UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA CONSTRUÇÃO DE UMA CARTILHA INFORMATIVA SOBRE PSICOTERAPIA INFANTIL SUSI GONÇALVES Itajaí, (SC) 2009 1 SUSI GONÇALVES CONSTRUÇÃO DE UMA CARTILHA INFORMATIVA SOBRE PSICOTERAPIA INFANTIL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do titulo de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí Orientadora: Profa. Marina Menezes Itajaí, (SC) 2009 2 Agradeço aos queridos e amados pais, pelo apoio e incentivo, por transmitirem-me preciosos ensinamentos sobre vida, e acima de tudo por ensinarem-me caminhar com minhas próprias pernas, sabendo que estão sempre ao meu lado. À Profa. Orientadora, Marina Menezes, por despertar meu interesse pela psicoterapia infantil, e pela gentileza e atenção com que conduziu-me ao resultado final deste trabalho. Alla mia cara amica Ana Cristofaro, che con la sua amicizia e pazienza mi ha aiutato tanto nelle tribolazione della vita, e per aver accettato di partecipare a questo lavoro, illustrando e creando il layout del libretto. 3 SUMARIO RESUMO ................................................................................................................ 04 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 05 2. EMBASAMENTO TEÓRICO .............................................................................. 07 2.1 Fases do desenvolvimento cognitivo através da perspectiva piagetiana 07 2.2 Saúde mental infantil ...................................................................................... 11 2.3 Psicoterapia infantil ........................................................................................ 13 2.3.1 Aspectos históricos ........................................................................................ 13 2.3.2 Conceitos e objetivos da psicoterapia psicanalítica infantil ........................... 16 2.3.3 Abordagens terapêuticas em psicoterapia infantil ......................................... 17 2.3.4 Etapas da psicoterapia infantil ....................................................................... 19 2.3.4.1 Início ........................................................................................................... 19 2.3.4.2 Fase intermediária ...................................................................................... 21 2.3.4.3 Término ....................................................................................................... 22 2.3.5 Critérios de alta .............................................................................................. 23 2.3.6 O papel dos pais na psicoterapia infantil ....................................................... 24 3. ASPECTOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 26 4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ........................................................... 28 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 31 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 33 7. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 38 8. APÊNDICE ......................................................................................................... 39 4 CONSTRUÇÃO DE UMA CARTILHA INFORMATIVA SOBRE PSICOTERAPIA INFANTIL a Orientador: Prof . Marina Menezes Defesa: novembro de 2009 Resumo Através de revisão bibliográfica, encontrou-se considerável taxa de prevalência para problemas de saúde mental em crianças. Grande parte destas são encaminhadas para psicoterapia, enfrentando um sentimento de perplexidade e medo frente ao desconhecido, muitas vezes pensando no psicoterapeuta como um tipo de médico ou professor. Frente a esta problemática, à escassez de material que visasse auxiliar na compreensão de do processo psicoterapêutico, orientado tanto para crianças quanto para seus cuidadores, e tendo em vista a importância desta compreensão, por parte da criança, buscou-se na literatura especializada itens necessários para a compreensão do processo psicoterapêutico, sendo então confeccionada uma cartilha que pudesse auxiliar crianças entre 7 e 12 anos no entendimento deste processo. O material proposto utiliza-se de ilustrações, pequenos textos com linguagem de fácil acesso e de material lúdico que visa despertar o interesse da crianças em manipulá-lo, sendo ao mesmo tempo lúdico e informativo. Além de crianças em psicoterapia, outras crianças também poderão se beneficiar deste material, além de pais e cuidadores, na medida em que poderão compreender um pouco melhor o processo psicoterápico infantil, podendo servir como material de apoio para preparar a seus filhos para o primeiro encontro com o terapeuta. Procurou-se abordar temas como o porquê da busca por psicoterapia, como esta acontece, a conversa com os pais, o papel do psicólogo clínico infantil, o reconhecimento de sentimentos, os modos de realização de psicoterapia (em grupo ou individual), a freqüência, as atividades desenvolvidas, o que a criança pode encontrar no consultório, o brincar como forma de expressar-se, o sigilo, os problemas sendo resolvidos ou abrandados, e o fim da terapia. Palavras-chave: psicoterapia, infância, instrução programada Sub-Área de concentração (CNPq): 7.07.10.00-7 Membros da Banca ______________________________________ Daisy Lígia Santos Domingues Professora convidada ______________________________________ Josiane da Silva Delvan Professora convidada ________________________________________ a Prof . Marina Menezes Professora orientadora 5 1. INTRODUÇÃO A psicoterapia infantil tem sua origem na psicanálise de adultos, com as descobertas de Freud sobre a importância de eventos acontecidos na infância para a vida adulta. Com base em suas descobertas, Anna Freud e Melanie Klein procuram adaptar a técnica psicanalítica de modo que esta seja aplicada à crianças. Neste processo, Melanie Klein inclui o uso de brinquedos como modo de atingir o inconsciente infantil, utilizando-o de modo similar à associação livre, utilizada na psicanálise de adultos. Desde então, as técnicas de psicoterapia infantis têm-se ampliado, e diversas abordagens voltam-se para o entendimento da infância. Muitas crianças experimentam um sentimento de perplexidade e medo diante do processo psicoterápico (COPPOLILLO, 1990), assim, é muito importante que a criança esteja ciente das razões que impeliram os pais a procurarem a ajuda de um psicoterapeuta, e do propósito de iniciar uma psicoterapia. Estas informações podem ser dadas inicialmente pelo pais, antes da primeira entrevista com a criança, e posteriormente pelo próprio terapeuta, que buscará fazer com que a criança sinta-se em um ambiente seguro onde poderá expressar-se sem medo de ser rechaçada (COPPOLILLO, 1990; ABERASTURY, 1992). A criança que inicia um processo psicoterápico, muitas vezes não sabe que papel atribuir a este processo e/ou ao psicólogo, por vezes pensa neste como um médico, ou professor. Segundo Coppolillo (1990), os pais freqüentemente esperam por sugestões do terapeuta sobre o modo que deveriam preparar seus filhos para o primeiro contato com este e para o início da psicoterapia. Tendo em vista a importância da compreensão, por parte da criança, sobre o processo psicoterapêutico em que está ou será envolvida, e frente a escassez de material que atenda a necessidade desta no entendimento sobre o assunto, surge a idéia de produzir uma cartilha explicativa, que de modo simples, com figuras e pequenos textos, poderá auxiliar crianças no entendimento deste processo. O público-alvo abrange crianças em psicoterapia, ou não, bem como seus pais e/ou cuidadores, na medida em que clarifica a imagem da psicoterapia. As cartilhas estão entre os materiais que podem ser utilizados por psicólogos para o fornecimento de informações, em linguagem adequada para a compreensão, esclarecendo aspectos técnicos dos procedimentos adotados, minimizando 6 angústias, fantasias e medo, podendo servir como de interação e comunicação entre o psicólogo, seus pacientes e responsáveis (CREPALDI; RABUSKE e GABARRA, 2006). A presente cartilha (Apêndice 