citocinas inflamatórias - Faculdade de Medicina da Universidade do

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Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Imunologia 2006/2007 – 17ª Aula: 17/11/06
Aula dada por: Dr. José Artur Paiva
Citocinas Inflamatórias
“Vamos ver como é que estes tijolinhos, estas moléculas, fazem algum sentido para a
nossa vida prática…”
Caso Clínico apresentado:
− 52 anos, sexo masculino
− 5 dias antes do internamento veio à urgência com uma cólica renal (motivada,
habitualmente, por um cálculo renal que entope a via renal, dilatando a via
urinária acima dele e originando uma dor muito forte) para fazer tratamento
analgésico (injecção EV), colocou um cateter venoso no dorso da mão direita.
− 2 dias antes do internamento (portanto, 3 dias depois de ter vindo à urgência):
aparece com sinais de Celsus (tumor, calor, rubor e dor) no dorso da mão direita.
− No dia de internamento apresenta:
o Celulite (inflamação da pele e dos tecidos moles que esta recobre) no
dorso da mão direita, à volta do local da picada
o Febre
o Taquicardia
o Taquipneia
o Leucocitose (leucócitos altos)
o Confusão mental
o Hipotensão
o Lactacidemia (verifica-se por picada no dedo, por picada capilar, que o
doente possuía lactato aumentado; sendo que o lactato é um marcador
associado a anaerobiose que provoca acidose láctica – o que significa
que a entrega de oxigénio aos tecidos não era a suficiente para ele estar
em metabolismo aeróbio)
− Terapêutica:
o Internamento hospitalar
o Antibioterapia
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− Um dia depois (já internado na unidade de cuidados intermédios):
o Doente estava mais hipotenso
o Oligúria (débito urinário diminuído)
o Coagulopatia
o Leucopenia (leucócitos baixos), trompocitopenia (plaquetas baixas)
o Dispneia e radiografia que apresentava Edema alveolar bilateral difuso,
sobretudo nos segmentos dependentes (os alvéolos estavam preenchidos
por células/exsudado/inflamação)
− Transferência para a UCI
Inflamação:
É uma resposta local a uma lesão local, infecciosa ou não, caracterizada pelos sinais
de Celsus e que envolve muitas células e muitos mediadores.
Infecção:
É um tipo particular de inflamação. É um processo patológico causado pela invasão de
um tecido, fluído ou cavidade corporal, normalmente estéril, por um microorganismo
patogénico ou potencialmente patogénico.
No caso clínico apresentado, tínhamos bactérias nos tecidos moles debaixo da pele!
Na pele é normal termos bactérias mas não nos tecidos por baixo, duvidando-se até se
não teríamos bacteremia porque a entrada dos microorganismos deu-se por um catéter
colocado dentro da veia.
A composição e a regulação da resposta inflamatória depende da migração controlada
de populações leucocitárias.
Em 1991, surgiu um conceito novo Síndrome de resposta inflamatória sistémica
(SIRS – Systemic Inflamatory Response Syndrome), que exprime um conceito
fundamentalmente clínico mas que tem uma tradução fisiopatológica. O nosso
organismo reage à agressão com uma sucessão de fenómenos que se caracterizam
clinicamente por pelo menos duas das quatro características seguintes:
− Alteração da Temperatura corporal: ou >38ºC ou <36ºC
− Taquicardia: Frequência cardíaca >90 bpm
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− Hiperventilação: Frequência respiratória >20 cpm ou Hiperventilação que
elimina mais CO2 que o normal, ficando com PaCO2 <32 mmHg
− Alterações leucocitárias: Leucocitose ou Leucopenia ou “desvio à esquerda” da
população leucocitária, isto é, formas mais imaturas/mais jovens de leucócitos
Então, quando temos duas destas quatro características e, simultaneamente, uma nóxia
aguda, estamos em resposta inflamatória sistémica.
