A CONSOLIDAÇÃO DE UM LUGAR PARA O ENSINO SECUNDÁRIO PÚBLICO EM CURITIBA: UM OLHAR SOBRE O EDIFÍCIO DO GINÁSIO PARANAENSE (1904-1949)1 Mariana Rocha Zacharias (UFPR) Resumo: O Ginásio Paranaense foi criado em 1892 e consolidou-se como instituição representativa do ensino secundário público da capital paranaense. As discussões sobre a necessidade de uma sede própria para essa modalidade de ensino começam a ser delineadas em fins do século XIX. Este artigo analisa aspectos da constituição material do Ginásio Paranaense, cujo edifício próprio foi inaugurado no ano de 1904, para compreender a constituição dessa instituição como modelo para o ensino secundário público do Paraná. A ênfase dessa análise recai sobre o conjunto arquitetônico, sendo analisado também o processo de formação das salas especiais, como as de Desenho e de História Natural. Uma das questões que permeiam esta análise é a convivência com as normalistas, pois a Escola Normal foi criada em 1876 e desde o início funcionou anexa ao Ensino Secundário. Com a construção da nova sede do Ginásio ela permanece anexa a este, compartilhando espaço físico e corpo docente. De acordo com as fontes analisadas, por diversas vezes, as aulas eram ministradas pelo mesmo professor a alunos dos dois cursos ao mesmo tempo. As fontes utilizadas foram fotografias, recortes de jornais e documentos administrativos encontrados no acervo do Colégio Estadual do Paraná e, ainda, obras autobiográficas de ex-alunos tanto do Ginásio quanto da Escola Normal. O processo de consolidação do Ginásio Paranaense como instituição modelar ocorreu através da interferência do Estado em sua estrutura física, sendo que a imprensa teve papel preponderante na construção dessa imagem. Os principais referenciais teóricos utilizados são os trabalhos de Antonio Viñao Frago e Marcus Levy Bencostta. Palavras-chave: instituições escolares; arquitetura escolar; cultura material escolar. 219 A história do ensino secundário no Brasil esteve fortemente atrelada à elite, pois quando criada, esta modalidade de ensino tinha como principal objetivo a formação das classes dirigentes do Império. Durante o século XIX foram criados vários liceus provinciais, entre eles o Liceu de Curitiba, no ano de 1846. Neste período, esta comarca pertencia ainda à Província de São Paulo. Após a instalação da Província do Paraná, em 1853, o Liceu continua funcionando na cidade de Curitiba, então capital da província. Esta instituição teve um funcionamento instável, pois as aulas foram interrompidas em diversos períodos. Em 1876 o Liceu já havia sido extinto e foram então criados um Instituto de Preparatórios e uma Escola Normal que deveriam dividir a mesma sede. Em 1892, o Instituto sede lugar ao recém-criado Ginásio Paranaense, sendo que a Escola Normal continua como instituição anexa. (ZACHARIAS, 2013) O objetivo central deste estudo é analisar a construção do prédio que abrigou Ginásio e Escola Normal, compreendendo as justificativas e motivações que propiciaram o empreendimento. No decorrer da análise são priorizados os aspectos materiais da instituição de ensino, especificamente seu conjunto arquitetônico e disposição interna. A cultura material desta instituição é analisada com o intuito de melhor compreender o processo de consolidação do ensino secundário público na capital paranaense, bem como a construção imagética do Ginásio Paranaense como escola-modelo. A pesquisa possui como recorte temporal um período que se inicia no ano de inauguração da sede, em 1904, estendendo-se até 1949, ano que marca o encerramento das atividades naquela sede2. A problemática aqui apresentada está relacionada a estudos que se ocupam das temáticas referentes às instituições escolares, aos processos de ensino e especialmente à cultura material da escola. As fontes utilizadas foram Regulamentos de Ensino, relatórios da instrução, fotografias – especialmente um álbum institucional – inventários de materiais e reportagens sobre o Ginásio. Os documentos como fotografias e inventários foram encontrados no acervo do Colégio Estadual do Paraná, e os regulamentos e relatórios, em arquivos públicos locais. Os recortes de jornais utilizados também pertencem ao arquivo da instituição, pois foram cuidadosamente arquivados. 