CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line www.ig.ufu.br/caminhos_de_geografia.html ISSN 1678-6343 Instituto de geografia ufu programa de pós-graduação em geografia MUDANÇAS CLIMÁTICAS, INCERTEZAS HIDROLÓGICAS E VAZÃO FLUVIAL: O CASO DO ESTUÁRIO DO RIO ANIL Enner Herenio de Alcântara 1 Laboratório de Hidrobiologia - LABOHIDRO Departamento de Oceanografia e Limnologia - UFMA Email: [email protected] Resumo O gerenciamento de recursos hídricos tem se submetido a mudanças devido ao crescimento da população, melhoramento sanitário, desenvolvimento econômico, tecnológico, e tem se mudado circunstâncias legislativas e administrativas. Estas mudanças continuarão no futuro, com sua intensidade que é dependente dos processos demográficos e econômicos em várias partes do mundo. Esta introdução da mudança no clima adiciona uma dimensão nova à dinâmica de demanda de água. A proposta do presente trabalho é o de produzir alguns cenários climáticos, e discutir como a descarga fluvial se comporta em face aos cenários produzidos. Como resultado pode-se dizer que possivelmente o fator que mais influenciou na descarga fluvial (Qf), dentre os fatores estudados (temperatura e precipitação), a precipitação se mostrou mais eficiente em alterar a descarga fluvial. No entanto, um estudo mais profundo é recomendado. Palavras chaves: mudança climática, incertezas hidrológicas, descarga fluvial, rio anil. CLIMATIC CHANGES, HYDROLOGIC UNCERTAINTIES AND FLUVIAL OUTFLOW: THE CASE OF ANIL RIVER ESTUARY Abstract Water resources management has been undergoing changes due to population growth, improved sanitation, economic development, technological revolution, and changing legislative and administrative conditions. These changes will continue in the future, with their intensity being dependent on demographic and economic processes in various parts of the world. The issue of climate change adds a new dimension to the ongoing dynamics of water supply and demand. The proposal of present work is to argue in some climatic scenes, as river discharge if it holds in deferential climatic scenes. Possibly the factor that more influenced in river discharge (Qf), amongst the studied factors (temperature and precipitation), the precipitation if showed more eficiently, in the direction of bigger influence to exert. However, it must be had in sight that the river discharge of River Indigo must pass more for a detailed study, so that which of two factors can be detected with precision influence more or less. The climatic variability is a factor of uncertainty for the managers of water resources. Keywords : Climate change, hydrological uncertainties, river discharge, Anil river. 1 Recebido em: 11/05/2004 Aceito para publicação em: 30/05/2004 Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 Página 158 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara INTRODUÇÃO microescala. América Latina tem, por Um estuário é um ambiente costeiro de um lado, uma vasta diversidade de transição entre o continente e o oceano biomas e reservas estratégicas de água adjacente, onde a água do mar é diluída doce e, por outro, uma demanda de água pela água doce da drenagem continental e de energia que deixam entrever (Defant, 1960; Franco, 1988; GST, cenários sob conflito e incerteza. Esse 1997). Esse ambiente é forçado por quadro oferece claras oportunidades de agentes locais e remotos gerados pela estudar as incertezas hidrológicas a fim ação climáticos, de dar propostas aos desafios concretos, geológicos, (Mendiondo; Martins & Bertoni, 2002). de eventos oceanográficos, hidrológicos, biológicos e químicos, Segundo Kaczmarek (1996), para os que ocorrem na bacia de drenagem e no cientistas, e mais recentemente para os oceano a políticos, vem crescendo a preocupação dezenas, centenas e até milhares de com a possibilidade de uma mudança quilômetros de distância. climática global devido aos níveis O século XXI é marcado pelo conflito crescentes do dióxido de carbono (CO2) entre a oferta e a demanda de água doce e outros gases antropogênicos de efeito na escala mundial. Para o ano 2025 estufa. Embora não houvesse nenhum espera-se que mais de 4 bilhões de consenso geral na comunidade científica pessoas tenham problemas de acesso à na escala possível de se ter um água doce no mundo. Estima-se que o aquecimento global, o problema foi valor monetário da água doce mundial altamente ronda os US$ 8.000 bilhões, dos quais atividades