João Mira Gomes Secretário de Estado da Defesa e dos Assuntos do Mar Visão portuguesa 45 Portugal diferencia-se dos restantes países europeus pela sua posição geográfica. Ao tempo dos séculos o mar afirmou-se como uma “imagem de marca” do nosso país que, agora, convém adaptar às novas realidades e desafios, conscientes que o mar deve ser valorizado como factor de centralidade europeia. Neste contexto, o Governo definiu e aprovou, no passado 16 de Novembro, data em que se comemora o Dia Nacional do Mar, uma Estratégia Nacional para o Mar, dotando, assim, pela primeira vez, o país com um instrumento articulado, de coordenação e de acção. A estratégia assenta em três pilares, como factores críticos de sucesso, a saber: i) o Conhecimento; ii) o Planeamento e o Ordenamento Espaciais e, iii) a Promoção e a Defesa Activas dos Interesses Nacionais. Para a implementação da Estratégia são identificadas, ainda, três acções prioritárias com destaque para a criação de uma Comissão de Coordenação Interministerial. Com esta iniciativa, agora lançada pelo Governo, pretende-se transformar o mar numa plataforma de afirmação de Portugal, aproveitando, para o efeito, as oportunidades que surjam durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, no segundo semestre de 2007, e com a aposta estratégica que está subjacente à futura Política Marítima Europeia. 46 Portugal differs from the other European countries due to its geographic position. Over the centuries the sea has come to be a “brand image” of our country which, we should now adapt to our new situations and challenges, aware that the sea should be valued as a factor of European centrality. Within this context, on 16th November last, the date on which the National Day of the Sea was commemorated, the Government defined and approved a National Strategy for the Sea, thereby equipping the country for the first time with an articulated instrument of coordination and action. The strategy is based on three 3 factors which can be considered critical success factors, specifically: i) Knowledge; ii) Territorial Planning and Organisation and iii) the Active Promotion and Defence of National Interests. Three priority actions have also been identified for the implementation of the Strategy with emphasis on the creation of an Inter-ministerial Coordination Commission. With this initiative, now launched by the Government, the intention is to transform the sea into a platform for the affirmation of Portugal, taking advantage of the opportunities which arise with the exercise of the Portuguese Presidency of the European Union, in the second semester of 2007 for this purpose, and with the strategic commitment which underlies the future European Maritime Policy. 1. Introdução Os oceanos sustentaram, durante vários séculos, um determinado projecto de Portugal. Foram os oceanos que, no passado, determinaram o género de vida nacional e que projectaram o país no sistema internacional. Terminado o “ciclo do império”, Portugal iniciou uma outra fase do seu percurso histórico, marcada pela adesão à Europa Comunitária. Mas a opção europeia não implica, antes pelo contrário, a secundarização das realidades geopolíticas e geoestratégicas ligadas aos oceanos. A geopolítica, segundo determinados autores, trata da influência que a geografia tem nos acontecimentos e nas opções políticas tomadas. No nosso caso, têm especial valor as que estão relacionadas com o meio marítimo, dada a situação geográfica de Portugal entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Este posicionamento exige uma verdadeira e profunda análise geopolítica sobre o papel do mar na vida colectiva nacional. No momento presente, a UE está empenhada num amplo processo de alargamento para Leste, que coloca a Portugal um enorme desafio. Para o vencer deveremos integrar os oceanos no núcleo dos factores determinantes da política nacional, de forma a que a diferenciação e a eficácia nacionais daí resultantes proporcionem vantagem competitiva ao País. É indispensável promover o conceito estratégico dos oceanos, como força mobilizadora de vocações, aglutinadora de vontades e catalisadora de iniciativas. Torna-se essencial identificar os objectivos marítimos nacionais e edificar, articular e empregar as capacidades materiais e humanas do País nas acções necessárias à sua concretização. Não menos importante é o facto do conceito estratégico dos oceanos ser determinante para se desenvolver uma visão integrada do valor do mar ao mais alto nível decisório do Estado. Por isso, o conceito estratégico dos oceanos surge como uma ferramenta essencial para estabelecer os processos formais destinados a agregar, a ordenar e a contextualizar de forma harmoniosa as diferentes perspectivas sectoriais. Resulta claro que a promoção do conceito estratégico dos oceanos, implica o contributo activo de todos os quadrantes da sociedade portuguesa. E, é neste enquadramento, que Portugal lançou a Estratégia Nacional para o Mar que consubstancia a visão portuguesa, incluindo as respectivas perspectivas geopolíticas e geoestratégicas, sobre a política marítima europeia. 