UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE NÁDIA WEBBER DIMER AVALIAÇÃO DA BIOGÊNESE MITOCONDRIAL EM CÉREBRO DE RATOS SUBMETIDOS A UM MODELO ANIMAL DA DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO CRICIÚMA 2014 1 2 NÁDIA WEBBER DIMER AVALIAÇÃO DA BIOGÊNESE MITOCONDRIAL EM CÉREBRO DE RATOS SUBMETIDOS A UM MODELO ANIMAL DA DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências da Saúde para obtenção do título de Mestre em Ciências da Saúde. Orientador: Prof. Dr. Emilio Luiz Streck CRICIÚMA 2014 3 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação D582a Dimer, Nádia Webber. Avaliação da biogênese mitocondrial em cérebro de ratos submetidos a um modelo animal da doença da urina do Xarope do Bordo / Nádia Webber Dimer; orientador: Emilio Luiz Streck. – Criciúma, SC : Ed. do Autor, 2014. 44 p: il. ; 21 cm. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Criciúma, SC, 2014. 1. Doença da urina do xarope do bordo. 2. Erros inatos do metabolismo. 3. Aminoácidos da cadeia ramificada. 4. Leocinase. I. Título. CDD. 22ª ed. 616.042 Bibliotecária Rosângela Westrupp – CRB 14º/364 Biblioteca Central Prof. Eurico Back - UNESC 4 5 6 FOLHA INFORMATIVA A dissertação foi elaborada seguindo o estilo Vancouver e será apresentada no formato tradicional. Este trabalho foi realizado nas instalações do Laboratório de Fisiopatologia Experimental do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Extremo Sul Catarinense e no Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 7 8 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à minha família. Aos meus pais, que sempre me apoiaram, deram exemplo e incentivaram, e são partes desta conquista. Ao meu namorado, pelo amor e compreensão de sempre. Ao meu orientador prof. Dr. Emilio pelo acolhimento, orientação e aprendizado ao longo do trabalho. Ao prof. Dr. Gustavo por todos os ensinamentos e incentivo à pesquisa. A todos os colegas do Laboratório de Bioenergética, que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, sem eles não seria possível. Ao Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da PUC, pela colaboração e parceria. A todas colegas e amigas do antigo grupo de pesquisa que foram muito importantes nesta caminhada. A todos os professores do PPGCS que contribuíram para a realização desta dissertação e colaboraram para meu aprendizado. A CAPES e Unesc pelo apoio financeiro. 9 10 RESUMO A doença da urina do xarope do bordo (DXB) é uma doença metabólica de herança autossômica recessiva resultante de uma deficiência no complexo α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada (CDCCR), provocando o acúmulo de aminoácidos de cadeia ramificada (AACR), leucina, isoleucina e valina, bem como de seus α-cetoácidos (CCR) e αhidroxiácidos correspondentes (HCR). Foi demonstrado que o acúmulo de metabólitos na DXB leva a disfunção bioenergética na mitocôndria, bem como um comprometimento na sua função. No entanto, os mecanismos exatos subjacentes da disfunção mitocondrial provocado por estes compostos não estão claramente elucidados. No presente estudo investigou-se a expressão de fatores de transcrição mitocondriais específicos (PGC-1α, NRF-1 e TFAM) em um modelo animal de DXB. Para administração aguda, ratos Wistar de 10 e 30 dias de vida receberam três administrações de um pool de AACR (15,8µL/g de peso corporal), com intervalo de 1 hora entre as administrações, por via subcutânea . Os animais do grupo controle foram submetidos ao mesmo protocolo, porém receberam solução salina 0,9%. Para a administração crônica, ratos Wistar de 7 dias receberam duas administrações diárias do pool de AACR, com intervalo de 12 horas entre as administrações, por via subcutânea, durante 21 dias (grupo teste). Os animais do grupo controle foram submetidos às mesmas condições, porém receberam solução salina 0,9%. Uma hora após a última administração (aguda) e doze horas após a última administração (crônica) os ratos foram eutanasiados por decapitação, o cérebro foi removido e o córtex cerebral, hipocampo e estriado isolados e acondicionados no reagente Trizol, para posterior analises dos marcadores de biogênese mitocondrial. Em ratos tratados cronicamente observou-se uma redução significativa nos níveis de mRNA do gene NRF-1 em córtex cerebral e dos níveis de mRNA do gene TFAM no estriado. Estes resultados sugerem que os AACR podem alterar de forma significativa os marcadores de biogênese mitocondrial e contribuir, ao menos em parte, para a patogênese do dano cerebral característico dos pacientes com DXB. Palavras-Chave: Doença da urina do xarope do bordo; biogênese mitocondrial; aminoácidos de cadeia ramificada. 11 12 ABSTRACT The Maple Syrup Urine Disease (MSUD) is a metabolic disease of autosomal recessive inheritance resulting from a deficiency in the branched-chain α-keto acid dehydrogenase complex (BCKD), causing the accumulation of branched chain amino acids (BCAAs) leucine, isoleucine and valine, and α-keto acids (BCKAs) from their and αhydroxy acids corresponding (BCHAs). It has been shown that the accumulation of metabolites in DXB leads to bioenergetic dysfunction in the mitochondria, as well as an impairment in their function. However, the exact mechanisms underlying mitochondrial dysfunction caused by these compounds are not clearly elucidated. In this study we investigated the expression of specific mitochondrial transcription factors (PGC-1α, NRF-1 and TFAM) in an animal model MSUD. For acute administration, Wistar rats of 10 and 30 days of age received three administrations of a pool of BCAAs (15,8μL / g body weight), with 1hour interval between administrations, subcutaneously. The control group underwent the same protocol but received saline 0.9%. For chronic administration, Wistar rats 7 days received two daily doses of the pool of BCAA, with an interval of 12 hours between administrations, subcutaneously for 21 days (test group). The control group underwent the same conditions but received saline 0.9%. One hour after the last (acute) administration and twelve hours after the last administration (chronic) the rats were euthanized by decapitation, the brain was removed and brain, hippocampus, striatum and cortex isolated and packed in Trizol reagent for subsequent analysis of markers mitochondrial biogenesis. In rats chronically treated there was a significant reduction in mRNA levels of NRF-1 genes in the cerebral cortex and mRNA levels in the striatum TFAM gene. These results suggest that the BCAAs can significantly alter markers of mitochondrial biogenesis and contribute, at least in part, to the pathogenesis of brain damage characteristic of MSUD patients. Keywords: Maple Syrup Urine Disease; mitochondrial biogenesis; branched chain amino acids. 13 14 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AACR - aminoácidos de cadeia ramificada. AMPK- proteína quinase ativada por adenosina monososfato, do inglês adenosine 5′-monophosphate activated protein kinase. ATP- trifosfato de adenosina, do inglês adenosine triphosphate. BCAA - aminoácidos de cadeia ramificada, do inglês branched chain amino acids. BCHA - α-hidroxiácidos de cadeia ramificada, do inglês branchedchain alpha-hydroxy acids. BCKA - α-cetoácidos de cadeia ramificada, do inglês branched-chain keto acids. BCKD - complexo α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada, do inglês branched-chain α-ketoacid dehydrogenase complex. BCKDHA - cetoácido desidrogenase de cadeira ramificada E1, alfa polipeptídeo, do inglês branched chain ketoacid dehydrogenase E1, alpha polypeptide. Ca2+/CaMKIV - proteína quinase tipo 4 dependente de cálciocalmodulina, do inglês calcium/calmodulin-dependent protein kinase type IV. cAMP - Adenosina 3',5'-monofosfato Cíclico, do inglês 3'-5'-cyclic adenosine monophosphate. CCR - α-cetoácidos de cadeia ramificada. CDCCR - complexo α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada. cDNA - ácido desoxirribonucleico complementar, do inglês complementary deoxyribonucleic acid. cGMP - monofosfato cíclico de guanosina, do inglês cyclic guanosine monophosphate. CIC - ácido α-cetoisocapróico. CIV - ácido α-cetoisovalérico. CMV - ácido α-ceto-β-metilvalérico. COBEA - Colégio Brasileiro de Experimentação Animal. Cox - citocromo c oxidase, do inglês cytochrome c oxidase. CREB - proteína de ligação ao elemento de resposta do monofosfato cíclico de adenosina, do inglês cyclic adenosine monophosphate response element binding protein. CTE - cadeia transportadora de eletróns DBT - dihidrolipoamida transacilase de cadeia ramificada E2, do inglês dihydrolipoamide branched chain transacylase E2. DCCR - desidrogenase dos α-cetoácidos de cadeia ramificada. 