internacionais, tais como o US$ 300 bilhões são comprometidos a processo de avaliação iniciado pelo cada ano pela incerteza inerente da Painel mudança climática. Com isso, planejar Mudança Climática (IPCC, 1990) e pela um desenvolvimento sustentável na convenção do Rio para o clima. Apesar escala global apresenta desafios sociais, de todas as incertezas, reconhece-se econômicos e ambientais. Parte dos extensamente que as mudanças do clima desafios se concentra na gestão das devido a uma demografia crescente incertezas do ciclo hidrológico, o qual podem atua desde a escala global até a econômicos dramáticos, ao menos em adjacente muitas vezes Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 discutido por Intergovernamental criar problemas inúmeras sobre sociais Página a e 159 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara algumas regiões vulneráveis do mundo. segunda Conferência Mundial para o De acordo com o relatório da Comissão Clima, em novembro de 1990, declara Mundial o que: “entre os impactos mais importantes Desenvolvimento (Brundtland, 1987) da mudança climática estão os efe itos no interesses ser ciclo hidrológico e nos sistemas de integrados em todos os níveis do plano gerenciamento de água, e com estes, os nacional e internacional. Quando o sistemas sócio-econômicos”. futuro em longo prazo da terra é O gerenciamento de recursos hídricos tem considerado, a introdução da mudança se submetido à mudanças devido ao do clima não pode ser negligenciado, e crescimento da população, melhoramento os sanitário, desenvolvimento econômico, para o Ambiente ambientais vários cenários devem de e tendências possíveis no ambiente e na sociedade tecnológico, devem ser investigados. circunstâncias legislativas A ciência é então, responsável pelo administrativas. Estas mudanças desenvolver de uma metodologia para a continuarão futuro, com avaliação do impacto do clima e para intensidade que é dependente dos fornecer para processos demográficos e econômicos adaptáveis em várias partes do mundo. Esta uma empreender base medidas racional e no se sua informar aos responsáveis pelas tomadas adiciona uma de decisões e ao público em geral sobre dinâmica de as possíveis ameaças globais e suas Kundzenwicz & Somlyódy (1993). incertezas que as acompanham. A A bacia de drenagem é a origem do complexidade do sistema da interação sistema de rios que suprirá o estuário de atmosfera-oceano-terra significa que nós água fluvial. Sedimentos, substâncias não podemos eliminar surpresas, e os orgânicas e inorgânicas e eventualmente habitantes poluentes. devem ser A dimensão demanda quantidade no e introdução mundo mudança mudado necessárias. A ciência também deve do da tem clima nova de de à água, água preparados para lidar com elas. Isto recebida concerne o abastecimento de água condições climáticas, das características regional e a demanda de água a uma do solo, da cobertura vegetal, da grande extensão. Uma indicação aceita ocupação urbana, agrícola e industrial e unanimemente da evapotranspiração na região de pelos cientistas na Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 pela bacia depende Página das 160 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara captação e de suas interações (Coleman do mar é mensuravelmente diluída pela & Wright, 1971). água de drenagem continental. Os A radiação solar é a principal fonte de fatores que podem influenciar esse energia A balanço são: a temperatura e a umidade distribuição da mesma sobre a superfície relativa do ar, a direção e a intensidade da Terra varia deterministicamente com a do latitude geográfica e sazonalmente com características do solo e a cobertura as estações do ano. A cobertura de vegetal (Cronin, 1967). nuvens, a concentração de aerossóis e A descarga fluvial, ou vazão do rio partículas na atmosfera, também têm (Qf), representa fisicamente o transporte invluência no fluxo de energia solar que de volume (volume por unidade de chega à superfície terrestre e dos oceanos. tempo, L3 T-1 ). A razão entre o Esse fluxo controla a concentração de transporte e a área de qualquer secção calor dos oceanos e das regiões costeiras, transversal do canal estuarino é a sendo a fonte de energia para a velocidade escalar média gerada por fotossíntese e para o processo de essa forçante da circulação estuarina. evapotranspiração na bacia de drenagem. Preferencialmente, a descarga fluvial é Por sua vez, a radiação solar também é considerada um