língua portuguesa, unidade constitutiva de variantes

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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 11 • Novembro 2013
LÍNGUA PORTUGUESA, UM GUARDA-CHUVA SINGULAR
ABRIGANDO PLURALIDADES
Adriana Scholtz (UFFS)1
[email protected]
Marcelo Jacó Krug (UFFS)2
[email protected]
RESUMO: Apesar das mudanças que vêm ocorrendo no âmbito escolar, o preconceito e o pouco
conhecimento existente acerca da variação linguística fazem com que os métodos de ensino se tornem
antiquados e moldados conforme os paradigmas da Gramática normativa, a qual desconsidera o
conhecimento de língua que o aluno já possui e classifica como erro todas as variações que não seguem a
norma padrão. Tendo como base essa afirmação, o objeto classificado para estudo é o capítulo “Escrever
é diferente de falar” do livro didático “Por uma vida melhor” que apesar de ter sido aprovado pelo
Programa Nacional do Livro Didático-MEC-causou grande polêmica e derivou críticas por parte de
renomados gramáticos e da mídia que afirmaram equivocadamente que o capítulo estava ensinando o
aluno a falar errado. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho será evidenciar a importância do estudo
da variação linguística em sala de aula e dar suporte às afirmações e exemplos colocados no capítulo do
livro a partir das teorias sociolinguísticas evidenciando assim, a falta de conhecimento por parte dos
críticos a respeito das variedades linguísticas de nosso país.
PALAVRAS CHAVE: Ensino- Livro didático- Sociolinguística- Variação linguística
ABSTRACT: Despite the changes that have occurred in schools , prejudice and little knowledge about
language variation make teaching methods become antiquated and molded according to the paradigms of
grammar rules , which disregards the knowledge of language that student already possesses and ranks as
error all the variations that do not follow the standard pattern . Based on this statement , the object is
classified to study the chapter " Writing is different from speaking " the textbook " For a better life " that
despite having been approved by the National Textbook - MEC - caused great controversy and derived
criticism from renowned grammarians and the media mistakenly reported that the chapter was teaching
the student to speak wrong . Thus , the aim of this work is to demonstrate the importance of the study of
language variation in the classroom and supporting statements and examples placed in the chapter of the
book from the sociolinguistic theories thus demonstrating the lack of knowledge on the part of the critics
about the linguistic varieties of our country.
KEYWORDS: Education; Textbooks; Sociolinguistics, Linguistic Variation.
1
2
Mestranda na área de Estudos Linguísticos pela Universidade Federal Fronteira Sul – UFFS.
Prof. na Universidade Federal da Fronteira Sul
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1. PRIMEIRAS PALAVRAS
A maioria dos preconceitos existentes a respeito das línguas se dá pela falta de
(re) conhecimento das inúmeras variedades dialetais presentes no país, as quais se dão a
partir de vários fatores inerentes aos indivíduos que não são idênticos e, por esse
motivo, sua “língua” também não seguirá um padrão, mesmo que a maioria das escolas
doutrine a homogeneidade da língua. Dentre esses fatores, podem ser citadas as
diferenças regionais, o grau de instrução, o status social, estilo pessoal e o contexto em
que os falantes se encontram.
Esses fatores confirmam a diversidade do Brasil no que diz respeito a aspectos
econômicos, culturais e sociais e nesta mesma perspectiva, essa diversidade abrange, da
mesma forma, as línguas existentes no país, o qual possui mais de 190 milhões de
habitantes3 e, de acordo com Oliveira (2000), cerca de 200 idiomas além das línguas de
imigração alóctones e autóctones e das aproximadamente 170 línguas indígenas.
No entanto, apesar das evidências apontarem para uma diversidade linguística,
esta raramente é reconhecida em sala de aula, principalmente no que diz respeito à
disciplina de Língua Portuguesa, o que pode ser interpretado como uma maneira que a
escola encontra para “facilitar” o ensino e por isso, prefere ignorar as diferenças e a
pluralidade de culturas.
