O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ESTADO CAPITALISTA

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Revista Jurídica da Universidade de Cuiabá e Escola da Magistratura Mato-Grossense - v. 1 - jan./dez. 2013
O MINISTÉRIO PÚBLICO
E O ESTADO CAPITALISTA
Marcos Henrique Machado1
INTRODUÇÃO
A história tem mostrado que o capitalismo amolda a política nacional e o Direito legislado, em conformidade com o interesse do acúmulo de
capital ou produção de riqueza.
Essa tendência ou consequência, por si só, justifica a atuação do
Ministério Público em defesa dos direitos sociais, seja para valorização do
princípio da igualdade, assegurado constitucionalmente a todo indivíduo
brasileiro, seja para garantir a dignidade nas relações do indivíduo com o
Estado, bem como do indivíduo com o Mercado.
Neste trabalho, pretendemos apresentar à academia, notadamente
que investiga e formula pensamentos sobre a Política Social, o Ministério
Público brasileiro e seu papel no Estado Moderno.
Discorremos sobre o Estado, sua relação com o Direito, desde a origem do Estado Moderno, destacando-se a influência do capital, a ponto de
conceber verdadeiramente um Estado Capitalista, fundado em um sistema
jurídico que reconhece e legitima normas jurídicas em consonância com
os objetivos capitalistas.
Nesse contexto, procuramos refletir sobre o papel constitucional do
Ministério Público na proteção dos direitos sociais, com base na Constituição Federal e na legislação vigente, sem perder a historicidade do sistema
jurídico e a importância do Iluminismo, da crítica socialista, das revoluções
americana e francesa, do Estado do Bem Estar Social, e da hermenêutica
assentada nos interesses primários do homem.
1 Desembargador do TJMT, ex-promotor de Justiça do MPMT, professor orientador de Direito Público na Faculdade de Direito da Universidade de Cuiabá, membro da Academia Mato-Grossense de Direito Constitucional, pós-graduado em Direito do Estado, Direito Público, Direitos Difusos, Direito Processual Civil e Direito Processual Penal. Mestrando em Política Social pela UFMT.
126 O Ministério Público e o Estado Capitalista
O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO
O art. 127, caput, da vigente Constituição Federal da República
Federativa do Brasil (1988) define o Ministério Público como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
Vale lembrar que a Constituição Federal estabelece em seu art. 129
que são funções institucionais do Ministério Público a de zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados na Constituição.
O Ministério Público brasileiro é composto por duas estruturas institucionais: o Ministério Público da União, compreendido pelos Ministérios
Públicos Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios e
os Ministérios Públicos dos Estados-membros.
Não é Governo, nem Estado. Trata-se de um ente público, mas que
age em nome e a serviço da sociedade. É um pedaço vivo da Constituição,
que defende o interesse público.2
Sua representação política se dá através do Conselho Nacional de
Procuradores-Gerais – CNPG, membros de cada instituição escolhidos pela
classe em lista tríplice e nomeados pelo Presidente da República, no âmbito federal, e pelos Governadores no âmbito estadual e do Distrito Federal.
As incumbências constitucionais dadas ao Ministério Público o colocam em especial relevância no rol das instituições responsáveis pelo velamento do Estado Democrático de Direito, que tem como base de sustentação os seus fundamentos, entre os quais sejam: a cidadania, a dignidade
da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (CF, art. 1º, II, III e IV).
Compete ao Ministério Público a defesa do patrimônio público, da
probidade administrativa, dos direitos individuais, civis e políticos, e dos
direitos sociais consagrados na Constituição Federal Brasileira de 1988 e
na legislação vigente.
No plano infraconstitucional, a instituição se encontra regulada
pela Lei Orgânica n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), Lei Complementar n. 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público
2 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência; por uma nova hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade.
São Paulo: Malheiros, 2003, p. 383-384.
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da União) e, no âmbito estadual, por suas leis orgânicas, em virtude da
repartição de competências legislativas definida pela Constituição Federal (arts. 24, § 3º, e 128. § 5º).
Não bastasse, a instituição possui instrumentos legais para implementação administrativa e/ou judicial de políticas públicas, seja por meio
de ações coletivas, seja por meio de ações na defesa de direitos individuais
indisponíveis, nas mais diversas áreas sociais, como da saúde, educação,
segurança, trabalho, meio ambiente natural e artificial, e direitos humanos.
Isso porque é portador de autonomia e independência funcional, por se
vincula estritamente ao interesse público.
Nesse contexto, o Ministério Público funciona, então, como órgão
mediador e indutor das mudanças sociais.3
Para esse fim, o Ministério Público possui instrumentos jurídicos
para assegurar a tutela dos direitos sociais, entre os quais, primordialmente, o inquérito civil e a ação civil pública.
Dentro do inquérito civil, ou seja, ainda na esfera extrajudicial, um
dos instrumentos que pode ser utilizado pelo Ministério Público é o “compromisso de ajustamento de conduta”. Previsto no art. 5º, § 6º, da Lei nº
7.347/85, o compromisso de ajustamento de conduta tem como objetivo obter, dos órgãos públicos ou privados, a adequação de atuação em
conformidade com as normas constitucionais e legais. Outro instrumento
que pode ser utilizado pelo Ministério Público na esfera extrajudicial é a
“recomendação”, cuja previsão encontra-se no art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75/93 (dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do
Ministério Público da União), c.c. o art. 80 da Lei nº 8.625/93 (institui a Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para
a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências).