dado do problema na responsável pela produção primária por abordagem da física estuarina e sua meio plantas determinação é do domínio da hidrologia. que Como, em geral, essa quantidade física é alimentares observada com a finalidade de monitorar para da o nosso fotossíntese planeta. das microscópicas (fitoplâncton), suportam cadeias as vento, a geomorfologia, as estuarinas. o suprimento de água para fins urbanos, O balanço entre precipitação, descarga industriais fluvial e evapotranspiração na bacia de especificamente para a pesquisa estuarina. drenagem do estuário é sempre positivo, Caracterização da área em estudo e agrícolas, e não isto é, a soma entre as fontes de água (precipitação e descarga fluvial) é sempre menor do que o sorvedouro, a evapotranspiração. Isso está de acordo com a definição de Pritchard (1955), que estabelece que no estuário a água Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 A Bacia Hidrográfica do Rio Anil, localizada no quadrante NW da Ilha de São Luis - MA, com o Rio Anil possuindo cerca de 13,8 Km de extensão (Siqueira, 1987; Alcântara, Página 161 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara 2003). Têm suas nascentes localizadas calha caracteriza-se por apresentar um no Bairro Aurora, descendo ao nível do perfil meândrico, cortando a porção NE mar aproximadamente 9,5 Km em linha do centro urbano da cidade de São Luis, reta, com o eixo direcional orientado de no trajeto em direção à desembocadura SE para NW a partir da nascente, a sua (Figura 1). Figura 1 - Localização da Bacia hidrográfica do Rio anil (área hachurada) A Bacia Hidrográfica do Rio Anil, desenvolvimento na bacia do Anil, inserida no centro urbano da capital do alcança atualmente um recobrimento da Maranhão, mais ordem de 65,2% de toda a superfície prejudicadas, sobretudo pelo grande dos solos disponíveis. A análise da sua crescimento distribuição é umas das populacional registrado espacial mostra este entre as décadas de 70 e 90, quando a processo de urbanização que se estende população da cidade apresentou uma lateralmente expressiva disponível expansão demográfica, por pela (correspondendo (LABOHIDRO, 1980). todo margem aos o espaço esquerda terrenos que compreendem desde o bairro da Praia Ocupação e Uso Atual do Solo O processo de urbanização Grande até o do Anil), além do setor em Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 extremo a noroeste pela margem direita Página 162 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara (incluindo a faixa de terras entre a indevidas, que gradualmente induzem a Ponta da Areia e o Renascença). remoção da cobertura vegetal, com Continua direita, conseqüente exposição dos solos a avançando para sudeste acompanhando intensivos processos de intemperismo o traçado dos eixos viários principais, que se alternam ao longo do ciclo anual. apresentando-se de forma contínua, Durante o período das chuvas (janeiro a alterando-se com espaços (ainda não junho), predominam a lixiviação e/ou ocupados), nos quais são encontradas erosão pluvial e durante o período de feições da vegetação em diferentes estiagem estágios de degradação. Merecendo dessecação e erosão eólica. registro, o gradual acréscimo de áreas Como resultado do desdobramento dos da planície flúvio- marinha (terrenos dos processos primários identificados, já são mangues), incorporadas por processos sentidos de aterro mecânico, que se distribuem secundários que se manifestam sobre pela área. outros compartimentos do ambiente, Os terrenos de terra firme ainda não sobre urbanizados (cerca de 1.200,00 ha, urbana e em última análise, sobre a 34,8%), parte população assentada na área. Evidências correspondem a pequenos vales que destas conseqüências são encontradas no funcionam como sub-bacias naturais de assoreamento que obstrui parcialmente o drenagem, nos quais as características canal principal na região do médio curso topográficas não favorecem o seu do rio (imediatamente a jusante da Ponte aproveitamento técnico e econômico Governador Newton Belo, “Caratatiua”), para a implantação de loteamento r/ ou no comprometimento da eficiência das edificação. zonas obras de macro-drenagem executadas em adjacentes e/ou cortadas pelos eixos pontos de criticidade do escoamento das viários principais e/ou associadas a águas pluviais, ao longo dos eixos viários conjuntos habitacionais, portanto sob principais e na modificação dos micro- forte por climas (sentidas pelas mudanças do