AS TESES DE MARX SOBRE FEUERBACH: UMA REFLEXÃO A PARTIR DE ERNS BLOCH Larissa Klosowski de Paula, (PIBIC, Fundação Araucária), UNESPAR/ PARANAVAÍ, [email protected] Roberto Leme Batista, (Or), UNESPAR/PARANAVAÍ INTRODUÇÃO As teses de Marx sobre Feuerbach representam um divisor de águas no que concerne às ciências humanas. Neste sentido, entender como as mesmas se fundamentaram e quais os pressupostos apresentados por elas consiste na problemática enfatizada nesta discussão. Para tanto, utilizamo-nos tanto dos escritos de Marx quanto das premissas de Ernst Bloch para que fosse possível empreender uma discussão que fomentasse tanto a perspectiva marxiana quanto os pressupostos apresentados por Ernst Bloch acerca das teses e da inserção do materialismo histórico-dialético no discurso historiográfico, que termina por englobar as premissas de alienação, relações sociais, trabalho, crítica do Estado, entre outros. Partindo de uma análise profunda daquilo que permeia o indivíduo no decorrer de sua vivência, Bloch discorre, em O Princípio Esperança, vol. I, acerca das predileções humanas no que concerne aos medos e a esperança. Para tanto, o mesmo utiliza-se de filósofos, historiadores, fatos históricos, entre outros, para fundamentar seus ideais. Entre esses ressaltes, a filosofia de Marx e os conceitos nos quais a mesma se fundamenta são apresentados em um capítulo de sua obra, o qual foi intitulado de A Transformação do Mundo ou As Onze Teses de Marx Sobre Feuerbach. Coube a essa discussão de Bloch salientar a posição de Marx diante das influências advindas de Feuerbach e de Hegel, assim como salientar o distanciamento exercido por Marx diante da introdução do caráter materialista (em seu estado diferido de idealismo) no âmbito da subjetividade humana e no que concerne à transposição do pensamento concreto. Divididas em onze partes, as Teses de Marx sobre Feuerbach constituem o que Bloch intitulou de A Transformação do Mundo no capítulo destinado as mesmas em sua obra O Princípio Esperança. Na tese I, Marx expõe o equívoco realizado até então pelos filósofos de seu tempo – em especial, por Feuerbach. Equívoco este caracterizado pelo não entendimento do objeto, da realidade e do mundo sensível enquanto pressupostos que possuem sentido como atividade humana sensível. Neste sentido, a crítica realizada por Marx no decorrer dessa tese corresponde ao idealismo advindo dos filósofos anteriores a ele no que concerne à abstração do caráter da atividade real e sensível, ao mesmo passo que os mesmos eram adeptos desse idealismo que se opunha ao materialismo concreto. Partindo desses pressupostos, Marx dirige sua crítica à Feuerbach e à predileção – decorrente do idealismo – que este possuía por objetos sensíveis, desprovendo a atividade humana de caráter objetivo. Dessa forma, Marx impõe significância à atividade da práxis enquanto atitude necessária para o entendimento da atividade humana em sua plenitude. A exemplo disso o mesmo discorre sobre Feuerbach e sua prática afirmando que “[...] razão pela qual ele enxerga, na Essência do Cristianismo apenas o comportamento teórico como o automaticamente humano, enquanto a prática é apreendida e fixada apenas em sua forma de manifestação judáica suja”. (MARX, 2007, p. 537). Partindo disso que Marx dota a atividade revolucionária de sentido, assim como também impõe relevância à atividade prático-crítica na atividade filosófica. Em relação à teoria práxis, Marx, na tese II, coloca em evidência a verdade objetiva que deve ser implícita ao pensamento humano, fazendo com que o mesmo atinja os pressupostos da realidade e saia da subjetividade pertinente aos pensamentos advindos sem mediação da práxis. Neste sentido, a práxis corresponde à verdade objetiva que deve permear o pensamento humano e dotá-lo de objetividade e, posteriormente, realidade. Logo, pode-se perceber que a práxis consiste na realidade, na prática de tudo aquilo que é pensando de forma objetiva e passível de realização no meio cotidiano. Tendo por base a práxis e sua definição, é somente a partir da forma revolucionária dessa práxis que as mudanças passam a ser buscadas pelos indivíduos. Neste sentido, na tese III Marx discorre sobre a relação entre as mudanças e a atividade humana, onde a primeira só passa a ser possível quando por intermédio da segunda. Sendo assim, a práxis revolucionária consistiria na