Atenção que um indivíduo com uma insuficiência cardíaca pode ter hiperventilação e
frequência cardíaca aumentada mas isso não é uma situação aguda.
Mas quem tem uma situação aguda e dois destes quatro está em resposta inflamatória
sistémica. Um indivíduo que vá fazer uma corrida de 15 minutos fica com o síndrome
porque os mediadores estão lá.
Um outro conceito que surgiu em 1991, é que para além da infecção poder levar a este
quadro clínico, havia uma quantidade de outras nóxias/de outras agressões que também
motivavam o mesmo tipo de resposta inflamatória. Por exemplo, doentes com
traumatismo grave também desenvolvem este tipo de quadro.
Assim, SIRS pode ser causada também por inalação de fumo, pancreatite, infecção,
traumatismo, queimadura, hemorragia, transfusões… portanto, várias agressões
diferentes, produzem uma cadeia de resposta inflamatória no nosso organismo que é
razoavelmente comum.
Sépsis é SIRS de causa infecciosa.
Em 2001, distinguiram-se os conceitos de sépsis, sépsis grave e choque séptico.
Sépsis – SIRS de causa infecciosa
Sépsis grave – sépsis com disfunção de pelo menos um órgão (pulmão, rim, ou
alteração da coagulação ou a nível hematológico, hepático, intestinal) ou com
hipoperfusão sistémica (existindo hipotensão ou metabolismo anaeróbio - lactacidemia)
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Verifica-se, então, que o no caso clínico apresentado, o nosso doente tinha sépsis
grave, tinha várias disfunções e lactato aumentado.
Choque séptico – a hipotensão que é refractária a fluidos. Quando um doente está
com sépsis hipotenso, sabe-se que ele está hipotenso por vasos muito dilatados logo, há
muito espaço para entrar fluído nos vasos e, para restaurar a tensão arterial, o doente
tem uma hipovolemia relativa (não perdeu sangue mas o conteúdo que estava dentro dos
vasos está desajustado porque os vasos estão dilatados). O médico vai introduzir litros
de soros para ajustar conteúdo. Se se conseguir restaurar a tensão arterial, o doente tinha
sépsis grave a entrega de oxigénio às células vai ser rapidamente corrigida e o doente
passa rapidamente ao metabolismo aeróbio. Se nem assim se consegue restaurar, então
estamos perante um choque séptico que é um situação mais grave.
A mortalidade com sépsis e com SIRS é semelhante (porque sépsis é apenas uma
forma de SIRS; abaixo de 20%), com sépsis grave é ligeiramente superior (ligeiramente
acima de 20%) e com choque séptico é muito mais elevada (50%).
Estas definições surgiram todas não só porque com a progressão da medicina de
emergência se conseguiu tratar melhor e mais precocemente estes doentes mas também
porque simultaneamente muitas ciências, e nomeadamente a imunologia, progrediram
muito no conhecimento da patofisiologia destas respostas.
Quando temos uma infecção, temos uma resposta do hospedeiro que é muitas vezes
mais grave e agressiva para o indivíduo que a própria infecção.
Essa resposta do hospedeiro caracteriza-se por uma inflamação endotelial sistémica,
um aumento da permeabilidade vascular, uma má entrega de oxigénio e um quadro de
hipercatabolismo.
A má entrega de oxigénio origina metabolismo anaeróbio e disfunções dos órgãos,
que precisam de oxigénio para trabalhar adequadamente.
O aumento da permeabilidade vascular tem uma causa fundamental na inflamação
endotelial sistémica, leva a diapedese, extravasamento, transmigração e diapedese das
células para o espaço intersticial com ocupação de áreas que habitualmente não têm
células inflamatórias com exsudados inflamatórios. Um exemplo são os túbulos renais e
os alvéolos pulmonares - ARDS.
