Jornal do Serviço Educativo Abril A junho 2011 | NUMERO 17 Coordenação Elisabete Paiva Edição Inês Mendes Produção Gráfica Paulo Covas Comunicação Marta Ferreira Design Atelier Martino&Jaña Textos de Catarina Requeijo Cláudia Nóvoa Filipa Francisco João Sousa Cardoso Laboratório B Manuela Pedroso NE 25A Conceição Gonçalves Isabel Fonseca Distribuição Andreia Novais Carlos Rego Catarina Pereira Hugo Dias Pedro Silva Sofia Leite Susana Pinheiro PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL servicoeducativo@ aoficina.pt ISSN 1646-5652 Tiragem 3000 exemplares (…) as transformações são o nosso pão quotidiano que nos falta. Maria Gabriela Llansol, in Um Falcão no Punho JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO A MONTANTE Toda a EDITORIAL criação é local Como indivíduos, cada um de nós emerge num determinado lugar e, ao longo da vida, constitui-se na relação com o lugar que habita num processo de re-figuração – não existimos à margem das formas e das fantasmagorias que nos rodeiam, senão através delas, com elas, contra elas. João Sousa Cardoso pág.04 A MONTANTE A arte dos afectos Filipa Francisco pág.05 Face ao corpo, o lugar mais pequeno onde habitamos, confrontamo-nos amiúde com a inverdade e inutilidade daquilo que sabemos. Mormente ensinados a acumular conhecimentos e competências para aplicar ao longo de um percurso que se deve fazer evoluindo positivamente, perdemos o pé face à vanidade de tal somatório quando: O corpo não é capaz de agir. O corpo não é funcional. O corpo age espontaneamente e contra a consciência. O corpo funciona à revelia das nossas fantasias. Do mesmo modo, as transformações em nós e por nós operadas não são todas voluntárias; não somos e não agimos apenas pelas razões que elegemos, senão também por transpirações, ora subtis ora violentas, ora concretas ora abstractas, entre nós e o que nos envolve. Por isso é necessário o permanente exercício da atenção, seja para assumirmos a nossa ignorância e insuficiência, seja para sermos capazes de traduzir em acções aquilo que intuímos, sentimos ou sabemos. Para fazermos enfim parte de um corpo maior, seja obra, geração, cidade ou país. Elisabete Paiva PISTAS PISTAS Planalto– diálogo de Dança Manuela Pedroso pág.03 Era uma vez um novelo…ou de como tricotar um espectáculo amarelo Catarina Requeijo pág.02 2 | LURA PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS Era uma vez um novelo… ou de como tricotar um espectáculo amarelo Catarina Requeijo * …a diferença mais marcante nesta criação foi o ponto de partida. Até hoje, parti sempre de um texto. (…) Desta vez, foi uma cor. Só! Já trabalho em teatro há algum tempo, sobretudo como actriz. Como encenadora é a minha segunda experiência. Contudo, a criação do Amarelo foi uma experiência nova em vários aspectos: foi a primeira vez que me “dirigi” a mim própria, num processo algo esquizofrénico. Eu, encenadora, tive de enfrentar as crises tão típicas dos actores que resistem em mudar algumas coisas. E eu, actriz, tive que enfrentar uma encenadora com vontade de pôr em causa, riscar, voltar atrás, refazer. Conseguimos, apesar de tudo, uma convivência saudável, resultado também da existência de uma equipa de outros criadores. Não sendo muitos, somos um emaranhado de ideias e personalidades muito diversas, um arcoíris de amarelos. Mas a diferença mais marcante nesta criação foi o ponto de partida. Até hoje, parti sempre de um texto. Mesmo que nalguns casos tenha sido eu a escrevê-lo ou a alinhavá-lo, o meu tapete foi sempre a palavra. Desta vez, foi uma cor. Só! Quando começámos os ensaios, tínhamos somente um novelo de ideias amarelas, coleccionadas durante algum tempo e oriundas das mais diversas proveniências: fotografias, objectos, músicas, obras de arte, histórias, sinais de trânsito… Tudo em amarelo! E como o ponto de partida foi um novelo, todo o processo foi muito semelhante a tricotar uma camisola. A etapa mais difícil foi sem dúvida encontrar “a ponta de parti- da”. Demorou algum tempo, num processo de tentativa