Pode-se atribuir a esse “silenciamento” da pluralidade cultural o espanto causado
pelo capítulo “Escrever é diferente de falar”, do livro didático da coleção “Viver,
aprender: Por uma Vida Melhor”, quando este aborda as variações linguísticas e coloca
exemplos de fala informal que podem ser utilizadas no cotidiano do aluno, afirmando
que o educando é capaz de adequar sua fala de acordo com o seu interlocutor e
conforme o contexto em que se encontra.
Essa abordagem causou polêmica e originou muitas críticas. Isso se dá pelo fato
de que a heterogeneidade da língua nem sempre é reconhecida no ambiente escolar,
onde há uma ideologia do monolinguismo que sustenta e insiste em estabelecer que
existe um padrão para a língua falada e que a fala deve ser um espelho da escrita.
3
Disponível em www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010.
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Entretanto, as escolas deveriam adotar atitudes mais realistas diante das
inúmeras diversidades linguísticas e rever seus métodos de ensino, métodos estes que
possuem uma visão preconceituosa da língua portuguesa e, por meio de um ensino
pautado em uma tradição gramatical, classifica como erro os diferentes “falares”
utilizados pela maioria de seus discentes.
Esses métodos de ensino que não levam em conta as diversidades e a realidade
dos alunos passaram a ser “revistos” recentemente a partir das novas exigências
estabelecidas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que determina que os
Livros Didáticos, doravante LD’s, devem reservar espaço para a abordagem da variação
linguística, porém, apesar de os LD’s passarem a abrir uma “brecha” para esse estudo, o
que se verifica é que essa apresentação ainda é feita de maneira breve, equivocada e
superficial.
Essa superficialidade foi evidenciada a partir de um trabalho intitulado de “O
Tratamento da Variação Linguística nos LD de Português” realizado por Paula Maria
Cobucci Ribeiro Coelho e Marcos Bagno no ano de 2007. Nesse trabalho, os autores
fizeram uma análise de nove livros didáticos aprovados pelo MEC, dentre eles, os de
autoria de Carlos Alberto Faraco, William Roberto Cereja e Ulisses Infante.
Destacam-se esses autores porque, de acordo com este trabalho, são os livros
mais “escolhidos” pelas escolas e educadores para o uso em sala de aula. Porém, a partir
dessa pesquisa constatou-se que dos nove LD’s analisados, apenas quatro apresentam
coerência no tratamento da variação linguística no capítulo destinado ao tema.
Cabe ainda colocar que, do total analisado, apenas dois desses livros
apresentaram uma terminologia relacionada à variação linguística, doravante VL, de
forma adequada. Nos demais LD’s, houve uma confusão feita pela maioria dos autores
no emprego dos termos relacionados à VL, termos esses que são: variação, variedade,
variante, “norma culta”, “língua culta”, “língua padrão” etc. Dentre os autores que
colocam considerações confusas e não tratam adequadamente do assunto, dificultando a
compreensão não só do aluno como também do professor, estão Magalhães e Cereja,
Infante, Terra e Nicola Neto, dentre outros.
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Todos esses assuntos também são abordados, porém, de maneira sucinta e
levando em conta a realidade do aluno no capítulo “Escrever é diferente de falar” do LD
“Por uma vida melhor”, mas confirma a falta de conhecimento da população acerca da
variação linguística ao ser alvo de críticas e de “revolta” por parte da mídia e de
conceituados gramáticos.
Assim, o objetivo principal do presente estudo será evidenciar a importância do
estudo da variação linguística em sala de aula e dar suporte, por meio de um
embasamento teórico voltado aos estudos e concepções de importantes autores da
Sociolinguística, às afirmações e considerações realizadas por uma das autoras do
capítulo, a citar, Eloísa Ramos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Sociolinguística
A Sociolinguística, conhecida também como Teoria da Variação e Mudança
Linguística, pode ser definida como uma disciplina da Linguística que estuda os
aspectos resultantes da relação entre a língua e a sociedade, concentrando-se em
especial na variabilidade social da língua. Dessa forma, o objeto de estudo dessa
disciplina é a variação e a mudança da língua no âmbito social da comunidade de fala.