tomada de posição do homem frente a um impasse no qual ele tende a se superar e empreender alguma mudança benéfica social ou particular. Dessa forma, Marx, na tese III, crítica a doutrina materialista que não coloca o homem como princípio central da mesma, pois A doutrina materialista de que os homens sejam produtos das circunstâncias e da educação, de que os homens modificados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado. (MARX, 2007, p. 537-538). Em crítica à Feuerbach, na tese IV Marx demonstra que, em detrimento da forma feuerbachiana de análise das contradições presentes no que concerne à religião, o que deve ser feito é uma crítica ao que é concreto e passível de contradição. Ou seja, quando Feuerbach partiu do pressuposto que “a religião torna o homem estranho a si mesmo” e como método de análise separou aquilo que era sagrado do que era profano, ele acabou por “reduzir o mundo religioso à sua base profana”, sem, no entanto, compreender a base profana em sua contradição. Nessa tese, Marx retrata de forma concisa a questão da alienação humana diante de um pressuposto – que neste caso, foi o religioso. Neste sentido, ele dirige sua crítica à Feuerbach no sentido de que, embora este tenha realizado uma proposta de divisão entre religião e concretude (chamado mundo profano), o mesmo não analisa as contradições advindas do mundo profano e que levaram a crença religiosa. Para Marx, a análise primeira deve vir da alienação presente no mundo profano para posteriormente estendê-la aos demais campos de estudo – como a religião. Portanto, somente seria passível de crítica teórica aquilo que faz parte da realidade, e somente aquilo que é real será passível de revolução por meio da práxis. Outro pressuposto abordado por Marx consiste na atividade sensorial, no pensar realizado pelos indivíduos. Porém, em sua crítica à Feuerbach, Marx relata que o mesmo não considera a atividade sensorial humana como intermediária da práxis. Partindo disso retrata, na tese V, que “Feuerbach, não satisfeito com o pensamento abstrato, apela à contemplação sensível; mas não apreende o sensível como atividade prática, humano-sensível.” (MARX, 2007, p. 537). Encaminhando-se para a tese VI, Marx retrata que a essência dos indivíduos está nas relações sociais que os mesmos empreendem no decorrer de sua existência. Logo, o ser humano é um ser social. Por Feuerbach não empreender essa forma estrutural a sua crítica, segundo Marx, o mesmo acaba por ser restringido a dois pressupostos inerentes da falta de extensão da crítica ao âmbito das relações sociais. O primeiro deles consiste no fato de que Feuerbach abstrai-se do curso histórico, assim como tende a tratar o espírito religioso como algo compreendido em sua concretude, como se fosse algo real. O segundo pressuposto que acaba por restringir a análise feuerbachiana consiste na forma que essa vertente terminava por caracterizar o homem, “como generalidade interna, muda, que une muitos indivíduos de modo meramente natural”. (MARX, 2007, p. 537). Dessa forma, relata Marx na tese VII que, advinda dessas predileções e interligadas com as mesmas, a análise de Feuerbach sobre o espírito religioso terminava por não considerar esse espírito como um produto da realidade social, o que de fato o é. Pois ao passo que a concretude da realidade humana abrange os pressupostos do pensamento e da práxis, o espírito religioso nada mais seria que um fruto dessa abstração do ser real, de sua “forma social determinada” que “[...] a vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que induzem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão dessa prática.” (MARX, 2007, p. 538). Marx relata que tudo aquilo que pertence aos indivíduos pode ser entendido no âmbito de sua práxis, e que essa práxis deve ser entendida para que as contradições humanas também o sejam. Em relação ao materialismo contemplativo, na tese IX, Marx prioriza que o mesmo acaba por considerar os homens como seres isolados e uma sociedade civil também isolada dos homens. Isso seria decorrente da falta de agregação da atividade sensível como pertencente à atividade prática. Assim, propõe, na tese X, que o novo materialismo possui como essência a sociedade humana, e não mais a civil, como no antigo materialismo. Esses pressupostos entram em consonância com a forma de materialismo afirmada por Marx, que consistia em