ANÁLISE CONTRASTIVA NA TRADUÇÃO DO ESPANHOL PARA O PORTUGUÊS1 Daniele Wulff – Universidade Gama Filho 2 RESUMO: Destina-se a apresentar um breve estudo de caso que se atem ao cotejo de dois idiomas, português vs espanhol, cuja semelhança desencadeou uma problemática na estruturação sintática dos mesmos, considerando a existência de diferenças relevantes que muitas vezes tornam-se imperceptíveis aos olhos do tradutor. Tais diferenças, por sua vez, denominam-se como falsos amigos ou falsos cognatos que podem ser de origem lexical e morfossintático. Além disso, o estudo discorre sobre a relevância da tradução na sociedade, e, consequentemente o papel que desempenha o tradutor, cujo objetivo limita-se em recodificar um sistema linguístico de acordo com determinada comunidade, sem que o mesmo, perca sua integridade. Ao final, objetiva-se destacar, através da Análise Contrastiva, semelhanças e diferenças entre os idiomas. PALAVRAS-CHAVE: Tradução; Análise Contrastiva; Português vs Espanhol. INTRODUÇÃO O presente estudo, centraliza-se no cotejo de dois sistemas linguísticos, português vs espanhol, cuja semelhança dos idiomas, apresenta uma problemática na estruturação sintática e semântica ao comparar-se uma língua com a outra, uma vez, que o falante nativo tende a relacionar a significação dos signos linguísticos da língua materna (LM) com a língua estrangeira (LE), cuja tendência pode acarretar erros graves na tradução, bem como na construção do sentido do texto a que se destina. Assim, além do delicado trabalho do tradutor em transferir o conteúdo da língua de origem para língua de chegada, é preciso levar em conta a diversidade linguística presente na língua meta, uma vez, que a tradução não se restringe apenas ao confronto de dois sistemas linguísticos, no caso do espanhol, por exemplo, são vinte e um países que o possuem como língua oficial, ou seja, um único idioma possui uma extensa ramificação quanto à significação e construção morfossintática, fonética e lexical. Entretanto, tais diferenças, conforme exposto neste trabalho, não constituem apenas construções isoladas de diferentes estruturas, mas sim de significados que abrangem um contexto sócio-histórico-cultural construído a partir de determinadas características e ideologias presentes numa dada comunidade. AFINAL, O QUE É TRADUZIR? Há muito tempo o tradutor tem exercido um papel importante na sociedade através da prática da tradução. No Brasil, a profissão teve seu auge no início do século XIX, com o Romantismo, momento em que a literatura foi mais importante do que nunca para difundir os valores burgueses nesse novo mundo que se constituía. Para tanto, diversas obras foram produzidas e traduzidas para diversos idiomas a fim de que todos tivessem acesso a esse novo modelo de sociedade. Para Catford “la traducción es la sustitución del material textual de una lengua por material textual equivalente de otra”. De fato, essa é uma definição aparentemente simples que prevalece na sociedade, vista como um processo de transferência de uma língua para outra. Todavia, o trabalho do tradutor torna-se mais complexo ao tomar este “material textual”, como um desafio em transmitir não apenas o conteúdo, mas também, conceitos, ideologias, culturas, próprios de um sistema linguístico para outro, ou seja, limita-se a reproduzir um texto que, por sua vez, já possui uma bagagem ideológica de acordo com as características da comunidade do leitor. 1 Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-graduação lato sensu Tradução em Língua Espanhola – UGF – Universidade Gama Filho. 