Impasses gerados pelo centralismo fiscal, precariedade financeira e baixa arrecadação tributária para emancipação de distritos e criação de novos municípios no Brasil Impasses generated by fiscal centralism, financial insecurity and low tax collection for emancipation of districts and creating of new municipalities in Brazil Laécio Noronha Xavier* Resumo: Desde 1996, gestores públicos, parlamentares e lideranças políticas locais aguardam a regulamentação do art. 18, §4º da Constituição Federal de 1988, que trata da emancipação de distritos e criação de novos municípios. A expectativa legal aponta para a definição de critérios mais rigorosos que inibam a pretensão emancipatória de distritos, que em imensa maioria, possuem menos de 15 mil habitantes, “economia sem produção”, baixa arrecadação tributária e dependência dos repasses de fundos constitucionais e programas assistenciais da União. Nas últimas décadas, vários estudos e pesquisas comprovam que municípios recentemente criados de vários estados brasileiros apresentam déficit de gestão, inchaço da máquina pública e sofríveis indicadores socioeconômicos, não mais se sustentando a tese da melhoria da qualidade de vida das populações pela simples transição distrito-municipalidade. Palavras-chave: Distritos; Municípios; Administração Pública. Abstract: Since 1996, public managers, parliamentarians and local political leaders await the regulations of art. 18, §4º of the Federal Constitution of 1988, which deals with the emancipation of districts and creating of new municipalities. The legal expectation points to the definition of more stringent criteria that inhibit emancipatory claim of districts, that that in the vast majority, have fewer than 15 mil inhabitants, “non producer economy”, low tax collection and dependent on transfers of constitutional funds and assistance programs of Union. In recent decades, several studies and surveys show that municipalities recently created from several brazilian states present a deficit management, swelling of public administration and sufferable socioeconomic indicators, no longer supporting the thesis of improving the quality of life of the people for the simple transition-district municipality. Keywords: Districts; Municipalities; Government. * Advogado, Doutor em Direito Público/UFPE, Mestre em Direito Constitucional/UFC, Especialista em Economia Política/UECE, Professor de Direito Municipal-Urbanístico da UNIFOR e Conselheiro da OAB-CE. Introdução A Constituição Federal de 1988 destinou para as municipalidades as ações executivas de interesse imediato da sociedade, buscando a economia de escala na aplicação de recursos, a fiscalização direta do contribuinte sobre o erário e a qualidade de vida das populações. Contudo, ocorreu um crescimento excessivo de municípios com pequena demografia, baixa capacidade de investimentos, dependência de repasses constitucionais, máquina pública onerosa, serviços públicos de péssima qualidade, fracos indicadores socioeconômicos e má gestão administrativa. Para conter a exagerada emancipação distrital que ocasionou a criação de municípios sem qualidade administrativa, a Emenda Constitucional nº 15/1996 alterou o art. 18, §4º da Constituição Federal de 1988, estabelecendo que a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios seriam feitos por Lei Estadual, respeitando os critérios e período determinados por Lei Complementar Federal, como Estudos de Viabilidade Municipal e plebiscitos junto às populações emancipalistas. Todavia, a Lei Complementar Federal não foi até hoje promulgada, ocasionando a criação de leis complementares estaduais por várias assembleias legislativas para “regular” a matéria, tendo em vista a agressão ao Pacto Federativo pela omissão/morosidade do legislador federal. O impasse manteve-se até o final de 2013, quando o Senado aprovou um Projeto de Lei Complementar que, mesmo definindo critérios mais rígidos do que os previstos pelas leis aprovadas nas Assembleias Legislativas e outros projetos de Lei Complementar Federal e de Emenda Constitucional, foi vetado integralmente pela Presidência da República alegando a possível criação excessiva de novos municípios e a geração de despesas adicionais que poria em risco os limites de gastos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ademais, a situação fiscal estava agravada em face das renúncias tributárias federais entre 2008-2013, resultando na brusca diminuição dos repasses constitucionais para os municípios. Inicialmente, o artigo em pauta se baliza pela conceituação legal, análise histórica e entendimento do atual cenário do processo de regulamentação constitucional da emancipação de distritos visando à criação de novos municípios no Brasil, com apresentação dos diferentes critérios inseridos nos Estudos de Viabilidade Municipal estabelecidos pelos projetos de Lei Complementar Federal e leis aprovadas pelas diversas assembleias legislativas brasileiras, com destaque para a cearense. Em seguida, serão expostas as formas legais de tratamento do Município pelas constituições brasileiras, até sua recepção como Ente Federativo na Constituição Federal de 1988. Neste interregno, ocorre a apresentação das condições que levaram as administrações públicas a inviabilizarem o desenvolvimento citadino dos municípios recentemente criados, em especial, pelo alto custo da máquina pública, baixo nível de financiamento, dependência de recursos dos fundos constitucionais da União e pouca expressividade econômicofinanceira. No último tópico, através de pesquisas de institutos públicos e privados e estudos de doutrinadores de Direito e Administração Pública, referenciando-se na realidade municipalista brasileira, serão demonstradas as razões políticas que nortearam o excessivo aumento de novos municípios no Brasil, bem como, as explicações técnicas da recusa de melhoria das condições de vida das populações dos distritos recém-emacipados que, com raras exceções, não trouxeram os resultados esperados. 1. Evolução e conjuntura constitucional da emancipação de distritos no Brasil Emancipação é o ato de tornar livre, de libertar algo que é dependente ou que está sob a responsabilidade de outrem. Em relação aos distritos, estes são subdivisões territoriais e não autônomas dos municípios, os quais se fracionam em bairros e ruas, sendo, em geral, localizados distantes da sede do município ou da área urbana citadina e, em que os poderes públicos exercem a autoridade administrativa, judicial, fiscal, policial, sanitária e eleitoral. Esta divisão do território em distritos se dá, principalmente, pelo surgimento e crescimento de comunidades que se localizam distantes da sede do município, ou seja, em áreas rurais, visando melhor gerir os recursos necessários e atender, de forma igualitária, todo o território e suas populações. Sendo divisões apenas para fins administrativos, não são os distritos considerados unidades autônomas e, desta forma, dependem diretamente do poder municipal, uma vez que, conforme aduz o inciso IV do art. 30 da Constituição Federal de 1988, compete aos Municípios criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual. Portanto, é o distrito parte componente e não fundamental dos municípios brasileiros, com sua criação sendo procedida pela imperiosa necessidade e interesse político ou administrativo municipal. Justamente por ter tal divisão territorial nos municípios, caráter meramente administrativo, é que não existe um dado oficial sobre o número exato de distritos brasileiros. Existem no Brasil duas exceções de distritos que assim são denominados, mas que não se enquadram na classificação dos demais, quais sejam: o Distrito Federal que, apesar de apresentar-se como Unidade Federativa, enquanto Capital da República brasileira, não possui subdivisões em municípios; e Fernando de Noronha, que foi denominado como Distrito Estadual de Pernambuco, mas que também não possui as características de um distrito enquanto subdivisão de um município. Já a emancipação de um distrito significa sua mutação em um novo município pela conquista de autonomia política, financeira e administrativa ao desmembrar-se do território de seu município-mãe. Ou seja, quando tal distrito preenche os requisitos estabelecidos em lei e que autorizam a sua maioridade político-administrativa, transformando-o em ente integrante do Pacto Federativo. A emancipação distrital e a criação de um novo município, além da Constituição Federal, necessitam de legislação estadual, sempre a depender da concessão emanada pela Legislação Federal. É importante abordar a evolução do tema nos documentos legais para se compreender de que forma a competência para legislar sobre tal matéria foi sendo alterada, pelo menos no período entre as constituições de 1967 e de 1988, através da redação das próprias constituições e de emendas constitucionais. Os arts. 14 e 15 da Carta Magna de 1967 dividiam a