Esta resposta do hospedeiro leva a lesão celular orgânica e disfunção orgânica,
constituindo um síndrome – MODS (Multiple organ dysfunction syndrome) que é a
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disfunção sucessiva, sequencial e progressiva de uma série de órgãos: ARDS do
pulmão, necrose celular aguda do rim, coagulopatia no sistema da coagulação,
trompocitopenia no sistema hematológico, íleon paralítico no intestino, icterícia
colestática no fígado…
Na década de 70/80, a imunologia demonstrou que existia uma via comum ou similar
de mediadores inflamatórios endógenos, ou seja, inalação de fumo, pancreatite,
infecção, traumatismo, queimadura, hemorragia, transfusões levavam a um mesmo
quadro de SIRS, porque de facto os mediadores inflamatórios endógenos libertados e a
sua interacção com vários sistemas orgânicos (coagulação etc) era similar.
Há fundamentalmente dois tipos de imunidade: a imunidade inata e a imunidade
adquirida ou adaptativa.
“Já falamos várias vezes dos linfócitos T e B e das respostas TH1 e TH2, que já
tiveram uma separação mais clara e nítida do que actualmente.”
A primeira resposta à infecção é uma resposta inata que não resulta numa memória
imunológica, isto é, nós identificamos algo como sendo non-self, estranho, reagimos,
mas não criamos uma identificação do que propriamente aquilo era nem uma memória
imunológica relativamente àquela situação.
Esta resposta imunológica inata tem vários protagonistas. O neutrófilo é talvez o
protagonista celular mais precoce.
Hoje em dia o que é extremamente atraente é o conceito do PAMP e do PRR.
Portanto, o patogénio, neste caso, a bactéria do dorso da mão, tem como que um
“código de barras”, isto é, tem um padrão que a identifica face a determinados
receptores que temos no nosso organismo, nas nossas células. A este código de barras
chamamos “Pathogen associated molecular patterns” (PAMP).
Temos também em algumas das nossas células, receptores que reconhecem esses
códigos de barras, que são os PRR, de que são exemplo os Toll-like receptors (PRR
transmembranares que reconhecem e ligam às PAMP).
Estes Toll-like receptors (TLR) são essenciais à resposta imune e não são muito
antigos na história de imunologia e da medicina. O 1º foi descrito em 1994, mas
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actualmente já estão descritos 10. Portanto, o que eles fazem é ler o código de barras e
traduzir uma resposta. E o que é curioso é que esta resposta, mesmo sendo da imunidade
inata, já é de alguma maneira específica porque cada um deles identifica coisas
diferentes:
- o TLR-4 identifica o lipopolissacarídeo (LPS), pesquisando a endotoxina que é um
constituinte das bactérias Gram negativas.
- o TLR-2 identifica o peptidoglicano e o ácido lipoteicóico, característico das
bactérias Gram positivas.
- o TLR-5 e o TLR-6 têm um reconhecimento de flagelina, isto é, identificam
microrganismos flagelados .
Mais do que isto, a especificidade dos Toll-like receptors é frequentemente
determinada pela cooperação entre receptores, isto é, nós sabemos que, por exemplo,
uma bactéria Gram positiva flagelada vai estimular o TLR-2 e o TLR-6 e que uma
bactéria Gram negativa flagelada vai estimular o TLR-4 e o TLR-5.
Talvez o mecanismo que está mais bem estudado é o reconhecimento do LPS,
portanto da endotoxina das bactérias Gram negativas. Sabemos hoje que, para o
reconhecimento da endotoxina pela célula nós precisamos de uma estrutura tripartida,
isto é, ela tem de se ligar ao CD14 e depois tem de se ligar ao MD2 e de uma forma
indirecta (não se liga directamente) ao TLR-4. Este TLR-4 é muito importante porque
tem um domínio intracelular, portanto é uma estrutura transmembranar. Portanto, para
esta estrutura (LPS) ser reconhecida é necessário que existam estes três componentes
que foram identificados muito recentemente, há cerca de 3 ou 4 anos.
