Memória dos estudos das religiões afro: reflexões sobre intelectuais

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Memória dos estudos das religiões afro: reflexões sobre intelectuais
pernambucanos
Fabiana Maria Gama Pereira1.
Resumo
Ao mesmo tempo em que o campo das religiões afro é uma área que tem se
consolidado cada vez mais na Antropologia brasileira, se percebe que importantes
estudos e intelectuais que contribuíram para sua formação passaram a ser
invisibilizados. O trabalho de Ulysses Pernambucano e de sua equipe nos terreiros com
os pais e mães de santo em Recife passou a ser quase que excluído da produção
nacional. O objetivo desse Ensaio é mostrar o quanto este processo – de invisibilidade é empobrecedor, primeiramente porque gera um desconhecimento do autor e da obra,
em segundo lugar, porque limita as possibilidades de uma discussão mais ampla sobre a
diversidade e a riqueza presentes nas produções dos intelectuais que estão nas diferentes
regiões do Brasil, sendo isto objeto de análise da Pesquisa de Pós-Doutorado em
Antropologia a qual a autora está vinculada, cujo Projeto se intitula A geopolítica
acadêmica da Antropologia da religião no Brasil. Ou como a província vem se
submetendo ao leito de Procusto, ligada ao Núcleo de Estudos em Religiões Populares
(NERP) do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE2.
Palavras-chaves:
Invisibilidades,
Ulysses
Pernambucano,
Estudos
Afro,
Antropologia Pernambucana.
O Projeto: A geopolítica acadêmica da antropologia da religião no Brasil Situando a questão.
A partir de uma Pesquisa de Pós-Doutorado que está em andamento3, foi
realizado um levantamento a respeito do processo de institucionalização da
Antropologia brasileira, cuja história passou a ser contada, em grande parte, a partir do
ponto de vista de intelectuais que estão vinculados a Instituições localizadas no Sul e no
Sudeste do País, havendo uma quase exclusão da produção dos que estão nas regiões
Norte e Nordeste. Foi a através das análises de obras que narram a história das Ciências
1 Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia – UFPE. Mestre e Doutora em
Antropologia – UFPE. Doutora em Antropologia de Iberoamérica – Universidad de Salamanca - Espanha.
2 Este projeto é coordenado pela Profa. Dr.ª Roberta Bivar Carneiro Campos e financiado pelo Programa
PNPD da CAPES.
3
O período de vigência da Pesquisa é de cinco anos, tendo se iniciado em novembro de 2011.
Sociais brasileiras que Reesink e Campos se deram conta de que parte da nossa história
vem sendo negligenciada:
Por que somos invisíveis? Esta questão inquietante, de conteúdo
existencial e, aparentemente, retórica, expressa a nossa perplexidade
da constatação objetiva, e que antes era intuída, sentida e subjetivada e
ao mesmo tempo não acreditada, de um processo contínuo e histórico
de invisibilização da produção acadêmica da província nortenordestina no cenário nacional. Este, digamos, ‘despertar’ surgiu a
partir de leituras dos balanços produzidos pela Anpocs (1999, 2010),
no campo da Antropologia Brasileira, em particular da Antropologia
da Religião, em que a mais notável característica é a exclusão
explícita de toda a produção de estudos sobre religião cuja localização
institucional esteja na ‘província’. (CAMPOS; REESINK 2014, p.55).
Para contemplar os objetivos dessa Pesquisa, foi realizado um trabalho de campo
em Recife, em Salvador e em Belém. Através de entrevistas semi-estruturadas foi
possível conversar com antropólogos e sociólogos, alguns inclusive com destaque no
cenário nacional4. Algo que chamou a atenção nas falas foi a referência, pelos
entrevistados, de importantes nomes para a Antropologia daquelas regiões. O curioso é
que muitas daquelas personalidades lembradas não figuram em livros que narram a
história da Disciplina5.
Em algumas ocasiões também houve a oportunidade de entrevistar antropólogos
que trabalham em Universidades no Sudeste. Um deles chegou a mencionar nunca ter
pensado sobre o tema das invisibilidades nas Ciências Sociais, pois o Programa para o
qual faz parte (Museu Nacional) tem pontuação sete. Admitiu, entretanto, haver uma
estrutura de prestígio em certas Universidades e Programas de Pós-Graduação que
precisa ser repensada. A esse respeito, Sérgio Miceli (1989) escreve sobre os privilégios
que são concedidos às Universidades que se encontram nas regiões Sul e Sudeste do
Brasil. A USP é para o autor o modelo de Instituição mais completa pensada por
intelectuais brasileiros e europeus.
4
Num total foram realizadas 35 entrevistas. Alguns dos entrevistados participaram de eventos históricos
importantes (criação da ABA, ANPOCS, fundação de PPGS e PPGAS), e/ou fizeram ou fazem parte de
equipes de pesquisadores em Instituições nos três Estados já indicados (Universidades, Fundações e
Museus). Por questões éticas, nenhum entrevistado será nomeado.