competência com a União e os Estados, como ocorre atualmente, observadas as devidas diferenças, uma vez que a Lei Federal complementar é que estabelecia os requisitos mínimos de população e renda pública e a forma de consulta prévia às populações locais, para a criação de novos Municípios, bem como sua divisão em distritos, sempre a dependerem de lei estadual, com a organização municipal variando de acordo com as peculiaridades locais. Após a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, a competência para emancipar distritos e criar novos municípios passou a ser de exclusividade da União, que estabelecia requisitos mínimos de população e renda pública que deveriam ser obedecidos como requisitos para a consulta às populações locais, ficando os Estados, totalmente dependentes de Lei Federal para a criação de novos municípios, a organização municipal (variável segundo as peculiaridades locais) e a respectiva divisão em distritos. Como os requisitos obrigatórios deveriam ser regulados por meio legislação federal, foi editada a Lei Complementar Federal nº 1, de 9 de novembro de 1967, que estabelecia os requisitos mínimos de população e renda pública e a forma de consulta prévia as populações locais para a criação de novos municípios. Entre os requisitos igualmente aplicados para todos estados brasileiros, aduzia: população estimada superior a 10 mil habitantes ou não inferior a 5 milésimos da existente no Estado, eleitorado não inferior a 10% da população, centro urbano constituído com número de casas superior a 200 e arrecadação, no último exercício, de 5 milésimos da receita estadual de impostos. Com o advento da Constituição Federal de 1988, através do §4º do art. 18, a competência para legislar sobre emancipação de distritos e criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios novamente é alterada, ficando os Estados, dessa vez, com a competência exclusiva, obedecidos os requisitos previstos em Lei Complementar Estadual, e sempre a depender de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas. Acontece que, restando à competência apenas aos Estados, sem a interferência da União, os requisitos que deveriam selecionar as localidades que realmente poderiam tornar-se municípios, serviram tão somente para cumprir meros processos burocráticos. Prova disso foi o exagerado e crescente número de novos municípios surgidos no período. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996, foi alterada tal competência (que vigora até os dias atuais), retirando-se do Estado a prerrogativa de legislar, com a União voltando a participar do processo que regula a matéria, modificandose, portanto, o §4º do art. 18, com a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios devendo ser feita por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e a depender de consulta prévia às populações dos Municípios envolvidos, mediante plebiscito, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Desde a citada Emenda Constitucional muitos foram os projetos de Lei Complementar e de Emenda Constitucional para regulamentar o §4º do art. 18 da Constituição Federal de 1988 e, destes muitos, alguns foram aprovados pelo Congresso Nacional, mas, vetados pela Presidência da República e, outros, sequer foram apreciados por aquela casa. Não restam dúvidas de que os critérios para criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios são de competência de cada Estado, entretanto, ocorre que sem a regulamentação através de Lei Complementar Federal, que determinará o período em que deve ocorrer o processo de criação do município, tampouco de Lei Ordinária, que disporá sobre os Estudos de Viabilidade Municipal, ficam os distritos e territórios brasileiros prejudicados e impedidos de intentarem a emancipação. Na falta deste respaldo legal, pela não edição da Lei Complementar Federal, para regular o processo de criação de novos municípios através da emancipação de distritos e sem emenda constitucional que altere, novamente, as competências, vários estados, como é o caso do Ceará, aprovaram Lei Complementar Estadual que “regulamenta” a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. A justificativa apresentada foi a de que as assembléias legislativas não detêm as prerrogativas para a organização políticoadministrativa dos Estados desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 15/1996, além da omissão e morosidade por parte do Congresso Nacional no tocante a aprovação de Lei Complementar Federal que regulamenta o art. 18, § 4º da CF/88, o que fere o Pacto Federativo devidamente disposto no art. 1º da CF/88, haja vista que a União pode criar Estados, os Municípios podem criar distritos e os Estados não estão podendo criar seus Municípios. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2013). Conforme José Afonso da Silva (2007, p. 4), a matéria que trata sobre o processo de da emancipação de distritos visando à criação de novos municípios é regulada, além do art. 18 da Constituição Federal de 1988, por meio de três leis: uma estadual, a qual cria, incorpora, funde ou desmembra um município ou municípios; e duas federais, uma de natureza complementar, que discorre sobre o período em que as alterações por lei estadual poderão ser realizadas, e a outra ordinária, a qual regulamentará acerca do Estudo de Viabilidade Municipal para viabilização da consulta prévia à população envolvida, através de plebiscito. Obedecendo a Constituição Federal no que tange a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, a Constituição do Estado do Ceará de 1989, assevera em seu art. 31, que tais atos serão realizados conforme lei estadual e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da Lei. Entretanto, balizadas na falta de regulamentação federal e motivada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2007, julgou procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que foi ajuizada pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, reconhecendo a mora do Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará aprovou a Lei Complementar nº 84, de 21 de Dezembro de 2009 que dispõe na forma do art. 18, §4º da Constituição Federal e do art. 31 da Constituição Estadual do Ceará, sobre os Estudos de Viabilidade Municipal, para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios no Estado do Ceará. Ademais, a referida lei adota outras providências, entre as quais, retira da esfera Federal a competência de intervir no processo emancipatório. A partir da vigência da Lei Complementar, a Assembleia Legislativa do Ceará deu início aos processos de emancipação de distritos cearenses, com a adoção de critérios técnicos que exigem a comprovação de meios de capacitação de receita própria, bem como a comprovação de que terá o novo município condições mínimas para oferecer serviços básicos à população. A Lei Complementar do Estado do Ceará nº 84/2009, obedece in totum ao art. 18, §4º da Constituição Federal de 1988 e, conceitua da seguinte forma a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios: i) Criação de município é a emancipação de parte ou partes de território, distritos de um ou mais municípios, com sua elevação à categoria de pessoa jurídica de direito público interno, através da outorga de autonomia, por Lei Estadual; ii) Incorporação de município é a união de um município a outro, perdendo um deles a personalidade jurídica, que se integra à do município que o incorporou; iii) Fusão de município é a reunião de dois ou mais municípios, que perdem as personalidades jurídicas, surgindo um novo município, com outra personalidade; iv) Desmembramento de município é a separação de parte de um município, para anexar-se a outro ou constituir um novo município. A Lei Complementar do Estado Ceará nº 84/2009 menciona ainda, no §1º do art. 1º, que a criação de município precede a emancipação de parte de território, distritos de um ou mais municípios, com sua elevação à categoria de pessoa jurídica de direito público interno, através da outorga de autonomia por Lei Estadual. A referida Lei Complementar, em seu art. 2º, reza que nenhum município será criado sem a verificação da existência, na respectiva área territorial ou na área territorial a ser desmembrada, dos seguintes requisitos: i) distritos terão que possuir população superior a 8 mil habitantes e o eleitorado não poderá ser inferior a 40% de sua população; ii) apresentar centro urbano constituído, com número superior a 400 de prédios residenciais, comerciais e públicos, inclusive com sedes para a Prefeitura e a Câmara Municipal; iii) estimar receitas fiscais e provenientes de transferências estaduais e federais e dos custos da administração do município; iv) possuir rede de distribuição de energia elétrica, sistema de captação e abastecimento público de água potável e ter possibilidade de implantação dos sistemas de coleta e disposição final de esgotos sanitários e resíduos