15 DMSO - dimetilsulfóxido. DNA - ácido desoxirribonucleico. dNTP desoxirribonucleotídeos trifosfatos, do inglês deoxyribonucleotide triphosphate. DXB - doença da urina do xarope do bordo. E1 - α-cetoácido descarboxilase de cadeia ramificada. E2 - dihidrolipoil transacetilase. E3 - dihidrolipoamida desidrogenase. EER- receptor relacionado a estrogênio, do inglês estrogen related receptor. EIM - erros inatos do metabolismo. ERO - espécies reativas de oxigênio. FAD - dinucleótido de adenina e flavina, do inglês flavin adenine dinucleotide. Gapdh gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, do inglês glyceraldehyde-3-phosphate dehydrogenase. GCN5 - general controle de aminoácidos e síntese de proteínas 5, do inglês general control non repressed 5. HCR - α-hidroxiácidos de cadeia ramificada. HIC - ácido α-hidroxiisocapróico. HIV - ácido α-hidroxiisovalérico. HMV - ácido α-hidroxi-β-metilvalérico. Hprt1 - hipoxantina fosforibosiltransferase 1, do inglês hypoxanthine phosphoribosyltransferase 1. Ileu - isoleucina. Leu - leucina. mRNA - ácido ribonucléico mensageiro. MSUD - Doença da urina do xarope do bordo, do inglês maple syrup urine disease. mtDNA - ácido desoxirribonucleico mitocondrial. mTOR- proteína alvo da rapamicina em mamíferos, do inglês mammalian target of rapamycin. NAD+ - nicotinamida adenina dinucleotideo oxidado, do inglês nicotinamide adenine dinucleotide. NADH - nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido, do inglês nicotinamide adenine dinucleotide hydride. nDNA - ácido desoxirribonucleico nuclear. NO- óxido nítrico, do inglês nitric oxide. NRF-1 - fator respiratório nuclear 1, do inglês nuclear respiratory factor 1. 16 NRF-2 - fator respiratório nuclear 2, do inglês nuclear respiratory factor 2. PCR - reação em cadeia da polimerase, do inglês polymerase chain reaction. PGC-1α - coativador 1 alfa do receptor ativado por proliferador do peroxisoma, do inglês peroxisome proliferator activated receptor gamma coactivator 1 alpha. PGC-1β - coativador 1 beta do receptor ativado por proliferador do peroxisoma, do inglês peroxisome proliferator activated receptor gamma coactivator 1 beta. PKA - proteína quinase A, do inglês protein kinase A. PPAR - receptor ativado por proliferadores de peroxissoma, do inglês peroxisome proliferator-activated receptor. PRC - coativador relacionado com o PGC, do inglês PGC-1-related coactivator. RNA - ácido ribonucleico. Rpl13α - proteína ribossomal L13 alfa, do inglês ribosomal protein L13 alpha. RT-qPCR - reação em cadeia da polimerase após transcrição reversa em tempo real, do inglês real-time reverse transcription polymerase chain reaction. SIRT1 - Sirtuína 1, do inglês Sirtuin 1. SNC - sistema nervoso central. SSB - proteína de ligação de cadeia simples, do inglês single stranded binding proteins. TFAM - fator de transcrição mitocondrial A, do inglês mitochondrial transcription factor A. TFB2 - fator de transcrição B1, do inglês transcription factor B2. Val – valina. 17 18 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 20 1.1 ERROS INATOS DO METABOLISMO .......................................... 20 1.2 DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO ......................... 21 1.2.1 Histórico ......................................................................................... 21 1.2.2 Etiologia ......................................................................................... 22 1.2.3 Metabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada (AACR) .. 22 1.2.4 Diagnóstico..................................................................................... 24 1.2.5 Fenótipos ........................................................................................ 24 1.2.6 Fisiopatologia................................................................................. 26 1.2.7 Tratamento .................................................................................... 28 1.3 BIOGÊNESE MITOCONDRIAL...................................................... 28 2 JUSTIFICATIVA ............................................................................... 33 3 OBJETIVOS........................................................................................ 34 3.1 OBJETIVO GERAL .......................................................................... 34 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................. 34 4 METODOLOGIA ............................................................................... 35 4.1 ANIMAIS EXPERIMENTAIS .......................................................... 35 4.2 POOL DE AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA ............. 35 4.3 ADMINISTRAÇÃO DO POOL DE AACR (modelo animal da DXB quimicamente induzido) ................................................................. 35 4.4 EXPRESSÃO DE FATORES DE TRANSCRIÇÃO MITOCONDRIAL ESPECÍFICOS (NRF-1, PGC-1Α, E TFAM) .......... 37 4.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA ................................................................ 38 5 RESULTADOS ................................................................................... 39 6 DISCUSSÃO........................................................................................ 42 7 CONCLUSÃO ..................................................................................... 47 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 48 ANEXO A - Protocolo CEUA ............................................................... 67 19 20 1 INTRODUÇÃO 1.1 ERROS INATOS DO METABOLISMO O conceito de erros inatos do metabolismo (EIM) foi apresentado em 1908, por Archibald Garrod, ao publicar seus estudos sobre distúrbios metabólicos, incluindo o albinismo, alcaptonúria, cistinúria e pentosúria. Garrod relacionou o defeito de uma enzima com o defeito em um único gene, observando que as doenças metabólicas estudadas eram transmitidas em conformidade com as leis de Mendel (Rose et al., 1962). Erros inatos do metabolismo (EIM) incluem doenças hereditárias bioquímicas, na maioria das vezes, de herança autossômica recessiva, ocasionadas pela deficiência de uma enzima específica, determinando o bloqueio de uma via metabólica e interferindo no metabolismo normal de proteínas, carboidratos ou gorduras. Este bloqueio leva ao acúmulo do substrato inicial, deficiência do produto da reação ou desvio da rota metabólica alternativa, originando assim, a formação de outro produto final (Araújo, 2004). No refere-se à manifestação clínica, as crianças portadoras de muitos EIM, parecem perfeitamente normais ao nascimento. Os sintomas aparecem quando há alteração, por fatores exógenos, do equilíbrio bioquímico mantido até determinado momento pela criança (Jardim e Ashton-Prolla, 1996; Fumero, 2003), sendo a disfunção neurológica a sintomatologia mais comum, caracterizando entre eles na regressão neurológica, convulsões, coma, ataxia, hipotonia, hipertonia, irritabilidade, tremores, tetraparesia espástica, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, etc. Se não forem tratados, estes distúrbios metabólicos podem levar a uma série de consequências clínicas e no desenvolvimento, sendo que um grande número de casos tem desenlace fatal ainda no primeiro ano de vida, enquanto que os pacientes que sobrevivem aos estágios iniciais da doença apresentam um grau variável de retardo mental e outras sequelas neurológicas (Scriver, 2001; Camp et al., 2012), Os principais sinais e sintomas dos EIM são vômitos, diarreia, hiperamonemia, hepatomegalia, icterícia, odor anormal na urina, recusa alimentar, coma, letargia, convulsão entre outros, e seu diagnóstico é feito através de exames laboratoriais e determinação da atividade enzimática (Ferferbaum et al., 1994; Wajner et al., 2002). Apesar da incidência isolada de cada uma das doenças metabólicas ser 21 relativamente pequena, foram descritos cerca de 500 distúrbios (Sanseverino et al., 2000; Scriver et al., 2001; Araújo, 2004), a maioria deles envolvendo processos de síntese, degradação, transporte e armazenamento de moléculas no organismo (Scriver et al., 2001). Sua prevalência é estimada em aproximadamente 1/5000 nascidos vivos (Martins, 2003). Entretanto, deve ser considerado que estes números baixos podem representar a raridade dos distúrbios e especialmente, a subestimação de seu diagnóstico. 