5
Os livros que contam a história das Ciências Sociais e da Antropologia brasileira consultados foram:
Sobre O Pensamento Antropológico (Roberto Cardoso de Oliveira 1988 [1985]); História das Ciências
Sociais no Brasil (Miceli [Org.] 1989); As Assim Chamadas Ciências Sociais Brasileiras (P. Birman e H.
Bomeny [Orgs.] 1991); O Que Ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995); Uma Antropologia no Plural
(Peirano, 1991); O Campo da Antropologia no Brasil (Trajano Filho e Ribeiro [Orgs.] 2004); e
Horizontes das Ciências Sociais Brasileiras (Martins e Duarte [Orgs.] 2010).
O objetivo desse trabalho é estabelecer uma reflexão em torno do processo de
invisibilidade acadêmica que se perpetuou entre alguns intelectuais de Pernambuco nas
décadas de 1920-1930, quando se formava a chamada Nova Escola do Recife e a Escola
de Psiquiatria de Pernambuco6. Diante de um campo tão vasto, abordar-se-ão alguns
estudos em torno às pesquisas com religiões afro-brasileiras realizadas por Ulysses
Pernambucano e sua equipe7. A escolha se deu, sobretudo pelo acesso a algumas
Revistas (Revista do Arquivo de Assistência a Psicopatas e Boletim de Higiene
Mental) que ainda estão em fase de coleta e de análise. Outro motivo que provocou essa
escrita é a pouca produção existente em torno a estes intelectuais8. Pretende-se mostrar
o quão a atuação do grupo de Dr. Ulysses foi pioneira, e contribuiu para a formação de
um campo de estudos na Antropologia: o das religiões afro em Pernambuco.
O trabalho de Pernambucano nos anos 20 e 30
O contexto intelectual de Recife nas décadas de 1920 e 1930 mostrava uma
afinidade entre a Psiquiatria com as Ciências Sociais, não sendo por acaso que os
primeiros antropólogos de Pernambuco eram médicos. A atuação de Ulysses
Pernambucano de Mello Sobrinho se sobressaiu nesta época por vários motivos, e nesse
texto será destacado sobretudo o trabalho de sua equipe nos terreiros, junto aos pais e
mães de santo. Para abordar essa produção, faz-se necessário contextualizá-la.
Por volta dos anos vinte, o Brasil estava em pleno processo de modernização e,
dentre as ideias veiculadas, estava a “melhoria” da raça e da Nação que, para se tornar
moderna e mais próspera, teria que ser saudável. Este período foi fortemente marcado
por tendências raciais, embasadas em teorias eugênicas.
Uma das grandes influências foi do médico antropólogo Nina Rodrigues que via
na mestiçagem uma das ameaças para o desenvolvimento do País: “Consideramos a
supremacia imediata ou mediata da raça negra nociva à nossa nacionalidade,
6 Segundo Vagner Gonçalves da Silva (2002), o termo “Nova Escola de Recife” veio de Rouquette-Pinto.
Silva argumenta que, segundo Gilberto Freyre, a Escola teria se iniciado com José Bonifácio, Silvio
Romero, Alberto Torres e continuado com Rouquette-Pinto, João Batista lacerda, Froes da Fonseca,
Fernando de Azevedo, e em Recife com Ulysses Pernambucano, René Ribeiro, Gonçalves Fernandes e
Valdemar Walente.
7 Nesse trabalho a autora enfatizará sobretudo o labor de Ulysses Pernambucano com o campo afro,
embora muitos outros intelectuais de Pernambuco tenham produzido importantes trabalhos nesta área,
como é o caso de Gonçalves Fernandes, Valdemar Walente, etc.
8 Muito pouco foi publicado, chamando a atenção o trabalho de Vagner Gonçalves da Silva (2002) que
vai falar da equipe de Ulysses Pernambucano.
prejudicial em todo caso a sua influência não sofreada aos progressos e à cultura do
nosso povo” (NINA RODRIGUES, R. 1988 apud CAMPOS, Z. p. 34, 35).
A atmosfera intelectual da época se apoiava em postulados ditos “científicos”
que aboliam qualquer comportamento que viesse a atrasar o progresso e o
desenvolvimento da Nação. A loucura era considerada como uma grande ameaça social,
e suas causas se associavam, entre outras coisas, à hereditariedade, ao alcoolismo, à
sífilis, mas também às religiosidades extremas. Ulysses Pernambucano cita em vários
números da Revista de Assistência a Psicopatas a relação entre a predisposição à
religião com a doença mental (SEIXAS, A.; MOTA, A.; ZILBREMAN, M. , 2009).
Até o final do século XIX e início do século XX, a assistência psiquiátrica em
Pernambuco restringia-se ao trabalho assistencial, sendo ao hospital que todos os ditos
“desviantes”
eram
encaminhados,
desde
psicopatas,
criminosos,
epiléticos,
toxicômanos, até adeptos das religiões ditas “populares”9 que se misturavam num
ambiente totalmente inadequado, sem nenhuma terapêutica, mas pelo contrário, a
promiscuidade, os castigos cruéis a “la camisa de força” e as prisões em calabouços
eram os meios de conter uma população que não se adequava aos moldes da sociedade
(CAMPOS, Z., 2001).
