ENXOFRE O ENXOFRE COMO NUTRIENTE E AGENTE DE DEFESA CONTRA PRAGAS E DOENÇAS Heloísa Sabino Prates1 José Lavres Junior2 Milton Ferreira de Moraes2 INTRODUÇÃO O enxofre (S), ao lado do nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca) e magnésio (Mg), é um macronutriente, isto é, um elemento que as culturas anuais, como o arroz e o feijão, e as perenes, como o café e os citros, exigem em maior proporção. As necessidades de S são menores que as de N, K e Ca, sendo, porém, da mesma ordem de grandeza que as de P e de Mg. Como ocorre com qualquer nutriente, a produção e a qualidade podem ser limitadas se faltar S no solo, mesmo que os demais nutrientes estejam presentes em abundância – a Lei do Mínimo está em vigor há mais de um século e ainda não foi revogada. Folhas e raízes são capazes de absorver formas diversas de S, tais como: SO2, S-cisteína, S-elementar (S0), entretanto, a forma predominantemente absorvida pelas culturas é o sulfato (SO42-) (MALAVOLTA, 1950). O S participa de muitos compostos orgânicos: todas as proteínas vegetais contém S do mesmo modo que todas elas possuem N. Por esse motivo, há uma relação entre teor de N e teor de S nas folhas geralmente entre 10 e 15, o que indica nutrição adequada. A análise foliar mostra uma concentração de S na faixa de 2 g kg-1 ou pouco mais de 10 g kg-1, dependendo da cultura. Valores abaixo indicam deficiência, e acima, podem indicar excesso. Há desequilíbrio para menos na relação N/S. A deficiência de S se caracteriza por uma coloração amarelada uniforme das folhas mais novas. Solos arenosos, pobres em matéria orgânica, que é a fonte principal do elemento, terras muito ácidas, chuva ou irrigação excessiva, uso de fórmulas concentradas, que contém apenas N, P2O5 e K2O, são as principais causas de deficiência de S. O S contido nos defensivos, como o S molhável e o sulfeto da calda sulfocálcica, é absorvido e incorporado em compostos orgânicos, o que se sabe há meio século, podendo, por isso, contribuir com uma parcela das necessidades da planta que, em geral, variam de 20 a 40 kg ha-1 de S. As culturas, porém, dependem em proporção muito maior, ou na totalidade, do S do solo e, na falta deste, do S dos adubos minerais e orgânicos. Os adubos que contém S mais comercializados são o sulfato de amônio, o superfosfato simples e o gesso. As doses de S a usar devem ser calculadas em função da análise de solo nas profundidades de 0-20 cm e 20-40 cm e complementadas com os dados da análise foliar. As doses usadas geralmente variam de 20 a 40 kg ha-1. Quando se usa sulfato de amônio como fonte de N, superfosfato simples ou multifosfato magnesiano para fornecer P ou gesso para melhorar o ambiente radicular em profundidade, comumente são satisfeitas também as necessidades de S. O S é tão importante quanto o N para as plantas, não somente como nutriente, mas também por seu papel nos mecanismos de 1 2 defesa contra pragas e doenças. As plantas sadias contêm uma grande variedade de metabólitos secundários, muitos dos quais contendo S, como também N, em sua estrutura. Esses compostos estão presentes em sua forma ativa biologicamente ou estão armazenados como precursores inativos, que são convertidos na forma ativa pela ação de enzimas em resposta ao ataque do patógeno ou quando o tecido é danificado (HAMMOND-KOSACK e JONES, 2000). Embora o uso do S0 como fungicida seja muito antigo, pouco se sabe a respeito do modo como ele funciona. Recentemente, foi demonstrado que a própria planta pode gerar S0 endógeno como mecanismo de proteção contra o patógeno. FUNÇÕES DO ENXOFRE NAS PLANTAS Numerosos compostos da planta – de aminoácidos a proteínas, incluindo as enzimáticas – possuem tanto N quanto S, o que ajuda a explicar a existência de uma relação N/S que está associada com o crescimento e a produção. As proteínas são os compostos nos quais a maior parte do S, como também do N, se incorpora. É constituinte dos aminoácidos cisteína e metionina, principalmente, além daquele que constitui a sua porta de entrada, a cistina. O aminoácido cisteína está relacionado ao estado nutricional das plantas e também atua na síntese de importantes compostos de defesa (glucosinolatos, GHS, fitoalexinas e possivelmente S0). Além dos aminoácidos e proteínas, o S é parte de uma variedade de compostos: coenzimas (biotina, pirofosfato de tiamina, coenzima A, ácido lipóico), proteínas com Fe e S (ferredoxinas), tioredoxinas, sulfolipídeos, cisteínas substituídas (Se – metilcisteína), ésteres de sulfato (colina, por exemplo), flavonóides, lipídeos, glucosinolatos, polissacarídeos, compostos não saturados, sulfóxidos, alcalóides, nucleotídeos, sulfônicos, compostos reduzidos (MALAVOLTA, 2006). O S, bem como o N, está presente em todas as funções e processos que são parte da vida da planta: da absorção iônica aos papéis do RNA e DNA, inclusive controle hormonal para o crescimento e a diferenciação. O N e o S podem mostrar interação com outros elementos e entre eles. Sua presença ou suprimento pode provocar aumento (sinergismo) ou diminuição (inibição, antagonismo) no teor de outros elementos e reciprocamente. Os casos mais comuns de sinergismo são N x S, N x Ca, N x Mg, N x Zn, N x Cu, N x Mn, e os de antagonismo: N x B, S x Se, S x Cu x Mo (MALAVOLTA et al., 1997). ALTERAÇÕES NAS PLANTAS POR DEFICIÊNCIA OU EXCESSO DE