estudos culturais: relações entre infância, escola e mídia

Propaganda
ESTUDOS CULTURAIS: RELAÇÕES ENTRE INFÂNCIA, ESCOLA E MÍDIA
Milene dos Santos Figueiredo1
Elisete Medianeira Tomazetti2
Resumo:
Esse, trabalho, resultante de uma parte das discussões realizadas em uma pesquisa de
mestrado do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa
Maria, tem por objetivos compreender as relações estabelecidas entre a televisão e as
diferentes culturas infantis, assim como as formas com que docentes e escolas vêm buscando
integrar essa discussão em seus espaços pedagógicos de formação e ensino. Para tanto,
buscamos investigar professores de Educação Infantil de escolas públicas e particulares da
cidade de Santa Maria/RS, além de alunas na fase final da formação inicial do curso de
Pedagogia-Habilitação Educação Pré-escolar da UFSM. A pesquisa conta com um referencial
teórico-metodológico-político baseado nos Estudos Culturais, que busca, a partir da década de
60, compreender de outras formas as culturas e as relações de poder estabelecidas na
sociedade contemporânea. As discussões sobre cultura passam então a tomar uma posição de
centralidade na sociedade moderna, que para Hall (1997) podem ser justificadas pelo grande
crescimento e monopólio econômico das empresas ligadas à comunicação e entretenimento.
Essas empresas acabam gerando o que Moreira (2003) denomina de “oligopólios midiáticos”
e que resultam na formação de um grande “sistema midiático-cultural”. Esse sistema, ou
então, essa cultura midiática constitui-se como elemento-chave da cultura contemporânea, e
invade o cotidiano das mais diversas representações culturais. E, como um dos elementos de
maior difusão dessa cultura midiática temos a televisão, que predomina nos cenários infantis
através de programas destinados a sua faixa etária, mas que também povoa seus imaginários
constituindo suas noções de consumo, sexualidade, violência, entretenimento, etc., através dos
programas destinados ao público adulto. Investigamos assim as novas representações de
infância na sociedade atual, permeadas por aparatos tecnológicos, e, principalmente, de que
maneiras as escolas estão incorporando em seus currículos e ações pedagógicas o trabalho
voltado à mídia-educação, que busca uma leitura crítica das mensagens e imagens veiculadas
1
Pedagoga, Professora Substituta do Departamento de Metodologia de Ensino/MEN/CE/UFSM e Aluna do
Programa de Pós-graduação em Educação/ PPGE/UFSM. E-mail: [email protected]
2
Profª Drª do Departamento de Metodologia de Ensino/MEN/CE/UFSM e do Programa de Pós-graduação em
Educação/PPGE/UFSM. E-mail: [email protected]
2
tanto na televisão quanto nos jogos eletrônicos, nos sites de relacionamento da internet, nos
filmes, nas novas formas de escrita contemporânea...
Palavras-chave: Mídia. Educação Infantil. Culturas.
Introdução
As idéias que serão apresentadas no decorrer desse artigo são resultantes de uma parte
de uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, da
Universidade Federal de Santa Maria, ainda em andamento. Esse trabalho tem por objetivos
investigar a influência da televisão no trabalho de professores de Educação Infantil de escolas
de caráter público e privado da cidade de Santa Maria, assim como de acadêmicas do curso de
Pedagogia-Habilitação Educação Pré-escolar da UFSM.
No entanto, para tentarmos identificar que práticas educativas estão sendo tomadas
nos âmbitos escolares em relação a influência da televisão no cotidiano das crianças, é
necessário que possamos buscar profundamente a compreensão das relações estabelecidas, na
sociedade contemporânea, entre a cultura midiática e as culturas infantis.
Para tanto, utilizamos como referência teórico-metodológica-política o campo de
estudos denominado Estudos Culturais, que, a partir da década de 60, iniciou uma nova forma
de pensar a cultura e, principalmente, as relações de poder estabelecidas em seu interior.
A cultura, anteriormente às pesquisas desenvolvidas dentro da proposta dos Estudos
Culturais, era considerada como um fator de hierarquização da sociedade. Segundo teóricos
como Mathew Arnold e Frank Raymond Leavis, a cultura era uma forma de distinção entre “o
que melhor se tenha pensado no mundo”3, ou seja, a alta cultura e a cultura popular, que
segundo Arnold constituía-se como “a outra face de uma suposta verdadeira cultura” (Costa,
2004, p.16).