1.2 DOENÇA DA URINA DO XAROPE DO BORDO 1.2.1 Histórico A Doença da Urina do Xarope do Bordo (DXB; Cetoacidúria de cadeia ramificada) foi descrita pela primeira vez em 1954, por Menkes e colaboradores ao analisarem uma doença degenerativa cerebral em quatro membros de uma mesma família. Os sintomas neurodegenerativos apareciam na primeira semana de vida com desfecho fatal durante os três meses seguintes. O odor de açúcar queimado na urina era a principal característica encontrada nos quatro pacientes, o que originou o nome da doença (Chuang e Shih, 2001). Mackenzie et al. (1959), questionaram o nome dado à doença, pois não havia nenhuma razão lógica escolher um nome de outra substância, no caso o xarope extraído de plantas do gênero Acer, para fornecer o nome para a doença. Westall et al. (1957), observaram outro paciente e encontraram altas concentrações dos aminoácidos de cadeia ramificada (AACR) (leucina, isoleucina e valina). Estudos posteriores demonstraram que além do acúmulo dos AACR, ocorre o acúmulo de seus correspondentes α-cetoácidos (HCR) e hidroxiderivativos (HCR). Observando-se assim, que o bloqueio metabólico ocorria na segunda etapa do metabolismo dos AACR, ou seja, na descarboxilação oxidativa dos α-cetoácidos (Dancis et al., 1960; Patrick, 1961). A incidência da DXB na população em geral é de 1 para 185.000 nascidos vivos, tendo uma alta prevalência (1:200 nascimentos) em Menonitas, uma população dos condados de Lancaster e Lebanon no estado da Pensilvânia/EUA, devido às altas taxas de casamentos consanguíneos (Aevarsson et al., 2000). 22 1.2.2 Etiologia A DXB é uma doença metabólica de herança autossômica recessiva resultante de uma deficiência no complexo α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada (CDCCR; E.C.1.2.4.4), uma enzima mitocondrial envolvida na via de degradação de (AACR), provocando o acúmulo de leucina (Leu), isoleucina (Ileu), valina (Val), bem como de seus respectivos correspondentes α-cetoácidos (CCR): ácido αcetoisocapróico (CIC), ácido α-ceto-β-metilvalérico (CMV) e ácido αcetoisovalérico (CIV), em tecidos e fluidos corporais. Também são encontrados em concentrações elevadas os hidroxiderivativos correspondentes (HCR) ácido α-hidroxiisocapróico (HIC), ácido αhidroxiisovalérico (HIV) e ácido 2-hidroxi-3-metilvalérico (HMV) (Mackenzie e Woolf 1959; Treacy et al., 1992). Pelo menos quatro genes podem estar envolvidos com a doença: o gene BCKDHA localizado no cromossomo 19q13.1-q13.2, o gene BCKDHB localizado no cromossomo 6p21-q22, o gene DBT localizado no cromossomo 1p31 e o gene DLD localizado no cromossomo 7q31q32 (Chuang e Shih, 2001; Joshi et al., 2006). 1.2.3 Metabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada (AACR) A via catabólica dos AACR inicia com o transporte destes aminoácidos para dentro da célula através do sistema do sistema Ltransportador Na+-independente, localizado na membrana plasmática. Dentro da célula, os AACR compartilham as três primeiras etapas para sua oxidação. A primeira etapa é a transaminação reversível pela aminotransferase de cadeia ramificada, citosólicas ou mitocondriais, produzindo os CCR; CIC da leucina, CMV da isoleucina e CIV da valina. Na segunda etapa os CCR são translocados para o interior mitocondrial onde sofrem descarboxilação oxidativa irreversível catalisada pelo CDCCR. Nesta mesma via metabólica, os CCR originam seus hidroxiácidos: HIC, HIV e HMV, que sofrem desidrogenação pelas desidrogenases acil-CoA específicas na terceira etapa do metabolismo dos AACR. Estas reações produzem os respectivos acil CoA de cadeia ramificada que são metabolizados por vias distintas. Os produtos finais do catabolismo da leucina são a acetil CoA e o acetoacetato, da valina, succinil CoA e da isoleucina, acetil CoA e succinil CoA. Após essas três etapas, o caminho dos produtos originados a partir dos AACR diverge (Figura 1) (Chuang e Shih, 2001). 23 DCCR (desidrogenase dos AACR) juntamente com piruvato desidrogenase e α-cetoglutarato desidrogenase formam um grupo de complexos de desidrogenases de α-cetoácidos que apresentam estrutura e função similares. O CDCCR é um complexo enzimático localizado na membrana interna mitocondrial de mamíferos, compreendendo três componentes catalíticos: α-cetoácido descarboxilase de cadeia ramificada (E1), dihidrolipoil transacilase (E2), que são específicos do DCCR e dihidrolipoamida desidrogenase (E3), que é comum aos outros dois complexos multienzimáticos (Reed e Hackert, 1990; Chuang e Shih, 2001), além de duas enzimas regulatórias: uma quinase e uma fosfatase específicas (BCKD-quinase/BCKD-fosfatase), que regulam a atividade do complexo através dos ciclos de fosforilação e desfosforilação (Harris et al., 1995; Harris et al., 2004). Um defeito em um desses componentes resulta na deficiência da DCCR e consequentemente no acúmulo dos AACR e seus CCR. O E1 catalisa a descarboxilação dos CCR mediada pela tiamina pirofosfatase (Treacy et al., 1992; Li et al., 2004; Nakai et al., 2004), reduzindo a molécula a lipoil, que é covalentemente ligada a E2. A molécula do lipoil reduzida e o domínio lipoil servem como um braço móvel para transferir o grupo acil do componente E1 para CoA, aumentando a quantidade de acil-CoA. Finalmente, o E3 que é ligado ao FAD reoxida o resíduo de dihidrolipoil do componente E2 tendo o NAD+ como último aceptor de elétrons. O resultado final da reação da DCCR é a produção de acil-CoA de cadeia ramificada, CO2 e NADH (Danner et al., 1979). 24 Figura 1 - Via metabólica dos AACR, leucina, isoleucina e valina. As duas primeiras reações comuns são catalisadas pelas seguintes enzimas: transaminação reversível pela aminotransferase dos AACR, descarboxilação oxidativa dos cetoácidos de cadeia ramificada e esterificação da coenzima A pelo complexo α-cetoácido desidrogenase. Em destaque a etapa em que a enzima é deficiente nos pacientes com DXB e os metabolitos que se acumulam nessa doença (Adaptado de Scriver et al., 2001). 1.2.4 Diagnóstico A identificação de concentrações plasmáticas e urinárias elevadas de leucina, isoleucina e valina e de seus respectivos α-cetoácidos através de cromatografia de aminoácidos e ácidos orgânicos, respectivamente, caracterizam a doença (Shigematsu et al., 1983). Os compostos que mais se acumulam nessa doença são a leucina e o CIC que atingem uma concentração plasmática de 5 mM (Tanaka e Rosenberg, 1983) e o HIV que se encontra em níveis de 1 mM (Shigematsu et al., 1983; Treacy et al., 1992) no plasma dos pacientes durante as crises de descompensação metabólica. Além disso, a confirmação pode ser verificada quando os níveis de atividade enzimática do CDCCR estão diminuídos (Chace et al., 1995). A atividade da enzima pode ser medida em fibroblastos da pele, linfócitos ou biópsia de tecido do fígado (Schadewaldt et al.,1999; Schadewaldt et al., 2001). O diagnóstico também pode ser realizado através de espectrometria de massa em Tandem em testes de triagem neonatal para identificação precoce da DXB (Chace et al., 1995). Nos Estados Unidos e em outros países é utilizado um programa de triagem em massa para identificar neonatos com níveis plasmáticos de leucina acima de 2 mg/100 ml (153 μM), indicativos da doença (Danner e Elsas, 1989). 