e erro. O fio que foi saindo indicou-nos caminhos e direcções que decidimos seguir. Depois, foi a decisão das “agulhas” com que iríamos tricotar o fio, que nos dariam a escala do espectáculo. Por vezes, no meio do novelo, encontrávamos nós, mais ou menos apertados. Ficávamos uns dias a desatá-los e seguíamos caminho. Mas o pior mesmo, foram os momentos em que, estando a tricotar, descobríamos que havia um “gato” lá atrás, um erro que nos obrigava a ter a coragem de desmanchar o que já estava feito. Fomos nesse trabalho verdadeiras Penélopes, a tecer e “destecer”. Agora, a camisola está quase pronta, faltam só alguns remates e coser as várias partes. Só vamos prová-la no dia 18 de Março, no Teatro Maria Matos. Esperemos que “assente bem” a quem gosta do amarelo e a quem não gosta, aos que vêem bem as cores e mesmo aos daltónicos. * Actriz, encenadora e formadora Direitos Reservados 3 | LURA PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS Planalto – diálogo de Dança O corpo que viu ou vai ver, ouviu ou vai ouvir, sentiu ou vai sentir, pensa e absorve a Dança, passa a habitar o espaço e a pele de intérprete de um novo espectáculo. Manuela Pedroso * Planalto é um espectáculo de dança e vídeo que junta em palco o corpo de uma bailarina e o corpo de imagens de vídeo, filmadas durante o processo de criação. Surge de um pressuposto de fusão entre os artistas e os lugares por onde passam; o corpo, a imagem e o som, a memória de tudo o que se viveu e o que acontece a cada instante escrevem-se na história e no resultado deste espectáculo. Estabelece-se uma rede de cruzamentos e troca entre comunidades diferentes, os lugares que habitam, o processo de criação coreográfica e os artistas nele envolvidos. Esta rede de cruzamentos afirma-se também como um espaço de comunicação, de estabelecimento de diálogos e transacção de informação das comunidades para os artistas; dos artistas para a criação e da criação, num retorno, para as comunidades, deixando-se marcas profundas nas pessoas que cultivaram e alimentaram este processo desde o inicio. Cultura enquanto arte, enquanto cultivo, produção, aplicação de espírito e saber. O projecto de criação envolveu oficinas de recolha, residências artísticas, ensaios, espectáculo e, na fase de circulação, oficinas com o público do espectáculo e uma oficina de construção coreográfica: Planalto - Diálogo de Dança. Nesta oficina de experimentação artística convidam-se os espectadores de todas as idades, a descobrirem, vivenciarem e interpretarem os processos, métodos e pressupostos da criação artística a que assistiram ou que irão assistir. O corpo que viu ou vai ver, ouviu ou vai ouvir, sentiu ou vai sentir, pensa e absorve a Dança, passa a habitar o espaço e a pele de intérprete de um novo espectáculo. O corpo/espectador transforma-se num corpo/performer, modificando os estímulos, as ideias e as informações que estruturam o espectáculo Planalto. O corpo/performer reorganiza, recria, experimenta, selecciona e mostra a sua Dança. Esta Oficina que se afirma como uma terceira fase, em união com o espectáculo Planalto, é um espaço de possibilidades, de partilha e revelação. E assim se fecha um ciclo: semeia-se, cultiva-se, colhe-se e volta-se a plantar. * Actriz, encenadora e formadora Direitos Reservados 4 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS Toda a criação é local João Sousa Cardoso * Em véspera de nova Capital Europeia da Cultura em terras portuguesas, é-me pedido um breve texto sobre « a inscrição cultural e social do acto de criação » para a Lura, publicação vimaranense que conheço desde o primeiro número e acompanho com interesse. Parece ser um tema complexo e talvez seja. Pessoalmente, parece-me uma questão quase de óbvia resposta: todo o trabalho de criação nasce de uma relação atenta com a realidade imediata. Basta revermos a história da arte e isso salta à vista: o drapejamento das túnicas, ora coladas ora libertas dos corpos, descrito num baixo relevo de Fídias interpreta a trivialidade do movimento