01) será indicada a crianças de 7 a 12 anos, que segundo os estágios do desenvolvimento cognitivo humano formulados por Piaget estão no período de operações concretas, pois acredita-se que neste período já serão capazes de compreender o material proposto. Para Piaget, uma operação é “um tipo especial de rotina mental cuja característica predominante é a reversibilidade” (MUSSEN et al., 1977, p. 31). Acredita-se que as crianças desta faixa etária iniciam a utilizar a lógica, são capazes de compreender e lembrar-se de fator históricos e geográficos, de autoanálise, de compreensão dos próprios erros, de planejamento das ações, compreensão do ponto-de-vista e necessidade dos outros, entre outras habilidades (TERRA, 2005). É também nesta idade (dos 7 aos 12 anos) que inicia a lógica na criança e os sentimentos morais e sociais de cooperação, época que coincide com o começo da escolaridade; surge a noção de tempo, causalidade e conservação (PIAGET, 1998). Outra característica deste estágio é a “capacidade de engajamento em operações mentais que são flexíveis e completamente reversíveis” (NEWCOMBE, 1999, p. 139). Apesar de ser voltada para crianças, também adultos poderão beneficiar-se do material, uma vez que, de acordo com uma pesquisa realizada por Dal Piva (2008) com pais de crianças em psicoterapia, nem sempre ficam realmente claras as propostas de uma psicoterapia infantil para os adultos cuidadores. Sabendo-se psicoterapêutico, da esta importância pesquisa do teve conhecimento como objetivo acerca do processo buscar, na literatura especializada, quais os itens necessários para a compreensão do processo psicoterápico, à crianças, em terapia ou não, bem como a seus cuidadores, professores e demais interessados. De posse destes dados, desenvolveu-se então uma cartilha informativa sobre psicoterapia infantil, contendo linguagem de fácil acesso, ilustrações e pequenos textos. 7 2. EMBASAMENTO TEÓRICO Para o desenvolvimento da cartilha, utilizou-se como base teórica a abordagem psicanalítica, por ter sido a pioneira no trabalho com o público infantil, despertando interesse da autora. Como critério para a escolha da faixa etária do público-alvo, utilizou-se da teoria piagetiana no desenvolvimento cognitivo, a seguir discorrer-se-á um pouco sobre esta teoria, saúde mental infantil e alguns aspectos da psicoterapia infantil. 2.1 Fases do desenvolvimento cognitivo através da perspectiva piagetiana O desenvolvimento cognitivo caracteriza-se pelas mudanças que ocorrem nas habilidades mentais das crianças, no curso de suas vidas (SHAFFER, 2005). Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo se relaciona à maturação, sua teoria supõe que as características biológicas colocam alguns limites na ordem e velocidade da emergência das capacidades cognitivas específicas e simultaneamente preconiza a importância da interação com o mundo para o crescimento cognitivo, os bebês adquirem conhecimentos através de suas ações com eles (MUSSEN, et al. 1995; NEWCOMBE, 1999). Piaget descreveu três estruturas mentais, que veio a chamar de esquemas, criadas para representar e interpretar as experiências: 1) os esquemas comportamentais (ou sensório-motores), que emergem nos dois primeiros anos de vida, são padrões organizados de comportamentos que a criança utiliza para representar e responder a um objeto ou experiência, além do conhecimento acerca de objetos e acontecimentos, limita-se ao que pode ser representado por meio de ações; 2) esquemas simbólicos, a partir do segundo ano de vida, a criança é capaz de representar experiências mentalmente e usar símbolos mentais para alcançar seus objetivos; e 3) esquemas operacionais, característicos de crianças com 7 anos ou mais, sendo a operação cognitiva uma atividade mental realizada para chegar a uma conclusão lógica, as mais comuns implicam símbolos matemáticos e operações reversíveis (SHAFFER, 2005). Os reflexos biológicos transformam-se em esquemas motores construindo, gradativamente, estruturas cognitivas manifestadas em uma organização 8 seqüencial, a que Piaget chamou de estágios do desenvolvimento cognitivo (PALANGANA, 2001). São quatro, os estágios ou períodos do desenvolvimento cognitivo na teoria piagetiana: sensório-motor, do nascimento aos 2 anos; pré-operacional, dos 2 aos 7 anos; estágio das operações concretas, dos 7 aos 12 anos; e estágio das operações formais, dos 12 anos em diante. Ocorrem diferenças individuais nas idades em que as crianças entram ou saem de cada estágio, Piaget pensava que fatores culturais e outras influências ambientais poderiam tanto acelerar quanto retardar o ritmo no desenvolvimento intelectual. Estágio sensório-motor: baseia-se principalmente em experiências sensoriais e ações motoras, ou seja, as crianças coordenam as informações sensoriais com suas habilidades motoras, formando esquemas comportamentais para conhecer e agir sobre o seu ambiente (NEWCOMBE,1999; MUSSEN et al. 1995; SHAFFER, 2005). Estágio pré-operacional: aumento significativo no uso de símbolos mentais para representar objetos e eventos, sendo a evidência mais obvia do uso simbólico a linguagem, os fenômenos de imitação tardia e a brincadeira simbólica. Este novo comportamento era interpretado por Piaget como demonstração da aquisição da capacidade de pensar sobre os objetos e os eventos que não estão presentes no ambiente imediato, através de figuras, sons, imagens, palavras ou outras formas mentais (SHAFFER, 2005; NEWCOMBE, 1999). Este estágio é chamado de estágio pré-operacional porque Piaget acreditava que crianças em idade pré-escolar ainda não haviam adquirido os esquemas operacionais que lhes permitissem pensar logicamente. O pensamento e o discurso da criança neste estágio são muitas vezes egocêntricos, ou seja, é incapaz de compreender que outras pessoas têm outras perspectivas ou pontos de vista, diferente do seu. Além disso, seu pensamento possui outras três características: falta de reversibilidade ou de flexibilidade, preponderância de aparências perceptivas e enfoque ou centramento em apenas um aspecto da situação de cada vez (NEWCOMBE, 1999). 9 Operacional-concreto: durante este estágio, as crianças adquirem operações cognitivas1 e aplicam essas novas e importantes habilidades quando pensam sobre objetos e eventos que estão experienciando. Tornam-se capaz de usar a reversibilidade e fazem uso da lógica, não se deixando enganar pela aparência, para guiar sua conclusão (SHAFFER, 2005). Alguns progressos são alcançados caracteristicamente nesta fase, como a capacidade de operações mentais que incluam reversibilidade – podem reverter ações como retirar um objeto de cima de uma mesa, colocando-o novamente na posição anterior; aparece também uma capacidade de descentramento – focalizam sua atenção sobre diversos atributos de um objeto ou evento simultaneamente e compreendem as relações entre dimensões e atributos; passam a utilizar princípios lógicos como o princípio de identidade – os atributos básicos de um objeto não mudam – e o princípio de equivalência (NEWCOMBE, 1999). Foram os experimentos de Piaget com relação à conservação que demonstraram as três características principais das crianças neste estágio: capacidade de realizar operações reversíveis; de descentração, conseguem concentrar sua atenção a vários atributos de um objeto simultaneamente e entendem relações entre dimensões e atributos; e deixar de se basear em informações perceptuais e passar a usar princípios lógicos (MUSSEN et al, 1995). Outra capacidade adquirida neste estágio é a seriação, que é a capacidade de dispor objetos de acordo com alguma dimensão qualificada, como peso ou tamanho, ou seja, é uma capacidade crítica para a compreensão das relações numéricas, as crianças nesta fase são capazes de dispor objetos de acordo com dimensões quantificadas, como peso, tamanho, comprimento (MUSSEN et al, 1995, NEWCOMBE, 1999). Quanto ao pensamento racional, as crianças no estágio operatório concreto podem distinguir que termos como “mais alto” ou “mais baixo” referem-se a relações e não à qualidades absolutas, são capazes de comparar e incluir um mesmo objeto em classes diferentes; ilustrando o pensamento lógico da existência de relações hierárquicas entre diversas categorias de objetos (MUSSEN et al, 1995, NEWCOMBE, 1999). 