida desidrogenase (E3), que é comum aos outros
dois complexos multienzimáticos (Reed e Hackert, 1990; Chuang e
Shih, 2001), além de duas enzimas regulatórias: uma quinase e uma
fosfatase específicas (BCKD-quinase/BCKD-fosfatase), que regulam a
atividade do complexo através dos ciclos de fosforilação e
desfosforilação (Harris et al., 1995; Harris et al., 2004). Um defeito em
um desses componentes resulta na deficiência da DCCR e
consequentemente no acúmulo dos AACR e seus CCR.
O E1 catalisa a descarboxilação dos CCR mediada pela tiamina
pirofosfatase (Treacy et al., 1992; Li et al., 2004; Nakai et al., 2004),
reduzindo a molécula a lipoil, que é covalentemente ligada a E2. A
molécula do lipoil reduzida e o domínio lipoil servem como um braço
móvel para transferir o grupo acil do componente E1 para CoA,
aumentando a quantidade de acil-CoA. Finalmente, o E3 que é ligado ao
FAD reoxida o resíduo de dihidrolipoil do componente E2 tendo o
NAD+ como último aceptor de elétrons. O resultado final da reação da
DCCR é a produção de acil-CoA de cadeia ramificada, CO2 e NADH
(Danner et al., 1979).
24
Figura 1 - Via metabólica dos AACR, leucina, isoleucina e valina. As duas
primeiras reações comuns são catalisadas pelas seguintes enzimas:
transaminação reversível pela aminotransferase dos AACR, descarboxilação
oxidativa dos cetoácidos de cadeia ramificada e esterificação da coenzima A
pelo complexo α-cetoácido desidrogenase. Em destaque a etapa em que a
enzima é deficiente nos pacientes com DXB e os metabolitos que se acumulam
nessa doença (Adaptado de Scriver et al., 2001).
1.2.4 Diagnóstico
A identificação de concentrações plasmáticas e urinárias elevadas
de leucina, isoleucina e valina e de seus respectivos α-cetoácidos através
de cromatografia de aminoácidos e ácidos orgânicos, respectivamente,
caracterizam a doença (Shigematsu et al., 1983). Os compostos que mais
se acumulam nessa doença são a leucina e o CIC que atingem uma
concentração plasmática de 5 mM (Tanaka e Rosenberg, 1983) e o HIV
que se encontra em níveis de 1 mM (Shigematsu et al., 1983; Treacy et
al., 1992) no plasma dos pacientes durante as crises de descompensação
metabólica. Além disso, a confirmação pode ser verificada quando os
níveis de atividade enzimática do CDCCR estão diminuídos (Chace et
al., 1995). A atividade da enzima pode ser medida em fibroblastos da
pele, linfócitos ou biópsia de tecido do fígado (Schadewaldt et al.,1999;
Schadewaldt et al., 2001). O diagnóstico também pode ser realizado
através de espectrometria de massa em Tandem em testes de triagem
neonatal para identificação precoce da DXB (Chace et al., 1995).
Nos Estados Unidos e em outros países é utilizado um programa
de triagem em massa para identificar neonatos com níveis plasmáticos
de leucina acima de 2 mg/100 ml (153 μM), indicativos da doença
(Danner e Elsas, 1989).
1.2.5 Fenótipos
As manifestações clínicas da DXB são bastante variáveis e são
diferenciadas conforme a idade, a severidade dos sintomas e a resposta
ao tratamento com tiamina (Chuang e Shih, 2001). Os pacientes podem
ser classificados em cinco fenótipos (clássico, intermediário,
intermitente, tiamina-responsivo e dihidrolipoamida desidrogenase (E3)
deficiente), dependendo da apresentação clínica, da tolerância à leucina
e da atividade residual da enzima medida in vitro em fibroblastos da
pele ou de leucócitos do sangue (Schadewaldt et al., 1998).
25
A forma clássica, fenótipo mais comum da doença (acomete
cerca de 75% dos pacientes), é a mais grave e desenvolve-se
rapidamente. A atividade enzimática do CDCCR está ausente ou
apresenta apenas 2% da atividade normal. Os níveis de AACR,
principalmente a leucina, aumentam de forma considerável no sangue,
líquor e urina, e a presença de aloisoleucina é o que caracteriza este tipo
de diagnóstico. Recém-nascidos afetados parecem normais ao
nascimento, e os sintomas geralmente se desenvolvem entre os 4 e 7
dias de idade. Os sintomas incluem desde letargia, quadro de
encefalopatia na fase neonatal, recusa alimentar, cetoacidose, retardo
mental e psicomotor, hipotonia, hipertonia, hipoglicemia, convulsões e
coma. Podem apresentar edema generalizado no sistema nervoso
central, atrofiamento dos hemisférios cerebrais, degeneração da
substância branca e mielinização tardia (Schönberger et al., 2004).
A forma intermediária manifesta-se mais tarde, entre 5 meses e 7
anos de idade, apresentando os mesmos sintomas da doença clássica
quando em crises de descompensação metabólica. A atividade residual
da enzima é geralmente maior que a da forma clássica, em torno de 3 a
30% do normal (Chuang e Shih, 2001).
Pacientes com a forma intermitente apresentam desenvolvimento
neuropsicomotor normal, entretanto, apresentam alto risco de
descompensação metabólica durante situações de estresse. A atividade
do CDCCR varia de 5 a 20% do normal. Quando assintomáticos os
níveis plasmáticos dos AACR são normais. O início dos sintomas ocorre
entre os cinco meses e os dois anos de idade, associados normalmente a
algum tipo de infecção (Chuang e Shih, 2001).
Os pacientes com a forma responsiva à tiamina geralmente não
apresentam doença neonatal aguda, o curso inicial da doença se define
por atraso no desenvolvimento psicomotor. A concentração plasmática
dos AACR é cerca de 5 vezes maior que o normal, sendo que a
administração de tiamina associada à dieta restrita em proteínas pode
reduzir à valores normais. As doses de tiamina utilizadas variam de 10 a
1000 mg/dia. A atividade da enzima está em torno de 30 a 40% do
normal (Chuang e Shih, 2001).