ondulatório das vestes leves num país quente e marítimo; a janela aberta sobre o mundo que foi, para Leon Battista Alberti, a pintura do Quattrocento italiano localiza cenas idealizadas através da concretude dos objectos, da luz e das paisagens povoadas de ciprestes que, com facilidade, ainda hoje encontramos nos arredores de Florença ou em Ur- bino; como compreender Bertolt Brecht e o teatro épico sem a experiência repetida da guerra na Alemanha?; e, entre nós e mais próximas, o que seria das obras poéticas contida nas coisas que se apresentam diante de nós e nas gentes com quem vivemos lado a lado. A chamada “arte” sempre nasceu do trivial e do imediato (não é, pois, uma invenção burguesa da pintura holandesa seiscentista nem da Pop britânica ou americana), como as “mãos negativas” do Paleolítico nasceram do descanso da mão pousada na rocha. A singularidade de toda a actividade dita artística é justamente o trabalho de transfiguração daquilo que se julgava estar visto e ser conhecido na sua utilidade e no seu valor, num fenómeno outro, que havendo lá existido sempre, em potência, só o labor do artista revela afinal em toda a novidade, inteligência e actualidade. O trabalho artístico ocupa-se da descoberta desta pulsão perigosa nos elementos familiares. A memória de uma vida experimentada num universo particular é, quase sempre, indissociável da génese duma manifestação artística. O lugar e as suas qualidades orientam a descoberta das formas. Quem partilha um património geográfico e cultural com um autor, dispõe da possibilidade de um horizonte mais generoso de comunhão com as virtualidades da sua obra, do que quem a ela chega munido de instrumentos teóricos mas desconhecendo a natureza do lugar que a incentivou a nascer para o mundo. Toda a criação é, pois e antes de outras qualidades, contextual; isto é, estreitamente associada a um tempo histórico, a uma comunidade local e a uma topografia. Não tenhamos a pretensão de julgar compreender o Rossellini ou o Fellini ou o Pasolini ou mesmo o Moretti tão longe quanto só os italianos são capazes de os acompanhar. Do mesmo modo, muitos equívocos culturais ressaltam das análises avançadas sobre as obras de João César Monteiro ou de Manoel de Oliveira, pela crítica francesa. Ou, pelo mesmo motivo, a obra da Agustina Bessa-Luís resiste tão duramente à tradução. Os leitores que conhecem bem a história e a intriga do Porto, como a necessária explicação da cidade à luz do Douro vinhateiro, estão naturalmente melhor habilitados para compreender o engenho literário da “amarantina” e a mordacidade do comentário social, político e cultural que nele se espraia e o faz mover. O velho ofício das artes realiza o trabalho extraordinário de libertação de uma energia latente que (…) se encontra contida nas coisas que se apresentam diante de nós e nas gentes com quem vivemos lado a lado. …tenho para mim que a ligação ao lugar é invariavelmente estrutural na realização artística mais elevada e de vocação universal. Por outro lado, e pela mesma razão, é sinal de uma intimidade conquistada com a obra de um artista que há muito frequentamos, quando – depois de a termos visto, escutado ou lido, estudado, revisitado, comparado com outras obras longínquas... enfim, de a termos verdadeiramente presente –, experimentamos o sentimento da necessidade de nos encontrarmos nos lugares onde aquela obra tomou forma e procurarmos compreendê-la in loco, na relação chã que manteve ou mantém com uma localidade. Muitos de nós conhecem a experiência reveladora em que pode constituir-se a visita aos lugares que determinados artistas habitaram, onde trabalharam uma vida da Sophia ou da Fiama sem a geometria das linhas de sombra desenhadas pelo sol do Sul? Aquilo a que, sobretudo desde a modernidade e incentivado pelos regimes democráticos, se tem chamado, de modo substantivo, “Arte” (antiga, moderna ou contemporânea), antes de integrar o campo cordato das actividades pedagógicas e culturais de uma sociedade em tempos de paz e se constituir num