1 O termo operação, aqui, é empregado no sentido de uma estrutura cognitiva usada para transformar uma informação. 10 São capazes de desenvolver um raciocínio indutivo, superar mudanças imediatas e considerar a relação lógica envolvida nos acontecimentos. Por outro lado ainda apresentam dificuldade em lidar com questões abstratas (PETRIN, 2006). As ações da criança neste período são presas à realidade, por isto são capazes de organizar o que está imediatamente presente, mas ainda não conseguem trabalhar com enunciados verbais. Porém, acentua-se a tendência para a socialização da forma de pensar o mundo, evoluindo de uma forma individualizada (egocêntrica), para uma forma mais socializada, com uso comum de regras e leis de raciocínio, por ela e por outras pessoas. Com o desenvolvimento da capacidade lógica, a criança busca, além de compreender o pensamento do outro, transmitir o seu de modo que este seja aceito pelo outro (PALANGANA, 2001). Atualmente acredita-se que crianças pré-escolares possam utilizar algumas operações concretas – como reversibilidade, descentração e uso de classes hierárquicas – caso as tarefas sejam apropriadamente planejadas (MUSSEN et al, 1995). Operações formais: é o estágio mais avançado do desenvolvimento cognitivo, inicia aproximadamente aos 12 anos e estende-se até a fase adulta, onde ocorre a superação das limitações do estágio operacional concreto. O marco referencial deste estágio é o raciocínio hipotético-dedutivo, caracterizado pela não restrição à pensamentos sobre fatos passado e pela capacidade de levantar hipóteses. Crianças nesta fase podem resolver problemas de modo abstrato, usando sistemas simbólicos que não requerem referências concretas (SHAFFER, 2005). Neste estágio a criança pensa e raciocina de modo versátil e flexível, sendo capaz de ver objetos e situações de inúmeros ponto de vista. Adquire capacidade de raciocinar sobre problemas hipotéticos e reais, refletindo a respeito de possibilidades e fatos. Além disso diante de um problema, considera todas as soluções, formulando hipóteses e testando-as sistematicamente (MUSSEN et al., 1995). O pensamento não encontra-se apenas vinculado ao factual ou observável, pois a criança nesta fase pode raciocinar de forma lógica sobre processos hipotéticos e eventos que podem não ter base na realidade. Além de raciocínio hipotético-dedutivo, que se orienta do geral para o particular levantando hipóteses, possuem também raciocínio indutivo, indo de observações específicas para generalizações mais amplas (SHAFFER, 2005). 11 De acordo com a teoria piagetiana, a criança constrói as noções de espaço por meio de uma liberação progressiva e gradual do egocentrismo, sendo que as primeiras noções são construídas são referentes ao espaço prático, da ação, que ela constrói por meio dos sentidos e através dos seus próprios deslocamentos, construindo o espaço representativo com o aparecimento da linguagem e da representação simbólica em geral (SCORTEGAGNA e BRANDT, 2009). A desenvolvimento da construção do espaço tem como base as estruturas construídas no estádio sensório-motor, “ganhando força na formação das representações da função simbólica e coordenando-se nas operações concretas, configurando-se em dois pontos bem distintos: um ponto de vista perceptivo ou sensório-motor e outro representativo” (RODRIGUEZ, 2007). A noção de tempo ocorre de modo paralelo à construção do espaço, do objeto e da causalidade, sendo estas noções indissociáveis, implicadas na elaboração de um sistema de relações. A compreensão do tempo está ligada à sucessão, duração e simultaneidade (RODRIGUEZ, 2007). Após estas breves especificações sobre o desenvolvimento cognitivo infantil, um outro aspecto a importante a ser destacado é a questão da saúde mental na infância, por ser um fator que poder vir a interferir no desenvolvimento da criança, bem como gerar comportamentos desadaptados. 2.2 Saúde mental infantil Adotou-se, no presente trabalho, a compreensão sobre o conceito de saúde mental como “grau de desenvolvimento de maturidade esperada para determinada etapa do desenvolvimento” (MOTTA, 2006, p. 24). A partir deste conceito, a saúde não é vista como sinônimo de ausência de sintomas, e sim como um caminho em direção ao desenvolvimento, o qual poderá comportar dificuldades, obstáculos e crises (MOTTA, 2006). Problemas relacionados à saúde mental na infância podem prejudicar o desenvolvimento da criança, além de estarem associados ao risco de transtornos psicossociais na vida adulta (FERRIOLLI; MATURANO e PUNTEL, 2007), porém a identificação destes problemas na infância passa por outras dificuldades além daquelas encontradas na identificação de transtornos em adultos. 12 Por encontrar-se em um período de desenvolvimento, a criança possui uma capacidade limitada de atribuir um desconforto à uma fonte interna, tendendo a expressar seus problemas emocionais através de comportamentos desadaptados. Problemas ligados à saúde mental em crianças geralmente são identificados pelos adultos responsáveis, sendo que a capacidade que estes adultos têm, para identificar problemas, está ligada à informação que possuem sobre o tema e aos recursos para tratamento que tem acesso. Por isto, um processo diagnóstico infantil deve incluir fontes de informações diversas, como professores, pediatras, pais, registros escolares e outros (BIRD e DUARTE, 2002). Outra questão importante é o preconceito e estigmatização que o encaminhamento para um serviço de saúde mental traz em si, seja por parte de quem faz o encaminhamento, pais, professores; seja por quem atende, preocupando-se ou não em confirmar a suspeita de diagnóstico, podendo surgir aqui novos problemas, de ordem preconceituosa. Assim, o atendimento que deveria proporcionar uma ajuda ou solução, transforma-se em mais um problema a ser enfrentado pela criança (BIRD e DUARTE, 2002; BOARINI e BORGES, 1998). De acordo com a APA (American Psychiatric Association) transtorno mental constitui uma síndrome ou padrão comportamental ou psicológico, clinicamente importante, que ocorre em um indivíduo e que se mostra associado com sofrimento ou incapacitação, ou com um risco significativamente aumentado de sofrimento atual, morte, dor, deficiência ou perda importante da liberdade (APA, 2002). Três grupos diagnósticos se destacam na psiquiatria infantil: 1) desordens emocionais, como: ansiedade, depressão, desordens obsessivo-compulsivas e somatização; 2) desordens do comportamento disruptivo: transtornos de condutaagressividade a pessoas e animais, comportamento transgressor em que as condutas sejam dirigidas para o outro; e 3) transtornos do desenvolvimento: problemas de aprendizagem, desordens autistas, enurese, encoprese (ASSIS et al, 2009). Crianças e adolescentes constituem uma parte significativa da clientela que busca os serviços de saúde mental, a maioria do sexo masculino; apresentando mau desempenho acadêmico, comportamento agressivo e desobediência em casa e na escola. A prevalência de crianças do sexo masculino apontada pode ter uma possível explicação no fato de que meninos costumam ser mais agitados que meninas (VITOLO et al, 2001), o que acarretaria um maior número de 13 encaminhamentos aos serviços de saúde mental. Outras corroboram estes resultados (MELO e PERFEITO, 2006; SANTOS (2006); GRAMINHA e MARTINS, 1993; GRAHAM e MARSHAL, 2005; LINHARES, PARREIRA, MATURANO e SANT’ANNA, 1993). Estas queixas não justificam um atendimento psiquiátrico, nem a inserção do paciente em um CAPSi, porém indicam necessidade de uma avaliação mais profunda e de psicoterapia ou aconselhamento psicológico (SANTOS, 2006). A saúde mental infantil tem sido negligenciada, segundo esta autora, tanto pelas políticas públicas quanto por estudiosos e profissionais da área. O Ministério da Saúde, no Brasil, possui proposta de saúde mental somente para transtornos mentais graves, através dos CAPSi – Centro de Atendimento Psicossocial para a Infância e Adolescência, deixando de considerar a importância de ações de Psicologia na atenção básica. O termo saúde mental, por vezes, permanece restrito ao atendimento psiquiátrico, deixando de considerar a abrangência e as contribuições de diversas disciplinas para com o atendimento de crianças e adolescentes com problemas emocionais e comportamentais (SANTOS, 2006). Os serviços especializados em saúde mental para crianças e adolescentes geralmente são escassos, de difícil acesso, e com longas filas de espera. Na maioria das vezes, crianças com dificuldades emocionais são atendidas por profissionais de saúde não especializados, por profissionais da área da educação ou de outras áreas sociais, que nem sempre estão capacitados para este tipo de atenção e acabam por minimizar o problema ou encaminhá-lo de forma inadequada, postergando intervenções necessárias que, por vezes, tornar-se-ão mais difíceis e custosas no futuro (RIBEIRO e TANAKA, 2005). 