2. O mar como factor de centralidade europeia Portugal diferencia-se dos restantes países europeus pela sua posição geográfica. A enorme massa continental da Eurásia abre-se ao oceano Atlântico através de Portugal e constitui a sua fachada, em posição dominante sobre as rotas marítimas que a contornam e que lhe são indispensáveis para o seu desenvolvimento e bem-estar. Portugal, possuidor de uma ampla zona marítima e de um espaço económico de dimensão abrangente, tem uma antiga e conhecida “imagem de marca” relacionada com os mares. Após a Guerra Fria e com a criação e o aprofundamento da União Europeia, as questões marítimas, não deixando de ser prioritárias para a Europa, porque continuavam a ser essenciais para o seu progresso, deixaram de merecer a importância que até aí tinham tido no debate e na discussão das agendas políticas. E isso aconteceu porque a Europa se abriu a Leste e reintegrou, nas suas concepções geopolíticas, países continentais que haviam permanecido, por meio século, fora da sua órbita de valores e de políticas, reatando laços históricos e fazendo as pazes com o passado. No entanto, concretizados esses passos, os novos desafios exigem o reequacionamento da questão marítima e o seu reagendamento urgente na política europeia. Só será possível entender uma Europa equilibrada, desenvolvida e sustentada se os assuntos do mar estiverem plenamente integrados e assumidos. A centralidade continental que resultou do último alargamento da UE deverá ser equilibrada através da valorização do espaço marítimo europeu e da vantagem competitiva que a Europa tem, nesta matéria, em termos mundiais. Existe a consciência de que, num mundo globalizado, se começa a vivenciar um período marcado pela escassez de recursos, no qual a questão energética assume especial importância, e também pela existência de múltiplos problemas para os quais as respostas tradicionais não 47 parecem adequadas. O desenvolvimento sustentado que, entre outros, engloba o equilíbrio ambiental, o controlo demográfico e as migrações, a segurança das populações e a capacidade de gerar e renovar recursos, obriga a possuir uma visão holística que inevitavelmente passa pela inclusão da realidade marítima. Os mares, conhecidos numa infinitésima parte do seu potencial, possuem recursos quase inesgotáveis que, se explorados racionalmente, poderão ajudar a humanidade a resolver os problemas que incipientemente se manifestam e que se avolumarão de forma exponencial dentro de pouco tempo. É neste potencial que o nosso país se pode, de novo, afirmar. O mar pode ser para Portugal no século XXI o que já foi na sua afirmação passada nos séculos XV e XVI. A posição continental privilegiada, os arquipélagos estrategicamente situados no meio do Atlântico e na entrada do Mediterrâneo, a extensão da nossa plataforma continental, cujos estudos para ampliação se estão a desenvolver, constituem uma mais-valia segura. 48 3. A estratégia nacional para o mar A adopção de uma política integrada e abrangente na governação dos assuntos do mar, alicerçada numa estratégia transversal e multidisciplinar, é claramente um desígnio nacional. Neste sentido, o objectivo central a atingir com a Estratégia Nacional para o Mar é o de aproveitar melhor os recursos do oceano e zonas costeiras, promovendo o desenvolvimento económico e social de forma sustentável e respeitadora do ambiente. Para isso, torna-se necessário promover acções que conjuguem a valorização e o crescimento das actividades económicas, o emprego e a coesão social, a salvaguarda do património natural e cultural subaquático e a manutenção de condições ambientais adequadas para as gerações vindouras, promovendo assim os objectivos fixados nos Conselhos Europeus de Lisboa, Gotemburgo e Haia. A Estratégia Nacional para o Mar é o fruto de uma consulta alargada junto de entidades públicas e privadas, de agentes económicos e de organizações não-governamentais, da comuni- dade científica e de individualidades de relevo ligadas aos assuntos do mar. Adicionalmente, foram também tidos em consideração outros trabalhos de referência a nível nacional e internacional, como sejam, o Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, publicado em 2004, e o Livro Verde da Futura Política Marítima Europeia, recentemente adoptado pela Comissão Europeia, e que se encontra em consulta pública até Junho de 2007. Esta Estratégia para o Mar deve ser entendida como um Projecto Nacional que se enquadra e articula com as restantes estratégias, políticas e programas nacionais, nomeadamente a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, a Estratégia de Lisboa e o Plano Tecnológico1. Ao definir, pela primeira vez, uma Estratégia Nacional para o Mar, alicerçada numa abordagem integrada das várias políticas nacionais, o Governo cria os mecanismos necessários para o aproveitamento sustentável do mar, em benefício das populações, e para a sua adequada protecção. Portugal tem feito um trabalho importante nos assuntos do mar, designadamente com a publicação do já referido Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, onde foi feito um levantamento exaustivo da situação existente em Portugal no que respeita às actividades ligadas ao mar, analisando as situações dos recursos e dos vários sectores e apontando um conjunto de recomendações e propostas com vista ao aproveitamento das oportunidades identificadas, nomeadamente nas áreas da aquicultura, da indústria transformadora de pescado, do desenvolvimento dos portos, da construção e reparação naval, da qualificação do turismo e do desenvolvimento da náutica de recreio, da tecnologia e da energia renováveis, da cultura, da diplomacia, da defesa nacional, do ambiente, da ciência e da governação do Oceano. E é dando sequência a este trabalho que a Estratégia Nacional para o Mar vem definir e promover acções e medidas prioritárias a implementar. Mas para que a Estratégia Nacional para o Mar seja efectiva, torna-se agora necessário efectuar uma análise global e intersectorial que permita promover