A recomendação, na área dos direitos sociais, permite ao administrador público incorporar em seu planejamento linhas de atuação capazes
de auxiliar na efetiva implementação dos direitos assegurados na Constituição, conciliando interesses que foram levados pela sociedade civil ao
Ministério Público ou que surgiram da própria ação de fiscal da lei.
Se os acordos (reuniões vinculativas e compromissos de ajuste) têm
como vetores informativos de demandas já postas, o descumprimento da
Constituição e da legislação integradora, seja pela má implementação de
3 FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas: a responsabilidade do administrador e
o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 133-134.
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determinada política pública seja pela omissão da Administração, as recomendações têm um caráter inovador, qual seja, o de levar à Administração
novas demandas, estratégias e ideias.
Não cabe ao Ministério Público, portanto, ficar omisso diante do
interesse social, disponível ou não, que convenha à coletividade como um
todo. Assim sendo, não se mostra correto se falar em direito de agir, mas
em dever de agir.
Não se pode pensar num Ministério Público que não tenha uma
atuação política relevante, especialmente quando em cheque estão os direitos sociais.4
Com efeito, dado a seu singular status institucional, exerce parcela
de controle dos Poderes Constitucionais do Estado, como voz de afirmação
do Estado de Direito.5
Por isso, não é exagero afirmar que o Ministério Público é um corresponsável pela defesa social no Estado brasileiro.
O ESTADO
Ao Estado inercial de Hobbes6 sobrepôs-se o liberalismo e o constitucionalismo presentes nos séculos XVII e XVIII. Depois, no século XIX, institui-se o Estado de Direito. Do século XX em diante, floresceu a democracia.
O Estado é uma abstração, um ente de natureza política que deve
administrar as relações públicas inerentes à política e aos negócios públicos, além de gerir assuntos de interesse social.
É regido por normas constitucionais e legais, que devem atender aos
interesses coletivos, sob pena de padecer de falta de legitimidade. Além
disso, o Estado deve satisfazer as necessidades da população, mediar e
solucionar dos conflitos.
No sentido jurídico, é o agrupamento de indivíduos, estabelecidos
ou fixados em um território determinado e submetidos à autoridade de um
poder público soberana, que lhes dá autoridade orgânica. É a expressão
jurídica mais perfeita da sociedade, mostrando-se também a organização
4 SADEK, Maria Tereza. Ministério Público: Um olhar Externo. Revista do Ministério Público do
Estado de Mato Grosso, ano 4, nº 6, 2009, p. 33.
5 GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público vocacional. Revista Justitia. São Paulo, n. 197. Ministério
Público de São Paulo – Associação Paulista do Ministério Público, 2007, p. 282).
6 WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 2006, p. 51.
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política de uma nação, ou de um povo.7
Sob a ótica econômica, o Estado é centro de catalisação do capital,
desde a sua primeira concepção até o presente. É responsável pelo fomento e regulação do Mercado, no processo disjuntivo de interesses onde
confrontam as forças do capital e do trabalho.
Nesse contexto, o Estado também lida com uma tendência acentuada da socialização da produção, é o chamado trabalho imaterial, virtual,
em que a força de trabalho dispersa (quase sem-matéria); sendo uma de
suas faces e fases.
O ESTADO E O DIREITO
Desde sua primeira fase, a absolutista, o Estado figura como centro
de poder e de controle. Todavia, somente após a Revolução Francesa é que
o Direito passa a influir da condução dos interesses e negócios públicos.
E não por um acaso, a Revolução Francesa representou o conjunto
de acontecimentos que, entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799,
alteraram o quadro político e social da França. Ela começa com a convocação dos Estados Gerais e a Queda da Bastilha e se encerra com o golpe
de Estado do 18 de brumário de Napoleão Bonaparte.
Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e os privilégios do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e
da Independência Americana (1776). Está entre as maiores revoluções da
história da humanidade.
Por isso, a Revolução é considerada como o acontecimento que deu
início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão, os direitos feudais e proclamou os princípios universais de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”
(Liberté, Egalité, Fraternité), frase de autoria de Jean-Jacques Rousseau.8
Nascem as primeiras normas constitucionais com a formação da
Assembleia Nacional Constituinte, que aboliu o regime feudal e aprovou a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits
de l’Homme et du Citoyen), inspirada na Declaração de Independência dos
Estados Unidos, síntese do pensamento iluminista liberal e burguês.
Nesse documento, defendia-se o direito de todos à liberdade, à pro7 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, vol. I e II, 1990, p. 206.
8 WEFFORT, Francisco (Org.). Op. cit., 187.
130 O Ministério Público e o Estado Capitalista
priedade, à igualdade – igualdade jurídica, e não social nem econômica – e
de resistência à opressão. A desigualdade social e de riqueza continuavam
existindo. O nascimento, a tradição e o sangue já não podiam continuar a
serem os únicos critérios utilizados para distinguir socialmente os homens.