Depois desta recepção há um sinal que se transmite intracitoplasticamente e depois
para dentro do núcleo da célula, num mecanismo relativamente complicado que passa
sempre pela activação e autofosforilação das cínases com produção de um factor
nuclear, o kB (NF- kB), que migra para dentro do núcleo e vai dar a indução e produção
das tais citocinas, mediadores inflamatórios que se libertam. O passo seguinte é esta
interacção entre as células, os neutrófilos, os macrófagos e a células endoteliais.
Nós sabemos que há duas citocinas que se libertam muito precocemente, antigamente
até se chamavam citocinas primárias (designação em desuso), que são o TNF-α
α e a IL1. Estas citocinas libertam-se, activam o endotélio e dão como efeitos:
- Activação da coagulação;
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- Activação da adesão leucocitária à parede do vaso. [As células habitualmente
migram, quando o fluxo é normal, no centro da corrente sanguínea, no centro dos vasos.
Mas nestas situações, elas aproximam-se da parede do vaso];
- Aumento da permeabilidade;
- Vasodilatação (que se vê bem pelos sinais de Celsus)
Para a interacção entre células circulantes e endotélio são fundamentais as moléculas
de adesão celular (CAM). As CAM existem tanto nas células circulantes como nas
células endoteliais e o que acontece é:
- o neutrófilo aproxima-se da parede do vaso e, portanto, da célula endotelial;
- a célula endotelial activa moléculas de adesão que se chamam selectinas. A primeira
a ser activada é, habitualmente, a selectina E que interage com moléculas de adesão no
neutrófilo, nomeadamente, a selectina leucocitária (selectina L);
- ocorre uma aproximação do neutrófilo ao endotélio - fenómeno de rolamento do
leucócito ao longo do endotélio;
- adesão do neutrófilo ao endotélio com base na activação de outro tipo de moléculas
de adesão, nomeadamente das ICAM e das VCAM (moléculas de adesão intercelular)
que interagem com moléculas de adesão celular, nomeadamente, as integrinas, e,
portanto, há um fenómeno em “passos” em que o TNF-α activa o processo de rolamento
e a IL-1 activa a adesão entre o leucócito e a célula endotelial.
- pela activação de outras moléculas de adesão, de que se destacam as células TCAM-1, há um processo de extravasamento e depois diapedese (quando a célula
circulante passa a membrana basal).
As citocinas chamam muitas células ao local de infecção e, nesta área, são
fundamentais a CXTR1 e a CXTR2 que são também responsáveis pela mobilidade das
células depois da diapedese, isto é, há quimiotaxia (chamada de células ao local da
infecção), neste caso, ao dorso da mão, e há progressão destas células ao longo do
espaço intersticial, onde ocorre apoptose e fagocitose.
A primeira resposta não está citada no nosso caso clínico e é a activação do sistema
linfático. O que acontece muitas vezes é que temos uma infecção no dorso da mão e os
nossos gânglios da zona do cotovelo e da zona axilar são estimulados porque houve o
fenómeno de envio da resposta inflamatória para estas primeiras sentinelas da nossa
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resposta imunológica que são os gânglios linfáticos e dá-se a activação do segundo tipo
de resposta imunógica, a resposta adaptativa que se baseia na estimulação dos
linfócitos e na sua diferenciação em Th1 e Th2.
Classicamente, diz-se que há citocinas que são de resposta Th1 (pró-inflamatórias) e
citocinas que são de resposta Th2 (anti-inflamatórias).
Havia um conceito de que se teria primeiro uma resposta pró-inflamatória e a seguir
se teria uma resposta anti-inflamatória. Hoje em dia a ideia não será provavelmente
assim...
Vamos começar por ver o que são citocinas:
Citocinas são pequenas proteínas produzidas por leucócitos (e não só) que estão
envolvidas na diferenciação das células imunocompetentes e que regulam ou ajudam a
regular os mecanismos efectores da resposta imune e, de uma forma mais lata, da
resposta inflamatória.