Ulysses começou seu trabalho na Tamarineira em 191710, quando foi nomeado
para uma ala feminina, tendo aí se deparado com o caso de três órfãs da Santa Casa:
Carlota, Faustina e Virgínia, que se encontravam num calabouço11. As moças teriam
sido presas por contestarem os padrões de comportamentos de freiras que viviam com
elas. O fato é que Ulysses teria se chocado com a tal internação, tendo isto o levado a
tomar algumas medidas visando mudanças no tratamento. Aos poucos, foram
promovidos serviços considerados inovadores e humanizados, a exemplo de uma
colônia agrícola, terapias baseadas na temperatura da água, repousos para psicóticos,
separação de epiléticos, serviço aberto para os casos menos graves, serviço de
orientação para pacientes e familiares, tudo isto com o propósito de que o doente se
integrasse o mais rápido à sociedade. (NASCIMENTO, B., 2007).
9 Esse termo se refere às religiões que têm como ponto em comum o incentivo aos estados de transe.
10 Algumas referências remetem ao ano de 1919.
11 BRITO, H. A odisseia de Ulysses Pernambucano: dos primórdios al legado histórico de um mito. No
prelo
Durante sua gestão, também criou o Serviço de Higiene Mental no Hospital de
Alienados de Recife, assumindo a direção em 1924. Funcionava num antigo casarão,
depois batizado de “Hospital Correia Picanço”. Era um serviço aberto, com
ambulatório. Segundo descreve Brito12, foi pioneiro no Brasil, tendo sido adotado
posteriormente em muitos Estados brasileiros, com a reforma psiquiátrica e os
movimentos anti-manicomiais. A respeito das reformas implementadas na gestão de
Pernambucano, várias são as referências. Em 1935 escrevem René Ribeiro e Eulália
Lins, dois membros de sua equipe:
Com as reformas introduzidas na administração, U. Pernambucano
no Hospital de Alienados em 1925 – 1926 quando foram abolidos os
meios de coerção do alienado e refundido sob bases científicas o seu
tratamento – e por ocasião da incorporação desse estabelecimento á
Assistência a Psicopatas em 1931, ficou esse problema quanto á sua
parte propriamente nosocomial perfeitamente integrado dentro dos
princípios preconizados por Beers. Teve o Serviço de Higiene Mental
que desenvolver sua atuação apenas num sentido exclusivo de
assistência social”. (RIBEIRO, R.; LINS, E. 1935, p. 71).
Na mesma publicação, os autores também vão enfatizar o número crescente de
pacientes que voltam a viver com a família e a importância da assistência social e
ambulatorial, quebrando com a primazia dos manicômios, citando inclusive as visitas
pós-internamento no meio familiar, tudo isto visando a recuperação do paciente e sua
readaptação à sociedade, lembrando que este dado foi resgatado entre os anos de 1925 e
1926.
Ao contrário das ideias eugenistas que eram veiculadas através da Liga
Brasileira de Higiene Mental, criada no Rio de janeiro dez anos antes, em 1923, a Liga
de Pernambuco reunia equipes com profissionais de diferentes áreas - desde médicos,
sociólogos, religiosos, juristas, folcloristas, entre outros - para discutir o universo da
doença mental, através de um foco ampliado e não puramente psiquiátrico.
Como aponta Padovan (2007) Gilberto Freyre tinha influência direta na Escola
de Psiquiatria Pernambucana e a este respeito, o autor (Freyre) escreve o artigo
Sociologia, psicologia e psiquiatria para uma conferência em Aracajú em ocasião da II
Reunião da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene mental do Nordeste, em
1940 e publicado na Revista de Neurobiologia em 194113, no qual aborda a importância
12
13
Idem
FREYRE, G., 1941 apud PADOVA, M. p. 41.
das outras ciências para se pensar a doença mental, enfatizando inclusive a cultura de
cada região e sua influência nos diagnósticos14.
Muitos dos integrantes da Escola Psiquiátrica de Pernnambuco passaram a se
interessar também pelos estudos sobre as religiões que induzissem quadros de
possessão, como a afro-brasileiras, o espiritismo e as seitas panteístas dos negros15.
Entre as vertentes de trabalho, se destacavam a pesquisa, a coleta de dados, a assistência
social e psicológica a pessoas de classes mais baixas, entre a população praticante de
religiões africanas e outras religiões populares.
A assistência psicológica foi um dos pioneirismos de Ulysses, dela foi criada o
Instituto de psicologia em 1925, primeira entidade desse tipo no País16, onde se
desenvolveram vários estudos e projetos, como a formação de profissionais
considerados aptos para aplicação de testes de Rorschach, bastante utilizados nos
serviços psiquiátricos, inclusive com os adeptos às religiões populares.