A forma Dihidrolipoil Desidrogenase (E3)-Deficiente é um
distúrbio raro, visto que menos de vinte pacientes foram descritos com
este fenótipo. Os pacientes geralmente não apresentam sintomatologia
nos primeiros meses de vida. O fenótipo clínico é similar ao da forma
intermediária, mas é acompanhada de acidose lática severa, que surge
normalmente entre 8 semanas e 6 meses de idade, ocorrendo
26
deterioração neurológica progressiva, incluindo hipotonia. Os níveis de
lactato, piruvato, α-cetoglutarato, α-hidroxiisovalerato e αhidroxiglutarato estão aumentados. Os níveis dos AACR estão
levemente ou moderadamente aumentados no plasma se comparados
com os pacientes com a forma clássica. Esses pacientes têm uma
deficiência das três enzimas desidrogenases em que E3 e um
componente (piruvato, α-cetoglutarato e o CDCCR (Taylor et al., 1978;
Chuang e Shih, 2001).
O prognóstico é ruim nos pacientes não tratados, devido às crises
metabólicas contínuas e deterioração neurológica, a maioria dos
pacientes morre nos primeiros meses de vida (Chuang e Shih, 2001).
1.2.6 Fisiopatologia
Os mecanismos tóxicos dos metabólitos acumulados na DXB
ainda não estão completamente esclarecidos, porém estudos
demonstraram associação entre o aumento nas concentrações
plasmáticas (cerca de 5,0mM) da leucina e/ou seu α-cetoácido com o
aparecimento dos sintomas neurológicos, e aumento da isoleucina
associado com o odor de xarope do bordo na urina dos pacientes que
receberam administração individual dos AACR (Chuang e Shih, 2001;
Zinnanti et al., 2009).
Sequelas neurológicas estão presentes na maioria dos pacientes,
mas os mecanismos subjacentes à neurotoxicidade deste distúrbio ainda
não são claros. (Zinnanti et al., 2009). Apesar da fisiopatologia do dano
neurológico em DXB não ser claramente compreendida, modificações
radiológicas estão bem descritas. O padrão típico da doença se inicia
com um evidente edema cerebral na primeira semana de vida,
avançando para um edema localizado mais grave, envolvendo o tronco
cerebral dorsal, os pedúnculos cerebrais e a cápsula interna (Brismar et
al., 1990).
Dentre os α-cetoácidos acumulados na doença, o CIC é
considerado o mais tóxico. Ele inibe o consumo de oxigênio em cérebro
de ratos, a oxidação do 3-hidroxibutirato além de provocar deficiência
na formação de mielina no cerebelo de ratos (Gibson e Blass, 1976). A
elevação sérica de leucina e CIC no espaço extracelular também altera a
concentração dos aminoácidos transportados pelo transportador dos
aminoácidos neutros de cadeia longa (sistema L) no SNC, que incluem a
metionina, valina, isoleucina, triptofano, tirosina, fenilalanina e
glutamina (Araújo et al., 2001), podendo afetar a biossíntese de alguns
27
neurotransmissores cerebrais como as catecolaminas e a serotonina
(Huang et al., 1996; Zielke et al., 1996) e também levar a deficiência de
mielina (Appel, 1966; Taketomi et al. 1983; Tribble e Shapira 1983;
Treacy et al. 1992), contribuindo para o desenvolvimento da lesão
cerebral. Estudos em ratos com a forma intermediária da DXB
juntamente com uma dieta rica em proteínas mostraram que o início dos
sintomas comportamentais foi concomitante à depleção de
neurotransmissores e que os sintomas mais graves associavam a
depleção de energia secundária às alterações no ciclo de Krebs (Zinnanti
et al., 2009).
Também tem sido demonstrado que os metabólitos tóxicos na
DXB levam à apoptose de células neuronais (Jouvet et al., 2000),
aumento da atividade da acetilcolinesterase no cérebro (Scaini et al.,
2012a) e alteração nos níveis de neurotrofinas (Scaini et al., 2013a,
2013b).
A leucina foi indicada como responsável pela hipoglicemia
apresentada pelos pacientes com DXB, já que uma das suas
propriedades é estimular a secreção de insulina (Panten et al., 1972). Por
outro lado, foi demonstrado que os α-cetoácidos CIC, CIV e CMV
inibem a oxidação da glicose e a síntese de acetilcolina, lipídios,
proteínas, ácidos nucléicos, a enzima ácido graxo sintetase, a oxidação e
transporte mitocondrial do piruvato (Gibson e Blass, 1976).
Estudos também demonstraram que ocorre estresse oxidativo na
DXB. Barschak et al. (2009) ao analisarem o plasma de pacientes com
DXB sugeriram um aumento na produção de radicais livres e uma
diminuição da atividade antioxidante, gerando estresse oxidativo. Bridi
et al. (2003; 2005a; 2005b) verificaram que os AACR e seus respectivos
CCR estimulam a lipoperoxidação, bem como reduzem as defesas
antioxidantes em córtex cerebral de ratos. Fontella et al. (2002)
apontaram que a lipoperoxidação em cérebro de ratos jovens é
estimulada pelos aminoácidos, α-cetoácidos e α-hidroxiácidos
acumulados na DXB.
Um estudo realizado em modelo animal de DXB observou que a
administração dos AACR causa danos ao DNA. Visto que o estresse
oxidativo pode estar envolvido com o dano ao DNA, foi observado que
o tratamento com antioxidantesN-acetilcisteína e deferoxamina foram
capazes de evitá-los (Scaini et al., 2012b).