2.3 Psicoterapia infantil 2.3.1 Aspectos históricos A partir da análise de adultos, Freud encontrou muitos acontecimentos significantes na sua infância e na de seus pacientes, instigando-o a pensar que as causas de transtornos mentais teriam suas bases nas primeiras fases do desenvolvimento. Então, a fim de corroborar e ampliar suas idéias os profissionais 14 que atendiam crianças, voltaram-se para a análise destas (GLENN, 1996; ABERASTURY, 1992). A primeira vez em que os princípios técnicos da psicanálise foram aplicados em uma criança foi em 1909, com início a análise do Pequeno Hans2, que sofria de uma fobia de cavalos. A análise foi conduzida pelo pai de Hans, sob a supervisão de Freud (CASTRO, 2004 apud STÜRMER, 2009; GLENN, 1996; KERNBERG, 1999; FICHTNER, 1997). Neste caso foram dados os primeiros passos em relação à psicanálise com crianças, que antes era tida como inviável, uma vez que a idéia vigente era a de que crianças eram impossibilitadas de fazer associações livres; então, não poderiam ter insights nem traduzir ações em palavras, sendo portanto incapazes de serem submetidas aos métodos psicanalíticos (ABERASTURY, 1992). Segundo Vidal (1991), com o caso do Pequeno Hans, Freud não pensou na possibilidade do surgimento de uma nova técnica psicanalítica especializada, tampouco na adaptação de seu método com novas técnicas; sua preocupação era comprovar as teorias sexuais infantis que tinham surgido a partir das análises de pacientes adultos. Assim, a maior contribuição de Freud para a análise de crianças foi indireta, uma vez que permitiu o reconhecimento e a importância dos dinamismos psíquicos da crianças; porém, foi contrário à possibilidade de o método psicanalítico ser aplicável em crianças (ZIMERMAN, 2004). Depois de Freud, sua filha, Anna Freud, deu continuidade aos estudos com crianças; compartilhava a idéia vigente na época de que não era possível haver neurose de transferência de uma criança para com seu analista, pois suas transferências estavam ligadas aos pais reais e um trabalho interpretativo mais profundo seria ineficaz (RAHMI, 2006; MELLO, 2006). Defendia, portanto, o ponto de vista de que a psicanálise de crianças deveria ser desenvolvida como “uma forma nova e aperfeiçoada de pedagogia” (STÜRMER, 2009, p. 31), visando reeducar crianças para adaptá-las a realidade, objetivando um melhor convívio desta com pais e irmãos (ZIMERMAN, 2004). Seu método incluía uma fase preparatória, onde o analista “conquistava a criança para análise (...), [em seguida], era tratado através 2 FREUD, Sigmund (1909). Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 10 v. 15 da interpretação cuidadosa das defesas e, depois, à medida que o reprimido se tornava consciente, das pulsões” (GLENN, 1996, p. 9). Contemporaneamente, Melanie Klein iniciou seus estudos, vendo a psicanálise com crianças como uma “oportunidade de uma exploração psicanalítica do funcionamento psíquico desde o nascimento” (STÜRMER, 2009, p. 31), discordava do pressuposto de que crianças não desenvolviam transferência e recomendava que fossem feitas interpretações diretas e profundas, capazes de atingir o ponto de emergência da angústia, pois somente o contato direto da criança com sua realidade psíquica poderia auxiliá-la a descobrir melhores formas de aceitação da realidade e a renunciar a determinadas defesas (MELLO, 2006). Assim, para Melanie Klein, o estabelecimento de relação da criança com a realidade, bem como o fortalecimento de seu ego, se davam como o resultado de análise e não como condição para que a análise pudesse se realizar, como acreditava Anna Freud (MELLO, 2006, p. 40) Melanie Klein deu grande contribuição à técnica de psicoterapia infantil ao perceber que “o brincar da criança poderia representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias” (SEGAL, 1975, p. 12); introduziu então, de modo sistemático e consistente, a brincadeira como nova ferramenta na análise de crianças, fazendo uso dos jogos, desenhos e utilização de brinquedos como uma forma equivalente a da associação livre de idéias do adulto, preconizada por Freud, utilizando-a como forma mediadora para acessar o inconsciente, considerando o significado emocional da brincadeira como análogo ao sonho do adulto (ZIMERMAN, 2004; BARROS e BARROS, 2006). A partir de então, o brincar passou a ser visto como um elemento fundamental na análise de crianças, pois é a atividade lúdica, que vai permitir o acesso ao inconsciente infantil, constituindo expressão do desejo e da fantasia inconsciente; Melanie Klein “utiliza a interpretação do jogo mesmo na ausência da palavra” (VIDAL, 1991 p. 44). Ao comentar sobre a tendência atual da psicanálise com crianças, Zimerman (2004, p. 349), cita a posição adotada pelo Centro Anna Freud, com sua afirmativa de que 16 “a ambição do terapêutica do analista vai mais alem do domínio do conflito e a melhora das soluções inadequadas dos conflitos. Agora abarca faltas, falhas, defeitos e privações, isto é, toda a variedade de fatores externos e internos adversos, aponta a correção de suas conseqüências e define o tratamento como uma combinação de terapia orientada para o insight e a assistência para o desenvolvimento (Zimerman, 2004, p. 349). 2.3.2 Conceitos e objetivos da psicoterapia psicanalítica infantil A psicoterapia é amplamente utilizada para uma série de transtornos, desenvolvendo-se por meio do relacionamento entre terapeuta e paciente, em nível verbal e não-verbal; incluindo o uso de jogos no caso de crianças (KERNBERG, 1999). A técnica indicada para crianças é determinada, geralmente, pelo referencial teórico adotado pelo terapeuta, no caso da psicoterapia de orientação analítica apoiada no referencial teórico kleiniano, o brinquedo é um análogo da associação livre (FICHTNER, 1997). A análise de crianças e a análise de adultos possuem as mesmas normas e alcançam os mesmos resultados, diferenciando-se apenas em nível técnico pois o psiquismo infantil requer um método específico, adaptado, e este foi encontrado na técnica lúdica (MELLO, 2006). Apesar de os princípios básicos serem os mesmos, as crianças tem um tratamento diferenciado, por possuírem estruturas de personalidade e grau de desenvolvimento diversos dos adultos. O analista3 busca auxiliar “o paciente a entender-se mediante a interpretação das comunicações do paciente, permitindo assim mudanças na estrutura da personalidade e uma dissolução dos sintomas e do comportamento mal adaptado” (GLENN, 1996, p. 23). Freqüentemente as expectativas com o encaminhamento da criança à psicoterapia são de que esta irá ajustar-se ou comportar-se de acordo com os desejos da família e/ou escola; porém, a finalidade real da psicoterapia (psicanalítica) é proporcionar um espaço para seu autoconhecimento, explorando seus potenciais, sendo conceituada como 3 Para alguns conceitos e/ou intervenções técnicas o termo terapeuta/analista será utilizado como sinônimo. 