Aos seus alunos, Pernambucano estimulava o uso desse e de outros testes
psicológicos em relação à personalidade das pessoas que entravam em transe. René
Ribeiro e Pedro Cavalcanti realizaram tais “experimentos”. O trabalho de Ribeiro teve
grande repercussão internacional. Num colóquio em Washington (EUA), ele falou da
aplicação do teste em membros dos cultos afro durante os estados de transe. O autor
enfatizou o caráter não patológico do transe no contexto religioso estudado17.
Mas Recife que se modernizava era Recife sem xangô
Como pôde ser comprovado, o Serviço de Higiene Mental estabeleceu uma rede
de colaboradores, entre intelectuais e lideranças nos estudos afro, como pais e mães de
santo. Esse contato mais “íntimo” gerou muitos estudos e pesquisas, mas também uma
série de problemas de ordem política que viria a prejudicar o trabalho dos estudiosos
assim como dos adeptos às religiões ditas “populares”, sobretudo as de matrizes
africanas. As casas de cultos eram perseguidas em muitos Estados do Brasil. Em
Pernambuco, particularmente muitas foram destruídas, outras funcionaram às
Padovan fala na influência de Ruth Benedict no conceito de “normalidade regional” na obra de Gilberto
Freyre.
15
LUCENA, J., 1978 apud CAMPOS, Z., p. 74.
16 A profissão de psicólogo só se regulamentaria em 1962.
17 A esse respeito ver: Almeida. 2007, p. 198.
14
escondidas, e algumas conseguiram obter licença de funcionamento do Estado mediante
avaliação da equipe do SHM. A este respeito escreve Eulália Lins:
As seitas africanas tiveram o seu funcionamento regulado pelo
contrato anteriormente citado. Os babalorixas dessas seitas são
também regularmente submetidos a testes psicológicos e examinados
clinicarmente. As cerimônias rituais de trinta seitas africanas são
acompanhadas por este Serviço, constituindo repositório de
informações os relatórios existentes nos arquivos. Do estudo dessas
seitas depende a solução de diversos problemas referentes aos afro
brasileiros. (LINS, E. 1935, p. 75).
A esse respeito, escreve Pedro Cavalcanti em 1934 um artigo intitulado
Contribuição ao estudo do estado de saúde mental dos médiuns, publicado nos
Arquivos da Assistência a Psicopatas:
SSP - Secção de teatro e diversões públicas Portaria: Resolvo nessa
data, conceder ao Sr. X., Presidente do Centro Espírita X.X.,
localizado à rua X., - Distrito Policial da Capital, conforme requereu,
licença para fazer o mesmo centro funcionar, durante o período do
corrente ano, ficando porém sujeito a: a) não transgredir, sob
qualquer pretexto, o contido nos artigos 156, 157 e 158 do Código
Penal Brasileiro; b) não violar o artigo do Regulamento Sanitário do
Estado, no que se refere à prática ilegal da farmácia e da medicina;
c) facilitar, aos auxiliares do Serviço de Assistência a Psicopatas,
visitas e fiscalizações ao Centro a que se reporta esta portaria; d)
receber, independente de qualquer aviso, a visita da polícia civil,
sempre que isso se tornar necessário. Entregue-se a presente ao
requerente, ficando cópia arquivada na seção competente. (Ass.)
Secretário de Segurança Pública Acompanha a Portaria uma cópia
dos artigos do Código Penal que à mesma se referiu.
(CAVALCANTI, P., 1934 apud CAMPOS, Z., p. 59, 60).
Na década de 1930, Agamenon Magalhaes assume o governo de Pernambuco,
nomeando o prefeito de Recife. Um dos projetos para recuperar a cidade e modernizá-la
tinha como meta eliminar tudo o que simbolizasse desordem. O trabalho escrito por
Padovan (2007) descreve muito bem que imbuído no discurso de embelezamento e
higienização da cidade, estava a erradicação dos mocambos e dos catimbós. O próprio
Agamenon escrevia no seu Jornal (Folha da Manhã) e fazia propaganda de uma cidade
com pretensões a se modernizar, que implicava em limpar, esconder o que era feio,
desajeitado e velho. As autoridades declaravam ser os centros destinados às práticas de
religiões populares lugares subversivos, com ideologias comunistas.
Guillen (2013) descreve um fato publicado na Folha da Manhã sobre a
“limpeza” dos bairros periféricos de Recife por onde ficavam os catimbozeiros:
Não há “Xangô” nem “Pae de Santo” no Pina. O Pina está se
desenvolvendo ganhando foros de progresso, transformando-se
rapidamente. Há poucos annos passados não era nada mais que um
simples agglomerado de mocambos. Praia modesta de pescadores.
Ruas e casa de palha e de folhas de flandres, onde muitas vezes
dentro da noite, se ouvia um toque do Urucungo, chamando os negros
para o culto de Ogum. O Pina era apenas, mocambo, peixe, xangô.