28
1.2.7 Tratamento
O tratamento da DXB consiste em uma dieta restrita de AACR,
com a finalidade de minimizar os efeitos do acúmulo destes metabólitos,
principalmente no SNC. O tratamento deve ser iniciado o mais cedo
possível e ainda no período neonatal (Snyderman et al., 1964). É
realizada a administração de um leite especial com concentrações dos
AACR diminuídas, porém rico em gordura, vitaminas e minerais, a fim
de normalizar as concentrações destes aminoácidos no sangue e
minimizar a acumulação dos mesmos (Westall, 1963). Além disso, no
início do tratamento é empregada uma terapia com tiamina (50 a 300
mg/dia) por três semanas, para a detecção de pacientes com a doença
tiamina-responsíveis (Chuang e Shih, 2001).
Quando o acúmulo dos AACR e dos seus respectivos CCR gera o
comprometimento da função cerebral, denominada fase aguda, é
indicado um tratamento mais agressivo, pois a melhora clínica só é
possível quando o catabolismo for invertido. Para o controle das crises
metabólicas, três medidas podem ser tomadas: remoção dos metabólitos
tóxicos; promover suporte nutricional adequado e minimizar o
catabolismo e/ou promover o anabolismo (Chuang e Shih, 2001). De
acordo com Jan et al. (1994) a remoção dos metabólitos pode ser
realizada por diálise peritoneal ou transfusão sanguínea com aparente
melhora no quadro neurológico. A terapia com nutrição parenteral inclui
uma mistura de AACR em combinação com glicose, lipídios, eletrólitos
e vitaminas a fim de proporcionar uma nutrição balanceada. Esta
preparação é utilizada isolada na descompensação metabólica moderada
ou em combinação com outras terapias na descompensação metabólica
severa. Uma terapia alternativa consiste em evitar o estado catabólico
com administração de insulina e glicose (Rogers et al., 1962; Wendel, et
al., 1982). O transplante de fígado, órgão em que se encontra a principal
atividade do CDCCR, também pode ser indicado em alguns casos
(Strauss et al., 1993; Jan et al., 1994; Serra et al., 2010; Muelly, et al.,
2013).
1.3 BIOGÊNESE MITOCONDRIAL
As mitocôndrias apresentam herança materna (Anderson et al.,
1981) e material genético próprio, sendo seu ácido desoxirribonucleico
mitocondrial (mtDNA) o responsável por sintetizar 13 polipeptídios
essenciais para a atividade mitocondrial (Shadel e Clayton, 1997),
29
enquanto que o ácido desoxirribonucleico nuclear (nDNA) codifica a
maioria das proteínas da cadeia respiratória e todas as enzimas e
proteínas que regulam a replicação e transcrição do mtDNA (Jeng et al.,
2008).
As mitocôndrias têm um papel importante na homeostase, no
metabolismo energético e na morte celular programada (Chiaratti et al.,
2010). A capacidade de fosforilação oxidativa nesta organela é
determinada por uma associação dos genes mitocondriais e nucleares
(Jeng et al., 2008), portanto, o controle da biogênese e da função
mitocondrial é dependente de um processo extremamente complexo que
exige uma variedade de mecanismos regulatórios coordenados (Garesse
e Vallejo, 2001).
As mitocôndrias são organelas estruturalmente complexas,
bioquimicamente ativas e dinamicamente imóveis. O número de
mitocôndrias por célula varia entre centenas a milhares, dependendo do
tipo de célula, e realizam uma grande variedade de funções, incluindo,
mas não limitado à produção de ATP, a biossíntese de aminoácidos, o
tamponamento dos íons específicos e domínio de ERO (McBride et al.,
2006; Shetty et al., 2012)
As mudanças adaptativas na quantidade de mitocôndrias requer,
sobre o controle celular, a capacidade de detectar a necessidade de
produção adicional de energia mitocondrial, seguida pelo
desencadeamento de vias de sinalização que resultarão em um aumento
da expressão de genes para a formação de novas mitocôndrias na célula
(Clementi e Nisoli, 2005). O processo da biogênese mitocondrial é
complexo, visto que a mitocôndria é derivada de genomas nucleares e
mitocondriais (Hood, 2009). Diferentes estímulos, como a ativação
simpática, a queda da temperatura corporal, ERO, restrição calórica,
entre outros, podem ativar a biogênese mitocondrial (Nisoli et. al., 2003;
Nisoli, 2008; Hood, 2009; Kowaltowski et. al., 2009), através de várias
vias de sinalização celular, principalmente dependente de cAMP/PKA,
NO/cGMP, Ca2+/CaMKIV ou AMPK, regulando a expressão e/ou a
ativação do PGC-1α, que por sua vez, também pode ser regulado em
nível pós-transcricional por fosforilação, acetilação, ubiquitinação,
metilação e N-acetilglicosaminação (Fernandez-Marcos e Auwerx,
2011).
A biogênese mitocondrial baseia-se na regulação da expressão de
um grande número de genes, residentes em grande parte no genoma
nuclear, uma vez que a capacidade do mtDNA de codificar proteínas
limita-se a 13 subunidades da CTE. Os fatores de regulação nucleares
30
possuem um papel importante no comando das interações entre o núcleo
e as mitocôndrias (Hood, 2001). As proteínas mitocondriais codificadas
por genes nucleares incluem as envolvidas no controle do potencial de
membrana mitocondrial e fluxo de íons, produção de ATP, cisão e
fissão. Estas proteínas codificadas em nDNA são importadas para dentro
da mitocôndria, onde são enviadas para seus locais de atuação
(Andersson e Scarpulla, 2001), podendo participar no processo de
alteração de alguns fatores de transcrição do DNA que atuam no núcleo,
inibindo ou aumentando a capacidade de transcrição de genes (Bergeron
et al., 2001; Sakamoto e Goodyear, 2002; Sandri et al., 2004), e podem
agir como fatores estabilizadores do mtRNA que atuam no citosol,
resultando no aumento da expressão do ácido ribonucleico mensageiro
(mRNA) de proteínas mitocondriais codificadas pelo núcleo (Hood,
2001; Adhihetty et al., 2003; Irrcher et al., 2003). Um número reduzido
destas proteínas inclui fatores de transcrição que atuam diretamente no
mtDNA, aumentando a expressão de mRNA para a síntese de algumas
proteínas dos complexos da CTE e outras enzimas mitocondriais
(Ascensao e Magalhaes, 2006).