A partir desse objeto, os sociolinguistas adotam uma visão diferente acerca da
língua, vendo-a como dotada de “heterogeneidade sistemática” e esse fato é importante
para que os grupos e as diferenças sociais das comunidades de fala sejam demarcados e
identificados. Essas estruturas heterogêneas e o domínio das mesmas são parte da
competência linguística que os falantes possuem e dessa forma, se essa heterogeneidade
estruturada da língua estivesse ausente, ela seria classificada como disfuncional (cf.
WEINRECH; LABOV; HERZOG [1986] 2006, p.101).
Para melhor compreensão dessa abordagem teórica, torna-se importante retomar
e explicitar um breve histórico sobre a mesma. Sendo assim, evidencia-se as
contribuições de Saussure acerca desse tema. O foco de investigação para este
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pesquisador era a língua e sua relação com o objeto sob a perspectiva da sincronia e da
diacronia.
Cabe colocar que, para Saussure (1995), é diacrônico tudo o que tem relação
com a historicidade, que designa uma fase de evolução e tem duração no tempo, onde a
língua é dinâmica. Já a sincronia diz respeito a um estado momentâneo da língua, onde
ela é estática e constitui um conjunto fechado e homogêneo.
Apesar de “criar” essa dicotomia e evidenciar a importância das duas para o
tratamento da língua, Saussure passa a se preocupar em seus estudos, com abordagens
mais voltadas para a sincronia, analisando a língua como sendo homogênea ou seja,
como sendo única para todos os falantes independente do uso que os mesmos faziam
dela no dia a dia. A língua era separada de sua historicidade.
Com essa abordagem, Saussure excluiu de suas pesquisas as questões
socioculturais e ideológicas que fazem parte da constituição do sujeito e também de sua
língua. Para seguir suas convicções, Saussure elabora então dicotomias como língua e
fala excluindo de suas pesquisas a fala e trabalhando a língua como homogênea e
unitária oposta ao seu existir concreto, sincronia e diacronia e assim, uma vez que é
preciso separar a língua de seu existir concreto (fala) também é preciso separá-la de sua
historicidade ignorando o processo de transformação da língua, Saussure, apesar de não
negar a importância da diacronia, trata mais atentamente da sincronia.
Essa forma de abordagem é contestada por Labov que aponta as dissonâncias e
as limitações existentes no fato de estudiosos como Saussure, Chomsky e outros
tratarem e insistirem na homogeneidade fundamental do objeto linguístico e que por
meio dessa abordagem ignoram a heterogeneidade da língua, além de considerarem a
fala como desmotivada e caótica (FIGUEROA, 1996, p. 77-78).
Quando Labov se refere à heterogeneidade está se referindo a variação, mas se
interessa na variação que pode ser sistematicamente explicada. Assim, a
Sociolinguística proposta por Labov tem o propósito de analisar a evolução da língua no
contexto social bem como sua estrutura na comunidade de fala e, essa abordagem
contempla a área que é chamada de Linguística Geral e que lida com a Morfologia,
Sintaxe, Semântica e Fonologia (LABOV [1972] 2008, p. 184).
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Labov se propõe assim, a correlacionar os padrões linguísticos variáveis a
diferenças que se encontram paralelas na estrutura e na posição social em que os
falantes estão inseridos, ou seja, correlaciona fatores linguísticos e fatores
extralinguísticos (LABOV [1972] 2008, p. 184).
Assim, tomando como objeto de análise linguística a comunidade de fala que é
heterogênea e plural, os estudos de Labov são feitos a partir da língua em uso e por esse
motivo, as escolhas feitas pelos falantes dependem de vários fatores extralinguísticos
que se relacionam com a situação de uso da língua como, por exemplo, contexto no qual
está inserido, posição social do mesmo, grau de escolaridade, região que habita dentre
outros fatores não menos importantes.
Para concluir essa breve abordagem teórica, explicita-se que a sociolinguística
deve, assim, relacionar as variações linguísticas que podem ser observadas em
determinada comunidade às diferenças existentes na estrutura social dessa mesma
comunidade, pois esse fator será de extrema importância para compreensão da fala dos
indivíduos que nela pertencem.