Ali houve um dos culto mais desenvolvidos da cidade. A negra velha,
que não se curvou com o peso dos seus 118 annos, era a dona da
praia. O seu canto se ouvia longe. Impunha aos moradores um mixto
de respeito e de medo. Eram temidas as suas rezas e os seus cânticos.
A “bahiana” do Pina sabia o que fazia. Estava certa que ninguém
queria a sua inimizade. (Folha da Manhã, Edição Vespertina, 30 de
março de 1939, apud GUILLEN, I., 2013).
Apreender materiais dos cultos era uma prática corrente, e ainda se referindo a
Baiana do Pina escreve Guillen (2013):
A baiana do Pina não se deixou intimidar quando teve seu material do
peji apreendido pela polícia. Tratou de requerer a devolução de seus
santos, principalmente os católicos, ainda em 1938. Mas, azar grande
da Baiana. Depois de percorrer um verdadeiro labirinto burocrático,
recebe como resposta a informação de que seu material estava no
museu e que não poderia ser devolvido... Nós sabemos hoje que um de
seus bombos foi levado pela equipe de Luis Saia, da Missão
Folclórica, que no Recife gravou algumas canções de xangô. Seu
bombo hoje faz parte do acervo do Centro Cultural São Paulo...
Importa para nós que a Baiana teve forças o suficiente para percorrer
todos os caminhos possíveis para recuperar suas coisas, mesmo
alegando que tinha deixado “as atividades da baixa magia. (Folha da
Manhã, Edição Vespertina, 30 de março de 1939, apud GUILLEN, I.,
2013).
Muito do material apreendido pela polícia nos xangôs de Pernambuco foi doado
aos integrantes das missões folclóricas, organizadas por Mário de Andrade em 1938 e
levados para São Paulo. A equipe, chefiada por Luis Saia, viajou durante seis meses
para as cidades do Norte e do Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Piauí, Ceará, Maranhão e
Pará) documentando, entre outras coisas, cerimônias religiosas, como xangôs, catimbós,
etc.18. O objetivo da Missão era investigar aspectos que fizessem parte da identidade
nacional.
Imagens coletadas no Centro Cultural de São Paulo de materiais
apreendidos pela polícia e doadas para a Missão Folclórica em 1938:
18 Disponível em <
http://www.centrocultural.sp.gov.br/Colecoes_Missao_de_Pesquisa_Folclorica.html#
Acesso em: 10 Jun. 2015.
1.
Martelo de Xangô (catálogo Missão Folclórica)19.
2.
Vassoura de Nanã-Burucu-Pacatá-Malodé e Vassoura de Nanambrucuru (catálogo Missão Folclórica)20.
3.
Instrumentos - tambores (catálogo Missão Folclórica) 21.
Apesar da insatisfação do governo de Pernambuco, esse movimento em torno
dos terreiros repercutiu bastante na sociedade como um todo, ao ponto que em 1934
19
Disponível em <http://www.centrocultural.sp.gov.br/caderneta_missao/index.html>.
Mai. 2015.
20
Idem.
21 Ibidem.
Acesso em: 02
Gilberto Freyre, juntamente com Ulysses Pernambucano organizaram o I Congresso
Afro Brasileiro. Pioneiro, foi um momento em que se reuniram lideranças no assunto e
representantes dos cultos, desde pais e mães de santo, médiuns espíritas, psiquiatras, até
folcloristas, etc.22. Neste mesmo ano, 1934, Ulysses publica na Revista de Assistência a
Psicopatas que tem sido acusado por críticos e pelo governo de Pernambuco de
despesas supérfluas com o serviço de assistência a psicopatas23.
Padovan (2007) aponta que a instituição psiquiátrica em Recife sofreu de
superlotação e falta de verbas desde sua inauguração, em 1883, piorando com a
passagem do império para a República. Nos anos vinte ocorreram mudanças
significativas, época em que Ulysses Pernambucano contribuiu bastante com suas ideias
de prevenção, cura e reintegração social. No entanto, com o advento do Estado Novo,
Pernambucano foi preso acusado de comunismo e afastado da direção do hospital. Daí
em diante proibido de ocupar cargos públicos24. Há várias versões sobre sua prisão, mas
segundo Cerqueira (1978), todos em Pernambuco sabiam que os reais motivos estariam
relacionados ao fato dele defender os doentes e não por problemas éticos e de desvios
de verbas, conforme noticiavam alguns jornais da época, como A folha da manhã que
publicou notas sobre seu afastamento tendo como causa descobertas de irregularidades
no Serviço25.
Coêlho Filho comenta que Ulysses recusava-se a superlotar ainda mais a
Instituição: “Chamado à chefatura, o titular exige as internações. Às ponderações de
Ulisses, teria retrucado:
- onde comem dois, comem três.
-onde comem dois, três passam fome”, respondeu Ulisses26.