O mtDNA pode replicar-se independentemente do nDNA, e está
presente em todas as células do corpo (Lightowlers et al., 1997). A sua
replicação requer a presença de DNA polimerase (Pol), enzima que
realiza todas as atividades necessárias para a replicação do mtDNA e
reparação do genoma mitocondrial (Clay Montier et al., 2009), além de
uma única proteína de ligação de cadeia simples (SSB), que facilita a
atividade de Pol e TFAM (Ojuka et al., 2002).
O PGC-1α é uma proteína reguladora de uma diversidade de
processos metabólicos, incluindo a formação de novas mitocôndrias nos
músculos esqueléticos e coração, assim como o controle da β-oxidação
mitocondrial (Lin et. al., 2005; Silveira et. al., 2006), e a resposta celular
ao stress oxidativo (St Pierre et. al., 2006).
PGC-1α é um fator de transcrição chave envolvido na primeira
etapa da biogênese mitocondrial, pela interação funcional com vários
fatores de transcrição que regulam a expressão de genes nucleares que
codificam proteínas mitocondriais (Puigserver et al., 1998; Andersson e
Scarpulla, 2001; Kressler et al., 2002; Lin et al., 2002; Viña, 2009). A
modulação da atividade de PGC-1α dentro da célula leva a um fino
ajuste da função mitocondrial em resposta às necessidades metabólicas
específicas (Lin et al., 2005). O PGC-1α é expresso em níveis elevados
em células ricas em mitocôndrias com altas demandas de energia,
31
incluindo miócitos cardíacos, células de músculos esqueléticos e
neurônios (Andersson e Scarpulla, 2001).
O fator nuclear respiratório-1 (NRF-1) é um fator de transcrição
nuclear que contribui a replicação e transcrição do DNAmt e também
para a função e expressão da cadeia respiratória (Scarpulla, 1997).
NRF-1 e NRF-2 regulam expressão da maioria de genes
nucleares envolvidos na biogênese mitocondrial, tal como os genes que
codificam subunidades dos complexos respiratórios, fatores de
transcrição mitocondrial A (TFAM), B1 (TFB1M) e B2 (TFB2M), os
fatores de replicação mitocondrial como a proteína de ligação de cadeia
simples (SSB) e outras necessárias para a função mitocondrial (Alcolea
et al. 2007).
O TFAM dentre os fatores codificadores nucleares, é considerado
o mais importante no controle da replicação e transcrição do DNAmt
(Smith et al., 2005). Esta proteína tem função dependente da sua
concentração, e outra função citada é o empacotamento do DNAmt
(Alcolea et al. 2007), tendo sido implicado também na manutenção da
estrutura e função mitocondrial em números estudos (Takamatsu et al,
2002; Ekstrand et al, 2004). A síntese do TFAM ocorre no núcleo sendo
após importado para a mitocôndria onde parece dar condições para a
transcrição do DNAmt (Scarpulla, 1997).
Para induzir mRNA de subunidades respiratórias, PGC-1α
aumenta os níveis de proteínas da citocromo C oxidase (COX ou
complexo IV) e citocromo C, assim como o nível de estabilidade do
mtDNA. PGC-1α pode também aumentar a expressão de genes da via de
oxidação de ácidos graxos mitocondriais (Vega et al., 2000). O PGC-1α
interage com o NRF-1, que por sua vez ativa a síntese de proteínas
mitocondriais, incluindo o citocromo C e componentes dos complexos
da CTE (Scarpulla, 2002; Gleyzer et al., 2005). Além disso, a PGC-1α
estimula a transcrição de muitos genes mitocondriais, bem como o
TFAM, uma proteína da matriz mitocondrial reguladora da replicação e
transcrição do mtDNA (Clayton, 1991; Parisi e Clayton, 1991; Virbasius
e Scarpulla, 1994; Viña, 2009), garantindo o balanço entre as proteínas
codificadas pelo núcleo e as proteínas codificadas pelas mitocôndrias,
necessário para a correta estruturação dos complexos respiratórios
(Figura 2) (Liang e Ward, 2006).
32
Figura 2 - Representação esquemática da síntese de novas mitocôndrias. A
biogênese mitocondrial ocorre com a ativação de PGC-1α, que auto regula sua
própria transcrição e se liga à região promotora de seus genes alvos como os
fatores respiratórios nucleares 1 e 2 (NRF-1 e NRF-2), conhecidos reguladores
do processo de transcrição e replicação mitocondrial, estimulando sua
expressão. Com maior importância, NRF-1 trans-ativa genes codificadores
nucleares codificando proteínas destinadas à mitocôndria como o fator de
transcrição mitocondrial A (TFAM), o qual requer a entrada na organela e
participa da replicação e transcrição do DNA mitocondrial (Viña, 2009).
33
2 JUSTIFICATIVA
Amaral et al. (2010) verificaram que CIC e leucina inibiram o
metabolismo mitocondrial, mostrando que o acúmulo destes metabólitos
pode comprometer a homeostase mitocondrial, estando envolvidos na
neuropatologia da doença. Além disso, tem sido sugerido que CIC e o
CIV levam a um déficit energético cerebral em pacientes com DXB,
decorrente dos prejuízos na respiração celular em fatias de cérebro de
ratos, bem como inibem a atividade do complexo piruvato
desidrogenase e da enzima α-cetoglutarato desidrogenase em
mitocôndrias (Howell e Lee, 1963; Danner e Elsas, 1989).
Levando em conta que o acúmulo de metabólitos na DXB leva a
disfunção bioenergética na mitocôndria (Howeel e Lee 1963; Danner e
Elsas 1989; Pilla et al., 2003; Sgaravati et al., 2003; Ribeiro et al., 2008;
Amaral et al., 2010; de Franceschi et al., 2013) e que os mecanismos
exatos subjacentes da disfunção mitocondrial provocado por estes
compostos não estão claramente elucidados, devido ao restrito número
de pesquisas nesta área, o presente estudo tem como objetivo analisar a
expressão de fatores de transcrição mitocondriais específicos em um
modelo animal de DXB.