2.2 A variação linguística nas aulas de Português
No ano de 1997 publicou-se, pelo Ministério da Educação, uma coleção de
documentos intitulados de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS) e a partir dessa
publicação houve propostas para a renovação do ensino nas escolas brasileiras e todas
as disciplinas foram analisadas e contempladas, dentre elas, o Português.
Assim, levando em consideração as variedades dialetais que a língua portuguesa
possui no Brasil, esse novo modo de ensino veio propor que as variedades dos alunos
fossem respeitadas e que o preconceito em relação às falas dialetais fosse enfrentado na
escola como parte do objetivo educacional geral para o respeito à diferença (PCN,
1998).
No entanto, para que essa “nova forma” de ensinar fosse possível, a escola
deveria se desvincular de alguns mitos, dentre eles, o de que existe uma forma “certa”
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de falar – semelhante à escrita – e de que a escrita deveria servir como reflexo para a
fala, ou seja, de que é preciso corrigir a fala do aluno para evitar que o mesmo escreva
errado (PCN, 1998, p.26).
Juntamente com outros fatores importantes para que o ensino de língua
portuguesa fosse renovado nas escolas do Brasil, os PCNS introduziram também novos
conceitos que até então eram pouco conhecidos na prática docente, conceitos esses
provenientes de uma disciplina ainda nova no âmbito do estudo da linguagem, a
Sociolinguística e dentro dessa disciplina, surgiu também o enfoque para a variação
linguística (PCN, 1997).
É importante ressaltar que essa nova concepção de ensino, apesar de ser positiva,
ainda encontra obstáculos, pois ainda existem pessoas muito apegadas às concepções e
práticas convencionais de ensino e os professores ainda não têm formação adequada
para lidar com esse conjunto de teorias e práticas que são novos no ensino de língua
portuguesa (BAGNO, 2007).
Por esse motivo, de acordo com Bagno, “a variação linguística, ou fica em
segundo plano na prática docente ou é abordada de maneira insuficiente, superficial,
quando não distorcida” (BAGNO, 2007, p.29).
Cabe ressaltar também que a Sociolinguística alerta a escola e, principalmente o
professor sobre a importância de abordar nas salas de aula a heterogeneidade linguística
e demonstrar que os alunos que frequentam a escola possuem vivências diversas e que
por esse motivo, suas falas são diferentes. De acordo com Labov, os falantes não
possuem estilo único, todos possuem variação fonológica ou sintática (LABOV, 2003).
É por causa dessas variações que, há algum tempo, os guias educacionais vêm
abordando a importância do respeito à linguagem não padrão como uma maneira
diferente de falar e que essa forma de fala do aluno deve ser reconhecida como
diferenciada da linguagem da escola e não condenada como uma falha, um erro do
aluno (LABOV, 2003).
Assim, constata-se, de acordo com Faraco, que é possível e necessário o
desenvolvimento de uma “pedagogia da variação”, onde as variedades linguísticas que
os alunos trazem de seu convívio e de suas casas para o ambiente escolar sejam
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consideradas como legítimas, “corretas” e que eles são capazes de aprender as
variedades cultas da língua e ampliar assim, sua competência linguística (FARACO,
2005).
4. O MÉTODO TRADICIONAL APAGANDO IDENTIDADES
Falar sobre a variação linguística e seu tratamento em sala de aula implica no
surgimento de vários outros assuntos que podem estar intimamente ligados a essa
abordagem “equivocada” ou superficial da VL nas escolas. Esses outros assuntos dizem
respeito não só às diferenças sociais, regionais e culturais dos alunos, mas
principalmente às diferenças identitárias e étnicas dos mesmos.
Essas diferenças, muitas vezes podem estar ligadas ao convívio dos indivíduos
com uma outra língua em seu ambiente familiar, como é o caso de descendentes de
alemães, poloneses, ucranianos dentre outros imigrantes que vivem no Brasil e que
utilizam a língua de imigração para se comunicar dentro de sua comunidade linguística,
língua esta que não é o português brasileiro. Dessa forma, pode-se classificar esses
falantes de bilíngues pelo fato de “dominarem” duas línguas ao mesmo tempo. Para
melhor compreensão, cabe definir o que é bilinguismo.
