FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA O DEBATE SOBRE O DESTINO DOS EGRESSOS DE LONGAS INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS O caso do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano Moreira Luciana Massad Fonsêca Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Saúde Pública, área de concentração Políticas Públicas e Saúde. ORIENTADORA: Prof. Dra. Maria Eliana Labra Rio de Janeiro 2005 LUCIANA MASSAD FONSÊCA O DEBATE SOBRE O DESTINO DOS EGRESSOS DE LONGAS INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS O caso do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano Moreira Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Saúde Pública, área de concentração Políticas Públicas e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. BANCA EXAMINADORA ________________________________________________ Prof. Dra. Maria Eliana Labra Orientadora _________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Duarte de Carvalho Amarante Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ _________________________________________________ Prof. Dr. Luis Antonio Baptista Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro 2005 2 A todos os pacientes do CRIS, sem os quais este trabalho não seria possível. 3 AGRADECIMENTOS À Naiana e Andréa Marcolan, que tantas vezes compartilharam as mesmas inquietações em relação à saúde mental e, em especial, ao trabalho na Colônia, e por serem, acima de tudo, minhas amigas. À toda equipe do CRIS, em especial à Vanessa, Marina, Carla e Bruna, que tornaram-se muito mais do que colegas de trabalho. À Ana Paula Sanzana, pelas informações preciosas, pela força em todos os momentos e pela amizade. A minha família, em especial a minha mãe, e aos meus queridos amigos Beto e Jorge, pela paciência e pela torcida. À professora Eliana, por toda a ajuda durante esses dois anos, e pela forma especial de orientar seus alunos. E ao querido Rodrigo, por me apoiar e me incentivar sempre. 4 SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10 1. COLÔNIA JULIANO MOREIRA: UM POUCO DE HISTÓRIA 1.1. Um “novo” hospício para os loucos no Rio de Janeiro .............................. ...... 1.2. A década de 80 e as tentativas de transformação do asilo .. 1.3. Contexto atual: o Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano 12 15 Moreira ..................................................................................................................... 17 2. A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E A QUESTÃO DA (RE)INSERÇÃO SOCIAL 2.1. Resenha da Reforma Psiquiátrica Brasileira ..................................................... 2.1.1. Os serviços substitutos do manicômio ................................................. 2.2. Política de Saúde Mental e (re)inserção social .................................................. 2.3. Abordagens sobre o tema da inserção social ..................................................... 20 22 23 27 3. O “DESTINO” DOS INTERNOS DAS INSTITUIÇÕES PSIQUIÁTRICAS: A EXPERIÊNCIA DA CJM 3.1. Estratégias assistenciais da CJM: o CRIS, os Lares de Acolhimento e o 32 Programa de Residências Terapêuticas ................................................................... 3.2. Projeto Terapêutico do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) 34 Juliano Moreira: uma instituição dividida? .............................................................. 41 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................... 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... ANEXOS 1. Portaria nº106/MS, de 11 de fevereiro de 2000 ........................................................ 2. Portaria nº1220/MS, de 7 de novembro de 2000 ...................................................... 3. Lei nº 3.400, de 17 de maio de 2002 ......................................................................... 4. Lei nº 10.708/MS, de 31 de julho de 2003 ................................................................ 5. Proposta do seminário interno do Instituto Municipal de Assistência à Saúde 72 83 89 92 95 97 (IMAS) Juliano Moreira, realizado em dezembro/2004, sobre a reestruturação da assistência oferecida pelo CRIS .................................................................................... 99 5 6 LISTA DE ABREVIATURAS UTILIZADAS CAPS – CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL CJM – COLÔNIA JULIANO MOREIRA CRIS – CENTRO DE REABILITAÇÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL ECT – ELETROCONVULSOTERAPIA HMJM – HOSPITAL MUNICIPAL JURANDYR MANFREDINI IMASJM – INSTITUTO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE JULIANO MOREIRA IPP – INSTITUTO PHILIPPE PINEL IPUB – INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PSM – POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL RT – RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA SRT – SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO 7 RESUMO Esta dissertação discute como o “retorno à sociedade” dos egressos de longas internações psiquiátricas tem sido tratado e que tipo de estratégias assistenciais voltadas para este fim foram adotadas nos últimos 20 anos. Para tal, foi realizado um estudo de caso no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, hospital psiquiátrico localizado no Rio de Janeiro, no qual coexistem estratégias formuladas ainda durante a década de 80 com aquelas fundamentadas nos princípios da atual Política de Saúde Mental. Os resultados deste estudo apontaram para uma mudança no significado atribuído aos termos ressocialização, reabilitação, reintegração e reinserção social no período estudado, ocasionado transformações importantes na prática assistencial: num primeiro momento, o “trabalho” era visto como única via para possibilitar a saída dos internos da instituição e, atualmente, a construção de uma “rede social” capaz de sustentar o sujeito fora do asilo vem se tornando ponto central desta discussão. Palavras-chave: inserção social, Política de Saúde Mental, psiquiatria, desinstitucionalização. 8 ABSTRACT This dissertation discusses how the "return to society" of patients who have spent long periods in psychiatric hospitals has been approached and what kind of related assistance strategies were adopted in the last 20 years. With this purpose, a case study was carried out in the "Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira", a psychiatric hospital located in Rio de Janeiro, where coexist strategies formulated during the 1980s together with those grounded on the principles of the current Mental Health Policy. The results of the study show a change in the meaning of the terms resocialization, rehabilitation, reintegration and social reinsertion in the considered period, causing major transformations in the assistance of mental patients practice: in the past, finding a job was seen as the only way for a patient to leave the institution. Nowadays, however, the construction of a "social network", capable of supporting the individual when outside the hospital is becoming the central point of this discussion. Key-words: social reinsertion, Mental Health Policy, psychiatry, desinstitucionalization. 9 INTRODUÇÃO O hospital psiquiátrico, recurso central do modelo de assistência prestada aos portadores de transtornos mentais, bem como as práticas e discursos que o fundamentam, vêm sendo questionados desde o fim da década de 70, sob a influência de diversas experiências internacionais, em especial a italiana. Estes questionamentos constituíram o início, no Brasil, do movimento pela Reforma Psiquiátrica que tem como uma de suas conquistas a formulação de uma política de saúde mental centrada na substituição do aparato asilar por serviços de base territorial, legitimando as inúmeras experiências assistenciais inovadoras ocorridas em diversas regiões do país ao longo da década de 1990. Questões como o isolamento do louco do convívio social, a longa institucionalização e seus efeitos têm sido enfrentadas mediante estratégias assistenciais voltadas para a substituição do asilo como local de moradia dos pacientes que perderam os vínculos sociais e/ou familiares ao longo dos anos de internação. O objetivo desta pesquisa foi o de desvendar tais estratégias a partir da análise dos conceitos nos quais estavam fundamentadas. Trata-se de investigar como a questão da saída dos internos dos grandes hospitais psiquiátricos e seu conseqüente “retorno à sociedade”, hoje geralmente denominada (re)inserção social, vem sendo tratada e que tipo de estratégias assistenciais voltadas para este fim vêm sendo adotadas nos últimos 20 anos. O estudo foi realizado no IMASJM, hospital psiquiátrico localizado no Rio de Janeiro, que conta atualmente com aproximadamente 700 pacientes, onde coexistem formas assistenciais formuladas ainda durante a década de 80 com as fundamentadas nos princípios da atual Política de Saúde Mental, situação esta que tem gerado posicionamentos os mais diferenciados entre os profissionais que compõem o quadro da instituição. Elucidar as contradições daí advindas foi um dos propósitos centrais do nosso estudo. Para fins de exposição da investigação realizada, esta dissertação foi dividida em quatro capítulos. No Capítulo I apresentamos um breve histórico do IMASJM com o intuito de analisar os pressupostos conceituais que, em diferentes momentos, fundamentaram a assistência que tem sido prestada aos seus internos. 10 No Capítulo II abordaremos as circunstâncias de emergência dos primeiros movimentos para a transformação da Colônia Juliano Moreira (CJM) no final da década de 1970. Acompanha essa exposição uma resenha da Reforma Psiquiátrica brasileira e seus principais fundamentos para, em seguida, destacarmos alguns pontos da Política de Saúde Mental (PSM) vigente, dada a importância nesta atribuída à (re)inserção social, também referida pelos termos reintegração e ressocialização, dos egressos de longas internações psiquiátricas. Sobre este tema, procedemos a uma revisão bibliográfica que permitiu fundamentar nossas análises. O Capítulo III enfoca as estratégias assistenciais desenvolvidas no IMASJM ao longo das três últimas décadas, denominadas reintegração/ ressocialização ou (re)inserção dos pacientes. Mostraremos que a adoção de cada uma destas denominações correspondeu a uma prática assistencial diferente. O estudo deste período da história institucional apontou para a transformação na visão sobre o destino dos pacientes cuja internação se justificasse apenas pela precariedade ou inexistência de suporte social que lhes garantisse viver fora dos muros do hospital. O Capítulo IV descreve a metodologia adotada, explicitando as razões que levaram à escolha do estudo de caso como forma de investigação, apresenta os instrumentos utilizados para a coleta de dados e analisa os resultados obtidos, referentes à caracterização do Programa de Residências Terapêuticas do IMASJM e de sua clientela, e à visão de alguns dos profissionais dessa instituição acerca do fenômeno estudado. Nas Considerações Finais, são articulados os resultados obtidos na pesquisa de campo com as contribuições teóricas apresentadas nos capítulos anteriores. Assim, são ressaltadas as transformações vividas no IMASJM no que se refere à formulação e implementação de propostas assistenciais voltadas para pensar o destino da clientela internada e sua relação com o significado atribuído aos termos (re)inserção, ressocialização e reabilitação ao longo das últimas três décadas. 11 CAPÍTULO I COLÔNIA JULIANO MOREIRA: UM POUCO DE HISTÓRIA Neste primeiro capítulo, apresentaremos um pouco da história do IMAS Juliano Moreira: seus pressupostos e objetivos quando da fundação em 1924, bem como as transformações administrativas, técnicas e discursivas pelas quais vem passando ao longo dos seus 80 anos de existência. 1.1. Um “novo” hospício para os loucos no Rio de Janeiro A antiga Colônia Juliano Moreira (CJM), hoje denominada Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira, localiza-se numa área estimada em 7 milhões de m2 onde funcionava um dos mais antigos engenhos da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, o Engenho Novo de Jacarepaguá. Segundo Rebouças (2001), em 1909, João Augusto Rodrigues Caldas - então diretor das antigas colônias de alienados Conde de Mesquita e São Bento, situadas na Ilha do Governador – pressionado pelas condições inadequadas em que se encontravam os doentes nestes estabelecimentos, teria encontrado nas terras do Engenho Novo o local ideal para um novo asilo. Três anos depois, durante o governo do Presidente Marechal Hermes da Fonseca, o Engenho Novo de Jacarepaguá foi desapropriado pela União e em 1919 iniciouse a construção dos pavilhões que, a partir de 1924, iam abrigar os doentes para lá transferidos. Dessa forma, foi inaugurada a Colônia de Alienados de Jacarepaguá, posteriormente denominada Colônia Juliano Moreira (CJM). Segundo Venâncio e Delgado (1989, p.8), para o novo asilo foi transferido não somente o “velho e imenso material existente na Ilha [do Governador], mas também os doentes, empregados e famílias destes”, iniciando assim a formação do que hoje se convencionou chamar “comunidade interna”1 da CJM. 1 O termo “comunidade interna” foi utilizado por Venâncio e Delgado (1989) para referir-se à população que reside na área da antiga CJM, excluindo-se os pacientes que ainda encontram-se nas enfermarias da instituição. 12 A criação da Colônia de Alienados de Jacarepaguá está intimamente relacionada a uma nova concepção da psiquiatria que surgiu na virada do século XIX para o século XX, concepção esta que pressupunha um modelo de assistência fundamentado no trabalho terapêutico e na assistência hétero-familiar. Segundo Venâncio e Delgado (1989, p.7), o surgimento deste novo modelo assistencial no Brasil “articula-se ao próprio período de transformação do saber psiquiátrico, no início do séc. XX, quando se procurava a construção de outros sistemas assistenciais que dessem conta dos problemas trazidos pelo hospício do fim do século passado, já obsoleto e inchado”. Desta forma, a criação das Colônias de Alienados foi pautada pelo princípio “da máxima liberdade proporcionada pelo trabalho ao ar livre e pelo tratamento hétero-familiar” (Venâncio e Delgado, 1989, p.7), este último entendido como um tipo de assistência que incentivasse o contato freqüente entre os doentes e as pessoas ditas normais. O asilo deveria ser, desta forma, “mais que um sítio distante do incipiente caos urbano; era a aspiração de uma comunidade continente, acolhedora, modelar e especializada – pelo engenho da ciência e pela arte da paciência – em circunscrever paradigmaticamente os loucos”. (Venâncio e Delgado, 1989, pág.7). Segundo as palavras do Dr. Juliano Moreira2, em 1910: “Anexo ao hospital-colonia, em seus limites, deve o governo construir casinhas hygiênicas para alugar às famílias dos bons empregados que poderão receber pacientes susceptíveis de serem tratados em domicílio. Farse-á assim assistência familiar. Se nas redondezas da colônia houver gente idônea a quem confiar alguns doentes poder-se-á ir estendendo essa assistência hetero familiar e até tentar a homo familiar”. (Moreira, 1910 apud Venâncio e Delgado, 1989, p.7) 2 Juliano Moreira (1873-1933), é freqüentemente apresentado como fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil. Mestiço de família pobre, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia aos 13 anos, graduando-se aos 18 anos (1891). Em 1896, era professor substituto da seção de doenças nervosas e mentais da mesma escola. Até 1902, freqüentou cursos sobre doenças mentais e visitou muitos asilos na Europa. De 1903 a 1930 dirigiu o Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro. Foi membro de diversas sociedades médicas e antropológicas internacionais; fundou, em colaboração com outros médicos, diversos periódicos, especialmente nas áreas de psiquiatria e neurologia e em 1907 a “Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal”. Segundo Oda e Dalgalarrondo (2000), “para melhor entender a atuação de Juliano Moreira deve-se recordar que, nas primeiras décadas do século XX, a medicina brasileira acreditava ser capaz de dirigir o processo de modernização e sanitarização do país. Assim, a atuação de Juliano Moreira foi coerente com esta visão; para ele, o principal papel da psiquiatria estava na profilaxia, na promoção da higiene mental e da eugenia”. 13 Trinta anos após essas palavras de Juliano Moreira, em trecho extraído de um artigo dos Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, o doutor Flavio de Souza (1942), então docente e chefe da Clínica Psiquiátrica do Instituto de Psiquiatria, discorre sobre a assistência hetero-familiar: “Devemos entender por assistência hetero ou extra-familiar3 a internação de doentes mentais ou pacientes com deficiência mental, em casas de famílias que não sejam as suas próprias. (...) Vive o paciente com uma família que não é evidentemente a sua, mas que segue com devoção a instrução do médico. (...) Devemos escolher uma família harmoniosa e com certa rotina estável nos hábitos de viver. Um tipo de doente usualmente selecionado para o tratamento da assistência hetero-familiar é este cujo estado mental agudo já cessou. É, portanto, inofensivo para si e para os outros, estando em condições satisfatórias, não exigindo um cuidado constante médico e psiquiátrico. Quando os pacientes já quase restabelecidos, têm necessidade de voltar ao ambiente familiar (assistência homo-familiar), mister se torna a existência de pessoas aptas a vigiá-los. Estes são tratados por seus parentes, sem a interferência da ajuda do Governo” (Souza, 1942, p. 49). Com base nestas concepções, durante anos incentivou-se a construção, no interior do espaço asilar (ou seja, em terras pertencentes à Colônia), de casas para funcionários “idôneos” que constituíssem família, pois acreditava-se que os padrões morais “higiênicos” daqueles poderiam ser transmitidos aos doentes a partir não somente do convívio sistemático mas também da vigilância. Para Venâncio e Delgado (1989, p.9), “além dessa sua representação ‘higiênica’, a família era necessária enquanto transmissora de costumes e regras sociais” 4. 3 Sobre este tema, consultar Echebarrena, R. (2004) e Venâncio e Delgado (1989). Conforme citado em nota anterior, o principal papel atribuído à psiquiatria nas primeiras décadas do século XX era o de contribuir para o “processo de modernização e sanitarização do país” por meio de ações voltadas para a profilaxia, a promoção da higiene mental e da eugenia. Desta forma, em 1923 é criada a Liga Brasileira de Higiene Mental que, segundo Echebarrena (2004, p.8), irá se ocupar de “prevenir a doença mental através de intervenções fora do hospício, [ou seja] pela vigilância das uniões, dos costumes e dos hábitos, (...) através da fiscalização dos indivíduos. Desta forma, “uma família saudável, higienicamente tratada e regulada seria 4 14 Para Milagres (2002, p. 41), apesar de ter sido fundada sob a égide de uma “nova psiquiatria”, o que ocorreu não só na antiga CJM mas em todos os demais asilos fundados sob moldes semelhantes, foi um movimento de ampliação do campo asilar, pois “ao mesmo tempo em que se retira o doente do meio social externo, cria dentro do seu espaço uma ‘comunidade asilar’ interna que se constitui sob a tutela normalizadora e moralizadora da psiquiatria”. 1.2 A década de 1980 e as tentativas de transformação do asilo As propostas de trabalho agrícola e assistência hétero-familiar, alicerces do novo modelo assistencial acima descrito, nunca chegaram a funcionar da maneira como foram idealizadas (Delgado e Venâncio, 1989). Os pacientes internados na antiga CJM dificilmente recebiam alta e a população de internos da instituição só cresceu nos anos que se seguiram. Um aumento expressivo do número de internações marcou as décadas de 50 e 60, como mostram os prontuários dos pacientes que ainda se encontram na instituição. Durante a década de 70 começaram a surgir as primeiras denúncias – por parte dos próprios funcionários da instituição - de maus tratos, abandono e desassistência. Finalmente, na década de 80, quando inicia-se o processo de redemocratização do país, instaura-se um período de mudanças institucionais importantes na CJM. Segundo Lougon (1984, p. 19-22), o “marco zero” para o início do processo de transformação do asilo se deu a partir das denúncias, amplamente veiculadas pela imprensa, da precariedade das condições de vida e assistência dos internos da CJM. A permissão da entrada da imprensa na instituição indicou uma “disposição prévia” dos dirigentes para a mudança. Com a divulgação do material coletado pela imprensa a partir da abertura dos portões da CJM e a conseqüente comoção gerada na opinião pública, foi instaurada uma comissão com membros do alto escalão do Ministério da Saúde, cujo relatório propôs como um ambiente desfavorável para a manifestação de qualquer doença. A higiene impunha às famílias a educação física, moral, intelectual e sexual”. Segundo Costa (1984, p.72), os psiquiatras da Liga transformaram em dogma a tendência da psiquiatria da época em entender que “os fenômenos psíquicos e culturais explicavamse unicamente pela hipótese de uma causalidade biológica o que, por sua vez, justificava a intervenção médica em todos os níveis da sociedade”. 