bem colectivo – garantindo a mesma coesão social que, durante séculos, foi salvaguardada pela religião – ou antes ainda de se mostrar como um produto exportável, é, no fundamento, a expressão visível de um trabalho moroso de observação e a reinterpretação exigente da experiência do real. O velho ofício das artes realiza o trabalho extraordinário de libertação de uma energia latente que espreita constantemente pelas fendas da ordem social e se encontra inteira e que continuam hoje a atravessar, na sua vitalidade, as obras que nos legaram. Serão estes os “lugares santos” das artes? Talvez sejam e nos auxiliem. Haverá obras onde essa relação é decantada e outras onde essa relação é manifesta, mas tenho para mim que a ligação ao lugar é invariavelmente estrutural na realização artística mais elevada e de vocação universal. Mas, lembremos que, no início do século passado, foi precisa uma Sónia Delaunay, ucraniana vinda de Paris e seduzida pela luz meridional, para ajudar o Eduardo Viana e o Amadeo de Souza-Cardoso a abrirem os olhos para a matéria visual de impressionante colorido que as feiras, os brinquedos populares e a louçaria tradicional do Minho ofereciam ao trabalho dos artistas modernos. Muitas vezes, é assim: precisamos do ânimo descomplexado de quem chega de longe. Sabemos, há muito, desde “O caso mental português”, que o nosso problema é o provincianismo. Que é o mesmo que uma ansiedade em fugir do lugar por falta de instrução e de imaginação. O cosmopolitismo, como o bilingue Fernando Pessoa concluía em 1932, está em nós (para que outra coisa serviriam as bibliotecas, as viagens e os museus senão para sermos mais justos observadores das coisas presentes e do espaço onde vivemos?) ou não o encontraremos em lugar algum. As formas artísticas que atravessaram os tempos e a violência política das fronteiras nacionais sempre souberam disto. E quem naquelas artes compreende alguma coisa, conhece com elas o testemunho da liberdade encontrada num lugar confinado e em pessoas pouco exemplares. * Artista e professor 5 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS A arte dos afectos Filipa Francisco* Como criadora interessa-me: Criar territórios de questionamento. Possibilitar um acesso às artes, em locais onde isso seria mais improvável. Que o meu trabalho espelhe o mundo. Aprofundar as relações entre arte e vida. Construir lugares de acção, discussão, construção, resistência. Gerar a discussão: Dança motor de mudança? “A impressão que eu tenho é que a gente vai fazer um grande retorno e voltar àquela época em que a arte era uma coisa de vida tão anônima, que não havia o artista como nome, como mito. As pessoas criariam naturalmente, quase como um ato de comer, de fazer amor, de viver, mas sem a preocupação de ser artista. A meu ver todo o mundo tem, potencialmente, a capacidade de criar. Agora, se ela é condicionada num meio que não favorece, ela acaba não criando. E o bloqueio, a sociedade de consumo, o condicionamento atual, faz com que muita gente pegue essa sensibilidade e guarde para si mesma.” (Lygia Clark, O mundo de Lygia Clark) Ao longo do meu trabalho tenho procurado aprofundar uma reflexão e pesquisa em torno da função social e política da Arte. Nesta linha, tenho participado em projectos de criação artística junto de grupos em contexto prisional, com jovens menores, em processo de reinserção social, em centros educativos. No projecto (R)existir, com reclusos do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, e no projecto Nu Kre Bai Na Bu Onda (Eu Quero Ir Na Tua Onda), com jovens do bairro da Cova da Moura. São projectos que unem a pedagogia à criação artística, que reflectem uma ligação entre a arte e a vida. Em todos os projectos criativos, pretende-se trabalhar em colaboração, promovendo a imaginação individual e o criar em grupo. Fotografia_Direitos Reservados * Bailarina, performer, coreógrafa e formadora. Contextualização Os meus projectos artísticos aliam a formação à criação artística. Estes processos passam pela