Para tanto, apresenta-se a concepção do bilinguismo em De Heredia (1989,
p.183), onde “[...] é constituído pela aprendizagem de uma segunda língua ou a
aquisição simultânea de duas línguas pelas crianças”. Apesar de haver outras definições
para tratar de um falante bilíngue, o que será evidenciado no presente artigo terá relação
com o aprendizado simultâneo de duas línguas realizado pela criança, o que acontece
muito quando se trata de comunidades de imigrantes.
Assim, define-se por bilinguismo neste trabalho, a capacidade que um falante
possui em dominar duas ou mais línguas desde a infância. Nesse caso, utilizando mais
uma vez as contribuições de De Heredia (1989, p.186) “[...] nota-se então que, desde
cedo, a língua está ligada a questões de integração no grupo, quer isso se manifeste
positiva ou negativamente.”
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Dessa forma, é comum que a criança, enquanto integrante de sua comunidade
linguística utilize-se mais de sua língua de imigração para se comunicar com os demais
falantes de seu grupo, pois nesse contexto, essa “variedade” é prestigiada. Porém, ao
ingressarem na escola, essas características linguísticas são “ignoradas” pelos
professores que, seguindo o método tradicional e não se preocupando em adequar
metodologicamente o ensino para que essas especificidades sejam levadas em
consideração em sala de aula, fazem com que a riqueza da identidade de um povo seja
deixada de lado para tentar instaurar nesses alunos um “modelo” de fala.
Com isso, nesse contexto escolar, há uma “quebra” do costume linguístico
utilizado por esse “imigrante”, pois sua língua passa a ser minoritária e desprestigiada, o
que leva o falante a buscar uma adaptação linguística para se instaurar no grupo
majoritário, rompendo assim, uma identidade e buscando outra (TABOURETKELLER, 1998).
Nesse sentido, de acordo com Edwards (1994), a perda da identidade desses
grupos minoritários, na maioria das vezes, está simbolizada por uma perda que diz
respeito à língua materna. Isso tudo em consequência de uma metodologia de
deslocamento linguístico, onde a língua minoritária busca uma direção e desloca-se para
a língua dominante.
Surge daí, a dificuldade de aprender o “padrão” pelo fato de que estes modelos
não evidenciam a realidade linguística do aluno, fazendo com que o aprendizado se
torne algo mecânico, onde regras são decoradas, mas raramente compreendidas. De
acordo com Tabouret-Keller (1998, p.318), “para compreender a complexidade das
relações em torno do uso variável da língua e de sua influência sobre a constituição da
identidade é necessário analisar primeiro os diversos fatores relevantes no ‘processo de
identificação’ dos indivíduos e grupos de contato”.
Portanto, fica clara a negação da variedade minoritária e das diferentes
identidades linguísticas dos alunos feita pelo modelo tradicional de ensino. Isso pode ser
facilmente percebido por meio do capítulo “Escrever é diferente de falar”, pois ao
abordar as variedades minoritárias e tentar apresentar as especificidades e
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individualidade dos alunos, foi alvo de críticas e “tachado” por renomados gramáticos
como livro que ensina o aluno a falar “errado”.
Assim, ao falar que o indivíduo, na maioria das vezes, perde sua identidade ao
ingressar no ensino/aprendizagem busca-se evidenciar essa falta de reconhecimento das
diversidades. A escola, quando poderia fazer uso dessas variedades e diferentes
linguagens utilizadas pelos alunos, filhos de imigrantes, para o enriquecimento do
trabalho com a língua portuguesa, reconhecendo as diferenças, busca apagá-las
(ALTENHOFEN, 2002).
De acordo com Altenhofen (2002, p. 19), “ o ensino joga na vala comum
monolíngues e bilíngues e ignora qualquer adequação
metodológica do ensino às
individualidades do aluno falante da língua ou variedade minoritária”.