17 (...) um instrumento psicológico capaz de, além de buscar a remissão dos sintomas, ajudar a criança a expressar melhor suas emoções e a compreendê-las, ocasionando modificações no mundo intrapsíquico e interrelacional (CASTRO, CAMPEZATTO e SARAIVA, 2009, p. 99). Os objetivos voltam-se para a diminuição das tendências regressivas e para a superação das inibições e paradas desenvolvimentais (GLENN, 1996, p. 09). A meta é que a criança, através do brincar e de suas interpretações, consiga dominar a angústia que lhe aflige e lhe causa sofrimento. Para tanto, o terapeuta deve ir ao encontro desta angústia, com o escopo de “formulá-la para a criança, decodificando em palavras o que ela demonstra, abrindo assim espaço para a simbolização e o pensamento” (MELLO, 2006, p. 36). Ao brincar, a criança procura superar experiências desagradáveis, buscando deslocar, através da projeção, perigos e medos internos para o mundo exterior na tentativa de dominar a angústia. As atividades lúdicas criam, desta forma, uma “ponte” entre fantasia e realidade, ajudando a dominar o medo dos perigos internos e externos (MELLO, 2006). 2.3.3 Abordagens terapêuticas em psicoterapia infantil O processo terapêutico infantil pode acontecer de modo individual, ou em pequenos grupos de 3 a 5 crianças. A ludoterapia em grupo é indicada apenas em casos específicos e as crianças devem ser cuidadosamente selecionadas e agrupadas, sendo que a eficiência do processo depende diretamente de uma combinação harmoniosa de pacientes (GINOTT, 1979). Axline (1972) aponta oito princípios básicos que guiam o terapeuta nos contatos com seus pacientes infantis: 1. O terapeuta deve desenvolver um amistoso e cálido relacionamento com a criança, de forma que logo se estabeleça o “rapport”. 2. O terapeuta aceita a criança como ela é. 3. O terapeuta estabelece uma sensação de permissividade no relacionamento, de tal modo que a criança se sinta completamente livre para expressar seus sentimentos. 18 4. O terapeuta está sempre alerta para identificar os sentimentos que a criança está expressando e para refleti-los para ela, de tal forma que ela adquira conhecimento sobre seu comportamento. 5. O terapeuta mantém profundo respeito pela capacidade da criança em resolver seus próprios problemas, dando-lhe oportunidade para isso. A responsabilidade de escolher e de fazer mudanças é deixada à criança. 6. O terapeuta não tenta dirigir as ações ou conversas da criança de forma alguma. Ela indica o caminho e o terapeuta o segue. 7. O terapeuta não tenta abreviar a duração da terapia. O processo é gradativo e assim deve ser reconhecido por ele. 8. O terapeuta estabelece somente as limitações necessárias para fundamentar a terapia no mundo da realidade e fazer a criança consciente de sua responsabilidade no relacionamento (AXLINE, 1972, p. 69). Atualmente diversas abordagens trabalham com a psicoterapia infantil, dentre elas: Psicoterapia de Orientação Analítica, Psicoterapia Breve, Cognitiva, CognitivoComportamental. As psicoterapias breves, têm tempo e objetivos terapêuticos determinados, sendo apresentadas como modelos em expansão de diversas técnicas (KNOBEL, 1997). As indicações são variadas, e Aberastury (1971, apud KNOBEL, 1997) aponta algumas situações onde comumente são utilizadas formas de breves de psicoterapia com crianças: ao serem induzidas a cirurgias, casos agudos de um sintoma que possa ser focalizado e isolado, diante de doença mortal própria ou de alguém próximo, situações familiares perturbadoras como adoção, divórcio, mudanças, novo casamento dos pais; dentre outras. As psicoterapias de apoio são comumente indicadas, por exemplo, em casos de transtornos mentais leves, transtornos de aprendizagem, transtornos globais do desenvolvimento e psicoses (KERNBERG, 1999), porém, de acordo com Coppolillo (1990), pode acompanhar a psicoterapia de insight quando esta volta-se para aspectos dolorosos e/ou difíceis de serem trabalhados. Para a Psicologia Cognitiva, os comportamentos e afetos disfuncionais, originados de transtornos psicológicos, são caracterizados pela presença de equívocos e distorções do pensamento; assim, através de um conjunto de técnicas de tratamento, a Psicologia Cognitiva busca avaliar e corrigir estes pensamentos envolvidos no transtorno, modificando conseqüentemente as respostas emocionais, 19 uma vez que estas são fortemente dependentes da avaliação cognitiva dada aos eventos ambientais e internos (KNAPP, 1997). A partir dos princípios de aprendizagem e da ciência cognitivista, surge a psicoterapia cognitivo-comportamental, que busca a compreensão das relações entre o organismo e o ambiente através de um enfoque na aprendizagem e nos aspectos cognitivos, fundamentando-se no modelo psicossocial para entender comportamentos ditos “normais” e “anormais”, no qual normalidade e anormalidade apresentam-se como uma questão social e não médica. Assim, tem sua ação terapêutica “dirigida para alterar as relações entre o comportamento e seus determinantes ambientais ou cognitivos” (RANGÉ e BAPTISTA, 1997, p. 231 In: FITCHNER, 1997). A criança, com a terapia cognitivo-comportamental, recebe ensinamentos e é encorajada para o desenvolvimento de novas habilidades, antecipação de conseqüências e auto-reflexão (KERNBERG, 1999). Para o presente estudo serão focalizadas as etapas do processo de Psicoterapia de Orientação Analítica Infantil. 2.3.4 Etapas da psicoterapia infantil A psicoterapia comporta uma etapa de avaliação, onde o terapeuta encontra a criança e sua família, tendo a oportunidade de conhecer aspectos gerais do paciente como elementos do funcionamento e organização da família bem como elementos do funcionamento psíquico da criança; e três outras fases: inicial, intermediária e final (CASTRO; CAMPEZARRO e SARAIVA, 2009). É importante ressaltar que estas fases não são estipuladas com base no tempo, e sim nos processos e modificações que vão acontecendo no decorrer da terapia. 2.3.4.1 Início O processo de avaliação inicia com encontros com os pais, nos quais buscase colher informações a respeito história do paciente, em seguida ocorrem encontros com a criança, onde é realizada a hora do jogo diagnóstica, que geralmente ocorre no primeiro encontro com a criança, onde o terapeuta procura observá-la, partindo da concepção de que, através do brincar, a criança fala simbolicamente, e que sua maneira de atuar durante esta atividade pode ser reveladora quanto ao sentido dos 20 sintomas que apresenta (EFRON et al., 1981, apud CALDERARO e CARVALHO, 2005). Este período de avaliação varia de caso para caso, sendo constituído, geralmente, de cerca de 5 encontros, no total. Em seguida, volta-se a conversar com os pais para dar-lhes uma devolutiva, para que possam ter um entendimento psicodinâmico da criança e dos sintomas que foram motivo da procura de auxílio (BERNHOLDT, 1989). A partir da avaliação, se constatada uma real necessidade, o paciente inicia então a psicoterapia. Apesar de a criança ser “trazida” ao consultório, deve estar ciente sobre a finalidade de sua avaliação e, posteriormente, de seu tratamento; se não foi explicado previamente à criança motivo de sua ida ao terapeuta, ou se esta possui alguma incerteza quanto ao processo psicoterápico, o terapeuta deve esclarecer-lhe, de modo que possa compreender, o(s) motivo(s) e objetivo(s) de estar sendo avaliada ou iniciando uma terapia, bem como do porque os pais terem procurado o terapeuta. Os objetivos terapêuticos devem ser entendidos tanto pela criança, quando pelos pais desta. Com estes, por sua vez, será discutido o panorama psicológico do paciente, mas preservando o sigilo sobre as revelações feitas, pela criança, ao terapeuta (BERNHOLDT, 1989). Na fase inicial constrói-se um vinculo e uma aliança de trabalho, é nesta fase a criança vai iniciando a revelar algo de si mesma no decorrer das sessões, por exemplo, através dos materiais lúdicos que escolhe (ZAVASCHI et al., 2005 apud CASTRO, CAMPEZATTO e SARAIVA, 2009). Coppolillo (1990) destaca cinco importantes conquistas nesta primeira fase: 1) A criança atinge um grau de bem estar que a permite ser produtiva nas sessões, passando a compreender que as informações trazidas por ela serão analisadas e não resultarão em punições, repreensões e/ou castigos. 