34
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Investigar o efeito dos AACR acumulados na DXB sobre
parâmetros de biogênese mitocondrial em cérebro de ratos durante o seu
desenvolvimento.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
 Avaliar a expressão dos parâmetros de biogênese mitocondrial
(NRF-1, PGC-1α e TFAM) em hipocampo, estriado e córtex cerebral de
ratos de 10 e 30 dias de idade submetidos à administração aguda dos
AACR acumulados na DXB;
 Avaliar a expressão dos parâmetros de biogênese mitocondrial
(NRF-1, PGC-1α e TFAM) em hipocampo, estriado e córtex cerebral de
ratos submetidos à administração crônica durante 21 dias (do 7º ao 28º
dia de idade) com AACR acumulados na DXB.
35
4 METODOLOGIA
Todos os procedimentos experimentais foram realizados de
acordo com as recomendações internacionais para o cuidado e o uso de
animais de laboratório, além das recomendações para o uso de animais
do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA).
A presente pesquisa foi realizada no Laboratório de Bioenergética
da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC e no
Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Biociências,
Porto Alegre, RS, Brasil.
4.1 ANIMAIS EXPERIMENTAIS
Foram utilizados ratos machos Wistar, infantes (7 e 10 dias de
idade) e jovens (30 dias de idade), provenientes do Biotério da
Universidade do Extremo Sul Catarinense. Os animais foram mantidos
em ambiente climatizado com temperatura entre 23° ± 1°C, com ciclos
claro-escuro de 12 horas,livre acesso à água e alimentação padrão,
sendoacondicionados 5 animais por caixa e mantidos com a mãe até a
idade adequada.
A utilização dos animais seguiu um protocolo experimental
aprovado por um Comitê de Ética e seguiu os Princípios de Cuidados de
Aninais de Laboratório (Principles of Laboratory Animal Care, Instituto
Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América, NIH, publicação
número 85-23, revisada em 1996) com a aprovação do Comitê de Ética
no Uso de Animais da Universidade do Extremo Sul Catarinense, sob o
protocolo número 111/2013-2 (Anexo A).
4.2 POOL DE AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA
Uma solução de AACR, contendo leucina (190 mmol/L),
isoleucina (59 mmol/L) e valina (69 mmol/L), foi preparada no dia do
experimento em solução salina (0,9%).
4.3 ADMINISTRAÇÃO DO POOL DE AACR (modelo animal da
DXB quimicamente induzido)
Os experimentos foram divididos da seguinte maneira:
36
 Experimento 1: Administração aguda em ratos infantes
(10 dias).
 Experimento 2: Administração aguda em ratos jovens (30 dias).
 Experimento 3: Administração crônica (7° ao 28° dia).
Para administração aguda (Figura 3), ratos Wistar infantes (10 dias) e
jovens (30 dias) receberam três administrações de um pool de AACR
(15,8 µL/g de peso corporal), contento leucina (190 mmol/L), isoleucina
(59 mmol/L) e valina (69 mmol/L), com intervalo de 1 hora entre as
administrações, por via subcutânea (grupoDXB) Os animais do grupo
controle foram submetidos ao mesmo protocolo, porém receberam
solução salina 0,9% (Bridi et al., 2006).
Para a administração crônica (Figura 4), ratos Wistar infantes (7 dias)
receberam duas administrações diárias de um pool de AACR (15,8 µL/g
de peso corporal), contento leucina (190 mmol/L), isoleucina (59
mmol/L) e valina (69 mmol/L), com intervalo de 12 horas entre as
administrações, por via subcutânea, durante 21 dias (grupo DXB). Os
animais do grupo controle foram submetidos ao mesmo protocolo,
porém receberam solução salina 0,9%.
Uma hora após a última administração (administração aguda) e doze horas
após a última administração (administração crônica) os ratos
sofrerameutanásia por decapitação, o cérebro foi removido e o córtex
cerebral, hipocampo e estriado isolados e acondicionados no reagente
Trizol® (Invitrogen, Carlsbad, California, USA) para posterior analises
dos marcadores de biogênese mitocondrial.
Figura 3: Representação esquemática da administração aguda dos AACR.
37
Figura 4: Representação esquemática da administração crônica dos AACR
4.4
EXPRESSÃO
DE
FATORES
DE
TRANSCRIÇÃO
MITOCONDRIAL ESPECÍFICOS (NRF-1, PGC-1Α, E TFAM)
A análise da expressão gênica foi realizada por PCR quantitativo
em tempo real (RT-qPCR). O RNA foi extraído utilizando o reagente
Trizol® (Invitrogen, Carlsbad, California, USA) de acordo com as
instruções do fabricante. O RNA total foi quantificado por
espectrofotometria (A260/280 nm) e depois tratado com
Desoxirribonuclease I (Invitrogen), para eliminar a contaminação por
DNA genômico, de acordo com as instruções do fabricante. O ácido
desoxirribonucleico complementar (cDNA) de cada amostra foi
sintetizado utilizando o kit “ImProm-II™ Reverse Transcription
System” (Promega) a partir de 1 ug de RNA total, seguindo as
instruções do fabricante. qPCR foi realizado utilizando SYBR® Green I
(Invitrogen) para detectar a síntese de cDNA de cadeia dupla. As
reações foram realizadas num volume de 25 µL, utilizando 12,5 µL de
cDNA diluído, contendo uma concentração final de SYBR® Green I
(Invitrogen) 0,2 X, dNTP 100 μM, PCR Buffer 1 X, MgCl2 3 mM,
Platinum® Taq DNA Polimerase (Invitrogen) 0.25 U, betaína 5M (para
Gapd (Bonefeld et al., 2008), Hprt1 (Bonefeld et al., 2008), Rpl13α
(Bonefeld et al., 2008), PGC-1α e TFAM), 2% da reação de DMSO
(para NRF-1 (Zhang et al., 2012) e 200 nM de cada iniciador direto e
reverso (Tabela 2). As condições dos ciclos de PCR foram as seguintes:
uma etapa inicial de ativação da polimerase durante 5 min a 95°C, 40
ciclos de 15 segundos a 95°C para desnaturação, 35 segundos a 60°C
para recozimento e 15 segundos a 72°C para alongamento. Ao final do
protocolo de ciclos uma análise de fusão da curva foi realizada, e a
38
fluorescência foi medida 60 a 99°C, mostrando em todos os casos um
único pico. Gapd, Hprt1 e Rlp13α foram utilizados como genes de
referência para normalização. Níveis de expressão relativa foram
determinados com 7500 Fast Real-Time System Sequence Detection
Software v.2.0.6 (Applied Biosystems). Os níveis de expressão relativa
de mRNA foram determinadas utilizando o método 2-ΔΔCT.