Dessa forma o capítulo “Escrever é diferente de falar”, destinado à VL não está
tentando diminuir e nem excluir o ensino da “norma padrão” das escolas, pois deixa
claro que este aprendizado é importante para o aluno, o que este LD busca evidenciar é
o equívoco da escola, que ao se pautar apenas no método tradicional de ensino,
corrigindo a fala do aluno e tentando “moldá-lo” conforme as considerações da
Gramática Normativa, está deixando de aproveitar os conhecimentos linguísticos que o
discente já possui, o que poderia facilitar o ensino da norma padrão.
Assim, de acordo com Orlandi (1998, p.205), “na escola, quando o professor
corrige o aluno, ele intervém nos sentidos que este aluno está produzindo e, no mesmo
gesto, está inferindo na constituição de sua identidade”.
5. ANÁLISE DOS RECORTES
O capítulo “Escrever é diferente de falar” do livro Por uma vida melhor, com o
intuito de ilustrar as diferentes variedades dialetais existentes no Brasil, abordou no
capítulo alguns exemplos de fala que podem ocorrer nas variedades populares e que são
bastante frequentes no dia a dia dos alunos.
Isso demonstra que eles podem continuar a se expressar da maneira com que
aprenderam em seus lares e convívio social e que a escola, tem como função,
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acrescentar a esse conhecimento linguístico a norma padrão sem excluir e classificar
como errada sua variedade dialetal.
Cabe colocar alguns trechos com os exemplos abordados no livro para depois
discorrer sobre o assunto e analisar de maneira mais sucinta esse capítulo, sendo assim,
ilustra-se a seguir duas abordagens recortadas do livro, que foram as principais
causadoras da polêmica acerca do manual didático.
Recorte 1:
Depois dessa abordagem, a autora ainda esclarece que o aluno pode falar dessa
forma se estiver atento à situação em que se encontra, pois dependendo do ambiente,
poderá ser vítima de preconceito linguístico e que por esse motivo, o falante deve ser
capaz de usar a variante adequada da língua e adaptá-la a ocasião em que se encontra.
Fica evidente que se esse trecho for observado separado do contexto no qual foi
inserido no livro pode causar confusão no aluno e no professor também, uma vez que
nem todos os educadores estão preparados para lidar com situações e usos de variedades
linguísticas, muito menos ensiná-las aos seus educandos sem que os mesmos se
confundam com tais termos.
Porém, ao ler o capítulo completo, não restam dúvidas de que a autora soube
tratar desse assunto deixando sempre claro que o ensino da norma padrão é importante
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para o aluno e que o mesmo deve saber classificar a variedade linguística de acordo com
a situação na qual se encontra, pois uma variedade não exclui a outra e sim, acrescenta
ao aprendizado do discente.
Outro exemplo da variedade popular é recortado do livro e ilustrado abaixo, o
qual ainda evidencia as variedades populares e as formas com as quais as orações
podem concordar.
Recorte 2:
Após tais observações, é possível realizar algumas considerações à respeito
desse capítulo, tão discutido em rede nacional e criticado como sendo um guia de
estudos que ensina o aluno a falar errado. Ora, fica evidente o desconhecimento, por
parte desses críticos acerca da linguagem, de suas variedades e até mesmo do país, pois
o Brasil é considerado o país das diversidades, então, não deveria ser surpresa que sua
língua também apresente diferenças.
Essa diversidade linguística é vista por Bagno (2007, p. 39) como sendo um
“substantivo coletivo”, ou seja, para ele, debaixo “do guarda-chuva chamado língua, no
singular, se abrigam diversos conjuntos de realizações possíveis dos recursos
expressivos que estão à disposição dos falantes”. Esses recursos expressivos podem ser
escolhidos pelos indivíduos e, se existe a opção de escolha, é possível afirmar com
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convicção que o sujeito possui competência para “adaptar” sua fala de acordo com a
situação e com seu interlocutor.