2 Graduada em letras-espanhol. Aluna do curso. Para tanto é preciso ter um amplo conhecimento das línguas de origem e de chegada, identificar-se com o autor e o tema proposto no texto original. Segundo Jakobson a tradução está relacionada com a teoria da comunicação, apresentada em forma de esquema, logo abaixo a citação: Mais frequentemente, entretanto, ao traduzir de uma língua para outra, substituem-se mensagens em uma das línguas, não por unidades de código separadas, mas por mensagens inteiras de outra língua. Tal tradução é uma forma de discurso indireto: o tradutor recodifica e transmite uma mensagem recebida de outra fonte. Assim, a tradução envolve duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes. (JAKOBSON, 2007, pág. 65) fonte texto original público alvo código Tradutor recodifica mensagem A fonte ou emissor codifica e transmite uma mensagem através de um código linguístico que ao ser decodificado pelo tradutor, o mesmo se dedica a recodificá-lo para outro código linguístico, diferente do texto original, o qual, por sua vez, destina-se a um público alvo específico. Na tradução literária, o traduzir torna-se ainda mais complexo, pois além da dificuldade da tradução, é preciso ainda, fazê-la de maneira em que se mantenha fidelidade absoluta, atendendo à estética do texto, a seu estilo e suas marcas (lexicais, gramaticais ou fonológicas), considerando que as marcas estilísticas numa língua, podem não ser em outra, ou ainda, a inexistência de algumas palavras em outras línguas. Segundo CALVO, pesquisadora da Universidad Autónoma de Madrid, Para un traductor el problema fundamental será el de buscar equivalentes que produzcan en el lector de la traducción el mismo efecto que el autor pretendía causar en el lector a quien iba dirigido el texto original. Ello le obliga a contemplar el texto, siempre desde el punto de vista de la traducción literaria, como la base de una continua “negociación” con el autor, para que el lenguaje del nuevo texto presente valores equivalentes a los del lenguaje original, sin olvidar ni su fuerza, ni sus elementos dinámicos, ni su calidad estética. Generalmente se acepta que no se traducen significados, sino mensajes, por lo que el texto deberá ser contemplado en su totalidad. (CALVO, A. Ramos, 2004, pág.02) Neste caso é necessário cautela para buscar o termo mais adequado para que a qualidade da tradução seja equivalente ao texto original, sem deixar que o mesmo perca sua integridade. Calvo (2004) também atenta para a problemática dos jogos de palavras que destinam-se em produzir efeitos de ambiguidade, caracterizando-os como “um grande temor para os tradutores, uma vez que dificultam a tradução de caráter ideológico de uma língua para outra”. Como exemplo, tem-se a seguinte frase publicitária: “Mãe não enche, mãe completa”. Nesta língua faz-se um jogo de palavras com o significado da palavra mãe, que desmonta a ideia de que “mãe gosta de pegar no pé”, “de encher o saco”, indicando que na verdade sem ela a vida seria incompleta, sem sentido. Na tradução para o espanhol a frase apresenta uma problemática, visto que se optar por Madre no llena, madre completa, por exemplo, a reprodução do título seria logicamente correta, porém se perderia o contraste ideado pelo autor. Neste caso, a busca por equivalentes lexicais é particularmente difícil e cabe ao tradutor intervir com o termo que melhor se enquadra, a fim de alcançar o mesmo efeito na outra língua. O que ocorre, na verdade, é um jogo linguístico, considerando a dinamicidade do signo que varia de acordo com o contexto sócio-histórico-cultural de determinado idioma, pois, segundo Bakhtin (1992), a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf (2008) procuram mostrar a importância que a linguagem tem na compreensão e na construção da realidade, afirmam que “a linguagem determinaria a percepção e o pensamento: as pessoas que falam diferentes línguas veem o mundo de modos distintos. Por sua vez, as diferenças de significados existentes numa língua são relativas às diferenças culturais relevantes para o povo que usa essa língua”. Assim, a tradução pode ser vista como forma de viabilizar esse processo