ideia de uma democratização do corpo. Este termo provém dos anos 60-70. Aqui o corpo está no centro do trabalho, um corpo que poderá não ter uma formação técnica específica, mas que lida com os conhecimentos quotidianos, que faz apologia do indivíduo como tendo uma voz activa e podendo fazer dessa voz um instrumento criativo. Procura-se que nestes projectos todos sejam criadores e intérpretes, e por isso é tão importante que se estabeleça um tempo longo de formação e criação. Um dramaturgo disse que a “dança é como uma escultura no tempo”. Foi e continua a ser determinante que estes projectos tenham um carácter contínuo, só assim é possível deixar raízes em cada uma das pessoas que participa, e, depois, no público. Para haver uma ruptura, uma transformação, para que todo o processo seja de todos, o tempo é um dos factores de maior importância. É também essencial que se dê atenção ao processo de trabalho, que se revele este processo e não se coloque o enfoque no Ao longo do meu trabalho tenho procurado aprofundar uma reflexão e pesquisa em torno da função social e política da Arte. produto final. Por que é importante mostrar? Só assim o ciclo fica completo, a energia dos que olham com as dos fazedores. Como criar com o contexto/ em relação com o contexto? Partindo da experiência de (R)existir e Íman, projectos de criação e formação em dança contemporânea. (R)existir com reclusos do Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, 2000-2008. Nu Kre Bai Na Bu Onda, com jovens do bairro da Cova da Moura, 2007-2009. Em 2009, foi criada e apresentada a peça Íman, que ainda hoje continua a circular. Em Rexistir, várias peças apresentadas, dentro e fora da prisão. Uma delas, Nus Meios, no Teatro Camões, em Lisboa. Trabalhar a partir da ideia de processo de investigação onde o corpo e a voz são o foco central. Estar atenta ao contexto e pessoas com quem trabalho e propor que a prática diária seja criada por todos. Para cada grupo ou contexto a aproximação ao corpo pode ser diferente. Em geral há o objectivo de entrar num processo de investigação, que pode ser concluído através da apresentação de um objecto artístico. Este processo inclui a improvisação livre ou com temas, em grupo ou individualmente, a dramaturgia, a composição e os ensaios. A investigação da voz e do corpo faz-se através de exercícios técnicos, mas também criativos. Destes exercícios criativos saem materiais a que chamo colectivos. Estes materiais (movimentos, imagens, textos, palavras) são filmados, guardados em cadernos ou na memória do corpo, para depois voltarem a ser examinados. A dramaturgia passa pela escolha destes materiais colectivos e sua organização. Passa por se ler se têm uma história, ou se são mais abstractos, que intenções lhes São projectos que unem a pedagogia à criação artística, que reflectem uma ligação entre a arte e a vida. queremos dar e como se ligam num todo. Os ensaios, para além de serem um treino sobre a repetição e o detalhe, fazem com que o grupo se possa dirigir a si próprio e ganhe um ritmo de trabalho comum. No final, se o grupo concordar, há uma apresentação onde se faz uma conversa com o público e se explica o processo de trabalho. O trabalho é de todos e todos têm autoridade para falar sobre ele. Pretende-se não apagar singularidades. (…) Cada um deverá descobrir a sua voz e o seu lugar no grupo. Cada um terá espaço para ser criador e intérprete, para escolher o conteúdo e formato daquilo em que se está a trabalhar. Esta mudança de papéis, em que já não existe um papel fixo de coreógrafo e de intérprete, pretende estabelecer bases para uma reflexão sobre: a confiança, os territórios, a negociação, a autoridade, as regras, a liberdade, a resistência, temas tão presentes em reclusão. Um exemplo desta mudança de papéis, no projecto (R)existir. Um dos grupos de trabalho pediu para fazer uma peça de teatro, com personagens e enredo. Após este pedido, apresentei na aula uma série de propostas e pedi ao grupo que também apresentasse propostas, ou que escrevesse