O DIÁRIO DE MARILDA Roteiro Cinematográfico por Heron de Andrade Colaboração no argumento de Igor Wright Brasilia, novembro 2012. 3 Tratamento copyright: Todos os direitos reservados. [email protected] PARQUE. EXT. DIA Cenas da pista de caminhada do parque da cidade. Vê-se MARILDA, trinta e poucos anos, cabelos soltos, se aproxima aos poucos da pista. Ela traz uma pequena bolsa à tiracolo. Marilda senta-se na ponta de um banco à beira da pista de caminhada. Ela está pensativa. Olha pra frente, com olhar sereno. Quase não se move. A única coisa que se move são seus cabelos soltos ao vento. Aos poucos Marilda rompe a sua estática e retira um livro da bolsa que traz consigo à tiracolo. A moça abre o livro. Trata-se de uma espécie de DIÁRIO. Marilda começa a escrever. Durante a fala em off de Marilda são mostradas cenas relacionadas ao cotidiano no parque. MARILDA (O.S.) Querido Diário, bom dia. Hoje é quarta-feira, 14 de novembro de 2012. O tempo passa. Já se foram 364 dias desde que vim aqui pela primeira vez. Portanto, é meu último dia. Hoje encerro essa experiência. Tudo porque segui meu coração e aquela cartomante charlatã que me convenceu 1 ano atrás que eu encontraria o meu amor nesse parque no prazo de 365 dias. De início eu vim aqui só pela ironia de provar que previsões de gente desse tipo não passam de engodos. Da ironia eu fui a esperança e com o passar dos dias, sem nenhum acontecimento relevante, beirei o desespero. Ora Marilda, esperar o amor chegar num lugar como esse, com tanta gente circulando,seria praticamente como achar uma agulha no palheiro. E pior, fui criando essa ilusão com o passar dos dias. Cada vez que um cara interessante passava, fosse caminhando, correndo, andando de patins ou bicicleta, eu esperava um sinal, algum olhar diferente, uma mudança no vento ou até mesmo uma batida em falso do meu coração que indicasse que encontrara o meu (MORE) (CONTINUED) CONTINUED: 2. MARILDA (cont’d) destino. Os dias e meses passavam e foi exatamente quando estava no limite que as coisas começaram a fazer sentido. Afinal, por que uma mulher como eu procurava alguém que me completasse de uma maneira tão desesperada? Só encontrei as Respostas quando comecei a me envolver pelo cotidiano do parque ao invés de somente analisar os caras que passavam. No primeiro dia que estava ali com meus sentidos alertas para a vida, me deparei com uma cena linda: um pai que esperava a filhinha de 3 anos pedalar sua bicicleta com rodinhas. Ele era tão paciente. A menina não tinha forças pra pedalar e a cada 5 metros parava e fazia uma graça pro pai, ele simplesmente tinha paciência para acompanhá-la no ritmo dela, com todo o carinho do mundo. Essa paciência é algo que nunca tive e que preciso cultivar. Amar é ser paciente também. Num outro dia, tempos depois, notei um casal de velhinhos que caminhavam juntos. Caminhavam em passos curtos. Mesmo sem poder caminhar rápido o homem e e a mulher continuavam seu passeio slow motion em sinal de puro companheirismo, algo que uma pessoa acelerada como eu nunca teve. Companheirismo e amor deveriam mesmo andar sempre juntos. Até a árvore próxima ao meu banco, a quem apelidei de Filomena, teve vários momentos durante esse ano. Ela começou belíssima, como no dia de hoje, mas no dia em que a reparei pela primeira vez, ela estava começando a se recuperar do período de seca. Essa árvore foi tenaz e sábia,guardando água na raiz. Resistimos juntas. Ela à falta de água. Eu, a falta de sabedoria. Percebi que sempre quero resolver conflitos com pressa e não resisto a longas fases de estiagem afetiva, sem fraquejar. Como a Filomena eu desejaria ter a capacidade de suportar os períodos (MORE) (CONTINUED) CONTINUED: 3. MARILDA (cont’d) difíceis e ter alguma fé para confiar que o ato de amar é suficiente pra atravessar uma tempestade na vida. Por fim Diário, ao fim desses 365 dias eu não achei o que vim buscar, mas notei muitas coisas de valor, que fizeram o simples fato de estar viva ser realmente especial. Vi pessoas se cuidando, pais brincando com seus filhos, os patinhos em duplas na água fresca da lagoa, as abelhas polinizando as flores, árvores de todos os tipos, tamanhos e cores. Cada um no seu ritmo,no seu universo, transmitindo uma certa harmonia inexplicável como se todos estivessem em paz consigo mesmo. Pessoas e natureza seguindo seu curso. É diário, sinto um certo prazer pela experiência de poder observar tudo isso. E sabe o que mais? Acabo de perceber o amor que vim descobrir aqui. É o amor por mim mesma. PARQUE. EXT. DIA Ao terminar de falar Marilda arranca a página do diário em que estava escrevendo. Depois dobra a folha ao meio e a deixa semelhante a um cartão em cima do banco. Depois se levanta e vai embora. Momentos depois um belo rapaz torce o pé na pista de caminhada. Procurando refúgio ele se senta no mesmo banco em que Marilda estava. Curioso, percebe o cartão sobre o banco. Pega o papel e lê. No papel pode-se ler: Hey estranho: "O segredo da Felicidade envolve um pouco de paciência, uma dose de sabedoria e uma pitada de amor próprio. Assim,tudo vai ficar bem nos próximos 365 dias! Ah,sobretudo, não acredite em Cartomantes!" Marilda Falcão. Depois de ler do rapaz. Fim o rapaz sorri. A camera se afasta do sorriso