Elas actuam ligando-se a receptores de membrana, com elevada afinidade e depois
activam vias de sinalização intracelular que levam à expressão de genes nas células-alvo
com produção de novos mediadores.
As citocinas têm uma acção:
- autócrina – para dentro das células onde são produzida;
- parácrina – levam a alterações nas células vizinhas (que levam aos sinais de
Celsus);
- endócrina – quase como “hormonas”, têm funções sistémicas e um dos grandes
dramas da imunologia é que não se consegue explicar qual o momento em que se
passa de uma acção parácrina para um acção endócrina. As citocinas são essenciais
para o controlo da infecção local, mas se derem a tal resposta inflamatória sistémica
podem pôr um indivíduo com falta de ar, a não urinar, a coagular o sangue e perto
da morte.
Morrer de uma resposta citocínica é quase “morrer de demasiado de uma coisa muito
boa” porque a resposta citocínica é essencial à contenção da inflamação, mas se for
demasiada é ela própria perpetuadora da inflamação e indutora de disfunção orgânica.
Muitas vezes perguntam “Qual o momento em que devíamos parar a nossa resposta
citocínica?” O problema é que não sabemos. Durante muito tempo pensávamos que era
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quando as citocinas passavam do espaço intersticial para a circulação. Hoje sabemos
que não: um bocadinho de citocinas na circulação não tem nada de mal, o que tem mal é
um exagero de citocinas em circulação (o que está relacionado com o falhanço dos
ensaios de terapêutica com imunomodulação)
Resumindo:
Na sépsis temos uma resposta localizada e uma resposta sistémica inicial, isto é,
temos inflamação local com sinais de Celsus (resposta localizada) e temos febre e
taquicardia (resposta sistémica inicial) que é uma resposta necessária à restauração da
nossa homeostasia.
Porém, depois temos um quadro de inflamação sistémica maciça que vai levar à
confusão mental, hipotensão e lactacidemia.
De acordo com o conceito clássico já referido de que há primeiro uma resposta próinflamatória, temos como citocinas pró-inflamatórias:
- TNF-α
- IL-1β
- IFN γ
- ROS
- MF
- HMGB-1 – proteínas de alta mobilidade
Uns dias depois, o doente passa fundamentalmente por uma resposta anti-inflamatória
em que predominam as citocinas Th2, anti-inflamatórias: IL-4, IL-10 e os receptores
para TNF-α. Esta fase caracteriza-se clinicamente por poder levar a disfunção orgânica
e também pela imunossupressão que permite apanhar uma infecção nosocomial com
facilidade. Muitas vezes entra um doente com pneumonia da comunidade [e o seu
tratamento inicial até corre bem] e depois vem a fazer uma pneumonia nosocomial
porque está imunodeprimido, está nesta fase de anergia induzida pelas células Th2 e por
citocinas Th2. Hoje sabemos que este período pró-inflamatório é razoavelmente
pequeno e que o período anti-inflamatório, ou Imunoparalisia, se pode determinar
muito bem nos doentes doseando ou avaliando o HLABR dos monócitos. Este período
é muito mais longo que o inicial isto é, temos uma resposta anti-inflamatória
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compensatória da resposta pró-inflamatória, mas que dura mais tempo que esta última e
que nos traz riscos, como a fragilidade ao nível de infecções. E também sabemos que
conforme o tipo de doente e o tipo de doença, o balanço que os dois tipos de resposta
devem ter:
- Num doente previamente saudável com um quadro muito agudo, como uma
meningococemia, provocada pela bactéria Meningitidis presente na circulação, dá
origem a um quadro fatal em poucas horas ou reversível em poucas horas. Este doente
vai apresentar uma resposta pró-inflamatória muito elevada e uma resposta antiinflamatória muito reduzida.
- Num doente idoso, mal nutrido e com um processo inflamatório muito comum nesta
situação, inflamação dos divertículos intestinais, tem uma resposta pró-inflamatória
razoavelmente marcada, mas depois uma longa resposta anti-inflamatória.