Ainda dentro dessa vertente de pensamento, o crítico literário Frank Raymond Leavis,
junto a seus seguidores, lançou trabalhos advertindo sobre o declínio cultural que ocorreria
diante os movimentos de democratização cultural e o avanço da cultura de massa, que
segundo ele acabaria levando a sociedade ao caos. A citação de Costa possibilita-nos entender
melhor o pensamento de Leavis e seus seguidores a respeito do processo de democratização
cultural conseqüentes da Revolução Industrial:
3
Expressão de Mathew Arnold, citada por Costa; Silveira; Sommer, 2003, p.37.
3
Para Leavis e seus seguidores, as mudanças decorrentes da Revolução
Industrial haviam fragmentado em duas a vigorosa cultura comum
inglesa dos séculos XVII e XVIII. De um lado estava a cultura das
minorias – “o que de melhor se havia pensado e dito” – e de outro, em
posição antagônica, estava a cultura de massas, uma cultura comercial
consumida pela maioria “inculta”. (Costa, 2004, p. 17-18)
Dentro dessa vertente de pensamento, a cultura popular ou cultura de massas nada
mais seria do que uma forma do declínio da sociedade, ou melhor, a expressão da inculturação
da grande maioria da população, que não possuía acesso às grandes obras da literatura e das
artes.
Esse panorama então começou a ser contestado com o surgimento de obras que
percebiam a cultura popular como parte integrante da cultura como um todo. São os chamados
Estudos Culturais, que iniciam seus estudos na Inglaterra, no final da década de 50, tendo
como obras inaugurais os trabalhos de Richard Hoggart – The uses of literacy (1957) e
Raymond Williams – Culture and society (1958). Mais tarde ainda, Edward P. Thompson
com a obra The making oh the english working class (1963) junta-se a eles compondo os
principais precursores dos Estudos Culturais britânicos. A institucionalização desse grupo de
pesquisas ocorre no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos – Centre for Contemporary
Cultural Studies, da Universidade de Birmingham, em 1964.
No entanto, a análise dos Estudos Culturais ganha destaque por tratar-se não somente
de um campo teórico, mas sim pela sua constituição política. Escosteguy diferencia as
vertentes adotadas pelos Estudos Culturais
Sob o ponto de vista político, os Estudos Culturais podem ser vistos
como sinônimo de correção política, podendo ser identificados como a
política cultural dos vários movimentos sociais da época do seu
surgimento. Sob a perspectiva teórica, refletem a insatisfação com os
limites
de
algumas
disciplinas,
propondo,
então,
a
interdisciplinaridade. (Escosteguy, 2004, p. 137).
Basicamente, podemos afirmar que os Estudos Culturais surgem não unívocos (devido
as diferentes abordagens das principais obras anteriormente citadas), com a intenção de
analisarem as relações entre o conjunto da produção cultural contemporânea e a sociedade, ou
seja, as formas como as práticas sociais dos indivíduos influenciam no comportamento e nas
relações entre os mesmos.
Após essa breve introdução sobre a história dos Estudos Culturais, podemos entender
que a cultura torna-se o centro das discussões e revoluciona a maneira como as questões
4
sociais vinham sendo explicadas. Veremos a seguir as justificativas para essa nova forma de
entendermos as relações na sociedade contemporânea, tendo como base os estudos das
diferentes culturas.