1.2.5 Fenótipos As manifestações clínicas da DXB são bastante variáveis e são diferenciadas conforme a idade, a severidade dos sintomas e a resposta ao tratamento com tiamina (Chuang e Shih, 2001). Os pacientes podem ser classificados em cinco fenótipos (clássico, intermediário, intermitente, tiamina-responsivo e dihidrolipoamida desidrogenase (E3) deficiente), dependendo da apresentação clínica, da tolerância à leucina e da atividade residual da enzima medida in vitro em fibroblastos da pele ou de leucócitos do sangue (Schadewaldt et al., 1998). 25 A forma clássica, fenótipo mais comum da doença (acomete cerca de 75% dos pacientes), é a mais grave e desenvolve-se rapidamente. A atividade enzimática do CDCCR está ausente ou apresenta apenas 2% da atividade normal. Os níveis de AACR, principalmente a leucina, aumentam de forma considerável no sangue, líquor e urina, e a presença de aloisoleucina é o que caracteriza este tipo de diagnóstico. Recém-nascidos afetados parecem normais ao nascimento, e os sintomas geralmente se desenvolvem entre os 4 e 7 dias de idade. Os sintomas incluem desde letargia, quadro de encefalopatia na fase neonatal, recusa alimentar, cetoacidose, retardo mental e psicomotor, hipotonia, hipertonia, hipoglicemia, convulsões e coma. Podem apresentar edema generalizado no sistema nervoso central, atrofiamento dos hemisférios cerebrais, degeneração da substância branca e mielinização tardia (Schönberger et al., 2004). A forma intermediária manifesta-se mais tarde, entre 5 meses e 7 anos de idade, apresentando os mesmos sintomas da doença clássica quando em crises de descompensação metabólica. A atividade residual da enzima é geralmente maior que a da forma clássica, em torno de 3 a 30% do normal (Chuang e Shih, 2001). Pacientes com a forma intermitente apresentam desenvolvimento neuropsicomotor normal, entretanto, apresentam alto risco de descompensação metabólica durante situações de estresse. A atividade do CDCCR varia de 5 a 20% do normal. Quando assintomáticos os níveis plasmáticos dos AACR são normais. O início dos sintomas ocorre entre os cinco meses e os dois anos de idade, associados normalmente a algum tipo de infecção (Chuang e Shih, 2001). Os pacientes com a forma responsiva à tiamina geralmente não apresentam doença neonatal aguda, o curso inicial da doença se define por atraso no desenvolvimento psicomotor. A concentração plasmática dos AACR é cerca de 5 vezes maior que o normal, sendo que a administração de tiamina associada à dieta restrita em proteínas pode reduzir à valores normais. As doses de tiamina utilizadas variam de 10 a 1000 mg/dia. A atividade da enzima está em torno de 30 a 40% do normal (Chuang e Shih, 2001). A forma Dihidrolipoil Desidrogenase (E3)-Deficiente é um distúrbio raro, visto que menos de vinte pacientes foram descritos com este fenótipo. Os pacientes geralmente não apresentam sintomatologia nos primeiros meses de vida. O fenótipo clínico é similar ao da forma intermediária, mas é acompanhada de acidose lática severa, que surge normalmente entre 8 semanas e 6 meses de idade, ocorrendo 26 deterioração neurológica progressiva, incluindo hipotonia. Os níveis de lactato, piruvato, α-cetoglutarato, α-hidroxiisovalerato e αhidroxiglutarato estão aumentados. Os níveis dos AACR estão levemente ou moderadamente aumentados no plasma se comparados com os pacientes com a forma clássica. Esses pacientes têm uma deficiência das três enzimas desidrogenases em que E3 e um componente (piruvato, α-cetoglutarato e o CDCCR (Taylor et al., 1978; Chuang e Shih, 2001). O prognóstico é ruim nos pacientes não tratados, devido às crises metabólicas contínuas e deterioração neurológica, a maioria dos pacientes morre nos primeiros meses de vida (Chuang e Shih, 2001). 1.2.6 Fisiopatologia Os mecanismos tóxicos dos metabólitos acumulados na DXB ainda não estão completamente esclarecidos, porém estudos demonstraram associação entre o aumento nas concentrações plasmáticas (cerca de 5,0mM) da leucina e/ou seu α-cetoácido com o aparecimento dos sintomas neurológicos, e aumento da isoleucina associado com o odor de xarope do bordo na urina dos pacientes que receberam administração individual dos AACR (Chuang e Shih, 2001; Zinnanti et al., 2009). Sequelas neurológicas estão presentes na maioria dos pacientes, mas os mecanismos subjacentes à neurotoxicidade deste distúrbio ainda não são claros. (Zinnanti et al., 2009). Apesar da fisiopatologia do dano neurológico em DXB não ser claramente compreendida, modificações radiológicas estão bem descritas. O padrão típico da doença se inicia com um evidente edema cerebral na primeira semana de vida, avançando para um edema localizado mais grave, envolvendo o tronco cerebral dorsal, os pedúnculos cerebrais e a cápsula interna (Brismar et al., 1990). Dentre os α-cetoácidos acumulados na doença, o CIC é considerado o mais tóxico. Ele inibe o consumo de oxigênio em cérebro de ratos, a oxidação do 3-hidroxibutirato além de provocar deficiência na formação de mielina no cerebelo de ratos (Gibson e Blass, 1976). A elevação sérica de leucina e CIC no espaço extracelular também altera a concentração dos aminoácidos transportados pelo transportador dos aminoácidos neutros de cadeia longa (sistema L) no SNC, que incluem a metionina, valina, isoleucina, triptofano, tirosina, fenilalanina e glutamina (Araújo et al., 2001), podendo afetar a biossíntese de alguns 27 neurotransmissores cerebrais como as catecolaminas e a serotonina (Huang et al., 1996; Zielke et al., 1996) e também levar a deficiência de mielina (Appel, 1966; Taketomi et al. 1983; Tribble e Shapira 1983; Treacy et al. 1992), contribuindo para o desenvolvimento da lesão cerebral. Estudos em ratos com a forma intermediária da DXB juntamente com uma dieta rica em proteínas mostraram que o início dos sintomas comportamentais foi concomitante à depleção de neurotransmissores e que os sintomas mais graves associavam a depleção de energia secundária às alterações no ciclo de Krebs (Zinnanti et al., 2009). Também tem sido demonstrado que os metabólitos tóxicos na DXB levam à apoptose de células neuronais (Jouvet et al., 2000), aumento da atividade da acetilcolinesterase no cérebro (Scaini et al., 2012a) e alteração nos níveis de neurotrofinas (Scaini et al., 2013a, 2013b). A leucina foi indicada como responsável pela hipoglicemia apresentada pelos pacientes com DXB, já que uma das suas propriedades é estimular a secreção de insulina (Panten et al., 1972). Por outro lado, foi demonstrado que os α-cetoácidos CIC, CIV e CMV inibem a oxidação da glicose e a síntese de acetilcolina, lipídios, proteínas, ácidos nucléicos, a enzima ácido graxo sintetase, a oxidação e transporte mitocondrial do piruvato (Gibson e Blass, 1976). Estudos também demonstraram que ocorre estresse oxidativo na DXB. Barschak et al. (2009) ao analisarem o plasma de pacientes com DXB sugeriram um aumento na produção de radicais livres e uma diminuição da atividade antioxidante, gerando estresse oxidativo. Bridi et al. (2003; 2005a; 2005b) verificaram que os AACR e seus respectivos CCR estimulam a lipoperoxidação, bem como reduzem as defesas antioxidantes em córtex cerebral de ratos. Fontella et al. (2002) apontaram que a lipoperoxidação em cérebro de ratos jovens é estimulada pelos aminoácidos, α-cetoácidos e α-hidroxiácidos acumulados na DXB. Um estudo realizado em modelo animal de DXB observou que a administração dos AACR causa danos ao DNA. Visto que o estresse oxidativo pode estar envolvido com o dano ao DNA, foi observado que o tratamento com antioxidantesN-acetilcisteína e deferoxamina foram capazes de evitá-los (Scaini et al., 2012b). 