Tabela 1. Sequências dos iniciadores para as experiências de RT-qPCR
incluídos no estudo
Gene
Iniciador Direto
Iniciador Reverso
Gapda
5’-GCTAAGCAGTTGGTGGTGCA-3’
5’-TCACCACCATGGAGAAGGC-3’
Hprt1a
5’-GCAGACTTTGCTTTCCTTGG-3’
5’-GCAGACTTTGCTTTCCTTGG-3’
Rlp13αa
5’-ACAAGAAAAAGCGGATGGTG-3’
5’-TTCCGGTAATGGATCTTTGC-3’
NRF-1b
5’-TTACTCTGCTGTGGCTGATGG-3’
5’-CCTCTGATGCTTGCGTCGTCT-3’
PGC-1αc
5’-CGTTACACCTGTGACGCTTTCGCTG-3’
5’-CATACTTGCTCTTGGTGGAAGCAGG-3’
5’-AATTGAAGCTTGTAAATCAGGCTTGG-3’
5’-CGGATGAGATCACTTCGCCCAAC-3’
TFAM
c
De acordo com Bonefeld et al., 2008; Zhang et al., 2012; Macarini et al., 2014.
4.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados moleculares foram expressos em média ± D.P. (desvio
padrão) e analisados através do programa GraphPad utilizando o teste t
de Student para amostras não emparelhadas, realizadas em quadruplicata
considerando-se p <0,05 como significância estatística.
39
5 RESULTADOS
Primeiramente avaliou-se o efeito da administração aguda sobre a
expressão gênica de PGC-1α, NRF-1 e TFAM em córtex cerebral,
hipocampo e estriado de ratos com 10 dias de idade. Não houve
diferença significativa entre o grupo teste e o grupo controle (Figura 3)
em ambos os parâmetros gênicos e estruturas analisadas.
Figura 5 - Efeito da administração aguda de AACR sobre níveis de mRNA dos
genes PGC-1α (A), NRF-1 (B) e TFAM (C) em córtex cerebral, hipocampo e
estriado de ratos com 10 dias de idade (n=04). Os resultados estão expressos em
média ± DP. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos .
40
Após foi avaliado a expressão dos mesmos fatores gênicos em
ratos com 30 dias de idade tratados de forma aguda nas mesmas
estruturas cerebrais (córtex, hipocampo e estriado). Não foram
encontradas alterações significativas em quaisquer tratamentos e
parâmetros analisados (Figura 4).
Figura 6 - Efeito da administração aguda de AACR sobre níveis de mRNA dos
genes PGC-1α (A), NRF-1 (B) e TFAM (C) em córtex cerebral, hipocampo e
estriado de ratos com 30 dias de idade (n=04). Os resultados estão expressos em
média ± DP. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos.
41
Por conseguinte, foi avaliada a expressão gênica em ratos tratados
com AACR de forma crônica, onde foi observada uma diminuição
significativa nos níveis de mRNA do gene NRF-1 no córtex cerebral
(p=0,0355) e do gene TFAM em estriado (p=0,0352) dos animais
submetidos a administração crônica dos AACR (Figura 5).
Figura 7 - Efeito da administração crônica de AACR sobre níveis de mRNA
dos genes PGC-1α (A), NRF-1 (B) e TFAM (C) em córtex cerebral, hipocampo
e estriado de ratos (n=04). Os resultados estão expressos em média ± DP. O
símbolo (*) indica diferença significativa de DXB quando comparada com
solução salina, P≤0,05.
42
6 DISCUSSÃO
A manutenção da biogênese mitocondrial e do mtDNA dependem
de uma expressão coordenada de genes do núcleo a das mitocôndrias.
Proteínas mitocondriais nucleares codificadas, tais como TFAM, TFB2
e a RNA polimerase mitocondrial (Polrmt) são convertidos no citosol
importados na rede mitocondrial onde são enviados para seus locais de
atuação (Chacinska et al., 2009). Uma variedade de sinais extracelulares
e intracelulares transmitida por hormônios e segundos mensageiros
devem estar integrados para fornecer células com um número adequado
de mitocôndrias e mtDNA para atender sua demanda energética.
Visto que a biogênese mitocondrial controla diretamente o
número de cópias do mtDNA (Clay Montier et al., 2009), é possível que
esta maquinaria possa estar alterada em ratos tratados cronicamente com
AACR. As células respondem às lesões mitocondriais, aumentando a
biogênese mitocondrial e esta é também dependente da regulada
expressão de PGC-1α (Rasbach e Schnellmann, 2007; Rohas et al.,
2007). PGC-1α é transcricionalmente ativado por PPARs, mTOR e
CREB, levando a um aumento da biogênese mitocondrial. Em nível póstranslacional, PGC-1α é regulado por fosforilação e eventos de
acetilação. A fosforilação dependente de AMPK ativa PGC-1α enquanto
acetilação mediada por GCN5 inibe a atividade de PGC-1α (Dominy et
al., 2010). A desacetilação de PGC-1α por NAD+ dependente SIRT1
promove biogênese mitocondrial e garante que a atividade de PGC-1α
seja sensível tanto a energia, quanto ao equilíbrio redox da célula (Canto
e Auwerx, 2011). Corroborando com estes dados, a não alteração de
PGC-1α em ambas estruturas (córtex, estriado e hipocampo) e
tratamentos (agudo e crônico) com AACR, pode estar relacionada com
outras vias de ativação da biogênese não analisadas neste estudo, visto
que a biogênese mitocondrial depende da atividade de uma hierarquia de
fatores de transcrição nucleares, que inclui o PPARα, PPARγ, NRF-1,
NRF-2, e receptores como ERRα, β, γ (Kelly e Scarpulla, 2004;
Scarpulla et al., 2012).