sólidos; v) contar com escolas de educação infantil, fundamental e médio, posto de atenção primária de saúde e estrutura de atendimento de segurança pública; vi) dispor de sistema de telefonia pública, estabelecimento de venda de combustíveis e gás de cozinha e posto de serviço dos correios. A Lei Complementar cearense nº 84/2009 preocupou-se ainda em preservar os municípios que perderiam localidades ou distritos, para que os mesmos não fossem prejudicados no tocante às receitas tributárias, ao território e aos requisitos desta lei, conforme art. 2º, §1º, uma vez que para emancipar-se o distrito deverá ter todas as exigências legais necessárias superadas e não prejudicar o município-sede, não sendo permitido desmembramento ou criação de novo município se essa medida implicar em descontinuidade territorial e perda, pelo município de origem, de mais de 50% das receitas tributárias próprias e de transferências. Visando ainda manter a integridade estrutural e econômica do município a Lei, no seu art. 4º, assegura que nenhum município com menos de 10 anos de instalado poderá ser objeto de qualquer alteração definida na Lei Complementar nº 84/2009. Vale menção, que a emancipação distrital se atém a criação e ao desmembramento de municípios, excluindo-se as outras modalidades previstas no art. 18, §4º da Constituição Federal de 1988, quais sejam, a incorporação e a fusão. Como já legalmente conceituado, a criação se dá na forma da emancipação de parte ou partes do território ou distrito, elevando-os à categoria de pessoa jurídica de direito público interno; e o desmembramento ocorre quando da separação de parte de um município para constituição de uma nova municipalidade. Já a incorporação implica em um município ser englobado por outro, perdendo assim, um deles, sua personalidade jurídica; enquanto que, a fusão decorre de dois ou mais municípios se juntarem para criar outro município e com outra personalidade, perdendo, assim, ambos, as personalidades jurídicas, surgindo um novo município. Conforme competência outorgada pela Constituição Federal de 1988, a responsabilidade pela definição de como este processo acontecerá e a decisão sobre quais distritos ou territórios serão emancipados, atuando, ainda, na elaboração das normas que regerão a criação, incorporação fusão e desmembramento de seus municípios, com regulação da avaliação dos requisitos de acordo com a realidade econômica e estrutural de cada região que pretende emancipar-se é exclusiva dos Estados Membros. No Ceará, conforme o art. 5º da Lei Complementar nº 84/2009, o pedido para que um distrito ou território possa tornar-se município deve ser feito por meio de requerimento de Deputado ou entidade, através de um Projeto de Iniciativa Compartilhada dirigido à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, assinada, por, no mínimo, 100 eleitores domiciliados na área territorial a ser emancipada, desmembrada ou incorporada, ou em cada um dos municípios a serem fundidos, com as respectivas firmas destes eleitores reconhecidas em cartório. Os eleitores requerentes e as lideranças do distrito que tentam emancipar-se, ou as do próprio município a que pertencem, devem reunir o maior número de informações, principalmente aquelas que comprovem a capacidade de auto-sustentabilidade econômicofinanceira do distrito requerente. A partir daí, o pedido é encaminhado à Comissão de Triagem, Elaboração de Propostas e Emancipação de Novos Municípios da Assembleia Legislativa para checagem da documentação exigida. Em seguida, o pedido é encaminhado à Mesa Diretora que solicita informações sobre o distrito junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Tesouro Nacional, Secretaria Estadual da Fazenda do Estado do Ceará (SEFAZ-CE), Prefeitura Municipal e Tribunal Regional Eleitoral-CE (TRE-CE), realizando-se, portanto, um Estudo de Viabilidade Municipal para analisar se o distrito ou território atende aos requisitos legais obrigatórios. Tais dados do Estudo de Viabilidade Municipal são repassados ao relator do processo, escolhido entre os deputados da Casa para a apresentação de devido parecer. Depois de votado e aprovado o parecer no tocante ao atendimento dos requisitos, a Mesa Diretora elabora o Decreto Legislativo a ser lido em plenário e apreciado na sua Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR). Aprovado na CCJR, o Decreto Legislativo segue para votação no plenário da Casa Legislativa estadual e, caso aprovado, é então encaminhado ao TRE-CE, a quem cabe prover as despesas com a realização das consultas plebiscitárias para que a população envolvida decida se quer ou não uma diferente municipalidade. Todavia, é a Lei Complementar Federal que estabelecerá o período temporal em que esse distrito poderá ser emancipado para que o novo município possa ser criado. (ALNOTÍCIAS: 2010, p. 5). Atendidos os requisitos obrigatórios para a emancipação restará a consulta popular na forma de plebiscito, com resultado favorável devidamente homologado pelo TRE-CE, responsável também pelas despesas da realização das consultas plebiscitárias. Para a criação do novo município, deverá ter o voto da maioria dos eleitores do município ou dos municípios envolvidos na alteração territorial que compareceram às urnas, com pelo menos, a maioria absoluta dos eleitores inscritos nas áreas objeto da consulta. Convém esclarecer que o plebiscito é definido pela Lei nº 9.709/98, como sendo a consulta popular realizada para que o povo delibere sobre dada matéria de acentuada relevância constitucional, legislativa ou administrativa, convocado antes de um ato legislativo ou administrativo ser constituído. Regulamentadora do art. 14 da Constituição Federal de 1988, a Lei nº 9.709/98 define ainda que a responsabilidade para convocar tal modalidade de plebiscito será das assembleias legislativas. Após todo o processo de apresentação e análise dos requisitos e realização de plebiscito com resultado favorável a emancipação serão considerados instalados aqueles municípios cujo poder executivo, na pessoa do Prefeito e Vice-Prefeito, e poder legislativo, todos os vereadores, tenham sido eleitos e empossados. Todavia, no Ceará a emancipação de distritos esbarrou sempre na impossibilidade de realização do plebiscito por falta de autorização do TRE-CE. Em 2012 o TRE-CE rejeitou, unanimemente, conforme precedentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de 2007, os pedidos de realização de plebiscito em 28 municípios-sede para a criação de 30 novos municípios, feitos pela Assembleia Legislativa do Ceará. O acórdão decidiu pelo indeferimento do pedido, justificando-o que para a criação de novo município se faz necessário edição de Lei Complementar Federal e, pela inexistência desta é impossível a realização de consulta popular, por meio do plebiscito. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2012). O imbróglio jurídico continuou quando, em outubro de 2013, o Senado aprovou outro Projeto de Lei Complementar sobre criação de municípios e definiu regras mais rígidas do que as previstas em outros projetos de lei e pela Assembleia cearense. Mesmo assim, no mês seguinte, a presidente Dilma Rousseff vetou integralmente o Projeto de Lei Complementar por provocar despesas adicionais, sacrificar as finanças municipais e em face dos cortes nas transferências constitucionais. O IPEA (2013) estimou que poderiam ter sido criados 363 novos municípios, caso o veto fosse derrubado pelo Congresso Nacional, gerando uma redistribuição do Fundo de Participação dos Municípios que ultrapassaria R$ 1 bilhão/ano. Em maio de 2014, o Senado aprovou um Projeto de Lei Complementar com novas regras para a criação de municípios. O Projeto de Lei Complementar, relatado pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO), poderá diminuir em 1/3 o número de cidades a ser criadas para, no máximo, 130 cidades. As emendas ainda precisam ser analisadas, contudo, podem limitar ainda mais esse cenário. Uma determina que novos municípios do Norte e Centro-Oeste devem ter território de, pelo menos, 200 km², com o limite para as criações de cidades em outras regiões ficando em 100 km². O relator aumentou a população mínima exigida para novo município no Sul e Sudeste, passando de 12 mil para 20 mil a quantidade de habitantes e, no Nordeste, esse limite, foi elevado de 8,4 mil para 12 mil habitantes. No Centro-Oeste e Norte foi mantida a exigência de 6 mil moradores na nova cidade. O Projeto de Lei Complementar também reduz de 10% para 3% da população dos locais envolvidos o número de assinaturas para iniciar processo de fusão ou incorporação de municípios. Já os novos municípios a serem criados no Nordeste devem ter, no mínimo, a assinatura de 20% dos moradores no pedido de elevação do distrito em município, bem como base urbana com mínimo de 624 residências. O Projeto de Lei Complementar ainda exige que o Estudo de Viabilidade Municipal seja feito por entidade isenta e contratada pelo governo estadual. Também ampliou de 10 para 12 anos o período de vedação para a realização de novo plebiscito no caso de o resultado da primeira consulta ter sido rejeitado. Além do que, os novos municípios devem receber parte das dívidas dos municípios-sede, proporcional à estrutura do novo ente federativo. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2014). Destarte, mesmo com a aprovação de leis complementares pelas assembléias legislativas de vários estados “regulamentando” o art. 18, §4º da Constituição Federal de 1988, por omissão e morosidade do Congresso Nacional, como é o caso da Lei Complementar cearense nº 84/2009, todos os processos de emancipação de distritos dos mais diferentes estados brasileiros encontram-se estagnados. 2. Alto custo da máquina pública e baixo nível de financiamento dos recentes municípios brasileiros Município deriva-se do latim municipium, e designa juridicamente a personalidade jurídica de direito público interno de um ente com extensão territorial constituída em divisão político-administrativa de uma Unidade Federativa e pertencente a um regime de autonomia administrativa, política e financeira, capaz de se autogovernar pela vontade de seus habitantes. A extensão territorial do Município é a menor unidade dotada de autonomia administrativa, política e financeira da federação, e sua personalidade jurídica de direito público interno foi incluída pelo rol taxativo do art. 41 do Código Civil brasileiro, juntamente com a União, Estados, Distrito Federal, Territórios, autarquias, inclusive as associações públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei. No art. 1º da Constituição Federal de 1988, o município foi elevado ao mesmo nível autônomo dos Estados e do Distrito Federal, ou seja, como Ente Federativo, que juntos com a União formam a estrutura indissolúvel da República Federativa do Brasil e constituem o Estado Democrático de Direito. Sua autonomia municipal é assegurada pelos arts. 18, 29, 34 e 35 da Constituição de 1988 que garante a organização político-administrativa da República, sendo que a União não intervirá nos Estados e no Distrito Federal, nem os Estados intervirão nos Municípios, exceto para assegurar a observância de determinados princípios constitucionais, entre os quais, a autonomia municipal. O conceito de autonomia municipal é determinado pela capacidade de autogoverno que tem o Município, exercido através dos poderes Executivo, nas pessoas do Prefeito e do Vice-Prefeito e do Legislativo, composto pelos Vereadores; de auto-administração utilizandose da competência estabelecida na Constituição Federal ou de um dos Estados, as quais delimitam esses poderes; e de auto-organização, através da Lei Orgânica do Município e por meio da edição de sua própria legislação, não podendo contrariar as leis estaduais e federais, como define o art. 29 da Constituição Federal de 1988. Observa José Afonso da Silva (2008, p. 642) que a Lei Orgânica do Município ou a “constituição municipal” discrimina a matéria de sua competência exclusiva, observadas as peculiaridades locais, bem como a competência comum reservada constitucionalmente a União, Estados e Distrito Federal, indicando as matérias de sua competência, aquelas que lhe cabe legislar com exclusividade e as que lhe seja reservado legislar supletivamente. Ao Município, além do dever de obediência aos princípios constitucionais da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência), compete exclusivamente, conforme o art. 30 da Constituição Federal de 1988, legislar sobre: assuntos de interesse local e suplementar à legislação federal e à estadual no que couber; instituir e arrecadar os tributos de sua alçada; organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local; manter em regime de cooperação técnica e financeira com a União e o Estado, programas de educação fundamental e serviços de saúde à população; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, conforme legislações federais e estaduais; ordenar seu território, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano; e criar, organizar e suprimir distritos conforme legislação estadual. Pela Constituição Federal de 1988 e o Código Civil, portanto, Município é uma extensão territorial definida dotada de personalidade jurídica de direto público interno representando a menor unidade federativa com poderes autônomos políticos, administrativos, normativos, de auto-organização e competências exclusivas, que possui recursos, políticas e equipamentos para suprir e atender dada população que naquela circunscrição habita. Todavia, conforme as constituições federais brasileiras anteriores, os municípios eram apenas parte territorial dos Estados e dos territórios federais, sem autonomia e sem, sequer, serem mencionados quando da composição da República Federativa. De acordo com a Constituição Federal de 1891, a federação brasileira constituía-se pela união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil. Já a Constituição Federal de 1934, definia a estrutura federativa do Brasil pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil. A Constituição Federal de 1937 conceituava a República Federativa enquanto Estado Federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. A Constituição Federal de 1946 dispunha sobre a unidade federativa dos Estados Unidos do Brasil com a União compreendendo os Estados, o Distrito Federal e os Territórios. Por fim, a Constituição Federal de 1967 mencionava que a República Federativa era constituída pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Constitucionalmente, o município tem sido a única unidade de governo local no Brasil, em contraste flagrante com outros países, onde existe a proliferação de unidades de governo local (condado, cidade, distritos especiais). Como consequência, o município brasileiro caracteriza-se por englobar, em seu território, tanto áreas urbanas quanto rurais. (BRASILEIRO, 1973, p. 3) Conforme dados do IBGE (2013), o Brasil possui desde 1º de janeiro de 2013, exatos 5.570 municípios, distribuídos entre 26 estados da federação. Seguem listados todos os estados brasileiros e seus respectivos números de municípios: Minas Gerais (853), São Paulo (645), Rio Grande do Sul (496), Bahia (417), Paraná (399), Santa Catarina (293), Goiás (246), Piauí (224), Paraíba (223), Maranhão (217), Pernambuco (185), Ceará (184), Rio Grande do Norte (167), Pará (143), Mato Grosso (141), Tocantins (139), Alagoas (102), Rio de Janeiro (92), Espírito Santo (78), Mato Grosso do Sul (78), Sergipe (75), Amazonas (62), Rondônia (52), Acre (22), Amapá (16) e Roraima (15). São Paulo é o município mais populoso, com 11.244.369 habitantes, enquanto que o menos populoso é Borá/SP, com 805 habitantes. No caso de Borá, dentre outros municípios que também possuem reduzida população, convém mencionar que a lei de sua criação data de 28 de fevereiro de 1964 (Lei Estadual nº 8.092) não foi regulamentada pela Constituição Federal de 1988 e demais documentos legais, cabendo, o entendimento do art. 96 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que convalidou atos de criação de novos municípios, cuja lei tenha sido publicada até 2006, conforme legislação do respectivo Estado à época de sua origem. Como visto, até 1996, os critérios para emancipação de distritos eram estabelecidos pelas assembleias legislativas. Com a Emenda Constitucional n° 15/1996 foi definido que tais exigências deveriam constar em legislação federal, embora a aprovação para criar um novo município continue a depender das assembleias estaduais, uma vez que o Projeto de Lei Complementar regulador destes critérios ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. A Emenda Constitucional n° 15/1996 deu nova redação ao §4º do art. 18 da Constituição Federal de 1988, validou os novos municípios criados até 31 de dezembro de 2006 por lei estadual e dentro do período determinado pela nova Lei Complementar Federal, previu a divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal publicados na forma da lei e garantiu a consulta prévia mediante plebiscito às populações dos municípios envolvidos. A Constituição Federal de 1988 ao definir que competência exclusiva para legislar sobre novos municípios quedava novamente com os Estados, sem interferência da União, os critérios técnicos que deveriam selecionar os distritos com real capacidade para tornarem-se municípios cumpriram tão somente uma formalidade legal em face do excessivo número de novos municípios criados no período. Em 1980, existiam no País 3.974 municípios instalados, montante que passou a 4.090 em 1984, um crescimento de 3%. Em 1996, já eram 4.974 municípios e outros 533 aguardavam instalação, ou seja, acréscimo de 22% desde 1984. Segundo o Censo IBGE (2010), em 2000, o número de municípios atingia 5.561. Como nem o Produto Interno Bruto (PIB) nacional ou a