2 Revisão Bibliográfica 2.1 Cianeto Cianetos são substâncias que podem ocorrer naturalmente em um grande número de alimentos e plantas, sendo produzidas por certos fungos, bactérias e algas. Compreendem uma classe de compostos inorgânicos e orgânicos que contém o grupamento ciano, CN (ATSDR, 2006). O cianeto de hidrogênio ou ácido cianídrico, HCN, é produzido em escala PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null industrial pela combinação catalítica a alta temperatura do metano com amônia. Ele é muito volátil, com ponto de ebulição de 26 ºC (SHRIVER et al., 2008). Além dos processos naturais, o cianeto pode ser introduzido no ar, na água e no solo através de atividades antrópicas, que incluem metalurgia, flotação de minerais sulfetados, extração hidrometalúrgicas de ouro e prata, refino de petróleo, entre outros (ATSDR, 2006). Embora a maioria das pessoas associe o uso de cianeto com processos de mineração e metalurgia, somente cerca de 13% da produção de cianeto é consumida por estas indústrias, com o percentual restante sendo utilizado com insumo essencial de seda sintética, borracha e nylon sintéticos, tintas, remédios, produtos para agricultura, fotografias (KIRK-OTHMER, 2002). Galvanoplastia, galvanização e joalherias também fazem uso de cianeto. Cianeto de ferro é frequentemente utilizado como agente anti-aglomerante em sais de mesa e estrada (KUYUCAK e AKCIL, 2013). A Figura 1 mostra a concentração de cianeto encontrada em diversos produtos. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 24 Figura 1: Concentração de cianeto em vários materiais (Adaptado de KUYUCAK e AKCIL, 2013) O íon cianeto é um ânion que pode ser encontrado na forma de compostos complexos (fracos, moderadamente fortes e fortes), como cianeto livre ou como compostos simples. A dissolução e dissociação (ou ionização) de cianeto molecular ou cianeto iônico em solução aquosa produz cianeto livre. Dependendo do pH da solução, cianeto livre pode estar como ânion cianeto (CN-) ou ácido cianídrico, HCN (KUYUCAK e AKCIL, 2013). A maior parte do cianeto presente em águas superficiais forma cianeto de hidrogênio (HCN) e evapora. Uma parte do cianeto pode transformar-se em espécies químicas menos prejudiciais mediante a ação de microorganismos (zooplancton e fitoplancton) ou ainda formar complexos metálicos, como por exemplo, com ferro. Esses complexos assumem particular importância, devido à sua elevada estabilidade sob condições ambientais típicas (ATSDR, 2006). A variedade de compostos de cianetos relatados pode a partir da degradação natural ou processos de tratamento formar compostos que incluem tiocianato (SCN-), cianato (CNO-), amônia (amônia livre, NH3 ou íon amônio, NH4+) e nitrato (NO3-). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 25 2.1.1 Aspectos toxicológicos Cianeto não acumula no corpo e não causa doenças crônica (RIPLEY et al., 1996). A toxicidade dos vários compostos de cianeto depende de sua forma química e da sua estabilidade. A estabilidade relativa dos compostos de cianeto está associada à força relativa com que os metais (ou o hidrogênio) se acham ligados ao CN-. De uma forma geral, os complexos mais estáveis (cianocomplexos de ferro e cobalto) são os menos tóxicos, pelo fato de serem de dissociação muito limitada lenta quando em solução. O ácido cianídrico apresenta-se como o mais tóxico, pois é bastante instável e altamente volátil. As espécies CN- e o HCN são as mais tóxicas. O CN- se liga fortemente ao ferro, cobre ou enxofre, elementos chave de muitas enzimas e proteínas (LINARDI, 1998). Devido à habilidade do CN- ligar-se ao ferro presente no sangue pela PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null formação de complexos, ele pode inibir a transferência de oxigênio para as células, causando desse modo sufocação aguda de animais e humanos (RIPLEY et al., 1996). O alvo do CN- é o sítio ativo da citocromo C oxidase (a enzima na mitocôndria que reduz o oxigênio a água), resultando num colapso rápido e catastrófico da produção de energia (SHRIVER, et al., 2008). Cianeto de hidrogênio na forma líquida ou gasosa e sais de álcalis podem entrar no corpo através da inalação, ingestão ou absorção. A toxicidade de substâncias é tipicamente expressa como concentração ou dose letal à 50% da população exposta (CL50 ou DL50). Inalação de 100-300 mg de cianeto de hidrogênio gasoso /L de ar resulta em morte entre 10 e 60 minutos, inalação de 2000 mg de cianeto de hidrogênio /L de ar causa morte dentro de um minuto. A DL50 é 50-200 mg ou 1-3 mg/kg de peso do corpo humano, calculado como cianeto de hidrogênio. Para contato com uma pele ferida, a DL50 é 100 mg/kg de peso de corpo humano como HCN. Não existe notificação para biomagnificação de cianeto na cadeia alimentar (TUCKER, 1987; ATSDR, 2006; ICMI, 2012). A toxicidade dos cianetos aos peixes, por exemplo, é afetada pela temperatura, pH, teor de oxigênio dissolvido (oxida lentamente o cianeto) e concentração de minerais na solução (podem formar complexos). Quanto menor o pH, maior a proporção de HCN não dissociado. Um aumento de 10ºC na Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 26 temperatura da água duplica ou triplica a sua ação letal. Concentrações de cianeto livre no ambiente aquático variando num intervalo de 0,005 a 0,007 mg/L podem reduzir o desempenho no nado dos peixes e inibir a reprodução para muitas espécies. Outros efeitos adversos incluem mortalidade, patologias, suscetibilidade à predação, perturbação na respiração, além de alteração no padrão de crescimento. Concentrações de 0,020 a 0,076 mg/L de cianeto livre podem causar a morte de várias espécies, e concentrações superiores a 0,200 mg/L exercem um rápido efeito tóxico para a maioria dos peixes. Em invertebrados, podem ocorrer efeitos não letais em concentrações de 0,018 a 0,043 mg/L de cianeto livre e efeitos letais em concentrações de 0,030 a 0,100 mg/L (EISLER, 1991). 