nestas áreas comportamento térmico e acréscimo das de pré- taxas de particulados na atmosfera), que pela em sua maior Localizados influência ocupação margem do potencializam-se das em pressões espaço, ações urbanização relacionadas às ocupações Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 (julho os dezembro), efeitos elementos combinadas a com da de a processos infra-estrutura outros atributos Página 163 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara climáticos, favorecem o quadro de pouco se estendem além dos períodos doenças de precipitações, sem entanto provocar relacionadas ao sistema respiratório, que acomete principalmente oscilações nos níveis d’água do canal. as faixas da população infantil e dos Assim, idosos. “enchentes” nem comporta estudos Cabe assinalar também, que nos últimos hidrológicos ou estatísticos tradicionais. vinte anos (1970-1994), na região do Ao contrário, seus níveis d’água podem Jaracatí (margem direita), uma área da ser determinados simplesmente pelo uso ordem de 70,0 ha foi utilizada para a de tábuas de maré, com precisão disposição final de todo o lixo urbano razoável. da cidade de São Luís. Operado em Já seus afluentes (todos intermitentes) condições apresentam sanitárias e ambientais completamente incompatíveis, aspecto o rio Anil não condições produz complemente diversas, com regime hidrográfico. este agravado pela criticidade da sua localização, a área em questão ainda representa um dos principais focos de vetores patológicos que oferece riscos para a saúde pública de expressiva Assim dependente das precipitações sazonais e dos níveis de maré a jusante, no corpo do rio Anil, podemos citar como mais importantes, (tabela 1). parcela da população assentada nos Tabela 1 bairros que se encontram na sua zona de Afluentes do rio Anil influência imediata. Margem direita Hidrologia Margem esquerda Igarapé da Ana Jansen Rio Jaguarema Igarapé do Jaracati Córrego da Vila Barreto O principal componente hidrológico da Igarapé do Vinhais Córrego da Alemanha bacia é o rio Anil, na verdade um braço Rio Ingaúra Igarapé da Gamboa de mar alimentado pelo fluxo de marés da baia de São Marcos. Seu regime hidrológico, no, período de estiagem, é totalmente vinculado ao fluxo destas marés, sem contribuições relevantes de montantes. Na época das chuvas há um evidente acréscimo de vazões, mas que Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 De forma geral, os afluentes pela margem direta extensos, e mangues bem são maiores, atravessam definidas mais região de antes de desaguarem no rio enquanto os da esquerda são mais curtos, de maior Página 164 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara declividade e chegam quase diretamente áreas pertencentes à calha do rio (9%), o ao corpo receptor, drenando bacia s que demonstra o imenso potencial de completamente urbanização ainda a ser explorando possuem urbanizadas problemas e que gerais de dentro dos limites da bacia. escoamento. No geral, não há um padrão urbano Demografia e Ocupação regular, Num plano geral, a bacia do rio Anil presença comercial ao longo dos eixos pode ser considerada como totalmente principais de tráfegos, sendo estes mais central do ponto de vista geográfico, e adequadas à realidades dos anos 50 do completamente urbanizada dada sua que às demandas atuais de volume e participação traçado. no centro histórico e observando-se ainda forte cidade, Para este trecho, o índice demográfico porém, observa-se que apenas um médio considerado para o ano de 1995 percentual de 50% da área de fato foi de 96 hab./há, e os arruamentos e ocupada, sendo o restante zonas urbanas acessos pavimentados em 70% de sua ainda cobertas por vegetação (41%) e extensão (Tabela 2). financeiro/administrativo da Tabela 2 Demografia e ocupação do rio Anil Trecho Margem esquerda Margem direita Montante Mangues Total Área (ha) 460 588 3100 373 4521 Índice demográfico 146 39 96 - População estimada 67160 22932 297600 387692 Metodologia transporte de volume de água doce em Cálculo do valor da vazão fluvial (Qf) um estuário. O valor dessa propriedade deve ser determinado a partir do A descarga de água doce ou vazão fluvial (Qf) representa fisicamente o Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 monitoramento in situ de pontos específicos do rio localizado estuário Página 165 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara acima, em geral longe da influência da denominado evapotranspiração. maré, por