uma análise da práxis com vistas à inteligibilidade trans-humana e suas predileções. Assim, com essa nova proposta de materialismo, o homem passa a ser entendido como ser dotado de sensibilidade prática e pertencente a uma rede de relações sociais que terminam por constituir a sociedade retratada por Marx. Por fim, na última tese de Marx, está a crítica mais ferrenha realizada aos filósofos. Devemos ressaltar que Marx não desmerece os pressupostos advindos dos mesmos para a filosofia, mas propõe uma nova forma de abordagem, que supõe a transformação social e não meramente a contemplação da mesma. Destarte, termina o excerto ressaltando que “[...] os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo.” (MARX, 2007, p. 538). REFLEXÃO DE ERNST BLOCH Em sua obra O Princípio Esperança, volume I, Ernst Bloch discorre acerca do conceito de esperança como sendo o ato de aprender a esperar, com a devida mediação dos sonhos diurnos presentes no cotidiano humano. No decorrer da obra o autor faz menção também ao ato de pensar com a significação voltada para a transposição. Neste sentido, pensar significa transpor, e este ato de transposição consiste e captar o novo como algo mediado por aquilo que existe e se encontra em movimento. Em relação à história, esse processo de transposição acarreta na tendência do curso dialético que a mesma possui e que a cada dada época tende a seguir uma dialética diferenciada devido ao seu momento histórico determinado. Sendo assim, ressalta o autor o fato de a história humana ser movida pelo pensamento sobre o futuro, ou seja, uma espera que o futuro seja melhor que a vivência na qual se encontra quando começa o exercício de refletir, e o que o move no sentido de manter a esperança de um futuro melhor consiste na mediação dos sonhos diurnos – aqueles que perpassam a mente humana no seu estado consciente, advindos de um presente onde alguns possuem mais condições de realizar seus desejos que outros – presentes no dia a dia. O autor também apresenta a questão do medo presente nos indivíduos. Medo este de um futuro não promissor. Embasado neste contexto, o interesse burguês atinge os indivíduos com a ideia de melhora da atual situação. Porém o autor ressalta a não sustentabilidade dessa promessa de melhora futura pelo fato do presente sistema ser, de certa forma, a causa primeira da situação humana (a de insatisfação com o presente em qual vive). Embora esse processo de aproximação do princípio da esperança dos indivíduos com o interesse burguês ocorra, a falta de esperança é insustentável para a condição humana. É necessário que os indivíduos acreditem em uma melhora para que a situação atual faça sentido. Neste sentido, a relação com a existência privada e pública é atingida pelos sonhos diurnos e propagada para a intecionalidade acerca dos pressupostos que permeiam a esperança e o cotidiano humano. Toda intenção humana é regida pela esperança. Bloch ressalta Marx como representante da reviravolta na tomada de consciência do transpor concreto. Depois da produção de Marx os conteúdos objetivos e subjetivos são indispensáveis na investigação da verdade e os que não aderem a este preceito correm o risco de cair na trivialidade. Neste sentido, os estudos devem ser baseados tanto nos conteúdos objetivos quanto nos subjetivos provenientes tanto do sujeito como do objeto. Este preceito de contemplação acerca de um dado fato acarreta em um saber contemplativo diante do mesmo. Neste sentido, o saber contemplativo só é possível sobre um evento analisado a posteriori. Analisando um evento passado, a ligação do mesmo com o presente e com a possibilidade de um futuro caracteriza uma forma de analisar o futuro a partir do passado já vivenciado, caso contrário, o passado torna-se, nas palavras do autor, “um factum coisificado sem consciência”. Diante desses preceitos, o autor ressalta o papel da finalidade, ou seja, da necessidade de entendimento de determinado fato para que o mesmo possa ser entendido dentro de um futuro possível. Para exemplificar, Bloch faz uso de Marx e também de Lenin no que concerne à construção do socialismo e a transformação que o mesmo promoveria na sociedade. Relata o autor que a felicidade plena da humanidade só será concreta através do socialismo marxista. Focando no capítulo de O Princípio Esperança onde Bloch analisa as Teses de Marx Sobre Feuerbach, a relação