2) A criança se comunica normalmente. Após alguns momentos de timidez, a maioria das crianças mostra-se disposta a uma conversa, talvez empregando o brinquedo para quebrar o silêncio. 3) A criança e o terapeuta atingem uma aliança terapêutica. Esta inicia a partir do reconhecimento, por parte da criança, que algum aspecto de sua vida não está indo bem e que juntamente com o terapeuta pode buscar meios de melhorar. 4) A criança torna-se consciente de que algumas atividades mentais são geradas internamente, passando a reconhecer o mundo interno. Geralmente crianças até 11 21 anos não tem consciência de que um comportamento ou um sentimento consciente podem ser ocasionados por um motivo gerado internamente, assim através da sua própria observação, o terapeuta procura ajudá-la a ter consciência da necessidade de uma mudança interna. 5) A criança e o terapeuta começam a dividir modos de representar seus estados internos com palavras, imagens e símbolos; desenvolvendo uma linguagem particular. Esta fase pode ter uma duração variada e a aquisição destes objetivos não garante que terão continuidade durante todo o tratamento. O importante é que ao fim desta, o paciente esteja mais familiarizado com o processo terapêutico, aliando-se ao terapeuta na tarefa de identificar e elaborar conflitos (ZAVASCHI et al., 2005 apud CASTRO, CAMPEZATTO e SARAIVA, 2009). 2.3.4.1 Fase intermediária A fase geralmente mais longa do processo terapêutico, a fase intermediária, visa explorar, interpretar e elaborar os conflitos que originaram a busca do tratamento. Neste período podem surgir outras questões, além das iniciais, que poderão ser foco do trabalho terapêutico (CASTRO, CAMPEZATTO e SARAIVA, 2009). Procura-se reconhecer e analisar temas e tendências inconscientes e persistentes que reprimem o paciente, dificultando seu desenvolvimento; elaborar a natureza dos sintomas e dificuldades apresentados, e compreender o modo como a criança experiencia seus problemas. É importante que a comunicação, nesta e em todas as fases, seja familiar e evocativa ao paciente. A medida em que estas questões são investigadas, paciente e terapeuta encontram razões compreensíveis para sua repetição; estas são resumidas pelo terapeuta, de forma compreensível, para o paciente (COPPOLILLO, 1990). A participação dos pais ou cuidadores também é significativa, na medida em que estes poderão fornecer informações gerais sobre a criança, pode-se também pensar na possibilidade de aconselhá-los, fornecendo informações e sugestões práticas, conforme necessário. Esta prática mantém como foco as dificuldades da criança e as reações dos pais (KERNBERG, 1999). 22 2.3.4.3 Término No momento em que começa a ser discutido seriamente o término do processo terapêutico entre terapeuta e paciente, inicia a fase final da terapia. É um estágio crucial, pois ecoará em outros términos futuros na vida da criança (KERNBERG, 1999), por isto o ideal é auxiliar a criança a examinar suas condições reais para um término, trabalhar o luto pelo fim do relacionamento com o terapeuta e “identificar os ganhos conquistados e as situações que ainda merecem alguma atenção psicoterápica” (LUZ, 2005 apud CASTRO, CAMPEZATTO e SARAIVA, 2009, p. 110). Para Anna Freud, uma vez que o objetivo seja promover o desenvolvimento normal para sua idade, então a terapia alcançou seu objetivo quando o prévio desenvolvimento interrompido prossegue novamente (SANDLER, 1982), sendo a criança capaz de tomar conta de seu próprio desenvolvimento. Para Sandler (1982) este critério está relacionado com metas globais, propondo além destes, critérios relacionados com metas intermediárias, que surgem durante o processo, relacionadas com a resolução da transferência e adaptação do paciente à vida externa. Segundo Castro (1989), as normas para conclusão de psicoterapias infantis, tal coma nas análises, vão sendo construídas, modificadas e fixadas considerando-se a avaliação inicial, os objetivos e metas propostas, o prognóstico e o tipo de técnica utilizada e a profundidade alcançada (p. 54). Poucos estudos falam sobre um tempo médio de duração para psicoterapia infantil, uma pesquisa realizada por Duarte (1985 apud CASTRO, 1989) aponta uma duração média de dois a três anos, para psicoterapia de orientação analítica. O ideal é que a idéia de término seja discutida entre o terapeuta, a criança e seus pais, e que estes estejam de acordo com o término. Porém, nem todo término é realizado de forma planejada, sendo grande o número de términos prematuros (COPPOLILLO, 1990). Estes podem ser provocados por iniciativa do terapeuta (como a interrupção de tratamentos realizados em clínicas-escola, quando o terapeuta acaba o curso e um outro assume o seu posto junto à criança), por condições na criança (como 23 problemas de saúde, constatação de que o tratamento não é apropriado àquele paciente – havendo interrupção no tratamento ou na modalidade deste), e/ou devido a circunstâncias ambientais (mudança de residência, resistência por parte dos pais), sendo que uma série de fatores podem contribuir e interligar-se para um término prematuro. Mesmo nestas situações de interrupção do tratamento, o terapeuta pode tomar algumas medidas para “minimizar os possíveis efeitos adversos do término, e solidificar os benefícios que a criança possa já ter conseguido” (COPPOLILLO, 1990, p. 275). 2.3.5 Critérios de alta Com a aproximação do término do tratamento, a criança passa a demonstrar algumas características, como: desaparecimento de sintomas; plasticidade aos modos de responder ou adaptar-se ao meio ambiente; adequação à idade na escolha de brinquedos e atividades; produz associações e observações, chegando à conclusões sozinha; maior utilização da expressão verbal para comunicar desejos e sentimentos; diminuição de atividades agressivas e, conseqüentemente, diminuição de angústia e culpabilidade (CASTRO, 1989; COPPOLILLO, 1990). Segundo Castro (1989), cada terapeuta tem seus próprios critérios de alta, embasados nas experiências profissionais e na síntese individual. Porém, alguns aspectos podem servir de “guia” para o reconhecimento da aproximação da alta, Kernberg (1995) sugere alguns indicadores por parte da criança: - Apresenta uma idéia mais realista do terapeuta e de suas funções, demonstrando bom relacionamento com ele, sendo desfeitos os vínculos transferenciais. - Passa a trazer mais material referente à vida cotidiana, dando-se conta da perspectiva de tempo e apresentando planos futuros. - Demonstra mudança na qualidade de suas comunicações, havendo aumento de verbalizações. - Demonstra sentimentos ambivalentes em relação ao término, como tristeza e pesar, acompanhados de satisfação com seus ganhos. - Apresenta comportamentos sublimatórios, desenvolvendo novos interesses e criatividade. - Usa defesas mais flexíveis e evoluídas. 24 - Obtém insights, tornando-se mais reflexiva na busca de entendimento acerca das causas dos fenômenos que observa em si e na realidade externa. - Retoma o curso de seu desenvolvimento sem tantas barreiras e sofrimentos. Menninger (1982 apud CASTRO, 1989) propõe um conjunto de critérios para o término de psicoterapia infantil, observando o ajustamento da criança: em relação consigo mesma (como sua adaptação à realidade, etapa de desenvolvimento atingido, funcionamento egóico); em relação com os outros (principalmente na família e escola, onde se verificam as mudanças mais significativas), com o terapeuta (resolução do relacionamento transferencial e real); e com coisas idéias (capacidade de brincar expandida, diminuição de inibições e ansiedades, interesses por novas atividades). 