proporcionando uma interculturalidade entre as línguas. PORTUGUÊS VS ESPANHOL A principal problemática presente nas traduções do espanhol para o português está na similaridade dos idiomas que se dá pelo fato de tanto o espanhol como o português, serem línguas derivadas do latim e estarem intrinsecamente relacionadas pela sua origem e região de seu desenvolvimento. De acordo com Camorlinga, A maior semelhança entre as duas línguas se constata no léxico, 85% das palavras possuem uma origem em comum. [...] A escrita, por ser mais normativa e conservadora, é a habilidade que apresenta maior semelhança entre as duas línguas. Na habilidade oral, por exemplo, ocorre fato semelhante: quanto mais a oralidade se distancia da ‘norma culta’, maior é a distancia entre as duas línguas. (CARMOLINGA, 1997 apud FIALHO, 2005, s/pág.) Entre as línguas de origem latina (português, espanhol, italiano e francês), sem dúvida, o português e o espanhol apresentam maior similaridade, conforme apresenta as seguintes construções: Latim Omnes homines liberi aequique dignitate atque iuribus nascuntur. Português Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Espanhol Todos los seres humanos nacen libres e iguales en dignidad y derechos. Italiano Ogni essere umano nasce libero ed eguale in dignità e diritto. Francês Tous les êtres humains naissent libres et égaux en dignité et en droits. (Disponível http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguas_rom%C3%A2nicas#Origens:_Latim_Vulgar) em Contudo, existem entre elas, diferenças importantes que podem gerar problemas graves para falantes de uma ao tentar traduzir, ou até mesmo aprender a outra. Isso ocorre porque, por um lado, aparentemente, a tradução parece ser mais fácil, no entanto, por outro lado, tal facilidade implica mais riscos, visto que tal semelhança apresenta um emaranhado de “armadilhas”, denominadas como falsos amigos ou falsos cognatos, que podem ser de origem lexical ou morfossintático, os quais denominam-se palavras cuja estrutura é igual ou semelhante em ambas as línguas, todavia seu significado é diferente. Entre eles, sem dúvida, os lexicais tem maior destaque, por apresentarem indícios recorrentes em qualquer enunciado, conforme se mostra no exemplo a seguir: (disponível em: http://www.guiapraticodeespanhol.com.br/2009/07/mas-falsos-amigos.html) A partir desse exemplo é possível identificar três falsos amigos de origem lexical: ‘presunto’, ‘sucesos’ e ‘la gente’. Tais palavras inferem que a tradução para o português seja: ‘presunto’, ‘sucessos’ e ‘a gente’, no entanto o real significado em espanhol é: ‘suposto’, ‘acontecimentos’ e ‘a população’/’as pessoas’, respectivamente. Briones (2000) apud Fialho (2005 s/pág.) afirma que “os erros mais frequentes de tradução entre o português e o espanhol e vice-versa, ocorrem devido ao desconhecimento dos falsos cognatos”. A autora constata falhas de alguns tradutores em algumas traduções que perdem o sentido verdadeiro do texto original por não saberem que o vocábulo se trata de um falso cognato. ESTUDOS CONTRASTIVOS A Análise Contrastiva, por sua vez, consiste na comparação de dois sistemas linguísticos destacando as semelhanças e as diferenças neles compreendidas. PILAR (2006, pág. 144), pesquisadora da Universidade de Salamanca, afirma que, “el objetivo de la gramática contrastiva es precisamente detectar las diferencias a este nivel, describirlas e contrastarlas. Para el traductor el provecho del estudio contrastivo podría radicar, sobre todo, en encontrar soluciones a problemas de traducción entre las dos lenguas”. Além dos falsos amigos lexicais, existem também os falsos amigos gramaticais, sendo este, inclusive, o foco principal deste trabalho que visa realizar um estudo contrastivo das desigualdades no sistema linguístico do espanhol para o português. Vale ressaltar que a confrontação de dois sistemas linguísticos