Quarta-feira, 21 dezembro de 2005 edições anteriores VIDA& ÍNDICE GERAL | ÍNDICE DA EDITORIA | ANTERIOR | PRÓXIMA Um filme fotográfico feito de bactérias O objetivo da biologia sintética, um novo campo, é construir seres vivos Fernando Reinach* Surge uma nova área de pesquisa, a biologia sintética, cujo objetivo é construir seres vivos. Da mesma maneira que a engenharia monta um automóvel com rodas, eixos e motores, a biologia sintética pretende utilizar um conjunto de partes padronizadas para criar máquinas vivas. Um grupo de cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) acaba de lançar o MIT Registry of Standard Biological Parts, um catálogo de peças básicas, a partir das quais é possível construir seres vivos. Utilizando a primeira versão desse catálogo foi possível construir um filme fotográfico feito de bactérias. Filmes fotográficos são folhas de plástico recobertas com um material sensível à luz, geralmente grãos de prata. Esses grãos mudam de estado quando iluminados. Após a revelação, as áreas iluminadas ficam escuras e formam a imagem. Os cientistas desenvolveram um filme com bactérias em vez de grãos de prata. Como elas se reproduzem, podem ser produzidas em grande quantidade. Como são pequenas, a resolução do filme, determinada pelo número de bactérias por centímetro quadrado, pode ser alta. A questão é que não existem bactérias que mudem de cor quando iluminadas. Foi aí que entrou o catálogo do MIT. Lá os cientistas encontraram um receptor de luz utilizado por algas marinhas. Para sintetizar esse receptor são necessários diversos genes que não existem em bactérias, mas que constam no estoque do MIT. Entretanto, não basta que a bactéria detecte a luz, é necessário fazer com que ela mude de cor quando iluminada. Novamente os cientistas consultaram o catálogo e encontraram um gene capaz de produzir um pigmento escuro. O problema final foi fazer com que o receptor de luz ligasse o gene que produz o pigmento no instante em que a bactéria era iluminada. O que necessitavam era um circuito que conectasse o receptor de luz ao gene que produz o pigmento. O circuito foi obtido no catálogo de partes biológicas. Como todas as partes listadas no catálogo podem ser interconectadas, foi relativamente fácil para os cientistas "montar" uma bactéria capaz de detectar luz e ficar escura. Feito isso, colocaram uma camada dessas bactérias sobre uma superfície e projetaram nela uma imagem. Imediatamente as bactérias iluminadas ficaram escuras e a imagem apareceu no filme biológico. Da mesma forma que um catálogo de torneiras e canos é utilizado para montar uma pia, o catálogo de partes biológicas permitirá aos técnicos em biologia sintética construir seres vivos com funções específicas. Hoje esses seres vivos nada mais são que organismos geneticamente modificados (OGMs) em que se introduz dezenas de genes de modo a criar funcionalidades. Mas este não é o objetivo final da biologia sintética. O que se pretende é utilizar esse catálogo para criar seres vivos que executem funções específicas. Quando ocorrer, o homem terá sobre a matéria viva o mesmo domínio que tem sobre a matéria inanimada. O que você acharia de um cortador de grama biológico capaz de transformar o verde do jardim em etanol para o carro? Mais informações em Engineering Escherichia coli to see light, na revista Nature, volume 438, página 441, de 2005. *[email protected] Biólogo