arrecadação de receitas públicas cresceram na mesma proporção no período, as fatias de receita de cada município ficaram menores e a federação tornava-se mais pobre a cada município criado (LORENZETTI: 2003, p. 4). Com a Emenda Constitucional nº 15/1996, alterando o §4º do art. 18 da Constituição Federal de 1988, foi modificada a competência legislativa dos Estados e, a União voltou a participar do processo com tal redação vigorando até os dias atuais, tornando as esferas estadual e federal co-responsáveis pelo processo de criação de novos municípios. Não é sem razão que todos os processos de emancipação de distritos cearenses e os de outros estados do País encontram-se estagnados. Em 2008, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgou os 412 distritos que buscavam emancipar-se, divididos entre os estados do Amapá, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo. Os demais estados, desde a Emenda Constituional nº 15/1996, não realizaram protocolo de pedido de emancipação ou arquivaram requisições que tramitavam. (BOSELLI, 2008). No Ceará, são 30 os distritos aptos, segundo critérios da Lei Complementar estadual nº 84/2009 que intentam a emancipação. Conforme o Diário do Nordeste (2012, p. 13), segue a relação Distrito/Município, com suas baixas e respectivas populações distritais: Almofala (11.925)/Itarema; Amanari (9.556)/Maranguape; Antônio Diogo (9.179)/Redenção; Jurema (109.413)/Caucaia; Camará (12.158)/Itapipoca; (14.169)/Aquiraz Flores (9.988)/Russas; e Iguape (13.538)/Aquiraz; Cruxati Guanacés(9.158)/Cascavel; Icaraí (9.179)/Amontada; Itapebussu (10.317)/Maranguape; Jamacaru (9.903)/Missão Velha; José de Alencar (8.301)/Iguatu; Aranaú (8.704)/Acaraú e Juritianha (10.187)/Acaraú; Lima Campos (9.190)/Icó; (11.525)/Pedra Branca; Lisieux & Macaraú (11.689)/Santa Quitéria; Mineirolândia Monte Nebo (8.430)/Crateús; Nova Floresta &/Feiticeiro (8.045)/Jaguaribe; Pajuçara (34.673)/Maracanaú; Palestina do Cariri (8.488)/Mauriti; Parajuru (12.596)/Beberibe; Ponta da Serra (8.611)/Crato; Santa Felícia (8.252)/Acopiara; Santa Tereza (8.029)/Tauá; São João do Aruaru (9.293)/Morada Nova; São Pedro do Norte (8.252)/Jucás; Sucesso (9.158)/Tamboril; Timonha & Adrianópolis (13.190)/Granja. Analisando os distritos cearenses citados de acordo com os critérios da legislação estadual e conforme dados de 2011 do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE), aquele que melhor atende aos requisitos é Jurema, que seria emancipado por meio da criação de um novo município, desmembrando-se do município de Caucaia, segunda maior população municipal do Ceará (325 mil habs.), 3º maior PIB, 10º melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e amplo território (1.223,7 km2). Jurema possui uma população de quase 110 mil habitantes, apresenta centro urbano constituído com 52 mil residências, registra equipamentos sociais e de infraestrutura com 68 escolas, 15 postos de saúde, hospital, 2 delegacias e agência bancária. Ademais, Jurema tem atividades econômicas ancoradas na indústria, no comércio e nos serviços, atividades que geram receita tributária para financiar os investimentos públicos e suportar o ônus do custeio da nova gestão. Todavia, Jurema tem um território ínfimo com 17 km2 (INSTITUTO DE PESQUISA E ESTATÍSTICA DO ESTADO DO CEARÁ, 2011). Já Pajuçara, único distrito de Maracanaú, pertencente à Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), com 209.311 habitantes, território de 111,3 km2, 2º maior PIB e 2º IDH do Ceará, situa-se em território contiguo entre Fortaleza e Maracanaú, como um bairro de cada uma das cidades, e tem, por isso, uma população de 34.673 habitantes. Diferentemente, o distrito de Santa Felícia, pertencente à Acopiara, município com 51.171 habitantes e 2.265 km², seria emancipado com uma população de 8.252 habitantes. Ou seja, o distrito tem população ínfima e possuí como principal fonte de renda a produção de arroz e leite, piscicultura e apicultura. Entre todos os municípios que pretendem emancipar distritos no Ceará, aquele que possui a menor população é o de Jucás, com 23.807 habitantes e com uma área total de 937 km2, o qual se divide em 5 distritos e tem em São Pedro do Norte o distrito que deseja tornar-se município com uma população de 8.252 habitantes. O segundo município em menor número de habitantes é Tamboril, com uma população de 25.451 habitantes, dividido em 07 distritos, com um território de 2.000 km2 e tem em Sucesso, com 9.158 habitantes seu distrito emancipalista. É importante compreender que além dos aspectos econômicos e sociais de autosustentabilidade, também é de grande relevância o número de habitantes e a área territorial do município-sede que pretende emancipar algum distrito para que, dessa forma, não existam prejuízos quando da perda destes elementos. Municípios como Jucás e Tamboril que possuem pequenas populações e territórios enormes não sofreriam consequências negativas por perderem território, mas há que se atentar para o número de habitantes, que quando divididos não serão tão consideráveis em nível municipal. É o oposto dos municípios da RMF, como Caucaia e Pajuçara que têm grandes estratos populacionais e diminutos territórios, justamente por se localizarem, na prática, enquanto bairros de Fortaleza. Ou seja, fartos territórios para pouco habitantes ou grandes populações para ínfimas áreas pontuam como contradições difíceis de serem superadas, merecendo atenção e cuidados maiores, para que após a emancipação o novo município não possa prejudicar-se política e socioeconomicamente. A quantidade de recursos transferidos pela União aos Municípios depende diretamente do número de população e do tamanho do território e, deste modo, se o Município não tem território ou diminuí o quantum de habitantes perderá, consequentemente, receitas. Para Tasso Jereissati (2009, p. 18), o correto seria primeiro procurar o Município desenvolver os distritos, para, em seguida, buscar a independência destes, considerando-se os benefícios ou prejuízos ocasionados com sua criação. A emancipação pode até tornar-se um instrumento de desenvolvimento socioeconômico de determinadas áreas. Entretanto, este potencial há de ser comprovado, através de estudos confiáveis e critérios técnicos que tratem sobre população mínima, estrutura física adequada, capacidade do novo município de autosustento e garantia de que a União poderá proporcionar o mínimo necessário para a sobrevivência do novo ente. Por falta de recursos próprios, milhares de municípios brasileiros sobrevivem apenas das cotas constitucionais. Criar município implica em aumento de despesas de custeio e, sem qualquer incremento na receita, seja no novo ou no município originário, torna-se difícil a situação de ambos. Não se pode desmembrar área privilegiada de um dado município, gerando um novo que usufruirá de sua boa situação em termos de arrecadação, em detrimento da área remanescente que perderá a sua já frágil viabilidade. Países do primeiro mundo alcançaram estágios avançados de gestão pública ao concentrarem, no plano local, toda a parte executiva das ações de interesse imediato do cidadão, com serviços públicos essenciais (educação, transportes, policiamento e controle urbano). A Constituição Federal de 1988 seguiu tal tendência, transferindo da União e dos Estados tarefas vinculadas diretamente à cidadania para o âmbito municipal. Em primeiro lugar, haveria economia de escala na aplicação de recursos; depois, o contribuinte, beneficiário direto de cada empreendimento, seria fiscal natural dos recursos do erário. Na prática, porém, o plano não funcionou dessa forma. Às Prefeituras competem diversas atribuições gerenciais, ao mesmo tempo, que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) regulamentou a execução orçamentária, estabelecendo o emprego de 25% da receita tributária em educação; 15% em saúde; e, no máximo, 60% no custeio da máquina. Poucos gestores se dão conta da tênue margem de destinação de recursos financeiros de seus municípios para empreendimentos fora desse compromisso legal de absorção da arrecadação. A falta de domínio sobre essas limitações legais resulta, na maioria das vezes, em gestão temerária, com risco de enquadramento nas penalidades legais. É sabido que a quantidade de recursos transferidos pela união aos municípios depende diretamente do número de população e do tamanho do território e, deste modo, se o município perde território e habitantes perderá, consequentemente, receita. No entanto, é observado e pela ex-presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (APRECE), Eliene Brasileiro (2009, p. 8), a partir de estudo realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que esta perda só ocorre após o desmembramento, onde, em seguida, é recuperada no momento da reorganização do município-sede, uma vez que o impacto inicial das emancipações, que gera algumas vezes a percepção de que as