15 estratégia “capacitar seus hospitais psiquiátricos, a fim de que estes alcancem seus propósitos fundamentais, assim como se reposicionem diante da necessidade de racionalização e integração das ações de saúde para a melhoria da qualidade do atendimento e expansão da cobertura” (Lougon, 1984, p.19). A década de 80 é marcada por algumas medidas práticas de grande significado simbólico para a mudança, tais como a suspensão dos eletrochoques e a abertura dos quartos-fortes. Sobre os primeiros, relata Lougon: “Este tratamento, bastante temido pelos internos, tinha também um uso disciplinar, além da assim chamada indicação médica, podendo ser aplicado naqueles que transgrediam as regras de conduta. Comumente os pacientes eram colocados deitados lado a lado no piso de um salão especialmente designado para este fim, e eletrochocados um após o outro. (...) os enfermeiros antigos relatam uma finalidade variante, de finalidade punitiva, conhecido como ‘miudinho’. Neste caso os eletrodos eram aplicados sucessivamente em outras partes do corpo que não a cabeça, e não provocavam senão a percepção dolorosa dos choques” (Lougon, 1984, p.20) Os quartos fortes, “conjunto de celas individuais dotadas de um catre, uma latrina de cimento e fechadas por uma porta gradeada de ferro ou de madeira espessa” de onde, através de uma fenda, eram vigiados e alimentados os internos que ali estivessem, também eram mais uma medida disciplinar amplamente utilizada por funcionários da instituição que, na prática, não necessitavam de autorização médica para fazê-lo. (Lougon, 1984, p. 20). É interessante ressaltar que estas duas medidas – o fim dos eletrochoques e a abertura dos quartos fortes - dividiram opiniões quanto à possível perda, por parte dos funcionários, de dispositivos de controle dos internos, e também evidenciaram que “a instituição dispunha de outros dispositivos de controle como a introjeção, pelos internos, das normas da instituição, menos concretas que as grades, mas igualmente eficazes; não 16 bastaria eliminar o isolamento para transpor os limites da colônia velha como instituição total5” (Lougon, 1984, p. 20). Uma terceira medida dotada de menor significado simbólico, mas de extrema importância para o futuro da instituição, foi o fechamento da CJM para novas internações (a instituição contava nesta época com aproximadamente 2.600 pacientes). Ainda como conseqüência deste movimento voltado para a transformação do asilo, foram contratados novos profissionais de formação universitária que realizaram uma pesquisa junto à clientela da instituição. Esta pesquisa, ao evidenciar a heterogeneidade da população ali internada em média há 20 anos, forneceu dados importantes para a elaboração de novas modalidades assistenciais voltadas para dar conta do destino da clientela da instituição. Este ponto será detalhado no capítulo III. 1.3. Contexto atual: o IMAS Juliano Moreira A década de 1990 foi marcada pela municipalização de alguns hospitais psiquiátricos, incluindo a CJM. Tal fato estava vinculado à tentativa de reestruturação da assistência no sentido da substituição do modelo centrado no hospital psiquiátrico pelo cuidado comunitário, reestruturação esta que figurava como a principal vertente do Programa de Reabilitação Psicossocial desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Com a municipalização, em 1997, a CJM foi desmembrada em três instituições administrativamente independentes: o IMAS Juliano Moreira (onde encontram-se os pacientes remanescentes da antiga CJM), o Hospital Municipal Jurandyr Manfredini (HMJM), pólo de emergência psiquiátrica da Área Programática 4.0. do município, que conta ainda com ambulatório em saúde mental, e o Hospital Municipal Álvaro Ramos, estabelecimento clínico de referência para a mesma área. Quanto as suas terras, foram 5 O conceito de instituição total foi introduzido por Goffman (1974, p.11) e pode ser definido como “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”. O autor afirma a existência de cinco tipos de instituições totais, dentre as quais destacamos aquelas destinadas para “cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e que são também uma ameaça à comunidade, embora de maneira não intencional” (Goffman, 1974, p.17), tais como os leprosários e os hospitais para doentes mentais. A característica central das instituições totais seria a ruptura entre as barreiras que comumente separam as esferas do lazer, do trabalho e da moradia, dado que todas estas esferas são realizadas no mesmo local e sob a mesma autoridade. 17 redistribuídas, estando neste momento grande parte dos 7.000.000 m2 sob responsabilidade da Fundação Oswaldo Cruz 6. O Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira é hoje um complexo hospitalar formado por cinco núcleos ou pavilhões, nos quais encontram-se internados aproximadamente 700 pacientes. Estes núcleos guardam diferenças importantes entre si: os Núcleos Rodrigues Caldas e Ulisses Viana, por exemplo, acolhem apenas pacientes do sexo masculino, enquanto nos núcleos Franco da Rocha e Teixeira Brandão permanecem apenas pacientes do sexo feminino. Em processo de fechamento - já que se encontra em terreno hoje pertencente à Fundação Oswaldo Cruz - há ainda o Pavilhão Agrícola, cujos internos estão sendo aos poucos transferidos para os demais setores da instituição. Além destas unidades, o IMAS Juliano Moreira conta ainda com o Museu Artur Bispo do Rosário, que guarda o acervo de diversos artistas descobertos na instituição e onde são realizadas atividades abertas à comunidade da região; o Clube de Lazer, também voltado para os internos e comunidade em geral, e o Centro de Reabilitação e Integração Social – CRIS – unidade que merecerá detalhamento no capítulo III. Como verificamos até aqui, a CJM, hoje denominada IMAS Juliano Moreira, passou por muitas transformações ao longo de sua história. A sua fundação marca o que seria uma nova fase da psiquiatria no Brasil, fazendo parte de um movimento maior de modernização e sanitarização do país e da Europa. Ao longo dos anos, porém, a instituição passou a servir como destino final para uma população que, por razões várias que serão explicitadas ao longo desta pesquisa, não conseguiu retomar sua vida fora dos muros do hospital. As décadas de 1970 e 1980 marcaram o início do questionamento sobre a assistência prestada a esta população e sobre os efeitos subjetivos causados pela longa institucionalização em grande parte dos internos. Nesses anos foram propostas mudanças que iam desde a proibição de medidas coercitivas aplicadas aos pacientes até a criação de novas unidades assistenciais e seus projetos de “ressocialização”, entendida como a possibilidade de alguns internos voltarem a viver fora da instituição. Sobre este último ponto, ressaltamos que ele surgiu no debate institucional muito antes da existência de uma A Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) é responsável pela administração de um setor formado por 500 dos 732 hectares da Colônia, onde será construído um centro de pesquisas aberto ao público. 6 18 Política de Saúde Mental (PSM) como a vigente nos dias atuais. As estratégias assistenciais adotadas naqueles anos sofrem hoje a influência desta mesma política. Por este motivo, o debate atual se dá sob termos diferenciados, os quais serão aprofundados no capítulo que se segue. 19 CAPÍTULO II A POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL E A QUESTÃO DA (RE)INSERÇÃO SOCIAL O presente capítulo procura dar um panorama do contexto nacional na época dos primeiros movimentos para a transformação da CJM, demonstrando sua relação com uma discussão maior, levada a cabo por meio de experiências internacionais de crítica ao modelo assistencial centrado no hospital psiquiátrico, assim como fazer um recorte sobre como a questão da (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas tem surgido nas políticas de saúde mental hoje vigentes. Desta forma, será inicialmente traçada uma resenha da Reforma Psiquiátrica brasileira e seus pressupostos principais para, em momento posterior, destacarmos alguns pontos da PSM vigente relacionados ao tema do nosso estudo. Ao final do capítulo, será apresentado um resumo da bibliografia sobre o tema da inserção social, que fornecerá o fundamento teórico das análises empreendidas nesta pesquisa. 2.1. Resenha da Reforma Psiquiátrica Brasileira A Reforma Psiquiátrica, inspirada na experiência italiana, aponta para a necessidade de mudança do paradigma médico-psiquiátrico que tem no isolamento – e conseqüente exclusão do louco do convívio social – uma de suas principais premissas7. Segundo Amarante (1995), pode-se dizer que o movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil teve início durante os anos de 1978 e 1980 contando, neste momento, com a ativa participação do MTSM (Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental), ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), FBH (Federação Brasileira de Hospitais), entre outras instituições, destacando-se a primeira delas que, posteriormente, vai perdendo um pouco seu caráter de questionador das políticas de saúde então vigentes para assumir uma 7 Diversos trabalhos já foram realizados sobre o processo, ainda em curso, da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Para mais detalhes, consultar Amarante (1995), Tenório (2001), entre outros. Sobre o movimento italiano que tem inspirado tal processo consultar, entre outros, Basaglia (1979) e Nicácio (1990). 20 posição mais reivindicatória de direitos trabalhistas. Constituiu-se, através do MTSM, um espaço de luta, debate e formulação de propostas para a transformação da situação precária em que se encontrava a assistência psiquiátrica. A principal reivindicação era a humanização dos serviços e, em conseqüência desta, muitas outras, tais como a crítica à cronificação do manicômio e ao uso de eletrochoque. O modelo assistencial centrado no hospital, por ser cronificador, tornou-se alvo de intensas críticas, fazendo com que a desinstitucionalização fosse o conceito norteador de todas as práticas inseridas na nova proposta. Diferentemente da desospitalização, que pode ser entendida como mera questão burocrática, a desinstitucionalização é entendida como um questionamento das práticas, da instituição médica, das relações de poder e da própria concepção do que seja a loucura, rompendo com a noção de causalidade única (biológica/psicológica/social) para o adoecimento psíquico e trazendo para a clínica uma visão bem mais complexa e articulada. No marco da Reforma Psiquiátrica, foi formulada a PSM visando o redirecionamento do modelo assistencial no sentido da desinstitucionalização e da (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas. Nessa direção, têm sido desenhados dispositivos substitutivos dos manicômios, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Clubes de Convivência e de Lazer Assistidos, as Cooperativas de Trabalho Protegido, as Oficinas de Geração de Renda e os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT). De acordo com Milagres (2002), os chamados serviços substitutivos teriam como pressuposto básico “o atendimento territorial, com o objetivo de manter o usuário em sua rede de relações sociais e referências subjetivas. (...) O processo de criação [destes novos serviços] produziria um ‘deslocamento’ do locus da assistência – antes centrado no hospital psiquiátrico e no sistema de internações – do hospital para o território. (...) Pretende-se que este ‘deslocamento’ no campo da assistência venha também a estabelecer novas relações da sociedade com a loucura, retirando desta a sua caracterização puramente patológica, inserindo novas representações e ‘modos de lidar’ com o louco”. (Milagres, 2002, p.14). Apesar de a lei 10.216, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental, ter sido promulgada em 2001, várias portarias ministeriais, ainda durante a década de 90, criaram e regulamentaram o funcionamento dos chamados serviços substitutivos em saúde 21 mental, visto que diversas experiências inovadoras vinham sendo desenvolvidas em todo o país. Para Carvalho (2002), ainda que diferenças importantes - principalmente no que se refere à omissão quanto à criação de novos leitos nos hospícios - sejam observadas entre o projeto original encaminhado ao Congresso em 1989 (Lei Paulo Delgado) e a lei 10.216, de 2001, esta última representaria “um importante fortalecimento dos ideais da Reforma Psiquiátrica, uma vez que confere ao tratamento na comunidade e ao combate à exclusão a qualidade de princípios com força de lei” (Carvalho, 2002, p.42). 2.1.1. Os serviços substitutos do manicômio No marco desta nova proposta para a assistência aos portadores de transtornos mentais graves, podemos sublinhar a importância dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial) como organizadores da demanda, servindo de referência “tanto para aqueles que têm indicação estrita de acompanhamento em atenção diária quanto para a rede como um todo” (Tenório, 2001, p.123). Exercem, desta maneira, papel estratégico no que concerne à reorganização da rede de saúde mental pois têm como função evitar que a clientela mais grave seja absorvida pelo circuito ambulatório-enfermaria. É importante destacar, porém, que o que preservará a capacidade dos CAPS e NAPS como estruturas mais complexas, destinadas ao acompanhamento da clientela mais grave, será “o bom funcionamento do ambulatório no manejo do fluxo de pacientes e na absorção de uma parte expressiva da clientela – que por ser menos grave não é menos merecedora de tratamento de qualidade”. (Tenório, 2001, p.127). Um segundo ponto importante para a reestruturação da assistência psiquiátrica diz respeito às ações voltadas para a clientela residente nos asilos, ou seja, pessoas cuja situação de abandono familiar e ausência de suporte social fez com que não lhes fosse possível a vida fora da instituição asilar. Para esta clientela - estimada atualmente em 12.000 pacientes em todo o Brasil, estando 2.000 só no município do Rio de Janeiro8 -, serviços de atenção diária como os CAPS e NAPS não seriam suficientes, já que uma questão anterior – a da moradia – não havia sido ainda problematizada. Desta maneira, ao longo dos anos 1990 assistimos à diversas iniciativas de (re)inserção desta clientela na 8 Segundo dados da Coordenação de Saúde Mental da SMS/RJ. 22 comunidade, a partir de experiências de sucesso realizadas em Campinas (SP), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Ribeirão Preto (SP) e Santos (SP), as quais geraram subsídios para a elaboração das portarias nº106/2000 e nº1220/2000 que criam o Serviço Residencial Terapêutico e regulamentam seu funcionamento. O recorte aqui realizado para situar o surgimento destes novos serviços privilegiou as diretrizes mais gerais da reestruturação da assistência prestada aos portadores de transtornos mentais graves. Outras questões conceituais adicionais, referentes aos princípios norteadores da Reforma Psiquiátrica, serão retomadas ao longo deste estudo. 2.2. Política de Saúde Mental (PSM) e (re)inserção social Quadro 1 Principais temas tratados na Legislação em Saúde Mental 1989 ANO LEGISLAÇÃO Projeto de lei nº 3.657 “Lei Paulo Delgado” 1992 Portaria nº 224/MS 2000 Portaria 106/MS e 1220/MS 2001 Lei nº10.216 ASSUNTO Redireciona o modelo assistencial em saúde mental. É a chamada “Lei da Reforma Psiquiátrica”. Define e regulamenta o funcionamento das novas modalidades assistenciais em saúde mental: núcleos/centros de atenção psicossocial, hospitais-dia e serviços de urgência psiquiátrica em hospital geral. Regulamenta, ainda, o funcionamento dos hospitais psiquiátricos. Cria e regulamenta o funcionamento dos serviços residenciais terapêuticos em saúde mental. Define o financiamento dos SRT por meio da inclusão deste procedimento na tabela do SIA/SUS. Redireciona o modelo 23 (substitutivo do senado à chamada Lei Paulo Delgado) 2002 Lei nº3.400, Legislação Municipal/RJ 2002 Portaria/GM nº 336 2003 Lei nº 10.708 (Lei De Volta para Casa) 2004 Portarias nº53/GM e nº 54/GM assistencial em saúde mental e prevê punição para a internação involuntária arbitrária e/ou desnecessária Cria no município do Rio de Janeiro, a bolsa de incentivo à desospitalização para portadores de transtornos mentais com história de longa internação psiquiátrica. Estabelece que os Centros de Atenção Psicossocial poderão constituir-se nas modalidades de serviços CAPS I, CAPS II e CAPS III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional. Institui o auxílio-reabilitação psicossocial, em âmbito nacional, para pacientes acometidos por transtornos mentais egressos de longas internações. Institui o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS – 2004, visando a redução dos leitos psiquiátricos, com planificação e construção concomitante de alternativas de atenção no modelo comunitário. Cria novos procedimentos no âmbito do Plano Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar do SUS – 2004 na tabela do SIH/SUS. Fonte: Ministério da Saúde. Legislação em Saúde Mental – 1990-2004. Brasília: 5ª edição ampliada; 2004. 24 O quadro 1 apresenta alguns aspectos tratados pela Legislação em Saúde Mental, destacando leis e portarias que relacionam-se com o nosso objeto de estudo. A partir deste ponto, iremos ressaltar seus tópicos mais importantes. Podemos observar no quadro 1 que a instituição dos SRT foi normatizada apenas em 2000, através da Portaria nº106/MS, apesar das já citadas experiências inovadoras que vinham sendo implementadas desde a década de 1990. Nesta portaria foram tratados aspectos relacionados às estratégias para a (re)inserção social dos ex-internos, bem como ao funcionamento dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), cabendo então à Portaria 1220/MS, de 7 de novembro de 2000, regulamentar a forma pela qual os procedimentos desenvolvidos nesta nova modalidade assistencial passariam a ser cadastrados no Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS, garantindo assim seu financiamento. A Portaria nº106/MS, em seu artigo primeiro, define o novo dispositivo como “moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social”. Seus objetivos centrais, tratados no artigo 4º, são definidos como a “construção progressiva da autonomia [do usuário] nas atividades da vida cotidiana e a ampliação da inserção social” e a construção, junto ao usuário, de “um amplo projeto de reintegração social, por meio de programas de alfabetização, de reinserção no trabalho, de mobilização de recursos comunitários, de autonomia para as atividades domésticas e pessoais e de estímulo à formação de associações de usuários, familiares e voluntários”. Além das normas acima citadas, merecem ainda destaque no que se refere à regulamentação dos SRT a já citada lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental; as diretrizes que estabelecem a redução progressiva de leitos psiquiátricos no país, constantes nas Portarias GM nº52/2004 e 53/2004, do Ministério da Saúde; a lei nº 10.708/2003, que institui o auxílio-reabilitação para pacientes egressos de internações psiquiátricas e, no caso específico do município do Rio de Janeiro, a lei nº 3.400/2002, que cria a Bolsa de Incentivo para Assistência, Acompanhamento e Integração 25 fora de unidade hospitalar de paciente portador de transtorno mental com história de longa permanência institucional em unidade hospitalar psiquiátrica. Devido à importância que a introdução do “auxílio-reabilitação” e a “bolsaincentivo” (conforme são geralmente chamados os auxílios financeiros concedidos por meio das leis MS nº10.708/2003 e lei nº3400/2002) têm adquirido no cotidiano de vida dos moradores das RT, destacaremos a partir deste ponto os principais aspectos tratados por essas normas. O auxílio-reabilitação psicossocial de que trata a lei MS nº10.708/2003, conforme disposto em parágrafo único, é “parte integrante de um programa de ressocialização de pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado “De Volta Para Casa”, sob coordenação do Ministério da Saúde” e consiste em pagamento mensal de auxílio pecuniário, fixado inicialmente no valor de R$240,00, pagos diretamente ao beneficiário ou a seu representante legal, em caso de incapacidade de exercer pessoalmente os atos da vida civil, tendo a duração de um ano, podendo ser renovado “quando necessário aos propósitos da reintegração social do paciente” (artigo 2º, parágrafos 1º, 2º e 3º). Destacam-se como requisitos para a obtenção do benefício criado por essa lei, descritos no artigo 3º, entre outros: (1) que o paciente seja egresso de internação psiquiátrica com duração igual ou superior a dois anos; (2) que a situação clínica e social do paciente não justifique a permanência em ambiente hospitalar, indique tecnicamente a inclusão em programa de reintegração social e a necessidade de auxílio financeiro. A suspensão do benefício procede quando o beneficiário for reinternado em hospital psiquiátrico ou quando são alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do paciente. No que se refere à lei municipal nº3400/2002-RJ, os critérios de elegibilidade para a obtenção do auxílio financeiro diferem apenas no que diz respeito ao tempo mínimo de internação psiquiátrica, estipulado em três anos (artigo 2º). Esta lei estabelece ainda diferenças no valor das bolsas concedidas aos pacientes que retornarem ao convívio com seus familiares ou família acolhedora (2 salários mínimos) e aos pacientes que ingressarem em um SRT (1 salário mínimo). Pela legislação acima citada, evidencia-se que os SRT estão acompanhando os ideais da Reforma Psiquiátrica no que diz respeito à reorientação do modelo assistencial em 26 Saúde Mental. Algumas das diretrizes aqui destacadas, principalmente aquelas referentes aos conceitos de “reintegração social”, “ressocialização” e “(re)inserção social” – usados de forma indiferenciada nas citadas normas - serão posteriormente retomados à luz de reflexões teóricas. 2.3. Abordagens sobre o tema da inserção social Os novos dispositivos assistenciais criados a partir da tentativa, ainda em curso, de reformulação do modelo assistencial psiquiátrico teriam como função “reinscrever” ou “reinserir” no corpo social os sujeitos que estiveram confinados nos manicômios. Ainda que uma discussão mais aprofundada sobre o conceito de (re)inserção social seja feita ao longo deste trabalho, faz-se necessário desde já ressaltar que não se trata pura e simplesmente de “incluir” aqueles que supostamente estariam “à margem da sociedade”, ou como argumenta Foucault: “O hospital psiquiátrico não exclui os indivíduos; liga-os a um aparelho de correção, a um aparelho de normalização dos indivíduos. (...) Mesmo se o efeito dessas instituições seja a exclusão do indivíduo, elas têm como finalidade primeira fixar os indivíduos em um aparelho de normalização dos homens. (...) Trata-se, portanto, de uma inclusão por exclusão”. (Foucault, 1979, p. 92) A idéia aqui defendida é a de que, ainda que tenha como seu efeito a exclusão, o internamento no manicômio ocorre, antes de tudo, com o objetivo de normalizar a vida do indivíduo ou “ordenar a desordem do louco”.