que o mesmo estabelece entre a filosofia marxiana e o que se faz necessário pra o que a chamada transformação do mundo seja realizada torna evidente o pressuposto de que, através do socialismo de Marx e de suas considerações acerca da sociedade, a tomada de consciência por parte do proletariado seria necessária, assim como a relação da filosofia e das ciências humanas com este pressuposto para que o mesmo possa ser passível de mudança. Neste sentido, convém a nós utilizar-nos da interpretação blochiana das teses de Marx para fundamentar os pressupostos da nova filosofia e da nova concepção de materialismo que foi inaugurada por Marx. ÉPOCA DA COMPOSIÇÃO Escritas nos embalos da composição da obra A Ideologia Alemã, as teses de Marx são datadas de abril de 1845. Nesta mesma época, a maioria, se não todos, os filósofos possuíam influências diretas de Hegel e de Feuerbach. Com a publicação das obras feuerbachianas A Essência do Cristianismo e Teses Provisórias Sobre a Reforma da Filosofia, as influências desse pensador sobre Marx foi direta, porém não duradoura. Estendendo sua abordagem à crítica do Estado e não meramente à religião – como o fez Feuerbach – Marx evidencia as influências da consciência econômica nos preceitos da relação social humana. A exemplo disso, Marx, nos Manuscritos Econômicos Filosóficos, embora ainda contenha influências feuerbachianas, já propunha a demonstração da alienação humana diante de si mesma e do Estado – e não somente à religião, como salientado por Feuerbach. Dessa forma, Marx incorporava o caráter econômico às relações humanas que permeiam a sociedade assim como ressaltava a importância do trabalho laboral e intelectual como atividades voltadas ao material. Com a obra A Sagrada Família o ideal de economia política é estabelecido, afastando o homem genérico proposto por Feuerbach, assim como também surge, a partir de sua publicação em 1844, o conceito de materialismo histórico e de socialismo científico. As Teses constituem uma despedida, como salientado por Bloch, de Marx das concepções e influências diretas de Feuerbach, sem, no entanto, representar uma ruptura completa. No que concerne à Ideologia Alemã, Marx critica de forma mais aprofundada os pressupostos advindos tanto de Feuerbach quando de Stirner e Bruno Bauer. AGRUPAMENTO A questão do agrupamento das teses foi discutida pelo fato das mesmas possuírem formas diferentes de intersecção a partir de um ponto de vista adotado. Sendo assim, cada forma distinta de didática as agrupa de forma diferenciada. Para Bloch, o agrupamento necessário das teses deve ser realizado com vistas ao seu conteúdo filosófico, levando em consideração os conteúdos e temas que as mesmas contêm, e não meramente a forma aritmética na qual se apresenta. Dessa forma, o agrupamento apresentado pelo autor é realizado pelos temas de contemplação e atividade (teses 5, 3 e 1) que visa o entendimento da epistemologia presente; auto-alienação sua causa real e o verdadeiro materialismo (teses 4, 6, 7, 9 e 10), que Bloch caracteriza como constantes do conceito de grupo histórico-antropológico; e comprovação de validação (teses 2 e 8 ), que visa a síntese da teoria-práxis. O último e mais importante conteúdo é denominado de senha (tese 11), onde é proposta uma nova forma de abordagem filosófica diante da realidade proposta. Grupo epistemológico (teses 5, 1 e 3) Quando se pensa, se parte do sensorial. Nas teses 5 e 1 Marx coloca em evidência o fato de que, para Feuerbach, a contemplação consistia em uma atividade dissociada do trabalho objetivo humano. Neste sentido, Marx dispõe que a contemplação não consiste em uma parte subjetiva do trabalho, posto que a mesma necessite de prática, de objetividade. Dessa forma, Bloch interpreta que a atividade sensorial do novo materialismo proposto por Marx corresponderia à mediação exercida entre sujeito e objeto, e vice-versa, no âmbito desse trabalho que não mais é entendido em seu caráter contemplativo, mas em sua materialização. Esse pressuposto é inovador ao passo que em Feuerbach o conceito de trabalho atua apenas no sentido contemplativo de fato, diferentemente do que ocorre na sociedade burguesa, onde a mesma propõe o trabalho material e intelectual em busca do lucro máximo, mesmo que este trabalho consista apenas numa forma aparente do que de fato o é. Assim sendo, Marx caracteriza o trabalho humano