28 1.2.7 Tratamento O tratamento da DXB consiste em uma dieta restrita de AACR, com a finalidade de minimizar os efeitos do acúmulo destes metabólitos, principalmente no SNC. O tratamento deve ser iniciado o mais cedo possível e ainda no período neonatal (Snyderman et al., 1964). É realizada a administração de um leite especial com concentrações dos AACR diminuídas, porém rico em gordura, vitaminas e minerais, a fim de normalizar as concentrações destes aminoácidos no sangue e minimizar a acumulação dos mesmos (Westall, 1963). Além disso, no início do tratamento é empregada uma terapia com tiamina (50 a 300 mg/dia) por três semanas, para a detecção de pacientes com a doença tiamina-responsíveis (Chuang e Shih, 2001). Quando o acúmulo dos AACR e dos seus respectivos CCR gera o comprometimento da função cerebral, denominada fase aguda, é indicado um tratamento mais agressivo, pois a melhora clínica só é possível quando o catabolismo for invertido. Para o controle das crises metabólicas, três medidas podem ser tomadas: remoção dos metabólitos tóxicos; promover suporte nutricional adequado e minimizar o catabolismo e/ou promover o anabolismo (Chuang e Shih, 2001). De acordo com Jan et al. (1994) a remoção dos metabólitos pode ser realizada por diálise peritoneal ou transfusão sanguínea com aparente melhora no quadro neurológico. A terapia com nutrição parenteral inclui uma mistura de AACR em combinação com glicose, lipídios, eletrólitos e vitaminas a fim de proporcionar uma nutrição balanceada. Esta preparação é utilizada isolada na descompensação metabólica moderada ou em combinação com outras terapias na descompensação metabólica severa. Uma terapia alternativa consiste em evitar o estado catabólico com administração de insulina e glicose (Rogers et al., 1962; Wendel, et al., 1982). O transplante de fígado, órgão em que se encontra a principal atividade do CDCCR, também pode ser indicado em alguns casos (Strauss et al., 1993; Jan et al., 1994; Serra et al., 2010; Muelly, et al., 2013). 1.3 BIOGÊNESE MITOCONDRIAL As mitocôndrias apresentam herança materna (Anderson et al., 1981) e material genético próprio, sendo seu ácido desoxirribonucleico mitocondrial (mtDNA) o responsável por sintetizar 13 polipeptídios essenciais para a atividade mitocondrial (Shadel e Clayton, 1997), 29 enquanto que o ácido desoxirribonucleico nuclear (nDNA) codifica a maioria das proteínas da cadeia respiratória e todas as enzimas e proteínas que regulam a replicação e transcrição do mtDNA (Jeng et al., 2008). As mitocôndrias têm um papel importante na homeostase, no metabolismo energético e na morte celular programada (Chiaratti et al., 2010). A capacidade de fosforilação oxidativa nesta organela é determinada por uma associação dos genes mitocondriais e nucleares (Jeng et al., 2008), portanto, o controle da biogênese e da função mitocondrial é dependente de um processo extremamente complexo que exige uma variedade de mecanismos regulatórios coordenados (Garesse e Vallejo, 2001). As mitocôndrias são organelas estruturalmente complexas, bioquimicamente ativas e dinamicamente imóveis. O número de mitocôndrias por célula varia entre centenas a milhares, dependendo do tipo de célula, e realizam uma grande variedade de funções, incluindo, mas não limitado à produção de ATP, a biossíntese de aminoácidos, o tamponamento dos íons específicos e domínio de ERO (McBride et al., 2006; Shetty et al., 2012) As mudanças adaptativas na quantidade de mitocôndrias requer, sobre o controle celular, a capacidade de detectar a necessidade de produção adicional de energia mitocondrial, seguida pelo desencadeamento de vias de sinalização que resultarão em um aumento da expressão de genes para a formação de novas mitocôndrias na célula (Clementi e Nisoli, 2005). O processo da biogênese mitocondrial é complexo, visto que a mitocôndria é derivada de genomas nucleares e mitocondriais (Hood, 2009). Diferentes estímulos, como a ativação simpática, a queda da temperatura corporal, ERO, restrição calórica, entre outros, podem ativar a biogênese mitocondrial (Nisoli et. al., 2003; Nisoli, 2008; Hood, 2009; Kowaltowski et. al., 2009), através de várias vias de sinalização celular, principalmente dependente de cAMP/PKA, NO/cGMP, Ca2+/CaMKIV ou AMPK, regulando a expressão e/ou a ativação do PGC-1α, que por sua vez, também pode ser regulado em nível pós-transcricional por fosforilação, acetilação, ubiquitinação, metilação e N-acetilglicosaminação (Fernandez-Marcos e Auwerx, 2011). A biogênese mitocondrial baseia-se na regulação da expressão de um grande número de genes, residentes em grande parte no genoma nuclear, uma vez que a capacidade do mtDNA de codificar proteínas limita-se a 13 subunidades da CTE. Os fatores de regulação nucleares 30 possuem um papel importante no comando das interações entre o núcleo e as mitocôndrias (Hood, 2001). As proteínas mitocondriais codificadas por genes nucleares incluem as envolvidas no controle do potencial de membrana mitocondrial e fluxo de íons, produção de ATP, cisão e fissão. Estas proteínas codificadas em nDNA são importadas para dentro da mitocôndria, onde são enviadas para seus locais de atuação (Andersson e Scarpulla, 2001), podendo participar no processo de alteração de alguns fatores de transcrição do DNA que atuam no núcleo, inibindo ou aumentando a capacidade de transcrição de genes (Bergeron et al., 2001; Sakamoto e Goodyear, 2002; Sandri et al., 2004), e podem agir como fatores estabilizadores do mtRNA que atuam no citosol, resultando no aumento da expressão do ácido ribonucleico mensageiro (mRNA) de proteínas mitocondriais codificadas pelo núcleo (Hood, 2001; Adhihetty et al., 2003; Irrcher et al., 2003). Um número reduzido destas proteínas inclui fatores de transcrição que atuam diretamente no mtDNA, aumentando a expressão de mRNA para a síntese de algumas proteínas dos complexos da CTE e outras enzimas mitocondriais (Ascensao e Magalhaes, 2006). O mtDNA pode replicar-se independentemente do nDNA, e está presente em todas as células do corpo (Lightowlers et al., 1997). A sua replicação requer a presença de DNA polimerase (Pol), enzima que realiza todas as atividades necessárias para a replicação do mtDNA e reparação do genoma mitocondrial (Clay Montier et al., 2009), além de uma única proteína de ligação de cadeia simples (SSB), que facilita a atividade de Pol e TFAM (Ojuka et al., 2002). O PGC-1α é uma proteína reguladora de uma diversidade de processos metabólicos, incluindo a formação de novas mitocôndrias nos músculos esqueléticos e coração, assim como o controle da β-oxidação mitocondrial (Lin et. al., 2005; Silveira et. al., 2006), e a resposta celular ao stress oxidativo (St Pierre et. al., 2006). PGC-1α é um fator de transcrição chave envolvido na primeira etapa da biogênese mitocondrial, pela interação funcional com vários fatores de transcrição que regulam a expressão de genes nucleares que codificam proteínas mitocondriais (Puigserver et al., 1998; Andersson e Scarpulla, 2001; Kressler et al., 2002; Lin et al., 2002; Viña, 2009). A modulação da atividade de PGC-1α dentro da célula leva a um fino ajuste da função mitocondrial em resposta às necessidades metabólicas específicas (Lin et al., 2005). O PGC-1α é expresso em níveis elevados em células ricas em mitocôndrias com altas demandas de energia, 31 incluindo miócitos cardíacos, células de músculos esqueléticos e neurônios (Andersson e Scarpulla, 2001). O fator nuclear respiratório-1 (NRF-1) é um fator de transcrição nuclear que contribui a replicação e transcrição do DNAmt e também para a função e expressão da cadeia respiratória (Scarpulla, 1997). NRF-1 e NRF-2 regulam expressão da maioria de genes nucleares envolvidos na biogênese mitocondrial, tal como os genes que codificam subunidades dos complexos respiratórios, fatores de transcrição mitocondrial A (TFAM), B1 (TFB1M) e B2 (TFB2M), os fatores de replicação mitocondrial como a proteína de ligação de cadeia simples (SSB) e outras necessárias para a função mitocondrial (Alcolea et al. 2007). O TFAM dentre os fatores codificadores nucleares, é considerado o mais importante no controle da replicação e transcrição do DNAmt (Smith et al., 2005). Esta proteína tem função dependente da sua concentração, e outra função citada é o empacotamento do DNAmt (Alcolea et al. 2007), tendo sido implicado também na manutenção da estrutura e função mitocondrial em números estudos (Takamatsu et al, 2002; Ekstrand et al, 2004). A síntese do TFAM ocorre no núcleo sendo após importado para a mitocôndria onde parece dar condições para a transcrição do DNAmt (Scarpulla, 1997). Para induzir mRNA de subunidades respiratórias, PGC-1α aumenta os níveis de proteínas da citocromo C oxidase (COX ou complexo IV) e citocromo C, assim como o nível de estabilidade do mtDNA. PGC-1α pode também aumentar a expressão de genes da via de oxidação de ácidos graxos mitocondriais (Vega et al., 2000). O PGC-1α interage com o NRF-1, que por sua vez ativa a síntese de proteínas mitocondriais, incluindo o citocromo C e componentes dos complexos da CTE (Scarpulla, 2002; Gleyzer et al., 2005). Além disso, a PGC-1α estimula a transcrição de muitos genes mitocondriais, bem como o TFAM, uma proteína da matriz mitocondrial reguladora da replicação e transcrição do mtDNA (Clayton, 1991; Parisi e Clayton, 1991; Virbasius e Scarpulla, 1994; Viña, 2009), garantindo o balanço entre as proteínas codificadas pelo núcleo e as proteínas codificadas pelas mitocôndrias, necessário para a correta estruturação dos complexos respiratórios (Figura 2) (Liang e Ward, 2006). 