VII Colóquio Internacional Marx e Engels. A escola como campo de disputa da classe trabalhadora Josué Samora de Sousa- Pós-graduando PPGE-UFF GT 7 – Educação, capitalismo e socialismo 1. Introdução O presente trabalho surge das discussões postas na disciplina “Tópicos especiais em trabalho, educação e cultura”1, onde se discutiu a questão da educação em Marx e Gramsci. Um ponto crítico dos debates, realizadas dentro desta disciplina, refere-se sobre as possibilidades da educação escolar poder vir ou não a contribuir de forma efetiva, nas atuais condições, para o projeto histórico da classe trabalhadora de superação da sociedade capitalista. Os encaminhamentos apontaram para a necessidade da superação, de um lado, de uma visão ingênua de educação como redentora da sociedade, e, de outro, de uma visão pessimista de educação que impossibilitaria, nas atuais condições, a construção de uma proposta pedagógica para a educação escolar de acordo com os interesses da classe trabalhadora. Portanto, este estudo busca investigar: a) se em Marx a educação escolar é um local de disputa para a classe trabalhadora?; b) porque desenvolver (ou não) uma práxis educativa na escola que venha a afirmar o projeto da classe trabalhadora frente a sua missão história de superação da sociedade capitalista? Quais elementos pedagógicos e didáticos deveriam compor uma práxis educativa escolar voltada para os interesses dos trabalhadores? Para tanto esta pesquisa pretende identificar, analisar e discutir, num primeiro momento, a relação entre infra-estrutura e superestrutura, como fito de buscar compreender seu caráter de influência recíproca; na sequência, buscar identificar a possibilidade de se construir uma proposta educativa nas atuais condições sociais articulado com os interesses da classe trabalhadora; por fim, identificar alguns elementos que compõem a pedagogia histórico-crítica2 e que possam contribuir para a elaboração de uma nova prática educativa para o proletariado. 1 Programa de Pós-Graduação Strictu-Sensu em Educação da Universidade Federal Fluminense A escolha desta proposta teve como critérios: a) a relação direta com a utilização do materialismo histórico dialético como pressuposto teórico e instrumento de analise da situação social e educacional 2 2. Uma analise dialética da relação infra-estrutura e superestrutura Discutir a educação escolar numa sociedade capitalista a partir dos princípios marxianos, é antes de qualquer coisa, entender que esta não é uma educação escolar em abstrato, mas sim produto de uma construção histórica, feita por homens concretos na produção de sua vida material. Deste modo, a história, não é uma coleção de fatos e ilustrações, mas o processo de desenvolvimento da ação do homem sobre a natureza, e da natureza sobre o homem, na produção de sua existência, por meio do trabalho. Nesta interação homem-natureza os homens produzem, de forma cada vez mais complexa, os bens materiais que possibilitam a sua existência – produção material -, bem como, os significados e sentidos para aquilo que produzem e como produzem – produção imaterial. Para Marx (1978a, p.15) “[...]toda a assim chamada história universal nada mais é do que a produção do homem pelo trabalho humano [...]” (grifo do autor). Porém, não um homem isolado, mas um “zoon politikon”(MARX, 1978b p.104), um ser que produz a sua existência em sociedade, e assim também produzem outros homens e se produzem reciprocamente. Desta forma, a concepção marxiana de homem, só pode ser de um homem ativo, que ao transforma a natureza - como sua extensão inorgânica - produz a si mesmo e aos outros na vida material, produzindo assim sua história. Desta forma, “pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida [...]” (MARX & ENGELS, 2007 p.87). Assim, o pressuposto para analise da sociedade e de suas instituições “são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação” (MARX & ENGELS, 2007 p.87). Este pressuposto coloca aí a questão do condicionamento recíproco das condições materiais já produzidas em dado momento histórico, sobre o homem, uma vez que [...] em cada um dos seus estágios encontra-se um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente estabelecida com a natureza e que os indivíduos brasileira; b) a manutenção da coerência interna de sua proposta por mais de trinta anos; c) a grande divulgação da proposta, expressa no numero de edições dos principais livros que expõem os fundamentos da concepção histórico crítica: Educação: do senso comum a consciência filosófica na sua 14 edições; Escola e Democracia 40 edições; e Pedagogia Histórico-crítica 11 edições; d) e principalmente, pela fato, da proposta do autor se encontrar no cerne da nossa discussão: a possibilidade de uma educação escolar que venha a atender os interesses do classe trabalhadora, e ter como foco a realidade sócio-educacional brasileira. estabelecem uns com os outros; relação que cada geração recebe da geração passada, uma massa de forças produtivas, capitais e circunstâncias que, embora seja, por