- E sabemos que doentes com imunosupressão importante, por serem diabéticos e com
Insuficiência renal crónica, que têm uma pneumonia da comunidade, quase não têm
uma resposta pró-inflamatória e têm uma longuíssima resposta anti-inflamatória, isto é,
quase não morrem na fase aguda quase nunca têm quadros de choque e disfunção
orgânica inicial. Mas têm o perigo de nosocomialidade muito importante.
“Este é um trabalho do nosso grupo que doseia citocinas, pró e anti-inflamatórias, às
0, 12 e 24h, por processos técnicos. E vejam como citocinas pró-inflamatórias, como
TNF-α e IL-6, e citocinas anti-inflamatórias, como IL-10 e receptores 1 e 2 solúveis do
TNF, estão aumentadas desde o início.” Início é considerado o momento de chegada
dos doentes ao hospital, já que é raro num caso de infecção os doentes virem logo para o
hospital.
O que fazem estas citocinas pró-inflamatórias?
- Indução de pirogénios;
- Activação de proteínas produzidas no fígado;
- Aumentam a permeabilidade vascular;
- Activação de moléculas de adesão ao endotélio vascular;
- Produção de plaquetas e proliferação fibroblástica;
- Indução de quimiocinas, IL-6;
- Activação das células B e T;
- Aumento da síntese de imunoglobulinas.
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O TNF-α é quase um recordista, tem quase a possibilidade de desencadear totalmente
a resposta inflamatória.
− No fígado há activação de proteínas de fase aguda,
− na medula óssea há uma libertação neutrófilica,
− no hipotálamo há aumento da temperatura,
− no músculo ocorre mobilização de energia e proteínas para permitir o aumento
da temperatura,
− nas células dendríticas o TNF-α estimula a migração para os gânglios linfáticos.
Vamos caracterizar a estimulação citocínica do hipotálamo, com a libertação de
prostaglandinas e a produção de febre, e a acção da glândula supra renal, com a
produção de corticósteróides endógenos pelo córtex. Acção na medula óssea, com
aumento da produção de leucócitos numa fase inicial, e a acção no fígado que se
caracteriza por modificação do padrão de produção de proteínas, diminuindo a síntese
de albumina e aumentando a síntese de proteínas de fase aguda, como o fibrinogénio,
proteína de ligação à manose, SAA e a proteína C reactiva.
Falando mais promenorizadamente de três citocinas:
TNF-α
- está num gene do braço curto do cromossoma 6,
- é produzido por múltiplas células,
- inicialmente descrito como um agente conhecido da caquexia.
- é indutor de outras citocinas
- sobre-regula a produção de interleucina 1
- é um factor de crescimento celular
- regula a hematopioese
- tem acção pró-trombótica
- induz moléculas de adesão celular
- factor autócrino de activação da diferenciação
- activa fagócitos
- melhora as defesas contra patogénicos intracelulares
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- coestimula os APC, os Linfócitos T e leva ao aparecimento de linfócitos B e à
produção de imunoglobulinas.
Em 1985 numa experiência com ratinhos injectados com TNF, provou que depois
desta injecção ocorreu a indução de um quadro de sépsis – morte, caracterizado por
hipotensão, febre, coagulação intravascular disseminada, ARDS, falência renal aguda e
morte. Isto é, o TNF provocou choque séptico, e os ratinhos acabaram por morrer. O
TNF é o mediador que sozinho, em laboratório, consegue induzir o quadro característico
da sépsis.
Há fundamentalmente dois receptores, o TNFR1 e o TNFR2, com uma afinidade 10
vezes maior para o TNF do que o anterior. Um estimulando pela caspase, a apoptose, e
o outro levando à activação dos genes. Estes receptores são importantes para a acção do
TNF na parede celular. Estão também exprimidos numa fase solúvel, isto é, há
receptores para o TNF solúvel, por libertação do domínio extracelular.