meio de medidas linimétricas A razão de escoamento superficial da altura do nível fluvial, com ábacos (? f/P) de uma bacia de drenagem devidamente calibrados com base em depende da própria precipitação e da medidas do evaporação. Por sua vez, a evaporação conhecimento da geometria da seção depende da intensidade da radiação transversal do rio na posição da estação solar fluviométrica. temperatura do ar. A forma mais Todavia, estações fluviométricas são simples para essa razão foi introduzida relativamente escassas no Brasil, sendo pelo hidrologista P. Schreiber em 1904 normalmente (Holland, 1978). de volicidade, necessário o e uso de e, em conseqüência, da métodos alternativos e indiretos para a obtenção do valor médio da descarga de água doce de um determinado rio. Um dos métodos para o cálculo indireto − Eo ∆f =e P P (2) dessa quantidade física baseia-se em equações semi-empíricas que estimam o escoamento superficial. Por definição, o escoamento superficial (? f) é a parcela da precipitação (P) que, através do escoamento na área da bacia de drenagem, irá finalmente alimentar o Onde a = Eo é a quantidade máxima de água que pode ser evaporada anualmente de uma superfície completamente saturada. Essa equação indica, portanto, que a razão de escoamento superficial depende da máxima taxa de evaporação e da precipitação anuais. Verifica-se, também, que essa quantidade adimensional decresce exponencialmente entre os valores extremos 1 e 0, quando Eo tende a 0 ou Eo>>P, respectivamente. sistema estuarino. A parcela restante da precipitação é evaporada diretamente para a atmosfera, infiltra-se no solo (e, eventualmente, volta à superfície onde é evaporada) ou ainda participa do metabolismo das plantas e é evaporada através de suas folhas, em um processo denominado transpiração. A evaporação e a transpiração são freqüentemente combinadas num único processo Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 A equação de Schreiber (equação 1) depende de Eo, que por sua vez decresce rapidamente com o decréscimo da temperatura em altas latitudes. A dependência da razão de escoamento superficial com a latitude geográfica foi obtida experimentalmente com dados de bacias de drenagem da Europa, Ásia, África, América do Norte e do Sul Página 166 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara (incluindo as bacias dos rios Amazonas o conhecimento da área total da bacia e São Francisco) e Austrália. Embora de drenagem (AT ) e do intervalo de essa dependência indicasse um maior tempo espalhamento em baixas latitudes, foi cálculo dos valores médios de Eo e P, possível confirmar a base física da por meio da seguinte equação: (?t), representativo para o equação de Schreiber e estabelecer, com o ajuste de uma curva média, a seguinte equação de Eo, em função da média anual da temperatura do ar na superfície, T (Holland, op. Cit.): Eo = 1,2 x10 .e 9 −4 , 62 x10 T Qf = ∆f . AT ∆t (3) No Sistema Internacional de Unidades (SI), ∆f e AT devem ser calculados 3 (2) respectivamente em m e m2 , e ∆t em s, para que a descarga fluvial Qf seja dada com a Temperatura em K (Kelvin). A em m3 .s-1 . quantidade Eo é dada em cm/ ano, Para tentar mostrar como a descarga reproduzindo resultados satisfatórios do Equador até cerca de 70° de latitude. O coeficiente da exponencial dessa equação é muito próximo à razão ?H/R, onde ?H é o calor de vaporização da água em -1 cal.mol e R é a constante do gás -1 ideal em cal.mol Eo calculado somente é essa equação significativo quando utilizados dados médios de longos períodos de tempo (Kjerfve, 1990; Bonetti Filho & Miranda, 1997; Miranda, Castro & Kjerfve, 2002). Uma vez calculada em face as possíveis variabilidades climáticas, estabeleceu-se o que se convencionou chamar de cenários climáticos (tabela 3). Para tanto, utilizamos os seguintes critérios: incremento (I) de 1 e 2° C e -1 °C . O valor de por fluvial (Qf) do rio Anil se comportaria a razão decréscimo (D) de 1 e 2° C em relação à temperatura média anual (27,3° C). E a para a precipitação tomamos como critério de teste o incremento (I) de 10 e 20% e o decréscimo (D) de 10 e 20% em relação à precipitação média anual de (2196 mm) e relativa a uma escoamento superficial ? f/P, a descarga amostragem de 25 anos, coletados no de água doce (Qf) pode ser obtida com site da UFPB (2003). Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 Página 167 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara Tabela 3 alterando a precipitação de referência, Descrição dos cenários utilizados para construção de modelos conceituais da variação da descarga fluvial (Qf) nas bacias do Rio Anil. temos uma perda na descarga fluvial de Cenário 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 0.51 m3 .s-1 . Com a diminuição de 1 K na temperatura e ainda não alterando a precipitação, temos um acréscimo de Descrição TN & PN I1T & PN D2T & PN I2T & PN D1T & PN TN & D10%P TN & D20%P TN & I10%P TN & I20%P D1T & I10%P I1T & D10%P D1T & I20%P I1T & D20%P D2T & I20%P I2T & D20%P D2T & I10%P I2T & D10%P 0.27 m3 .s-1 em relação à descarga fluvial de referência (4.56 m3 .s-1 ). Tendo agora a temperatura de referência e diminuindo 10% da precipitação de referência temos um perda de 0.54 m3 .s1 e de 1.13 m3 .s-1 , quando introduzimos um decréscimo de 20% na precipitação. Já com um incremento de 10 e 20% na precipitação de referência, temos um ganho na descarga fluvial de 0.51 m3 .s-1 e 0.96 m3 .s-1 respectivamente. Resultados e Discussão A partir desse momento iremos “mexer” Análise da Descarga Fluvial (Qf) tanto Considerando o cenário de referência ou precipitação de referência, 300.3 K e o cenário “0”, temos que, quando 2196 aumentamos na Introduzindo um decréscimo de 1K e de temperatura média anual de referência 10% na temperatura e na precipitação, (300,3 a respectivamente, temos um ganho de precipitação de referência (2196 mm), 0.77 m3 .s-1 e quando introduzimos um temos um decréscimo na descarga incremento fluvial (Qf) de 0.26 m3 .s-1 . Com 2 K a temos uma perda de 0.79 m3 .s-1 . menos na temperatura de referência e Decrescendo 1 K e incrementando 20% considerando na K) 1K e (Kelvin) não a alteramos precipitação de na temperatura mm, nas temperatura quanto na respectivamente. mesmas e na condições, precipitação, referência, temos um aumento de 0.53 respectivamente, temos um ganho de m3 .s-1 . 1.23 m3 .s-1 . Mas quando, em vez de Ao contrário, quando aumentamos 2 K a mais em relação a decrescer temperatura incrementamos 1 K e decrescemos 20% de referência e não Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 1 K na temperatura Página e 168 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara na precipitação temos uma perda de com um decréscimo de 2 K e um 1.37 m3 .s-1 . incremento de 10% na temperatura e na e precipitação, respectivamente, temos incrementamos 20% na temperatura e um ganho na descarga fluvial de 1.03 na precipitação, respectivamente, temos m3 .s-1 . E quando do contrário, ou seja, Quando “retiramos” 2 K um ganho de 1.49 m3 .s-1 . Quando ocorre o contrário do que foi exposto acima, ou seja, (I2 K e D20%P), Qf(m3/s) temos uma perda de 1.61 m3.s-1. Já um incremento na temperatura e um decréscimo na precipitação, ocorre uma perda de 1.04 m3 .s-1 . Os resultado acima discutidos, podem ser melhor visualizados através do gráfico 1. 7 6 5 4 3 2 1 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Cenários Descarga fluvial Gráfico 1 - Variação da descarga fluvial (Qf) Em outros trabalhos como Medeiros & O Kjerfve (1994); constantemente adicionada pelo rio, Kjerfve et al (1996); Bonetti & Miranda além de gerar um componente de (1997) e Kjerfve et al (1997), os circulação estuarina que natualmente se resultados da estimativa permitiram que desloca para fora do estuário, ao diluir a esses pesquisadores concluíssem que a água do mar produz diferenças de grande diferença da descarga fluvial densidade ao longo do estuário, gerando entre as estações seca e chuvosa movimentos estuário acima forçados governa pelo gradiente de pressão. A interação (1993); a Schettini hidrodinâmica desses ambientes costeiros. Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 efeito da descarga fluvial, das várias propriedades e processos- Página 169 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara descarga (ou vazão) do rio, correntes de maior influência exercer. No entanto, maré, gradiente de pressão, advecção deve-se ter em vista que a descarga difusão turbulenta-produz, dentro da fluvial do Rio Anil deve passar por um delimitação geomofológica da bacia estudo mais detalhado, para que possa estuarina, a distribuição de salinidade ser detectada com precisão qual dos que é característica de cada estuário, dois fatores influência mais ou menos. (Officer, 1983). Recomendações Como na definição acima descrita, está O explicita a condição de que a água do resultados consistentes, validando sua mar