um lado, modificada pela nova geração, por outro lado prescreve a esta ultima suas próprias condições de vida e lhe confere um desenvolvimento determinado, um caráter especial – que, portanto, as circunstancias fazem os homens, assim como os homens fazem as circunstâncias. (MARX e ENGELS, 2007 p.87) Assim a produção da existência humana, em dado momento histórico, não começa de uma tábua rasa, mas a partir de uma base material e imaterial engendrada pelos seus antecessores, base esta que se manifesta no modo de produção em vigor e nas formas de representações do mundo que os homens constroem em função desta. Se por um lado, a existência do homem não é dada de imediato pela natureza, já que o homem tem de produzir a sua própria existência em relação com natureza, por outro ele já encontra uma “cultura” produzida anteriormente, ou seja, um conjunto de respostas dadas para a produção da sua existência. Tanto, por um aspecto, quanto pelo outro, as novas gerações ao serem incorporadas no conjunto da vida social, necessitam aprenderem a se tornarem homem, um “ser genérico” um “ser social” (MARX, 1978a p.10). Por isso, as circunstâncias fazem os homens na medida em que são inseridos num processo social já dado que precisa ser aprendido, mas os homens fazem as circunstancias, na medida em que, como “potencia”, novas respostas podem ser elaboradas continuamente, a partir da sua ação sobre a realidade natural-social. Em sentido amplo, esse processo de incorporação das novas gerações no processo social já desenvolvido, transformando-o num “ser social” é a educação. Que se torna mais complexa, tanto quanto mais se complexifica a base material da produção social. Isso nos leva a análise da relação entre infra-estrutura (a produção material) e a superestrutura (a produção imaterial). A primeira representa os modos de produção econômica de cada formação social em dado momento, a segunda é a representação que os homens fazem de si e da sociedade na sua organização jurídica e política que se produz a partir da infra-estrutura. Assim [...] na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social. Não é a consciência que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. (MARX, 2008 p.47 grifo nosso) Ou seja, a superestrutura representa o resultado “espiritual” da forma como os homens produzem a sua vida, de modo, que só pode haver modificações nas instituições da superestrutura em sua “essência” se houverem modificações na infra-estrutura. Assim a superestrutura segue mais ou menos a determinação da infra-estrutura (MARX, 2008 p.48). Para Marx (1978a, p.11) só é possível mudar o conjunto da estrutura social, com a emancipação humana de sua condição de alienação com a supressão da propriedade privada. Já que “religião, família, Estado, direito, moral, ciência, arte, etc., são apenas modos particulares da produção e estão submetidos a sua lei geral.” (MARX, 1978a p.9 grifos do autor) No entanto é importante retomarmos alguns aspectos: Se de um lado a circunstâncias sociais já são dadas a priori e estas condicionam o homem, de outro lado, os homens condicionam as circunstâncias sociais, uma vez que é o sujeito ativo dessa relação. A sociedade não pode ser uma abstração em si, pois a sociedade só existe pela ação direta e impreterível do homem em conjunto. Caberia dizer então “o caráter social é, pois, o caráter geral de todo o movimento; assim como é a própria sociedade que produz o homem enquanto homem, assim também ela é produzida por ele” (MARX, 1978a p.9). O que implica dizer que em Marx, os opostos não são mutuamente excludentes, mas ao contrário, pela categoria da contradição do materialismo histórico dialético, os opostos se incluem numa relação de tensão permanente. Neste sentido, há um conflito entre condicionado e condicionante. Desta forma se os homens são condicionados pela sociedade, pelo modo de produção material da sua existência, em uma estrutura econômica, jurídica e política que os antecede, isso não se dá sem conflitos. Sendo o homem o sujeito ativo da produção de sua existência, único capaz de dar a “sociedade” a objetivação material para a sua existência, não pode ser colocado a posto de mero reprodutor passivo das relações previamente estabelecidas. Mas a transformação das circunstancias concretas só se dá quando “[...] os homens adquirem consciência desse conflito e o levam até o fim” (MARX, 2008 p. 48). Mas essa consciência não deve ser entendida como as idéias abstratas que os sujeitos e sociedade fazem de si, ao contrário, essa consciência, só pode ser apreendida, “[...] pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre forças produtivas sociais e as relações de produção” (MARX, 2008 p. 48). 