(Saraceno, 1999). O desafio atual seria então o de construir uma nova forma de o louco estar nessa sociedade, sabendo-se que “incluídos” nela estes indivíduos sempre estiveram – o que Foucault denominou “inclusão por exclusão”. Para Tykanori (1996, p.55) a reinserção social pode ser entendida como “um problema de produção de valor, referido aos pacientes. (...) No caso particular da pessoa que recebe o atributo de doente mental, enuncia-se simultaneamente a sua 27 negatividade (...), anula-se o seu poder de contrato: os bens dos loucos tornam-se suspeitos, as mensagens incompreensíveis, os afetos desnaturados (...). Em suma, anula-se qualquer valor da pessoa que o assegure como sujeito social”. A (re)inserção social poderia assim ser entendida como um processo de restituição do poder contratual do usuário. Apesar de ser esta uma questão que permeia a prática de todos os novos serviços, as armadilhas por ela impostas são, ainda hoje, de difícil superação, visto que a (re)inserção proposta pode tornar-se apenas uma adaptação pura e simples destes sujeitos ao “mundo extra-muros” do manicômio. Não podemos deixar de mencionar que a questão da (re)inserção social está referida a um debate maior vinculado ao fenômeno social da exclusão, apontada como uma das características estruturais do sistema capitalista e expressão de suas contradições. A utilização recorrente da expressão “exclusão social” na atualidade tem a ver, porém, com um certo consenso sobre as relações existentes entre este fenômeno e dois outros: o da adoção, em termos hegemônicos, de políticas neoliberais em nível mundial, e a internacionalização dos mercados/economia, no que se convencionou chamar globalização (Bogado, 2003). A explicitação da relação entre estes três fenômenos não será aqui realizada, dado não ser este o foco da presente pesquisa. O que se quer aqui ressaltar é que a forma pela qual a expressão “exclusão social” vem sendo hoje empregada remete a uma nova manifestação da questão social relacionada à criação, em nível internacional, de “indivíduos inteiramente desnecessários ao universo produtivo”(Wanderley, 2002, p. 25), podendo ser entendida não como falha mas sim como produto do funcionamento do sistema. A imprecisão conceitual atribuída à expressão “exclusão social” tem sido alvo de críticas de diversos autores. Segundo Sawaia (2002), a “exclusão social” deve ser entendida como processo multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas, de modo que, dada a complexidade do fenômeno, a análise deve levar em conta todas essas dimensões. Quanto à relação entre exclusão e inclusão, tratariase de uma relação dialética, ou seja, “a sociedade exclui para incluir e esta transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da 28 insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico” (Sawaia, 2002, p.8). Vale ressaltar ainda que a utilização indiscriminada do termo “excluído” para designar as mais diferentes parcelas populacionais (pessoas idosas, deficientes, minorias étnicas, desempregados de longa duração, entre outros), cobrindo assim realidades heterogêneas, contribui para a banalização e mesmo a naturalização do fenômeno, fortalecendo a idéia de que se trata de algo inevitável com o qual os sujeitos precisam aprender a conviver. Diversos autores chamam a atenção para a estreita relação que haveria entre a exclusão e a pobreza. Para Castel (1991), a pobreza ou, como ele prefere denominar, as “situações de privação”, ao invés de serem entendidas como “estados” cujas referências seriam dadas em termos de falta – de ganhos, de cuidados, de poder –, deveriam ser tratadas como “efeitos” da conjunção de dois vetores: um eixo de integração/não integração pelo trabalho e inserção/não inserção em uma sociabilidade. Dito de outra forma, a ausência de redes relacionais tecidas pelos sujeitos teria peso semelhante ao papel que a não integração pelo trabalho tem na determinação da exclusão social. Seguindo este argumento, o autor propõe um modelo para medir o grau de coesão/vulnerabilidade social experimentada pelos sujeitos a partir do entrecruzamento dos escores obtidos em cada um dos eixos anteriormente citados. Desta forma, estabelece a existência de quatro zonas de interesse: (1) zona de integração, onde combinam-se a integração pelo trabalho e a existência de suportes sociais sólidos; (2) zona de vulnerabilidade, caracterizada pela precariedade da inserção no trabalho e a fragilidade relacional; (3) zona de assistência, onde a incapacidade para trabalhar seria compensada pela permanência de um bom suporte social; e, 4) zona de desfiliação, onde à ausência de trabalho somar-se-ia o isolamento social. A partir desse modelo, Castel (1991, p.63) argumenta que “a dimensão econômica, longe de ser negligenciável, não é entretanto fundamentalmente determinante. Dito de outra forma, a pobreza como tal conta menos que este acoplamento entre a relação trabalho e o coeficiente de inserção social”. Vale ainda ressaltar que, incluídas na avaliação das redes de sociabilidade, encontram-se as dimensões familiar e cultural, esta última entendida como a partilha de modos de vida, a participação e o sentimento de 29 pertencer a uma comunidade, fatores estes responsáveis pela estruturação e reprodução da vida cotidiana. Desta forma, prefere Castel usar termos como “precariedade”, “vulnerabilidade”, “desfiliação” aos seus supostamente substitutos “pobreza”, “marginalidade”, “exclusão” para sugerir que se está frente a processos e não a estados, numa perspectiva dinâmica, possibilitando, desta forma, uma intervenção anterior ao congelamento de tais situações em destino. Dito de outra forma, a partir desta perspectiva, abre-se caminho para pensar o processo de surgimento das situações de exclusão, e não apenas seus resultados ou “estados-limite”. Por último, alguns autores sugerem uma diferenciação entre os termos “integração”, “inclusão” e “inserção”. Donzelot (1996, apud Bogado, 2003, p. 47), afirma que a “integração” refere-se a uma submissão às regras já impostas pela sociedade, sob a ameaça da exclusão; a “inserção”, por sua vez, levaria em conta a idealização de um projeto pessoal e sua posterior execução, numa negociação permanente entre o sujeito e a sociedade, sem submissão de uma das partes pela outra. Ambas, “integração” e “inserção” poderiam ser então pensadas como “técnicas de inclusão”: a opção por uma delas teria a ver com a forma pela qual se quer fazer participar da vida social os sujeitos ditos excluídos, ressaltando, porém, que não se trata propriamente de estarem “à margem” ou “fora” da vida social, mas sim incluídos de forma perversa no circuito das trocas sociais. Neste ponto é importante ressaltar a análise feita por Martins (2003), quando afirma não existir uma “exclusão em si”. O que se tem por hábito denominar exclusão é aquilo que constitui “o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal, [ou seja], a inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pelas grandes transformações econômicas e para os quais não há senão, na sociedade, lugares residuais” (2003, p.26). Para este autor, o capitalismo exclui a todos, e o faz para incluir de outro modo, segundo sua própria lógica, e o problema estaria exatamente nessa inclusão: “o período da passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão está se transformando num modo de vida, está se tornando mais do que um período transitório” (Martins, 2003, p.32), acrescentando ainda que este novo ‘modo de vida’ geralmente implica certa degradação. O autor afirma que o processo que chamamos de exclusão cria “uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político” 30 (Martins, 2003, p.34). O dinheiro – muitas vezes decorrente de atividades ilícitas – “faz do mundo do excluído um mundo mimético, de formas que ganham vida no lugar da substância. É o mundo do imaginário, da consciência fantasiosa e manipulável. Engana.” (Martins, 2003, p.36). Ou seja, uma falsa sensação de inclusão poderia ser dada pela participação destes sujeitos na esfera do consumo, ainda que este se contente com a imitação, a reprodução e a falsificação. Consumir, neste caso, sugeriria uma ilusória igualdade entre os ditos “excluídos” e o restante da sociedade. As reflexões até aqui apresentadas sobre o tema da inserção social visam fornecer subsídios para o desenho do marco referencial de análise das estratégias voltadas para a desospitalização e desinstitucionalização dos pacientes com longa história de internação psiquiátrica no IMAS Juliano Moreira, estratégias estas que serão aprofundadas no próximo capítulo. 31 CAPÍTULO III O “DESTINO” DOS INTERNOS DAS INSTITUIÇÕES PSIQUIÁTRICAS: A EXPERIÊNCIA DA CJM. Neste capítulo aprofundaremos o tema das estratégias assistenciais voltadas para a ressocialização, num primeiro momento, ou (re)inserção social, num segundo momento, da clientela internada no IMASJM, ocorrida nas últimas três décadas. Ao final do capítulo, serão apresentados alguns pontos do Projeto Terapêutico da instituição demonstrando que, ainda nos dias de hoje, os diferentes pressupostos que o fundamentam parecem concorrer entre si, contribuindo assim para uma divisão dos profissionais entre aqueles mais aderidos às estratégias formuladas na década de 1980 e os defensores do atual programa de residências terapêuticas em desenvolvimento no IMASJM. Conforme disposto no capítulo I, os anos 80 foram marcados por uma série de mudanças institucionais na antiga CJM. A contratação de novos funcionários e a execução de uma pesquisa para conhecer as características da clientela internada na instituição, denominada Levantamento Psico-Físico- Social, realizada ainda no ano de 1980 por meio de entrevistas com a totalidade dos então 2.600 pacientes, revelou dados que serviram como base para a implantação de novos programas institucionais e para a reformulação da assistência até então prestada aos internos. Alguns destes dados merecem destaque e são apresentados no quadro a seguir. Quadro 2 Perfil da clientela da CJM, 1980 Total de pacientes com idade superior a 40 anos 1.820 (70%) Total de pacientes que não recebiam visita 1.560 (60%) Total de pacientes sem justificativa clínica para internação 650 (25%) Tempo médio de internação da clientela 21 anos Fonte: CJM. Projeto do Centro de Reabilitação e Integração Social – CRIS. (mimeo). Rio de Janeiro: 1982b. 32 A análise de Camarinha (1984) desses dados destaca que a população que não apresentava quadro psiquiátrico que justificasse a internação ainda se subdividia entre aqueles que tinham vínculos familiares e os que não os possuíam. Para o autor, o que marcava essa população era “a indigência material e os vícios deixados pela longa institucionalização, fato este que não era privilégio apenas dos internos, mas também de suas famílias” (Camarinha, 1984, p. 5). Ainda segundo o mesmo autor, três fatores impediriam o retorno destes sujeitos ao convívio familiar: (1) quebra dos vínculos afetivos após tantos anos de hospitalização; (2) a acomodação das famílias em ter um de seus membros sob a guarda do Estado juntamente aos preconceitos/estigmas em relação à doença mental e (3) a alegação, pelas famílias, de precariedade de recursos materiais. A conclusão que se chegou após o levantamento era a de que existia uma “demanda reprimida de egressos que permaneciam institucionalizados pela falta de recursos materiais e não propriamente por alguma patologia psiquiátrica” (Camarinha, 1984, p.5). Dito de outra forma, grande parte dos internos da instituição lá permaneceria não pela gravidade de seu quadro psiquiátrico mas sim como meio de sobrevivência, através da realização de tarefas em troca de pequenas recompensas. O fato é que entendia-se que a CJM deveria oferecer um outro destino a essas pessoas, “exercendo um papel que fosse além da mera função custodial” (Camarinha, 1984, p.6). Desta maneira, profissionais da CJM elaboraram um Programa de Ressocialização voltado para o contingente de internos com possibilidade de alta médica. Segundo Camarinha, este programa tinha como objetivo “estimular o egresso ao convívio social e à busca da saúde”, incluindo um auxílio financeiro, estipulado em três diferentes valores que variariam de acordo com o grau de ressocialização atingido pelo paciente (Camarinha,1984, p.6). Este programa incluía ainda a criação do Centro de Reabilitação e Integração Social – CRIS – unidade assistencial que iremos detalhar no próximo tópico. Em relação às bolsas concedidas aos pacientes, foram divididas em: • Etapa I, para os pacientes que exerciam pequenas tarefas tais como faxina, copa e capina nos núcleos ou pavilhões onde eram residentes; • Etapa II, para os pacientes que trabalhavam fora do núcleo e que demonstrassem interesse em residir no CRIS ou que lá já se encontrassem; 33 • Etapa III, para os pacientes que já estivessem no CRIS e que exercessem trabalhos com vínculo empregatício, não necessitando de uma “intermediação do monitor que ‘protegesse’ o trabalho executado” (Camarinha, 1984, p.24). Para os defensores do programa, o pagamento de tais bolsas contribuiria para alterar o quadro de dependência institucional dos pacientes que “mantinham com a CJM uma relação simbiótica historicamente determinada: aceitavam a condição de pacientes psiquiátricos em troca de condições de sobrevivência.” (CJM, 1982a, p.1). O Programa de Ressocialização tinha como alvo de sua intervenção aqueles pacientes aos quais fosse possível a inserção em uma atividade laborativa dentro ou fora da CJM, contingente este estipulado em aproximadamente 25% da população total internada, ou seja, 650 pacientes. Para os demais, não foi elaborado um programa específico nem ações de tanto impacto; a ênfase permanecia na melhoria de suas condições gerais de vida, passando por readequação do espaço hospitalar e participação em grupos nos pavilhões (onde ressaltava-se a importância de “dar voz aos pacientes”). Estes pacientes estariam incluídos na “etapa 0” “aguardando vagas em outras etapas” (Corrêa, Abreu e Moura, 1984, p.23). 3.1. Estratégias assistenciais da CJM: o CRIS, os Lares de Acolhimento e o Programa de Residências Terapêuticas a) O Centro de Reabilitação e Integração Social (CRIS) Quando de sua criação, foi pensado para acolher aqueles pacientes cuja problemática de saúde não justificasse a internação hospitalar, ou seja, pacientes em condição de alta médica. A esta população seria “reservado na instituição um espaço físico separado e identificado com o nome de Centro de Reabilitação e Integração Social (CRIS). Sua finalidade [seria] “servir de ponte para a ressocialização” (Andrade, 1992). Em seu projeto original, datado de 1982, a exclusão do louco do convívio social era entendida menos pela presença de uma psicopatologia produtiva ou um desvio de conduta do que pela deterioração de sua força de trabalho, daí depreendendo que “somente com a 34 recomposição da capacidade produtiva o indivíduo encontrará instrumentos para negociar suas demandas ou outra destinação social” (CJM, 1982b, p.3). Desta maneira, fica explícito ao longo de todo o projeto – e ainda mais evidente no trecho que se segue -, a importância do trabalho como único possibilitador da saída efetiva dos pacientes do asilo e retorno ao convívio social: “O Programa pretende que o cliente retome seus vínculos perdidos, através da ‘PRÁXIS’ social assistida, desenvolvida a partir da intensificação das relações interpessoais e ‘políticas’ nos alojamentos onde residirem, como também na apropriação consciente de sua profissionalização nas unidades de trabalho protegido, através da ‘reestruturação’ da capacidade laborativa, que consideramos ser o único elemento capaz de devolver ao doente seu poder de barganha social” (CJM, 1982b, p.8) (grifo nosso). Desta maneira, o CRIS funcionaria da seguinte forma: primeiro, o interno com condições de alta hospitalar inserido na Etapa II seria alocado em trabalho protegido no programa para a reabilitação profissional, passando posteriormente à Etapa III. Após a profissionalização do interno, este seria alocado numa espécie de sub-programa denominado Bolsa de Emprego, onde sua relação com o trabalho se daria de forma menos protegida. O Bolsa de Emprego pressupunha uma busca, por parte dos profissionais do CRIS, de empresas interessadas em contratar os ex-internos que já tivessem passado pela reabilitação profissional. A partir do cadastro neste programa, o cliente aguardaria sua recolocação no mercado de trabalho. Os conceito de “reabilitação”, diversas vezes citado no projeto original, é entendido como a “devolução e desenvolvimento pleno de capacidade laborativa do interno e recomposição de sua força de trabalho” (CJM, 1982b, p.11). A “ressocialização” é tida como o objetivo último do programa, alcançável somente por meio do que se entendia por reabilitação. Em diversos momentos enfatiza-se que somente o “cidadão socialmente produtivo” (CJM, 1982b, p.13) poderia viver fora da instituição, daí entendendo-se o peso que a oferta de diversas modalidades de trabalho protegido (vime, cana-da-índia, sapataria, gráfica, cerâmica, costura, colchoaria, capina, horta, pomar, pocilga e criação de coelhos) 35 assumiu no cotidiano do CRIS. Apesar de reconhecerem que a formação profissionalizante nestas atividades não se adequaria ao perfil de mão-de-obra requerida numa cidade urbanizada como o Rio de Janeiro, entendiam os profissionais que a questão principal, anterior ao aprendizado de uma profissão, seria o “aprendizado das relações sociais necessárias ao exercício de qualquer profissão ou serviço” (CJM, 1982b, p.23). O Plano Terapêutico do CRIS enfatizava o trabalho em grupo, e as intervenções feitas pelo coordenador deste “ocorreriam através do esclarecimento e não da interpretação” (CJM, 1982b, p.14). O alojamento era entendido como uma espécie de “reprodução da sociedade”, onde o sujeito reaprenderia as regras do convívio social a partir dos atendimentos em grupo. Por este motivo, o atendimento individual era indicado somente quando fosse necessário “vencer dificuldades de relacionamento, não sendo sobrevalorizados problemas psicológicos que possam ser resolvidos em grupo” (CJM, 1982b, p.21). A inserção efetiva do cliente do CRIS na comunidade dar-se-ia numa primeira etapa, necessariamente, na chamada “comunidade interna” da CJM. Uma “reintegração externa” seria feita baseada em solicitações individuais, funcionando o CRIS como apoio necessário à adaptação social do sujeito (CJM, 1982a, p.4). Em documento datado de 1989, resultado de um colóquio interno dos profissionais do CRIS, surgem duas novas preocupações: a satisfação dos desejos dos clientes, suas preferências e interesses pessoais, de lazer e alternativas de vida, e o sofrimento psíquico (exemplificado pelas reinternações e recaídas dos alcoolistas), que parecia não ter sido apagado pelo trabalho reabilitativo que vinha sendo colocado em prática. Para o encaminhamento de pacientes ao CRIS, eram adotados critérios nosográficos e também outros relacionados a aspectos como autonomia, entendida como possibilidade de engajamento em alguma atividade laborativa mais livre trânsito pela instituição mais capacidade de cuidar de si e dos seus pertences. Desde a sua criação até os dias atuais, o CRIS passou por diversas reestruturações, tendo sido algumas delas denominadas “momentos de crise” pelos profissionais envolvidos no projeto. Muitas discussões envolvendo o problema da ocupação das terras da CJM (a esta altura habitada por milhares de invasores) levantavam a possibilidade de construção de uma “Vila de ex-internos” nesse mesmo espaço. O sub-programa “Bolsa de Empregos” 36 nunca foi posto em prática, porém alguns pacientes conseguiram inserir-se no mercado formal de trabalho, especialmente em firmas de limpeza e alimentação que prestavam serviços à instituição. b) Os Lares Alternativos Durante a década de 1990, a CJM passou por novas transformações que tiveram como marco a elaboração, em 1994, do documento intitulado “Proposta de Reformulação do Projeto Assistencial da CJM – Complexo Multiassistencial”, destinado a reorientar o processo, já tratado neste estudo, de transformação institucional desencadeado na década anterior. A proposta central era a criação de cinco estruturas autônomas, responsáveis cada qual por uma tarefa específica, identificada através das categorias “moradia”, “trabalho”, “assistência”, “apoio sócio-jurídico” e “avaliação-pesquisa”. Devido aos propósitos do presente estudo, apenas o primeiro tema merecerá destaque. Já influenciado pela discussão maior que vinha ocorrendo em âmbito nacional e internacional no sentido da crítica ao modelo hospitalocêntrico, o debate principal estava focalizado na substituição deste por um “modelo multi-assistencial, centrado na oferta de serviços com distintos perfis em função da heterogeneidade de demandas expressa pelas pessoas com sofrimento psíquico” (CJM, 1994, p.2). Este novo modelo tomaria corpo dentro da instituição asilar, daí advindo que a questão em pauta não era a do fim do asilo, mas sim de sua transformação, opção esta muito bem definida como registra o trecho que se segue: “É possível pensar que, não obstante os enormes prejuízos trazidos pelo asilo psiquiátrico, em sua forma mais tradicional, este possui o inegável interesse de oferecer abrigo àqueles que já se encontram em desvantagem na luta por um futuro mais digno. É neste contexto que se insere a perspectiva que ora esboçamos. Optamos por efetuar uma ampla transformação em nossas instalações, de forma a garantir condições adequadas no que tange à habitação e reavaliar, seriamente, nossas práticas terapêuticas, com vistas a um maior aprofundamento das possibilidades que vislumbramos em relação à transformação do espaço asilar” (CJM, 1994, p.7) (grifo nosso). 37 A crítica ao modelo vigente era a de que este não atendia à heterogeneidade das demandas da clientela, sendo que a resolução do problema passaria por transformar a instituição, até então com características notadamente hospitalares, em um complexo multi-assistencial, tendo ainda como justificativa para tal transformação o “fantasma” da desassistência aos pacientes uma vez que estes obtivessem alta hospitalar, demonstrando certa “confusão” entre desinstitucionalização e desospitalização. A conseqüência mais importante dessa proposta foi a criação dos Lares Alternativos, pensados como “serviços calcados numa lógica não asilar, combinando moradia com tratamento” (CJM, 1994, p.7), que tinham como perspectiva “oferecer um ambiente institucional capaz de acolher as manifestações psicóticas e neuróticas num espaço onde diversas trocas pudessem acontecer” (CJM, 1994, p.7). A privacidade dos internos era tida como questão merecedora de atenção especial, devendo ser a rotina diária do lar “determinada por questões subjetivas dos pacientes” e não por uma lógica asilar alheia aos mesmos (CJM, 1994, p.10-11). O projeto dos Lares Alternativos subdividia-se em duas vertentes: • Lares Assistidos, voltados para a clientela em condições de alta hospitalar, devendo incorporar todos os pacientes atendidos pelo Projeto de Etapas II e III, prevendo a transformação do espaço físico do CRIS em espaços de moradia. Essa modalidade incluía também os Lares Avançados para a clientela com possibilidade de moradia independente, previstos para funcionarem inicialmente em casas no interior da CJM, e posteriormente em casas alugadas, de acordo com a dotação orçamentária futura; • Lares de Acolhimento, onde seriam realizadas atividades terapêuticas, culturais e de lazer, voltadas para a clientela “menos independente” não inserida no projeto de etapas, mas com condições de cuidar de sua higiene pessoal, seus pertences e alimentação, e que não apresentasse problemas de deambulação. Entretanto, algumas equipes envolvidas na implantação destes Lares passaram a questionar os critérios de elegibilidade de novos moradores, assim como a possibilidade de o lar se constituir como um dispositivo de passagem, trabalhando com seus moradores a construção da demanda de saída do asilo, e não uma estrutura definitiva para aqueles que dele se beneficiassem. 