como atividade onde a contemplação é atuante e complementada com o trabalho em si, o trabalho material. Essa mediação entre sujeito e objeto, ou seja, o trabalho, era falha ou inexistente em formas de materialismo anteriores a Marx, tal qual o modelo feuerbachiano que “[…] ainda se encontrava epistemologicamente na perspectiva da sociedade escravista ou também da servidão, devido ao aspecto não ativo, contemplativo do seu materialismo.” (BLOCH, 2005, p. 254). Porém, Marx ressalta que o trabalho presente na sociedade burguesa não é uma atividade justa. Nela há apenas uma aparência do trabalho, que ocorre pelo caráter alienante com o qual o mesmo se apresenta na sociedade burguesa, assim como pelo fato do lucro pertencer ao dono dos meios de produção e não ao trabalhador que exerce o trabalho. Por esse motivo, ressalta Bloch, a crítica ao idealismo, presente na tese 1, atua de forma a demonstrar que a atividade humana, até então entendida de forma de objeto ou intuição, é dotada de trabalho e de atividade sensível, o que termina por desmontar a tese feuerbachiana de materialismo contemplativo ao passo que coloca o homem como centro das relações sociais e produtivas. Na tese 3 Marx retrata a relação entre sujeito e objeto, entre ser e consciência, relação esta perpassada pelos pressupostos do trabalho intelectual e material. Quando o faz, derruba aqueles que possuem um materialismo vulgar e acentua a importância da consciência sobre o mundo sobre o qual age e modifica. Partindo desse pressuposto, Bloch propõe uma análise da atividade humana em consonância com a consciência que o mesmo possui, ou seja, quando modifica algo por meio do trabalho, o ser humano já o realiza dotado de consciência. Uma passagem da obra Ideologia Alemã complementa a tese 3, onde Marx ressalta que “as circunstâncias fazem o homem tanto quando o homem faz as circunstâncias”. (MARX E ENGELS, 2007, p. 42). Enfim, Bloch retrata que para Marx o ser humano trabalhador é parte determinante da base material, e termina relatando que Sem compreender o próprio fator “trabalho”, o prius “ser”, que não é nenhum factum brutum ou nenhum dado, não pode ser compreendido na história humana. Muito menos ele pode ser mediado com o melhor da contemplação ativa, com o que conclui a tese 1: com a “atuação revolucionária, prático-crítica”. Para Marx, o ser humano trabalhador, essa relação sujeito-objeto existente em todas as “circunstâncias”, é parte da base material; também o sujeito no mundo é mundo. (BLOCH, 2005, p. 259). Grupo histórico-antropológico (teses 4, 6, 7, 9 e 10) Sempre se deve partir da alienação (tese 4). Feuerbach colocou a alienação religiosa em um âmbito terreno, mas sem que realizasse a crítica à base terrena de forma prioritária, terminando por dissociar o mundo terreno do mundo religioso. Na tese 6 Marx menciona que o trabalho de Feuerbach consistiu na conversão da essência religiosa em essência humana, mas sem a mediação das relações sociais que constituem a verdadeira essência do indivíduo. Ainda nessa tese, Marx retrata sua posição contrária à visão ahistórica da humanidade e considera as relações sociais como essência dessa humanidade, posto que os indivíduos vivem em sociedade e, a partir desta, se manifestam e são enquadrados em classes distintas conforme seu poderio econômico. Dessa forma, quando Bloch estabelece uma relação entre a antiga pólis grega e o mundo burguês contemporâneo, objetiva demonstrar que, conforme o que foi retratado por Marx na tese 6, os seres humanos não estão ligados de forma natural, mas sim por uma rede de relações sociais que permeiam o cotidiano dos mesmos. Outro pressuposto abordado consiste no conceito de valor, tratado na tese 10, que corresponde à valorização da condição humana dentro da sociedade, assim como à necessidade de eliminação da auto-alienação presente na sociedade burguesa. Neste sentido, a sociedade humana tende a ser desprovida de generalidades, e este pressuposto só seria possível diante da intervenção de uma estrutura político-econômica baseada na doutrina comunista. Assim, o socialismo corresponderia, em primeira instância, à sociedade capaz de extinguir essa auto-alienação, posto que coloque o homem como centro da estrutura da sociedade, diferentemente da relação que a burguesia tende a estabelecer com o mesmo – de forma alienante em busca do lucro máximo. Partindo