a sua própria peça. No final ficámos com duas peças e não se conseguia chegar a uma decisão para excluir uma delas. A apresentação final foi uma leitura-encenada em que público e actores discutiam sobre as duas peças e o porquê da escolha e/ou exclusão de uma delas ou das duas. Neste caso até o público mudou de papel, sendo também colocado no centro da acção, como essencial para o desenrolar da proposta. Pretende-se não apagar singularidades. Não obrigar a dizer de certa maneira, seja no conteúdo ou na forma daquilo que estamos a fazer. Cada um deverá descobrir a sua voz e o seu lugar no grupo. Cada um terá espaço para ser criador e intérprete, para escolher o conteúdo e formato daquilo em que se está a trabalhar. Ao longo do tempo, foram apresentados vários objectos artísticos, que continham uma dimensão pluridisciplinar e transdisciplinar (artes plásticas, vídeo, instalação, teatro, dança). Assim se conseguia criar territórios comuns, feitos de singularidades e diversidades. Utiliza-se o método de “colagem”, que coloca em relevo a diversidade de materiais e ideias. Pede-se a todos que entrem num mundo real e ficcional, onde os sonhos e as histórias pessoais são os materiais criativos com que se trabalha. Há então uma distanciação deste material, que se torna colectivo e poético, dando-lhe uma dimensão artística. Assim falamos do que nos toca profundamente através da arte. Assim também nos protegemos dos fantasmas mais profundos. Um dos exemplos deste trabalho entre realidade e ficção é a peça co-criada pelos reclusos e a artista plástica Lara Soares, no projecto (R)existir. O tema do trabalho girava em volta das marcas corporais. Foram improvisadas várias histórias fictícias e reais das marcas corporais de cada um (marcas de acidentes, tatuagens, sinais, etc.), cada marca estava envolvida numa história, numa biografia. Este trabalho é de afectos, sobre como afectar o outro, como conhecer o outro, como nos colocamos no lugar do outro. Chamo-lhe a arte dos afectos. TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR Fotografia_Direitos Reservados 6 | LURA Dançar o silêncio Cláudia Nóvoa Vivi até há uns anos atrás sem me preocupar muito com a questão da surdez, sem pensar que há pessoas que vivem ao meu lado que, para além das preocupações normais de todos, têm outras, e que essas passam por se integrar num mundo cheio de sons, sons esses que eles não ouvem. Como será isto de não ouvir? Como podemos comunicar com estas pessoas? Elas inventaram uma língua própria, a Língua Gestual Portuguesa, uma língua feita de gestos, mas que para nós parece tão inacessível como o Chinês. Há alguns anos atrás tive um aluno surdo. Experimentei a dificuldade de comunicar, e tentei perceber as suas dificuldades. Como a minha aula é de Expressão Corporal não foi tão difícil assim aproximar-nos, pois a dança parte muitas vezes do gesto e do significado. Pareceu-me então natural e importante dar a conhecer esta realidade às nossas crianças. Talvez elas venham a ficar mais preparadas para saber lidar com esta dificuldade de alguns, e no futuro saibam integrar melhor estas pessoas. Destas preocupações surgiu assim esta oficina Há alguns anos atrás tive um aluno surdo. Experimentei a dificuldade de comunicar, e tentei perceber as suas dificuldades. que explora o silêncio, que busca dentro de nós os sons que dançamos e que procura a expressão pelo movimento. Esta experiência aqui no CCVF e depois no Teatro Maria Matos foi muito gratificante. Encontrei crianças e jovens disponíveis e curiosos, e penso que conseguimos um nível de calma e concentração pouco habitual neste mundo frenético e ruidoso em que vivemos. Os estímulos foram mais interiores do que exteriores e visitamos um mundo sensível e diferente. Foi um prazer partilhar esta procura com estas crianças. * Bailarina, coreógrafa e formadora 7 | LURA TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR Há um corpo que… Desenho_João Giz Laboratório B* * Grupo que desenvolveu um trabalho sobre a ideia de “Beleza” no