Na prática, tais critérios foram substituídos pelo dinheiro e pela propriedade, que, a partir daí, passam a garantir a seus detentores prestígio social.
Não foi só isso. Em agosto de 1790, foi votada a Constituição Civil do
Clero, separando Igreja e Estado. Todavia, para frear o movimento popular,
a Assembleia Nacional Constituinte, através da Lei de Le Chapelier, proibiu
associações e coalizões profissionais (sindicatos), sob pena de morte.
A partir dos conflitos entre o público e o privado, entre indivíduos
e organizações sociais internas, o Estado aparece como a mais sólida organização unitária.
De acordo com Del Vecchio, “nós damos o nome de Estado a um
desses dois entes que atingiu o grau mais elevado de positividade, isto é,
a mais alta e sólida organização unitária”.9
Daí, a relação íntima entre o Estado e o Direito, também é formulada por Del Vecchio ao definir o Estado como o sujeito da vontade que
estabelece ou impõe uma organização jurídica.
Sob a organização do Estado, quer seja “Liberal”, quer seja “de Direito”, a teoria jurídica do contrato particular decorre da teoria do contrato
social, assegurada pelo brocardo latino pacta sunt servanda.
Significa: “os pactos devem ser respeitados” ou mesmo “os acordos
devem ser cumpridos”. O único limite ao pacta sunt servanda é o jus
cogens, do latim para “direito cogente”, que são as normas peremptórias
gerais inderrogáveis pela vontade das partes. Dessas normas cogentes se
vale o Estado. Há aqui uma relação hierárquica (de subordinação) entre o
Estado e o Direito.
Essa constatação fica mais clara nos idos dos séculos XVIII e XIX, a
partir da proclamação positivista: “o Direito legítimo é o Direito que emana
do Estado”.
No século XX e com continuidade no início do século XXI, percebese uma variação nesse modelo da lógica unitária do Estado, em que o
Direito é próprio Estado de Direito.
9 VECCHIO, Giorgio Del. O Estado e suas fontes do Direito. Belo Horizonte: Líder, 2005, p. 19.
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131
O ESTADO MODERNO
Seguindo-se a leitura positivista da política revelada por Bobbio10, o
Estado Moderno é tido como mera forma jurídica, uma vez que, em tese,
todo Estado poderia ser reduzido ao Estado da lei. Nessa visão, o Estado
Moderno não deveria aparentar contradições.
Percebe-se a tentativa de esvaziar os conflitos inerentes à política,
pois o tipo ideal de democracia é aquele que se realiza como ordem jurídica, ou seja, sem política, sem atrito, mas com harmonia e parcimônia.
Por outro lado, a interpretação jurídica baseada nos costumes sofreu
enorme pressão em nome da própria definição legal, isto é, da dogmática,
pois havia necessidade de se subsumirem os costumes feudais no conjunto
da cultura nacional (do Estado-Nação) que se formava como pano de fundo.
Para os defensores do Estado Moderno, a explicação jurídica da política, assim compreendida tanto como o Poder quanto Governo e Nação,
são entendidos apenas a partir da forma-Direito.
Ocorre que, as formulações jurídicas, não conseguiram abstrair os
dilemas trazidos pela política.
Observa Reale que há uma separação clara entre Direito e Política:
Aos estudiosos dos vários ramos do Direito, interessa o poder constituído, exercível na forma da legislação positiva; interessa o poder que
se manifesta como tríplice ou quádrupla função do Estado segundo o
ordenamento jurídico peculiar a cada Estado; interessa o Estado que
juridicamente é, e interessa a soberania como poder exercido segundo
distintas e previstas esferas de competência.11
Surge assim o Estado Moderno como forma jurídica, demonstração
empírica da própria soberania jurídica do Estado.
A esse respeito, Reale:
Cada forma histórica do Estado Moderno é uma pausa no processo
incessante da soberania – que quer dizer das aspirações coletivas –
gravitando constantemente no sentido de uma satisfação cada vez mais
10 BOBBIO, Norberto; NICOLA Matteucci; GIANFRANCO, Pasquino. Dicionário de Política. DF:
Edunb, vol. I e II, 1993.
11 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.137.
132 O Ministério Público e o Estado Capitalista
completa de interesses e aspirações, tendendo indefinidamente a realizar o tipo ideal da Democracia pura que é aquela na qual a sociedade
se realiza como ordem jurídica, com perfeita correspondência entre o
sistema dos processos sociais e o sistema das normas jurídicas, com funcionalidade cada vez mais acentuada entre o poder e a regra jurídica, a
soberania e a positividade do Direito.12
O ESTADO MODERNO E O CAPITALISMO
Na verdade, os dilemas do Estado Moderno foram trazidos pelo
capitalismo, através da forma-dinheiro ou na co-existência do Mercado.
O princípio pacta sunt servanda é uma garantia do capitalismo, pois
essa obrigação de cumprir os contratos acordados; é o que dá segurança
ao capital, nas relações civis, comerciais e internacionais.