não se aplica somente à tradução, mas também, costuma realizar-se no ensino-aprendizagem de língua estrangeira. El interés que puede tener la lingüística contrastiva en la traducción radica en un contraste establecido entre los elementos de una lengua y otra en el nivel del sistema, de la norma y del habla. (CACHÓN, C. Muñiz, 2001, pág. 165) No obstante, en el trasvase de una lengua a otra son necesarios conocimientos específicos de la gramática de las dos lenguas en cuestión, pues contribuyen a la correcta interpretación de un enunciado conflictivo y proporcionan recursos formales o estilísticos – frecuencia de uso, por ejemplo- para la correcta adecuación del texto meta. (CACHÓN, C. Muñiz, 2001, pág. 176) As semelhanças das estruturas gramaticais de duas línguas podem acarretar diversos problemas que abrangem desde certas imprecisões até erros graves que afetam o texto meta. A fim de minimizar o trabalho de pesquisa do tradutor e auxiliá-lo na tentativa de evitar eventuais equívocos de equivalências, o estudo e a produção de materiais sobre linguística contrastiva, faz-se imprescindível tanto no âmbito de tradução, bem como no educacional, visto que há enumeras palavras de origem comum. PILAR (2006) afirma que “un buen traductor es el que posee, aun sin saberlo, una buena gramática textual contrastiva que le permite traducir un texto sabiendo cuáles son los elementos que debe asociar, separar y aplicar en cada momento”. Na sequência, apresenta-se um estudo contrastivo fundamentado nas gramáticas de língua espanhola e portuguesa. MODO E TEMPO VERBAL Uma das maiores fontes de erros são as equivalências de modo e tempo verbal, do espanhol para o português, os quais serão evidenciados a partir de alguns fragmentos retirados do conto Luvina do autor mexicano Juan Rulfo: “-¿Qué haces aquí Agripina?” “Al atardecer, cuando el sol alumbraba sólo las puntas de los cerros, fuimos a buscarla. Anduvimos por los callejones de Luvina, hasta que la encontramos metida en la iglesia: sentada mero en medio de aquella iglesia solitaria, con el niño dormido entre sus piernas.” Acima, em negrito, há dois exemplos do uso do presente do indicativo durativo, ou seja, quando a ação se segue no momento da fala, cuja principal equivalência em português exige a perífrase estar + gerúndio. Portanto: “O que está fazendo aqui Agripina?”, seria o adequado, ou ainda, a estrutura do português lusitano estar + infinitivo: “O que está a fazer aqui Agripina?”. Isso também ocorre com a palavra dormido, no entanto, neste caso, não é necessário o emprego do verbo estar, uma vez que o mesmo subentende-se na frase: “Como está o menino?”, “(está) dormindo entre suas pernas”. A regra também se aplica ao pretérito imperfeito durativo: “El hombre aquel que hablaba se quedó callado un rato, mirando hacia afuera”, cuja equivalência em português também exige a perífrase estar + gerúndio. Portanto: “O homem, aquele que estava falando ficou calado um momento, olhando para fora”. Embora neste caso: “Hasta allí llegaba el viento, aunque un poco menos fuerte”, apresenta-se como um tempo genérico supra temporal e não durativo, ou seja, fala do que era presente em um momento do passado que se está descrevendo: “Até ali chegava o vento, ainda que um pouco menos forte”. Diferente do português, no espanhol tem-se quatro pretéritos: perfecto, imperfecto, pluscuamperfecto e preterito simple ou indefinido. Por isso, quando se trata de traduzi-los para o português é preciso ter cautela quanto ao uso das equivalências, uma vez, que não empregadas de forma coerente podem acarretar erros graves na tradução. Entre tais dificuldades destaca-se a tradução do pretérito perfecto, cuja estrutura (verbo haber + particípio) é inexistente no português, porém, apresenta equivalências, como observa-se na seguinte frase: “Ya no volví a decir nada. Me salí de Luvina y no he vuelto