âmbito do Projecto B, de Teresa Prima. Tendo iniciado a sua pesquisa num laboratório orientado pela bailarina/coreógrafa, o grupo deu continuidade à investigação de forma autónoma ao longo de cinco meses. Texto escrito em co-autoria por Célia Torres, João Girão, Filipe Costa, Marta Maciel, Júlia Alves, M˚ Adelaide Bernardo, Rosana Pereira. Há um corpo que respira as palavras que passeiam pela sala. Há um corpo que acolhe o sereno pulsar das descobertas. Há um corpo que espreita outras formas de existir. Há um corpo que abraça o silêncio dos teus olhos. E há o meu corpo, que se pesquisa para encontrar o ritmo desta dança. • Há um corpo que pergunta: “E se a beleza estiver dentro de mim e Eu precisar do Outro para a sentir?” • Há um corpo que reconhece e partilha porque sabe que ali está seguro. Paralisa porque racionaliza. Mas quando sente, flui, vibra e é emoção em sintonia com a sua essência. • Há um corpo que, sendo inteligente, intuitivamente sabe onde procurar a beleza. Há um corpo que ensina a cabeça a saber como falar ao corpo. Há um corpo deseducado que é a própria beleza quando se move. • Há um corpo que navega num espaço de procura. Há um corpo que aceita o desafio de ir descobrindo a beleza na união – consigo mesmo e com o outro. Há um corpo que se desenha com um giz que traça a dança cósmica da nossa geografia. • Há um corpo que descobre o prazer de rastejar em união com outro corpo. • Há um corpo que não passa pela memória das formas, nem pelo sentido dos gestos, e que é vontade em movimento e a liberdade de ser gente. * Grupo que desenvolveu um trabalho sobre a ideia de “Beleza” no âmbito do Projecto B, de Teresa Prima. Tendo iniciado a sua pesquisa num laboratório orientado pela bailarina/coreógrafa, o grupo deu continuidade à investigação de forma autónoma ao longo de cinco meses. Texto escrito em co-autoria por Célia Torres, João Girão, Filipe Costa, Marta Maciel, Júlia Alves, M˚ Adelaide Bernardo, Rosana Pereira. NA LURA ESPAÇO DE TODOS PARA TODOS Programa “Dias da Revolução” Conceição Gonçalves Isabel Fonseca Núcleo de Estudos 25 de Abril / Agrupamento de Escolas de Briteiros O Núcleo de Estudos 25 de Abril e o Agrupamento de Escolas de Briteiros celebram a Revolução dos Cravos, de 4 de Abril a 4 de Maio, com um programa intenso de actividades. Entre palestras, uma mostra de Artes Plásticas e um Sarau Cultural com música, teatro e poesia, não A nossa escola tem teatro faltarão oportunidades de reavivar o espírito de mudança, tão necessário nos dias que atravessamos! Para mais informações, por favor consulte: nucleoestudos25abril.blogspot.com O grupo de teatro amador/experimental de Briteiros TABE - dinamizado pela primeira vez pela professora Conceição Gonçalves e uma equipa de professores, preenche alguns dos tempos não lectivos dos nossos alunos da EB 2/3 de Briteiros, e entrelaça nos textos das peças, valores, ansiedades e desejos dos estudantes, com conteúdos literários abordados a nível escolar. Foi nesta dinâmica de agitação, com a conjugação de vários cenários e adereços, que se realizaram duas actuações no passado dia 17 de Dezembro, ambas em contextos escolares mas para públicos diferentes. No período da manhã as apresentações dos três momentos teatrais (“Andorinha Sinhá”, “Cabeças no Ar” e “Os Direitos das Crianças”) destinaram-se exclusivamente ao público escolar e integraram a festa de Natal da Escola. À noite o momento abriu-se à comunidade escolar na totalidade e, pais e familiares colegas e professores puderam aplaudir e emocionar-se, partilhando assim a felicidade dos actores que brilharam numa força transformadora que o palco faculta. Aceitam-se Colaborações, Sugestões, Ideias e Outras Coisas… para publicação neste Jornal [email protected] LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA SECÇÃO DO LURA FAZEMOS SUGESTÕES PARA OS PAIS E PROFESSORES *NESTA DESENVOLVEREM COM AS CRIANÇAS E JOVENS: DISCUSSÕES, PROPOSTAS DE ACTIVIDADES, MATERIAIS RELACIONADOS COM OS ESPECTÁCULOS, COMO LIVROS OU FILMES, POSSIBILIDADES