38 Os lares de acolhimento, atualmente em número de oito, abrigam 173 pacientes e estão implantados em todos os núcleos do IMAS Juliano Moreira, tendo sido o Núcleo Franco da Rocha o primeiro a sediar este tipo de dispositivo. Da data da criação do CRIS até o final da década de 1990, ou seja, passados quase 20 anos, aproximadamente 11 pacientes saíram desta unidade para residirem em moradias localizadas no interior do bairro Colônia, nos chamados “Lares Avançados”. c) O Programa de Residências Terapêuticas Como foi possível verificar até aqui, a discussão principal que orientou a reformulação, ocorrida em 1994, do projeto assistencial da antiga CJM referiu-se à avaliação de que a transformação do espaço asilar - a partir da humanização da assistência – seria o objetivo a ser alcançado por meio das diversas mudanças propostas desde a década de 80. O fim da década de 90, no entanto, trouxe para a cena institucional um novo debate, já influenciado pelas diversas experiências inovadoras que vinham ocorrendo no país: a substituição/superação do asilo, e não apenas sua transformação num espaço mais humanizado, deveria ser alcançada a partir da construção de dispositivos substitutivos do manicômio, evitando assim que a desinstitucionalização se resumisse a uma mera questão burocrática, entendida como desospitalização, e que esta, por sua vez, fosse percebida como sinônimo de desassistência. Neste contexto, o CRIS sofre nova reformulação com a uma mudança radical no seu projeto original, a começar pela substituição de quase toda a equipe profissional antiga, passando a ser responsável pela implantação do Programa de Residências Terapêuticas do IMAS Juliano Moreira. Uma das principais mudanças observadas na postura do CRIS diz respeito ao questionamento do perfil exigido para encaminhamento de pacientes à unidade. Neste momento, optou-se por voltar os esforços dos profissionais para a construção da demanda de saída do asilo junto aos pacientes que permaneciam no CRIS e também aos que até então não haviam sido “elegíveis” para o programa. Esta construção deveria dar-se, preferencialmente, de forma individualizada, ainda no núcleo de origem do paciente, devido ao entendimento de que neste local o sujeito possuiria vínculos já estabelecidos com 39 os profissionais. A partir daí, então, e sem um perfil pré-estabelecido, começariam os encaminhamentos para as RT. O acompanhamento terapêutico no território, os atendimentos individuais, as oficinas expressivas e as de geração de renda passaram a ocupar lugar central no projeto terapêutico desenvolvido pelo CRIS, em substituição à reabilitação profissional. O conceito de “autonomia” com o qual passaram a trabalhar os profissionais foi redefinido, sendo desvinculado da idéia de “independência”, aproximando sua definição daquela estabelecida por Tykanori, que assim a define como “a capacidade de um indivíduo gerar normas, ordens para a sua vida, conforme as diversas situações que enfrente” (Tykanori, 1996, pág.57). Este autor localiza a questão principal dos portadores de transtornos mentais na dependência excessiva de poucas relações/coisas. Em outras palavras, afirma que os sujeitos são mais autônomos à medida que puderem ser dependentes de mais coisas/relações, o que ampliaria suas possibilidades de estabelecer novos ordenamentos para a vida. Desta forma, de 1999 a 2003 foram encaminhados ao CRIS novos pacientes dos núcleos e do HMJM que, somados aos que lá já residiam desde os anos 80 e aos pacientes provenientes de clínicas psiquiátricas conveniadas com o SUS, compuseram a clientela total sob os cuidados da unidade. Desta, 27 pessoas foram morar nas sete residências terapêuticas habilitadas, localizadas fora da área da Colônia, em bairros que formam a região de Jacarepaguá9. Em 2004, ocorreram novas mudanças na direção e na equipe do CRIS, mas as diretrizes gerais do trabalho foram mantidas. Ainda que os profissionais do CRIS afirmem a inexistência de critérios de elegibilidade para o encaminhamento de pacientes ao Programa de RT, a clientela que hoje reside fora da instituição não necessita de equipamentos mais complexos para garantir sua permanência nos espaços da cidade. O que se observa, porém, é que muitos daqueles pacientes que foram encaminhados ao CRIS nos anos 1980 lá permanecem ainda porque, ao longo tempo, tiveram sua condição clínica agravada e não encontraram nos serviços residenciais de que hoje se dispõe uma estrutura adequada para responder as suas necessidades. 9 Há além destas sete residências a “Casa do Diretor”, com oito moradores, e duas RT com dois moradores cada, localizadas no bairro Colônia, além das residências implantadas ainda sob a antiga gestão do CRIS, os já citados lares avançados. Tal denominação, porém, não é mais utilizada pelos profissionais da instituição. 40 Até novembro de 2004, o CRIS contava com 22 residentes em suas instalações e 53 clientes morando fora do espaço hospitalar – dentro e fora da antiga Colônia -, conforme será detalhado posteriormente. 3.2. Projeto Terapêutico do IMAS Juliano Moreira – uma instituição dividida? A exposição deste tópico baseia-se em informações colhidas durante os dois últimos Seminários Internos do IMAS Juliano Moreira, ocorridos nos meses de dezembro de 2003 e de 2004. Este último foi um evento aberto ao público porque comemorava os 80 anos da instituição. O Projeto Terapêutico hoje desenvolvido pelo IMAS tem como eixo central a Reabilitação Psicossocial, pensada como um meio de possibilitar aos sujeitos novas formas de estar no mundo e com ele relacionarem-se, a partir da construção de projetos/planos centrados no estímulo ao que há de positivo nas relações que o paciente já construiu, por um lado, e na superação das dificuldades que ele apresenta, por outro. Desta forma, a reabilitação não se voltaria apenas para o interior da instituição - o que poderia resumir-se à humanização do atendimento e melhoria das instalações hospitalares - e pressuporia que as equipes que trabalham sob esta lógica tenham disponibilidade suficiente para estar com os pacientes em outros espaços, produzindo junto aos primeiros novos nexos e novas relações com o contexto. Dado que a maioria dos pacientes do IMASJM é bastante idosa, o trabalho de reabilitação passaria muitas vezes por uma melhoria nas condições gerais de vida daqueles, respeitadas as suas limitações e idiossincrasias. As equipes dos já mencionados núcleos, assim como a equipe do CRIS, devem orientar seu trabalho a partir de tais idéias. No entanto, uma questão hoje divide os profissionais do IMASJM: o futuro da instituição e de seus pacientes. Podemos identificar duas posições opostas: para um grupo, a saída do asilo poderia ser pensada para a totalidade dos pacientes hoje internados na instituição, passando pela adequação dos serviços residenciais ao perfil da clientela em questão, qual seja, idosa, pouco autônoma e com condições clínicas gerais desfavoráveis; para o outro grupo, parte-se do princípio que 41 apenas os mais autônomos (autonomia aqui entendida como “independência”) poderão sair do asilo e somente para estes será possível a chamada (re)inserção social. A discussão institucional gira em torno de algumas perguntas. A primeira delas refere-se à possibilidade de saída do pacientes do asilo e estaria relacionada (1) às características dos pacientes (como limitações impostas pela doença ou pela institucionalização) ou (2) aos equipamentos de que hoje dispõe-se para responder às necessidades dessa clientela. Uma segunda pergunta, conseqüente da primeira, também muito cara ao tema em estudo, estaria relacionada ao fato de ser ou não a desospitalização uma condição necessária ao processo de (re)inserção social dos pacientes da instituição. Esta última pergunta leva-nos à questão central deste estudo: de que forma a saída dos pacientes da instituição e seu conseguinte “retorno à sociedade” vem sendo pensada pelos profissionais do IMASJM e quais estratégias assistenciais vêm sendo desenhadas? No Capítulo IV, serão apresentados e analisados os dados coletados durante a pesquisa de campo. 42 CAPÍTULO IV RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. Aspectos Metodológicos a) Considerações Iniciais Como foi possível observar até aqui, o debate sobre as estratégias assistenciais no IMASJM visando possibilitar aos pacientes com longa história de internação psiquiátrica a saída da instituição asilar e o retorno ao convívio social, ocorreu num momento anterior à implementação da PSM hoje vigente. Esta política, por sua vez, ao legitimar experiências tidas como pioneiras durante a década de 90, trouxe para o centro da discussão sobre a (re)inserção social novos elementos que contribuiriam para o estabelecimento de bases conceituais diferenciadas no que diz respeito às modalidades assistenciais a serem implementadas. Reiterando, o objetivo desta pesquisa foi investigar como a saída dos pacientes da instituição asilar - e o retorno dos mesmos ao convívio social - vem sendo tratada e que tipo de estratégias assistenciais esta mesma questão produziu ao longo das últimas décadas. Entre os motivos que levaram à escolha do IMASJM como campo de pesquisa, destacamos os seguintes fatos: é um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil; iniciou a discussão e a elaboração de estratégias inovadoras no início da década de 80, com a criação do CRIS, antes mesmo da existência de uma política nacional voltada para este fim, e implementou um amplo programa de residências terapêuticas nos moldes do estabelecido nas normas relativas à (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas. A coexistência de estratégias assistenciais formuladas ainda durante a década de 80 e aquelas fundamentadas numa discussão atual, gerando posicionamentos os mais diferenciados entre os profissionais envolvidos na assistência, fez do IMASJM um campo fértil para a investigação cujos resultados serão aqui apresentados. A pesquisa teve caráter exploratório e utilizou dados de natureza quantitativa e qualitativa. A abordagem qualitativa foi essencial não somente devido à complexidade do 43 fenômeno em estudo mas, principalmente, por se mostrar mais adequada a trabalhar com “o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis." (Minayo et al., 1996, p. 2122). O tipo de pesquisa escolhido para empreender tal investigação foi o Estudo de Caso. Para Yim (1994), o Estudo de Caso é uma abordagem adequada quando o tipo de questão da pesquisa é da forma “como” e “por quê ?”; quando o controle que o investigador tem sobre os eventos é muito reduzido; ou quando o foco temporal está em fenômenos contemporâneos dentro do contexto de vida real. Quanto à validade e possibilidade de generalização dos resultados obtidos a partir deste tipo de pesquisa, Yim (1994) ressalta que não se deve confundir “generalização analítica” – própria do Estudo de Caso – com “generalização estatística”, dado que o “caso” estudado não é um elemento amostral. Desta maneira, os resultados aqui apresentados são válidos para o universo estudado. Todavia, revelam dois pontos extremamente relevantes, quais sejam: o peso que as iniciativas pioneiras da CJM tiveram para transformar a realidade asilar ainda quando a discussão sobre a Reforma Psiquiátrica era incipiente no Brasil, bem como a dissonância que, ainda hoje, estas iniciativas produzem no seio da instituição devido, em boa medida, à ambigüidade da noção de (re)inserção social. b) Instrumentos de Coleta de Dados Num estudo de caso, é fundamental que múltiplas fontes de evidência sejam utilizadas, permitindo assim investigar vários aspectos de um mesmo fenômeno. Desta forma, várias técnicas de coleta de dados foram combinadas, entre elas a pesquisa documental, a observação participante e as entrevistas. A pesquisa documental se deu a partir do acesso a diferentes documentos consultados na biblioteca e nas unidades do IMASJM, tais como ordens de serviço, projetos, relatórios, normas técnicas e prontuários, sendo colhidas nestes últimos informações relativas a sexo e idade do paciente, procedência institucional, diagnóstico psiquiátrico principal, data da primeira internação psiquiátrica, tipo de atividade realizada 44 no CRIS, inserção no mercado de trabalho, referência familiar (entendida como pelo menos um contato pessoal estabelecido nos últimos dois anos) e suporte financeiro. Em relação à observação participante, esta se deu nas reuniões semanais de equipe do CRIS e nas reuniões de freqüência variável do Centro de Estudos, nas quais todas as unidades assistenciais têm participação representativa. As observações colhidas nestas ocasiões foram registradas em um diário de campo. No que diz respeito às entrevistas, foram realizados encontros com três profissionais familiarizados com o nosso objeto de estudo. As entrevistas foram abertas, com base em uma lista de perguntas previamente formuladas e em depoimentos trazidos pelos entrevistados. Os pontos indagados foram os seguintes: • Entendimento do significado da (re)inserção social; • Opinião sobre o projeto terapêutico do IMAS: relações entre o projeto atual do CRIS e os Lares de Acolhimento, qualificado segundo grau de complementaridade, de oposição, ou de superposição; • Condições necessárias e suficientes para que uma pessoa possa sair do asilo, ser desospitalizada. Os dados coletados foram divididos em dois grupos de resultados, de forma a facilitar sua compreensão e análise: • Primeiro grupo: caracterização do Programa de Residências Terapêuticas do IMASJM e de sua clientela. • Segundo grupo: destaca os depoimentos dos profissionais entrevistados no que diz respeito à forma pela qual entendem e trabalham com a (re)inserção social no cotidiano e o que pensam sobre as estratégias assistenciais produzidas na instituição ao longo dos últimos 20 anos. c) Etapas da pesquisa 45 A primeira etapa da pesquisa consistiu em revisão bibliográfica visando resenhar a literatura especializada sobre o tema da inserção social. A segunda etapa consistiu na pesquisa de campo propriamente dita, com a coleta de informações por meio das diferentes técnicas anteriormente explicitadas. A compilação e análise dos dados colhidos na fase anterior consistiu a terceira etapa da pesquisa. Nesta, os conceitos que fundamentaram teoricamente o estudo serviram como base para a análise dos dados. I. CARACTERIZAÇÃO DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS DO IMASJM E DE SUA CLIENTELA a) O Programa de RT Segundo dados do Ministério da Saúde, até o mês de setembro de 2004 existiam no Brasil 262 SRT distribuídos por 45 municípios, perfazendo um total de 1.363 beneficiários. Destes, 1.020 usuários residem nos 194 SRT localizados na região sudeste. No município do Rio de Janeiro,10 contamos atualmente com 16 SRT onde residem 71 usuários. O primeiro deles foi criado pela equipe do Instituto Philippe Pinel em 1997, antes mesmo da regulamentação deste tipo de dispositivo assistencial. O Programa de Residências Terapêuticas do IMASJM é o maior em funcionamento no município do Rio de Janeiro e um dos maiores do Brasil, quer em número de residências sob sua supervisão (12), quer pelo número de usuários beneficiados (47). O município conta ainda com 1 SRT com oito moradores sob os cuidados do Instituto Philippe Pinel, dois SRT com oito moradores sob a supervisão do IMAS Nise da Silveira, um SRT sob supervisão do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) com oito moradores, e um SRT referenciado à Clínica Amendoeiras, com nove moradores. Todas as RT do município do RJ são mistas, com exceção do SRT referenciado ao IPUB, onde residem apenas mulheres. O tempo médio de internação psiquiátrica anterior à 10 Todos os dados referentes ao contexto municipal foram colhidos do pôster apresentado pela Coordenação de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro no I Encontro Nacional dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental. Paracambi, Rio de Janeiro, setembro de 2004. 46 ida para os SRT varia de seis anos na residência do IPUB à 16 anos nas residências do IMASJM. Conforme mencionado, o Programa de Residências Terapêuticas do IMAS Juliano Moreira está diretamente vinculado à equipe do CRIS, a qual cabe a supervisão do programa e o acompanhamento não só dos usuários inseridos nos novos dispositivos residenciais como daqueles que aguardam, nas instalações do próprio CRIS, a efetiva saída do espaço hospitalar. A partir deste ponto, caracterizamos o programa de acordo com as seguintes dimensões: (1) Complexidade das residências Para Vasconcelos (2001), “as alternativas de estrutura organizacional e nível de cuidado dispensado internamente aos dispositivos residenciais (...) podem variar de serviços estatais permanentes para usuários muito dependentes, com supervisão interna 24 horas por dia e 7 dias por semana, até dispositivos mais flexíveis, como casas temporárias, famílias substitutivas, moradias independentes próprias ou alugadas, ou mesmo lugares independentes em pensão, com uma supervisão mínima por parte de trabalhadores de saúde mental. O princípio básico que orienta a proposta deste leque mais amplo de opções residenciais é ofertar dispositivos adequados à variedade de quadros diferenciados de dependência e autonomia, à situação social, familiar e comunitária, e ao desejo expresso de cada cliente singular” (2001, p. 68) (grifo nosso). Desta maneira, identificamos no Programa de RT do IMASJM os seguintes tipos de residência: a) Residências de cuidados semi-intensivos. Há oito residências deste tipo, abrigando 35 moradores. Contam com a presença de um cuidador que permanece na casa quatro horas por dia, exceto nos feriados e finais de semana. O cuidador teria como função auxiliar os moradores nas tarefas do dia-a-dia (cuidar dos pertences, administrar a medicação, cuidar da limpeza da casa e da alimentação, entre outras). Este profissional também deve estar atento às relações estabelecidas entre os moradores, respeitando suas singularidades e agenciando com eles respostas às questões cotidianas. Deve ser necessariamente um 47 profissional sem formação em saúde mental ou enfermagem, é treinado no próprio serviço e seu saber leigo é valorizado à medida que proporciona outras formas de lidar com estes sujeitos, a princípio, menos contaminadas pela lógica asilar. A questão do treinamento/capacitação destes profissionais foi apontada em uma das entrevistas como um dos principais desafios a serem enfrentados para a continuidade do programa. Todas as RT de cuidados semi-intensivos estão localizadas na Taquara, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, à exceção da “Casa do Diretor”, na qual residem oito moradores, localizada em área pertencente à antiga CJM. b) Residências de baixa complexidade. São moradias onde a figura do cuidador não é requerida. São as casas onde os moradores são, em sua maioria, casais que resolveram dividir uma moradia após longos anos de convivência no espaço asilar. Atualmente, existem sete residências desse tipo11. Além destes dois tipos de RT, a equipe do CRIS tem proposto um terceiro tipo, as chamadas Residências de Cuidados Intensivos, ainda não implantadas. Nestas, a presença de um profissional 24 horas por dia, nos sete dias da semana seria requerida pelo grau de dependência daqueles que nela residiriam, quer por sua fragilidade clínica (deficientes visuais, idosos com dificuldades de deambulação) ou psiquiátrica (pessoas com agudização freqüente do quadro psiquiátrico, com risco de suicídio, entre outras situações). A previsão é que a primeira casa a ser montada nesses moldes inicie seu funcionamento até o fim do primeiro semestre de 2005. Buscará atender a uma clientela total de oito moradores e deverá localizar-se fora da área pertencente à antiga CJM. A proposta de uma residência terapêutica de cuidados intensivos visa adequar estes dispositivos às características da clientela que ainda encontra-se internada. Este ponto será retomado posteriormente, quando da análise das entrevistas feitas com os profissionais da instituição. (2) Recursos Humanos 11 Nestas casas residem cinco casais (três deles no Condomínio Lar Feliz e dois em outras residências também localizadas na área da antiga CJM) e dois clientes morando sozinhos (um deles, fora da área pertencente à antiga CJM). 