mesmas trazem mais prejuízos do que ganhos, não se confirma, pois, após a reorganização dos municípios, as taxas de crescimento das receitas são logo equiparadas. Para Eliane Brasileiro, um estudo realizado pela Confederação Nacional dos Municípios observou as variações orçamentárias em três grupos: a) os que perderam território & municípios-mãe; b) os que foram criados; c) os que não foram afetados, no período de 1996-2006. Segundo a pesquisa, as perdas iniciais são recuperadas tão logo no ano seguinte por uma aceleração da taxa de crescimento dos municípios desmembrados. O estudo mostra que enquanto os municípios novos e os municípios-mãe neste período apresentaram aumento de receita na ordem de 60%, os municípios que não foram afetados cresceram apenas 40% no período. Portanto, com a obtenção de maior autonomia administrativa, os territórios incorporam ganhos de qualidade de vida em todas as áreas, principalmente nas políticas de educação e saúde. Além disso, à população das localidades conquistam maior acesso aos serviços públicos, que muitas vezes não estavam acessíveis quando estes pertenciam aos respectivos municípios de origem. Os distritos que se encontram localizadas há quilômetros de distância da sede do município, local onde a educação, a saúde, a cultura e o lazer são mais bem assistidos e, desta forma, melhor oferecidos para a população, faz com que as comunidades distritais sofram não apenas com a falta da prestação dos serviços básicos, mas, também, com o afastamento da identidade cultural do município a que estão atreladas e, em decorrência deste afastamento, surgem novas identidades culturais e um jeito próprio de sanar os problemas advindos destes quilômetros que separam distrito de município e, desta feita, nada mais coerente e justo do que oportunizar a esse território, que já se mostra independente, emancipar-se para garantir, para sua comunidade local, todos os serviços básicos antes falhos e uma melhoria, considerável, na condição de vida. (BRASILEIRO, 2009, p. 8) É relevante mencionar que a importância da emancipação do distrito não reside apenas em proporcionar melhor qualidade de vida com disponibilização de acesso digno a serviços públicos e conquista de novas identidades culturais da população, mas condições que proporcionem um plano de desenvolvimento socioeconômico sustentável e de longo prazo para o novo município. Resta frisar que somente a disposição, a identidade própria e a distância do distrito até o município-sede não poderão, em hipótese alguma, servir como fundamentos suficientes para garantir a emancipação, tendo em vista, prioritariamente, a quase generalizada carência de estruturas básicas físicas e econômicas que farão, de fato, com que este novo ente federado possa crescer e desenvolver-se. Ademais, devem-se conhecer nestes processos emancipatórios os reais interesses por trás das candidaturas dos distritos ao status de novo ente federado. Em meados de maio de 2014, a presidente Dilma Rousseff reuniu-se com o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, que pediu aumento de 2% na fatia da arrecadação total do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) destinada ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O fundo recebe atualmente 23,5% de tudo o que é arrecadado com os dois impostos pelo governo federal e as prefeituras querem elevar o repasse para 25,5%. Com as desonerações de alíquotas do IPI, o governo federal retirou dos municípios brasileiros R$ 77 bilhões entre 2008 e 2013. O deputado Danilo Forte (PMDB/CE) é o relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 406-A/99 que trata da redistribuição orçamentária aos municípios e do aumento do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), da parcela de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e da arrecadação das contribuições sociais sobre receita, faturamento e lucro do Programa de Integração Social/ Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/COFINS) e da Contribuição Social sobre Lucro Liquido (CSLL), com incremento nas contas municipais passando dos atuais R$ 82, bilhões para R$ 90 bilhões. (FORTE, 2014). Pequenos e médios municípios brasileiros estão enfrentando fase financeira crítica, em razão da diminuição dos valores transferidos à conta do FPM. Essas transferências constitucionais são afetadas a cada desoneração tributária concedida pelo governo federal, como parte dos ajustes em sua política econômica. Como o FPM é constituído com parcelas oriundas dos IR e IPI e, nos últimos anos, a União estimulou vários segmentos industriais (automobilístico e eletroeletrônico) com redução de alíquotas do IPI para preservar empregos e incentivar vendas, tal ação fiscal implicou em parcelas menores correspondentes às transferências para estados e municípios. O FPM corresponde à principal fonte de receita de quase todos os municípios cearenses em face da fragilidade das economias locais. A inviabilidade da gestão municipal se deve ao peso excessivo de sua despesa pública e de elevados encargos com pessoal. Em 2013, 110 municípios cearenses registravam despesas de pessoal acima de 51%, comprometendo boa parte da Receita Corrente Líquida (RCL) e, portanto, distantes da meta do equilíbrio orçamentário. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2014). O centralismo da arrecadação federal afeta os estados, mas, fundamentalmente os municípios , com 80% deles sem receita própria para cobrir seus gastos/encargos obrigatórios. A base física da geração das riquezas nacionais é o Município, mas a distribuição fiscal não lhe faz justiça. A Constituição Federal de 1988 ensaiou uma partilha equitativa em relação à sistemática, mas a União foi expedita ao retomar o centralismo da arrecadação dos tributos federais. Apenas quatro capitais brasileiras dispõem de arrecadação própria maior do que o valor recebido das transferências do FPM e do ICMS. São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Florianópolis são as únicas capitais que conseguiram equilibrar suas finanças próprias, superando as transferências constitucionais. As demais capitais continuam dependentes das transferências do FPM, ICMS, fundos setoriais para merenda e transporte escolar. Macapá, ocupante do último lugar na geração de receitas próprias, consegue apenas R$ 22,00 para cada R$ 100,00 obtidos com os repasses constitucionais. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2014). Com a criação de novos municípios, esses recursos constitucionais não aumentarão, apenas serão redistribuídos. Muitas vezes, o que ocorre com a emancipação de distritos é que a separação deixa a sede do município em situação financeira ruim. O cenário preocupa porque, em vez de ser canalizado para a população, os recursos vão para a folha de pagamento das prefeituras. A emancipação de distritos se compara à “economia de escala”, quando uma única estrutura burocrática que servia a 20 mil habitantes, ao ser duplicada para atender metade da quantidade de habitantes, dobra o valor dos custos. Como solução alternativa à emancipação de distritos para reduzir as desigualdades entre as localidades, encontra-se a opção do orçamento territorializado. Atualmente, quando o Executivo Municipal envia a previsão de gastos do ano seguinte para ser aprovado no Legislativo, as despesas são pensadas por áreas temáticas (saúde, habitação, educação). Entretanto, a gestão não se responsabiliza com a execução orçamentária por regiões das cidades. Ademais, as prefeituras carecem de melhor administração para democratizar as ações que contemplem os distritos. A solução seria uma gestão pública regionalizada, sem que haja necessidade de novos prefeito e câmara de vereadores para que o município atenda aos seus distritos. De maneira geral, o que se tem presenciado na maioria dos estados é a tentativa de criar municípios inviáveis, seja pelo tamanho, condições econômicas e arrecadação de recursos através de tributos ou de produtividade. O quadro, porém, não é dos mais favoráveis para o Ceará. Dos 30 distritos candidatos a municípios, com o novo texto do Projeto de Lei Complementar de 2014, o número de possíveis municípios caí para 08, inclusive, nos casos dos distritos de Jurema/Caucaia e Lima Campos/Icó. Jurema ficaria de fora por ter uma área de apenas 17 km², quando o exigido é de 100 km². Já outros 21 distritos, em 2010, possuíam população abaixo de 12 mil habitantes, mínimo demográfico exigido pelo texto. Conforme a Comissão de Criação de Novos Municípios, Estudos de Limites e Divisas Territoriais da Assembleia Legislativa do Ceará, outro problema sério que inviabiliza a criação de novos municípios é que 80% dos municípios cearenses têm problema de disputa territorial por conta da indefinição de seus limites e as alternativas para que sejam solucionados esbarram em resistências financeiras, técnicas e políticas de seus gestores. (O POVO, 2014). O déficit de bons gestores municipais talvez seja a mais grave preocupação do quadro geral de problemas que historicamente assola os novos municípios. Ademais, os altos custos para manter a máquina pública, a baixa arrecadação tributária, o centralismo fiscal na União, que com suas desonerações fiscais reduzem os repasses de recursos constitucionais são obstáculos para a emancipação de distritos e a criação de novos municípios. Lógico, sem desconsiderar a falta de diversificação das fontes geradoras de riqueza do PIB, a precariedade econômico-financeira, as dificuldades de atração de investimentos produtivos e a ausência de equipamentos públicos e obras de infraestrutura. Na verdade, os distritos cumprem fragilmente os critérios estipulados em legislação como baixo nível populacional e parca capacidade de arrecadação de receitas. Torna-se fundamental que as lideranças políticas dos distritos, os parlamentares das assembleias legislativas e a mídia proporcionem um grau mais apurado de planejamento regional dos estados e influenciem as administrações municipais para que ampliem seus níveis de desenvolvimento socioeconômico em todos os quadrantes de suas extensões territoriais. 