22 Num artigo de Jornal, sai uma nota de Gonçalves Magalhães falando sobre a presença do Pai
Anselmo: “No congresso afro-brasileiro de Recife foi muito estimável a contribuição de Anselmo. Ele
deu a todas as sessões o pitoresco dos seus apartes, discutiu as teses com os doutores, e esclareceu muita
coisa na sua simplicidade. Foi homem de extraordinário valor”. Disponível em
<http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=tematico&pagfis=39407&pesq>. Acesso em: 05
Mai. 2015. Neste link pode-se encontrar diversos artigos de Jornais do Recife, Rio de Janeiro e São Paulo
com fotos e reportagens sobre o xangô de Recife.
23 Ulysses Pernambucano, 1934, p. 75.
24 Disponível em
<http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=151&Ite
mid=1>. Acesso em 07 Mai. 2015.
25 CAMPOS, Z., 2001 apud Padovan, p. 22.
26 FILHO, H. p. 27 apud Padovan, p. 22.
Mas nas palavras de A. Magalhães: “ Quem já se metera também com pais de
santo, retirando da Polícia para o Serviço de Higiene Mental da Assistência a
Psicopatas o controle das seitas afro-brasileiras. Imperdoável”. (NASCIMENTO,
2007, p.18).
A maneira de ver a loucura sofreu avanços e retrocessos. Com o advento do
Estado Novo, Ulysses foi afastado da direção do Serviço de Assistência a Psicopatas,
coube aos seus sucessores dar continuidade ao seu trabalho, entrando em consenso com
as demandas políticas do governo. Segundo Padovan (2007), a psiquiatria
pernambucana terminou se adaptando ao Estado Novo, sendo influenciada pelos ideais
eugenistas, como aconteceu em todo Brasil.
Ainda sobre as invisibilidades: considerações finais
Diante de tudo o que foi exposto, pode-se perguntar o por quê do trabalho de
Ulysses Pernambucano e de sua equipe ter sido tão negligenciado nas Ciência Sociais
brasileiras, ao ponto que atualmente passaram a ser praticamente excluídos da
historiografia nacional. As poucas referências aos mesmos costumam criticá-los e
associá-los a modelos médicos e biologizantes.
Rossi (2011) ao se referir ao I Congresso Afro-Brasileiro escreve: “manutenção
de um modelo médico que se traduzia na prática de uma antropologia aplicada
defendida por Gilberto Freyre, a fim de reclamar a primazia dele, do congresso e do
‘grupo de Recife’ no trabalho de retomada e reformulação dos estudos raciais da
época27” (ROSSI, L. 2011, p. 167).
No caso de Vagner Gonçalves (2002), a ênfase recai nas desavenças entre os
membros da equipe de Psiquiatria do Recife. Chama a atenção para a crítica de
Herskovits direcionada à postura de Ulysses Pernambucano e de sua Escola, referente à
leitura que faziam dos cultos afro e dos aspectos psicopatológicos presentes nos
indivíduos que frequentavam tais locais. Comenta inclusive que René Ribeiro se
posicionou muito mais em direção à postura de Herskovits, indo de encontro aos
postulados de Pernambucano, seu primeiro mentor:
Quando da visita do Professor de antropologia cultural da
Universidade de Nortwestern ao Recife, Melville Herskovits, este
27 ROSSI, L. 2011, p. 167.
discordou perante Ulysses Pernambucano da ênfase emprestada por
sua escola, ao psicopatológico nos estudos afro-brasileiros (...) Daí
por diante passei a considerar o distúrbio mental muito mais como
social do que como psicopatológico. Outra coisa, também, é que a
corrente a que me filiei em antropologia cultural (Boas, Herskovits,
etc.) é uma corrente que leva em consideração o indivíduo – o
indivíduo na cultura, o racional e o irracional no homem”.
(RIBEIRO, apud SILVA, 2002, p. 95)
Não se pode deixar de salientar que apesar das críticas, a psiquiatria praticada
em Pernambuco tinha os pressupostos de uma psiquiatria social: “uma disciplina de
características preventivas que foi capaz de absorver as mudanças das instituições
psiquiátricas e procurou integrar não só conhecimentos da técnica clínica, como
também os conhecimentos das disciplinas sociais – utilizados nos diagnósticos e
tratamento dos pacientes”28. Como aponta Padovan (2007), Juliano Moreira, mestre de
Ulysses, embora adepto da teoria Krapelineana, não via na mestiçagem predisposições à
doença mental, relacionando a patologia com causas sociais, com a educação e as
condições de vida no geral. Nesta mesma linha, Ulysses teve uma preocupação muito
grande com a prevenção, tendo lutado por melhores condições para aqueles que se
internavam29, como argumenta V Walente:
A reforma empreendida por Ulysses, no campo da alienação mental,
se opunha às práticas médicas então dominantes. Os hospitais deviam
perder o ar de cárcere, as portas deveriam ser abertas e os meios
físicos de contenção, abolidos. É o fim dos calabouços, das camisasde-força, dos confinamentos ou prisões. (VALENTE, W., 1978 apud
CAMPUS, Z. p. 73).