NRF-1 e NRF-2 modulam a expressão dos componentes da
cadeia respiratória, tal como o citocromo C e subunidades COX além de
genes antioxidantes, enquanto que os fatores de ERR regulam a
expressão de genes envolvidos na oxidação dos ácidos graxos, o ciclo de
Krebs, e fosforialação oxidativa (Scarpulla et al., 2012). Sabe-se que
todos estes fatores de transcrição são criticamente dependentes para a
sua atividade através do PGC-1α que, juntamente com as proteínas
43
PGC-1β e o PRC promove a biogênese mitocondrial, metabolismo
celular e resposta antioxidantes através da ativação coordenada dos
fatores de transcrição acima mencionados, incluindo NRF-2, ERRα e
PPAR (Dominy et al., 2010; Scarpulla et al., 2012).
Em comparação com nossos resultados, foi demonstrado que
níveis de PRC estão elevados, juntamente com NRF-1 e TFAM em
tireoide com tumores, caracterizadas por alta densidade mitocondrial,
mas sem aumento de PGC-1α (Savagner et al., 2003). O aumento da
expressão PRC é acompanhado por atividade elevada do citocromo C
oxidase e conteúdo de mtDNA (Russell et al., 2005). Visto que estudos
indicam que PRC também pode regular a função mitocondrial de modo
semelhante à PCG-1α e interagir diretamente com NRF-1 (Andersson e
Scarpulla, 2001; Wu et al., 1999), pode-se justificar uma diminuição
isolada deste gente em córtex cerebral de ratos tratados cronicamente
com AACR.
Fontella et al. (2002) observaram que os aminoácidos, CCR e
HCR acumulados na DXB estimulam a lipoperoxidação em cérebro de
ratos jovens. Davies (1995) sugere que o aumento da lipoperoxidação e
a diminuição da capacidade de lidar com os radicais livres, observados
nos pacientes com DXB antes do tratamento, podem resultar em estresse
oxidativo. Em adição, foi proposto que ERO e os radicais livres gerados
a partir da cadeia respiratória estão envolvidos na sinalização das
mitocôndrias para o núcleo (Lee e Wei, 2005), podendo interferir na
expressão de genes mitocondriais. Corroborando com estes resultados,
Mescka et al. (2011) demonstraram que a administração de AACR
provocou lipoperoxidação, danos à proteínas e alteração na atividade da
catalase e glutationa peroxidase em um modelo induzido de DXB.
Levando em consideração que o tratamento crônico com AACR
em nosso estudo levou à alterações na expressão de alguns genes
mitocondriais (NRF-1 em córtex e TFAM em estriado) e que pacientes
com DXB possuem aumento no estresse oxidativo, foi relatado que o
aumento crônico na produção de ERO associa-se com o dano e
disfunção mitocondrial, podendo levar à um ciclo de declínio funcional
da mitocôndria (Sharma et al., 2013)
Visto que as mitocôndrias não possuem o complexo de
organização da cromatina constituída por proteínas histonas que
poderiam servir como uma barreira protetora contra ERO e que o
mtDNA tem capacidade limitada de reparação contra danos ao DNA,
Sharma et al. (2013) postulou que a mitocôndria pode ser danificada por
ERO, sendo o mtDNA um grande alvo, ocorrendo assim, um declínio
44
nas transcrições de mtRNA, síntese de proteínas e da função
mitocondrial, devido à lesão nesta organela. Miranda et al. (1999)
encontraram evidências para justificar que ERO poderia atuar como
segundos mensageiros na regulação dos fatores de transcrição nucleares
responsáveis pela biogênese mitocondrial.
Levando em consideração que um dos mecanismos celulares que
controlam a transcrição e replicação mitocondrial é o TFAM (Garstka et
al., 1994; Montoya et al., 1997; Weber et al., 2004), e que elevações
crônicas no estresse oxidativo podem causar dano cumulativo e
irreversível de proteínas mitocondriais, lipídios e ácidos nucleicos,
prejudicando a função mitocondrial e podendo levar a mais aumento na
produção de ERO, exacerbando o dano intracelular (Larsson, 2010;
Calvani et al., 2013), a diminuição deste gene em estriado e NRF-1 em
córtex cerebral pode ser explicada em parte por danos a estas proteínas
mitocondriais, observadas após administração de AACR. Dentro de
certo nível, ERO podem induzir respostas ao estresse, alterando a
expressão de genes nucleares específicos para manter o metabolismo de
energia celular. Uma vez que para além do limiar, ERO pode causar
dano oxidativo ao mtDNA e outros componentes das células afetadas e
provocar apoptose por indução da transição de permeabilidade
mitocondrial e liberação de proteínas pró-apoptóticas, como o citocromo
C (Chernyak e Bernardi, 1996).
Scrapulla (1997) e St. John (2010) postularam que a diminuição
da quantidade de cópias de mtDNA leva ao aumento da expressão do
TFAM. Já Schauen (2006) declarou que o TFAM é um gene que
representa a quantidade de cópias de mtDNA de uma célula, portanto, a
baixa expressão de TFAM em estriado encontrado em nossos resultados
poderiam evidenciar, pelo menos em parte, uma baixa quantidade de
mtDNA no estriado de ratos submetidos à administração crônica de
AACR. Em acréscimo a estes resultados, após análise do nível de
expressão do gene mitocondrial, Escrivá et al. (1999) encontraram
diminuição na transcrição de TFAM em testículos de ratos juntamente
com o aumento de NRF-1 e NRF-2, sugerindo que haja outros
mecanismos pós-transcricionais específicos em diferentes tecidos que
controlam a expressão destes fatores de transcrição de proteínas.