Sendo muito menos efémeres do que o TNF (já que o TNF ao fim de umas horas
desaparece de circulação), quando presentes em baixas concentrações, estes receptores
solúveis, carregam o TNF, estabilizam a sua estrutura e aumentam a sua actividade; mas
quando estão em grande concentração, acabam por ser grandes inibidores do TNF, por
se ligarem a este e inibirem a sua ligação ao receptor tecidular.
Já há trabalhos e ensaios clínicos com a utilização dos receptores TNF para
bloquearem a resposta séptica, também aí sem grandes resultados.
Outro estudo com o Factor de necrose, com um anticorpo monoclonal anti-TNF,
verificou que, no global do tempo séptico, não há benefício no bloqueio da resposta do
TNF. Mas o curioso é que sempre que pegamos nesta população de doentes [que antes
tinha uma IL-6 muito elevada e uma lesão endotelial isquémica, um quadro inflamatório
endotelial muito marcado] verificamos que neste grupo parece que o uso de anti-TNF
pode reduzir a mortalidade por sépsis grave. Neste momento não há evidência do
benefício de anticorpos TNF na resposta isquémica, mas estão a decorrer estudos.
“Temos que seleccionar os doentes que beneficiam disto.”
Sépsis e Sépsis grave são um “saco” muito grande - Pneumonia, Sépsis
intraabdominal, Peritonite, infecção da pele e dos tecidos moles, tudo isto é chamado de
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Sépsis ou Sépsis grave, portanto temos doenças muito diferentes a receber este tipo de
terapêutica e isso confunde as coisas.
A resposta citocínica é diferente conforme a genética, a co-morbilidade do doente, o
tipo de infecção, o local da infecção e o tipo de microorganismo. Quase podemos dizer
que pode haver um perfil citocínico que seja um código para o tipo de sépsis e para o
tipo de hospedeiro.
Quando o nosso grupo de estudos analisou o TNF em doentes traumatizados, doentes
previamente imunocompetentes com sépsis e doentes neutropénicos com sepsis, foi
evidente que a produção de TNF foi muito mais elevada nos doentes que entraram na
urgência com sépsis e eram previamente saudáveis, do que nos doentes que não tinham
neutrófilos circulantes, e que também desenvolviam sépsis. Mas curiosamente, os
doentes neutropénicos ainda produziam algum TNF, o que relembra que não só os
neutrófilos produzem TNF, os fibroblastos entre outras células também o fazem.
Foi estudado o nível de TNF nas sépsis intrabdominais e o nível de TNF nas sépsis do
SNC e do pulmão: em x havia muitas citocinas pró-inflamatórias e em y havia poucas
citocinas pró-inflamatórias.
Quando estudámos casos de sépsis grave, em que não havia choque só havia
hipoperfusão, e casos de choque séptico, vemos que o TNF e o GTC têm
comportamentos razoavelmente diferentes em cada um dos grupos.
Quando um investigador estudou a mesma série de doentes anterior, doentes com
choque e sem choque, encontrou também resultados completamente diferentes nas duas
situações.
E nós sabemos hoje que, provavelmente sépsis grave e choque séptico podem não ser
estádios diferentes da mesma doença (sépsis grave evoluir para choque séptico), mas
sim serem doenças claramente diferentes. No doente com peritonite evolui muitas vezes
para sépsis grave, muita hipoperfusão e disfunção orgânica, mas não entra em choque.
Num doente com meningococemia ou com sépsis por Pneumococcus, entra
frequentemente em choque séptico, mas regula ou melhora rapidamente.
Sabemos que o TNF ou a IL-1 são muito importantes no choque séptico, mas nestes
casos mais arrastados de Sépsis grave, estes dois componentes têm muito pouco papel e
a resposta será muito mais dependente de algo mais estável na circulação como por
exemplo as HMGB.