32 Figura 2 - Representação esquemática da síntese de novas mitocôndrias. A biogênese mitocondrial ocorre com a ativação de PGC-1α, que auto regula sua própria transcrição e se liga à região promotora de seus genes alvos como os fatores respiratórios nucleares 1 e 2 (NRF-1 e NRF-2), conhecidos reguladores do processo de transcrição e replicação mitocondrial, estimulando sua expressão. Com maior importância, NRF-1 trans-ativa genes codificadores nucleares codificando proteínas destinadas à mitocôndria como o fator de transcrição mitocondrial A (TFAM), o qual requer a entrada na organela e participa da replicação e transcrição do DNA mitocondrial (Viña, 2009). 33 2 JUSTIFICATIVA Amaral et al. (2010) verificaram que CIC e leucina inibiram o metabolismo mitocondrial, mostrando que o acúmulo destes metabólitos pode comprometer a homeostase mitocondrial, estando envolvidos na neuropatologia da doença. Além disso, tem sido sugerido que CIC e o CIV levam a um déficit energético cerebral em pacientes com DXB, decorrente dos prejuízos na respiração celular em fatias de cérebro de ratos, bem como inibem a atividade do complexo piruvato desidrogenase e da enzima α-cetoglutarato desidrogenase em mitocôndrias (Howell e Lee, 1963; Danner e Elsas, 1989). Levando em conta que o acúmulo de metabólitos na DXB leva a disfunção bioenergética na mitocôndria (Howeel e Lee 1963; Danner e Elsas 1989; Pilla et al., 2003; Sgaravati et al., 2003; Ribeiro et al., 2008; Amaral et al., 2010; de Franceschi et al., 2013) e que os mecanismos exatos subjacentes da disfunção mitocondrial provocado por estes compostos não estão claramente elucidados, devido ao restrito número de pesquisas nesta área, o presente estudo tem como objetivo analisar a expressão de fatores de transcrição mitocondriais específicos em um modelo animal de DXB. 34 3 OBJETIVOS 3.1 OBJETIVO GERAL Investigar o efeito dos AACR acumulados na DXB sobre parâmetros de biogênese mitocondrial em cérebro de ratos durante o seu desenvolvimento. 3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Avaliar a expressão dos parâmetros de biogênese mitocondrial (NRF-1, PGC-1α e TFAM) em hipocampo, estriado e córtex cerebral de ratos de 10 e 30 dias de idade submetidos à administração aguda dos AACR acumulados na DXB; Avaliar a expressão dos parâmetros de biogênese mitocondrial (NRF-1, PGC-1α e TFAM) em hipocampo, estriado e córtex cerebral de ratos submetidos à administração crônica durante 21 dias (do 7º ao 28º dia de idade) com AACR acumulados na DXB. 35 4 METODOLOGIA Todos os procedimentos experimentais foram realizados de acordo com as recomendações internacionais para o cuidado e o uso de animais de laboratório, além das recomendações para o uso de animais do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA). A presente pesquisa foi realizada no Laboratório de Bioenergética da Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC e no Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Biociências, Porto Alegre, RS, Brasil. 4.1 ANIMAIS EXPERIMENTAIS Foram utilizados ratos machos Wistar, infantes (7 e 10 dias de idade) e jovens (30 dias de idade), provenientes do Biotério da Universidade do Extremo Sul Catarinense. Os animais foram mantidos em ambiente climatizado com temperatura entre 23° ± 1°C, com ciclos claro-escuro de 12 horas,livre acesso à água e alimentação padrão, sendoacondicionados 5 animais por caixa e mantidos com a mãe até a idade adequada. A utilização dos animais seguiu um protocolo experimental aprovado por um Comitê de Ética e seguiu os Princípios de Cuidados de Aninais de Laboratório (Principles of Laboratory Animal Care, Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América, NIH, publicação número 85-23, revisada em 1996) com a aprovação do Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade do Extremo Sul Catarinense, sob o protocolo número 111/2013-2 (Anexo A). 4.2 POOL DE AMINOÁCIDOS DE CADEIA RAMIFICADA Uma solução de AACR, contendo leucina (190 mmol/L), isoleucina (59 mmol/L) e valina (69 mmol/L), foi preparada no dia do experimento em solução salina (0,9%). 4.3 ADMINISTRAÇÃO DO POOL DE AACR (modelo animal da DXB quimicamente induzido) Os experimentos foram divididos da seguinte maneira: 36 Experimento 1: Administração aguda em ratos infantes (10 dias). Experimento 2: Administração aguda em ratos jovens (30 dias). Experimento 3: Administração crônica (7° ao 28° dia). Para administração aguda (Figura 3), ratos Wistar infantes (10 dias) e jovens (30 dias) receberam três administrações de um pool de AACR (15,8 µL/g de peso corporal), contento leucina (190 mmol/L), isoleucina (59 mmol/L) e valina (69 mmol/L), com intervalo de 1 hora entre as administrações, por via subcutânea (grupoDXB) Os animais do grupo controle foram submetidos ao mesmo protocolo, porém receberam solução salina 0,9% (Bridi et al., 2006). Para a administração crônica (Figura 4), ratos Wistar infantes (7 dias) receberam duas administrações diárias de um pool de AACR (15,8 µL/g de peso corporal), contento leucina (190 mmol/L), isoleucina (59 mmol/L) e valina (69 mmol/L), com intervalo de 12 horas entre as administrações, por via subcutânea, durante 21 dias (grupo DXB). Os animais do grupo controle foram submetidos ao mesmo protocolo, porém receberam solução salina 0,9%. Uma hora após a última administração (administração aguda) e doze horas após a última administração (administração crônica) os ratos sofrerameutanásia por decapitação, o cérebro foi removido e o córtex cerebral, hipocampo e estriado isolados e acondicionados no reagente Trizol® (Invitrogen, Carlsbad, California, USA) para posterior analises dos marcadores de biogênese mitocondrial. Figura 3: Representação esquemática da administração aguda dos AACR. 37 Figura 4: Representação esquemática da administração crônica dos AACR 4.4 EXPRESSÃO DE FATORES DE TRANSCRIÇÃO MITOCONDRIAL ESPECÍFICOS (NRF-1, PGC-1Α, E TFAM) A análise da expressão gênica foi realizada por PCR quantitativo em tempo real (RT-qPCR). O RNA foi extraído utilizando o reagente Trizol® (Invitrogen, Carlsbad, California, USA) de acordo com as instruções do fabricante. O RNA total foi quantificado por espectrofotometria (A260/280 nm) e depois tratado com Desoxirribonuclease I (Invitrogen), para eliminar a contaminação por DNA genômico, de acordo com as instruções do fabricante. O ácido desoxirribonucleico complementar (cDNA) de cada amostra foi sintetizado utilizando o kit “ImProm-II™ Reverse Transcription System” (Promega) a partir de 1 ug de RNA total, seguindo as instruções do fabricante. qPCR foi realizado utilizando SYBR® Green I (Invitrogen) para detectar a síntese de cDNA de cadeia dupla. As reações foram realizadas num volume de 25 µL, utilizando 12,5 µL de cDNA diluído, contendo uma concentração final de SYBR® Green I (Invitrogen) 0,2 X, dNTP 100 μM, PCR Buffer 1 X, MgCl2 3 mM, Platinum® Taq DNA Polimerase (Invitrogen) 0.25 U, betaína 5M (para Gapd (Bonefeld et al., 2008), Hprt1 (Bonefeld et al., 2008), Rpl13α (Bonefeld et al., 2008), PGC-1α e TFAM), 2% da reação de DMSO (para NRF-1 (Zhang et al., 2012) e 200 nM de cada iniciador direto e reverso (Tabela 2). As condições dos ciclos de PCR foram as seguintes: uma etapa inicial de ativação da polimerase durante 5 min a 95°C, 40 ciclos de 15 segundos a 95°C para desnaturação, 35 segundos a 60°C para recozimento e 15 segundos a 72°C para alongamento. Ao final do protocolo de ciclos uma análise de fusão da curva foi realizada, e a 38 fluorescência foi medida 60 a 99°C, mostrando em todos os casos um único pico. Gapd, Hprt1 e Rlp13α foram utilizados como genes de referência para normalização. Níveis de expressão relativa foram determinados com 7500 Fast Real-Time System Sequence Detection Software v.2.0.6 (Applied Biosystems). Os níveis de expressão relativa de mRNA foram determinadas utilizando o método 2-ΔΔCT. Tabela 1. Sequências dos iniciadores para as experiências de RT-qPCR incluídos no estudo Gene Iniciador Direto Iniciador Reverso Gapda 5’-GCTAAGCAGTTGGTGGTGCA-3’ 5’-TCACCACCATGGAGAAGGC-3’ Hprt1a 5’-GCAGACTTTGCTTTCCTTGG-3’ 5’-GCAGACTTTGCTTTCCTTGG-3’ Rlp13αa 5’-ACAAGAAAAAGCGGATGGTG-3’ 5’-TTCCGGTAATGGATCTTTGC-3’ NRF-1b 5’-TTACTCTGCTGTGGCTGATGG-3’ 5’-CCTCTGATGCTTGCGTCGTCT-3’ PGC-1αc 5’-CGTTACACCTGTGACGCTTTCGCTG-3’ 5’-CATACTTGCTCTTGGTGGAAGCAGG-3’ 5’-AATTGAAGCTTGTAAATCAGGCTTGG-3’ 5’-CGGATGAGATCACTTCGCCCAAC-3’ TFAM c De acordo com Bonefeld et al., 2008; Zhang et al., 2012; Macarini et al., 2014. 