ENXOFRE Os sintomas de deficiência de S podem ser: • Visíveis: clorose nas folhas mais novas; coloração adicional em algumas plantas (laranja, vermelho e roxo); folhas pequenas, com Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, São Paulo, SP. Doutorando, Centro de Energia Nuclear na Agricultura, CENA/USP, Piracicaba, SP. Bolsista CAPES e FAPESP; e-mail: [email protected]; [email protected] 8 INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS Nº 115 – SETEMBRO/2006 ENXOFRE enrolamento das margens; necrose e desfolhamento; internódios curtos; redução no florescimento; menor nodulação nas leguminosas. • Citológicos: meiose anormal. • Químicos: aumento no teor de carboidratos; diminuição no teor de açúcares redutores; redução na síntese de proteínas. Na cultura do algodoeiro, a deficiência de S causa amarelecimento uniforme de folhas novas; na bananeira, folhas novas branco-amareladas; no cafeeiro, clorose das folhas mais novas e internódios mais curtos; no milho, folhas amareladas; na soja, pouca nodulação e clorose uniforme nas folhas mais novas; no trigo, folhas novas amareladas e plantas mais esguias. As causas de deficiência mais comuns no país são devidas a pobreza de matéria orgânica dos solos, acidez (menor mineralização), lixiviação, seca prolongada e uso generalizado de adubos concentrados, sem S. Os sintomas de excesso de S podem aparecer como clorose internerval, em algumas espécies. ENXOFRE COMO AGENTE DE DEFESA CONTRA PRAGAS E DOENÇAS Os nutrientes têm papel importante na nutrição das plantas e também estão intimamente relacionados à predisposição das mesmas ao ataque de insetos e patógenos. Tem sido observado que moléculas que contém N e S exercem papel importante na proteção das plantas a insetos e patógenos. Tanto o excesso quanto a deficiência podem predispor as plantas ao ataque de patógenos, demonstrando a necessidade de uma equilibrada adubação das culturas. Em solos ácidos, tem sido observado que fontes amoniacais são mais eficientes no controle de certas doenças. Isto parece estar associado à interação com manganês, pois a absorção do NH4+ promove a acidificação da rizosfera, aumentando a disponibilidade de elementos essenciais (Mn, Co) na via do ácido shiquímico, porta de entrada da rota de biossíntese de fenóis e lignina (MALAVOLTA, 1998) ou pelo aumento de microrganismos antagonistas, visto que o NH4+ é a forma preferencial de assimilação pelos mesmos (KOMMEDAHL, 1984). A ação de um determinado patógeno pode predispor a planta ao ataque de outros, além de causar danos ao local infectado (HUBER e GRAHAM, 1999). Fungos e bactérias causam distúrbios no sistema vascular, impedindo a utilização e a translocação de nutrientes pela planta. Inicialmente, excessos ou deficiências ocorrem nas células, alterando, por exemplo, a permeabilidade de membranas. A concentração na planta toda não é alterada. Porém, em estádio mais avançado ocorrem alterações anatômicas e sintomas visíveis de deficiência nutricional (MALAVOLTA, 1998). Acredita-se que o uso do S como fungicida teve início por volta de 150 anos D.C., porém, o S como fungicida se tornou uma prática agrícola em 1845-1847 na Inglaterra e França, visando o controle do oídio em vinhedos (PAUL, 1978). No ano de 1974, em plantações de beterraba nos Estados Unidos, a aplicação foliar de S 0 foi efetiva no controle de fungos. O modo de ação do S0 ainda é incerto. Atualmente, as hipóteses mais aceitas, resumidas por Williams e Cooper (2004), são: as células dos fungos são permeáveis ao S0 (esporos podem absorver 2% m/m de S), e este, no citoplasma, afeta a cadeia respiratória mitocondrial; pode haver transferência de íons de hidrogênio para o S0 em lugar do O2, causando a produção de sulfito de hidrogênio tóxico. Outra hipótese é que o S0 pode rapidamente, e não enzimaticamente, oxidar grupos sulfidrílicos protéicos e não-protéicos importantes em muitas funções respiratórias nas mitocôndrias. Este fenômeno pode produzir uma modificação no estado de oxidação do complexo respiratório, alterando o fluxo de elétrons na cadeia respiratória mitocondrial e, conseqüentemente, a fosforilação oxidativa, resultando na fungitoxicidade. De acordo com Wickenhauser et al. (2005), a liberação de H2S também é um mecanismo de defesa das plantas ao ataque de patógenos. Após a legislação européia contra a emissão de gases poluentes, houve uma drástica redução nas concentrações atmosféricas de SO2, principalmente na Europa Ocidental. Em decorrência disso, deficiências severas de S foram diagnosticadas em campo, causando desordens nutricionais, alta suscetibilidade a doenças e significativas reduções na produção (ERIKSEN et al., 1998). Recentemente, Williams et al. (2002) demonstraram que plantas de tomate inoculadas com Verticillium dahliae produziram S0 em resposta à infestação. É possível que o acúmulo de S0 esteja associado a uma resposta de hipersensibilidade da planta ao patógeno, controlada pela expressão de muitos genes. Diante desses fatos, o S0 aplicado nas folhas pode ser absorvido e metabolizado, atuando como agente de defesa contra patógenos, bem como ser convertido a sulfato ou outros compostos de S. A rota de uso dependerá de fatores, como estado nutricional e sanidade da planta (MALAVOLTA e MORAES, 2006). 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