48 Quadro 3 Composição da Equipe do CRIS (novembro de 2004) Número de Profissão/Cargo profissionais Psicólogo 6 Psiquiatra 1 Clínico-geral 1 Nutricionista 1 Assistente social 1 Funcionários administrativos 3 Cuidador (com formação em enfermagem) 6 Cuidador (sem formação específica) 5 Estagiário (serviço social) 1 Fonte: anotações em diário de campo da pesquisa. Carga horária semanal 30 horas 12 horas 4 horas 30 horas 30 horas 40 horas Plantão 12h/36h 40 horas 20 horas O quadro 3 apresenta a composição da equipe do CRIS responsável pela supervisão das RT e acompanhamento dos clientes que ainda encontram-se em suas instalações. Observa-se que os psicólogos são os profissionais em maior número (cinco), incluindo-se entre eles a diretora da unidade. Quanto ao horário de funcionamento, vale ressaltar que o CRIS conta com toda a equipe técnica das 9h às 19h e apenas com os cuidadores (com formação em enfermagem), em plantões de 12/36 horas, durante a noite. Lotadas exclusivamente nas RT encontram-se as cuidadoras sem formação específica, com carga horária de oito horas diárias a serem distribuídas por duas RT. Apenas uma das casas, localizada dentro da área territorial da antiga Colônia, conta com uma cuidadora durante oito horas diárias. A equipe do CRIS avalia que o número de profissionais hoje lotados na unidade não é suficiente, o que dificultaria a ampliação do número de beneficiários do programa. No seminário interno realizado em dezembro de 2004, foi proposta a constituição de uma equipe de seguimento voltada exclusivamente para o acompanhamento dos clientes no território, como forma de garantir que a ampliação do programa de RT não seja acompanhada por uma queda da qualidade da assistência prestada aos usuários. Desta forma, defende-se que a entrada de novos clientes no programa – quer oriundos dos núcleos, quer provenientes das clínicas conveniadas – seja acompanhada da contratação de 49 novos profissionais que, aos poucos, irão constituir esta equipe de seguimento. O trabalho desenvolvido dentro da unidade assistencial – ou seja, os atendimentos psiquiátricos e psicoterápicos, do serviço social, as oficinas, entre outros deverão, ao menos até que estes usuários sejam inseridos em outros serviços de saúde mental, continuar sendo de responsabilidade da equipe já composta. Os profissionais defendem que o papel central e, muitas vezes, tutelar hoje ocupado pelo CRIS na rede de relações estabelecida por muitos de seus clientes precisa ser revisto, e isto principalmente a partir da inclusão de novos e diferentes atores nesta rede. Desta forma a equipe de seguimento, atuando exclusivamente no território, foi pensada para enfrentar esta questão de forma mais contundente, ou seja, no lugar da função tutelar, a presença mediadora da equipe no território teria por objetivo contribuir para a produção de um lugar social onde o sujeito seja reconhecido não por sua doença ou limitações por esta impostas, mas sim por sua capacidade de efetuar e sustentar escolhas. Desta forma, num primeiro momento equipe e usuário explorariam o território de forma a identificar o que este pode oferecer como campo de possibilidades para o cliente; num segundo momento, respeitados seus desejos e idiossincrasias, o usuário seria ‘incentivado’ a escolher com quais destas possibilidades oferecidas pelo território ele gostaria de se relacionar; o terceiro momento consistiria na construção efetiva deste campo de relações. As singularidades de cada usuário deverão definir em quais desses momentos estará localizada a ênfase do trabalho: podemos supor que alguns clientes tenham grande habilidade para explorar o território mas, no entanto, necessitem do acompanhamento da equipe no momento da construção da rede de relações ou não se sentem ‘capazes’ de efetuar escolhas. Desta maneira, o acompanhamento terapêutico deverá ser construído a partir daquilo que é apresentado por cada sujeito, o que pressupõe uma reavaliação constante do trabalho, dados os ‘avanços’ e ‘retrocessos’ vividos pelo cliente ao longo deste processo. (3) Financiamento A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) estabeleceu, em 2000, um convênio com a Associação de Parentes e Amigos do Complexo Juliano Moreira (APACOJUM) 50 organização sem fins lucrativos, que recebe verba mensal de R$41.000,00 para pagamento/contratação de recursos humanos, aluguel e manutenção das casas (incluindo pagamento de contas de água, luz e telefone e gás) e para o fornecimento de uma bolsa, no valor de R$260,00 para aqueles usuários que ainda não foram beneficiados pelo auxílioreabilitação do Programa de Volta Para Casa ou pela Bolsa-Incentivo à Desospitalização. Conforme disposto no artigo 2º da Portaria nº106/MS, já apresentada no capítulo II deste estudo, à medida que as casas vão sendo cadastradas pela SMS, o recurso das AIHs (Autorização para Internação Hospitalar) deve ser repassado aos tetos orçamentários do estado ou município responsável pela assistência ao paciente, no caso, o Rio de Janeiro. No entanto, este processo é longo e algumas RT em funcionamento há pelo menos três anos ainda não foram cadastradas pela SMS e, conseqüentemente, não aparecem nas estatísticas oficiais, embora recebam a verba mensal para seu custeio por meio do convênio acima mencionado. No entanto, são freqüentes os problemas no repasse da verba pela prefeitura, ocasionado atraso no pagamento dos profissionais e das bolsas dos usuários. (4) Organização do Programa – estrutura do CRIS, atividades realizadas. O CRIS funciona como uma unidade vinculada ao complexo do IMASJM. Seus quartos acomodam de dois a cinco clientes e possuem banheiro para uso exclusivo dos que ali residem. Como serviço de passagem12, lá encontravam-se até novembro de 2004 cinco clientes provenientes dos diversos núcleos que compõe o IMAS Juliano Moreira, encaminhados ao CRIS durante o ano de 2004; 10 clientes remanescentes dos encaminhamentos feitos ainda na década de 8013, e outros clientes provenientes de clínicas conveniadas com SUS. Ainda durante o ano de 2004 foi registrado o óbito de uma paciente encaminhada ao CRIS pelo HMJM. Residindo fora da estrutura do CRIS, mas sob os cuidados da equipe deste serviço, encontram-se 53 clientes. 12 Os pacientes que atualmente residem em suas instalações estão aguardando a efetiva saída do espaço hospitalar, a ser alcançada por meio da implantação de novas RT. 13 Um cliente que hoje encontra-se no CRIS já morou numa RT mas, devido à incapacidade deste dispositivo oferecer respostas apropriadas às necessidades impostas pelo agravamento de sua condição clínica, o mesmo foi novamente acolhido na estrutura hospitalar, onde aguarda a montagem da primeira RT de cuidados intensivos. 51 Várias atividades são desenvolvidas no interior da unidade: atendimento psiquiátrico e psicológico, grupos ligados à alimentação e à higiene, oficinas de pintura, mosaico, tapeçaria e fuxico, trabalho protegido (na cantina da unidade, na cantina da sede e na secretaria) e atendimento clínico de rotina. Todas essas atividades estão voltadas para a clientela residente no CRIS e para aqueles que já encontram-se nas RT. Também funciona dentro da unidade uma espécie de “banco” onde os clientes, com a ajuda da equipe, manejam o dinheiro que recebem das Bolsas “Etapa”, “Incentivo à Desospitalização” (municipal) ou “De Volta Para Casa” (federal). Participam do banco apenas os clientes que assim desejem e aqueles que não conseguem sozinhos manejar o próprio dinheiro. Estes últimos contam com a ajuda do técnico de referência 14 para estabeleceram a quantia que será sacada semanalmente. Os cuidados em saúde mental são oferecidos pelo próprio CRIS, diferentemente dos demais programas de residências terapêuticas existentes no município do Rio de Janeiro. Nestes, a equipe responsável pelo acompanhamento dos clientes no território não é a mesma equipe responsável pela oferta de atendimentos psiquiátricos e psicoterápicos, trabalhos protegidos e oficinas geradoras de renda, atividades estas geralmente realizadas pelos moradores das RT nos CAPS e demais serviços voltados para a clientela portadora de transtornos mentais graves. Sobre este último ponto vimos, no tópico referente aos recursos humanos, que os profissionais envolvidos na assistência consideram que o CRIS muitas vezes acaba por exercer uma função tutelar em relação a seus clientes e têm proposto reformulações no desenho da equipe, por meio da constituição da já mencionada equipe de seguimento. b) A clientela das RT Quadro 4 Distribuição da clientela do CRIS por local de moradia Número de Clientes 31 usuários 15 usuários Local de moradia RT RT Observações RT cadastradas pela SMS RT em processo de cadastramento pela SMS 14 O técnico de referência é o profissional responsável pela construção, junto ao usuário, de um projeto terapêutico que leve em conta os desejos, as limitações e as necessidades deste último. Cabe ainda a este profissional reunir informações suficientes sobre o usuário que acompanha, de forma que possa apresentá-las aos demais membros da equipe, possibilitando uma discussão conjunta sobre as intervenções a serem realizadas. 52 1 usuária RT individual A cliente recebe bolsa municipal no valor de dois salários mínimos e arca sozinha com as despesas de aluguel, manutenção e contas da casa. 5 usuários Imóveis pertencentes ao Residências não cadastradas IMAS pela SMS 1 usuária Imóvel próprio Reside com o companheiro em área externa ao IMAS. 22 usuários CRIS Clientes aguardando implantação de novas RT. Fonte: prontuários dos clientes do CRIS e anotações em diário de campo (novembro de 2004) O quadro 4 apresenta a distribuição da clientela do CRIS, hoje composta por 75 usuários, por local de residência. Destes, atualmente 53 residem fora do espaço hospitalar. A população-alvo desta pesquisa é composta por 47 usuários: 31 residentes nas casas cadastradas, 15 nas casas em processo de cadastramento e um que foi incluído no estudo por assumir integralmente a manutenção de sua casa (aluguel, montagem e pagamento de contas) com o dinheiro proveniente da bolsa-incentivo (municipal). Apesar de ainda não ter sido cadastrada pela SMS, esta última residência é reconhecida publicamente como uma modalidade residencial inovadora, dado que é a primeira RT com apenas um morador localizada fora da área da CJM e cuja implantação só foi possível devido ao recurso proveniente da bolsa municipal. Por estes motivos, foi incluída no estudo e será aqui tratada como uma RT. Os usuários que residem em imóveis não cadastrados pertencentes ao IMAS, a usuária que reside em imóvel próprio junto com seu companheiro e os 22 usuários que ainda permanecem no CRIS não serão caracterizados nesse estudo. 53 Gráfico 1 Distribuição dos moradores das RT segundo gênero. Rio de Janeiro, 2004. 21 26 Masculino Feminino Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. O gráfico 1 mostra a composição da clientela hoje moradora das RT sob supervisão do CRIS: dos 47 usuários estudados, 21 ou 45% são mulheres e 26 ou 55% são homens. A composição de cada RT, no entanto, não obedece a critérios de gênero: algumas casas são compostas apenas por homens, outras são mistas, e há ainda aquelas onde residem casais ou mesmo uma só pessoa. 54 Gráfico 2 Distribuição dos moradores das RT segundo faixa etária. Rio de Janeiro, 2004. nº de moradores 25 21 20 15 8 10 5 4 3 9 2 0 Menos de 30 anos de 31 a 40 anos de 41 a 50 anos de 51 a 60 anos de 61 a 70 anos mais de 70 anos Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004 O gráfico 2 mostra que a maior parte da população estudada (36 pessoas ou aproximadamente 76%) tem 60 anos ou menos. Isto mostra que a população atualmente beneficiada pelas RT é, em sua maioria, mais jovem do que aquela que ainda encontra-se internada nos diversos núcleos que compõe o IMASJM, cuja média de idade está em torno dos 67 anos. Uma das hipóteses explicativas para este resultado pode ser a inexistência, até o momento, de dispositivos residenciais mais complexos que respondam às necessidades de uma clientela mais idosa ou mais dependente. 55 A média de idade dos que ainda aguardam, nas instalações do CRIS, a efetiva saída do espaço hospitalar, é de 60 anos, tendo o paciente mais jovem 36 anos e o mais idoso 88 anos. Mesmo que esta clientela não tenha sido alvo direto da nossa investigação, até novembro de 2004 existiam nas instalações do CRIS 22 pacientes aguardando transferência para as RT. Importante destacar que destes, nove pacientes lá estão desde a década de 80, ou seja, há mais de 20 anos. Acreditamos que a opção feita pela montagem de RT de menor complexidade possa ter dificultado a saída destes pacientes do espaço hospitalar, visto que as necessidades impostas pelo envelhecimento ou agravamento da condição clínica desta população não puderam ser atendidas pelo tipo de RT hoje em funcionamento no Programa. Gráfico 3 Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto à procedência dos encaminhamentos. Rio de Janeiro, 2004. sem informação 5 instituições privadas conveniadas com o SUS 1 HMJM e IPP 10 IMAS Juliano Moreira 31 0 5 10 15 20 25 30 35 Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. 56 O gráfico 3 mostra a procedência institucional daqueles que hoje estão morando nas RT. A maior parte (31 pacientes ou 66%) foi encaminhada ao CRIS pelas próprias unidades assistenciais do IMASJM. Dez usuários ou 20% são provenientes de hospitais psiquiátricos de emergência, tais como o HMJM e o IPP. Nestes casos, vemos que as RT tornaram-se dispositivos assistenciais importantes não somente para os sujeitos com longa história de institucionalização, mas também para aqueles que se encontram em situação de abandono nas emergências psiquiátricas. Gráfico 4 Distribuição dos moradores das RT segundo diagnóstico psiquiátrico principal. Rio de Janeiro, 2004. outros 2 sem inform ação 1 Oligofrenia 11 Transt. de personalidade/ transt. neuróticos 10 Esquizofrenia 19 Transtorno do Hum or 4 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. 57 O gráfico 4 mostra a distribuição dos moradores das RT por diagnóstico psiquiátrico principal. Alguns pacientes possuem mais de um diagnóstico psiquiátrico, sendo os casos mais comuns aqueles em que esquizofrenia e oligofrenia estão combinados. É importante ressaltar que muitos dos pacientes abarcados pelo diagnóstico esquizofrenia não apresentam, nos dias de hoje, sintomatologia produtiva; são os chamados ‘residuais’ ou ‘crônicos’. A contribuição deste gráfico é bastante relativa, visto ser extremamente difícil avaliar se o embotamento afetivo, o hipopragmatismo e o isolamento social observados nestes sujeitos são conseqüência dos anos de institucionalização ou fazem parte da chamada sintomatologia negativa, considerada uma evolução esperada da esquizofrenia. Gráfico 5 Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto ao início da vida institucional / idade quando da entrada em instituição asilar. Rio de Janeiro, 2004. sem inform ação 11 >30 anos 2 25-30 anos 5 14 18-25 anos 9 11-17 anos 6 <10 anos 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. 58 O gráfico 5 mostra um fato bastante relevante quando se pretende analisar as estratégias institucionais voltadas para a (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas: a idade em que estes sujeitos iniciaram sua vida institucional. Apresentamos no quadro a seguir dados mais detalhados sobre o grupo formado pelos pacientes que sofreram a primeira internação psiquiátrica com idade inferior a 18 anos (15 pessoas ou 32%). 59 Quadro 5 Distribuição dos pacientes cuja primeira internação psiquiátrica ocorreu antes dos 18 anos de idade Cliente A B C* D* E* F* G* H I J* L* M* N* O* P* Data da 1ª Idade na 1ª internação internação 1978 1982 1968 1956 1961 1953 1944 1970 1967 1961 1958 1955 1962 1967 1970 14 16 13 9 13 12 4 15 16 10 10 8 10 12 13 Data de início da internação ininterrupta anterior à ida para o CRIS 2002 2001 1968 1963 1965 1963 1967 1970 1967 1967 1965 1963 1969 1967 1979 Instituição de procedência HMJM IPP CJM CJM CJM CJM CJM CJM CJM CJM CJM CJM CJM CJM CJM * Transferência direta FUNABEM-CJM. Fonte: prontuário dos clientes do CRIS Como podemos observar no quadro 5, apenas dois pacientes tinham idade inferior a 18 anos no momento da primeira internação e não permaneceram institucionalizados desde essa época. Os demais (13 pessoas ou 27,6% do total da população estudada) tiveram uma única e longa internação, que iniciou antes dos 18 anos e terminou apenas no momento da saída para a RT. A consulta aos prontuários não nos permitiu estabelecer com precisão a data em que estes usuários foram para as RT. Verificamos, porém, que destes 13 clientes, quatro (E, H, I e J) receberam alta em meados da década de 1990 e foram residir nos chamados Lares Avançados que hoje são cadastrados como SRT, ou seja, permaneceram 60 em média 30 anos internados; os outros nove foram para as RT durante ou após o ano 2000, portanto estiveram institucionalizados em média por 40 anos. Acreditamos que a longa institucionalização e a perda tão precoce dos vínculos sociais/afetivos produziu nestes sujeitos marcas, comportamentos e posicionamentos subjetivos muito mais difíceis de serem superados. Como cita Milagres (2002, p.23), “ao romperem fisicamente e simbolicamente com o mundo familiar e social externo, os internados se inserem num mundo institucional fechado e, conseqüentemente, produzem respostas a este novo meio; este processo irá produzir no indivíduo uma subjetividade específica da relação instituição-internado”. Sobre esta institucionalização tão precoce, Bentes (1999) refere um estudo epidemiológico, realizado em 1991, cuja população-alvo foram as crianças e adolescentes internados na Colônia Juliano Moreira. Este estudo apontou para a existência de um “convênio” entre a CJM e a FUNABEM, ocorrido possivelmente de 1966 à 1976, que pressupunha uma transferência direta dos abrigados pela segunda instituição ao Pavilhão de Adolescentes da primeira. Para Lima (1993, apud Bentes, 1999), autor da referida pesquisa, “esses pacientes não tinham uma justificativa técnica para serem internados em um hospital de crônicos, [e] sua internação [seria] o resultado de uma política de saúde que, por seu caráter excludente, segregador e privatizante, transforma abandono, carência e pobreza em doença mental." Gráfico 6 Moradores das RT inseridos em atividades no CRIS. Rio de Janeiro, 2004. Atendimento Psiquiátrico 36 Oficinas 11 8 inseridos 39 não inseridos Trabalho protegido 12 Grupos 35 4 Psicoterapia Individual 43 19 Acompanhamento Terapêutico 28 35 0 10 12 20 30 40 50 Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. 61 O gráfico 6 apresenta a distribuição da população estudada nas atividades oferecidas pelo CRIS. Podemos observar que atividades como atendimento psiquiátrico, oficinas, trabalho protegido, grupos, psicoterapia individual e acompanhamento terapêutico, que poderiam estar sendo desenvolvidas em outros serviços de base territorial (como os CAPS), são oferecidas pela mesma equipe responsável pela montagem, manutenção e supervisão das casas. Segundo observações registradas em diário de campo, em alguns casos os moradores das RT são atendidos em outros serviços, tais como postos de saúde, sendo as especialidades ginecologia, clínica médica, dermatologia e oftalmologia as mais procuradas, porém ainda hoje muitos dos atendimentos clínicos de rotina são feitos nas próprias instalações do CRIS. Também merece destaque a procura dos clientes por consultórios privados, sobretudo de odontologia. Acreditamos que a absorção destes pacientes por outros serviços de saúde mental poderia contribuir para um melhor funcionamento do programa, que poderia concentrar suas atividades na supervisão das RT e no acompanhamento dos clientes no território. Desta maneira a concentração, no CRIS, de atividades assistenciais que vão desde o acompanhamento clínico mais especializado até os projetos de geração de renda pode reforçar o que anteriormente denominamos de postura tutelar deste serviço em relação a seus clientes. Gráfico 7 Inserção dos moradores das RT no mercado de trabalho. Rio de Janeiro, 2004. Trabalho Informal 4 inseridos 43 não inseridos Trabalho Formal 2 0 45 10 20 30 40 50 Fonte: Prontuários dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. O gráfico 7 mostra a inserção dos moradores das RTs no mercado de trabalho. Este tema, já abordado no capítulo III, pautou as primeiras discussões sobre o destino da clientela internada e as estratégias para a sua ressocialização. 62 O gráfico mostra que dois usuários estão inseridos no mercado formal de trabalho (ou seja, possuem seus direitos trabalhistas assegurados) e quatro no mercado informal (realizando pequenos trabalhos na comunidade, ou biscates). Contudo, o gráfico 6 mostrou que 12 pessoas estão inseridas em atividades denominadas “trabalho protegido”. Em suma, 18 pessoas ou 38% exercem alguma atividade laborativa, ainda que dentro do CRIS ou em outros setores do IMASJM. Os resultados obtidos neste campo reiteram aquilo que havia sido disposto no capítulo III, ou seja, a saída dos pacientes do IMASJM hoje – em oposição a momentos anteriores da história institucional - não está pautada pela inserção dos mesmos no mercado de trabalho formal e nem poderia ser diferente, dado o perfil desta população. Gráfico 8 Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto à existência de referências familiares. Rio de Janeiro, 2004. 11 19 com referências familiares sem referências familiares 17 sem informações * referência familiar: pelo menos 1 contato pessoal estabelecido nos últimos dois anos. Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. O gráfico 8 mostra a distribuição da clientela das RT quanto à existência de referências familiares. Um número significativo de pessoas (19 ou 41%) possui referências familiares, o que não significa, no entanto, que as famílias tenham disponibilidade para 63 receber os ex-internos em suas casas. A ausência de suporte familiar parece intensificar a dependência institucional, e vice-versa. Gráfico 9 Distribuição dos moradores dos SRTs, quanto à procedência do suporte financeiro individual. Rio de Janeiro, 2004. acúm ulo de 2 fontes 5 benefício INSS 1 APACOJUM 19 Etapa 9 Bolsa federal 7 Bolsa m unicipal 6 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 Fonte: Prontuário dos clientes do CRIS. Novembro de 2004. O gráfico 9 relaciona os tipos de suporte financeiro com que contam atualmente os moradores das RTs. Podemos observar que os 47 usuários estudados possuem algum tipo de renda, e que a maior parte destes (19 ou 40%) são beneficiários das bolsas fornecidas pela APACOJUM. Os demais usuários se dividem entre as bolsas federal e municipal, já descritas no capítulo II, as etapas15, abordadas no capítulo III, benefício do INSS ou acúmulo de duas fontes de renda (benefício do INSS mais bolsa municipal ou federal). Segundo informações colhidas em diário de campo, a concentração de pessoas recebendo a bolsa concedida pela APACOJUM justifica-se pelo fato de que, para ser inserido nas bolsas 15 Atualmente todos os clientes do CRIS estão inseridos na Etapa III, o que corresponde a uma renda aproximada de um salário mínimo. 