Sob a regência do capital, o Estado Moderno deve ainda reconhecer que contrato entre as partes tem efeito erga omnes, ou seja o que foi
estabelecido pelo capital tem força de lei sobre/contra todos e não se fere
a lógica do capital.
A expressão erga omnes, também de origem latina (latim erga, “contra”, e omnes, “todos”), é utilizada principalmente no meio jurídico para
indicar que os efeitos de algum ato ou lei atingem todos os indivíduos de
uma determinada população ou membros de uma organização, para o direito nacional. Enquanto que os atos legislativos (leis, decretos legislativos,
resoluções) têm como regra geral o efeito erga omnes, as decisões judiciais
têm como regra geral apenas o efeito inter partes, ou seja, restrito àqueles
que participaram do respectivo processo judicial.
É o controle jurídico do capital decorrente exatamente do próprio
controle social exercido pelo e sobre o capital, levando a uma certa descaracterização do Direito, que se torna societário.
O Estado Moderno não é só uma superestrutura política representativa do capital. É o eixo, o suporte funcional (político-administrativo), a
força agregadora, a força motriz do capitalismo nascente.
Daí se considerar que o Estado Moderno é verdadeiramente um
tipo de eixo do capital e não só a mera superestrutura, parte integrante da
engrenagem, do metabolismo.
12 Ibidem, p. 138.
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133
Como adverte Mészáros:
Sem a emergência do Estado moderno, o modo espontâneo de controle
“metabólico do capital não pode se transformar num sistema dotado de
microcosmos socioeconômicos claramente identificáveis – produtores e
extratores dinâmicos do trabalho excedente, devidamente integrados e
sustentáveis. Tomadas em separado, as unidades reprodutivas socioeconômicas particulares do capital são não apenas incapazes de coordenação e totalização espontâneas, mas também diametralmente opostas
a elas, se lhes for permitido continuar seu rumo disruptivo, conforme
a determinação estrutural centrífuga de sua natureza. Paradoxalmente,
é esta completa ‘ausência’ ou ‘falta’ de coesão básica dos microcosmos
socioeconômicos constitutivos do capital – devida, acima de tudo, à separação entre o valor de uso e a necessidade humana espontaneamente
manifesta – que faz existir a dimensão política do controle sociometabólico do capital na forma do Estado moderno”.13
O capital, portanto, tem força de aglutinação, de justaposição das
forças econômicas, políticas e jurídicas.
Por isso, nem sempre o Estado Moderno, datado de Hobbes, necessita fazer uso do poder coercitivo e punitivo, pois enquanto se puder
manter tal dinâmica expansionista, não há necessidade do Leviatã.
E conclui Mészáros: “é assim que se redefine de maneira viável o
significado do bellum omnium contra omnes hobbesiano no sistema do
capital, presumindo-se que não haja limites para a expansão global”.14
Desse modo, em plena era de expansão global (aliás, desde as grandes navegações) o Estado Moderno vem se portando como pré-requisito
do capital e não um mero reflexo político e jurídico. É parte integrante,
constitutiva do capital, não mero adereço jurídico-administrativo.
O Estado moderno – na qualidade de sistema de comando político
abrangente do capital – é, ao mesmo tempo, o pré-requisito necessário da
transformação das unidades inicialmente fragmentadas do capital em um
sistema viável, e o quadro geral para a completa articulação e manutenção
deste último como sistema global.
13 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Boitempo Editorial;
Editora da UNICAMP: Campinas, 2002, p. 123.
14 Ibidem, p. 123.
134 O Ministério Público e o Estado Capitalista
Neste sentido fundamental, o Estado – em razão de seu papel constitutivo e permanentemente sustentador – deve ser entendido como parte
integrante da própria base material do capital, pois acaba contribuindo, de
modo significativo, não apenas para a formação e a consolidação de todas
as grandes estruturas reprodutivas da sociedade, mas também para seu
funcionamento ininterrupto.
O capitalista, portanto, tem por meta produzir uma convergência
entre o querer de cada indivíduo ou empresário em potencial e a forma
social depurada de que a lei é um exemplo.
Na verdade, no âmbito mais intenso do capitalismo, há um rígido
controle social e jurídico do capital.
Para Moreira, essa lógica se opera em dois sentidos complementares, assim destacados:
Direito de propriedade, contrato, não são institutos econômicos, mas
sim institutos da ordem jurídica geral da sociedade, não sendo essa por
sua vez mais do que a expressão da ordem natural da sociedade [...]
O contrato de compra de força de trabalho é apenas mais um contrato
entre pessoas livres. As instituições jurídicas que servem a economia
são as instituições que servem em geral a “sociedade civil”.15
Na verdade, desde a formação inicial do chamado Estado Liberal,
como uma segunda fase do Estado Moderno, havia um novo sistema, trazendo uma lógica jurídica diferente, que pauta o Estado Moderno nessa
busca de centralidade, concentração e centralização do poder, a qual serve
imensamente ao desenvolvimento do sistema capitalista de produção.
Essa movimentação histórica da economia vem desde o Estado Hobbesiano, passando pelo liberalismo clássico até o constitucionalismo americano.