4.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA Os dados moleculares foram expressos em média ± D.P. (desvio padrão) e analisados através do programa GraphPad utilizando o teste t de Student para amostras não emparelhadas, realizadas em quadruplicata considerando-se p <0,05 como significância estatística. 39 5 RESULTADOS Primeiramente avaliou-se o efeito da administração aguda sobre a expressão gênica de PGC-1α, NRF-1 e TFAM em córtex cerebral, hipocampo e estriado de ratos com 10 dias de idade. Não houve diferença significativa entre o grupo teste e o grupo controle (Figura 3) em ambos os parâmetros gênicos e estruturas analisadas. Figura 5 - Efeito da administração aguda de AACR sobre níveis de mRNA dos genes PGC-1α (A), NRF-1 (B) e TFAM (C) em córtex cerebral, hipocampo e estriado de ratos com 10 dias de idade (n=04). Os resultados estão expressos em média ± DP. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos . 40 Após foi avaliado a expressão dos mesmos fatores gênicos em ratos com 30 dias de idade tratados de forma aguda nas mesmas estruturas cerebrais (córtex, hipocampo e estriado). Não foram encontradas alterações significativas em quaisquer tratamentos e parâmetros analisados (Figura 4). Figura 6 - Efeito da administração aguda de AACR sobre níveis de mRNA dos genes PGC-1α (A), NRF-1 (B) e TFAM (C) em córtex cerebral, hipocampo e estriado de ratos com 30 dias de idade (n=04). Os resultados estão expressos em média ± DP. Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos. 41 Por conseguinte, foi avaliada a expressão gênica em ratos tratados com AACR de forma crônica, onde foi observada uma diminuição significativa nos níveis de mRNA do gene NRF-1 no córtex cerebral (p=0,0355) e do gene TFAM em estriado (p=0,0352) dos animais submetidos a administração crônica dos AACR (Figura 5). Figura 7 - Efeito da administração crônica de AACR sobre níveis de mRNA dos genes PGC-1α (A), NRF-1 (B) e TFAM (C) em córtex cerebral, hipocampo e estriado de ratos (n=04). Os resultados estão expressos em média ± DP. O símbolo (*) indica diferença significativa de DXB quando comparada com solução salina, P≤0,05. 42 6 DISCUSSÃO A manutenção da biogênese mitocondrial e do mtDNA dependem de uma expressão coordenada de genes do núcleo a das mitocôndrias. Proteínas mitocondriais nucleares codificadas, tais como TFAM, TFB2 e a RNA polimerase mitocondrial (Polrmt) são convertidos no citosol importados na rede mitocondrial onde são enviados para seus locais de atuação (Chacinska et al., 2009). Uma variedade de sinais extracelulares e intracelulares transmitida por hormônios e segundos mensageiros devem estar integrados para fornecer células com um número adequado de mitocôndrias e mtDNA para atender sua demanda energética. Visto que a biogênese mitocondrial controla diretamente o número de cópias do mtDNA (Clay Montier et al., 2009), é possível que esta maquinaria possa estar alterada em ratos tratados cronicamente com AACR. As células respondem às lesões mitocondriais, aumentando a biogênese mitocondrial e esta é também dependente da regulada expressão de PGC-1α (Rasbach e Schnellmann, 2007; Rohas et al., 2007). PGC-1α é transcricionalmente ativado por PPARs, mTOR e CREB, levando a um aumento da biogênese mitocondrial. Em nível póstranslacional, PGC-1α é regulado por fosforilação e eventos de acetilação. A fosforilação dependente de AMPK ativa PGC-1α enquanto acetilação mediada por GCN5 inibe a atividade de PGC-1α (Dominy et al., 2010). A desacetilação de PGC-1α por NAD+ dependente SIRT1 promove biogênese mitocondrial e garante que a atividade de PGC-1α seja sensível tanto a energia, quanto ao equilíbrio redox da célula (Canto e Auwerx, 2011). Corroborando com estes dados, a não alteração de PGC-1α em ambas estruturas (córtex, estriado e hipocampo) e tratamentos (agudo e crônico) com AACR, pode estar relacionada com outras vias de ativação da biogênese não analisadas neste estudo, visto que a biogênese mitocondrial depende da atividade de uma hierarquia de fatores de transcrição nucleares, que inclui o PPARα, PPARγ, NRF-1, NRF-2, e receptores como ERRα, β, γ (Kelly e Scarpulla, 2004; Scarpulla et al., 2012). NRF-1 e NRF-2 modulam a expressão dos componentes da cadeia respiratória, tal como o citocromo C e subunidades COX além de genes antioxidantes, enquanto que os fatores de ERR regulam a expressão de genes envolvidos na oxidação dos ácidos graxos, o ciclo de Krebs, e fosforialação oxidativa (Scarpulla et al., 2012). Sabe-se que todos estes fatores de transcrição são criticamente dependentes para a sua atividade através do PGC-1α que, juntamente com as proteínas 43 PGC-1β e o PRC promove a biogênese mitocondrial, metabolismo celular e resposta antioxidantes através da ativação coordenada dos fatores de transcrição acima mencionados, incluindo NRF-2, ERRα e PPAR (Dominy et al., 2010; Scarpulla et al., 2012). Em comparação com nossos resultados, foi demonstrado que níveis de PRC estão elevados, juntamente com NRF-1 e TFAM em tireoide com tumores, caracterizadas por alta densidade mitocondrial, mas sem aumento de PGC-1α (Savagner et al., 2003). O aumento da expressão PRC é acompanhado por atividade elevada do citocromo C oxidase e conteúdo de mtDNA (Russell et al., 2005). Visto que estudos indicam que PRC também pode regular a função mitocondrial de modo semelhante à PCG-1α e interagir diretamente com NRF-1 (Andersson e Scarpulla, 2001; Wu et al., 1999), pode-se justificar uma diminuição isolada deste gente em córtex cerebral de ratos tratados cronicamente com AACR. Fontella et al. (2002) observaram que os aminoácidos, CCR e HCR acumulados na DXB estimulam a lipoperoxidação em cérebro de ratos jovens. Davies (1995) sugere que o aumento da lipoperoxidação e a diminuição da capacidade de lidar com os radicais livres, observados nos pacientes com DXB antes do tratamento, podem resultar em estresse oxidativo. Em adição, foi proposto que ERO e os radicais livres gerados a partir da cadeia respiratória estão envolvidos na sinalização das mitocôndrias para o núcleo (Lee e Wei, 2005), podendo interferir na expressão de genes mitocondriais. Corroborando com estes resultados, Mescka et al. (2011) demonstraram que a administração de AACR provocou lipoperoxidação, danos à proteínas e alteração na atividade da catalase e glutationa peroxidase em um modelo induzido de DXB. Levando em consideração que o tratamento crônico com AACR em nosso estudo levou à alterações na expressão de alguns genes mitocondriais (NRF-1 em córtex e TFAM em estriado) e que pacientes com DXB possuem aumento no estresse oxidativo, foi relatado que o aumento crônico na produção de ERO associa-se com o dano e disfunção mitocondrial, podendo levar à um ciclo de declínio funcional da mitocôndria (Sharma et al., 2013) Visto que as mitocôndrias não possuem o complexo de organização da cromatina constituída por proteínas histonas que poderiam servir como uma barreira protetora contra ERO e que o mtDNA tem capacidade limitada de reparação contra danos ao DNA, Sharma et al. (2013) postulou que a mitocôndria pode ser danificada por ERO, sendo o mtDNA um grande alvo, ocorrendo assim, um declínio 