64 municipal ou federal, o usuário deve possuir documentação completa, o que não ocorre em grande parte dos casos. Desta forma, as vias menos burocráticas para garantir o suporte financeiro são a bolsa da APACOJUM e as etapas. À medida que são resolvidas as pendências relativas à documentação, os antigos beneficiários das bolsas da APACOJUM e etapas vão sendo inseridos nos programas municipal ou federal, de modo que o recurso que a APACOJUM deixa de utilizar nesse fim possa ser gasto em outros itens, como melhorias nas casas, compra de equipamentos, entre outros. Acreditamos que a concessão da bolsa-etapa, hoje desvinculada do exercício de alguma atividade laborativa, justifica-se pela idéia, considerada falsa por Martins (2003), de que o consumo possa ser uma via pela qual o sujeito alcance sua (re)inserção na sociedade. Este ponto, como veremos no próximo tópico, também foi ressaltado durante as entrevistas com os profissionais da instituição. Como observamos até este ponto, o programa de RT do IMASJM diferencia-se dos demais programas em funcionamento no RJ pelo número de usuários contemplados e de RT montadas, média de internação psiquiátrica dos beneficiários e estruturação do trabalho, visto que o próprio CRIS e sua equipe funcionam como referência de tratamento para os moradores das RT. Sobre este último ponto, vimos que os profissionais envolvidos na assistência consideram que o CRIS muitas vezes acaba por exercer uma função tutelar em relação a seus clientes e têm proposto reformulações no desenho da equipe. No que se refere à caracterização das RT, vimos que o IMASJM conta com dois tipos de residências em seu programa: as de cuidados semi-intensivos (cuidador quatro horas por dia, exceto nos feriados e finais de semana) e as de baixa complexidade (sem cuidador). Acrescenta-se a isso a proposta de montagem da primeira RT de cuidados intensivos, voltada para a clientela mais dependente, com cuidador 24 horas por dia. O financiamento do programa se dá por meio de convênio entre a Prefeitura do RJ e a APACOJUM, que é responsável por custear o aluguel e manutenção das casas, bolsas para alguns pacientes e contratação de recursos humanos. Quanto à caracterização da população-alvo deste estudo, vimos que é composta por 45% de mulheres e 55% de homens, sendo que 76% deles têm idade igual ou inferior a 60 anos, com concentração de 44,6% na faixa etária entre 51 e 60 anos. Observamos ainda que 65 66% da população estudada é composta por ex-internos do próprio IMASJM, 40,4% tem como diagnóstico principal a esquizofrenia e 27,6% sofreram a primeira internação psiquiátrica antes dos 18 anos de idade e só receberam alta no momento da ida para a RT, após período de institucionalização cuja média variou entre 30 e 40 anos. Em relação à oferta de cuidados a estes usuários, observamos que muitas das atividades que poderiam ser realizadas em outros serviços de saúde mental são desenvolvidas pelo CRIS devido principalmente à deficiência da rede em absorver estes pacientes, o que reforça a posição tutelar do serviço, percebida pelos profissionais e já mencionada anteriormente. Vimos ainda que a inserção no mercado de trabalho não é condição para a saída dos pacientes do asilo, conforme outrora defendido pelos profissionais e tratado no capítulo III pois somente 12,7% dos moradores das RT exercem alguma atividade laborativa formal ou informal fora do IMASJM. No entanto, observamos que 27,6% dos usuários exercem dentro do IMASJM atividades denominadas “trabalho protegido”. Por fim, destacamos que 41% da população estudada, apesar de morar numa RT, conta com referência familiar, e que 100% destes sujeitos possuem renda própria, sendo a maioria (40,4%) beneficiária da bolsa concedida pela APACOJUM. Realizada a caracterização do programa de RT do IMASJM e de sua clientela, iremos no próximo tópico destacar a visão de três profissionais por nós entrevistadas, envolvidas na formulação e execução de propostas assistenciais de interesse para o nosso estudo. II – A VISÃO DOS PROFISSIONAIS A partir deste ponto, serão analisados os principais tópicos abordados nas entrevistas com os profissionais do IMASJM escolhidos para fazerem parte desta pesquisa devido à familiaridade que têm com o nosso objeto de estudo. As três entrevistadas, que chamaremos de A, B e C, são psicólogas, não fazem parte de nenhum movimento organizado dentro da saúde mental e têm entre 28 e 35 anos. Uma delas trabalha no IMASJM há seis meses e as demais há mais de três anos. Como vimos na metodologia, as entrevistas foram abertas, mas baseadas em pontos de interesse para o nosso estudo. Assim, buscávamos conhecer as posições das profissionais quanto a: 66 • Entendimento do significado da (re)inserção social Neste ponto observamos que as entrevistadas assumem posições bastante semelhantes. A entrevistada A afirma que a (re)inserção social é algo que se inicia a partir das relações que o sujeito estabelece consigo mesmo, com o outro e com o ambiente, ressaltado que o papel do profissional de saúde mental deve ser o de oferecer a este sujeito um campo ampliado de possibilidades – o que a mesma chama de “rede” – e que a partir desta oferta o sujeito possa se posicionar, escolher com quais destas ‘possibilidades’ ele deseja se relacionar. Desta forma, a (re)inserção social dar-se-ia a partir de uma afirmação do sujeito; ou seja, a partir do momento em que o profissional deixa de dizer como cada pessoa será inserida e passe a aceitar a forma particular que cada um encontra para fazê-lo. Também é abordado o fato de a (re)inserção social ser muitas vezes pensada por duas vias: a do trabalho (como podemos comprovar ao longo da história institucional) e a do consumo (conforme ressaltado por Martins, 2003). A profissional acredita que as características atuais da clientela – muito idosa e muito institucionalizada – fazem com que a avaliação da inserção social pela via do trabalho torne-se muito frágil, e que neste momento a via do consumo – que se daria por meio da concessão das bolsas-etapa - seja a mais utilizada. Ressaltamos ainda neste ponto a avaliação de A no que se refere à necessidade de construção de outros critérios para avaliar a (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas quando ela diz que “a maioria das velhinhas, de classe média e baixa, acorda tarde e dorme depois do almoço de segunda a sexta-feira, mas as nossas velhinhas (as pacientes), para estarem reinseridas, têm que conhecer todos os vizinhos, falar com o dono da padaria, ser amigo do jornaleiro (...), ficar saçaricando por aí, fazer mil coisas”. Desta maneira, A defende que a (re)inserção social não está necessariamente vinculada à saída do paciente do espaço asilar – “para alguns pacientes, eu vou falar de (re)inserção social ainda [em relação à] sociabilidade dentro do núcleo” (sic) – ainda que a desospitalização produza ganhos importantes no que se refere ao posicionamento do sujeito frente a sua vida. 67 A entrevistada B define (re)inserção social como “trânsito na sociedade e as relações que estão sendo estabelecidas, constituídas neste trânsito” (sic). Desta maneira, aproxima sua definição daquela defendida por A, pois também coloca a questão da (re)inserção social como a possibilidade de construção de relações, não se restringindo à saída do espaço asilar. B entende que o fato de algumas moradoras dos lares de acolhimento possuírem esse “trânsito” faz com que estejam, cada qual com as suas particularidades, inseridas socialmente. A questão do trabalho como uma via importante para a (re)inserção aparece no discurso desta profissional quando ela diz acreditar ser importante discutir sobre a ‘responsabilidade social’ e o papel das empresas no que se refere à inserção – pelo trabalho - dos excluídos socialmente. A entrevistada C também entende que a (re)inserção social não se restringe à saída do paciente do espaço asilar, e também a relaciona à construção dos profissionais, junto aos pacientes, de uma rede de relações frente a qual o os últimos irão se posicionar, efetuar escolhas. No entanto, apenas esta profissional destaca as limitações/dificuldades que a psicose pode trazer para o sujeito no momento da construção dessas relações. • Opinião sobre o projeto terapêutico do IMAS, relações entre o projeto atual do CRIS e os Lares de Acolhimento, qualificado segundo grau de complementaridade, de oposição, ou de superposição. Nesta questão, as três entrevistadas concordam que os programas se sobrepõem ou funcionam de forma paralela. É digno de nota, porém, a insatisfação da entrevistada B ao afirmar que o investimento institucional atual está no programa residencial e não nos lares de acolhimento. A idéia de os lares serem pensados como dispositivos intermediários entre a hospitalização e a efetiva saída do asilo é questionada pois a profissional entende que isso poderia acarretar uma diferenciação entre o trabalho a ser realizado nos pavilhões e aquele desenvolvido nos lares ocasionando, em última instância, uma diminuição do investimento dos profissionais nos pacientes dos pavilhões16. 16 Os chamados núcleos ou pavilhões possuem estrutura física convencional, ou seja, constituem-se como grandes enfermarias psiquiátricas onde muitos pacientes dividem o mesmo espaço e possuem pouca ou 68 Em outras palavras, B defende que o trabalho seja voltado para as demandas de cada paciente, possibilitando que mesmo aqueles que encontram-se nos pavilhões, se assim manifestarem desejo, possam sair do asilo sem que precisem passar, necessariamente, pelos lares. Uma possível complementaridade entre o programa dos lares e o das RT seria desenhada caso a caso. • Condições necessárias e suficientes para que uma pessoa possa sair do asilo, ser desospitalizada. As maiores diferenças na visão das profissionais entrevistadas encontram-se neste aspecto, pois embora em alguns pontos suas visões se aproximem, as discordâncias referem-se principalmente ao investimento no espaço da CJM, visto como desejável para as entrevistadas A e B, ainda que uma defenda a construção de estruturas não hospitalares neste espaço e, a outra, a construção de novos lares de acolhimento nos moldes dos atualmente em funcionamento. A entrevistada A acredita que o desmonte da estrutura hospitalar é essencial para produzir outras posições subjetivas tanto nos pacientes quanto nos profissionais. A profissional entende que não se trata de uma‘transformação do espaço hospitalar no sentido da humanização’, mas sim de uma transformação das relações estabelecidas entre pacientes e comunidade dentro do espaço da Colônia pois, desta maneira, seria possível investir na construção de estruturas não hospitalares neste mesmo espaço. A dificuldade maior para a efetivação deste trabalho estaria, segundo a mesma, na visão dos profissionais: de um lado, um apego à Instituição, que oferece segurança para quem cuida (e segundo A, também para quem não cuida); e de outro uma dificuldade, imposta pelo próprio saber da saúde, de apostar que pessoas mais fragilizadas possam viver em espaços onde sejam oferecidos cuidados, mas que não funcionem sob a lógica asilar ou possuam estrutura hospitalar. A efetiva saída dos pacientes do espaço asilar para uma residência terapêutica estaria condicionada, por sua vez, à limitações estruturais do Programa de RTs da instituição e não às limitações impostas pela condição nenhuma privacidade. Os lares de acolhimento, ao contrário, abrigam um número menor de pessoas, divididas em quartos com armários e banheiros para uso exclusivo daqueles que os dividem, e possuem cozinha equipada e disponível para utilização dos seus moradores, embora a alimentação seja fornecida, tal qual como ocorre no restante da instituição, por firma terceirizada. 69 clínica/psíquica destes sujeitos. Daí ressalta-se a necessidade de implantação/montagem de casas, fora da área da antiga CJM, com cuidados intensivos (cuidador 24 horas) para dar conta de uma clientela que, até o momento, não contava com recursos de moradia adequados às suas necessidades. Para A, todos os pacientes podem estar fora da estrutura hospitalar, sendo a sua internação, como a de qualquer outra pessoa, requerida apenas pontualmente, em caso de agravamento ou agudização de uma condição clínica ou psíquica. Para a entrevistada B, o discurso que sustenta a saída do asilo para todos os pacientes está na ordem do que é “politicamente correto” (sic), e não está atento às particularidades de cada sujeito que se encontra internado. Para ela, grande parte dos pacientes encontra-se num estágio terminal da vida – o que ela chama de ‘sobrevida’ – e os recursos financeiros disponíveis, por serem escassos, acabariam sendo investidos naqueles que teriam mais chances, mais condições de viver fora de um ambiente hospitalar. Desta maneira, B constrói seu argumento em favor da construção de outros lares de acolhimento dentro do espaço da antiga CJM. Para ela, é uma questão ética oferecer melhores condições de vida às pessoas que não conseguirão sair do asilo num curto espaço de tempo: “vão ficando [no asilo] as pessoas que a gente sabe que não vão ter condições de sair, e que a gente sabe que vão ter uma sobrevida de 2 ou 3 anos (...) mas essas pessoas têm direito a viver melhor ...” (sic). Por outro lado, B reconhece que não se deve estabelecer, a priori, critérios que definam quais pacientes sairão do asilo; como A, B acredita que a desospitalização poderia se dar por meio de uma relação, um vínculo bem estabelecido entre o sujeito e um outro - vínculo este que permita ao primeiro dizer sobre o seu desejo de, por exemplo, morar fora do hospital. Neste sentido, B aposta que o trabalho a ser feito é com cada um dos pacientes e não a partir de uma resolução, uma diretriz política que diz que “todos devem sair do asilo”. Ainda que a ‘lógica asilar’ não tenha deixado de existir completamente nos lares de acolhimento, a entrevistada defende que “uma mudança de cenário tende a produzir mudanças nas relações que são estabelecidas nesse mesmo cenário”; ou seja, ao comparar as moradoras dos lares de acolhimento com as que permaneceram nos pavilhões/núcleos, a profissional nota que entre as últimas é mais comum observar comportamentos que ela chama de “rudimentares”, típicos do hospital psiquiátrico, tais como guardar objetos debaixo do 70 colchão, manter postura indiferente quando alguém ao lado precisa de ajuda, entre outros exemplos. Para a entrevistada C, a saída do espaço asilar é entendida como possível para todos os pacientes que hoje encontram-se internados na instituição, não havendo critérios ou perfis pré-estabelecidos para que um paciente possa se inserir numa RT. Mais uma vez é colocada a importância de os dispositivos residenciais adaptarem-se às necessidades da clientela e a dificuldade encontrada pelos profissionais de outros núcleos (profissionais estes responsáveis pelo encaminhamento dos pacientes ao CRIS) de trabalharem com esta lógica. Tal qual a entrevistada A, C também defende a ênfase na montagem de uma RT com cuidados intensivos, voltada para uma clientela bastante diferente da que até hoje vinha sendo beneficiada pelo programa. Como foi possível verificar até aqui, as profissionais entrevistadas têm posicionamentos muito semelhantes no que se refere ao significado atribuído à (re)inserção social. Esta é por todas entendida como a possibilidade de construção, pelo sujeito e com a ajuda do profissional de saúde mental, de uma rede de relações onde o primeiro possa efetuar e sustentar escolhas. Ainda que, entendida desta forma, a (re)inserção social não esteja necessariamente vinculada à saída do paciente do espaço asilar, as entrevistadas afirmam que o trabalho dentro deste ambiente é mais difícil do que aquele efetuado quando o sujeito já se encontra desospitalizado. Quanto à relação existente entre os programas dos Lares de Acolhimento e das RT, todas as profissionais afirmam não existir complementaridade ou oposição, mas sim superposição entre os mesmos. A complementaridade, quando existente, é construída em casos isolados e não é uma regra do funcionamento dos programas. Todas as entrevistadas afirmam não existirem critérios a serem preenchidos pelo paciente no que se refere às condições necessárias para que o mesmo possa sair do asilo. Aqui, ‘saída do asilo’ parece se confundir com ‘saída da Colônia’: esta última é entendida como a totalidade do espaço habitado por pacientes e não pacientes, como vimos no capítulo I. Desta forma, duas entrevistadas defendem o investimento na área da CJM: a primeira, a partir da construção de estruturas não hospitalares para os muitos pacientes que 71 não conseguirão inserir-se nas RT devido às limitações estruturais do Programa (financeiras, políticas, entre outras); a segunda, a partir da construção de novos lares de acolhimento, nos moldes dos que atualmente estão em funcionamento. A terceira entrevistada defende a reestruturação do programa de RT a partir da implantação de dispositivos adequados às necessidades da clientela mais idosa e debilitada, e não fala a respeito da construção de novos lares ou de outras estruturas dentro do espaço da CJM. Visto que neste ponto finalizamos a apresentação dos resultados obtidos a partir da pesquisa de campo, caracterizando o programa de RT e sua clientela e analisando a visão dos profissionais entrevistados no que se refere à questões de interesse para o nosso estudo, passamos em seguida às Considerações Finais, articulando a estes resultados as contribuições teóricas apresentadas nos capítulos anteriores. 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS O IMAS Juliano Moreira, ainda hoje chamado pela maioria de seus funcionários e pacientes simplesmente por Colônia teve, ao longo de seus 80 anos de história, diferentes formas de tratar a questão do destino de seus internos. Iremos propor, neste ponto, um recorte na história da Colônia em três momentos que julgamos exemplares para a abordagem do fenômeno em estudo, porém ressaltamos que muitos dos conceitos, discursos e práticas se atualizam e se apresentam, sob diferentes “roupagens”, ao longo de toda a história institucional. Num primeiro momento, à época da fundação da CJM, as principais diretrizes assistenciais se pautavam nos princípios da higiene e do tratamento moral, e se referiam à ergoterapia e à assistência hétero-familiar. A doença mental era entendida em termos de “agudização/remissão” dos sintomas, e apenas no segundo caso a convivência entre os doentes e os ditos sãos era incentivada, ainda que para possibilitar aos últimos a transmissão de padrões morais, costumes e regras sociais, de acordo com as premissas higiênicas então vigentes. O asilo era entendido como o destino final dos doentes mentais e a assistência hétero-familiar, quando adotada, deveria se dar a partir da vigilância e do controle dos doentes e do aprendizado das regras sociais. Num segundo momento, a partir das denúncias de maus tratos aos pacientes, da constatação de que muitos ali permaneciam por total perda dos vínculos sociais fora do asilo e também devido à obtenção das chamadas ‘vantagens ilícitas’ no próprio espaço hospitalar, os destinos da clientela e da própria instituição passaram a ser rediscutidos, agora sob novas premissas. Entendia-se que aqueles pacientes cuja permanência no asilo justificava-se pelos motivos anteriormente citados deveriam ser preparados para novamente poderem viver em sociedade. Esse preparo se daria por meio da recuperação de suas habilidades laborativas, a partir de um amplo programa de profissionalização posto em prática pela própria instituição asilar. Ou seja, uma vez recuperada a força de trabalho dos internos, estes poderiam se beneficiar de moradias fora do espaço asilar, ainda que primeiramente no bairro Colônia e depois, segundo o próprio desejo do paciente, fora deste. O asilo – agora humanizado – era pensado como o destino daqueles pacientes cujas habilidades laborativas não pudessem ser recuperadas. 73 Após aproximadamente 17 anos da implantação desse programa, verificou-se que poucos pacientes puderam beneficiar-se das diversas atividades voltadas para a profissionalização. Dentre os que se enquadravam no perfil dos pacientes a serem assistidos pelo mesmo, um número muito pequeno conseguiu sair efetivamente do espaço hospitalar, ainda que para residir em casas dentro da área da antiga Colônia. Junto a isso, a inserção no mercado de trabalho formal – que para os idealizadores do projeto seria a única via que possibilitaria devolver ao doente seu poder de barganha social - não foi alcançada na maioria dos casos. Um terceiro momento é marcado pela reavaliação daquilo que era tomado como o eixo central do chamado Projeto de Ressocialização da Colônia: a recuperação das atividades laborativas dos internos da instituição. Se a força de trabalho não poderia ser recuperada na maioria dos casos, quer pela idade avançada dos pacientes, quer pelo longo período de institucionalização, que via poderia ser pensada para possibilitar um outro destino – que não o asilar – para estes sujeitos? Neste momento, influenciadas pelas diversas experiências inovadoras em todo o país e pelas diretrizes de uma PSM ainda bastante incipiente, novas estratégias assistenciais começaram a ganhar corpo na instituição. A implantação do Programa de Residências Terapêuticas se deu neste contexto, ainda que sua continuidade esteja submetida a uma constante tensão entre as premissas que fundamentavam o trabalho durante a década de 80 e aquelas defendidas pela atual PSM, dentre as quais destacamos, dados os objetivos desta pesquisa, a criação dos serviços substitutivos ao manicômio e a ênfase na (re)inserção social dos egressos de longas internações psiquiátricas. Verificamos, por um lado, que os significados atribuídos aos termos (re)integração, ressocialização, reabilitação e (re)inserção social, utilizados para fundamentar o trabalho desenvolvido no IMASJM, sofreram modificações importantes e corresponderam à práticas assistenciais diferenciadas no período estudado. Por outro lado, observamos que estes mesmos termos foram utilizados de forma indiscriminada por alguns dos profissionais entrevistados, e ambígua nas diretrizes da PSM vigente. Em relação a esta última, destacamos primeiramente as normas do MS, que definem que as moradias assistidas têm como objetivo, entre outros, viabilizar a ampliação da inserção social e a construção de um projeto de reintegração social dos seus usuários não havendo, no 74 entanto, nenhuma explicação para o que se entende por “ampliação da inserção social”. Em relação ao projeto de reintegração social, consideram que este deva se dar por meio de programas de alfabetização, de reinserção no trabalho, de mobilização de recursos comunitários, de autonomia para as atividades domésticas e pessoais e de estímulo à formação de associações de usuários, familiares e voluntários. Já na proposta do “De Volta para Casa”, ao invés de reinserção social, o termo utilizado é ressocialização,, ressaltando que o auxílio financeiro do qual trata deva ser renovado quando necessário aos propósitos da reintegração social do paciente, e suspenso quando alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do paciente. Em nenhum momento, porém, são definidos quais seriam esses objetivos ou propósitos da reintegração social, e desta maneira fica difícil avaliar os critérios para a suspensão do benefício. Retomando a história institucional e tendo como base de nossa argumentação a revisão bibliográfica sobre a questão da inserção social, tecemos algumas considerações sobre as estratégias assistenciais produzidas no IMASJM durante as últimas décadas e sua relação com os significados atribuídos aos termos anteriormente citados. É importante ressaltar que estes significados são aqueles descritos nos documentos institucionais utilizados como fonte de dados nesta pesquisa e nas entrevistas realizadas com alguns dos profissionais. Em nenhum momento pretendemos tomá-los como os únicos existentes; estamos ressaltando apenas que os mesmos produziram as estratégias assistenciais ditas oficiais. Um termo cujo significado sofreu modificações ao longo do período estudado é o de reabilitação. Na década de 80, este era entendido como a devolução e desenvolvimento pleno de capacidade laborativa do interno e recomposição de sua força de trabalho, e a ressocialização era tida como a meta a ser alcançada por meio da reabilitação, ou seja, era a possibilidade do interno viver fora da instituição, alcançada a partir de sua inserção no mercado de trabalho formal. É digno de nota que, nos poucos casos em que esta última ocorreu, os ex-internos foram contratados pelas firmas que prestavam serviços à antiga CJM. Ainda que fossem tratados como ex-pacientes, de uma forma ou de outra, permaneciam dependentes da instituição, quer pelo vínculo empregatício, quer porque moravam em residências custeadas pela mesma (os lares avançados no interior da CJM). 