ni pienso regresar”. As estruturas grafadas traduzem-se igualmente ao pretérito perfeito do português que não prevê nenhuma diferença entre os dois, embora na língua portuguesa entende-se que he vuelto equivalha a algo contínuo, isto é, uma ação que iniciou-se no passado, estende-se no presente, podendo até, ser finalizada no futuro. Partindo desse ponto de vista, o tradutor pode facilmente equivocar-se ao traduzir a frase da seguinte forma: “Já não voltei a dizer nada. Saí de Luvina, não tenho voltado nem penso voltar”. Embora se tenha essa percepção de continuidade, raramente traduz-se como tal. Deve-se, portanto, manter o pretérito perfeito do português nos dois casos: “Já não voltei a dizer nada. Saí de Luvina, não voltei nem penso voltar”, salvo algumas exceções em que se faria necessário tal uso, para não afetar o sentido do texto, como por exemplo: “Ultimamente he estudiado mucho”, nesse caso é possível traduzir por: “Ultimamente tenho estudado muito”, uma vez, que ao empregar o advérbio ‘ultimamente’, a frase infere sentido de continuidade. Quanto ao uso do preterito pluscuamperfecto, “El hombre se había ido...” na maioria das vezes é mais conveniente, na tradução, empregar o verbo ter: “O homem tinha ido embora...”, a não ser que o texto contenha maior teor literário, nesse caso deve-se usar o verbo haver: “O homem havia ido embora...”. Contudo, recomenda-se que ao iniciar um texto traduzindo o verbo haber, pelo verbo “ter”, a mantenha até o final. No tempo futuro as duas línguas equivalem-se ao futuro simples: “Él acabará con ustedes”, por: “Ele acabará com os senhores”. No entanto, a estrutura que representa um futuro próximo, no espanhol, apresenta-se como: verbo ‘ir’ + preposição ‘a’ + verbo no infinitivo, por exemplo: “Descansa, aunque sea un poquito, que ya va a amanecer”, o que não ocorre em português, uma vez, que esse tempo não exige o uso da preposição ‘a’: “Descansa, ainda que seja um pouquinho, que já vai amanhecer”. Além disso, ainda há outra estrutura do futuro do presente composto, por exemplo, habré cantado, que se traduz por, terei cantado. Diferente do pluscuamperfecto verbo haber + particípio: “Está allí como si allí hubiera nacido” que ao se traduzir para o português, pode ser ‘tivesse’, ‘houvesse’ ou ainda ‘teria’ (futuro do pretérito composto) “Está ali como se ali tivesse nascido”. Em construções como hubiera querido traduz-se por ‘teria gostado’, ou seja, o pluscuamperfecto do espanhol traduz-se pelo futuro do pretérito do português. Quanto ao uso do condicional, no espanhol se usa: ‘me gustaría’ ou ‘querría que vinieras’, o que já não ocorre em português, em que se emprega o imperfeito: “queria que você viesse”. No espanhol o imperfecto del subjuntivo: “como si se llevara un sombrero” o verbo llevara poderia ser substituído por llevase sem alterar qualquer sentido, cuja tradução para o português se daria de uma única forma: “como se levasse um guarda-chuva”, utilizando-se apenas o imperfeito do subjuntivo. Outro caso no subjuntivo que diferencia a tradução dos idiomas é a seguinte estrutura: “Que llore demasiado no me conmove”, a qual em português usa-se o infinitivo em vez do presente do subjuntivo: “Ele chorar muito, não me comove”. Em relação à colocação dos pronomes, no português há certa liberdade quanto ao uso de próclise e ênclise. No entanto, há infinidades de palavras que atraem o pronome para frente do verbo, impedindo a ênclise, como em frases negativas: “não vi-o”, considerado incorreto. Tanto no português como no Espanhol, na maioria dos casos, recomenda-se o uso da próclise: “não o vi”, “no lo vi”. Todavia, há exceções, como por exemplo, em início de frase, em que na língua espanhola é admitida a próclise: “Me pongo en su lugar y pienso...”, o que não é permitido na língua portuguesa: “Coloco-me no seu lugar e penso...”