disso, encaminha-se para a tese 9, onde Marx estabelece uma barreira de classes advinda do materialismo contemplativo, que sem a devida mediação dos conceitos discorridos acima termina por constituir uma sociedade onde os indivíduos são isolados entre si. Dessa forma, a contemplação abstrata, sem a intersecção da sensibilidade como atividade prática, é isolada. Neste sentido ele encaminha a discussão acerca da barreira de classe para a postura mais humanitária possível, retratando, como base desse processo a divisão social – que termina por constituir a primeira instância da alienação. Desmontando a tese feuerbachiana de crítica à religião, Marx retoma o conceito de autoalienação advindo de Feuerbach, mas de forma mais abrangente que a religiosa, estendendo-a à crítica do Estado, das estruturas econômicas e sociais que permeiam o mesmo em busca de uma fundamentação à predileção religiosa que os indivíduos tendem a possuir. Neste sentido, ele retrata a necessidade de se conhecer o patamar econômico que rege a sociedade, assim como as que regem as “relações dos homens com os homens e com a natureza”. Sendo assim, a própria religião corresponde a um produto social, como salienta na tese 7. Bloch descreve que, à medida que Feuerbach constituiu-se de um materialismo mecanicista, desprovido do caráter de valor a qual Marx incorpora aos indivíduos e as relações sociais perpassadas pelos mesmos, sua crítica à religião permaneceu em um patamar onde apenas a muda de figura os preceitos religiosos. De forma que Ademais, no inevitável vazio de seu “idealismo para diante”, ele mantém quase todos os atributos de Deus Pai, por assim dizer, como virtudes em si, e, de todos eles, apenas o Deus do céu foi riscado. Em vez de dizer: Deus é misericordioso, é o amor, é onipotente, faz milagres, ouve orações basta dizer que a misericórdia, o amor, a onipotência, fazer milagres, ouvir as orações são divinos. (BLOCH, 2005, p. 264). Dessa forma, assim como Marx, Bloch critica a forma pela qual Feuerbach propõe sua visão acerca da forma alienante perpassada pela religião, forma esta desprovida de caráter materialistahistórico. Em se tratando do materialismo-histórico, este seria a única forma de explicação “verdadeiramente total do mundo a partir de si mesmo” (BLOCH, 2005, p. 264) que terminaria por uma transformação do mesmo, sem interferência princípios mitológicos ou religiosos para este objetivo. O grupo da teoria-práxis (teses 2 e 8) A tese 2 coloca o pensamento acima da contemplação, assim como retrata a teoria práxis em torno do mesmo. Assim, teoria e prática são elementos complementares no que concerne à afirmação do pensamento. Neste sentido, Marx coloca o pensamento no âmbito da prática humana e o identifica como constituinte de uma fundamentação básica no sentido de atingir uma meta objetivamente traçada. Assim, Bloch salienta que “[...] a função de pensar é, portanto, bem mais do que a contemplação sensorial, uma atividade, e uma atividade crítica, penetrante, decifradora; e a melhor prova disso é, por isto mesmo, a teste prático dessa decifração”. (BLOCH, 2005, p. 264). Parindo disso podemos identificar a posição de Ernst Bloch no que concerne a afirmação de que o pensamento atua no âmbito da realidade, ao passo que atua “a teste prático dessa decifração”. Dessa forma, o pensamento constitui o primeiro passo para a elaboração de uma verdade, posto que somente a contemplação acerca de um fato não constitui uma verdade propriamente dita, ao passo que a mesma necessita de comprovação à posteriori, por meio da prática. Assim, o pensamento correto torna-se, no final, uma conclusão verdadeira. Partindo desses pressupostos, a tese 2 nos trás uma idealização da relação entre teoria e prática. Esse pressuposto, para ser fundamentado, percorreu diversos pontos de vista de filósofos da época, tais como Fitche e Hegel, sobre a teoria da práxis e devida relação entre ambas. Não nos convém relatar os pressupostos destacados por Bloch acerca da mediação teórico-prática advinda desses filósofos, posto a extensão que a mesma acarretaria a essa discussão. Porém, aqueles que discutiam a práxis antes da visão marxista sobre a mesma possuíam uma concepção diferente da retratada por Marx. Para ele, a práxis correspondia a um pressuposto unitário entre a mesma e a teoria, resultando no pensamento desprovido do caráter escolástico e com