75 No momento atual, a reabilitação é entendida como a construção de projetos/planos, a partir da relação estabelecida entre o paciente e o meio em que ele vive, não devendo centrar-se na recuperação de habilidades, mas sim no estímulo ao que há de positivo nas relações que o paciente já construiu, por um lado, e na superação das dificuldades que ele apresenta, por outro. Apesar de as diretrizes da PSM vigente afirmarem que o trabalho a ser realizado com os pacientes com longa história de internação psiquiátrica é o de (re)inserílos na comunidade, os profissionais entrevistados afirmam que o que hoje chamam de (re)inserção social não está condicionado à saída do paciente do asilo, embora sua permanência neste espaço imponha limites importantes ao trabalho. Entendem esses profissionais que a (re)inserção social se refere à possibilidade de construção, pelo sujeito e com a ajuda do profissional de saúde mental, de uma rede de relações onde o primeiro possa efetuar e sustentar escolhas. Desta forma entendemos que, tanto durante as décadas de 1980 e 1990 como no momento atual, o caráter multifacetado do fenômeno da exclusão, dado por suas dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas (Sawaia, 2002), não foi colocado em questão. O que vemos em ambos os períodos é a escolha de uma dessas dimensões em detrimento das demais: no primeiro momento a dimensão material, representada pelo trabalho, e no segundo, a dimensão relacional. Ou seja, no lugar central outrora ocupado pelo trabalho na discussão travada durante as décadas de 80/90 aparece, no momento atual, a rede de relações estabelecida pelo sujeito ao longo de sua vida. Retomando a questão da saída dos pacientes do asilo, ressaltamos três pontos que se complementam: 1) Se por um lado podemos apontar, no significado atribuído pelos profissionais entrevistados ao termo (re)inserção social, uma ambigüidade no que se refere à superação do asilo enquanto lugar de moradia para os pacientes com longa história institucional, por outro avaliamos que este tipo de argumentação pode contribuir para validar o fato de que todos os pacientes – inclusive aqueles com poucas chances de sair do espaço asilar num curto período de tempo, pelas mais variadas razões que não iremos aqui abordar – merecem projetos terapêuticos adequados às demandas que apresentam. Em outras palavras, ao desvincular-se a questão da (re)inserção social da efetiva saída dos pacientes 76 do asilo, abre-se espaço para pensar naqueles internos com os quais a rede social construída, muitas vezes de forma precária, ainda dentro da instituição, é o primeiro ponto a merecer investimento e cuja ampliação para fora dos muros do asilo dar-se-á apenas em momento posterior do trabalho. 2) Em relação a essa “sociabilidade interna”, os profissionais do IMASJM são unânimes ao afirmar que as relações estabelecidas entre a comunidade que lá reside e os (ex)internos e internos são, em grande parte, marcadas pela exploração, maus tratos, ou como dito por uma das profissionais entrevistadas, por uma “menos valia” dos últimos em relação à primeira. Por este motivo, os profissionais do instituto se dividem quanto as opiniões acerca da possibilidade de construção de novas residências para ex-internos no espaço territorial do IMASJM: os opositores entendem que, se a comunidade imprime uma lógica asilar em sua relação com os internos ou ex-internos, continuar morando na Colônia após a alta hospitalar pode dificultar que os últimos assumam posições subjetivas diferentes daquelas apresentadas quando institucionalizados, dado que as relações com o contexto serão as mesmas; os favoráveis afirmam que estas relações precisam ser transformadas, trabalhadas, e que isto deve se dar a partir de um trabalho desenvolvido ou num espaço restrito da Colônia, a saber, o clube, ou em toda a sua extensão territorial, sendo que em ambos os casos outros atores não referidos à área da saúde atuariam como mediadores desta relação e assim poderiam contribuir para a construção de um lugar menos tutelado para os internos e ex-internos nesse contexto. 3) Em todo caso, transformar as relações entre comunidade e (ex)internos não deve ser entendido como sinônimo de transformar a estrutura asilar no sentido da humanização. Se a humanização do tratamento e a melhoria das instalações é defendida por alguns profissionais como forma de responder às necessidades de uma população com pouca ou nenhuma chance de sair do asilo, outros defendem que para esta população devam ser criados dispositivos adequados as suas necessidades, tais como as residências terapêuticas com cuidados intensivos, conforme apontado durante a caracterização do Programa de RT. Entendemos que a transformação da relação comunidade-(ex)internos far-se-á necessária se a meta for continuar investindo na estrutura da Colônia. Porém, ainda que tenhamos apontado anteriormente algumas imprecisões conceituais na PSM, é evidente que o que esta propõe é a superação do asilo – por meio da implantação dos dispositivos substitutivos ao 77 manicômio, como citado no capítulo II -, e não sua transformação/humanização. No entanto, apesar do disposto nesta lei, não devemos desconsiderar que o tempo necessário para retirar do IMASJM aproximadamente 700 pacientes não será curto; podemos supor com isso que o investimento na relação comunidade-pacientes (e ex-pacientes) seja, de todo modo, importante para aqueles que ainda necessitarão permanecer na instituição enquanto não existirem condições para o financiamento de número suficiente de residências adequadas as suas necessidades nos bairros adjacentes à Colônia, conforme entendemos ser a diretriz do trabalho hoje realizado. Neste ponto, acreditamos que alguns aspectos referentes à caracterização do Programa de RT desenvolvido no IMASJM e sua clientela lançaram luz sobre outras questões referentes à discussão que até aqui desenvolvemos. Em relação aos tipos de residências terapêuticas em funcionamento, o programa de RT do IMASJM conta, até este momento, com moradias de menor complexidade, e com isto excluiu da possibilidade de inserção no programa um grande contingente de pacientes, mais idosos e mais dependentes. Ressaltamos que a proposta atual de criação de uma residência voltada para uma clientela mais grave, quer do ponto de vista clínico, psiquiátrico ou da dependência institucional, possa ser uma resposta para o problema de que as RT devam se adequar ao perfil dos pacientes e não o oposto. Muitos profissionais encontravam na ausência de dispositivos residenciais mais complexos uma forma de fortalecer o argumento de que deveria-se investir na melhoria da estrutura hospitalar onde os pacientes mais graves encontravam-se internados, já que estes não encontrariam fora do asilo estruturas adequadas as suas necessidades. No que se refere à estrutura do CRIS e às atividades neste realizadas, acreditamos encontrar-se uma questão fundamental no que se refere à discussão sobre a (re)inserção social. Os moradores das RT fazem grande parte de suas atividades – quer assistenciais, quer laborativas,– dentro do CRIS. O atendimento psiquiátrico e psicoterápico, as avaliações clínicas, assim como as orientações prestadas pelo serviço social, bem como as oficinas de geração de renda, o gerenciamento dos recursos financeiros de grande parte dos pacientes e a inserção no trabalho protegido são atividades oferecidas pelo CRIS. Por que estes sujeitos não se beneficiam da inserção em outros serviços assistenciais? Por que o 78 CRIS foi estruturado para dar conta dessas atividades se os demais programas residenciais do município do Rio de Janeiro têm seus usuários inseridos nas diversas unidades assistenciais espalhadas pela cidade – tais como os postos de saúde e os CAPS? Podemos tecer algumas considerações sobre este fato. O Programa de RT do IMASJM é o único que tem uma unidade assistencial estruturada responsável pela implantação, montagem e supervisão das RT e de seus moradores. Todos os demais programas contam com equipes que fazem o acompanhamento terapêutico dos moradores das RT, mas não contam com uma estrutura, predial inclusive, de assistência. Retomando um pouco da história institucional, a criação do CRIS em 1982 teve como propósito abrigar, sob condições mais adequadas de moradia, os pacientes com maior autonomia17 e possibilitar a estes a saída efetiva de seu espaço, entendido como intermediário entre a internação e a vida fora do hospital. Ou seja, o CRIS enquanto unidade assistencial é muito anterior ao programa de RT, e somente após 17 anos de sua criação é que ele foi reestruturado e passou a ser responsável pela implantação deste último. Ainda que afirmemos que a história institucional influenciou no desenho da assistência prestada, a questão que colocamos é a seguinte: à medida que muitas das demandas dos moradores das RTs são respondidas pelo CRIS, como se dá a tão propagada ampliação da rede social destes sujeitos? Estaria o CRIS desempenhando um papel de “instituição total18” na vida de seus clientes?19 Se os profissionais entrevistados são unânimes ao definirem o conceito de (re)inserção social como a possibilidade do sujeito construir uma rede de relações com o outro e com o ambiente em que vive, como pensar o papel central hoje ocupado pelo CRIS nesta rede de relações? Tendo como pano de fundo as questões até aqui apresentadas, propomos neste momento retomar a discussão referente aos significados atribuídos aos conceitos de (re)inserção social , “(re)integração” e “ressocialização” e sua relação com a elaboração de 17 Conforme definido no item “a” do capítulo III. Entendemos que o modo de funcionamento atual do CRIS no que se refere à assistência prestada aos moradores das RTs guarda semelhanças com o que Goffman (1974) ressaltou como sendo a característica central das instituições totais (ver nota de rodapé nº5), principalmente no que se refere à esfera do trabalho e, de certo modo, também à esfera do lazer. 19 Esta última pergunta foi amplamente debatida no seminário interno da instituição realizado em dezembro de 2004, gerando tensão importante entre o posicionamento da equipe do CRIS e a direção do instituto. Inicialmente foi proposta a montagem de uma equipe de seguimento que servisse como mediadora das relações que o sujeito viesse a estabelecer a partir de sua saída do asilo, contribuindo inclusive para que o papel central ocupado pelo CRIS fosse aos poucos substituído pela participação de novos atores nesta rede de relações, conforme disposto no item 2 do capítulo IV (ver também anexo nº5). 18 79 estratégias assistenciais voltadas para a população com longa história de internação psiquiátrica no IMASJM ao longo das três últimas décadas. Retomando Donzelot (1996, apud Bogado, 2003), consideramos que tanto o Projeto de Ressocialização desenvolvido na década de 80, que culminou na criação do CRIS e posteriormente, dos lares de acolhimento, bem como a reformulação do primeiro e conseqüente implantação do Programa de RT no final da década de 90, podem ser entendidas como “técnicas de inclusão” dos pacientes com longa história de internação psiquiátrica no IMASJM: a primeira experiência teria optado por trabalhar naquilo que Donzelot definiu como (re)integração, pois sua estratégia assistencial estava fundamentada na adaptação do sujeito às exigências da sociedade a ser alcançada por meio da recuperação de suas habilidades laborativas, vista como a única forma de garantir a este sujeito um lugar/valor reconhecido na sociedade; a segunda experiência, por sua vez, ao enfatizar a importância da construção de projetos individuais que tenham como eixo central a construção/ampliação da rede social do sujeito e que levem em consideração suas potencialidades e limitações, aproximaria-se mais da definição proposta por este mesmo autor para o termo “(re)inserção”. A combinação do que seria o ponto central de cada estratégia – ou seja, a ênfase no trabalho, no primeiro caso, e na sociabilidade, no segundo – aproximaria a discussão daquela desenvolvida por Castel (1991). Este autor propõe um modelo para medir o grau de coesão/vulnerabilidade social experimentada pelos sujeitos – ressaltando, desta forma, o caráter dinâmico do fenômeno – que leva em conta tanto a integração/não integração do sujeito pelo trabalho como a inserção/não inserção em uma sociabilidade. Acreditamos que seu modelo, exposto no capítulo II, possa ser útil para auxiliar os profissionais na construção de projetos terapêuticos tanto para os moradores das RT como daqueles que permanecem internados na instituição, já que entendemos a (re)inserção social como um processo a ser construído cotidianamente com o paciente e não uma meta a ser alcançada por meio de etapas pré-estabelecidas pelos profissionais ou até mesmo pelas diretrizes políticas. Desta maneira, também a saída do asilo e conseqüente entrada na RT não deve ser entendida como ponto de partida e nem sequer de chegada deste processo, mas sim como uma etapa fundamental do mesmo, estando o momento de sua ocorrência subordinado às singularidades de cada sujeito. Sobre este ponto, gostaríamos de acrescentar ainda a 80 importância de se problematizar a denominação “serviço residencial terapêutico”. Acreditamos que este serviço deve ser entendido como um dispositivo, conforme definido por Baremblitt (pág.151), ou seja, “uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera acontecimentos”. Em outras palavras, ele não deve ser resolutivo em si mas um disparador de novas questões para o sujeito. Tenório (2001, p. 120) nos alerta sobre os riscos de transformar um recurso terapêutico – no caso tratado pelo autor, a internação psiquiátrica - em destino. Acreditamos que este argumento também pode ser utilizado no caso das residências terapêuticas. Defendemos então que, a partir de um estudo mais aprofundado sobre as características da população residente nos grandes hospitais psiquiátricos, possam ao modelo proposto por Castel ser acrescidos outros indicadores que levem em conta as especificidades desta clientela, dentre as quais destacamos os limites impostos pela psicose principalmente no que se refere à construção e sustentação, pelo sujeito, de um campo de relações. Ao analisarmos o que ainda hoje funciona na instituição como herança do projeto de ressocialização desenvolvido em 1982 – ou seja, os lares de acolhimento – e o programa de RT, concluímos que entre eles não existe uma relação de continuidade. Conforme disposto no capítulo III , os lares de acolhimento foram pensados para dar condições de hotelaria mais adequadas àqueles pacientes com capacidade de cuidar de seus pertences e higiene, entre ouras habilidades, podendo funcionar como lugar de passagem entre a internação e a vida na comunidade. O que se observou, contudo, foi que para a maioria de seus moradores, os lares se constituíram como espaços de moradia definitivos, não sendo trabalhada com os mesmos a saída da instituição. Sobre as possíveis razões que explicariam este fato, ressaltamos a fala de uma das entrevistadas que afirma ser esta construção um trabalho a ser realizado com cada paciente, individualmente, o que segundo ela vai no caminho oposto do que seria a tradição da instituição, qual fosse, o atendimento em grupo. De qualquer modo, podemos atribuir à escassez de encaminhamentos de pacientes dos lares para o programa de RT, refletindo a não complementaridade entre os programas, a ambigüidade dos profissionais quanto ao desmonte da estrutura manicomial; a descrença destes mesmos profissionais no que se refere à possibilidade dos pacientes graves residirem 81 em estruturas com cuidados intensivos, porém não hospitalares, entre outras possíveis razões. Para finalizar, propomos duas questões: a primeira delas diz respeito ao fato de não ser nossa proposta avaliar as estratégias assistenciais investigadas neste estudo. Não se trata, ao nosso ver, de propor que uma experiência tenha sido mais bem sucedida que a outra pois as mesmas trabalhavam com premissas e objetivos diferenciados e foram implantadas em contextos bastante diversos. Entendemos que a possibilidade de desmonte da estrutura do IMASJM por meio da inclusão da totalidade de sua clientela em dispositivos residenciais terapêuticos, tal como prevê a PSM hoje vigente, traz para a cena institucional uma tensão constante e difícil de lidar entre aqueles que defendem sua humanização e, conseqüentemente, sua continuidade, e aqueles que optam por trabalhar no sentido da sua superação. Podemos destacar, no entanto, um avanço no que se refere à discussão sobre o trabalho como única via para possibilitar ao sujeito a vida fora da instituição, já que o mesmo é entendido atualmente como um problema também compartilhado por outras parcelas da sociedade. A segunda questão diz respeito aos motivos que nos levaram a utilizar o prefixo “re” entre parênteses ao longo de toda a discussão empreendida nesta pesquisa. Se levarmos em conta os efeitos subjetivos produzidos pela institucionalização20, por um lado, e as constantes transformações experimentadas pela sociedade ao longo dos anos, por outro, vemos que o uso do termo (re)inserção precisa ser questionado. Visto que o prefixo “re” indica fazer de novo ou repetir uma ação que já foi realizada, entendemos que o trabalho não deve ser o de inserir novamente o sujeito na sociedade pois ambos – sujeito e sociedade – se modificaram. O que deve ser buscado, em lugar disso, é a construção de um novo 20 Poderíamos apontar outros aspectos deste fenômeno a partir da análise mais aprofundada sobre as relações de saber/poder dentro da instituição em estudo porém, dados os objetivos desta pesquisa, tal análise não foi empreendida. No entanto, citamos Benelli (2003) quando este articula as contribuições de Goffman e Foucault ao discorrer sobre os efeitos subjetivos produzidos pela institucionalização: “Goffman analisa as práticas não-discursivas, o não-dito institucional, mas que é claramente visível (e não oculto) e, portanto, dizível: ele os articula com grande sutileza. Goffman faz falar os “detalhes” aparentemente insignificantes do cotidiano institucional: percebemos então o plano microfísico das relações intra-institucionais superando a pura e simples dimensão organogramática e mergulhando nas diferentes estratégias nas quais o poder se ramifica, circula, domina e produz saberes, práticas, subjetividade (...) A possibilidade de reduzir a identidade social de um sujeito a um atributo estigmatizante ou a um único e exclusivo papel, que representa a categoria social mais baixa dentro de um grupo fechado, é uma estratégia fundamental descoberta por Goffman nas comunidades fechadas, que ele denomina de instituições totalitárias”. 82 lugar social21 para este sujeito, convidando a sociedade a produzir novas formas de conviver com a loucura22, já que acreditamos que inseridos nela esses sujeitos sempre estiveram, ainda que de forma precária ou instável.23 Em outras palavras, a importância atribuída à convivência entre loucos e ditos sãos já era prevista no momento da fundação da CJM, por meio do tratamento hétero-familiar, e também nas discussões travadas na década de 80, que culminaram na criação do CRIS; podemos ressaltar que, em ambas as experiências, uma espécie de reaprendizado das relações sociais estava na base do trabalho a ser realizado, quer por meio da família higiênica e a transmissão, a partir da convivência com os pacientes, de seus hábitos e costumes saudáveis; quer por meio do aprendizado das relações sociais, a ser alcançado a partir das atividades profissionalizantes ou dos atendimentos em grupo. A novidade que se quer introduzir nesta discussão, desta maneira, não se refere à importância atribuída ao convívio entre doentes e os ditos sãos, mas sim a forma pela qual esta convivência deverá ser construída: não mais pela adaptação do louco à sociedade, mas sim pelo questionamento da própria sociedade e seus mecanismos de exclusão de tantos outros diferentes. 21 Sobre este tema, ver Tykanori (1996) Sobre este tema, cita Lobosque (1997, p.23): “questionar a exclusão não é o mesmo que incluir, pura e simplesmente. Assim, ‘fazer caber’ o louco na cultura é também ao mesmo tempo convidar a cultura a conviver com certa falta de cabimento, reinventando ela também os seus limites. Uma sociedade não tem como desconstruir seus manicômios permanecendo intocada em sua estruturação: pensar, propor, sustentar formas de contrato social nas quais não seja mortífera a presença da loucura é algo que faz parte de uma clínica antimanicomial”. 23 Martins, 2001. 22 83 BIBLIOGRAFIA AMARANTE, P (org.) 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Adaptação: Prof. Gilberto de Andrade Martins. Disponível em http://www.focca.com.br/cac/textocac/Estudo_Caso.htm 89 Anexo 1: Portaria nº 106/MS, de 11 de fevereiro de 2000 O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, considerando: a necessidade da reestruturação do modelo de atenção ao portador de transtornos mentais, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS; a necessidade de garantir uma assistência integral em saúde mental e eficaz para a reabilitação psicossocial; a necessidade da humanização do atendimento psiquiátrico no âmbito do SUS, visando à reintegração social do usuário; a necessidade da implementação de políticas de melhoria de qualidade da assistência à saúde mental, objetivando à redução das internações em hospitais psiquiátricos, resolve: Art. 1º Criar os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental, no âmbito do Sistema Único de Saúde, para o atendimento ao portador de transtornos mentais. Parágrafo único. Entende-se como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social. Art.2º Definir que os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental constituem uma modalidade assistencial substitutiva da internação psiquiátrica prolongada, de maneira que, a cada transferência de paciente do Hospital Especializado para o Serviço de Residência Terapêutica, deve-se reduzir ou descredenciar do SUS, igual n.