objectivos comuns e encontrar formas efectivas de coordenação e articulação dos assuntos marcadamente transversais, bem como analisar e promover a resolução de potenciais conflitos decorrentes da aplicação de medidas estritamente sectoriais. A Estratégia Nacional para o Mar assenta em três pilares estratégicos: a) O Conhecimento; b) O Planeamento e o Ordenamento Espaciais; c) A Promoção e a Defesa Activas dos Interesses Nacionais. Estes são os factores críticos de sucesso, ou seja, aquilo que se torna indispensável assegurar para valorizar definitivamente a importância do mar como elemento diferenciador, projectando-o no futuro como um dos principais motores de desenvolvimento do País. No que concerne ao Conhecimento, torna-se necessário apostar de forma coerente e sustentada na investigação científica e no desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas ao oceano, assim como apostar na formação, na educação, na sensibilização e na difusão da informação das actividades relacionadas com o mar, para assim se melhorar a credibilidade e a dinamização do investimento, público e privado. O Planeamento e o Ordenamento Espaciais são as ferramentas indispensáveis para assegurar uma visão de conjunto assente nos princípios do desenvolvimento sustentável, da precaução e da abordagem ecossistémica, através do levantamento e ordenamento de todas as utilizações existentes e futuras, permitindo dar suporte a uma gestão verdadeiramente integrada, progressiva e adaptativa do oceano e da zona costeira e do desenvolvimento das actividades associadas. A Promoção e a Defesa Activas dos Interesses Nacionais conseguem-se através da participação, cooperação e contribuição pró-activas nos diversos fora internacionais. Estas acções têm de ser coordenadas a nível nacional, nas suas vertentes diplomática, política, económica, social, ambiental, científica, tecnológica, de defesa nacional e segurança, reforçando a imagem, a soberania e a identidade nacionais. A Estratégia Nacional para o Mar identifica, ainda, três acções prioritárias no curto prazo: a) Criar uma Comissão de Coordenação Interministerial para a implementação da Estratégia Nacional para o Mar. Esta Comissão será composta por todos os ministérios com competências nesta área e pelas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, com uma estrutura flexível, e com um mandato que lhe permita responder às solicitações decorrentes da aplicação da presente estratégia. A articulação intergovernamental dos assuntos do mar será, desta forma, garantida de modo permanente. b) Melhorar a articulação e coordenação das posições nacionais relativas aos assuntos do mar nos diversos fora internacionais. É fundamental que Portugal se afirme como um país que defende de forma coerente os seus interesses e que assume a liderança dos dossiers internacionais no que respeita aos assuntos do mar. c) Acompanhar e fomentar a discussão pública sobre o Livro Verde da Política Marítima Europeia. É fundamental que Portugal se mobilize de forma a garantir que se mantém na vanguarda da nova abordagem aos assuntos do mar a nível europeu, através de uma participação esclarecida, eficaz e abrangente. Por outro lado, a Estratégia Nacional para o Mar enumera oito acções estratégicas transversais que contribuem para a criação de condições favoráveis para o aproveitamento do mar de forma sustentável: a) Sensibilização e mobilização da sociedade para a importância do mar; b) Divulgação nas escolas das actividades ligadas ao mar; c) Definição de Portugal como um centro de excelência de investigação das ciências do mar da Europa; d) Ordenamento e planeamento espacial do espaço oceânico e das zonas costeiras; e) Protecção do valioso património natural marinho de Portugal; f) Disseminação de informação credível e actualizada que possa ser colocada ao serviço do desenvolvimento económico e social do País; g) Promoção de condições para a instalação no nosso país de indústrias e actividades relacionadas com o meio marítimo apostando no seu potencial económico e tecnológico; h) Instalação de um eficiente sistema integrado de vigilância, segurança e defesa nacional. 49 4. O mar como plataforma de afirmação de Portugal Com a Estratégia Nacional para o Mar pretende-se transformar o mar numa plataforma de afirmação de Portugal. Convém, no entanto, tornar bem claro que esta estratégia só poderá alcançar os seus objectivos se o mar for considerado por todos como um verdadeiro projecto nacional, envolvendo as entidades públicas e privadas ligadas ao mar, bem como a sociedade civil. Uma nota final para registar a coincidência do fim do período de discussão do Livro Verde da Futura Política Marítima Europeia com o início da Presidência Portuguesa da União Europeia no segundo semestre de 2007. Este facto, aliado à centralidade e à dimensão atlântica dos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, reforça o papel-chave que Portugal deverá desempenhar nos “Assuntos do Mar” no quadro da União Europeia, das relações transatlânticas, e como elemento de ligação privilegiada à Comunidade de Países de Língua Portuguesa. 50 1 Foram referidos apenas três; mas outros existem, designadamente a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, a Estratégia de Gestão Integrada da Zona Costeira, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira, as “Orientações Estratégicas para o Sector Marítimo-Portuário”, o Plano Estratégico Nacional de Turismo, a Estratégia Nacional para a Energia, o Programa Nacional de Desporto para Todos e o Plano Estratégico Nacional para as Pescas.