A “revolução cultural” da sociedade moderna
Stuart Hall, um dos mais importantes integrantes da Escola de Birmingham, destaca o
papel de centralidade das discussões culturais a partir da segunda metade do século XX
A cultura tem assumido uma função de importância sem igual no que
diz respeito à estrutura e à organização da sociedade moderna tardia,
aos processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à
disposição de seus recursos econômicos e materiais. Os meios de
produção, circulação e troca cultural, em particular, têm se expandido,
através das tecnologias e da revolução da informação. Uma proporção
ainda maior de recursos humanos, materiais e tecnológicos no mundo
inteiro são direcionados diretamente para esses setores. Ao mesmo
tempo, indiretamente, as indústrias culturais têm se tornado elementos
mediadores em muitos outros processos. (Hall, 1997, p.17)
Para Hall (1997), uma das grandes modificações que essa apropriação dos estudos
sobre a cultura traz é no sentido de que, somente as relações econômicas não são suficientes
para explicar e justificar tamanhas alterações. Hall (1997, p.17) justifica sua posição quando
questiona a distinção marxista entre superestrutura e base econômica e insere a presença da
mídia, que “é, ao mesmo tempo, uma parte crítica da infra-estrutura material das sociedades
modernas, e, também, um dos principais meios de circulação das idéias e imagens vigentes
nestas sociedades”.
Um exemplo dessa revolução nos espaços destinados à cultura tem sido o grande
crescimento e monopólio mundial das empresas ligadas a comunicação e entretenimento,
como, por exemplo, empresas de publicidade, cinema, música, televisão, informática,
esportes, telecomunicações, etc. Essas empresas acabam por ocupar o papel de grandes
responsáveis pela produção do capital mundial e formam o que Moreira (2003, p.1205)
denomina de “oligopólios midiáticos”. Ainda, segundo Moreira (2003), a grande influência e
o domínio desses oligopólios midiáticos constituem o que o autor denomina de um “sistema
midiático-cultural” (p.1207), sistema esse que evoca transformações profundas às
configurações culturais, ou seja, a formação da chamada “cultura midiática”.
5
Cultura midiática tem a ver com determinada visão de mundo, com
valores e comportamentos, com a absorção de padrões de gosto e de
consumo, com a internalização de “imagens de felicidade” e
promessas de realização para o ser humano, produzindo e
disseminando no capitalismo avançado por intermédio dos
conglomerados empresariais da comunicação e do entretenimento, e
principalmente por meio da publicidade. (Moreira, 2003, p. 1208).
Kellner (2001), estudioso sobre os efeitos e relações de poder da cultura midiática na
sociedade contemporânea, justifica o sentido de entendermos a apropriação do sistema
midiático como uma representação da cultura moderna
A expressão “cultura da mídia” também tem a vantagem de dizer que
a nossa é uma cultura da mídia, que a mídia colonizou a cultura, que
ela constitui o principal veículo de distribuição e disseminação da
cultura, que os meios de comunicação de massa suplantaram os modos
anteriores de cultura como o livro ou a palavra falada, que vivemos
num mundo no qual a mídia domina o lazer e a cultura. Ela é,
portanto, a forma dominante e o lugar da cultura nas sociedades
contemporâneas. (Kellner, 2001, p. 54)
E como elemento, aparato tecnológico constituinte desse sistema midiático e de grande
difusão nas residências brasileiras temos a televisão, que, segundo estatísticas da Pesquisa
Nacional por Amostras de Domicílios – PNDA/IBGE, do ano de 20044, constatou-se que
90,3% das residências brasileiras possuem pelo menos um aparelho de televisão em suas
residências. Esse dado não seria tão surpreendente se junto a ele não coincidisse a estatística
de que apenas 87, 4% das mesmas residências possuem uma geladeira.
Não apenas a grande distribuição de aparelhos de televisão, mas, principalmente, a
grande audiência dos seus programas e conteúdos, e no caso desse trabalho, enfaticamente
pela infância, é que entendemos e salientamos a relevância desse estudo, pela possibilidade de
analisarmos de que maneira se constituem as relações entre as infâncias e a televisão, e de que
maneiras a escola, integrante de uma cultura peculiar, estabelece mecanismos de leitura e
crítica diante a grande difusão dos aparatos tecnológicos que permeiam a sociedade – não
somente a televisão - mas também celulares, computadores, vídeo-game, internet, etc.
Para além de um eletrodoméstico: outras faces da televisão
4
Pesquisa
Nacional
por
Amostra
de
Domicílios
–
PNDA/IBGE.