3. Fundamentos técnicos e interesses políticos que desaconselham a criação de novos municípios no Brasil A bandeira da criação de novos municípios tem sido frustrada, diante das dificuldades que a pauta encontrou em nível nacional. Especialistas em Administração Pública e Direito Municipal ponderam que o apoio à emancipação dos distritos tem viés mais político do que técnico. Reconhecendo que essas localidades enfrentam precariedades físicas e financeiras, os doutrinadores apontam para o contrassenso de se criar novas estruturas administrativas sem viabilidade financeira. O que a realidade brasileira tem mostrado é que a maior parte dos distritos que estão querendo se tornar municípios, em princípio, não reúne essas condições básicas, como estrutura urbana, saúde, educação, segurança pública e autonomia financeira. A Revista de Administração Municipal do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) publicou vários artigos para entender o animus emancipatório. Rudolf Noronha (1996, p. 110-117) procurou focar a opinião das comunidades locais, através de entrevistas realizadas com os habitantes de 17 municípios do Rio de Janeiro que alcançaram sua emancipação durante o período de 1985-1993, concluindo que 4 desses municípios emanciparam-se por interesses político-eleitorais visando novos núcleos de poder; 6 deles por apresentarem estáveis condições econômicas; e 7 buscaram a emancipação para evitar que a economia local estagnasse. Vale ressaltar, que 1.408 municípios foram criados entre 1984 e 1987, quando não havia regras claras. Desses 77% tinham 10 mil habitantes ou menos, e geralmente sem capacidade de gerar receita. Entre 1991 e 1996, mais de 1.000 municípios foram criados no Brasil, saltando, em menos de 5 anos, de 4.491 para 5.507 municípios. A pesquisa de Rudolf Noronha (1996) no tocante aos 04 distritos que haviam buscado a emancipação movidos, prioritariamente, por interesses político-eleitorais de determinados grupos, analisou que diversos políticos vendo-se derrotados eleitoralmente e sem novas chances de retornar aos poderes públicos (executivo e legislativo), viam na criação de um novo município o retorno de tal possibilidade, ainda que estes intuitos fossem ocultos nos discursos de emancipação. Mas, nesses discursos, também se omitia a estrutura do município (em geral com até 15 mil habitantes), quais sejam eles: 01 Prefeito e 01 Vice-Prefeito, o mínimo de 09 vereadores (art. 29, IV, a da Constituição de 1988), 6 secretários municipais, em média; e centenas de cargos comissionados que independem de concursos públicos. Levantamento inédito da Federação das Indústrias do Rio (FIRJAN), de 2011, concluiu que 533 cidades analisadas (12%) gastaram mais com atividades burocráticas da administração e com o Legislativo local do que com Saúde e Assistência Social. Além do que, 548 cidades (12,3%) desembolsaram mais com o custeio da máquina do que com Educação. A análise considerou 4.437 municípios no período, que com o cruzamento de dados, verificou-se que 269 prefeituras gastaram mais com atividades burocráticas da administração e com o Legislativo do que com Saúde, Assistência Social e Educação. Metade delas possuía menos de 5 mil habitantes, e apenas 10 superavam 100 mil habitantes. O peso da administração municipal é maior nas cidades pequenas, já que enquanto cada brasileiro desembolsou, em média, R$ 280,00 com administração e Legislativo municipais em 2011, em cidades com menos de 5 mil habitantes, esse valor era R$ 621,00. (CASTRO & ILHA, 2013). Outro levantamento feito pelo O Globo nas Assembleias Legislativas dos 26 estados da federação revela que o país poderá ganhar até 410 novos municípios, elevando para quase 6 mil o número de cidades brasileiras. Lançado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), demonstrou que em 58 prefeituras criadas entre 2001 e 2010 foram abertos novos 31 mil cargos públicos, que movimentaram, em 05 anos, R$ 1,3 bilhão do FPM. Todo esse investimento, entretanto, não se reverteu em melhoria dos indicadores sociais para a maioria dessas cidades. Segundo o IFDM, divulgado pelo O Globo em janeiro de 2013, 45% dos 58 municípios emancipados registraram piora de desempenho ao longo da última década. (BIASETTO, 2013). Em 2013, 88% das prefeituras brasileiras tinham débito com a Previdência, apenas 4% conseguem levar seus resíduos sólidos para aterros sanitários e 37% dos municípios com menos de 50 mil habitantes não conseguem disponibilizar seus dados para os cidadãos. Cerca de 2.500 dos atuais municípios brasileiros não têm nenhuma receita própria (ALENCAR, 2014). Para Ricardo Ismael (2014), criar municípios, na maior parte dos casos, será bom para os políticos, não para a população. Não é por falta de municípios que a sociedade está desassistida. É preciso que as prefeituras usem melhor os recursos. Atividade-fim de prefeitura não é criar cargos públicos, é trabalhar para o bem-estar da população. Conforme Juliana Coissi (2013, p. 13), levantamento promovido pela Folha de São Paulo, em 2013, dá conta das condições enfrentadas pela maioria dos últimos 595 municípios instituídos no País em 1997: baixa qualidade de vida e a expressiva maioria se mantêm abaixo da média dos demais municípios. Do total, 570 municípios não evoluíram a novos estágios no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de seus estados, que avalia renda, escolaridade e expectativa de vida. Os municípios-mãe também não alcançaram o IDH estadual, depois que perderam área e população pelo desmembramento. Conforme estudos realizados pelo O Povo (2013), a maioria dos municípios criados no Ceará entre 1987 e 1992 ainda não apresentou melhorias nos índices socioeconômicos. No levantamento, O Povo escolheu os 12 municípios analisados em uma pesquisa anterior, realizada em 1995, por Alexandre Cialdini, então assessor de planejamento da SEFAZ-CE. Pelo menos 7 das 12 municípios criados no período sete estão situados no final do ranking do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM), que consiste em uma análise multidimensional com 30 indicadores ligados a aspectos fisiográficos, fundiários e agrícolas, demográficos e econômicos, infraestrutura e sociais, sendo que 10 dos avaliados estão em situação pior que suas antigas sedes. Segue a lista dos piores do ranking IDM 2010: Ererê, Tarrafas, Miraíma, Pires Ferreira, Ararendá, Barreira, Ocara, Barroquinha, Fortim e Graça. As exceções, ou seja, os que melhoraram no ranking IDM 2010, são Horizonte (4º), originado de Pacajus (15º), e Deputado Irapuan Pinheiro (79º), desmembrado de Solonópole (93º). Em 1995, antes da Emenda Constitucional que freou as emancipações, a SEFAZ-CE realizou estudo sobre o potencial arrecadador de municípios recém-criados. O autor foi o então assessor de planejamento, Alexandre Cialdini. Na pesquisa, foram analisados 12 dos 31 municípios emancipados entre 1987 e 1992: Ararendá (1990), Barreira (1987), Barroquinha (1988), Deputado Irapuan Pinheiro (1988), Ererê (1987), Fortim (1992), Graça (1987), Horizonte (1987), Miraíma (1988), Ocara (1987), Pires Ferreira (1987) e Tarrafas (1987). A constatação foi de que, pelo menos cinco anos depois de criados, a capacidade arrecadatória desses municípios se revelou insignificante, viabilizando-se tão somente por estarem escorados no FPM. Dos 12 municípios, 7 estavam acima da média de participação do FPM no total arrecadado. (FIRMO, 2013). O estudo ressalta que nem o FPM nem os outros sistemas de partilha ou transferência devem substituir o esforço fiscal próprio. Mas serem sempre fonte suplementar de recursos e jamais a única alternativa de sobrevivência. O levantamento mostrava ainda que, em 1994, 70,89% dos gastos dos municípios recém-criados iam