É importante salientar que, indiferente da variedade usada pelo falante, ele
consegue comunicar-se e fazer-se entender, ou seja, a interação e a comunicação não
são prejudicadas pelo fato de que essa pessoa usou uma variedade mais popular e não a
norma padrão estabelecida pela escola como única maneira eficiente de interação.
É essa interação e compreensão da informação, mesmo com o uso de variedades
linguísticas diferentes da variedade padrão ensinada tradicionalmente pela Gramática
Normativa, que a autora do capítulo buscou evidenciar e, se o capítulo for lido como um
todo, não haverá dúvidas quanto a isso, pois a todo momento Eloísa Ramos explicita
que é possível falar “Os livro” desde que o falante saiba falar também “Os livros”
quando seu contexto exigir dele mais formalidade além de a autora estar sempre
alertando seus alunos para os possíveis preconceitos linguísticos que poderão sofrer ao
utilizarem variedades “estigmatizadas” e classificadas como erro pela Gramática.
Essa classificação das variedades dialetais como erro pela Gramática Normativa
evidencia a falta de atualização do ensino de língua portuguesa nas escolas, esse fato
também é discutido por Geraldi, segundo ele:
O que é preciso ficar claro, especialmente para o professor de Língua
Portuguesa é que as mudanças contínuas na pesquisa científica não
respondem simplesmente a um modismo, mas ao desejo de desvelamento de
questões obscuras no processo de compreensão do fenômeno que se quer
explicar pela ciência (GERALDI, 2003 p. 84)
Assim, fica clara a intenção não só de Geraldi como também da autora do
capítulo, pois ambos buscam mostrar que assim como outras ciências evoluem e
precisam de novos estudos e novas abordagens, a língua portuguesa também é
atravessada por transformações e por esse motivo, continuar estudando-a como algo
acabado e estanque é uma forma precipitada e antiquada de análise.
Geraldi também enfatiza que quando chegam à escola novidades de pesquisa não
significa que agora tudo terá que mudar, que tudo que já foi aprendido estava errado e
precisa ser deixado para trás, mas que é necessário aceitar o novo sem ter a ilusão que
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serão sempre os mesmos e que não virão novas abordagens, pois a língua e seu uso
estão e sempre estarão em constante mudança, não sendo estável e muito menos fixa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de ser um assunto que deveria ser visto de forma comum, a variação
linguística continua causando discussões entre os estudiosos, prova disso são as críticas
impostas ao capítulo do livro que aborda de maneira realista esse tema. É evidente a
falta de conhecimento sobre esse assunto e a polêmica descabida que se instaurou
acerca do capítulo “Escrever é diferente de falar” do livro didático “Por uma vida
melhor” comprova tal desconhecimento.
Esse desconhecimento pode ser notado pelo fato de muitos críticos, estudiosos e
imprensa afirmarem, que o capítulo do livro em questão ensinava o aluno a falar
“errado”. Porém, em momento algum foi citado o fato que o Brasil é um país de
diversidades e que isso pode e se reflete também na língua. Instaurar no aluno a crença
de que só existe uma forma certa de falar é desconsiderar sua diversidade, deixar de
lado tudo que ele já aprendeu e fazer com que o mesmo acredite que sua linguagem é
errada e que por isso deve se adaptar à maneira imposta pela escola, a dita norma padrão
para que não seja vítima de preconceito linguístico.
Entretanto, ao impor a norma padrão como única maneira correta de falar, a
escola e os professores deixam de aproveitar o conhecimento já possuído pelo aluno e as
aulas de Português continuam sendo pautadas em métodos de ensino antiquados e
preconceituosos.
Nesse caso, para que houvesse maior compreensão por parte do aluno, os
professores poderiam fazer uso de estudos recentes e utilizar exemplos do dia a dia do
aluno, mostrando que as regiões do Brasil são diferentes e por isso as pessoas falam de
maneira diferenciada, colocando situações reais de uso da língua e mostrando ao aluno
que dependendo da situação e da pessoa com a qual está falando, pode se posicionar de
maneira diferente.