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Portanto, a resposta tipo choque séptico caracteriza-se por colapsos cardiovasculares,
TNF e IL-1, e a resposta sépsis grave caracteriza-se por alguma disfunção orgânica sem
choque, e por uma mediação fundamentalmente pelo HMGB-1. Daí que não admire que
os anticorpos Anti-TNF, dados a uma população global de doentes com sépsis grave e
choque séptico, não dê resultados positivos. Vamos ter de aprender qual é o subgrupo
de doentes em que ele é importante.
IL-1 α e β
São sintetizadas pelos pró-peptídeos intracelulares e processados enzimaticamente em
formas maduras ou fora da membrana, têm também um receptor que não tem actividade
biológica mas compete para os receptores da IL-1.
IL-6
- Ao contrário do TNF e da IL-1, ela dura mais tempo em circulação;
- Tem sinergia com as duas citocinas primárias;
- Promove a proliferação e diferenciação de Linfócitos B e a síntese de anticorpos;
- Apresenta papel fortemente indutor das proteínas de fase aguda, nomeadamente a
proteína C reactiva.
- Promove hematopoiese e trombopoiese, porque normalmente estes doentes têm
leucocitose e plaquetas aumentadas de tamanho.
- Não induz a produção de outras citocinas , ao contrário do TNF-α;
- Tem acção anti-inflamatória no homem porque pode diminuir a síntese de TNF-α e IL1 (acção pró-inflamatória no rato mas no homem não foi comprovada);
- Produzido por muitas células - a sua produção é estimulada por TNF-α e pela IL-1;
- Muito interesse na selecção de doentes para estudos porque dura mais tempo em
circulação do que o TNF-α;
- Com carácter de hormona de alarme endotelial, ou seja, quando o endotélio está muito
necrosado, vai permitir o extravasamento e diapedese de células.
Se repararem a IL-6 é muito consistente nas três situações que nós estudámos. Isto é, a
IL-6 tem um comportamento muito semelhante seja em duas causas diferentes de
resposta inflamatória sistémica [o traumatismo grave e a infecção], seja em situações de
doentes sem e com neutrófilos.
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Em conclusão:
Vimos que várias lesões são capazes de levar a resposta inflamatória citocínica muito
semelhante. Este fenómeno baseia-se na libertação de duas citocinas primárias, muito
efémeras em circulação mas muito precoces na resposta inflamatória, que são o TNF e a
IL-1. E também se baseia depois na libertação de outras citocinas, nomeadamente IL-6.
A IL-6, juntamente com as outras duas citocinas, activa o endotélio e promove uma
interacção entre os neutrófilos, monócitos e os macrófagos (células circulantes) com
células endoteliais, levando a uma sucessão de rolamento, adesão, transmigração e
quimiotaxia.
No dorso da mão do doente apresentado verifica-se, então,:
− Aumento de libertação de proteínas plasmáticas para os tecidos;
− Aumento da fagocitose e migração de linfócitos para os tecidos;
− Aumento da adesão plaquetária às paredes dos vasos
− Fagocitose de bactérias;
− Oclusão de vasos locais;
− Drenagem para gânglios linfáticos locais (com redução da infecção, se tudo
corre bem, ou com desenvolvimento de uma imunidade adaptativa que se
caracteriza por este quadro clínica de síndrome de sépsis – SRIS. Pode levar a
um quadro de disfunção orgânica orgânica, porque há edema sistémico,
causando descida do volume sanguíneo efectivo, hipoproteinemia, neutropenia e
colapso sistémico de vasos com alterações de micro-circulação levando também
a coagulação intravascular disseminada.)
“Na UCI, a nossa capacidade de controlar a evolução da infecção é directamente
proporcional à precocidade do momento em que chegamos ao doente.”
E pronto caro colega… Cá está mais uma aula desgravada pronta a ser devorada por ti,
quer tenhas sido dos pouquitos que estavam a assistir ou dos muuuuitos que não
puseram lá os pés!
Qualquer dúvida… nos liga vai…
Bom estudo pessoal…
Margarida Moreira
Julieta Gomes
Teresa Pena
15/15
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