Com relação às religiões afro, a equipe teve um papel extremamente importante
frente aos praticantes e na intermediação com a polícia e com o Estado. Como aponta
Guillen (2013), alguns dos estudiosos tinham a preocupação em livrar os pais e mães de
santo da prisão:
Gonçalves Fernandes tinha a preocupação em livrálos da repressão
policial, para que assim pudessem ser estudados e entendidos: A
repressão policial dificultava qualquer tentativa de contato com a
vida intima dos terreiros, nome que os negros dão aos seus templos
(...) Uma tentativa nesse sentido foi levada a um termo feliz pelo
Serviço de Higiene Mental da Assistência a Psicopatas, à frente o
prof. Ulysses Pernambucano. Semelhante preocupação é possível de
ser encontrada também nas palavras de Pedro Cavalcanti: Tais seitas
viviam até então, de certa maneira escondidas. Ou porque, a policia
não lhes permitia o livre funcionamento. Ou porque os jornais, vez
por outra, traziam reclamações dos moradores da rua (...) Lutamos de
28 PADOVAN, 2007, p. 50.
29 Krapelin era adepto da teoria do racismo científico que pregava a superioridade do branco europeu.
inicio com alguma dificuldade para a aproximação desejada. Nem era
para menos, sabido das perseguições que sofriam os pobres negros30.
Embora pouco reconhecido, Ulysses Pernambucano marca um momento em que
os comportamentos e manifestações de adeptos às religiões populares passam a ser
objeto de análise dentro de um contexto específico. O estudo do transe e de outras
manifestações passou a ser compreendido pela cultura do grupo estudado e isto levou
muitos dos membros da equipe que tinha uma formação médica a enveredar por outras
áreas, como a Antropologia, por exemplo.
René Ribeiro é um exemplo de médico que se especializou pelo estudo das
religiões afro numa perspectiva muito mais antropológica. Sua Tese sobre os cultos
afro-brasileiros é em exemplo de etnografia em que o autor passou quatro anos num
trabalho de campo estudando o xangô31. Mas a importância deste autor, como de tantos
outros, parece ter sido ofuscada da historiografia da Antropologia nacional. No prefácio
da segunda edição de Cultos afro brasileiros no Recife. Um estudo do ajustamento
social, escrito por René Ribeiro, Roberto Motta (1978), vai se referir aos estudos de
Ribeiro sobre xangô como referência no Brasil, argumentando que o autor foi o
primeiro a perceber a importância das técnicas divinatórias dentro da ideologia e do
funcionamento do ritual afro, chamando a atenção para a infra estrutura dos grupos de
culto – economia e política dos terreiros, indo além dos modelos formais de Carneiro,
Herscovits e Bastilde.
Ribeiro foi um dos fundadores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
da UFPE, e pesquisador dedicado ao campo da Antropologia da Religião. Embora
muitos desconheçam, ele foi o primeiro brasileiro a conseguir o grau de mestre em
Antropologia e, a partir de seu labor tanto na Fundaj quanto na UFPE, inspirou outros
pesquisadores a se debruçarem sobre o campo afro, como foi o caso de Roberto Motta.
A respeito do xangô, Motta é um dos poucos que reconhece os méritos de outros
pernambucanos como Albino Gonçalves Fernandes e Valdemar Walente32, que segundo
30 GUILLEN, I. 2013, p. 4.
31 RIBEIRO, R. 1978.
32 Esses autores têm chamado a atenção de professores e alunos do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia da UFPE e para aprofundar as pesquisas sobre os mesmos, foi criado, por iniciativa dos
alunos, o Observatório das Religiões Indo Afro Pernambucanas (ORIAPE) vinculado ao Núcleo de
Estudos em Religiões Populares.
ele, foram, juntamente com René Ribeiro, os reveladores desse campo33. Afirma, por
sua vez, que estes estudiosos são gratos a Ulysses, pois ele teria inaugurado essa linha
de trabalho em Recife34.
Pode-se dizer que Ulysses deixou um legado, fundou uma Escola de pensamento
que se difundiu numa época em que se predominavam teorias eugenistas, mas que, no
entanto, se perpetuou entre estudiosos que puderam ampliar o foco de suas análises num
modelo sociocultural. Infelizmente, a Escola de Psiquiatria de Pernambuco é ainda hoje
pouco reconhecida. É comum falar dela se generalizando e se referindo à Equipe de
Higiene Mental como se fosse algo único, empobrecendo e invisibilizando a diversidade
de cada membro que dela fez parte. A respeito das invisibilidades para com os
nordestinos, Gilberto Freyre já chamava a atenção para isto desde a década de 1920.
Pernambuco sempre foi considerado um Estado “conservador” e “tradicional” se
contrapondo a São Paulo e Rio de Janeiro que eram Estados Modernos, pólos
econômicos e industriais, onde se manifestava o progresso do País. Enquanto o Sudeste
se pautava num modelo eurocêntrico, o Nordeste, particularmente Pernambuco, através
do projeto intelectual de Freyre, visava a construção de um pensamento social a partir
da ideia de região.