2.1.2 Legislação e limites PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null De acordo com a Portaria MS n˚ 2914, de 12 de dezembro de 2011, a água potável deve estar em conformidade com o padrão de substâncias químicas que representam risco para a saúde. O cianeto apresenta o valor máximo permitido de 0,07 mg/L. No Brasil, a resolução CONAMA nº 430, de 13 Maio de 2011, altera e complementa a resolução CONAMA nº 357/05, sobre as condições e padrão de lançamentos de efluentes em corpos d´água e, estabelece o limite de 0,2 mg/L de cianeto livre e 1 mg/L de cianeto total em efluentes. A Tabela 1 lista os limites de concentração de cianeto total para descarte de efluentes em diferentes localidades. Tabela 1: Limites de concentração de cianeto total para descarte de efluentes (KOREN, 2002; CARVALHO-PEDROZA et al., 2000) LOCALIDADE [CN-]total (mg/L) Ontário, Canadá 1 Quebec, Canadá 1,5 Bristish Columbia, Canadá 0,1 – 0,5 Chile 1 África do Sul 0,5 México 2 Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 27 2.1.3 Incidentes com cianeto A liberação acidental de soluções de cianeto nas águas naturais tem causado problemas relacionados com a mortandade de peixes, anfíbios e também com efeitos prejudiciais à vegetação aquática (EISLER, 1991). Nos últimos trinta anos, ocorreu, em média, um vazamento em bacias de contenção por ano, sendo que um terço desses acidentes envolveram cianeto. Tal fato faz com que a população tenha uma imagem negativa das empresas de mineração, no que concerne aos impactos ambientais por elas causados (MACKIE, 2001). O maior acidente envolvendo vazamento com cianeto ocorreu em 30 de janeiro de 2000 na Romênia (baía de Maré), que acarretou a morte de 20.000 trutas (MILLER, 2001). A contaminação alcançou na sequência, países como a Bulgária PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null e a Ucrânia. O desastre teve início em uma mina de ouro situada na Romênia, junto a um dos grandes afluentes do rio Danúbio, o rio Tisza. Uma das bacias de rejeitos extravasou, fazendo com que 100.000 litros de efluentes contaminados com cianeto seguissem o curso do rio, sufocando assim todas as formas de vida. A concentração do rio ultrapassou em 800 vezes o nível tolerado. A empresa responsável pela mina informou que a barreira de contenção não foi danificada, sendo que o transbordamento da bacia foi atribuído a forte precipitação pluviométrica ocorrida na área (MILTZAREK, 2000). A Tabela 2 apresenta os principais acidentes ocorridos no mundo nos últimos anos envolvendo cianeto em minerações. Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 28 Tabela 2: Acidentes envolvendo contaminação por cianeto LOCAL ANO OCORRIDO No incêndio da boate Kiss houve inalação de cianeto Brasil 2013 proveniente da queima de espuma de poliuretano utilizada no isolamento acústico da boate Presença de altos níveis de substâncias tóxicas, Tanzânia 2009 incluindo cianeto ao redor da mina Mara Barrick Gold Corp Gana 2006 Derrame de cianeto na barragem da mina de ouro Bogoso (BGL) Papua 2004 Nova Derrame de cianeto da mina Misima (subsidiária da Placer Dome) Guiné PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Romênia 2004 O rio Siret, foi contaminado por cianeto derramado de um reservatório desativado de uma indústria química O Instituto Internacional de Gestão de Cianeto (ICMI) foi criado com a finalidade de administrar o Código Internacional de Gestão de Cianeto para a Fabricação, Transporte e Uso de Cianeto na Produção de Ouro (Code). O Code foi desenvolvido por um comitê Gestor de múltiplas partes interassadas, sob direção do Programa Ambiental das Nações Unidas e o então Conselho Internacional de Metais e Meio Ambiente (ICME). O ICMI promove a adoção do Code, avalia sua implementação e administra o processo de certificação (ICMI, 2014). O objetivo do Code é melhorar a gestão do cianeto utilizado na mineração de ouro e ajudar na proteção da saúde humana e na redução dos impactos ambientais. A participação no Code é um programa voluntário da indústria para empresas de mineração de ouro. Empresas que adotam o Code devem ter suas ações de minerações que utilizam cianeto auditadas. As operações que atendam aos requisitos podem ser certificadas (ICMI, 2014). O Code conta com 36 empresas de ouro signatárias, 16 empresas produtoras de cianeto e 104 empresas responsáveis pelo transporte de cianeto, estando estas empresas distribuídas em 47 países (ICMI, 2014). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 29 2.1.4 Efluentes contendo cianeto Os compostos de cianeto presentes em soluções e efluentes industriais incluem cianeto livre, sais de álcalis e complexos metálicos cianetados. De acordo com Scott e Ingles (1981) os principais componentes presentes em efluentes contendo cianetos são, além de tiocianatos e cianeto livres (HCN e CN-), uma série de cianocomplexos metálicos (Tabela 3). Tabela 3: Cianocomplexos metálicos (SCOTT e INGLES, 1981) CARACTERIZAÇÃO Cianetos Livres PRINCIPAIS COMPOSTOS CN- , HCN PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Compostos Simples Solúveis NaCN, KCN, Ca(CN)2, Hg(CN)2 Pouco Solúveis Zn(CN)2, Cd(CN)2, CuCN, Ni(CN)2, AgCN Complexos Complexos Fracos Zn(CN)42-, Cd(CN)3-, Cd(CN)42- Complexos Moderadamente Fortes Cu(CN)-, Cu(CN)32-, Ni(CN)42-, Fe(CN)63-, Co(CN)64-, Ag(CN)22- Complexos Fortes Fe(CN)64-, Au(CN)2- A estabilidade relativa desses complexos está associada à força relativa com que esses metais (ou hidrogênio) se acham ligados ao cianeto. O íon cianeto (CN-) é notável pela sua grande capacidade de formação de complexos. Essa característica implica na sua vasta utilização na indústria (MARSDEN e HOUSE, 1993). Estima-se que anualmente são manufaturados mundialmente cerca de 2,6 milhões de toneladas de produtos de cianeto. Aproximadamente 20% da produção mundial de cianeto é utilizada na mineração. A maior parte desta, cerca de 95%, é empregada na lixiviação de ouro e prata. Os 5% restantes são utilizados em grande Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 30 parte como agente depressor em operações de flotação, visando à separação de metais como cobre, chumbo, molibdênio e zinco. Os 80% restantes da produção mundial de cianeto são utilizados nas indústrias de corantes, quelantes, tintas e pigmentos, indústrias de plásticos, fibras e detergentes, na produção de fármacos, pesticidas e herbicidas, na preparação de alimentos e nas indústrias metalúrgicas para processos de acabamento superficiais de metais (YOUNG, 2001). A Tabela 4 apresenta as principais indústrias geradoras de efluentes contendo cianeto, bem como suas espécies. Tabela 4: Processos e indústrias que geram efluentes contendo espécies cianídricas (GONÇALVES, 2004) PROCESSO INDUSTRIAL ESPÉCIES CIANÍDRICAS PRESENTES PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Produção de acrilonitrila Metalurgia extrativa Cianeto livre de metais Cianeto preciosos cianometálicos Indústria de galvanoplastia Cianeto livre, complexos livre, complexos cianometálicos de ferro, cobre, cádmio, prata, cromo e níquel Processos de produção de energia Cianeto livre termoelétrica durante a pirólise do carvão Indústria farmacêutica Cianeto livre e cianetos orgânicos Indústria fotoquímica Ferrocianetos e ferricianetos Indústria siderúrgica Cianeto livro e ferrocianetos Indústria petroquímica Cianeto livre Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 31 2.1.5 Química das soluções contendo cianeto livre O termo cianeto livre compreende duas espécies iônicas, íon cianeto (CN-), e molecular, ácido cianídrico (HCN) (SMITH e MUDDER, 1991). Os íons cianeto podem ser protonados na água formando HCN de acordo com a reação (1): CN- + H+ ↔ HCN (1) O ácido cianídrico (HCN) é um ácido fraco e incolor. Este ácido é tóxico e apresenta dissociação incompleta em água através da reação (2): PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null HCN ↔ H+ + CN- Ka = 6,2 x 10-10 (2) Em valores de pH próximo a 10, a maioria do cianeto livre está na forma de ânion cianeto (CN-), onde a perda por volatização é limitada. Em sistemas aquosos naturais que apresentam valores de pH entre 5 e 8,5; a maioria do cianeto livre pode ser encontrada na forma de HCN e pode ser perdida por volatização. A Figura 2 ilustra a relação entre o valor de pH da solução e as espécies de cianeto livre. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 32 Figura 2: Relação ente HCN e CN- com pH, 25 °C (Fonte: MUDDER, BOTZ e SMITH, 2001) Tanto o ácido cianídrico quanto o íon cianeto podem ser oxidados a cianato na presença de oxigênio ou outras condições oxidantes adequadas, como mostra o diagrama Eh- pH do sistema CN-H2O a 25ºC (Figura 3). A reação de oxidação pode ser expressa como: HCN + ½ O2 ↔ HCNO (3) O diagrama da Figura 3 sugere que a oxidação pelo oxigênio deve acontecer espontaneamente, porém agentes oxidantes mais fortes, como ozônio (O3), peróxido de hidrogênio (H2O2) ou hipoclorito de sódio (NaClO) são necessários para a reação desenvolver-se a taxas significativas (MARSDEN e HOUSE, 1993). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 33 Em soluções de cianeto aeradas a reação é extremamente lenta, porém a reação de oxidação pode ser acelerada pela ação da radiação ultra-violeta, calor, bactérias e catalisadores tais como dióxido de titânio, óxido de zinco e sulfeto de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null cádmio (MARSDEN e HOUSE, 1993). Figura 3: Diagrama Eh-pH do sistema CN-H2O a 25ºC (HSC 5.1) Dependendo do pH, em contato com a água, o cianeto é hidrolisado formando carbonato e íons amônio, representado pela eq. (4) (YOUNG e JORDAN, 1995): CNO- + 2H2O ↔ NH4+ + CO32- (4) 2.1.6 Compostos de cianeto no meio ambiente Uma vez liberado no meio ambiente, a reatividade do cianeto oferece inúmeros caminhos para sua degradação e atenuação que podem incluir: formação Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 34 de complexos, precipitação, adsorção, formação de cianato, formação de tiocianato, volatização, biodegradação e hidrólise. 