3. Para além das teorias crítico-reprodutivistas Como exposto até agora as instituições que representam a superestrutura social (religião, política, filosofia, educação, arte etc.) estão, dialeticamente, subordinadas a forma pela qual os homens em sociedade produzem de forma efetiva a sua existência material em dado momento da história. A partir da relação infra-estrutura e superestrutura, algumas correntes marxistas, em suas analises, entendem que a educação (e as demais instituições que compõem a superestrutura) “não são”, “não podem” e “não devem” ser o campo de disputa da práxis revolucionária do proletariado, uma vez que só podem ser alteradas com a modificação da base econômica da sociedade. Estas correntes são classificados por Saviani (2001;2011) como “Teorias críticoreprodutivistas”, segundo o autor são críticas por identificarem as contradições da sociedade capitalista, denunciarem a divisão social de classes e seus antagonismo, a exploração capitalista da classe operária. Para os elaboradores dessas teorias a exclusão da classe operária (marginalidade) é parte inerente a própria sociedade capitalista em decorrência da hegemonia da classe dominante que detêm a propriedade privada dos meios de produção, controlando assim também, a produção cultural. Esta marginalidade não é uma disfunção da escola, mas seu papel que é, justamente, garantir que as classes dominadas fracassem na sua ascensão enquanto grupo revolucionário. Neste sentindo, são reprodutivistas, por entendem que a escola é “totalmente determinada” pela infraestrutura capitalista, e sua única função é a “reprodução do modelo social vigente”, desta forma, não identificam na escola a “potencia” para a crítica e confronto com a sociedade instaurada e muito menos como local de luta da classe trabalhadora. Para Saviani (2001; 2011), é necessário superar tanto as posições (e proposições) “não críticas”3 de educação - visão harmoniosa da sociedade -, quanto as posições “crítico-reprodutivistas”, pois, nestas polarizações A impressão que nos fica é que se passou de um poder ilusório para a impotência. Em ambos os casos a história é sacrificada. No primeiro caso, sacrifica-se a história na idéia em cuja harmonia se pretende anular as contradições do real. No segundo caso, a história é sacrificada na reificação da estrutura social em que as contradições ficam aprisionadas. (SAVIANI, 2001 p.30) A indicação da superação dessa polarização pode ser encontrada na transcrição que Eccarius (apud MANACORDA 1991, p.88) fez da fala de Marx na atas do Conselho Geral Da Associação Internacional dos Trabalhadores, em agosto de 1869, nesta se lê: 3 Aquelas que: não identificam as contradições da sociedade dividida em classes, assim vêem a sociedade como harmoniosa; os desvios (marginalidade) que possam vir a ocorrerem são acidentais; identificam a escola como instituição autônoma em relação a sociedade; buscam por meio da escola adequar o individuo ao corpo social conformando-o a sociedade. Assim, a função da escola é conforma os indivíduos para a construção de uma sociedade igualitária. O cidadão Marx disse que a esta questão está relacionada a uma dificuldade de tipo especial. Por um lado, é necessário uma mudança das condições sociais para criar um sistema de ensino correspondente, e, por outro lado, é necessário ter um correspondente sistema de ensino para poder mudar as condições sociais. Por isso devemos partir das situações existentes. Não poderia ser diferente toda ação que pretende ser revolucionária só pode partir das condições existentes. Dialeticamente pode se entender com a fala supracitada, que sim, é necessária a mudança da base material para a mudança efetiva da educação que venha a atender aos interesses do proletariado. Mas pode-se entender, também, que é necessária a preparação do proletariado para a luta revolucionária. Convém, porém uma advertência de [...] não se confiar demais na possibilidade revolucionária de um sistema escolar frente a sociedade, da qual é produto e parte, mas, ao mesmo tempo, também de se eliminar todo adiamento pessimista e omisso de intervir neste setor somente após a revolução, isto é, quando as estruturas sociais já tenham sido modificadas. (MANACORDA, 1991 p.96) Neste ponto, podemos então aceitar a premissa de que [...] a educação é, sim determinada pela sociedade, mas que essa determinação é relativa e na forma de ação recíproca – o que significa que o determinado também reage sobre o determinante. Consequentemente, a educação também interfere sobre a sociedade, podendo contribuir para a sua própria transformação. (SAVIANI, 2011 p.80 grifo nosso) Assim, poderíamos dizer que a educação escolar é de interesse da classe trabalhadora, e que a escola, “é”, “pode” e “deve” ser um lugar de luta da classe trabalhadora. Se aceitarmos que o homem é um ser ativo no processo de produção material e espiritual da sociedade, podemos, inferir daí que mesmo sendo determinado pode vir a determinar 4. A proposta histórico-crítica A concepção pedagógica, intitulada, “Histórico-Crítica” é formulada por Dermeval Saviani a partir da década de 1970, já no livro “Educação: do senso comum a consciência filosófica” pode se observar os elementos principais que mais tarde dariam corpo teórico a esta proposta, inicialmente apresentada no livro “Escola e Democracia”, e aprofundada na publicação do livro “Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações”. A elaboração da pedagogia proposta por Saviani, parte da superação das concepções de educação das teorias classificadas como “não críticas” e “criticoreprodutivistas”. É nesse movimento que o autor afirma que A pedagogia revolucionária é crítica. E, por ser crítica, sabe-se condicionada. Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais, reconhece ser ela elemento secundário e determinado. Entretanto, longe de pensar, como o faz a concepção crítico-reprodutivista, que a educação é determinada unidirecionalmente pela estrutura social dissolvendo-se a sua especificidade, entende que a educação se relaciona dialeticamente com a sociedade. Neste sentido, ainda que elemento determinado, não deixa de influenciar o elemento determinante. Ainda que secundário, nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade. (SAVIANI, 2001 p.65-66) Esta sociedade é caracterizada pela expropriação continua dos meios de produção materiais e espirituais dos dominados, pela pose da propriedade privada, e pela divisão social do trabalho que compõem a forma de subsunção do trabalhador ao capital. Isso representa, em termos de superestrutura, que As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem a sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual. (Marx e Engels 2007 p.48 grifos do autor) Para Marx e Engels (2007, p.35) “a divisão do trabalho só se torna realmente divisão a partir do momento em que surge uma divisão entre trabalho material e [trabalho] espiritual”. A divisão entre aqueles que produzem e aqueles que comandam, entre aqueles que fazem e aqueles que pensam. Por isso, para Saviani, [...] o domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação política das massas. Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação. Eu costumo, as vezes, enunciar isso da seguinte forma: o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação. (SAVIANI, 2001 p.55) Por isso, um dos pontos centrais da pedagogia histórico-crítica é a apropriação do “saber sistematizado” pela classe trabalhadora. Segundo o autor “[...] a escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado” (SAVIANI, 2001 p.14). A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir dessa questão. Se chamarmos isso de currículo, podemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. (SAVIANI, 2001 p.14) Nessa proposta pedagógica, a seleção e organização dos conteúdos têm grande relevância. Saviani por diversos momentos chama a atenção de que a escola deve fazer uma seleção atenta entre os conteúdos culturais, distinguindo o que é principal e secundário, visto o risco, do currículo ser ocupado com atividades que a princípio deveriam ser “extra-curriculares”. Os conteúdos devem ser selecionados a partir do conhecimento “científico”, por tanto, pertencentes a “cultura erudita”, conhecimentos que sejam “universais e objetivos”. A sua oposição ao saber “popular”, “espontâneo” e “não sistematizado”, se deve ao fato dos mesmos não possibilitarem, a classe trabalhadora, a apropriação dos instrumentos necessários para uma leitura critica da realidade e sua afirmação enquanto classe social. Segundo o autor, as classes dominadas já detêm o saber popular, para isso, elas não necessitam da escola. (SAVIANI, 2011). Esta proposição é também observada por Manarcoda (1991, p. 101) que afirma que para Marx “na escola, deve-se ensinar matérias como ciências naturais e a gramática, que ‘não variam quando ensinadas por um crente ou por um livre pensador’; todo o resto os jovens devem assimilar da própria vida, do contato direto com a experiência dos adultos”. Outro ponto que se articula ao primeiro é a questão do método. Para a concepção histórico-crítica “[...] é o fim a atingir que determina os métodos e processos de ensinoaprendizagem [...]”. Metodologicamente Saviani (2001, p.70) preconiza que o ponto de partida para a prática educativa deva ser a prática social, numa perspectiva crítica essa é uma proposição coerente já que para Marx (1978c, p.52 grifos do autor) “toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios, que induzem as doutrinas do misticismo, encontram sua solução racional na práxis humana e no compreender dessa práxis”. Nesse primeiro momento, da metodologia histórico-crítica, a visão do aluno, sobre a prática social, ainda é de caráter sincrético, os dados são difusos e não articulados. A partir disso, o próximo passo é buscar identificar os principais problemas sociais que necessitam ser compreendidos. Este segundo passo é chamado de problematização. “Trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em conseqüência, que conhecimento é necessário dominar” (SAVIANI, 2001 p.71). Para o equacionamento dos problemas identificados são necessários a aquisição e domínio dos instrumentos teóricos e práticos adequados. Esse momento é chamado de instrumentalização. Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a sua apropriação pelos alunos está na dependência de sua transmissão direta ou indireta por parte do professor. [...].Trata-se da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias a luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem. (SAVIANI, 2001 p.71 grifo do autor) No quarto momento, chamado catarse, é quando se expressa de forma elaborada, e de modo novo, o entendimento da prática social. “Trata-se da efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social”. (SAVIANI, 2001 p.72). Ao final do processo, o ponto de chegada, é a própria prática social, mas agora numa nova compreensão uma síntese elaborada desta. Na visão do autor, para que a educação possa cumprir seu objetivo de proporcionar aos alunos a aquisição dos instrumentos teóricos práticos na elaboração dos conhecimentos, que venham a se articular com seus interesses de classe, torna-se necessário a articulação entre o “compromisso político” e a “competência técnica” do professor no trato político pedagógico do saber escolar, pois sem o primeiro não há como vislumbrar a centralidade do processo educativo para a classe trabalhadora, e sem o segundo aspecto não há como desenvolver adequadamente a prática educativa de forma que venha efetivamente atender os interesses dos trabalhadores (SAVIANI, 2011). Em suma, para a pedagogia histórico-crítica, a apropriação do saber sistematizado, desenvolvido metodologicamente a partir e para o entendimento da prática social, em que se articule compromisso político e competência técnica tem como objetivo [...] fazer com que se passe da classe em si para a classe para si, ou seja, o desenvolvimento da consciência de classe. A escola só poderá desenvolver um papel que contribua – vejam bem, não que transforme, mas que contribua – para a transformação da sociedade, na medida em que ela discuta as condições essenciais em que os indivíduos vivem. Então, nesse sentido, ela permitiria – a par de uma função técnica, que é a função daqueles instrumentos fundamentais de acesso a cultura erudita – ela facilitaria aos indivíduos a percepção da divisão de classes e de seu pertencimento a uma classe. A escola, nesse caso, só poderia cumprir essa função, na medida em que seu papel político estivesse explícito e não implícito. Papel político quer dizer mostrar como se dão as relações de poder e quais as bases de poder. Isso levaria, então, a descoberta do lugar que se ocupa no processo produtivo é que, então, seria possível a organização para reivindicações de acordo com os reais interesses das camadas dominadas e, dessa forma, caminhar para a superação dos problemas enfrentados por essas camadas. (SAVIANI, 1980 p.187) Outros pontos ainda poderiam ser explorados na discussão da concepção histórico-crítica da educação. Mas por ora, e dentro dos limites deste trabalho, cabe dizer que é uma pedagogia comprometida num sentido amplo como a emancipação humana, e dentro da especificidade da escola a elevação do nível cultural da classe dominada com a apropriação do saber elaborado. 5. Considerações finais Como exposto, para Marx, então para uma pedagogia comunista, é importante entender que a escola como parte da superestrutura é condicionada pela forma de produção material capitalista, no entanto, isso não significa que o homem deva abrir mão de seu caráter ativo, para tanto é necessário nas atuais circunstâncias buscar preparar o trabalhador em vistas ao seu projeto histórico. Assim devemos superar as teorias críticos-reprodutivistas, no entanto, sem perder de vista o caráter limitado da educação na sua relação como o processo de produção material da sociedade. Neste sentido, a pedagogia histórico-crítica apresenta alguns elementos para a elaboração de uma pedagógica comprometida com os interesses da classe trabalhadora. No entanto, esta não deve ser entendida como uma proposta acabada, mas, como ponto de partida para uma construção coletiva em busca de uma nova prática educativa. 6. Referências MANARCORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Editora Corte e autores Associados. 1991. 198p. MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. In: Marx. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978a. 407 p ___________ Para a crítica da economia política. In: Marx. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978b. 407 p. ___________ Teses contra Feuerbach. In: Marx. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978c. 407 p. ___________& ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stiner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo, 2007. 614 p. ___________. Contribuição a crítica da economia política. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 285p. SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum a consciência filosófica. São Paulo: Cortez editora: Autores associados. 1980. 224 p. ___________. Escola e Democracia. 34ª ed. rev. São Paulo: Autores associados. 2001. (coleção polemicas de nosso tempo; vol.5). ___________. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11ª ed. rev. São Paulo: Autores associados. 2011. (coleção educação contemporânea).