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Nesse mesmo propósito, as línguas de imigração e as diferentes identidades
linguísticas também deveriam ter um papel importante para o processo de
ensino/aprendizagem. Entretanto, ao invés de atualizar o ensino de Língua Portuguesa e
torná-lo mais atraente, a escola continua “ignorando as pluralidades linguísticas e
culturais de seus alunos e, na maioria das vezes, “prefere” adotar um método de ensino
que se pauta apenas na Gramática Normativa como único modo correto de ensino.
Esse “modo correto de ensino” foi um dos pontos que norteou as considerações
realizadas e, a partir daí, buscou-se mostrar que o ensino de variação linguística nas
aulas de Português não é algo recente e que foi abordado somente agora no capítulo
analisado, mas que seu ensino já vem sendo imposto pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais há algum tempo, porém, esse tema vinha sendo tratado de maneira superficial
e muitas vezes inadequada como foi exposto anteriormente.
É por ter sido tratado superficialmente até agora que o capítulo “Escrever é
diferente de falar” causou tamanho espanto, pois passou a evidenciar de forma real as
diferentes e possíveis maneiras com as quais os alunos podem se expressar oralmente,
deixando sempre claro que o mesmo tem capacidade de adequar sua fala de acordo com
a situação e ressaltando que o ensino da norma padrão não deve ser deixado de lado e
sim, aliado ao conhecimento que o aluno já possui.
Esse conhecimento do qual se fala, diz respeito ao fato de que antes mesmo de
aprender a ler e a escrever, o discente já possuía capacidade de se comunicar e fazer-se
entender através da fala que muitas vezes está ligada a uma outra língua e que fazê-lo
acreditar que a maneira com a qual fala e se comunica desde criança está errada é um
equívoco cometido pela escola.
Além desse fato, ainda foi abordada a falta de conhecimento acerca da variação
linguística e do bilinguismo por parte dos próprios professores, o que explica de certa
forma, o contínuo ensino de Língua Portuguesa pautado somente na Gramática
Normativa, pois se o docente não domina o assunto, tão pouco saberá explicá-lo aos
alunos. Nesse caso, torna-se muito mais cômodo seguir o mesmo e antiquado manual de
ensino e continuar corrigindo a fala do aluno afirmando que deve-se falar da mesma
maneira com a qual se escreve.
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Esse é um dos motivos pelos quais o capítulo do livro é tão criticado, pois ao
afirmar que os alunos podem falar “Os menino pega os peixe”, por exemplo, desde que
saibam que em situações formais devem concordar o verbo em número (singular/plural)
e em pessoa (1ª./2ª./3ª) com o sujeito envolvido na ação, o livro acaba provocando
indignação de renomados gramáticos e meios de comunicação que preferem ignorar as
diferenças sociais, regionais, etárias dentre outros fatores e continuar acreditando que
todas as pessoas falam exatamente da mesma forma ou pelo menos, devem falar para
que sejam “respeitadas” na sociedade.
Essa indignação até seria compreensível se em todo momento a autora e
linguista Eloísa Ramos não deixasse claro que o ensino da norma padrão não está sendo
questionado e muito menos desvalorizado e que o aluno deve saber onde e quando pode
usar determinadas maneiras de falar para que não venha a sofrer preconceito linguístico.
Também foi possível perceber no decorrer das análises que as críticas realizadas
possuem como base apenas alguns trechos do capítulo e que o mesmo não é analisado
de maneira completa, pois se fosse lido inteiro, talvez não seria motivo de polêmica,
uma vez que a autora frisa várias vezes a importância do ensino de norma padrão e que
a mesma deve ser um acréscimo ao aprendizado que o aluno já possui.
Assim, ao explicitar o desejo de acrescentar a norma padrão, que o aluno ainda
não havia tido contato antes de entrar na escola, ao aprendizado que ele teve desde
criança e que permitiu que o mesmo se fizesse entender, a autora Eloísa Ramos apenas
mostra uma realidade que até então era desconsiderada na sala de aula ou vista de
maneira breve, a variação linguística e sua importância para o ensino da Língua
Portuguesa.
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Recebido Para Publicação em 19 de outubro de 2013.
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