2.1.6.1 Complexos ciano-metálicos O cianeto livre forma complexos com muitas espécies metálicas, principalmente com os metais de transição, tais como Cu, Zn, Fe, Au, Ag, Cd, Ni e Hg, entre outros. Os complexos de Cu, Zn e Fe são os mais comumente encontrados em efluentes industriais. O termo complexo significa um átomo metálico ou íon central rodeado por um conjunto de ligantes. Um ligante é um íon ou molécula que pode ter existência independente. Um complexo é a combinação de um ácido de Lewis, o átomo metálico central, com várias bases de Lewis, os ligantes (SHRIVER et al., 2008). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Os íons metálicos em solução são geralmente solvatados, devido à interação íon-dipolo entre o metal e a água. A complexação de íons metálicos resulta da substituição de moléculas de água que o circulam por íons complexantes (ou ligantes), os quais se unem quimicamente às espécies metálicas (MILTZREK, 2000). As reações de complexação são importantes na hidrometalurgia do ouro, uma vez que determinam a dimensão da dissolução do ouro e de outros metais e também afetam o consumo de reagentes. Por exemplo, a presença de cobre solúvel durante a lixiviação de cianeto aumenta o consumo de cianeto. O complexo pode ser representado pela fórmula AyM(CN)x, onde: A é o álcali, y é o número de átomos de álcalis, M é o metal, x é o número de grupos ciano. Os complexos são solúveis e liberam o íon complexo M(CN)x -y ao invés do cianeto livre, de acordo com a reação (GONÇALVES, 2002): Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica ↔ y A+x AyM(CN)x + 35 M(CN)x –y (5) Os complexos podem se dissociar liberando o íon complexo ao invés de cianeto livre, porém, os íons formados podem sofrer dissociações superiores liberando cianeto livre (SMITH e MUDDER, 1991). A solubilidade e a estabilidade dos complexos variam de acordo com o metal envolvido (MARSDEN e HOUSE, 1993). As constantes de dissociação, em ordem decrescente de estabilidade, dos complexos de cianeto com diferentes íons metálicos são apresentadas na Tabela 5. Tabela 5: Constantes de estabilidade dos complexos cianometálicos (MUDDER,1989; PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null SMITH, 1964 e GRIFFITH, 1989) Complexo Constante de Dissociação Fe(CN)64- 1x10-52 Fe(CN)63- 1x10-47 Au(CN)2- 1x10-39 Cu(CN)43- 1x10-27 Cu(CN)32- 3,16x10-25 Ni(CN)42- 1x10-22 Cu(CN)2- 1x10-21 Ag(CN)2- 2x10-21 Cd(CN)42- 1,29x10-19 Zn(CN)42- 1,26x10-17 Cd(CN)3- 4,9x10-16 Pb(CN)42- 5,01x10-11 2.1.6.1.1 Complexos cianídricos de cobre Cianeto de cobre pode ser dissolvido na presença de excesso de cianeto para formar íons cianocupratos Cu(CN)2-, Cu(CN)32- e Cu(CN)43- em solução aquosa (LU et al., 2002). Estas espécies sofrem as seguintes dissociações (LU et al., 2002): CuCN ↔ Cu+ + CN- (6) Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 36 CuCN + ↔ Cu(CN)2- (7) Cu+ + 2 CN- ↔ Cu(CN)2- (8) CN- Cu(CN)2- + CN- ↔ Cu(CN)32- (9) Cu(CN)32- + CN- ↔ Cu(CN)43- (10) CN- (11) HCN ↔ H+ + Os dados de energia livre para todas as espécies em solução são listados na Tabela 6. As Figuras 4 e 5 mostram o diagrama EH-pH do sistema Cu-CN- H2O a 25ºC com diferentes valores de atividade das espécies presentes em solução. Tabela 6: Dados da energia livre de Gibbs para cobre e espécies de cianeto (J/mol) a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null 25ºC (IZZATT et al., 1962, 1967; BARD et al., 1985; WAGMAN et al., 1982) Figura 4: Diagrama EH-pH para o sistema Cu-CN-H2O a 25ºC e atividade para todas as espécies consideradas de 1, considerando Cu(OH) 2 como uma espécie estável e utilizando dados da Tabela 6 (LU et al., 2002) Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 37 Figura 5: Diagrama EH-pH para o sistema Cu-CN-H2O a 25ºC e atividade para todas as espécies consideradas de 10-4, considerando Cu(OH)2 como uma espécie estável e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null utilizando dados da Tabela 6 (LU et al., 2002) Sob condições típicas de cianetação de ouro, Cu(CN)32- é a espécie predominante como mostrado nas Figuras 4 e 5 (LU et al., 2002). A espécie Cu(CN)32- domina em meio alcalino e na presença de cianeto livre, CN: Cu ≥ 3:1 (DAI et al., 2011). Todavia, na presença de águas com alta salinidade, a espécie predominante é Cu(CN)43- (LUKEY et al., 1999). A formação de Cu(CN)2- é favorecida em valores baixos de pH e em baixas concentrações de cianeto livre, CN:Cu < 3 (DAI, et al., 2011). Isto ocorre em consequência da dissociação dos complexos com o decréscimo do valor do pH e geração de HCN. Teoricamente, a dissociação dos complexos é completa em valores de pH menores que 4 (SHARPE, 1976). Apesar das grandes constantes de dissociação (Tabela 5) e da diminuição da toxicidade de uma solução após a formação de complexos Cu/CN, os cianetos de cobre estão sujeitos a dissociação, levando a geração de cianeto livre por variação do pH (BONAN, 1992). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 38 2.1.6.2 Precipitação Complexos de cianeto de ferro formam precipitados insolúveis com ferro, cobre, níquel, manganês, chumbo, zinco, cádmio, estanho, prata em uma faixa de valores de pH entre 2 e 11 (KUYUCAK e AKCIL, 2013). 2.1.6.3 Adsorção Cianeto e complexos de cianeto metálicos são adsorvidos sobre constituintes orgânicos e inorgânicos no solo, tais como óxidos de alumínio, ferro e manganês, certos tipos de argila, feldspato e carbono orgânico. Embora a força de ligação em materiais inorgânicos ainda não seja bem estudada, o cianeto está fortemente ligado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null à matéria orgânica (ICMI, 2014). 2.1.6.4 Formação de cianato Cianeto pode ser oxidado para a espécie menos tóxica cianato, CNO-, com ajuda de um oxidante forte como ozônio, peróxido de hidrogênio e hipoclorito. O cianato apresenta toxicidade 1000 vezes mais baixa que o cianeto. O cianeto adsorvido em material orgânico ou inorgânico no solo parece que pode ser oxidado para cianato sob condições naturais (KUYUCAK e AKCIL, 2013). O cianato não acumula em soluções devido à sua hidrólise em amônia e carbonato (ou um sal de amônio e dióxido de carbono). A taxa de hidrólise é relativamente rápida em valores de pH abaixo de 6 ou em temperaturas elevadas. A amônia livre pode formar complexos aminos solúveis com metais pesados tais como cobre, zinco, prata e níquel. Assim, a presença de amônia pode inibir a precipitação desses metais em valores de pH acima de 9, que é uma faixa de valores de pH conhecida ser eficiente na precipitação de hidróxidos metálicos (KUYUCAK, 2001). Nitrato é o produto final do processo de oxidação do cianeto, e é formado como resultado da oxidação química ou biológica da amônia (KUYUCAK e AKCIL, 2013). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 39 2.1.6.5 Formação de tiocianato Reações com algumas espécies de enxofre convertem cianeto para a espécie tiocianato (SCN-) que é cerca de sete vezes menos tóxica (KUYUCAK e AKCIL, 2013). Enxofre livre, sulfetos minerais como calcopirita (CuFeS2), calcocita (Cu2S) e pirrotita (FeS), bem como seus produtos da oxidação (polissulfetos e tiossulfatos) encontrados nos solos podem ser fontes de enxofre. Todos os sulfetos minerais, exceto de sulfeto de chumbo têm potencial para produzir tiocianato (KUYUCAK e AKCIL, 2013). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null 2.1.6.6 Volatização Em valores de pH típicos de águas naturais, o cianeto livre estará predominantemente sob a forma de ácido cianídrico. O ácido cianídrico gasoso evoluirá lentamente ao longo do tempo. A quantidade de cianeto perdida através dessa via aumenta com a diminuição de valores do pH, o aumento da aeração da solução e com o aumento da temperatura. Cianeto também é perdido por volatização a partir da superfície do solo (ICMI, 2014). 2.1.6.7 Biodegradação Em condições aeróbicas, os microrganismos podem degradar cianeto em amônia, que em seguida oxida-se em nitrato. Este processo tem sido eficiente com concentrações de cianeto até 200mg/L. Embora a degradação biológica também ocorra sob condições anaeróbicas, concentrações de cianeto maiores que 2 mg/L são tóxicas para estes microrganismos (ICMI, 2014). 2.1.6.8 Hidrólise Cianeto de hidrogênio pode ser hidrolisado em ácido fórmico ou formiato de amônio, NH3 + HCOO- (ICMI,2014). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 40 2.2 Processos de tratamento de efluentes contendo cianeto A escolha do processo mais adequado será função de fatores, como (DUTRA et al., 2002): 1- Concentração e composição do efluente a ser tratado; 2- Qualidade final desejada no despejo e legislação ambiental local; 3- Localização da unidade de tratamento, disponibilidade e preços de reagentes e insumos, topografia, área disponível para implantação da unidade, etc; 4- Tipo de processo que gerou o efluente (galvanoplastia, eletrorrecuperação, etc.); 5- Escala de operação da unidade geradora do efluente; PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null 6- Custo de capital e de operação da unidade de tratamento. 2.2.1 Tratamentos utilizados industrialmente Embora a degradação natural ainda seja utilizada para a remoção de cianeto, nas últimas décadas, diversos processos incluindo métodos químicos, biológicos, eletroquímicos e hidrólise térmica têm sido desenvolvidos para serem adicionados ou substituir a degradação natural (RIPLEY et al., 1996; CDS, 2014). Atualmente a tendência é o uso de indústrias com tratamentos utilizando tecnologias de acordo com os últimos progressos, e automatizadas. Instaladas com uma linha de monitoramento devido ao aumento de interesse de órgãos reguladores ambientais (KUYUCAK e AKCIL, 2013). A cloração alcalina e o tratamento biológico também são citados em literatura em utilizações industriais (LINARDI, 1998; CUSHNIE, 2009). A cloração alcalina já foi o processo mais utilizado no tratamento de cianeto, mas, atualmente é geralmente utilizada apenas em pequenas indústrias com NaClO e não com Cl2. A cloração alcalina degrada somente cianeto livre e complexos de cianetos fracos. A grande desvantagem deste processo é que durante a oxidação pode ocorrer como subproduto a formação de cloroaminas, produtos tóxicos à vida aquática e persistentes no ambiente aquático (GONÇALVES, 2004). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 41 Quanto ao tratamento biológico, como exemplo de aplicação industrial, podese citar o processo desenvolvido e patenteado pela Homestake Mining, nos Estados Unidos da América e Canadá (KUYUCAK e AKCIL, 2013). Diversos microrganismos e suas enzimas têm habilidade para degradar cianeto e complexos de cianeto para compostos menos tóxicos como nitrogênio, ácido fórmico e formaldeído. A degradação de cianeto pode ocorrer sob ambas as condições aeróbicas ou anaeróbicas. O tipo de reação e o processo cinético podem ser afetados pelas condições aeróbicas ou anaeróbicas, nutrientes, levedura, pH, temperatura (KUYUCAK e AKCIL, 2013). A aplicação do processo biológico tem mais sucesso em bacias de rejeito onde ambas as concentrações de cianeto e metais são relativamente mais baixas devido à degradação natural (KUYUCAK e AKCIL, 2013). Degradação natural, oxidação com dióxido de enxofre/ar, peróxido de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null hidrogênio ou ácido de Caro são as técnicas de tratamento mais utilizadas industrialmente, enquanto as outras técnicas são métodos com aplicações limitadas. Entre 2009-2010 foi implementado em duas plantas industriais de extração de ouro na América do Sul, o tratamento de efluentes por peroxicloração (combinação de peróxido de hidrogênio com hipoclorito para gerar oxigênio singlete) para degradar cianetos (TEIXEIRA et al., 2013). A Tabela 7 apresenta resumidamente métodos para remoção ou destruição de cianeto. Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 42 Tabela 7: Métodos disponíveis para remoção ou destruição de cianeto e mecanismos envolvidos (Adaptado de KUYUCAK e AKCIL, 2013) Método de Remoção/Degradação de Cianeto Degradação Natural Mecanismos Volatização Biodegradação Oxidação (por UV, microrganismos) Adição de reagentes químicos sob condições controladas: Processo de Oxidação Oxidação SO2/Ar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Cloração Alcalina (gás cloro, hipoclorito, geração eletrolítica Conversão à cianato “in situ”) Hidrólise Ozonização Oxidação UV com/sem catalisador Complexação Peróxido de Hidrogênio Hidrólise Processo com adição de sulfeto de ferro Tratamento térmico sob alta pressão Precipitação com Cu/Fe e Precipitação Oxidação Biológica Em reatores sob condições controladas Degradação (para CO2 e NH3) Sistemas Passivos Oxidação em NO3; e redução para N2 Complexação, adsorção, precipitação Recuperação de cianeto pelo processo AVR Acidificação Volatização Re-neutralização Processo de Absorção Resina de troca iônica (permite recuperação de cianeto) Carvão ativado Flotação iônica Processo Eletrolítico Complexação Decomposição Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 43 2.2.1.1 Oxidação pelo peróxido de hidrogênio ou ácido de Caro O peróxido de hidrogênio (H2O2) é muito utilizado na indústria para o tratamento de resíduos que contenham cianeto, pois se trata de um oxidante potente, solúvel em água e de fácil manuseio. Este composto oxida o cianeto livre a cianato segundo a eq. (12) (KEPA et al., 2008): CN- + H2O2 → CNO- + H2O (12) Esta reação normalmente é conduzida no valor de pH em torno de 9 - 10 e não requer controle rigoroso deste parâmetro. Os complexos de cobre e zinco também são oxidados e liberam os metais correspondentes para precipitação como hidróxidos numa faixa de pH entre 9 – 9,5 de acordo com a eq. (13), onde M PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null representa um metal divalente (GONÇALVES, 2004): M(CN)42- + 4 H2O2 + 2 OH- → M(OH)2(s) + 4 CNO- + 4 H2O (13) A reação de oxidação do íon cianeto pelo peróxido é um pouco lenta podendo, no entanto, ser acelerada pela adição de catalisadores, tais como cobre (GONÇALVES, 2004). O ácido peroxo-mono-sulfúrico (H2SO5) conhecido como ácido de Caro é um dos agentes oxidantes utilizados em tratamento de efluentes contendo cianeto (MONTALVO A., 2003). É preparado pela reação do peróxido de hidrogênio e ácido sulfúrico. A solução resultante em equilíbrio apresenta os seguintes compostos: H2SO5, H2SO4, H2O2 e H2O, segundo a eq. (14). H2O2(aq) + H2SO4 ↔ H2O + H2SO5 (14) O ácido de Caro é muito instável, necessitando ser produzido in situ. Geralmente é preparado mediante a adição do ácido sulfúrico concentrado 98% em peróxido de hidrogênio a 50%. Em comparação com o peróxido de hidrogênio, o ácido de Caro apresenta um potencial de oxidação maior, eq. (15) e eq. (16). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica H2O2 + 2 H+ + 2 eH2SO5 + 2 H+ 44 2 H2O + 2 e- H2SO4 + H2O E˚ = 1,77 V (15) E˚ = 1,81 V (16) 2.2.1.2 Oxidação combinada H2O2/Cobre Dois processos envolvendo oxidação de cianeto livre e complexos cianometálicos com H2O2 foram desenvolvidos e patenteados (BONAN, 1992). O primeiro, batizado Processo Kastone, desenvolvido pela Du Pont envolvia a adição de cobre como catalisador e formaldeído em baixas concentrações. O segundo processo, da Degussa, utiliza apenas cobre. A primeira indústria operada em escala plena com este processo foi a Ok TEDI Mining Limited, Papua Nova Guiné, e 1984. A escolha do sistema depende do tempo de reação disponível, produtos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null desejáveis (cianato ou CO2 e NH3), os tipos de cianeto a serem tratados (livre, ou complexados). A taxa de reação pode ser acelerada com cobre impregnado em carvão ativado (YEDDUE et al., 2011). A remoção de cianeto apresenta um ajuste de pseudo-segunda ordem em relação ao cianeto (KUYUCAK e AKCIL, 2013). O tratamento é usualmente conduzido na faixa de pH 9-11. A pH menor que 9 a solubilidade dos íons metálicos residuais é maior, impedindo sua eficiente remoção como hidróxidos, além da formação preferencial e inconveniente do HCN, e a pH maior que 11 a decomposição do H2O2 é intensa. 2.2.1.3 Oxidação com dióxido de enxofre (SO2) / (O2) ar Este processo foi desenvolvido e patenteado pelo Inco Metals Company em 1984 no Canadá (CMJ, 2002) e ficou conhecido como processo INCO. No processo INCO, uma mistura de SO2 e ar é utilizada em presença de catalisador cobre, sob condições de pH controladas entre os valores 8 e 10 (AKCIL, 2003). Com exceção do ferro, metais são precipitados a partir da solução como hidróxidos. O processo também remove cianeto de ferro por precipitação como ferrocianeto de cobre, níquel e zinco (KUYUCAK e AKCIL, 2013). Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 45 Na prática o consumo de reagentes (SO2/O2 e base) é geralmente maior que o teórico devido a ocorrência de reações paralelas, principalmente a oxidação de tiocianatos (MUDDER e SCOTT, 1989). CN- + SO2 + O2 + H2O Cu2+ CNO- + H2SO4 (17) A neutralização do ácido gerado e precipitação de metais (Me) são representados por: H2SO4 + Ca(OH)2 Me2+ + Ca(OH)2 → CaSO4.2H2O → Me(OH)2 (18) + Ca2+ (19) PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null A quantidade de cobre requerida para catalisar a reação varia e depende da concentração de outros constituintes no efluente. Para águas com que contêm quantidades de cobre maiores que 50 mg/L, a necessidade de adição de cobre é reduzida ou eliminada (KUYUCAK e AKCIL, 2013). O SO2 necessário no processo pode ser alimentado em várias formas tais como SO2 gasoso, metabissulfito de sódio (Na2S2O5) ou gases de forno contendo SO2 (KUYUCAK e AKCIL, 2013). Embora o processo INCO tenha mostrado potencial para desenvolvimento, ele foi utilizado na mineradora canadense Noranda e não apresentou bons resultados. Outros locais também reportaram o uso do processo INCO modificado para destruir cianeto a partir de efluentes industriais (YANG e SKRYPNIUK, 2009). 2.2.1.4 Processos naturais de degradação do cianeto A degradação natural consiste em confinar o efluente contendo cianeto em barragens por um determinado período de tempo. O tratamento é denominado natural, pois não são utilizados quaisquer meios externos para acelerar, promover ou complementar aqueles processos que ocorrem espontaneamente, por efeito do clima ou condições intrínsecas do efluente. Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 46 A degradação natural dos cianetos consiste no resultado da interação de um conjunto de processos físicos, químicos e biológicos, incluindo volatilização do HCN, dissociação de cianetos complexados, fotodecomposição (UV), oxidação química, oxidação microbiológica, hidrólise e precipitação de cianetos insolúveis (LINARDI, 1998 e KUYUCAK e AKCIL, 2013). Desses mecanismos, a volatização é considerado o mais importante. A degradação natural é influenciada por variáveis como: espécies de cianeto e sua concentração na solução, pH, temperatura, presença de bactérias, luz solar (radiação UV), aeração e condições da barragem, como área, profundidade, turbidez, turbulência. Mais de 90% de cianeto livre é removido por volatização (KUYUCAK e AKCIL, 2013). A Figura 6 ilustra os mecanismos presentes na degradação natural de cianetos. A degradação natural em barragens pode ser utilizada como um prétratamento, visando à diminuição do consumo de reagentes químicos na etapa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null posterior, onde um processo químico ou biológico permitirá alcançar a qualidade desejada para o descarte (LINARDI, 1998). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica Figura 6: Degradação natural do cianeto em bacias de rejeito (Adaptado de SMITH e MUDDER, 1991) 47 Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 48 2.2.2 Tratamentos avaliados em pesquisa Dentre os vários tratamentos avaliados em pesquisa pode-se citar adsorção em carvão ativado, troca-iônica, eletrólise, ozonização, oxidação com peróxido de hidrogênio em presença de catalisador, sendo este último também utilizado industrialmente. Será dado enfoque a oxidação com peróxido de hidrogênio, visto que o H2O2 possui potencial de oxidação superior ao cloro, dióxido de cloro e permanganato de potássio e, sendo utilizado com catalisador ou outro reagente adequado, o H2O2 pode ser convertido em radicais que podem possuir energia de ativação da reação de oxidação do cianeto mais baixas, consequentemente apresentarão velocidade de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null reação maior. 