O DIREITO E O CAPITALISMO
O Direito é um fenômeno historicamente inevitável e transitório da
sociedade de classes. Ele constituiu um sistema de normas sociais coercitivas que refletem tanto as relações econômicas como outras relações sociais
15 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica no capitalismo. Lisboa: Editorial Caminho, 1987, p. 64.
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de uma dada sociedade. É um sistema de normas criadas e protegidas pelo
poder do Estado da classe dominante, visando à sanção, à regulação e à
consolidação dessas relações e, consequentemente, ao fortalecimento da
dominação de uma classe social determinada.
A relação do Direito com o capitalismo, de certo modo, começa com
o chamado direito burguês, principalmente se relacionado com os modos
de produção anteriores e sua justaposição jurídica, tida como essencialmente capitalista. Na sociedade capitalista, o sistema burguês foi criado e
protegido pelo poder da classe capitalista.
Por isso, interpretentando Marx, o Direito igual continua a ser, aqui,
– por princípio –, o Direito Burguês, ainda que princípio e prática já não
se “agridam mais, agarrando-se pelos cabelos.” Apesar desse progresso,
esse Direito igual continua a estar aprisionado em uma limitaçao burguesa.
Trata-se, portanto, segundo seu conteúdo, “de um Direito da desigualdade,
tal como todo Direito”.16
O Direito burguês, portanto, regula e e consolida as relações capitalistas e a dominação da classe capitalista. Essa é a razão porque o sistema é
burguês.
Conclui-se que Direito burguês é o conjunto de normas que protegem a dominação da classe burguesa, mediante a preservação do sistema
social capitalista.
Para se indentificar se o sistema procura proteger ou fortalecer essa dominação da burguesia, deve-se sempre determinar a qual sistema social esse
Direito fortalece. Por conseguinte, a dominação de classe será por ele tutelada.
Sempre houve um Direito para a classe dominante e, desse modo,
um Direito que se encaixava como processo reprodutor de privilégios sociais, ou seja, para cada nível econômico na escala de produção correspondiam alguns direitos especializados.
Do conflito dos interesses privados ou particulares do cidadão capitalista em potencial nasce um direito societário capaz de absorver a maioria dos impactos sociais e econômicos e tratá-los sob o regime da competição capitalista. Entretanto, a própria lei não deixa de ser ideal, na medida
em que o mais próximo a que se chega da realidade é promovendo a
subsunção do caso concreto.
16 MARX, Karl. Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 3 e 8.
136 O Ministério Público e o Estado Capitalista
Nesse sentido, não há Direito burguês versus outro tipo qualquer
de Direito porque todos os direitos são criados à base desse complexo
que conforma o cidadão capitalista em potencial. Salvo as exceções, a
base social é definitiva e, no caso especial, essa base é intrinsecamente e
explicitamente capitalista.
Essa é a orientação de Del Vecchio:
A ordem não é qualquer coisa de destacado ou de extrínseco; é, sim,
a própria forma da convivência social, o modo de agir próprio dos seres conviventes nas suas relações recíprocas, naquilo que estas têm de
constante e de permanente.17
Assim, a ordem jurídica é natural, inerente ao contexto social, ao
momento histórico, às formações econômicas, à identidade, à cultura e
às estruturas políticas dominadas pelo Estado; é intrínseca à vida social e
econômica.
Note-se que há uma pretensão integral (de controle) e cultural por
parte das classes dominantes no que se refere ao consenso que envolve
o Direito.
Essa explicação é dada por Lyra Filho:
O arcabouço de normas fixa-se nas instituições sociais (armação estabilizada das práticas normatizadas), formando um tipo de organização,
cuja legitimidade é também presumida e que, por isso mesmo, se reserva os instrumentos de controle social, para evitar que a pirâmide se
desconjunte e vá por terra. Estes meios materiais de controle revestem
a ordem com sistemas de crenças (ideologias), consideradas válidas,
úteis e eminentemente saudáveis e que são, por assim dizer, a “alma”
das instituições estabelecidas, isto é, o “espírito” da ordem social, com
a máscara de cultura do “povo”.18
Há uma identidade entre a cultura do poder e os que estão no
poder. Essa relação se acoberta na formação do Estado, na evolução do
capital e na modernização jurídica.
17 VECCHIO, Giorgio Del. Op. cit., p. 49.
18 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 17. ed. 7. reimp. São Paulo: Brasiliense, 2002, p.56-57.
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Buscando no método histórico-crítico e dialético-radical o entendimento acerca da relação Estado/sociedade e Direito/capital, o próprio
Estado tem de pensar/elaborar instituições jurídicas capazes de suportar os
impactos contraditórios havidos entre política e economia, entre o Estado
e o Direito, em toda dinâmica social.
Esse pensamento, fundado em Marx, valoriza argumentação contrária ao dogmatismo positivista:
Essa crítica do direito permite apreender a natureza real do fenômeno
jurídico na circulação mercantil, evitando reduzir o direito, de qualquer
modo, a um conjunto de normas e, ao mesmo tempo, permitindo compreender o momento normativo do direito como uma expressão desse
mesmo processo de trocas de mercadorias”.19
Percebe-se que a lei deve conservar a forma-Estado (coercitiva, repressiva), sob o capital. Seguindo a lógica interna do sistema jurídico, no
capitalismo teremos normas capitalistas. Portanto, o Direito é potencialmente capitalista, assim como a economia e a consciência individual de
cada cidadão ou empresário que se vale, adota ou se submete ao esse
sistema jurídico.