DE CONTACTO COM OS CURRÍCULOS ESCOLARES. ESPERAMOS QUE SEJA ÚTIL. Biografia ficcionada Há objectos que fazem parte da nossa história e que a marcam de forma única. Uma fotografia, uma chave, uma camisola, um par de botas, aquela bicicleta… Olha para trás. Escolhe um desses objectos, recupera na memória momentos que viveste com ele. Já o conheceste bem, interiorizaste a sua forma, temperatura e cor. Um dia (porque os dias se fazem também de novo) arrumaste-o. Trá-lo para junto de ti. Procura agora vê-lo de outro modo – no seu todo ou num fragmento. Reinventa-o, descobre nele a capacidade de advir outra coisa e transfigura-o, misturando-o com outros materiais ou dando-lhe um novo espaço para habitar. Uma pedra na praça Uma pedra pode ser o ponto de partida de uma marca tua na paisagem. Propomos-te que pegues num exemplar da natureza e tornes mais humano o mineral. Com tintada-china e a subtileza de um pincel, faz pequenos registos na superfície da pedra – uma palavra, um fragmento de poema ou um desenho. Deixa-a secar e expõe-na num lugar público. Talvez alguém repare nela e a leve consigo. Talvez seja esquecida e abraçada pela chuva… Para uma possível pesquisa, eis alguns artistas plásticos que trabalham sobre a pedra... Fernando Lanhas, Alberto Carneiro, Manuel Zimbro. Debate* O lugar de donde venho influencia a maneira como me exprimo e as ideias que tenho? Pode um desenho ou um texto, uma coreografia ou uma estátua conter em si traços do espaço onde cresci? Entre o sentir, o pensar e o agir, nasce a obra de arte. Sugerimos que se trabalhe o conceito de “criação”, focado no espaço de onde ela é originária. Partindo da análise de uma obra ou um autor, poderá abrir-se depois a outras formas de criação, a outros artistas. Da preservação das nossas raízes ao rasgar de novas formas de pensamento, observe-se de que modo nasce a arte. Cruzem-se opiniões, forjem-se argumentos e busquem-se (im)possíveis conclusões! * Aconselhamos esta actividade para estudantes do Ensino Secundário. MAPA DE BOLSO A nossa agenda do trimestre VISITAS GUIADAS Multidisciplinar OFICINAS Terça a Sexta 10h00 às 19h00 Terça 24 Maio 10h00 e 19h00 Multidisciplinar Visitas guiadas Cheio de (pequenos) nadas** Cie Lili Désastres 03 Maio a 15 Julho Terças a Sextas Exposição de Pedro Sousa Vieira+ ESPECTÁCULOS Teatro Quinta 07 Abril 15h00 Sexta 08 Abril 10h00 e 15h00 Sábado 09 Abril 11h00 e 16h00 Teatro Domingo 19 Junho 10h30 e 12h00 Segunda 20 Junho 10h00 e 15h00 Anda** La Casa Incierta Amarelo** Catarina Requeijo Programa À Descoberta+ De Segunda a Sexta 11 a 15 de Abril 09h00-18h00 De Segunda a Quinta 18 a 21 de Abril 09h00-18h00 Dos 6 aos 9 anos Dos 10 aos 12 anos Oficina de cenografia e performance De Segunda 18 a Quinta 21 Abril 15h00-17h30 Desenha-me um espaço+ Victor Hugo Pontes Oficina de artes plásticas Oficina de Fotografia / Avançado Quinta 12 e 19 Maio 10h00 Sexta 13 Maio 10h00 Sábado 21 Maio 11h00 e 15h00 Quarta 08 e Quinta 09 Junho 18h30 às 21h30* Sexta 10 e Sábado 11 Junho 15h00 às 20h00* +* horário dos espectáculos a fotografar Entrelinhas* Catarina Claro Oficina de dança e luz Quinta 05 e Sexta 06 Maio 15h00 Maiores de 12 anos A casa subterrânea* Cristiana Rocha e Wilma Moutinho Oficina de experimentação artística / Dança Dança De Terça a Quinta 26 a 28 Abril 18h30 às 21h30 Sexta 29 Abril 18h30 às 20h30 Sábado 30 Abril 16h00 Planalto** Manuela Pedroso Planalto°+ Marina Nabais Oficina de Fotografia / Iniciação Sábado 04 e Domingo 05 Junho 15h00 às 19h00 Fotografia de espectáculo+ Susana Paiva Preços + consultar condições específicas em www.ccvf.pt ° Gratuito * 1€ **2€ Babysitting Reservas para espectáculos Tlf 253 424 700 / Fax 253 424 710 [email protected] Informações e reservas para outras actividades Tlf 253 424 700 [email protected] Um espectáculo de fotografia+ Susana Paiva Estrutura financiada pelo Ministério da Cultura e Direcção-Geral das Artes Centro Cultural Vila Flor Av. D. Afonso Henriques, 701 4810 431 Guimarães Tel 253 424 700 [email protected] www.ccvf.pt