2.3.6 O papel dos pais na psicoterapia infantil A dependência da criança em relação a seus cuidadores, leva o psicoterapeuta a considerar o acompanhamento e orientação a estes. Portanto, torna-se importante a realização de entrevistas sistemáticas com os cuidadores a fim de que sejam auxiliados a compreender e aceitar as dificuldades da criança, e a receber as melhorias que irão exigir uma reestruturação da dinâmica familiar (FURTADO e MARQUES, 2009). Caso o problema encontre-se em uma esfera ambiental, não tendo sido internalizado na mente infantil nem se estruturado, o manejo das dificuldades com os pais pode ser suficiente. Já quando os sintomas adquirem autonomia em relação ao ambiente, a intervenção com os pais/cuidadores torna-se acessória, não decisiva (SIMON apud MOTTA, 2006). A psicoterapia pode prosseguir mais rapidamente se os cuidadores receberem algum tipo de ajuda terapêutica ou aconselhamento, embora freqüentemente os cuidadores sejam um fator agravante no problema enfrentado pela criança. Porém, não é necessário que isto aconteça para assegurar o sucesso do tratamento (AXLINE, 1972). Os pais/cuidadores, ao participarem da psicoterapia infantil, podem fornecer o apoio necessário para a criança continuar seu tratamento. Além disto, podem precisar da ajuda do psicoterapeuta para lidar com as mudanças da criança no 25 decorrer do tratamento, uma vez que mudanças profundas em atitudes e relacionamentos exigem um acomodamento da família (SANDLER, 1982). 26 3. ASPECTOS METODOLÓGICOS A presente pesquisa utilizou-se da metodologia de pesquisa bibliográfica, que consiste em um levantamento de pesquisas e outros materiais já realizados por outros autores dentro do tema proposto, com a finalidade de proporcionar ao pesquisador um contato direto com escritos sobre o assunto apontado. Esta pesquisa foi realizada a partir de dados encontrados em materiais publicados na literatura especializada: livros, artigos, teses, dissertações, monografias e bases de dados informatizados (Lilacs, Bireme, Pubmed, Scholar, Scielo, BVSPsi). Uma ordem de organização foi adotada para que a realização da pesquisa ocorresse de maneira mais organizada, facilitando o entendimento e o manejo da mesma. Primeiramente foi feita uma documentação e um levantamento do material coletado, para uma posterior leitura exploratória (rápida leitura para verificação da pertinência dos dados encontrados com o tema). Após esta etapa realizou-se uma triagem do material para reconhecimento do assunto; e uma leitura seletiva, para a escolha das bibliografias realmente relacionadas com o tema, posteriormente houve uma leitura analítica para separação das partes mais importantes de todo o material coletado e para a confecção de fichas e resumos, que facilitarão a execução da fundamentação teórica. Notando a importância de dirigir-se diretamente à criança, ao falar de um processo no qual ela é figura central (BORNHOLDT, 1989), a escolha da confecção de uma cartilha surgiu do pressuposto de que este tipo de material pode, de modo simples e recreativo, abordando algumas preocupações suas e de seus pais, auxiliar a criança, na faixa etária proposta, a compreender o processo de psicoterapia infantil. Esta foi formulada de modo a ser compreendida por crianças entre 7 e 12 anos, com base na proposta de desenvolvimento cognitivo de Piaget, que indica o tipo de pensamentos das operações concretas, sendo capazes de raciocinar de forma coerente, estabelecendo relações e coordenando pontos de vistas diferentes integrando-os de modo lógico e coerente (TERRA, 2005). 27 As cartilhas, ao fornecerem informações em linguagem adequada para a compreensão, esclarecendo aspectos técnicos dos procedimentos adotados; podem auxiliar na minimização das angústias, fantasias e medo, sendo uma forma de interação e comunicação entre o psicólogo, seus pacientes e responsáveis, (CREPALDI; RABUSKE e GABARRA, 2006). 28 4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Através da pesquisa bibliográfica realizada, encontrou-se grande carência de material que auxiliasse crianças e cuidadores a compreenderem o processo psicoterapêutico infantil, sendo que a compreensão sobre este parece estar diretamente ligada às explicações fornecidas verbalmente pelo psicólogo. Foram encontrados materiais informativos sobre diversas temáticas, como: a entrada da criança em uma ambiente hospitalar, a ida ao consultório médico, respostas para dúvidas freqüentes, apresentação do corpo humano, modos lidar com problemas de sono, irritação, preocupações, manias (BENNETT, 2010; HUBNER, 2009; BINGHAM, 2006; LONGOUR, 2003; ROBBINS, 2002; POSTERNAK, 2002; DUARTE e NOGUEIRA, 2001). Porém, o único material do gênero encontrado foi o livro intitulado “O primeiro livro da criança sobre psicoterapia” dos autores Marc A. Nemiroff e Jane Annunziata (1994). Este livro, porém, não é tão acessível ao público-alvo do presente trabalho, por ser de ser um livro americano traduzido para o português, sem adaptação à realidade brasileira e por ter elevado custo. Diante desta problemática levantou-se os itens necessários para a compreensão do processo psicoterápico, à crianças, em terapia ou não, bem como a seus cuidadores, professores e demais interessado. Após este levantamento, criouse uma cartilha de X páginas, com conteúdo lúdico e informativo sobre a temática, para que de forma interativa a criança possa compreender melhor os objetivos e componentes da psicoterapia infantil. As cartilhas fornecem informações em linguagem adequada para a compreensão, esclarecendo aspectos técnicos dos procedimentos adotados, minimizando angústias, fantasias e medo, sendo uma forma de interação e comunicação entre o psicólogo, seus pacientes e responsáveis (CREPALDI; RABUSKE e GABARRA, 2006). Estas são direcionadas a temas específicos, com conteúdo educativo elaborado conforme as características específicas de tais temas e a faixa etária de desenvolvimento a quem é “desenvolvimento da autonomia destinado. As informações favorecem o da criança e de seus cuidadores (...), 29 proporcionando um maior controle sobre a situação vivenciada” (CREPALDI; RABUSKE e GABARRA, 2006, p. 39). A escolha da realização de uma cartilha partiu da idéia de que se as crianças e seus pais levarem as informações para casa, poderão consultar estas quando desejarem, evitando parte de incompreensões resultadas de uma explicação exclusivamente oral. Os problemas de saúde mental infantil têm mobilizado o aumento da demanda para atendimento psicológico nesta faixa etária. Estudos de Fleitlich-Bilyk (2002) e Heiervang et al. (2007), citados por Silva (2008), apontam que 5 a 15% de crianças apresentam sintomas psiquiátricos com impacto nas suas vidas, em países desenvolvidos, sendo que a prevalência de transtornos mentais em préadolescentes é de aproximadamente 12%, aumentando para 15% na adolescência, havendo prevalência de transtornos mentais disruptivos e de ansiedade. Uma revisão, feita por Roberts e cols. (1998 apud RIBEIRO e TANAKA, 2005), de trabalhos realizados a partir de 1980, em 20 países, com crianças e adolescentes de 1 a 18 anos, encontrou taxas de prevalência de transtornos mentais de 1,0% a 51%. Tal variação nas taxas pode ser causada pela influência de fatores metodológicos, sendo o mais importante deles a metodologia utilizada para determinação do caso (LAURINDSEN e TANAKA, 1999). Quando utilizados critérios empregados critérios do DSM-III as taxas variam de 17,6% e 22,0% (COSTELLO, 1989 apud LAURINDSEN e TANAKA, 1999); quando incluídos critérios de prejuízo funcional ou necessidade de tratamento especializado, esta taxa pode baixar para 5% (OFFORD e FLEMING, 1996 apud LAURINDSEN e TANAKA, 1999). No Brasil e na América Latina foram encontrados poucos estudos sobre prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes, mas nenhum com amostras significativas (BELFER e ROHDE, 2005 apud SILVA, 2008). O estudo mais importante, quanto ao rigor metodológico, é o de ALMEIDA FILHO (1982-1985 apud RIBEIRO e TANAKA, 2005), realizado com 829 crianças com idades entre 5 e 14 anos residentes em Salvador (BA), onde foi encontrada uma taxa de prevalência