220 O principal tipo de fonte utilizado para analisar a constituição deste espaço, o edifício-escola construído para o Ginásio Paranaense, foi a fotografia. Um álbum organizado no ano de 1941, entendido como memória institucional, representa o conjunto de fotografias mais significativo. Este apresenta os espaços do edifício, incluindo salas administrativas, gabinetes, salas de aula de Química, Física, Desenho, História, etc., e ainda um museu de História Natural. Segundo Bencostta (2011), as fotografias devem ser sempre analisadas como testemunhos imagéticos. Estas possuem relação próxima com a memória coletiva, dos personagens que compõe a escola, e também com a memória institucional. Assim, as imagens escolares fornecem informações tanto sobre a cultura material escolar, trazendo vestígios materiais, quanto das relações sociais e práticas escolares. As práticas podem ser compreendidas através da cultura material, a qual está atrelada à própria cultura escolar, pois a materialidade pode tanto reprimir quanto estimular o processo de aprendizagem. Assim, vários estudiosos da área têm se dedicado a compreender os processos educativos e práticas pedagógicas através dos vestígios materiais. (FARIA; et. al., 2004) Os aspectos materiais da escola estão sendo compreendidos, portanto, como portadores de discursos, sendo que tais discursos estão relacionados à cultura da escola e à concepção de educação presente em determinada instituição. O espaço escolar pode ser entendido como uma construção social, e também como parte do processo educativo, que revela o emprego dado a ele pelos homens. O ambiente físico da escola é um discurso que traz em sua materialidade um conjunto de valores, como a aprendizagem motora e sensorial, apreendida através de símbolos culturais e estéticos. Portanto, qualquer mudança na disposição do espaço possui relação com a concepção educativa. (VIÑAO FRAGO, 1995). A construção de um prédio próprio para a instituição de ensino secundário da capital paranaense insere-se no contexto de certa modernização das construções da cidade. O edifício foi construído após vários pedidos por melhorias na estrutura física do Ginásio, presentes nos relatórios de diretores da instrução pública, desde o início da década de 1890. A precariedade das condições da sede anterior pode ser identificada nas falas dos diretores, presentes nos relatórios da instrução. A principal reclamação era 221 que o espaço do prédio ficava a cada dia mais precário, devido aos usos diversos, pois além das instalações do Ginásio e ensino normal, havia ainda a Secretaria da Instrução e a Biblioteca Pública. Contudo, faz-se necessário ressaltar que todos os discursos presentes nestes relatórios estão sendo entendidos como formalidades necessárias para registrar as condições físicas da instituição e que, em nenhum momento, foi possível identificar alguma crítica direta à administração pública. Os diretores da instrução, que também acumulavam os cargos de diretores do Ginásio e Escola Normal, faziam parte do grupo dirigente. Na documentação oficial, portanto, não há conflitos reais entre professores e poder público. O Ginásio Paranaense passou por um processo de construção de uma imagem de instituição modelar, a qual teve a estrutura física como um dos fatores de destaque. Atrelado à modernização predial do Ginásio, inicia-se um processo de adaptação pedagógica relacionada à instauração dos processos de equiparação das instituições secundárias de todo o país ao Ginásio Nacional, uma iniciativa que visava à uniformização da instrução secundária brasileira. Os parâmetros necessários à equiparação também contribuíram para as mudanças que ocorreram no edifício ao longo do período estudado. A construção do edifício foi realizada entre os anos de 1903 e 1904. A inauguração, em fevereiro deste ano, ocorreu no final da gestão do governador Francisco Xavier da Silva e no prédio existem marcas deixadas por esta administração. A mais visível dessas marcas é uma inscrição feita na grade de ferro do mezanino (pátio interno) com o nome do gestor e o ano de inauguração, que pode ser vista ainda hoje. O edifício (Figura 1) possui uma beleza peculiar que chama muito a atenção do transeunte, apesar de toda a poluição visual da região.3 A sua fachada é composta de várias colunas, um conjunto de doze janelas, uma escadaria de entrada e uma torre com um relógio. O ingresso nesse prédio proporciona uma viagem no tempo, pois o mesmo passou por um processo de restauro detalhado. Todas as salas possuem ótima ventilação e iluminação pela grande quantidade de janelas.4 222 Figura 1 - Sede do Gymnasio Paranaense. Data atribuída: 1904. 