. No caso do gerúndio, tanto nos dois idiomas, utiliza-se a ênclise: “Luego, dirigiéndose otra vez a la mesa”. Na tradução: “Logo, dirigindo-se outra vez à mesa”, exceto quando aparecer a preposição ‘em’ no português: “... em se tratando disso”, o que não se aplica ao espanhol. No infinitivo utiliza-se ênclise tanto em um como em outro: “No faltará modo de acomodarnos en alguna parte”, “Não faltará maneira de acomodar-nos em alguma parte”, com a ressalva do hífen empregado no português. Outra preferência gramatical da língua espanhola que basicamente não se usa em português é a voz passiva sintética que causa impressão de redundância: “Me salí de Luvina y no he vuelto ni pienso regresar”, cuja tradução não exige o uso do pronome: “Saí de Luvina e não voltei nem penso voltar”. PREPOSIÇÕES As preposições são pequenos elementos linguísticos, cuja função sintática é realizar a ligação de palavras e sentenças, que se mal empregados, podem ocasionar erros graves de compreensão num enunciado: “Cheguei de Recife”, por exemplo, possui uma propriedade semântica bem diferente de “Cheguei em Recife”. Contudo, na sequência, apresentar-se-á diferenças preposicionais do espanhol para o português, cujo verbo em ambas as línguas, exige preposições diferentes. 1. PREPOSIÇÃO ‘POR’: 1.1 Sentido de imprecisão: “Tengo una cita por la tarde” / “Tenho um compromisso de tarde”; 1.2 Expressar causa ou motivo: “Le dieron por morto” / “foi dado como morto”; “Ahora le ha dado por tocar la guitarra” / “Agora ele deu para tocar violão”; 1.3 Na Espanha é comum utilizar a estrutura “ir + a + por” com sentido de “ir a algum lugar em busca de algo”: “Voy al mercado por leche” / “Vou ao mercado comprar leite”. 1.4 Na expressão: “Televisión por cable” / “Televisão a cabo”. 2. PREPOSIÇÃO ‘A’: 2.1 Com verbos de movimento que expressam direção: “Ir a la escuela” / “Ir para escola”; “Salir a paseo” / “Sair para passear”. 2.2 Diante de complemento indireto, cuja preposição é omitida em português: “Recibieron a los profesores” / “Receberam os professores”; “El profesor suspendió a vários alumnos” / “O professor suspendeu vários alunos”; “Ese veterinario operó a mi perro.” / “Esse veterinário operou meu cachorro”; “Vi a Óscar en España” / “Vi Oscar na Espanha”; “Dejó a su perro en mi casa” / “Deixou seu cachorro na minha casa”; “Espera a Isabel en la puerta.” / “Espera Isabel na porta”. 2.3 Diante de complemento direto de pessoa e de animal ou coisa personificada: “Apostar a los caballos” / “Apostar nos cavalos”; “Adicto a la cocaína” / “Viciado em cocaína”; “Lo hizo a propósito” / “Fez de propósito”; “No se parece a nadie” / “Não se parece com ninguém”. 2.4 Para indicar o lugar de onde, com respeito a outro: “Esta calle da a un museo” / “Esta rua dá em um museo”; 2.5 Para expressar distância: “Estamos a 18 de junio” / “Estamos em 18 de junho”; “Barcelona está próxima a Ibiza” / “Barcelona está próxima de Ibiza”; 2.6 Para expressar causa: “hizo lo que hizo a causa de la presión que hizo su padre” / “fez o que fez por causa da pressão feita pelo seu pai”; “las lluvias han aumentado a consecuencia del aquecimento global” / “As chuvas aumentaram em consequência do aquecimento global”; 2.7 Para introduzir algumas expressões: “Matarse a trabajar” / “Matar-se de trabalhar”; “hicieron el pantalón a medida” / “fizeram a calça sob medida”; “Miedo a los aviones” / “medo de avião”; 2.8 Ao reger verbos como ‘jugar’: “Juega a las cartas” / “Joga cartas”; 2.9 Estrutura a + infinitivo com sentido de imperativo: “a ver” / “vejamos”. 3. PREPOSIÇÃO ‘EN’: 3.1 Quando se trata de meios de transportes: “Nunca viajé en avión” / “Nunca viajei de avião”; “llegaremos en tren” – “chegaremos de trem”. 3.2 Antes de nomes de países: “En Brasil se habla portugués” / “No Brasil se fala português”. 