vistas a uma abrangência voltada à epistemologia que unia as duas vertentes – teoria e práxis – resultando em uma comprovação da verdade. De acordo com Marx e Lenin, teoria e práxis oscilavam constantemente, e o pensamento era o fundamento presente nessa oscilação e que terminaria por constituir o fundamento de verdade. Assim, com a aplicação do pensamento na teoria-práxis, os sentimentos (amor às vítimas, ódio contra os exploradores, entre outros) colocavam a parcialidade advinda dos indivíduos em questão, ao passo que o mesmo intermediaria sua teoria com a práxis presente em seu cotidiano. Em se tratando dos sentimentos, Marx os descrevia de forma objetiva em busca de um ideal totalitário, rumo ao socialismo e ao comunismo, e não apenas ao sentimento burguês não fundamentado. Justamente nesse contexto surge a preocupação da relação humana com a religião e mistificação das coisas. Assim a tese 8 corresponde a aplicação da práxis ao real, e a não explicação dos fatos por âmagos de caráter místico, ao mesmo passo que separa a relação entre o misticismo baseado nos pressupostos da idolatria, daquele que perpassa as contradições existentes no âmbito social. A saída para essa situação, advinda de Marx e explicada por Bloch, consistiria numa tomada de posição quanto àquilo que se é evidenciado na prática. Destarte, “[…] justamente por isso a solução humana para isso é unicamente a práxis racional, e a solução racional unicamente a práxis humana, que se atém à humanidade”. (BLOCH, 2005, p. 270). Bloch termina por afirmar que a teoria de Marx corresponde a uma colocada em ação tanto a filosofia quanto o futuro, por meio da práxis, utilizando como princípio mediador a ética vigente. Senha (tese 11) Na tese 11 Marx faz uma crítica à forma contemplativa com que a filosofia tinha se apresentado até então, colocando que a mesma consistia em uma interpretação do mundo. Ele retrata que mais do que contemplar o mundo, a filosofia deveria se prestar a transformá-lo. Assim, essa tese está fundamentada na construção de um futuro com base na nova filosofia marxista. Porém, uma interpretação errônea da mensagem implícita nessa tese pode promulgar um pragmatismo diferente do suposto por Marx. Como exemplo, Bloch cita a Guerras Imperialistas que ocorreram no mundo e o fundamento pragmático das mesmas: o lucro máximo em detrimento de uma transformação que viria a privilegiar a humanidade como um todo. Neste sentido, quando um pressuposto é mal entendido – neste caso, a transformação do mundo por meio da filosofia – o mesmo se transforma em blasfêmia ou encaminha-se para a defesa de uma apologia contrária a suposta por aquele que a propôs (neste caso, Marx). Assim sendo, a práxis somente pode ser apoiada na teoria, caso contrário pode produzir uma inverdade. Por este motivo, Bloch relata que “[…] a práxis real não pode dar nenhum passo antes de ter-se informado econômico e filosoficamente junto à teoria, à teoria em progresso. Por isso, sempre que se houve falta de teóricos socialistas, surgiu o perigo de que precisamente o contato com a realidade fosse prejudicado, este que nunca deve ser interpretado de modo esquemático nem simplista, se é que se quer uma práxis socialista bem-sucedida”. (BLOCH, 2005, p. 273). Para Bloch, a tese 11 é a mais importante dentre as teses analisadas até então. É no princípio transformador dessa tese que está o cerne da filosofia marxista e dos seus pressupostos socialistas para a modificação da condição humana diante da sociedade burguesa alienante. Este cerne consistia na “investigação filosófica das inter-relações dentro da mais complicada realidade, tomando o rumo da obrigatoriedade compreendida, do conhecimento das leis dialéticas do desenvolvimento da natureza e na sociedade como um todo” (BLOCH, 2005, p. 274). Dessa forma, mais do que “interpretar o mundo de diferentes maneiras”, como ressaltado na primeira sentença da tese, o filosofo tende fazê-lo de forma concisa e em consonância com a realidade em questão. Logo, a tese 11 corresponde ao insurgir de uma nova filosofia não só fundamentada na contemplação, mas precedida de ação, correspondente às mesmas. Marx não estava subjugando a filosofia antecedente a ele, mas estava criticando algumas filosofias mal fundamentadas. Ele faz críticas aos partidários das vertentes práticas e teóricas pelo fato dos mesmos não empreenderem uma realização (práticos) ou uma supressão (teóricos) da filosofia, que seria necessário para iniciá-la de uma transformação ideológica ou social que pode ser empreendida pela mesma. Neste sentido, já se encaminhando para a segunda parte da sentença da tese 11, há a preocupação com o caráter transformador pertinente à filosofia. Em relação a este caráter transformador, Bloch retrata que o mesmo só passa a ser possível diante de um conhecimento sólido, proveniente de uma análise pautada nos princípios verdadeiros, discorridos na análise da sentença anterior. Assim “A transformação filosófica está associada a um saber incessante a respeito da conjuntura; pois, mesmo que a filosofia não seja uma ciência própria acima das demais ciências, ela é, isto sim, a ciência e consciência próprias do totum em todas as ciências.” (BLOCH, 2005, p. 277). Dessa forma, a filosofia consiste em uma transformação segunda a situação analisada. Assim, a filosofia marxista corresponde a um novum no âmbito da própria filosofia. Neste sentido, a tese 11, antes de fundamentar a transformação por meio dessa filosofia preocupou-se em incorporar a mesma um caráter de transformação. Essa transformação só seria possível mediante o conhecimento da práxis humana e dos seus pressupostos e embasando-se nos princípios de conscientização da condição alienante sobre a qual se vive e do que é necessário para alterá-la. Assim, Marx desprende a filosofia do seu caráter suprimido ou de sua realização, buscando uma consonância entre os dois para uma possível e provável modificação da situação humana vigente em seu tempo. Esses pressupostos são evidenciados em “O Capital”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo dos pressupostos salientados até então podemos relacionar os conteúdos analisados em O Princípio Esperança e na obra de Marx A Ideologia Alemã, e estabelecer uma diferenciação de materialismo histórico, de alienação, de crítica do Estado, entre outros aspectos, propostos por Marx do que foi empreendido por seus antecessores. Embora pertencentes à esquerda hegeliana, a diferença entre os pressupostos de Marx e de outros filósofos – tais como Bruno Bauer, Stirner e Feuerbach – tornam-se evidentes quando relacionamos o conceito de práxis suposto por Marx com as predileções genéricas pertinentes ao outros filósofos em relação à ontologia do ser social. Assim, a teoria marxiana constitui um novum para o campo das ciências humanas ao passo que apresenta uma nova abordagem analítica no âmbito da construção histórico-crítica. Neste sentido, a forma analítica de abordagem histórica presente nos pressupostos de Marx constituiu uma forma de respaldo para a revolução social, posto que se apoia na mesma para a construção e efetivação do socialismo científico. Para tanto, a condição de alienação presente na sociedade baseada na exploração de classes é colocada em evidência frente à ontologia do ser social, onde as questões objetivas e subjetivas presente no indivíduo são colocadas em ênfase frente às relações sociais que fundamentam o mesmo. Levando essas premissas em consideração, as Teses corresponderam ao insurgir da teoria marxiana e suas predileções, ao passo que promove essa inovação e constitui um divisor de águas no campo da filosofia e das ciências humanas. Partindo desses pressupostos, a necessidade de transformação da realidade é discutida tanto nas obras de Marx quanto na concepção de Bloch sobre as mesmas. Em consonância com esses princípios está a construção do socialismo científico face à crítica radical da ordem estabelecida pelo capital em sua busca do lucro máximo frente à exploração e alienação do proletariado. Fatores estes que estão presentes nas obras de Marx. REFERÊNCIAS BLOCH, Ernst. O Princípio Esperança. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. Contraponto. 2005, 433 p.; GERVINUS, Georg Gootfried. Fundamentos de Teoria da História. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda., 2010, 96 p.; KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2006, 366 p.; MARX, Karl ; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: critica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845 – 1846). São Paulo : Boitempo, 2007, 616 p.; SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez Editora, 2000, 304 p. ; SIMMEL, Georg. Ensaios Sobre Teoria da História. Rio de Janeiro. Contraponto, 2011, 108 p.