5 Fonte: Acervo CM-CEP. Havia nove salas de aulas divididas entre alunos do Ginásio e da Escola Normal e, a partir de 1906, uma delas foi cedida para as aulas do Instituto Comercial, recém-criado. O prédio possuía um amplo Salão Nobre, secretaria, Gabinete da Direção e uma Biblioteca Pública, que durante muito tempo foi a única da cidade. Havia ainda a Sala da Congregação, onde os professores titulares, chamados de lentes, reuniam-se para as tomadas de decisões. Logo na entrada havia um pátio interno, iluminado por uma claraboia, constituindo local de permanência dos alunos nos intervalos. O gabinete do diretor ficava em um lugar estratégico, pois era possível visualizar todas as entradas das salas. Em relatório apresentado ao governo no ano de 1904, o diretor da instrução Reinaldo Machado, ao mencionar a distribuição das atividades no espaço do novo edifício, reforça a separação de gêneros. Afirma que os alunos do ginásio e as normalistas teriam entradas separadas e também locais de permanência separados durante os intervalos e que, for fim, iriam misturar-se somente nas salas de aulas6. Ainda assim, dentro das salas, que possuíam carteiras do tipo americana dupla, a separação permanecia, como pode ser observado na imagem a seguir: 223 Figura 2 - Aula de Filosofia do 5º ano. Fonte: Anuário do Ginásio Paranaense. 1929. Acervo Casa da Memória de Curitiba. Nos anos que se seguiram ao da inauguração, as salas foram sendo aperfeiçoadas. No início havia poucos materiais, mas com o passar do tempo, foram adquiridos mais objetos pedagógicos. Assim surgiram as salas equipadas com materiais didáticos específicos de cada disciplina. Além das imagens, também foram analisadas várias listagens de materiais reunidos nos inventários da instituição. Em determinado momento, os inventários passaram a ser divididos por disciplina, devido ao grande número de objetos levantados. Na sequência são apresentadas duas imagens (Figuras 3 e 4) que colaboram para a consolidação destas afirmações. Figura 2 - Aspecto de uma sala de aula. Reprodução. Data atribuída: 1905. Fonte: Acervo de fotografias digitalizadas. CM-CEP. 224 No centro da imagem é possível ver um manequim de gesso, importado da França e que provavelmente era um material caro para a época. O restante dos objetos não podem ser facilmente identificados, mas há indícios 7 que levam a crer que sejam reproduções ampliadas de plantas, usadas em aulas de botânica. Nas imagens presentes no álbum de fotografias anteriormente citado, identificamos uma grande diversidade de materiais em algumas salas de aula, chamadas à época de salas especiais. Aqui destacamos o Gabinete de História Natural, também denominado de Museu em determinados momentos. Figura 3 - Gabinete de História Natural. 1946. Fonte: Acervo de fotografias digitalizadas. CM-CEP. Esta sala contava com um grande número de animais taxidermizados, além do mesmo manequim de gesso identificado na imagem mais antiga. Existe outra fotografia da mesma sala que demonstra que havia ainda algumas aves empalhadas, esqueletos de répteis e também uma coleção de quadros murais de botânica. A organização do espaço dessa instituição, no período em que ocupa este prédio, passa por muitas mudanças. Enquanto dividiram o edifício, Ginásio e Escola Normal foram alvo de certas disputas e, em determinados momentos, há uma tendência de valorização de um ou outro curso, a depender do entendimento dos diretores. No entanto, todos os gestores que por ali passaram no período de coedução foram unânimes quanto ao fato que os cursos deveriam ser separados. Contudo, somente no início da década de 1920, foram providenciadas as condições necessárias para que isso ocorresse. De tais condições, destacamos a construção 225 do edifício da então Escola Normal Secundária8 e a constituição de um corpo de professores próprios para esta instituição. Após a saída do ensino normal e devido à conjuntura mais favorável iniciada na década de 1920 a estrutura física do Ginásio é toda reformulada. A gestão do ensino desse período passa por reestruturações importantes, entre elas a instalação das inspetorias de ensino. É possível perceber uma atenção mais significativa em relação à educação e também passa a existir um número maior de registros, ou seja, documentos produzidos oficialmente sobre a instrução pública. No contexto da Era Vargas, a partir da década de 1930, são intensificadas as ações de melhorias físicas no Ginásio da Capital, as quais podem ser apreendidas, principalmente, através da comparação dos inventários produzidos entre as décadas de 1920 e 1940. Uma grande quantidade de objetos e coleções pedagógicas foi adquirida na década de 1930 e neste período alguns jornais locais veicularam algumas reportagens sobre o Ginásio, nas quais foram destacados os aspectos materiais da instituição. Como exemplo pode ser citada a edição de 16 de fevereiro de 1934 do jornal Gazeta do Povo, que publicou uma longa reportagem na qual é apresentada toda a estrutura física do edifício. São destacados os aspectos positivos da instituição através de um longo texto, dividido em tópicos, apresentando cada setor ou dependência. Algumas fotografias dos espaços