44 nas transcrições de mtRNA, síntese de proteínas e da função mitocondrial, devido à lesão nesta organela. Miranda et al. (1999) encontraram evidências para justificar que ERO poderia atuar como segundos mensageiros na regulação dos fatores de transcrição nucleares responsáveis pela biogênese mitocondrial. Levando em consideração que um dos mecanismos celulares que controlam a transcrição e replicação mitocondrial é o TFAM (Garstka et al., 1994; Montoya et al., 1997; Weber et al., 2004), e que elevações crônicas no estresse oxidativo podem causar dano cumulativo e irreversível de proteínas mitocondriais, lipídios e ácidos nucleicos, prejudicando a função mitocondrial e podendo levar a mais aumento na produção de ERO, exacerbando o dano intracelular (Larsson, 2010; Calvani et al., 2013), a diminuição deste gene em estriado e NRF-1 em córtex cerebral pode ser explicada em parte por danos a estas proteínas mitocondriais, observadas após administração de AACR. Dentro de certo nível, ERO podem induzir respostas ao estresse, alterando a expressão de genes nucleares específicos para manter o metabolismo de energia celular. Uma vez que para além do limiar, ERO pode causar dano oxidativo ao mtDNA e outros componentes das células afetadas e provocar apoptose por indução da transição de permeabilidade mitocondrial e liberação de proteínas pró-apoptóticas, como o citocromo C (Chernyak e Bernardi, 1996). Scrapulla (1997) e St. John (2010) postularam que a diminuição da quantidade de cópias de mtDNA leva ao aumento da expressão do TFAM. Já Schauen (2006) declarou que o TFAM é um gene que representa a quantidade de cópias de mtDNA de uma célula, portanto, a baixa expressão de TFAM em estriado encontrado em nossos resultados poderiam evidenciar, pelo menos em parte, uma baixa quantidade de mtDNA no estriado de ratos submetidos à administração crônica de AACR. Em acréscimo a estes resultados, após análise do nível de expressão do gene mitocondrial, Escrivá et al. (1999) encontraram diminuição na transcrição de TFAM em testículos de ratos juntamente com o aumento de NRF-1 e NRF-2, sugerindo que haja outros mecanismos pós-transcricionais específicos em diferentes tecidos que controlam a expressão destes fatores de transcrição de proteínas. Visto que as altas concentrações dos AACR e dos CACR causam déficit no metabolismo energético através da inibição da cadeia transportadora de elétrons (Sgaravatti et al., 2003), foram relatados problemas relacionados à ATPase e à cadeia respiratória causando prejuízos em funções celulares e teciduais (Marusich et al., 1997). O 45 baixo número de cópias de mtDNA já foi relacionado com diversos tipos de células que apresentavam disfunção mitocondrial e características celulares alteradas. Essa alteração na quantidade de cópias de mtDNA está amplamente associada a vários distúrbios, incluindo o estresse oxidativo (Jeng et al., 2008) e a síntese de ATP comprometida quando o mtDNA sofre mutações (Chiaratti et al., 2010). Foi descrito que os AACR inibem a atividade dos complexos I (50%) e IV (30%) da cadeia respiratória, respectivamente, em homogeneizado de córtex cerebral de ratos (Sgaravatti et al., 2003; Ribeiro et al., 2008). Entretanto, um grau maior de inibição desses complexos seria necessário para que houvesse uma alteração da velocidade da respiração mitocondrial (Davey e Clark, 1996; Rossignol et al., 2003), podendo sugerir as isoladas alterações na expressão dos genes mitocondriais em nosso estudo. Considerando que Chiaratti et al. (2010) constataram que o número de cópias de mtDNA na célula relaciona-se com a capacidade de produção de ATP e que essa síntese pode ser comprometida quando ocorre mutações no mtDNA, e que as alterações morfológicas encontradas em astrócitos de córtex cerebral de ratos tratados com AACR relacionaram com a alteração do metabolismo de energia no sistema nervoso central (Funchal et al., 2005), é possível especular que a inibição de TFAM em estriado após administração crônica de AACR, poderia contribuir, ao menos em parte, para justificar a alteração da homeostase energética cerebral encontrada nesta doença, visto que o TFAM participa na replicação e transcrição de proteínas, podendo assim, alterar a síntese e codificação de proteínas da CTE. Em conjunto, Mello et al. (1999) demonstraram déficit de comportamento e déficit no aprendizado/memória na idade adulta, em ratos tratados de forma crônica com leucina, indicando que os altos níveis deste aminoácido podem contribuir para a deterioração neurológica observada na DXB. A justificativa exata responsável pela diferença entre os efeitos agudos e crônicos não é conhecida, mas sugere-se que as diferenças podem ser devido aos mecanismos de reparo mitocondrial. Em conjunto, Scaini et al. (2012b) também observaram que a administração aguda em ratos de 10 dias de idade não provocou danos ao DNA no estriado, córtex cerebral e no sangue. Já a administração crônica de AACR aumentou a frequência e índice de danos ao DNA no hipocampo e estriado. Visto que estudos sugerem que as regiões do cérebro respondem de forma diferente, sugere-se que as alterações no córtex cerebral e estriado, e não no hipocampo, podem ser devido ao aumento da 46 vulnerabilidade nestes locais em responder às disfunções mitocondriais e ao estresse oxidativo (Wilde et al., 1997; Wang et al., 2005). Em contraste com nosso estudo, foi demonstrado um aumento na atividade da acetilcolinesterase em córtex, estriado e hipocampo de ratos tratados de forma aguda com AACR, com idade de 10 e 30 dias, sendo que o tratamento antioxidante preveniu tal alteração (Scaini et al., 2012). Funchal et al. (2005) demonstraram uma alteração morfológica severa e reorganização do citoesqueleto pela valina em astrócitos de córtex cerebral de ratos, sabe-se que a viabilidade das células neurais é mantida através de uma rede complexa de rotas de sinalização que pode ser perturbada em resposta a diversos tipos de estresse celular, podendo levar à drásticas consequências no destino de uma célula. Esse processo envolve a ativação de cascatas de sinalização, que comprometeram a estrutura da mitocôndria, o metabolismo energético e a integridade nuclear (Morrison et al., 2002). Levando em conta que Bridi et al. (2003; 2005a; 2005b) verificaram que os AACR e os CACR estimulam a lipoperoxidação e reduzem as defesas antioxidantes, e que o CIC inibe a atividade da enzima glutationa peroxidase no córtex cerebral de ratos, em conjunto, nossos resultados mostram uma diminuição da atividade de NRF-1 em córtex cerebral, podendo sugerir que os mecanismos de modulação em resposta às disfunções mitocondriais e estresse oxidativo, estejam menos eficientes nessa região cerebral. 47 7 CONCLUSÃO Concluímos que a administração crônica de AACR leva à diminuição significativa da expressão gênica de TFAM em estriado e de NRF-1 em córtex cerebral de ratos jovens. Acreditamos que as alterações destes genes envolvidos na biogênese mitocondrial podem contribuir, ao menos em parte, para explicar a patogênese do dano cerebral associadas às altas concentrações plasmáticas dos metabólitos acumulados na DXB. Visto que a biogênese mitocondrial não está totalmente compreendida e um grande número de vias de sinalização ainda é desconhecida (Giegé, 2008), sugerimos que estas vias possam participar na regulação da expressão destes fatores de transcrição na mitocôndria, devido às possíveis alterações na homeostase desta organela. Por conseguinte, mais estudos são necessários para confirmar e melhor explicar as alterações e parâmetros da biogênese mitocondrial em pacientes com DXB. 48 REFERÊNCIAS Adhihetty PJ, Irrcher I, Joseph AM, Ljubicic V, Hood DA. Plasticity of skeletal muscle mitochondria in response to contractile activity. Exp Physiol 2003;88(1):99-107. Aevarsson A, Chuang JL, Wynn RM, Turley S, Chuang DT, Hol WG. Crystal structure of human branched-chain alpha-ketoacid dehydrogenase and the molecular basis of multienzyme complex deficiency in maple syrup urine disease. Structure 2000;8(3):277-91. Alcolea MP, Colom B, Lladó I, García-Palmer FJ, Gianotti M. 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