Disponível
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2004/comentarios2004.pdf
em
6
Para a compreensão das outras faces da televisão em nossa cultura, buscamos a
referência de alguns autores que, há alguns anos vêm caminhando no sentido de entenderem
as relações estabelecidas entre a televisão e a formação dos sujeitos contemporâneos. Em seus
trabalhos podemos encontrar importantes justificativas para a compreensão do papel que a
televisão vem assumindo, não apenas como meio de comunicação e entretenimento, mas
também enquanto construtora de significados e sentidos, de noções de consumo, como base
na formação das identidades e subjetividades e ainda, em muitos casos, elemento exclusivo na
mediação dos sujeitos com o mundo.
Para Fischer (2001), por exemplo, a televisão ganha destaque como o principal
elemento difusor dos sentidos que construímos sobre a realidade
Defendo a tese de que a TV, na condição de meio de comunicação
social, ou de uma linguagem audiovisual específica ou ainda na
condição de simples eletrodoméstico que manuseamos e cujas
imagens cotidianamente consumimos, tem uma participação decisiva
na formação das pessoas – mais enfaticamente, na própria constituição
do sujeito contemporâneo. Pode-se dizer que a TV, ou seja, todo esse
complexo aparato cultural e econômico – de produção, veiculação e
consumo de imagens e sons, informação, publicidade e divertimento,
com uma linguagem própria – é parte integrante e fundamental de
processos de produção e circulação de significados e sentidos, os
quais por sua vez estão relacionados a modos de ser, a modos de
pensar, a modos de conhecer o mundo, de se relacionar com a vida.
(Fischer, 2001, p.15)
Ainda pensando na televisão enquanto produtora de sentidos, de noções de realidade,
Belloni (2001) nos indica que a televisão consegue produzir, nas diferentes culturas infantis,
certas formas de socialização e, assim, igualar-se à escola enquanto reprodutora dos saberes
acumulados e divulgadora dos elementos da realidade
A televisão tem um papel muito importante também na dimensão
semântica do processo de socialização na medida em que ela fornece
as significações (mitos, símbolos, representações), preenchendo o
universo simbólico das crianças com imagens irreais (representando
significações inexistentes no mundo vivido). Além disso, ela transmite
também o saber acumulado e informações sobre a atualidade,
fornecendo aos jovens uma certa representação do mundo. Ela
apresenta, ainda, as normas da integração social, o que é evidente nas
telenovelas e desenhos animados infantis, por exemplo, onde a “moral
da história” é muitas vexes explícita e recorrente. As significações
transmitidas pela televisão são apropriadas e reelaboradas pelas
7
crianças a partir de suas experiências e integram-se ao mundo vivido
no decorrer de novas experiências. (Belloni, 2001, p. 34)
Moreira (2003) traz ainda a discussão em relação ao papel que a televisão assume
enquanto instituição primária responsável pela produção de sentidos infantis. No entanto,
interessante perceber que, para o autor, a televisão ainda não tomou o papel da família, da
escola e da Igreja na função de construção das primeiras noções de educação e socialização
das crianças. Moreira, porém, destaca a penetração da televisão mesmo nessas instituições
primárias, o que nos leva a fortalecer nossas discussões diante a grande influência da televisão
no cotidiano infantil
Parece-me inequívoco que os diversos meios de comunicação exercem
hoje uma função pedagógica básica, a de socializar os indivíduos e de
transmitir-lhes os códigos de funcionamento do mundo. Sem dúvida
instituições como a família, a escola e a religião continuam sendo, em
graus variados, as fontes primárias da educação e da formação moral
das crianças. Mas a influência da mídia está presente também por
meio delas. A televisão, por exemplo, ocupa uma fatia considerável do
tempo das crianças, sobretudo em meios sociais carentes de fontes
alternativas de ocupação e lazer. (Moreira, 2003, p. 1216)
Ainda na perspectiva de compreendermos a grande difusão da televisão e suas
conseqüências enquanto um aparato tecnológico constituidor dos nossos tempos, das
diferentes representações culturais, da nossa formação enquanto sujeitos contemporâneas,
Baccega (2003), de forma enfática, apresenta sua concepção em relação à televisão, onde
levanta a discussão da exclusividade, em nosso país, desse meio de comunicação e
reconhecimento social. Para Baccega, a televisão
Apresenta um jeito próprio de ver o país e o mundo, de perceber as
mazelas sociais, e contaminou com ele o modo de perceber dos
cidadãos. Desse modo, ela exerce enorme influencia na nossa cultura,
tendo-se transformado no que, às vezes, é o único suporte de
reconhecimento dos brasileiros. Em uma sociedade como a nossa,
diferentemente das sociedades desenvolvidas, a TV exerce essa
enorme influência porque não existem outros canais de mediação:
pouco se lê jornal, poucos tem acesso à literatura, a escola parece estar
defasada, a família também é alvo da própria TV. (Baccega, 2003, p.