O ESTADO DE DIREITO CAPITALISTA
O Estado Moderno emergiu progressivamente, desde o século XIV,
dominado pela racionalidade burocrática, uma esfera privada sob o domínio dos interesses pessoais, realizando uma estrita separação entre as funções administrativas e políticas, tornando-se autônomo da sociedade civil.
Tradicionalmente, o Estado Moderno tomou duas formas principais:
o Estado Liberal e o Estado Social. O primeiro favorece o desenvolvimento
da economia capitalista; limita a intervenção estatal; legitimidade do uso
da coação jurídica e física; delega funções e não intervém nos campos econômicos e sociais, considerados de caráter puramente privado. O segundo
reduz a solidariedade tradicional; intervém e regula a sociedade; atua nos
setores econômico e social nacional; passa a ter função reguladora.
19 NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000, p. 20.
138 O Ministério Público e o Estado Capitalista
No Estado Moderno está a raiz histórica do capital e da estrutura
política, funcional e administrativa. De acordo com as concepções organicistas da política ou do funcionalismo, o Estado nos remete ao Direito e à
sociedade.
Nesse cenário, cabe ao Direito disciplinar e regular os deveres e os
direitos do Estado em relação à sociedade, a qual se relaciona diretamente
com o capital.
Em virtude das transições econômicas, sociais e políticas que provocaram a desregulamentação do Mercado, o capitalismo vem se fortalecendo ainda mais na guerra ideológica contra o socialismo.
No sistema econômico mundial, os países em desenvolvimento passaram, cada vez mais, a serem dependentes dos grandes impérios capitalistas.
Essa dependência faz com que o Estado, Liberal ou Social, não
apenas perca a soberania, mas o controle de regular a sociedade civil,
tornando-se impotente, a partir da diminuição de seus poderes de coação.
Diante da incapacidade de regulação social, o Estado se encontra
em uma crise de legitimidade e nessa forma política e jurídica, em que
estão relacionados Direito e economia.
Concebe-se o Estado de Direito Capitalista, caracterizado pela concentração de poder, na centralização da produção e do controle social e através
do Direito formula e opera a própria democracia representativa capitalista.
Nem por isso, o Estado de Direito Capitalista produz leis de caráter
autoritário ou voltadas simplesmente ao desenvolvimento de desigualdades e de acumulação de capital. Ao contrário, o processo legislativo depura o individualismo exacerbado, pois a lei terá de demonstrar um mínimo
de sensibilidade social, pois de acordo com o mote capitalista, as leis
deverão ser gerais porque, mesmo inicialmente individualistas, deverão
satisfazer a todos.
Seu processo ideológico e jurídico, portanto, é capaz de converter
desejos individuais e coletivos em determinações de grande relevância
social, mas sem trair a essencial preservação do mesmo sistema capitalista
que a originou.
Isso porque, no âmbito das leis capitalistas, a contradição está em
que teríamos uma alteridade capitalista em confronto com indivíduos
igualmente capitalistas, isto é, egoístas e independentemente se são todos
capitalistas (virtualmente) ou se já atuam em sua forma mais típica de empresários potenciais.
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De todo modo, sob o capital, o Estado de Direito – especialmente
aquele que se formava ao longo do século XIX, e que recebia as críticas
de Marx, é implicativo, mas, sobretudo receptivo, de certo modo complacente, benevolente em relação à dinâmica que se interpunha pelo capital
à mesma época.
A propósito, essa seria a crítica de Marx, no conhecido Prefácio à
Contribuição à Crítica da Economia Política:
[...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações
de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de
produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta
sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual
correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de
produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que
determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a
sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de
produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então.20
O Estado (Direito) e a Economia (Capital), nas origens do Estado
Moderno, têm uma relação complementar, determinada, necessária, independente, mas contraditória, oposta, negativa, excludente.
O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NO ESTADO DE DIREITO CAPITALISTA
Considerando todo o exposto, uma pergunta dever ser lançada: qual
seria o papel do Ministério Público, no Estado Capitalista? Deveria se dedicar a cumprir a lei ou ir além?
Se observada à orientação de Del Vecchio:
20 MARX, Karl. Op. cit., p. 5.
140 O Ministério Público e o Estado Capitalista
A lei, por si, pode apenas, e sempre sob a condição de se apoiar na
vontade social preponderante, estabelecer essa limitação, por assim dizer, negativa: que se não façam vigorar normas incompatíveis com as
suas, derivadas de outras fontes, de tal maneira que fiquem sempre
salvas a coerência e a unidade orgânica do sistema.21
Mostra-se conveniente e oportuno que o Ministério Público brasileiro busque, diante do Estado de Democrático de Direito, no qual prepondera e prevalece os interesses capitalistas, a intransigente defesa pelos
direitos sociais, visando o equilíbrio dos direitos entre o empresário e o
trabalhador, entre o Mercado e a Sociedade.