Visto que as altas concentrações dos AACR e dos CACR causam
déficit no metabolismo energético através da inibição da cadeia
transportadora de elétrons (Sgaravatti et al., 2003), foram relatados
problemas relacionados à ATPase e à cadeia respiratória causando
prejuízos em funções celulares e teciduais (Marusich et al., 1997). O
45
baixo número de cópias de mtDNA já foi relacionado com diversos
tipos de células que apresentavam disfunção mitocondrial e
características celulares alteradas. Essa alteração na quantidade de
cópias de mtDNA está amplamente associada a vários distúrbios,
incluindo o estresse oxidativo (Jeng et al., 2008) e a síntese de ATP
comprometida quando o mtDNA sofre mutações (Chiaratti et al., 2010).
Foi descrito que os AACR inibem a atividade dos complexos I
(50%) e IV (30%) da cadeia respiratória, respectivamente, em
homogeneizado de córtex cerebral de ratos (Sgaravatti et al., 2003;
Ribeiro et al., 2008). Entretanto, um grau maior de inibição desses
complexos seria necessário para que houvesse uma alteração da
velocidade da respiração mitocondrial (Davey e Clark, 1996; Rossignol
et al., 2003), podendo sugerir as isoladas alterações na expressão dos
genes mitocondriais em nosso estudo. Considerando que Chiaratti et al.
(2010) constataram que o número de cópias de mtDNA na célula
relaciona-se com a capacidade de produção de ATP e que essa síntese
pode ser comprometida quando ocorre mutações no mtDNA, e que as
alterações morfológicas encontradas em astrócitos de córtex cerebral de
ratos tratados com AACR relacionaram com a alteração do metabolismo
de energia no sistema nervoso central (Funchal et al., 2005), é possível
especular que a inibição de TFAM em estriado após administração
crônica de AACR, poderia contribuir, ao menos em parte, para justificar
a alteração da homeostase energética cerebral encontrada nesta doença,
visto que o TFAM participa na replicação e transcrição de proteínas,
podendo assim, alterar a síntese e codificação de proteínas da CTE.
Em conjunto, Mello et al. (1999) demonstraram déficit de
comportamento e déficit no aprendizado/memória na idade adulta, em
ratos tratados de forma crônica com leucina, indicando que os altos
níveis deste aminoácido podem contribuir para a deterioração
neurológica observada na DXB. A justificativa exata responsável pela
diferença entre os efeitos agudos e crônicos não é conhecida, mas
sugere-se que as diferenças podem ser devido aos mecanismos de reparo
mitocondrial. Em conjunto, Scaini et al. (2012b) também observaram
que a administração aguda em ratos de 10 dias de idade não provocou
danos ao DNA no estriado, córtex cerebral e no sangue. Já a
administração crônica de AACR aumentou a frequência e índice de
danos ao DNA no hipocampo e estriado.
Visto que estudos sugerem que as regiões do cérebro respondem
de forma diferente, sugere-se que as alterações no córtex cerebral e
estriado, e não no hipocampo, podem ser devido ao aumento da
46
vulnerabilidade nestes locais em responder às disfunções mitocondriais
e ao estresse oxidativo (Wilde et al., 1997; Wang et al., 2005).
Em contraste com nosso estudo, foi demonstrado um aumento na
atividade da acetilcolinesterase em córtex, estriado e hipocampo de ratos
tratados de forma aguda com AACR, com idade de 10 e 30 dias, sendo
que o tratamento antioxidante preveniu tal alteração (Scaini et al., 2012).
Funchal et al. (2005) demonstraram uma alteração morfológica
severa e reorganização do citoesqueleto pela valina em astrócitos de
córtex cerebral de ratos, sabe-se que a viabilidade das células neurais é
mantida através de uma rede complexa de rotas de sinalização que pode
ser perturbada em resposta a diversos tipos de estresse celular, podendo
levar à drásticas consequências no destino de uma célula. Esse processo
envolve a ativação de cascatas de sinalização, que comprometeram a
estrutura da mitocôndria, o metabolismo energético e a integridade
nuclear (Morrison et al., 2002).
Levando em conta que Bridi et al. (2003; 2005a; 2005b)
verificaram que os AACR e os CACR estimulam a lipoperoxidação e
reduzem as defesas antioxidantes, e que o CIC inibe a atividade da
enzima glutationa peroxidase no córtex cerebral de ratos, em conjunto,
nossos resultados mostram uma diminuição da atividade de NRF-1 em
córtex cerebral, podendo sugerir que os mecanismos de modulação em
resposta às disfunções mitocondriais e estresse oxidativo, estejam menos
eficientes nessa região cerebral.
47
7 CONCLUSÃO
Concluímos que a administração crônica de AACR leva à
diminuição significativa da expressão gênica de TFAM em estriado e de
NRF-1 em córtex cerebral de ratos jovens. Acreditamos que as
alterações destes genes envolvidos na biogênese mitocondrial podem
contribuir, ao menos em parte, para explicar a patogênese do dano
cerebral associadas às altas concentrações plasmáticas dos metabólitos
acumulados na DXB. Visto que a biogênese mitocondrial não está
totalmente compreendida e um grande número de vias de sinalização
ainda é desconhecida (Giegé, 2008), sugerimos que estas vias possam
participar na regulação da expressão destes fatores de transcrição na
mitocôndria, devido às possíveis alterações na homeostase desta
organela. Por conseguinte, mais estudos são necessários para confirmar
e melhor explicar as alterações e parâmetros da biogênese mitocondrial
em pacientes com DXB.
48
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ANEXO A - Protocolo CEUA
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