2.2.2.1 Processo combinado H2O2/SO2 Em 2003, as empresas Degussa (através de sua subsidiária Cyplus) e INCO desenvolveram um novo processo chamado de CombinOx, combinando as vantagens das tecnologias do processo INCO (SO2/O2) e a tecnologia do processo com peróxido de hidrogênio (CHEMEUROPE, 2014). O processo pode reduzir ambos, cianeto e metais pesados para níveis de concentrações baixos. A flexibilidade do processo para acomodar mudanças na alimentação foi mostrada ser a melhor vantagem (KUYUCAK e AKCIL, 2013). O processo CombinOx pode ser representado pela eq. (20): CN- + SO2 + 2 H2O2 Cu2+ CNO- + SO42- + 2 H+ + H2O (20) A adição de H2O2 juntamente com SO2 tenta eliminar a limitação do O2 no processo INCO, visto que O2 é o regente limitante da reação, devido a sua solubilidade em água. Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 49 2.2.3 Química das soluções contendo SO2 e espécies S(IV) Dióxido de enxofre é bem conhecido como agente redutor e tem sido utilizado nas indústrias (WELL, 1997). Porém, quando combinado com excesso de oxigênio e em presença de alguns metais de transição, ele exibe potencial de oxidação maior que o O2 sozinho (ZHANG, 2000). O dióxido de enxofre representa uma das moléculas mais versáteis, podendo agir, dependendo das condições experimentais, como espécie elétron doadora (base de Lewis), espécie elétron aceptora (ácido de Lewis), e também como um agente redutor (fraco em meio ácido e forte em meio básico (WILKISON et al., 1972). Embora uma solução aquosa de SO2 seja chamada de ácido sulfuroso, o H2SO3 nunca foi isolado e as espécies presentes predominantes são os hidratos SO2.nH2O. Portanto, a doação do primeiro e segundo prótons pode ser representada PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null por (SHRIVER et al., 2008): SO2.H2O ↔ H+ ↔ H+ HSO3- + HSO3- + SO32- pk1= 1,79 (21) pk2= 7,00 (22) As estruturas e ligações da molécula de dióxido de enxofre podem ser descrita pelas seguintes formas (ZHANG, 2000). Todavia, a estrutura II descreve melhor a estado fundamental do SO2 com ângulos de ligação sendo 119,5˚; devido a sua forma de ligação baseada no orbital híbrido sp2 em relação ao átomo de enxofre. Ambas as distâncias de ligação S-O são iguais a 1,432Å. Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 50 A presença de elétrons não ligados, como mostrado nas estruturas acima, é que confere ao SO2 o seu caráter de base de Lewis, enquanto que orbitais desocupados localizado principalmente no átomo de enxofre conferem seu caráter de ácido de Lewis (ANDO, 2009). O bissulfito, HSO3-, tem três estruturas dependendo da sua concentração. Em soluções diluídas, abaixo de 3x10-3 M, somente duas formas existem (ZHANG, 2000). Em altas concentrações de HSO3-, acima de 10-2 M, as formas I e II PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null estabelecem um equilíbrio com a forma III, a qual está em equilíbrio com íons dissulfito, S2O52- (ZHANG, 2000). Várias espécies de enxofre existem em faixas de estado de oxidação de -2 a +7. O diagrama Eh-pH para o sistema metaestável S-H2O é mostrado na Figura 7. As espécies estáveis HSO4- e SO42- não estão incluídas. Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 51 Figura 7: Diagrama Eh-pH para espécies metaestáveis do sistema S-H2O a 25˚C (HSC PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null 5.1) A oxidação do SO2 e espécies relacionadas, S(IV), por O2 apresenta um tempo de reação longo, porém quando são adicionados íons de metais de transição a reação pode ser acelerada (ZHANG, 2000). Embora a reação de oxidação do SO2 catalisada por metal de transição tenha sido estudada por anos, o mecanismo da oxidação ainda apresenta discussões contraditórias. Um dos mecanismos encontrados na literatura é o mecanismo radicalar (BERLUND et al., 1993; BÄCKSTRON, 1927; ZHANG, 2000). Bäckstron (1927) propôs a reação em cadeia para oxidação da espécie S(IV) catalisada por Cu2+ como: SO32- + Cu2+ → SO3∙- + Cu+ (23) Na ausência de O2, duas moléculas de SO3∙- terminam a reação formando ditionato e sulfato, representado por: 2 SO3∙- → S2O62- 2 SO3∙- → SO32- + (24) SO3 ( H2SO4) (25) Capítulo 2 – Revisão Bibliográfica 52 Na presença de O2, SO3∙- reage com O2 para formar o radical peroximonosulfato, que produz sulfato como produto final. SO3∙- + O2 SO5∙- + SO32- SO52- + SO32- 2 SO5∙- → SO5∙- → SO3∙- → → 2 SO42- + (26) + SO52- (27) 2 SO42- (28) O2 (29) No estudo de HUIE e NETA (1984), o radical SO3∙- foi detectado. Evidência para uma reação com geração de radicais na oxidação de S(IV) catalisada por um PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0921909/CA null metal de transição foi dada pela observação do efeito inibidor de sequestrantes de radicais, como o ácido ascórbico. Trabalhos relacionados com aplicação do sistema SO2/O2 em processos hidrometalúrgicos são citados na literatura relacionados com a oxidação de espécies como Fe(II), Mn(II) e Ni(II). Todavia o mecanismo cinético baseado nestes estudos ainda não é bem estabelecido. A presença de cobre no sistema SO2/O2 torna o mecanismo cinético ainda mais complexo (ZHANG, 2000).