º de leitos naquele hospital, realocando o recurso da AIH correspondente para os tetos orçamentários do estado ou município que se responsabilizará pela assistência ao paciente e pela rede substitutiva de cuidados em saúde mental. Art. 3º Definir que aos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental cabe : a) garantir assistência aos portadores de transtornos mentais com grave dependência institucional que não tenham possibilidade de desfrutar de inteira autonomia social e não possuam vínculos familiares e de moradia; b) atuar como unidade de suporte destinada, prioritariamente, aos portadores de transtornos mentais submetidos a tratamento psiquiátrico em regime hospitalar prolongado; c) promover a reinserção desta clientela à vida comunitária. Art. 4º Estabelecer que os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental deverão ter um Projeto Terapêutico baseado nos seguintes princípios e diretrizes: a) ser centrado nas necessidades dos usuários, visando à construção progressiva da sua autonomia nas atividades da vida cotidiana e à ampliação da inserção social; b) ter como objetivo central contemplar os princípios da reabilitação psicossocial, oferecendo ao usuário um amplo projeto de reintegração social, por meio de programas de alfabetização, de reinserção no trabalho, de mobilização de recursos comunitários, de 90 autonomia para as atividades domésticas e pessoais e de estímulo à formação de associações de usuários, familiares e voluntários. c) respeitar os direitos do usuário como cidadão e como sujeito em condição de desenvolver uma vida com qualidade e integrada ao ambiente comunitário. Art. 5º Estabelecer como normas e critérios para inclusão dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental no SUS. a) serem exclusivamente de natureza pública; b) a critério do gestor local, poderão ser de natureza não governamental, sem fins lucrativos, devendo para isso ter Projetos Terapêuticos específicos, aprovados pela Coordenação Nacional de Saúde Mental; c) estarem integrados à rede de serviços do SUS, municipal, estadual ou por meio de consórcios intermunicipais, cabendo ao gestor local a responsabilidade de oferecer uma assistência integral a estes usuários, planejando as ações de saúde de forma articulada nos diversos níveis de complexidade da rede assistencial; d) estarem sob gestão preferencial do nível local e vinculados, tecnicamente, ao serviço ambulatorial especializado em saúde mental mais próximo; e) a critério do Gestor municipal/estadual de saúde os Serviços Residenciais Terapêuticos poderão funcionar em parcerias com organizações não governamentais ( ONGs) de saúde, ou de trabalhos sociais ou de pessoas físicas nos moldes das famílias de acolhimento, sempre supervisionadas por um serviço ambulatorial especializado em saúde mental. Art. 6º Definir que são características físico-funcionais dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental: 6.1 apresentar estrutura física situada fora dos limites de unidades hospitalares gerais ou especializadas seguindo critérios estabelecidos pelos gestores municipais e estaduais; 6.2 existência de espaço físico que contemple de maneira mínima: 6.2.1 dimensões específicas compatíveis para abrigar um número de no máximo 08 (oito) usuários, acomodados na proporção de até 03 (três) por dormitório. 6.2.2 sala de estar com mobiliário adequado para o conforto e a boa comodidade dos usuários; 6.2.3 dormitórios devidamente equipados com cama e armário; 6.2.4 copa e cozinha para a execução das atividades domésticas com os equipamentos necessários (geladeira, fogão, filtros, armários, etc.); 6.2.5 garantia de, no mínimo, três refeições diárias, café da manhã, almoço e jantar. Art. 7º Definir que os serviços ambulatoriais especializados em saúde mental, aos quais os Serviços Residenciais Terapêuticos estejam vinculados possuam equipe técnica que atuará na assistência e supervisão das atividades, constituída, no mínimo, pelos seguintes profissionais: a) 01 (um) profissional de nível superior da área de saúde com formação, especialidade ou experiência na área de saúde mental; b) 02 (dois) profissionais de nível médio com experiência e/ou capacitação específica em reabilitação psicossocial. Art.8º Determinar que cabe ao gestor municipal /estadual do SUS identificar os usuários em condições de serem beneficiados por esta nova modalidade terapêutica, bem como instituir 91 as medidas necessárias ao processo de transferência dos mesmos dos hospitais psiquiátricos para os Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental. Art. 9º Priorizar, para a implantação dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental, os municípios onde já existam outros serviços ambulatoriais de saúde mental de natureza substitutiva aos hospitais psiquiátricos, funcionando em consonância com os princípios da II Conferência Nacional de Saúde Mental e contemplados dentro de um plano de saúde mental, devidamente discutido e aprovado nas instâncias de gestão pública. Art. 10º Estabelecer que para a inclusão dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental no Cadastro do SUS, deverão ser cumpridas as normas gerais que vigoram para cadastramento no Sistema Único de Saúde e a apresentação de documentação comprobatória aprovada pelas Comissões Intergestores Bipartite. Art.11º Determinar o encaminhamento por parte das Secretarias Estaduais e Municipais, ao Ministério da Saúde Secretaria de Políticas de Saúde - Área Técnica da Saúde Mental, a relação dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental cadastrados no estado, bem como a referência do serviço ambulatorial e a equipe técnica aos quais estejam vinculados, acompanhado das FCA- Fichas de Cadastro Ambulatorial e a atualização da FCH- Ficha de Cadastro Hospitalar com a redução do número de leitos psiquiátricos, conforme Artigo 2º desta portaria. Art.12º Definir que as Secretarias Estaduais e Secretarias Municipais de Saúde, com apoio técnico do Ministério da Saúde, deverão estabelecer rotinas de acompanhamento, supervisão, controle e avaliação para a garantia do funcionamento com qualidade dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental. Art.13º Determinar que as Secretarias de Assistência à Saúde e a Secretaria Executiva, no prazo de 30 ( trinta) dias, mediante ato conjunto, regulamentem os procedimentos assistenciais dos Serviços Residenciais Terapêuticos em Saúde Mental. Art. 14º Definir que cabe aos gestores de saúde do SUS emitir normas complementares que visem a estimular as políticas de intercâmbio e cooperação com outras áreas de governo, Ministério Público, Organizações Não Governamentais, no sentido de ampliar a oferta de ações e de serviços voltados para a assistência aos portadores de transtornos mentais, tais como: desinterdição jurídica e social, bolsa-salário ou outra forma de benefício pecuniário, inserção no mercado de trabalho. Art. 15º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. JOSÉ SERRA 92 Anexo 2: Portaria nº 1.220/MS, de 7 de novembro de 2000 O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições legais, Considerando a necessidade de implementar os programas terapêuticos na modalidade de residências terapêuticas, destinadas a pacientes psiquiátricos com longa permanência hospitalar, conforme o disposto na Portaria GM/MS nº 106, de 11 de fevereiro de 2000; e Considerando as orientações técnicas definidas na Organização Mundial de Saúde para o cuidado extra-hospitalar dos pacientes institucionais; e Considerando a existência de pacientes em internação hospitalar, para os quais o cuidado psicossocial extra-hospitalar é o tratamento mais adequado; e Considerando a necessidade de acompanhar e controlar a assistência prestada aos pacientes nas residências terapêuticas, resolve: Art. 1º Criar nas Tabelas de Serviços e de Classificação de Serviços do SIA/SUS, o serviço e a classificação abaixo discriminados: TABELA DE SERVIÇOS Código Descrição 50 Serviço Residencial Terapêutico em saúde mental. TABELA DE CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇOS Código Descrição 128 Unidade com serviço próprio destinado a atendimento diário em residência terapêutica a pacientes egressos de hospitais psiquiátricos com a finalidade de reabilitação psicossocial. Art. 2º Incluir na Tabela de Atividade Profissional do SIA/SUS o código 47 CUIDADOR EM SAÚDE. Art. 3º As residências terapêuticas em saúde mental deverão estar vinculadas a unidades com o serviço criado no art. 1º e terem a supervisão do Coordenador Estadual de Saúde Mental que caberá verificar o cumprimento das normas estabelecidas pela Portaria GM/MS nº 106, de 11 de fevereiro de 2000. Art. 4º Incluir na Tabela de Procedimentos do SIA/SUS o Grupo e Subgrupo de procedimentos conforme discriminação abaixo: Grupo 38.000.00-8 - ACOMPANHAMENTO DE PACIENTES. Subgrupo 38.040.00-0 ACOMPANHAMENTO DE PACIENTES PSIQUIÁTRICOS. 93 Art. 5º Incluir na Tabela de Procedimentos do SIA/SUS o seguinte procedimento: 38.000.00-8 - Acompanhamento de Pacientes 38.040.00-0 - Acompanhamento de Pacientes Psiquiátricos. 38.041.00-6 - Residência Terapêutica em Saúde Mental 38.041.01-4 - ACOMPANHAMENTO DE PACIENTE EM RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA EM SAÚDE MENTAL - até 31 acompanhamentos/paciente/mês. Conjunto de atividades de reabilitação psicossocial que tenham como eixo organizador a moradia, tais como: auto-cuidado, atividades da vida diária, freqüência a atendimento em serviço ambulatorial, gestão domiciliar, alfabetização, lazer e trabalhos assistidos, na perspectiva de reintegração social. Nível de Hierarquia 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 Serviço/Classificação 50/128 Atividade Profissional 01, 02, 39, 47, 57, 59, 62, 77, 90, 91 Tipo de Prestador 01, 03, 04, 05, 07, 11, 13, 14, 15, 17 Tipo de Atendimento 00 Grupo de Atendimento 00 Faixa Etária 00 CID 10 F00, F01, F03, F20, F21, F22, F23, F24, F25, F26, F27, F28, F29, F31, F32, F44, F60.0, F60.1, F60.3, F71, F72 Motivo de Cobrança 6.3, 6.8, 6.9, 7.1, 8.1, 8.2, 9.2 Valor do Procedimento R$ 23,00 Parágrafo Único - O procedimento descrito neste artigo deverá ser realizado em conjunto com a equipe profissional dos Serviços Residenciais Terapêuticos e com os cuidadores em saúde mental das residências terapêuticas. Art. 6º Incluir no Sistema de Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo - APAC/SIA o procedimento definido no artigo 5º. Art. 7º Regulamentar a utilização de instrumentos e formulários para operacionalização do procedimento incluído por esta Portaria. - LAUDO TÉCNICO PARA EMISSÃO DE APAC - documento que justifica perante ao órgão autorizador a solicitação do procedimento, devendo ser corretamente preenchido pelo profissional de saúde que acompanha o paciente. O Laudo será preenchido em duas vias, sendo a 1ª via anexada ao prontuário do paciente juntamente com a APAC I - Formulário e a 2ª via, arquivada no órgão autorizador (ANEXO I). - APAC I - FORMULÁRIO - documento destinado a autorizar a realização dos Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo, devendo ser preenchido em duas vias pelos autorizadores. A 1ª via deverá ser anexada ao prontuário do paciente; 2ª via deverá ser arquivada órgão no autorizador (ANEXO II). - APAC II - MEIO MAGNÉTICO - instrumento destinado ao registro de informações e cobrança dos Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo. §1º A confecção e distribuição da APAC I - Formulário é de responsabilidade do Gestor Estadual em conformidade com Portaria SAS/MS nº 492, de 26 de agosto de 1999. §2º Os autorizadores deverão ser profissionais médicos não vinculados à rede do Sistema Único de Saúde - SUS como prestadores de serviços. 94 Art. 8º Estabelecer que permanece a utilização do uso do Cadastro de Pessoa Física/Cartão de Identificação do Contribuinte - CPF/CIC para identificar o paciente que necessite realizar o procedimento de Acompanhamento em Residência Terapêutica em Saúde Mental. Não é obrigatório o seu registro para os pacientes que até a data de início do acompanhamento não possuam esta documentação, pois os mesmos serão identificados nominalmente. Art. 9º Determinar que a validade da APAC I - Formulário, emitida para realização do procedimento descrito no artigo 5º desta Portaria, será de até 3 (três) competências. Parágrafo Único - A cobrança deste procedimento é efetuada mensalmente por meio da APAC II - Meio Magnético na seguinte forma: APAC II - MEIO MAGNÉTICO - INICIAL - corresponde ao primeiro mês de tratamento abrangendo o período da data de início de validade autorizada na APAC I - Formulário até o último dia do mesmo mês. APAC II - MEIO MAGNÉTICO - CONTINUIDADE - corresponde ao 2º e 3º mês subseqüentes à APAC II - Meio Magnético inicial. Art. 10º Estabelecer que a APAC - II Meio Magnético poderá ser encerrada registrando-se no campo Motivo de Cobrança os códigos abaixo discriminados. 6.3 - Alta por abandono de tratamento; 6.8 - Alta por outras intercorrências; 6.9 - Alta por conclusão do tratamento; 7.1 - Permanece na mesma unidade com mesmo procedimento; 8.1 - Transferência para outra Unidade Prestadora de Serviços; 8.2 - Transferência para internação por intercorrência; 9.2 - Óbito não relacionado à doença. Art. 11º Definir que para registro de informações serão utilizadas as Tabelas: Tabela de Nacionalidade - Anexo III; Tabela de Motivo de Cobrança - Anexo IV. Art. 12º Estabelecer que as Unidades Prestadoras de Serviços deverão manter arquivados: a APAC I - Formulário autorizada, Relatório Demonstrativo de APAC II Meio Magnético para fins de consulta da auditoria. Art. 13º Definir que o Departamento de Informática do SUS - DATASUS/MS, disponibilizará em seu BBS na área 38SIA o programa da APAC II - Meio Magnético a ser utilizado pelos prestadores. Art. 14º Esta Portaria entra em vigor a partir da competência dezembro de 2000. JOSÉ SERRA (*) Republicada por ter saído com incorreções do original, publicada no D.O. nº 218-E, de 08 de Novembro de 2000, Seção 1, pág. 16-. 95 Anexo 3: LEI N.º 3.400, de 17 de maio de 2002. Cria a Bolsa de Incentivo para Assistência, Acompanhamento e Integração fora de unidade hospitalar de paciente portador de transtorno mental com história de longa permanência institucional em unidade hospitalar psiquiátrica. Autor: Poder Executivo O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica criada a Bolsa de Incentivo - Bolsa-Incentivo, para assistência, acompanhamento e integração, fora da unidade hospitalar, de paciente portador de transtorno mental com história de longa permanência institucional. Art. 2º A Bolsa-Incentivo deverá ser concedida aos pacientes internados por um período igual ou maior que três anos até a data da publicação da presente Lei, cujo quadro clínico avaliado por instância revisora do Sistema Único de Saúde - supervisão hospitalar - não justifique a permanência em ambiente hospitalar com internação mantida em função de razões predominantemente sociais, embora se trate de pessoa portadora de agravo mental severo e persistente. Art. 3º Ficam definidos os seguintes critérios para a concessão da Bolsa-Incentivo para assistência, acompanhamento e integração fora da unidade hospitalar de paciente portador de agravo mental com história de longa permanência institucional: I - que o paciente esteja de acordo com a alta; II - que haja condições clínicas e de autonomia relativa para tal; III - que a família ou responsável se incorpore ao Programa de assistência extra-hospitalar ou que o paciente esteja integrado a um Serviço Residencial Terapêutico habilitado para este fim. Art. 4º A Bolsa-Incentivo terá o seguinte valor inicial : I - dois salários mínimos para pacientes que irão retornar ao convívio com seus familiares ou família acolhedora; II - um salário mínimo para pacientes que ingressem em serviços residenciais terapêuticos. Art. 5º O paciente beneficiado com a Bolsa-Incentivo deverá estar em programa de cuidados permanentes inscrito para tratamento extra-hospitalar regular em uma das Unidades da Secretaria Municipal de Saúde que deverá emitir relatórios bimensais acerca do seu acompanhamento. Art. 6º Em caso do beneficiário necessitar de internação psiquiátrica por período igual ou superior a trinta dias, fica suspensa a concessão da bolsa-incentivo por igual período. Art. 7º Fica definido que, no primeiro ano da implantação da Bolsa-Incentivo, poderão ser inscritos duzentos pacientes no Programa e, nos quatro anos subseqüentes, duzentos e cinqüenta por ano, totalizando, ao final de cinco anos, mil e duzentos pacientes. 96 Parágrafo único. A cada lote de dez bolsas concedidas, a Secretaria Municipal de Saúde deverá promover uma redução de dez leitos psiquiátricos em seu cadastro de informações hospitalares. Art. 8º Os recursos para custeio do procedimento Internação Domiciliar serão aqueles remanejados de Autorização de Internação Hospitalar - AIH de hospitais psiquiátricos do Município ou da Câmara de Compensação de AIH conforme definição da Comissão Intergestores Bipartite - CIB. Art. 9º Caberá à Secretaria Municipal de Saúde promover a ampliação dos serviços de atenção diária para tratamento de pessoas portadoras de agravos mentais severos e persistentes pelo menos nos primeiros cinco anos de implantação do Programa de concessão da Bolsa-Incentivo para assistência, acompanhamento e integração fora da unidade hospitalar de paciente portador de agravo mental com história de longa permanência institucional. Art. 10. Os gastos percentuais com a assistência psiquiátrica hospitalar no Sistema Único de Saúde deverão diminuir progressivamente na mesma proporção do percentual que será investido no Programa de concessão das Bolsas-incentivo. Art. 11. Fica, ainda, o Poder Executivo autorizado a abrir crédito especial e a instituir o Programa de Trabalho 1804.13754282.586 - Bolsa de Incentivo para Assistência, Acompanhamento e Integração de Portador de Transtorno Mental e a Natureza da Despesa 3.2.5.9 - Outras Transferências a Pessoas. Parágrafo único. Os recursos orçamentários para atender a abertura do crédito especial de que trata o "caput" deste artigo serão provenientes do cancelamento de dotações da Secretaria Municipal de Saúde, à conta das Fontes de Recursos indicadas no art. 8º desta Lei, em conformidade, ainda, com o inciso III do §1º do art. 43 da Lei Federal n.º 4.320, de 17 de março de 1964, conjugado com o inciso III do art. 112 da Lei n.º 207, de 19 de dezembro de 1980. Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. CESAR MAIA 97 Anexo 4: LEI Nº 10.708, DE 31 DE JULHO DE 2003 Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1 o Fica instituído o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência, acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes acometidos de transtornos mentais, internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, nos termos desta Lei. Parágrafo único. O auxílio é parte integrante de um programa de ressocialização de pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado "De Volta Para Casa", sob coordenação do Ministério da Saúde. Art. 2 o O benefício consistirá em pagamento mensal de auxílio pecuniário, destinado aos pacientes egressos de internações, segundo critérios definidos por esta Lei. § 1 o É fixado o valor do benefício de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), podendo ser reajustado pelo Poder Executivo de acordo com a disponibilidade orçamentária. § 2 o Os valores serão pagos diretamente aos beneficiários, mediante convênio com instituição financeira oficial, salvo na hipótese de incapacidade de exercer pessoalmente os atos da vida civil, quando serão pagos ao representante legal do paciente. § 3 o O benefício terá a duração de um ano, podendo ser renovado quando necessário aos propósitos da reintegração social do paciente. Art. 3 o São requisitos cumulativos para a obtenção do benefício criado por esta Lei que: I o paciente seja egresso de internação psiquiátrica cuja duração tenha sido, comprovadamente, por um período igual ou superior a dois anos; II a situação clínica e social do paciente não justifique a permanência em ambiente hospitalar, indique tecnicamente a possibilidade de inclusão em programa de reintegração socia l e a ne cessidade de auxílio financeiro; III haja expresso consentimento do paciente, ou de seu representante legal, em se submeter às regras do programa; IV seja garantida ao beneficiado a atenção continuada em saúde mental, na rede de saúde local ou regional. 98 § 1 o O tempo de permanência em Serviços Residenciais Terapêuticos será considerado para a exigência temporal do inciso I deste artigo. § 2 o Para fins do inciso I, não poderão ser considerados períodos de internação os de permanência em orfanatos ou outras instituições para menores, asilos, albergues ou outras instituições de amparo social, ou internações em hospitais psiquiátricos que não tenham sido custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS ou órgãos que o antecederam e que hoje o compõem. § 3 o Egressos de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico poderão ser igualmente beneficiados, procedendo-se, nesses casos, em conformidade com a decisão judicial. Art. 4 o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será suspenso: I quando o beneficiário for reinternado em hospital psiquiátrico; II quando alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do paciente. Art. 5 o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será interrompido, em caso de óbito, no mês seguinte ao do falecimento do beneficiado. Art. 6 o Os recursos para implantação do litação psicossocial são os referidos no Plano Plurianual 2000-2003, sob a rubrica "incentivo-bônus", ação 0591 do Programa Saúde Mental n o 0018. § 1 o A continuidade do programa será assegurada no orçamento do Ministério da Saúde. § 2 o O aumento de despesa obrigatória de caráter continuado resultante da criação deste benefício será compensado dentro do volume de recursos mínimos destinados às ações e serviços públicos de saúde, conforme disposto no art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 7 o O controle social e a fiscalização da execução do programa serão realizados pelas instâncias do SUS. Art. 8 o O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei. Art. 9 o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 31 de julho de 2003; 182º da Independência e 115º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Humberto Sérgio Costa Lima Ricardo José Ribeiro Berzoini 99 Anexo 5: Proposta apresentada pela equipe do CRIS no seminário interno realizado em dezembro/2004. LEGENDA Desenho atual do CRIS “Suporte” às residências Trabalho protegido Oficinas terapêuticas CRIS Psicoterapia Acompanhamento Terapêutico Acompanhamento pelo serviço social Desenho Proposto – Ênfase na inclusão de novos atores/instituições na atenção Acompanhamento familiar Atendimento psiquiátrico Atendimento clínico de rotina/ encaminhamentos Administração das bolsas Morador da RT Gerenciamento dos recursos financeiros Equipe de seguimento Rede de saúde mental Rede de saúde Lazer Educação Fonte: apresentação em PowerPoint, disponibilizada pela equipe do CRIS. Trabalho