para despesas correntes. Ou seja, para a máquina administrativa e com preponderância para “serviços de terceiros”. Em apenas 3 municípios, os investimentos representaram ao 1/3 das despesas. Em 5 deles, não chegaram a 1/5 dos gastos. Ou seja, dinheiro demais para manter a estrutura burocrática e quase nada para desenvolver o local. O estudo mostrou ainda que, em 1994, nenhum dos municípios arcou com a totalidade das despesas empenhadas previstas em orçamento (restos a pagar). No caso de Ererê, os empenhos não pagos chegaram a 52% das despesas no período. Em apenas 4 municípios, a arrecadação superou as despesas previstas. Em 8 municípios, estimou-se gastar mais do que se arrecadou, aí incluídas as transferências. Ademais, as emancipações não reduziram o êxodo rural. Pelo contrário, o processo aprofundou-se em mais de 80% dos municípios no período. Como se não bastassem essas dificuldades, é pertinente advertir quanto à falta de estrutura do Estado, representado pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas Municípios para atender as necessidades das novas municipalidades. Para Alexandre Cialdini, ao invés de estimular a criação de novos municípios, deverse-ia investir na aplicação e oportunidade geradas com a Lei de Consórcios Públicos. Essa alternativa significaria, ao invés de desmembrar distritos, promover parcerias entre os municípios para superar suas carências e alcançar determinados objetivos em comum com a promoção de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento local e regional. Os municípios participantes não perdem autonomia, mas passam a atuar em conjunto nas ações determinadas. Seria solução que vem ao encontro do modelo federativo cooperado, como acontece nas economias desenvolvidas. A alternativa vai no caminho inverso da emancipação de distritos, embora não seja necessariamente antagônica. E parece, de fato, aproximar-se mais das demandas das cidades cearenses. (FIRMO, 2013). Prova maior são os vários municípios brasileiros desestruturados economicamente e que dependem diretamente de recursos financeiros oriundos da União para sobreviver. Conforme Sergiano de Lima Araújo (2010, p. 20) cerca de 85% dos municípios cearenses “sobrevivem” quase que exclusivamente dos recursos oriundos do FPM e do ICMS. Dos 184 municípios do Ceará, somente 15 têm outras arrecadações tributárias além destas e, a grande maioria dos municípios sequer cobra o IPTU de seus munícipes, tendo em vista que mesmo sendo uma obrigatoriedade legal, do ponto de vista político, tal ação faz perder eleitores na municipalidade. É o que se denomina de “economia sem produção”. Ou seja, os recursos arrecadados mal dão para custear os gastos burocráticos da máquina pública e pagar os salários do funcionalismo. Sem recursos próprios, a maioria dos municípios cearenses tem ficado refém da renda gerada pelas aposentadorias rurais e pelas políticas sociais de complementação de renda do Governo Federal, mantendo quase inalterado o estado de pobreza dessas populações. Num País onde há uma forte crítica pelo inchamento da máquina administrativa e, de modo geral, à política fiscal, nome dado às ações do governo destinadas a ajustar seus níveis de gastos, a criação de novos municípios também significa criar mais despesas e menos investimentos. Afinal, são mais prefeitos, vice-prefeitos, câmaras de vereadores e outros gastos que vão constar em folha. Ao mesmo tempo, algumas responsabilidades passam a ser das novas cidades, como construção de escolas, postos de saúde, manutenção de estradas, aluguel de imóveis e pagamento de pessoal. Importante esclarecer que, para além das generalidades, nem todos os interesses de lideranças locais ou grupos políticos que intentam a emancipação advêm de benefícios próprios, embora se saiba que na realidade política brasileira, com inúmeros escândalos de corrupção, desvios de verbas públicas, abusos de poder e débil capacidade administrativa dos gestores executivas e parlamentares torna-se fundamental a atenção para estas questões e que cada processo emancipatório seja analisado detalhadamente. Principalmente, no caso do Estado do Ceará. Na verdade, em face desta realidade difícil, o que deveria nos interessar é como os municípios se aglutinam e organizam e, não, necessariamente, como se apartam para que nasçam novos municípios. Diante os dados levantados e a partir das pesquisas realizadas sobre o processo de emancipação distrital e a criação de novos municípios em vários estados brasileiros, em especial, no Ceará, pode-se constatar a fragilidade no cumprimento de critérios técnicos e os interesses políticos não confessos das lideranças distritais. Sem mencionar a morosidade do Congresso Nacional em regulamentar sobre assunto que tanto interessa aos Estados e Municípios e que levanta tantas discussões controversas. Talvez, esta inércia, seja por razões que ainda desconhecidas, levam os parlamentares e o próprio executivo federal a acreditar que este não é o processo de criação municipal adequado. Fato é que desde 1996 (ano em que foi aprovada Emenda Constitucional que retira dos estados a prerrogativa absoluta de legislar sobre a matéria), o Brasil encontra-se sem a lei federal para regular o processo de criação, fusão, desmembramento e incorporação de municípios. Considerações Finais A Constituição Federal de 1988 seguiu a tendência dos países desenvolvidos de destinar para as municipalidades ações executivas de interesse imediato do cidadão, com a oferta de serviços públicos essenciais que fizessem progredir a qualidade de vida das populações mais isoladas, buscando a economia de escala na aplicação de recursos e a fiscalização direta do contribuinte sobre o erário. Todavia, houve um crescimento exagerado do número de municípios com pequena demografia, baixa capacidade de investimentos, dependência de repasses constitucionais, malversação de recursos, inchamento da máquina pública, serviços públicos de péssima qualidade, queda nos indicadores socioeconômicos e má gestão administrativa de grande parte dos municípios recém-emancipados. Com a demora do Congresso Nacional em regulamentar o art. 18, §4º da Constituição Federal de 1988, muitos estados, como o Ceará, resolveram dar um passo a frente da União e buscaram meios próprios de emancipar distritos e concretizar a criação de novos entes federados, por meio de leis próprias (vide Lei Complementar Estadual do Ceará nº 84/2009) que suprimem a falta da regulamentação federal, o que ocasionou uma série de polêmicas levadas aos tribunais pátrios. Ademais, é necessário resguardar as comunidades dos distritos em referência acerca dos problemas que uma emancipação forçada pode acarretar. A importância da análise dos benefícios e prejuízos advindos da emancipação de distritos advém da premissa que a aquisição de uma personalidade jurídica de ente federativo proporcionará autonomia para se auto-administrar tão somente por cumprir, ainda que fragilmente, os critérios técnicos. Vários estudos e pesquisas vêm provando a incapacidade destes distritos de desenvolverem-se sem o auxílio do município-mãe em face da precária estrutura urbana, da dependência centralizada dos repasses de recursos constitucionais e da própria “economia sem produção, mesmo que contradito pelos interesses controversos das lideranças políticas locais, geralmente obstinados em criar oportunidades de ocupar cargos públicos e se beneficiar das regalias e poder que estes proporcionam. A bandeira da emancipação de distritos e da criação de novos municípios tem encontrado inúmeras dificuldades para além da questão da regulamentação legal pelo Congresso Nacional. A realidade municipal brasileira mostrada por pesquisas e doutrinadores aponta para o contrassenso de se criar novas estruturas administrativas sem viabilidade econômico-financeira, com déficit de bons administradores municipais. Resta comprovado, que nas últimas décadas, independente da regulamentação constitucional, no Brasil e em vários estados brasileiros, em especial, o Ceará, os municípios recém-emancipados não conseguiram melhorar a qualidade de vida de suas populações e os piores indicadores socioeconômicos advêm, justamente, em grande parte, destas cidades com menos de 20 mil habitantes. Referências ALENCAR, Chico. Municipalização é progresso? O Povo. Fortaleza, 8 jun. 2014. Caderno Política, p. 22. ALNOTÍCIAS. Autorizações para plebiscitos serão emitidas até o começo de junho. Fortaleza, v. 1, n. 34, p. 7, fev. 2010. ARAÚJO, Sergiano de Lima. O surto dos novos municípios. O Povo, Fortaleza, 19 fev. 2010. Opinião, p. 20. BIASETTO, Daniel et al. Partidos querem criar 410 novos municípios no país. O Globo. Rio de Janeiro, 26 mai. 2013. Caderno Brasil, p. 18. BOSELLI, Giane. Emancipação político administrativa de distritos brasileiros. CNM. Brasília, mai. 2012. Disponível em: <http://www.cnm.org.br/ >. 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