58)
Após a apresentação breve desses vários autores, que contribuem para nossa melhor
compreensão sobre a temática da televisão enquanto elemento constituinte de um sistema
8
midiático-cultural e a sua representatividade nas mais diversas culturas, tendemos a enfocar
nossos estudos na influência desse aparato nas culturas infantis e a forma com que as escolas
vêm caminhando para a compreensão desse fenômeno contemporâneo. Que práticas
pedagógicas são adotadas por professores de Educação Infantil em formação e em atuação na
cidade de Santa Maria para a realização de uma prática que proporcione uma alfabetização
das imagens, das mensagens vistas através da televisão pelas crianças, e que povoam suas
identidades e subjetividades, incitando noções de consumo, de personagens a serem tomados
como heróis, ídolos ou vilões, de violência, de maniqueísmo, de sexualidade, etc.?
Cultura da infância, cultura escolar e cultura midiática
Nessa pesquisa, além de adotarmos como sujeitos docentes de Educação Infantil,
ressaltamos a importância que as crianças possuem para o nosso trabalho. No entanto, não
podemos compreender essas crianças apenas como elementos inseridos nas escolas ou
instituições propriamente destinadas a Educação Infantil, pois partimos do pressuposto de que
as diferentes culturas infantis se configuram nas relações com que essas estabelecem além das
instituições escolares. Nossa compreensão sobre as infâncias busca entender quais leituras e
interpretações essas crianças realizam com a televisão, fora do ambiente institucionalizado,
mas que acabam chegando até essas instituições por meio dessas mesmas crianças, além dos
outros sujeitos que constituem esses espaços educativos.
Perguntamo-nos então, de que forma a escola percebe essa influência midiática nos
seus espaços socializadores e educativos? De que forma escola e docentes percebem a
importância do trabalho de alfabetização para as novas tecnologias, sendo que essas fazem
parte da cultura de seus alunos?
Nesse sentido, Gómez (2001) busca identificar que elementos constituem essa cultura
escolar, assim como os objetivos que acabam sendo traçados ao se instituírem determinadas
caracterizações. Para o autor, a cultura escolar, que abrange uma série de relações nas devidas
instituições tem se apresentado restrita apenas às necessidades da sociedade neoliberal de
quantificação dos resultados eficazes
Como a intensa competitividade internacional está exigindo das
empresas extremar a eficiência de seus procedimentos, de suas tarefas,
estruturas organizacionais e interações pessoas, para alcançar e
oferecer no mercado o produto mais competitivo, ou seja, o máximo
de aceitação ao mínimo custo, também das escolas deve-se exigir
9
similar esforço e competência na elaboração eficaz de seus
procedimentos, de suas estruturas organizativas e interações pessoas
para produzir rendimentos acadêmicos ao menor custo (Gómez, 2001,
p. 151)
O que consideram relevante os docentes no seu contexto profissional? Será que as
discussões referentes à influência da cultura midiática na sociedade contemporânea,
principalmente sobre a cultura infantil são “valiosas” para essa categoria? Para Gómez (2001,
p. 164) os docentes “se encontram cada dia mais inseguros e indefesos, se sentem ameaçados
por uma evolução acelerada que não podem ou não sabem responder”. Com isso, são urgentes
as reflexões a respeito de como as escolas criam seus mecanismos de resistência às exigências
da sociedade neoliberal e abrangem em sua cultura institucional outras formas de
manifestações culturais. Belloni (2001), ao entender a televisão como um mecanismo da
cultura contemporânea, salienta a importância de, através de um trabalho da escola,
compreendermos que mensagens e que narrativas são veiculadas nos mais diversos programas
televisivos, já que essas mensagens caracterizam alguns elementos de uma cultura que
precisamos desvendar e classificar
O trabalho pedagógico insere-se justamente aí, na tarefa de
discriminação, que inclui desde uma franca abertura à fruição (no