Segundo ensinamentos de Silva, os direitos sociais são:
são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitem melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a
igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se
ligam ao direito da igualdade.22
Os direitos sociais, em regra, estão dispostos na Constituição, por
isso são detentores de conteúdo mínimo essencial, que não pode ser violado pelo legislador ou pelas autoridades políticas.
Esses direitos não podem ser confundidos com os individuais e os
políticos, pois além estarem previstos em ‘legislação social’, assim compreendida como sendo o conjunto de normas emanadas do Estado que
disciplinam as relações das classes trabalhadoras, são considerados como
direitos às prestações de bens e serviços, frente ao Estado, tendentes a
satisfazer as necessidades básicas que permitam aos indivíduos desenvolverem seus próprios atos e objetivos de vida.
Tais direitos, portanto, devem assegurar o acesso aos bens materiais
e imateriais necessários para o desenvolvimento de uma vida com dignidade. Essa ideia está intimamente relacionada a um modelo de sociedade
surgida no Estado do Bem Estar Social, no qual o trabalho é fator de integração social e redistribuição das riquezas.
21 VECCHIO, Giorgio Del. Op. cit., p. 56.
22 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 253.
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Para explicar essa acepção, Delgado sintetiza que o Estado do Bem
Estar Social, pela sua variada fórmula de gestão pública e social, afirma
valores, princípios e práticas consideradas fundamentais, tais como a democracia, a valorização do trabalho e do emprego, a justiça social e bemestar.23 O ilustre professor e ministro do TST reconhece que, na sociedade
capitalista, o trabalho e o emprego significa garantir-se poder a quem originariamente é destituído de riqueza; consiste em fórmula eficaz de distribuição de renda e poder na desigual sociedade capitalista.
A proteção jurídica dos direitos sociais, compreendida como instrumentos que concretizam uma ação devida ou a suspensão de outra indevida,
de modo a dar efetividade aos direitos sociais, pressupõe a quebra de paradigmas e o enfrentamento às resistências impostas pelo poder econômico.
É preciso, inicialmente, superar posições ideológicas e acadêmicas
segundo as quais os direitos sociais são considerados tipicamente programáticos, dirigidos a motivar a ação dos Poderes Públicos, não podendo,
por isso, ser objeto de aplicação pelos juízes, enquanto pendentes de regulamentação infraconstitucional.
Merece destaque a advertência de Caplan:
as normas por si só não garantem efetividade, eis que demandam condições concretas para tanto. Ademais, existem construções teóricas conservadoras de forte viés liberal que imprimem à leitura das normas
garantidoras dos direitos sociais uma ideologia impeditiva de uma hermenêutica assecuratória de sua efetividade. Há, no entanto, um espaço
emancipador na aplicação da norma constitucional de proteção aos
direitos sociais. A superação das armadilhas ideológicas pode permitir
o uso deste espaço emancipador.24
A ideia de que os direitos sociais apresentam apenas programas,
que merecem atenção no plano político deve ser rechaçada.
Há que se possibilitar a busca de sua implementação também pela
atuação do Judiciário, transformando a Constituição em um comando normativo de proteção social.
23 DELGADO. Mauricio Godinho. O Estado do Bem Estar Social no Capitalismo Contemporâneo.
Revista LTr 71-10/1160, São Paulo, 2007.
24 CAPLAN, Luciana. Direitos Sociais da Constituição Cidadã e as Armadilhas Ideológicas que
levam à sua Inefetividade: uma leitura a partir da Teoria Crítica. In: Direitos Sociais na Constituição de 1988: Uma análise crítica vinte anos depois. São Paulo: LTr, 2008, p. 298.
142 O Ministério Público e o Estado Capitalista
O segundo ato é superar o impasse político sobre o alcance das
normas que tratam dos direitos sociais. É preciso adotar interpretação mais
ampla e integrativa em favor do titular do direito, valendo-se do princípio
“pro homine”, que se encontra previsto no art. 29 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos. Em outras palavras, todas as vezes que houver a
necessidade de ponderar normas distintas que disciplinam direitos sociais,
devem ser aplicadas àquelas que apresentam conteúdo e maior extensão.
No Brasil, um dos principais obstáculos para a promoção das garantias fundamentais é a ausência de regulamentação. Inúmeros dispositivos
constitucionais não são aplicados em virtude da omissão legislativa.
Ao adotar essa forma hermenêutica, torna-se juridicamente possível
definir quem são os titulares do direito social, os órgãos e agentes públicos
obrigados a cumprir e, principalmente, as ferramentas que podem ser utilizadas para a efetividade e concretude dos direitos sociais.
Anote-se que o Tribunal Superior do Trabalho editou os Enunciados
que procuram trazer uma nova visão para que a efetividade dos direitos
sociais seja alcançada, “sic”:
Enunciado 01: Direitos Fundamentais. Interpretação e aplicação:
Os direitos fundamentais devem ser interpretados e aplicados de maneira a preservar a integridade sistêmica da Constituição, a estabilizar as
relações sociais e, acima de tudo, a oferecer a devida tutela ao titular do
direito fundamental. No Direito do Trabalho, deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana.