também são utilizadas, como da Biblioteca, Gabinete de Física, Cinema Educativo, Museu de História Natural, Gabinete de Geografia e ainda uma foto do diretor. Discorre também sobre a sala de desenho, gabinete dentário e do diretor e sobre o laboratório de química. A divulgação dos aspectos físicos da instituição pela imprensa pode ser compreendida sob dois aspectos. O primeiro, relacionado ao fato de que estas reportagens representam uma clara intenção de autodivulgação da instituição e, consequentemente, do esforço de sua direção e corpo docente. O segundo diz respeito ao grande aparelho de propaganda, constituído na gestão de Getúlio Vargas e que compunha uma característica importante deste governo. Elogiar a direção e ressaltar os importantes gabinetes e laboratórios era uma forma de elogiar também a gestão Vargas e seu interventor de Estado Manoel Ribas. Foi durante o governo deste interventor, que os professores do então Colégio Estadual do Paraná, conseguiram aprovar o projeto de construção da atual sede da 226 instituição. O complexo deste colégio recebeu e ainda possui grande destaque na sociedade curitibana e paranaense. Considerações finais A constituição do Ginásio Paranaense-Colégio Estadual do Paraná como uma instituição secundária de destaque na sociedade curitibana e paranaense passou pela aprovação de sua estrutura física. Todos os esforços empreendidos por gestores públicos e professores são colocados à mostra através da grande quantidade de materiais adquiridos para os laboratórios, livros para a biblioteca, carteiras novas, etc. Este dar-se a ver ganhou uma importância especial durante o Estado Novo, período no qual também foi aprovada a construção de um prédio monumental para esta instituição. As políticas educacionais da Era Vargas, sintetizadas na Reforma Francisco Campos de 1930, tornaram possível a consolidação do ensino secundário como um sistema. Assim, o currículo ficou mais detalhado a partir dos programas de ensino implantados com a reforma. Por exemplo, o ensino de Ciências Físicas e Naturais deveria ser experimental e contar com materiais específicos, de acordo com o programa. O Ginásio Paranaense esteve a par dessas mudanças, as quais também contribuíram para a construção de uma identidade visual para a instituição, percebida, principalmente, nos seus ambientes equipados e especializados. Dessa forma, a partir da década de 1930, o Ginásio consolidou seu papel social expondo seu patrimônio material, em consonância com a política vigente. Referências Bibliográficas FARIA FILHO, L. et. al. A cultura escolar como categoria de análise e como investigação histórica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n.1, p. 139-159, 2004. VIÑAO FRAGO, A. Historia de la educación y historia cultural: posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação. n. 0, p. 63-82, 1995. 227 ZACHARIAS, M. R. Espaços e processos educativos do Ginásio Paranaense: Os ambientes especializados e seus artefatos. Curitiba, 2013. 187 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. Fontes consultadas Álbum de fotografias. Ginásio Paranaense. 1941 GINÁSIO PARANAENSE. Annuario. Num. 1. Anno 1. Curityba – Paraná – Brasil. 1929. Typ. João Haupt e Cia. GINÁSIO PARANAENSE. Livro de Registros de Publicações Oficiais. 1936 a 1938. Gazeta do Povo, 16 de fevereiro de 1934. PARANÁ. Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública ao Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública, 1904. 1 Neste artigo são abordadas algumas questões presentes em minha dissertação de mestrado: Espaços e processos educativos do Ginásio Paranaense: Os ambientes especializados e seus artefatos (1904-1949), sob orientação de Marcus Levy Bencostta, concluída em março de 2013. 2 Esta instituição possui outras duas denominações no período analisado: em 1942 denomina-se Colégio Paranaense e a partir de 1943 passa a denominar-se Colégio Estadual do Paraná. 3 O prédio fica localizado na região central de Curitiba e abriga a Secretaria de Estado da Cultura. 4 Estima-se que o prédio possuía cerca de cinquenta janelas originalmente. 5 Centro de Memória do Colégio Estadual do Paraná. 6 Esta separação estava claramente expressa no regimento interno do Ginásio e Escola Normal, aprovado pela Congregação em seis de junho de 1904 In: Ata da Congregação do Gymnasio Paranaense e Escola Normal. 06/06/1904. 7 No Colégio Estadual do Paraná, há algumas peças que seriam de uma coleção de materiais de botânica. 8 O edifício da Escola Normal Secundária foi construído na gestão de Lysimaco Ferreira da Costa e inaugurado em 1923. O prédio ainda existe e a instituição hoje possui a denominação de Instituto de Educação Erasmo Pilotto. 228