3.3 Ao reger alguns verbos como ‘tardar en’ – “Tardó en contestar las preguntas” / “Demorou a responder as perguntas”; ‘quedar en’ – “La mujer quedó en cuarentena” / “A mulher ficou de quarentena”; ‘ver en’ – “Ver en vivo” / “Ver ao vivo”; ‘participar en’ – “Participar en la discusión” / “Participar da discussão”. 4. PREPOSIÇÃO ‘DE’: 4.1 Causa: “Alegrarse de una vitória” / “Alegrar-se com uma vitória”; “Peca de generosidad” / “Peca por generosidade”; “Muerto de un disparo” / “Morto por um disparo”. 4.2 Modo: “Se enamoro de mí” / “Ela se apaixonou por mim”; “Dulce relleno de chocolate” / “Doce recheado com chocolate”; “Esto esta de moda” / “Isto está na moda”. 4.3 Introduzir expressões: “Acertaron de lleno” / “Acertaram em cheio”; “Estar en pie” / “Estar de pé”. 5. PREPOSIÇÃO ‘CON’: 5.1 Modo: “Fue con sombrero” / “Foi de chapéu”; “La puerta estaba cerrada con llave” / “A porta estava fechada à chave”. 5.2 Meio ou instrumento: “beso con lengua” / “beijo de língua”; “Siempre viaja con TAM” / “Sempre viaja de TAM”; “Andan con las manos dadas.” / “Andam de mãos dadas”. 5.3 Ao reger alguns verbos como ‘soñar con’ – “Soñaba con ir a Portugal” / “Sonhava em ir para Portugal”; ‘deleitar con’ – “Se deleitaba con verlo enfadado” / “Deleitava-se em vê-lo zangado”. 6. PREPOSIÇÃO ‘DESDE’: 6.1 Origem no espaço e no tempo: “Desde la ventana veo el mar” / “Da janela vejo o mar”; “Desde mi punto de vista” / “A partir do meu ponto de vista”. Em se tratando de falsos amigos sintáticos, encontram-se três tipos relacionados ao uso dos artigos: 7. USO OU OMISSÃO DO ARTIGO EM UMA DAS LÍNGUAS: 7.1 Para indicar horário: “Son las siete de la mañana” / “São sete da manhã”; 7.2 Quando se trata de porcentagem utiliza-se ‘el’ (artigo determinado) quando for número exato e ‘un’(artigo indeterminado) quando aproximado: “En Brasil el 10% de la población es analfabeta” / “No Brasil 10% da população é analfabeta”; “Un 10% de la población es obesa” / “Cerca de 10% da população é obesa”; 8. USO DE DIFERENTES ARTIGOS EM CONSTRUÇÕES SEMELHANTES: “El ave es linda” / “A ave é linda”. 9. USO DO ARTIGO NEUTRO “LO” EM ESPANHOL: “No lo hice” / “Não fiz”; “No lo sé” / “Não sei”; “En la década de lo sesenta” / “Na década de sessenta”; “Lo peor es volver a pie” / “O pior é voltar a pé”. Além disso, em espanhol não se emprega artigo antes de pronomes possessivos: “agarradas con todas sus manos”, “agarradas com todas as suas mãos”. Para tanto, além das diferenças preposicionais supracitadas, torna-se indispensável entender o uso da preposição ‘hacia’ que, por sua vez, é bastante utilizada no espanhol, cujo significado em português é "em direção a algo”. Embora seu uso não se aplique a esse contexto de falsos amigos, entendê-la faz parte deste processo e a principal equivalência utilizada no português é “para”: "...mirando hacia afuera" / "...olhando para fora"; “La terraza daba hacia el jardín” / “A varanda dava para o jardim”. Além disso, também é utilizada com sentido de imprecisão: "Almuerzo hacia las 12" / "Almoço por volta das 12h". CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, o objetivo principal foi esclarecer dúvidas recorrentes quanto ao uso de equivalências, a fim de evitar eventuais equívocos na tradução, visto que o trabalho com tais idiomas implica certa cautela tanto na escolha de equivalentes lexicais como na construção sintática do texto. Além disso, propôs-se uma reflexão sobre o trabalho do tradutor na busca por equivalentes lexicais, em que cabe a ele intervir com o termo que melhor se enquadra, a fim de alcançar o mesmo efeito na outra língua de acordo com a comunidade do leitor sem que o texto perca sua integridade e principalmente o sentido nele contido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992. CACHÓN, C. Muñiz. Alcance de la gramática en la traducción. Los falsos Amigos gramaticales. Revista Española de Lingüística. Universidad de Oviedo: vol. 31, 1, págs. 163178, 2001. CALVO, Ana Ramos. 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