Enunciado 02: Direitos fundamentais. Força normativa. I. art. 7º,
inc. I, da Constituição da República. Eficácia Plena. Força Normativa da
Constituição. Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais e Dever de
Proteção:
A omissão legislativa impõe a atuação do Poder Judiciário na efetivação
da norma constitucional, garantindo aos trabalhadores a efetiva proteção contra a dispensa arbitrária. II. DISPENSA ABUSIVA DO EMPREGADO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. NULIDADE. Ainda que o empregado não seja estável, deve ser declarada abusiva e, portanto, nula a
sua dispensa quando implique a violação de algum direito fundamental,
devendo ser assegurada prioritariamente a reintegração do trabalhador.
Marcos Henrique Machado
143
III. LESÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. ÔNUS DA PROVA. Quando
há alegação de que ato ou prática empresarial disfarça uma conduta
lesiva a direitos fundamentais ou a princípios constitucionais, incumbe
ao empregador o ônus de provar que agiu sob motivação lícita.
O terceiro passo é utilizar as ferramentas colocadas à disposição
do Ministério Público, que permitem assegurar a efetividade dos direitos
sociais, planejando e avaliando os potenciais alcances de sua proteção.
É nesse contexto que o Ministério Público exerceria seu papel, a
meu ver o principal dentre suas incumbências sociais.
CONCLUSÕES
Segundo Diamond, as sociedades humanas podem tomar decisões
desastrosas pela incapacidade: 1) de prever um problema; b) de percebêlo assim que o problema se manifesta; III) de tentar resolvê-lo após ter
sido identificado; IV) de ser bem sucedido nas tentativas de solucioná-lo.25
Realmente, o segredo do sucesso ou do fracasso de uma sociedade
está em saber em quais valores fundamentais se apegar e quais substituir
por novos.
A alteridade aponta para o outro, mas o sistema jurídico capitalista
fecha o cerco em torno do si.
Essa é a lógica racional do capitalismo, onde não é difícil perceber
que evolução jurídica tem como fontes o egoísmo e o individualismo.
No Estado Moderno Capitalista, o Direito nem sempre expressa a vontade do Estado, pois o capitalismo busca assegurar o que se deseja no sistema.
É nítida a tentativa de submeter à forma-capital a forma-direito, de
subsumir o econômico ao jurídico.
De certo modo, o homem egoísta é o homem capitalista que nasceu
com as revoluções liberais. Hobbes nada mais viu e descreveu do que o
capitalismo nascente.
Indubitavelmente, mesmo o mais puro Estado de Direito Capitalista
terá uma função mediadora entre os quereres, os interesses e os direitos
privados.
Insere-se exatamente aí o Ministério Público brasileiro.
25 DIAMOND, Jared. Colapso – Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. São Paulo:
RCB, 2005.
144 O Ministério Público e o Estado Capitalista
Frise-se que o Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma
do Judiciário, produziu um Diagnóstico do Ministério Público dos Estados,
e publicou as seguintes conclusões:
– que o Ministério Público precisa priorizar sua atuação como agente
promovendo inclusão e transformação social e abandonando atividades
tradicionais;
– que o Ministério Público deve ser o braço da inclusão do cidadão,
atender mais ao público e buscar seu esforço diante do Poder Judiciário, moroso e lucrativo;
– que o Ministério Público precisa urgentemente capacitar seus promotores e procuradores de Justiça em gestão, pois como agentes políticos,
seu papel não se resume a atuar apenas nos processos, mas sim, e principalmente, na efetivação dos direitos sociais e individuais garantidos
na Constituição, prevenindo a ocorrência de suas violações;
– que o membro do Ministério Público tem que saber diagnosticar, planejar, escolher estratégicas, estipular metas e, então, agir para controle
e avaliação dos resultados;
– é imprescindível a integração informatizada como os demais órgãos
públicos nas três esferas de Governo (federal, estadual e municipal),
para aperfeiçoamento e agilização das funções, para se ter acesso à
informações, de fundamental importância à atuação ministerial.26
De positivo, descobriu-se nessa pesquisa que sociedade afastou
definitivamente a figura estereotipada do membro ou representante do
Ministério Público como sendo um acusador implacável, quase sempre
antipático e maldoso que queira condenar um inocente. Hoje, a sociedade
o acolhe com respeito e esperança.
Noutra quadra, tanto a Constituição Federal como a legislação infraconstitucional propicia ao Ministério Público se converter numa instituição
fundamental no Estado Capitalista, cabendo papel relevante na defesa dos
direitos sociais, na construção funcional de políticas públicas voltadas para
o cidadão, como agente de inclusão social.
O Ministério Público é a única instituição do mundo que pode ser
representada por um homem só, pois cada um de seus membros o representa individualmente, podendo mediar e ajustar conflitos, articular medidas corretivas ou com efeito prático, e promover ações civis públicas.
26 Ministério Público dos Estados, 2006, p.115.
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Talvez, a melhor forma de proteção aos direitos sociais seria identificar os interesses econômicos que movem ou motivam as decisões políticas, extraindo daí o lado a ser defendido no Estado Capitalista.
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