Anos mais tarde, em 1970, Freyre faria uma crítica ao que vinha sendo
rigorosamente defendido por certos cientistas sociais no que se refere aos padrões da
pesquisa científica. Para ele, (Freyre), mais que generalizações objetivas, a pesquisa
social deveria valorizar sobretudo as produções locais, regionais, mencionando aí os
nomes de dois antropólogos nordestinos, o pernambucano René Ribeiro e o baiano
Thales de Azevedo:
O Brasil, êste deve ao Professor Thales de Azevedo, como a outros cientistas
sociais de hoje – um René Ribeiro, dentre os também antropólogos –
contribuições valiosas para o esclarecimento de aspectos peculiares a uma
sociedade e a uma cultura que precisam ser estudadas e interpretadas
considerando-se essas peculiaridades; e não simplesmente aplicando-se à
situação brasileira teorias e métodos de outras origens e de validade
condicionada de suas origens. (FREYRE, G. 1970, p. 18-19)
33 O natal nos cultos africanos do Recife. Diário de Pernambuco. 25 de dez de 1977. Disponível em:
http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=Tematico&PagFis=39424&Pesq=. Acesso: 5 Mai
2015.
34 MOTTA, R., 1978.
Prefaciando As Ciências sociais na Bahia (1983), Freyre aproveitou para chamar
a atenção dos intelectuais sulistas, para a obra de nordestinos, apontando para a
exclusão de certas produções:
é preciso como baiano, nordestino, brasileiro do Norte, Thales de
Azevedo vença de todas as barreiras sulistas a esses reconhecimentos.
O que não se diz de modo emocionalmente ressentido. E sim à base de
desapreços, que vem ocorrendo da parte de publicações de cultura
editadas no Rio de janeiro, em São Paulo, em Brasília, por atividades
de origens nortebrasileiras, que vêm apresentando marcante interesse
pan nacional. (FREYRE, G. 1984, p. 6).
Hoje, em 2015 as invisibilidades ainda persistem e certos autores parecem ter
“ficado para trás”, como é o caso dos que fizeram parte da Escola de Psiquiatria de
Pernambuco. Se faz necessário que estas produções sejam resgatadas e que esses
autores sejam lidos e discutidos, para que os estudos do campo afro possam ser
recuperados, o que só tem a engrandecer a produção antropológica nacional. É isto que
o Projeto de Pós-Doutorado tem tentado resgatar, essa literatura e estes autores que
merecem sair do anonimato, afinal são nomes de grande importância na consolidação de
estudos da Antropologia da religião no Brasil, e os primeiros em Pernambuco a
inaugurar este campo.
Mas como Sansone argumenta, o campo de estudos afro é, como qualquer outro,
um campo de disputas intelectuais e políticas. “Um campo saturado de tensões, que se
constitui com uma serie de disputas de poder que interligam os intelectuais-chave no
contexto local” 35. Conclui que alguns estudiosos se destacam mais que outros inclusive
pelas relações que estabelecem. Ele questiona o sucesso de Herskovits e a exclusão de
Franklin Frazier, da Howard University, e Lorenzo Turner, da Fisk University, que
também realizaram estudos no Brasil.
Com essas palavras finaliza-se este trabalho numa tentativa de reflexão sobre as
lacunas do campo da Antropologia pernambucana. Busca-se então pensar sobre o que
está por trás destas invisibilidades e como isto repercute na prática dos profissionais que
trabalham nas Instituições que se situam na “província” Norte-Nordeste.
Através das análises de certas narrativas sobre a História das Ciências Sociais no
Brasil (em particular na obra de Miceli), se comprova que a produção dos autores que
fazem parte do Norte e do Nordeste do Brasil, ainda hoje se encontra às margens da
35 Sansoni, 2002, p. 7
Antropologia brasileira, como é o caso de muitos dos que fizeram parte da Escola de
Psiquiatria de Pernambuco, como o próprio Ulysses Pernambucano, René Ribeiro,
Valdemar Walente, Gonçalves Fernandes, entre tantos outros.
A historiografia das Ciências Sociais brasileira vem sendo contada por autores que
vão tratar do que é produzido nas regiões Sul e Sudeste como o retrato da Antropologia
nacional e é essa história que é publicada, é também a que é contada em sala de aula aos
alunos, é a que se exige em concursos para docentes, passando a ser repetida, afirmada e
reafirmada por muitos como a história das Ciências Sociais e da Antropologia
brasileira. Mas, pode-se falar em uma Antropologia brasileira? Ao considerarmos um
único modelo, se exclui o que há de diversidade e riqueza na nossa produção, como
dizem Reesink e Campos (2011). Podemos nos perguntar: será que faz tanta diferença
ser antropólogo no Norte do que ser antropólogo no Sul do Brasil36?
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