caso, de programas de TV, comerciais, criações em vídeo, filmes
veiculados pela TV etc.) até um trabalho detalhado e generoso sobre a
construção de linguagem em questão e sobre a ampla gama de
informações reunidas nesses produtos, sem falar nas emoções e
sentimentos que cada uma das narrativas suscita no espectador. Tratase de uma proposta destinada, nos diferentes níveis de escolarização, a
mergulhar na ampla diversidade de produção audiovisual disponível
em filmes, vídeos, programas de televisão, e que certamente nos
informará sobre profundas alterações ocorridas nas últimas décadas
nos conceitos de cultura erudita, cultura popular, cultura de massa,
artes visuais, e assim por diante. (Belloni, 2001, p. 27)
Perguntamos então: pode a alfabetização para as mídias e novas tecnologias tornaremse conhecimentos escolares? Ao concluirmos que a sociedade contemporânea é constituída
por diversas culturas, inclusive a cultura da mídia, que participa ativamente e até mesmo
influência outras culturas podemos defender que a escola pode sim inserir em seu corpo de
conhecimentos o estudo e leitura de imagens midiáticas.
Para isso, é preciso, no entanto, que os educadores acreditem nessa postura
multicultural da sociedade contemporânea, pois na forma como se apresentam acabam por
constituir e caminhar no sentido de monopólio e transmissão de apenas uma cultura. Não
10
basta apenas criticar, rotular de forma pessimista os meios de comunicação. Como nos afirma
Baccega, mesmo a escola impedindo as discussões em sala de aula, o discurso dos meios de
comunicação adentrará em seus muros
Enquanto a escola continua com sua retórica pedagógica
conservadora, ocupando todo o tempo de sala de aula com esse
discurso, o discurso dos meios de comunicação este presente no
âmbito da escola, de maneira clandestina. Não adentram as salas de
aula, mas estão nos corredores, nos intervalos, nas conversas
informais, tanto de professores quanto de alunos. É urgente que esses
discursos saiam da clandestinidade e passem a constituir parte dos
diálogos que deveriam ocorrer em sala de aula. (Baccega, 2003, p. 61).
Como afirma ainda Belloni (2001, p. 44), uma educação para as mídias é “condição
sine qua non para a realização de uma cidadania plena”, de forma a promover no aluno e no
docente uma capacidade de análise crítica e esclarecedora. Dessa forma, podemos
desmistificar esse “bicho-papão” chamado televisão que costuma assombrar os sonhos e ainda
as práticas de docentes...
Referências Bibliográficas
BACCEGA, M.A. Televisão e escola: uma mediação possível? São Paulo: Editora Senac São
Paulo, 2003. (Série Ponto Futuro;14)
BELLONI, M. L. O que é mídia-educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.
COSTA, M. V. Estudos Culturais – para além das fronteiras disciplinares. In.: SILVA, T.T.
da (org.).O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
COSTA, M.V.; SILVEIRA, R. H.; SOMMER, L.H. Estudos culturais, educação e pedagogia.
Revista Brasileira de Educação, n. 23, p. 36-61, Maio/Jun/Jul/Ago 2003.
ESCOSTEGUY, A. C. Estudos Culturais: uma introdução. In.: SILVA, T.T. da (org.).O que
é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
FISCHER, R. M. B. Televisão & Educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica,
2001.
GÓMEZ, A.I. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ARTMED Editora,
2001.
HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais de nosso tempo.
Educação & Realidade, n. 22(2): p. 15-46, jul./dez. 1997.
11
KELLNER, D. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno
e o pós-moderno. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. Bauru, SP: EDUSC, 2001
MOREIRA, A. S. Cultura Midiática e Educação Infantil. Educação & Sociedade, Campinas,
v. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE - Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios – IBGE/2004. Disponível em:
www.ibge.gov.br/home/estatística/população/trabalhoerendimento/pnad2004/comentarios200
4.pdf > .Acesso em: 20 Abr. 2006.
Download