deve ser mensuravelmente diluída utilização como uma alternativa para pela água da drenagem continental, no estudos em estuários cujo aporte de balanço de água a soma dos volumes água doce é desconhecido. Entretando, que chegam no estuário, gerados pela algumas precipitação (P) e descarga fluvial (Qf), observadas em seu emprego. Uma delas devem ser maiores do que o volume de é água transferido para atmosfera pelo Estratificação-Circulação (Hansen & processo de evaporação (E). Portanto, Rattray, de acordo com a definição clássica, no classificação estuário vale a seguinte desiguldade estuário. para esse volumes encontrados para os fundamentais estuários da ilha do Maranhão: Como a parâmetro circulação, expresso pela precipitação (P) + descarga fluvial (Qf) razão entre a velocidade média na > evaporação (E), então de acordo com superfície pela velocidade gerada pela alguns autores referem-se a esse caso descarga de água doce (us/uf). Sendo como sendo estuários positivos. assim, Conclusão diretamente da vazão fluvial (Qf) e Possivelmente o fator que mais método utilizado restrições na devem elaboração 1966), apresentou do que Diagrama possibilita quantitativa Um a da área a um parâmetros diagrama quantidade inversamente de dos desse ser uf é o depende da secção influenciou na descarga fluvial (Qf), transversal (A) do estuário (uf=Qf/A). dentre os fa tores estudados (temperatura Portanto, a princípio, conhecendo-se o e valor de Qf estimado pelo escoamento precipitação), a precipitação se mostrou mais “eficaz”, no sentido de superficial é possível calcular uf. Todavia, a velocidade média durante Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 Página 170 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara poucos ciclos de maré, que simulam as REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS condições ALCÂNTARA, de estacionaridade do E.H. & SANTOS, método, encontra-se intrinsecamente M.C.F.V.. Levantamento da qualidade associada daquele ambiental da bacia hidrográfica do rio período e não a uma média decenal. Anil, São Luis-MA. 4° Congresso Portanto, Regional de Engenharia Sanitária e às condições na elaboração desse diagrama é necessário utilizar-se um Ambiental - São Paulo(SP), 2003. valor alternativo para uf que pode ser, de acordo com Dyer (1973), o valor da velocidade residual, ou seja, a média da componente longitudinal da velocidade no tempo e na seção BONETTI, J. F. & MIRANDA, L. B. Estivativa da Descarga Fluvial no Sistema Estuarino-Lagunar de Cananéia-Iguape. Rev. Bras. Oceanogr. São Paulo, 45(1/2):89-94, 1997. transversal. Outra restrição no uso das estimativas apresentadas decorre das próprias características fisiográficas do sistema estudado, uma vez que o aporte de água doce não é proveniente de uma BRUNDTLAND, G. H. Our Common Future, Report Commission on of the World Environment and Development, Oxford University Press, Oxford, UK, 1987. fonte única situada na cabeceira, como COLEMAN, J. M. & WRIGHT, L. D. seria de se esperar no caso de um Analysis of Major River Systems and estuário clássico. Their Não obstante as restrições mencionadas, a estimativa da vazão com base no escoamento superficial Deltas: Procedures and Rationale, with two Examples. Baton Rouge, Lousiana State University Press. 1971, 125 p. pode ser usado para determinar a CRONIN, L. E. The role of man in velocidade gerada pela descarga das Estuarine Processes. In: LAUFF, G. H. águas, uf, e esta, por sua vez, pode ser (ed.). Estuaries American Association utilizada para estimativas de valores for médios do fluxo e do transporte Washington, D. C., pp. 667-689, 1967. advectivo da DEFANT, A. Physical Oceanographic. concentração de outras propriedades Oxford, Pergamon Press, vol. 2., 1960, conservativas. 598 p. de salinidade e Caminhos de Geografia 8(12)158-173, Jun/2004 the Advanced of Science, Página 171 Mudanças Climáticas, Incertezas Hidrológicas e Vazão Fluvial: O Caso do Estuário do Rio Anil Enner Herenio de Alcântara DYER, K. R. Estuaries, a physical Uncertainties. International Institute for introduction. London, John Wiley & Applied Sons. 1973,140 p. Academic FRANCO, A. S. Tides: Fundamentals, Austria, 1996. Analysis and Prediction. São Paulo, KJERFVE, B. Manual for Investigation Fundação of Hydrological Processes in Mangrove Centro Tecnológico de Systems Analysis. Publishers. Kluwer Laxemburg, Hidráulica. 1988, 249 p. Ecosystems. 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