global de 23,1%, composta de 15% de distúrbios neuróticos ou psicossomáticos, 2,6% retardo mental, 2,5 transtornos orgânicos-cerebrais, 1,6% transtornos do desenvolvimento e 1,2% diagnósticos de menos ocorrência. Outros estudos realizados no Brasil, como o de Vitolo et al. (2001), utilizando a escala total de dificuldades (SDQ), referem uma prevalência de 32% para 30 problemas de saúde mental em geral; e o estudo realizado por Laurindsen e Tanaka (1999), baseado em morbidade referida, ou seja, aquela em que a população-alvo define a presença do problema pesquisado sem outras comprovações, aponta uma taxa de 4,7% de prevalência, para o que os pesquisados chamaram de “problema dos nervos”. Apesar da escassez de dados, segundo a Fundação IBGE (2000 apud RIBEIRO e TANAKA, 2005), pode-se estimar que, no Município de São Paulo, ao redor de 100.000 crianças e adolescentes entre cinco e 14 anos apresentam algum tipo de transtorno psiquiátrico, porém não são citados na bibliografia pesquisada, os métodos que apóiam tal afirmação. Estes transtornos podem levar a um grande sofrimento, tanto para as próprias crianças afetadas, como para suas famílias e comunidades. Estes variam em relação a idade de início, tipos de sintomas, nível de disfunção que provocam e prognóstico a longo prazo (RIBEIRO e TANAKA, 2005). A clientela infantil tem representado maioria entre a população atendida pelos serviços de saúde mental, porém faltam serviços para atender esta demanda, o que é reforçado pelo encaminhamento de problemas escolares ou de aprendizagem, que não necessitam a intervenção de um profissional de saúde mental. Ao ocupar-se destes casos, além de contribuírem para o déficit no atendimento de crianças que realmente necessitam deste, reforça-se a idéia de medicalização/psicologização de dificuldades escolares (BOARINI e BORGES, 1998). Estes autores, pressupõem que a maior incidência de crianças que buscam estes serviços pertencem às classes populares, o que aponta para uma crise da infância. O atendimento, geralmente segue um caminho tradicional em que a escola ao perceber dificuldades nas crianças da sua instituição encaminham-nas para psicólogos ou clíncas-escola. O que ressalta a possibilidade de a instituição não querer assumir um papel significativo na produção ou alteração destas dificuldades que ela detecta (SILVARES, 2000). Pode-se perceber que as escolas e seus atores não possuem um conceito claro, nem da sua possível parcela de responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas por seus alunos, nem do papel do psicólogo clínico e da psicoterapia, reforçando a importância da existência de um material que clarifique estas questões. 31 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no conceito de saúde mental de Motta (2006) – vista como um caminho em direção ao desenvolvimento – e pensando nos recursos do pensamento infantil através das etapas de Piaget, foi criada uma cartilha que, com uma linguagem compreensível para a criança, explica o processo psicoterapêutico infantil. Geralmente a criança é trazida à terapia por seus cuidadores, sem nenhuma explicação prévia, chegando ao psicólogo sem saber o que está acontecendo, a utilização da presente cartilha visa evitar esta situação de desconhecimento, uma vez que é a criança o principal elemento da psicoterapia. As pesquisas encontradas mostram uma taxa de prevalência considerável para problemas de saúde mental em crianças, o que reforça a importância de se possuir um material que explique a este público o funcionamento de uma psicoterapia, de modo que não vá para esta pensando no psicoterapeuta como um médico ou uma professora, mas que saiba os motivos que estão levando-a ali, bem como o que acontecerá no setting terapêutico. Três aspectos desempenham um papel central na comunicação do médico/psicólogo com o paciente, com características próprias quando este é uma criança: 1) os aspectos relacionais, que consiste na capacidade em compreender as mensagens e interagir nas consultas/sessões; 2) os aspectos estruturais, que versam sobre a dinâmica interativa quando estão presentes pais, criança e médico/psicoterapeuta, cada um com papéis e poderes diversos; 3) os mediadores disponíveis, tanto pelo médico como pela criança, para troca de mensagens (TATES e MEEUWESEN, 2001 apud PEROSA et al., 2006). É neste terceiro aspecto que o material proposto pretende atuar, para isto, foram abordados aspectos importantes de serem explicados às crianças, como o que acontece na terapia, o que faz o psicólogo, o reconhecimento dos sentimentos, as formas de psicoterapia (em grupo ou individual), a freqüência dos encontros com o terapeuta e as atividades que podem ser desenvolvidas nestes, os objetos encontrados na sala de terapia, as coisas ditas nas sessões e de que forma isto pode ajudar, o porque do brincar em terapia, o sigilo, o porque dos encontros com os pais/cuidadores do paciente, a diminuição da queixa inicial e o desfecho da terapia. 32 Para que seja despertado um maior interesse na criança sobre o material, procurou-se apresentar estas informações de forma lúdica, por isto, além de pequenos textos, a cartilha conta com espaços onde pode, de forma interativa, aproximar-se destas informações, através de jogos, pinturas e colagens. Não encontrou-se nenhuma publicação nacional do gênero, apenas um livro com o título “O primeiro livro de psicoterapia infantil” (NEMIROFF e ANNUNZIATA, 1994), traduzido do inglês e de custo elevado. O material proposto aqui, pode ser utilizado tanto por pais que desejam fornecer informações aos seus filhos que estão ou iniciarão um processo psicoterapêutico, como por escolas, para crianças que não estão em psicoterapia, já que um dos grandes desafios da psicologia é a questão do estigma da pessoa que realiza este tipo de tratamento. O fato de crianças que não estão em psicoterapia terem acesso a este material, pode auxiliar na mudança de idéias preconcebidas sobre o que faz o psicólogo e sobre a própria psicoterapia, pois conversar sobre o assunto pode auxiliar na diminuição de idéias errôneas e estigmas. Traz informações para crianças em geral, abrange as crianças em psicoterapia, mas é voltada para o público infantil, podendo também ser de proveito para adultos interessados no tema. Enfatizando a importância de as crianças conhecerem os processos em que se encontram envolvidas, sugere-se o desenvolvimento de outros tipos de materiais informativos, como filmes, desenhos animados e outros, sempre pensando em estratégias despertem na criança o interesse sobre o assunto abordado. Outros assuntos poderiam ser temas de futuros materiais como o que faz o psicólogo de modo geral, não só na psicologia clínica, mas no trânsito, nas escolas, nos hospitais, unidades de saúde, os diversos contextos em que trabalha e o que faz neles. O tempo disponível para a elaboração do material, não tornou possível a avaliação de seu uso, e da sua eficácia no auxílio da compreensão do processo terapêutico em comparação com uma explicação exclusivamente oral. Acredita-se que com o uso da cartilha haverá uma maior clareza na compreensão do tema e esta hipótese será avaliada em pesquisa posterior. Espera-se que o material elaborado contribua para a compreensão da psicoterapia infantil por crianças, seus cuidadores e demais interessados; podendo favorecer a saúde mental infantil, na medida em que colabora com a quebra de visões estigmatizadas sobre psicoterapia infantil. 33 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da criança: teoria e técnica. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 1992. APA – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM IV-TR. Porto Alegre: Artes médicas, 2002. ASSIS, S. G.; et al. Situação de crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à violência. 2009. Disponível em: < http://www.scielosp.org/scielo.php?pid=S141381232009000200002escript=sci_abstractetlng=pt >. Acesso: 10 outubro 2009. AXLINE, Virginia Mae. 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